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CULTURAIS
ANTROPOLÓGICOS
Guilherme Marin
Relações étnico-raciais,
ensino da história e
cultura afro-brasileira,
africana e indígena
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
Introdução
O Brasil é um país fortemente marcado pela diversidade étnico-racial de-
corrente da presença das matrizes indígena, europeia e africana ao longo
da história. As Leis Federais nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008 constituem
marcos na legislação brasileira e afirmam justamente a necessidade de se
pensar uma educação que reconheça e valorize as diferentes visões de
mundo, as experiências históricas e a contribuição dos diferentes povos
na formação cultural de nossa sociedade. Ao educador cabe conhecer
os debates existente em torno de tais legislações e pensar um ensino
que vise promover a igualdade no exercício da cidadania e, sobretudo,
o respeito às diferenças. Concebemos que o ensino de história pode se
configurar em importante via para a concretização das temáticas em
pauta, conforme você vai ver ao longo deste texto.
Além disso, os índios, através de sua forte ligação com a floresta, descobri-
ram nela uma variedade de alimentos, como a mandioca (e suas variações como
a farinha, o pirão, a tapioca, o beiju e o mingau), o caju e o guaraná, utilizados
até hoje em nossa alimentação. Esse conhecimento das populações indígenas
em relação às espécies nativas é fruto de milhares de anos de conhecimento da
floresta. Neste âmbito, eles experimentaram o cultivo de centenas de espécies
como o milho, a batata-doce, o cará, o feijão, o tomate, o amendoim, o tabaco,
a abóbora, o abacaxi, o mamão, a erva-mate e o guaraná (PROGRAMA DE
DOCUMENTAÇÃO DE LÍNGUAS E CULTURAS INDÍGENAS, 2012).
Outro benefício que faz parte da herança indígena diz respeito às florestas,
plantas e ervas medicinais. O conhecimento da flora e das propriedades das
plantas os fez utilizá-las nos tratamentos de doenças. Por exemplo, a alfavaca,
que tem função antigripal, diurética e hipotensora, ou o boldo, que é digestivo,
antitóxico, combate a prisão de ventre e que pode ser usado também nas
febres intermitentes, são descobertas dos índios ainda utilizadas por muitas
pessoas no cotidiano (PROGRAMA DE DOCUMENTAÇÃO DE LÍNGUAS
E CULTURAS INDÍGENAS, 2012).
Os portugueses, provenientes da Península Ibérica (na Europa), possuíam
no rol de suas experiências culturais o contato com povos fenícios, gregos,
romanos, judeus, árabes, visigodos, mouros, celtas e africanos. É deles o
idioma português, principal veículo da cultura brasileira e, por extensão, da
cultura greco-romana, marco da civilização ocidental. Deles provém a religião
católica, com seus anjos e santos, depois simbioticamente unidos a entidades
de religiões africanas (FRANTZ; TRENNEPOHL, 2014).
Em termos culturais, podemos elencar várias contribuições lusitanas à
formação cultural brasileira. No que se refere ao calendário, pode-se dizer
que as duas festas mais difundidas no Brasil, o carnaval e as festas juninas,
só chegaram aqui por intermédio dos portugueses. Chamada inicialmente
de ‘joanina’ por homenagear São João, as festas dos santos populares, como
são conhecidas em Portugal, acabaram virando festa junina, incorporada aos
costumes locais brasileiros. Outros exemplos de festas populares que tem o pé
em Portugal são a Festa do Divino, a Farra do Boi e a Folia de Reis (MUNDO
LUSÍADA, 2016).
Além das festas populares, o folclore brasileiro também sofreu grande
influência do folclore lusitano, incorporando uma série de criaturas e seres
mágicos que faziam parte do imaginário do povo português, tais como o
bicho-papão, a cuca e o lobisomem. Diversas danças brasileiras também
vieram de Portugal. Destaque para o maracatu, o fandango e a caninha-verde.
Ritmo musical tradicional do Nordeste, especialmente nas cidades de Olinda e
Com a Lei, que posteriormente foi alterada para Lei nº 11.645/2008, pela
primeira vez na história do ensino de História, Arte e Literatura temáticas
dedicadas aos africanos e afro-brasileiros perpassariam, ao menos oficialmente,
para além da passividade e da escravidão, na medida em que fora enfatizado
o ensino e aprendizagem da “luta” do povo africano e de seus descendentes e
suas contribuições para a formação social, política, cultural e econômica do
Brasil (MURINELLI, 2012).
A década de 1980 é demarcada como sendo de grande luta de movimentos
em favor da causa afrodescendente e do combate à desigualdade racial e aos
preconceitos. Na década seguinte, as temáticas ligadas às questões étnico-
-raciais passaram a ter mais importância dentro dos debates políticos. É somente
nessa década, por exemplo, que a mídia, a sociedade, o governo da União e
as instituições escolares se voltaram, de fato, para essas questões e passaram
a discuti-las de modo mais apropriado e profundo.
Nesse mesmo período histórico, outras políticas públicas especificamente
voltadas para a população afrodescendente foram criadas, como, por exemplo,
a instauração do Movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC),
inicialmente no Estado do Rio de Janeiro, com a intenção de promover a
entrada nos alunos negros nas universidades públicas. A Marcha Zumbi dos
Palmares, no ano de 1995, também contribuiu para que o Estado brasileiro
voltasse seus olhos para as lutas anti-racistas, forçando, a partir de então, o
reconhecimento público da existência do racismo no Brasil e incentivando,
assim, uma ação mais diretiva no sentido de se discutir o problema e realizar
algumas medidas de combate ao racismo.
No ano de 1996, o Governo da União lançou o Programa Nacional de
Direitos Humanos, isto é, um documento que estabelece um conjunto de
metas para promover os Direitos Humanos, de modo geral, e a luta contra a
discriminação racial de modo específico. No conjunto dessas proposições,
encontravam-se ações afirmativas para negros e outras propostas de políticas
públicas, voltadas para a superação da discriminação racial e exclusão social
que impediam muitos brasileiros de se tornarem cidadãos.
Foi a partir do contexto constitucional que o deputado Paulo Paim apre-
sentou à Câmara Federal a proposição de lei que seria o princípio da Lei nº
10.639/2003, muito embora tal projeto tenha sido arquivado em 1995. Todavia,
uma das grandes conquistas foi a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDB – 9.394/1996 e os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs). De acordo com essas leis, vemos o tema Pluralidade Cultural, em
que se enfatiza a necessidade de trabalho e compreensão das diversas culturas
que formam a sociedade brasileira, defendendo a tolerância e a diversidade
étnica e cultural.
Na década de 2000, presenciou-se uma intensificação dos debates acerca
da questão étnico-racial no Brasil. O ponto culminante se deu com o envol-
vimento do Estado e, por conseguinte, com a participação do Brasil na “III
Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia
e Intolerância Correlata”, organizada pela ONU e realizada em Durban, na
África do Sul, no ano de 2001 (MURINELLI, 2012).
Conforme aponta Marques (2014), a Conferência de Durban fortaleceu as
entidades do Movimento Social Negro, demonstrando a necessidade de se
implantar, no Brasil, ações afirmativas e políticas de combate ao racismo e às
desigualdades étnico-raciais. Ainda segundo a autora, apesar de ser possível
identificar avanços significativos para a população negra, especialmente garan-
tidos por meio de legislações advindas do governo Fernando Henrique Cardoso
e fortalecidos nos mandatos de Luis Inácio Lula da Silva, a desigualdade entre
negros e brancos ainda permanece. A ideologia etnocêntrica é hegemônica e
ainda dita muitos dos princípios e regras da educação brasileira.
Em suma, convém destacar que a Lei nº 10.639/2003 é fruto do Projeto
de Lei nº 259/99, proposto na Câmara dos Deputados pelo então Deputado
Federal pelo PT/MS Eurídio Benhur Ferreira, ativista do Movimento Negro
de Campo Grande (Grupo TEZ Trabalho - Estudos Zumbi), e pela Deputada
Federal Ester Grossi (PT/RS). Com a aprovação daquela Casa de Leis, foi
enviado ao Senado da República no dia 05 de abril de 2003 e, no dia 09 de
maio de 2003, sancionado (MARQUES, 2014).
Segundo Marques (2014, p. 558):
https://goo.gl/F6uImN
artigos/29082013/a-influencia-africana-no-processo-de-formacao-da-cultura-afro-
-brasileira>. Acesso em: 12 ago. 2017.
FRANTZ, J. A.; TRENNEPOHL, V. L. A formação do povo brasileiro. In: TRENNEPOHL, V.
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FREITAS, I. Experiência indígena no ensino de História. In: OLIVEIRA, M. M. D. (Org.).
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MARQUES, E. P. S. Educação e relações étnico-raciais no Brasil: as contribuições das
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MURINELLI, G. R. Narrativas de futuros professores de história sobre os afrobrasileiros no
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Leituras recomendadas
FAUSTO, B. História do Brasil. 12. ed. São Paulo: EDUSP, 2006.
FREYRE, G. Casa grande & senzala. São Paulo: Global, 2006.
HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
MATTA, R. O que faz do Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986.