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Ementa e Acórdão

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07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI


REQTE.(S) : PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB E
OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : DANIEL ANTONIO DE MORAES SARMENTO E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO

EMENTA

Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 39, § 7º, da Lei nº


9.504/1997. Proibição de showmícios ou eventos assemelhados não
remunerados. Ausência de contrariedade à liberdade de expressão e ao
princípio da proporcionalidade. Artigo 23, § 4º, inciso V, da Lei nº
9.504/1997. Doações eleitorais mediante promoção de eventos de
arrecadação organizados diretamente pelo candidato ou pelo partido
político. Interpretação conforme à Constituição. Possibilidade de
realização de apresentações artísticas ou shows musicais em eventos
destinados à arrecadação de recursos para campanhas eleitorais. Pedido
julgado parcialmente procedente.
1. Por sua natureza de propaganda eleitoral, o showmício é voltado
ao público em geral e presta-se para o convencimento do eleitorado
mediante oferecimento de entretenimento, ou, mais especificamente, de
show artístico no contexto do comício ou de evento eleitoral realizado
para a promoção de candidatura, nos quais o artista e o candidato
dividem o palco/palanque com o objetivo de obter votos.
2. O Supremo Tribunal Federal reconhece a instrumentalidade da
liberdade de expressão no contexto político-eleitoral, visto que se destina
a estimular e ampliar o debate público, permitindo que os eleitores
tomem conhecimento dos diversos projetos políticos em disputa. O

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destinatário último da troca de informações durante o período eleitoral é


o cidadão eleitor, titular do direito ao voto, que deve ser exercido de
forma livre e soberana. Não são admitidas, por contrárias à liberdade de
expressão, limitações que venham a desencorajar o fluxo de ideias e
propostas de cada candidato, ou a exercer uma censura prévia quanto a
determinado conteúdo, cabendo a responsabilização, a posteriori, por
eventuais abusos praticados no exercício desse direito. Precedentes: ADI
nº 3.741/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de
23/2/07; ADI nº 4.451/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Alexandre de Moraes,
DJe de 6/3/19; ADI nº 4.650/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de
24/2/16.
3. É também assegurado a todo cidadão manifestar seu apreço ou
sua antipatia por qualquer candidato, garantia que, por óbvio, contempla
os artistas que escolherem expressar, por meio de seu trabalho, um
posicionamento político antes, durante ou depois do período eleitoral. A
proibição dos showmícios e eventos assemelhados não vulnera a
liberdade de expressão, já que a norma em questão não se traduz em uma
censura prévia ou em proibição do engajamento político dos artistas,
visto que dela não se extrai impedimento para que um artista manifeste
seu posicionamento político em seus shows ou em suas apresentações. A
norma em tela está a regular a forma com que a propaganda eleitoral
pode ser feita, não se confundindo com a vedação de um conteúdo ou
com o embaraço da capacidade de manifestação de opiniões políticas por
parte de qualquer cidadão.
4. A medida se justifica pelo intuito de evitar o abuso de poder
econômico no âmbito das eleições e de resguardar a paridade de armas
entre os candidatos. O caráter gratuito do showmício ou do evento
assemelhado não é suficiente para afastar o desequilíbrio por eles
provocado entre os concorrentes a cargos eletivos, havendo clara
vantagem para aquele que tem apresentações artísticas associadas à
promoção de sua campanha, ainda que sem pagamento de cachê.
Também se justifica no fato de que a promoção de uma candidatura por
meio do patrocínio de um show destinado ao público em geral poderia

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ser considerada como oferecimento de uma vantagem ao eleitor, o qual


acabaria por associar sua experiência de entretenimento ao político
homenageado.
5. Enquanto o showmício configura uma modalidade de propaganda
eleitoral direcionada ao público em geral para obtenção de votos, o
evento destinado à arrecadação de recursos para a campanha eleitoral
tem finalidade diversa, qual seja, a de mobilizar os apoiadores da
candidatura com o intuito de obter recursos para a viabilização da
campanha eleitoral. A realização de evento dessa natureza tem respaldo
constitucional, por se tratar de uma modalidade de doação que
proporciona ao eleitor, como pessoa física, participar do financiamento da
democracia representativa, o que reflete o espírito republicano da Carta
de 1988, pois possibilita que o cidadão viabilize ativamente o projeto
político de sua escolha.
6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente
procedente, reconhecendo-se como parte do escopo do art. 23, § 4º, inciso
V, da Lei nº 9.504/1997 a possibilidade de realização de apresentações
artísticas ou shows musicais em eventos de arrecadação de recursos para
campanhas eleitorais, não se aplicando o princípio da anualidade eleitoral
a esse entendimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do
Ministro Luiz Fux, na conformidade da ata do julgamento e nos termos
do voto do Relator, Ministro Dias Toffoli, por maioria de votos, vencidos,
em parte, os Ministros Nunes Marques, Gilmar Mendes e Luiz Fux
(Presidente), que julgavam improcedente a ação, e os Ministros Roberto
Barroso e Cármen Lúcia, que a julgavam integralmente procedente, em
julgar parcialmente procedente a ação direta, conferindo interpretação
conforme à Constituição ao art. 23, § 4º, inciso V, da Lei nº 9.504/1997,

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para incluir em seu escopo a possibilidade de realização de apresentações


artísticas ou shows musicais em eventos destinados à arrecadação de
recursos para campanhas eleitorais. Acordam, ademais, os Ministros, por
maioria de votos, vencidos os Ministros Nunes Marques, Gilmar Mendes
e Luiz Fux, não participando dessa votação o Ministro Alexandre de
Moraes, em não aplicar o princípio da anualidade ao novel entendimento.
Sessão realizada por videoconferência – Resolução nº 672/2020 – STF.

Brasília, 7 de outubro de 2021.

Ministro Dias Toffoli


Relator

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RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):


Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de
medida cautelar, ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), pelo
Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Partido dos Trabalhadores
(PT) em face dos arts. 23, § 4º, inciso V; e 39, § 7º, da Lei nº 9.504, de 30 de
setembro de 1997.
Eis o teor dos dispositivos impugnados:

“Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em


dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais,
obedecido o disposto nesta Lei.
(…)
§ 4º As doações de recursos financeiros somente poderão
ser efetuadas na conta mencionada no art. 22 desta Lei por
meio de:
(...)
V - comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção
de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo
candidato ou pelo partido político. (Incluído pela Lei nº 13.488,
de 2017)
(...)

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Art. 39. (...)


§ 7º É proibida a realização de showmício e de evento
assemelhado para promoção de candidatos, bem como a
apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade
de animar comício e reunião eleitoral (Incluído pela Lei nº
11.300, de 2006).”

Os requerentes alegam contrariedade aos arts. 5º, caput, incisos IV e


IX; 215; e 220 da Constituição Federal.
Em suma, pleiteiam (i) a declaração de inconstitucionalidade da
proibição da realização de showmícios e eventos assemelhados, assim
como da apresentação de artistas em comícios e reuniões eleitorais,
quando realizadas de forma gratuita (art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/1999) e
(ii) o reconhecimento de que a proibição de showmícios e eventos
assemelhados não impediria a realização de eventos artísticos, inclusive
shows musicais, realizados no intuito de arrecadar recursos para
campanhas eleitorais.
Para tanto, argumentam que a vedação legal à realização de
showmícios e de apresentação de artistas em comícios e reuniões
eleitorais não remunerados ofenderia a liberdade de expressão e o
princípio da proporcionalidade, pois “desrespeita[ria] a autonomia e a
dignidade das pessoas quando as trata como incompetentes para refletir e
tomar decisões, a partir das múltiplas manifestações de que sejam
destinatárias”.
Sustentam que

“seria também francamente incompatível com o princípio


da isonomia permitir eventos voltados à arrecadação de
recursos para campanha que não possuam natureza artística e
musical, e, ao mesmo tempo, proibir os que a tenham. Esta
exegese, que conjuga de modo equivocado o disposto no art. 23,
§ 4º, V, com o estabelecido no art. 37, § 8º, da Lei nº 9.504/99,
representaria odiosa e injustificável discriminação em
detrimento da arte e dos artistas”.

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Defendem os requerentes, ainda, que o julgamento da ADI nº


3.741/DF, no qual se discutiu a constitucionalidade da reforma eleitoral
promovida pela Lei nº 11.300/2006, não obstaria o conhecimento desta
demanda, pois os assuntos tratados nas ações não coincidiriam.
Ao fim, pugnam pelo deferimento de medida cautelar, para que o
Tribunal

“(i) suspenda a eficácia da expressão ‘ou não’, constante


do art. 39, §7º, da Lei nº 9.504/1999, de modo a permitir a
realização de showmícios e eventos assemelhados de caráter
não remunerado, bem como a participação não remunerada de
artistas com a finalidade de animar comício ou reunião
eleitoral;
(ii) suspenda qualquer interpretação e aplicação dos art.
23, § 4º, V, e 39, § 7º, da Lei nº 9.504/99 que importem na
proibição de ‘promoção de eventos de arrecadação realizados
diretamente pelo candidato ou pelo partido político’, os quais
envolvam apresentações artísticas, inclusive shows musicais,
realizados sem o pagamento de remuneração aos artistas.
(iii) suspenda também, ‘por arrastamento’, a eficácia de
expressão ‘ou não’ constante no art. 12 da Resolução TSE nº
23.551/2017 (Doc. 14), bem como a interpretação e aplicação de
tal dispositivo que obste a ‘promoção de eventos de
arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo
partido político’, que envolvam apresentações artísticas,
inclusive shows musicais, realizadas sem o pagamento de
remuneração aos artistas”.

No mérito, requerem

“(v.a) que seja proferida decisão de declaração parcial de


inconstitucionalidade, com redução de texto, do art. 39, §7º, da
Lei nº 9.504/1999, para excluir de sua redação a expressão ‘ou
não’, de modo a permitir a realização de showmícios e eventos
assemelhados de caráter não remunerado, bem como a
participação não remunerada de artistas com a finalidade de

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animar comício ou reunião eleitoral;


(v.b) que seja proferida decisão de declaração parcial de
inconstitucionalidade, sem redução de texto, dos art. 23, § 4º, V,
e art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/99, de modo a excluir qualquer
interpretação e aplicação de tais dispositivos que importe na
proibição de ‘promoção de eventos de arrecadação realizados
diretamente pelo candidato ou pelo partido político’, os quais
envolvam apresentações artísticas, inclusive shows musicais,
realizados sem o pagamento de remuneração aos artistas.
(v.c) que seja proferida decisão de declaração parcial de
inconstitucionalidade, ‘por arrastamento’, do art. 12 da
Resolução TSE nº 23.551/2017, para (a) excluir de sua redação a
expressão ‘ou não’, bem como (b) excluir qualquer
interpretação ou aplicação do preceito que obste a ‘promoção
de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo
candidato ou pelo partido político’, que envolvam
apresentações artísticas, inclusive shows musicais, realizadas
sem o pagamento de remuneração aos artistas”.

A Câmara dos Deputados, instada a se manifestar, afirmou que o


trâmite do projeto de lei que deu origem à norma impugnada observou o
devido processo legislativo.
O Senado Federal aduziu que

“o dispositivo, além de ter contado no processo legislativo


com a aquiescência do Poder Legislativo e do Poder Executivo,
conta também com a aquiescência do Poder Judiciário, seja por
nunca ter proferido decisão contrária à vigência da norma, seja
por ter reconhecido sua força quando da regulamentação”.

Por sua vez, a Presidência da República defendeu a


constitucionalidade da norma, asseverando tratar-se de legítima opção
legislativa, eis que

“as medidas de simplificação das campanhas e a


consequente repressão ao abuso de poder econômico assumem

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o papel de instrumentos de moralização das campanhas


eleitorais, com o objetivo maior de coibir a trucagem e a
superprodução, em favor do debate genuíno de ideias e
programas de governo”.

Nesse sentido, rejeitou a alegada violação da liberdade de expressão,


pois a regra questionada não estaria a impedir que artistas manifestem
seu posicionamento político em suas apresentações, mas sim que “a
popularidade e carisma angariados pelo artista turvem a visão do eleitor
em relação à imagem do candidato apoiado”.
A Advocacia-Geral da União opina pela improcedência do pedido,
aduzindo, em suma, que

“as restrições à realização de showmício e de evento


assemelhado para promoção de candidatos, bem como à
apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade
de animar comício e reunião eleitoral são medidas que se
mostram necessárias e adequadas à salvaguarda do processo
eleitoral justo”.

A Procuradoria-Geral da República, por sua vez, manifesta-se pela


improcedência do feito, sustentando que

“o dispositivo questionado veicula importante mecanismo


de controle sobre a propaganda eleitoral, com a finalidade de
assegurar a igualdade entre os postulantes a cargos públicos,
combater o abuso do poder nas eleições e o uso indevido dos
meios de comunicação”.

Em 10 de setembro de 2020, vieram os autos a minha relatoria, nos


termos do art. 38 do Regimento Interno do STF.
É o relatório.

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VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):

1. Introdução

Cumpridos os requisitos de admissibilidade da presente ação, passo


ao exame do mérito.
Conforme relatado, a controvérsia consiste em (i) aferir a
constitucionalidade da proibição de showmício, ou evento
assemelhado, quando não remunerado (pedido de declaração de
inconstitucionalidade parcial do art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/1997) e (ii)
verificar se a apresentação artística em eventos de arrecadação para
campanha eleitoral estaria inserida na proibição à realização de
showmícios (pedido de interpretação conforme à Constituição do art. 23,
§ 4º, inciso V, da Lei nº 9.504/1997).
A análise que ora se apresenta diz respeito, primeiramente, à forma
mediante a qual os candidatos a cargos eletivos dos Poderes Legislativo e
Executivo apresentam suas ideias e se comunicam com potenciais
eleitores por meio da propaganda eleitoral. Trata-se de tema de suma
importância para a democracia brasileira, pois ele se refere à maneira
mediante a qual os cidadãos eleitores serão informados acerca das
propostas em disputa, com base nas quais exercerão uma escolha que
definirá, temporariamente, o projeto político a ser implementado no país,
seja em nível nacional, estadual ou municipal.
Além disso, a controvérsia aborda a forma pela qual a arrecadação
de recursos para campanhas eleitorais pode ocorrer, versando acerca da
disciplina de doações realizadas por pessoas físicas a seus candidatos, o
que diz respeito à capacidade e ao direito do cidadão de endossar um
projeto político e de estreitar relações com seus possíveis
representantes.

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Trata-se de temas caros à democracia cuja disciplina é essencial para


se assegurar a legitimidade das eleições.
A existência de eleições periódicas e de mandatos temporários
decorre da opção constitucional pela forma republicana de governo, na
qual a legitimidade dos governantes deriva diretamente da escolha do
povo, em nome do qual os representantes eleitos tomam decisões
políticas sob um regime de responsabilidade.
O parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal dispõe que
“todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Esse preceito
encerra, além do princípio democrático, também o republicano, o qual se
traduz na ideia de que “a soberania reside no povo, que se autogoverna
mediante leis elaboradas preferencialmente pelos seus representantes”
(MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO,
Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 138).
Nos termos do art. 14 da Constituição Federal, o sufrágio universal é
o meio pelo qual a soberania popular é exercida, ou seja, é a forma pela
qual cada o eleitor manifesta sua vontade acerca do destino do país e, por
consequência, de seu próprio destino. Ao exercer o sufrágio, o eleitor
escolhe as pessoas que considera dignas de serem seus representantes
políticos, o que se concretiza por meio do voto direto, secreto, universal e
periódico, cláusula pétrea constante do art. 60, § 4º, inciso II, da Carta
Magna. Conforme salienta o jurista português Jorge Miranda,

“o sufrágio é o direito político máximo, porque, através


dele, os cidadãos escolhem os governantes e, assim, direta e
indiretamente, as coordenadas principais de política do Estado
(ou das entidades descentralizadas em que se situem)” (Os
direitos políticos dos cidadãos na Constituição portuguesa. In:
Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 15, nº
60, jul.-set./2007, p. 300-301).

Ao eleger como um dos fundamentos da República Federativa do

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Brasil o pluralismo político, a Constituição prestigiou a coexistência de


diferentes visões de mundo e de projetos de futuro, garantida pelo livre
fluxo de ideias e de informações, bem como a concorrência de candidatos
de diferentes espectros políticos que disputam o exercício transitório do
poder, o que, pressupõe a existência de um espaço público em que se
garantam iguais oportunidades para os diferentes atores em disputa.
Condiz com o princípio republicano que o exercício do direito ao
voto seja fruto da livre manifestação de consciência do eleitor, razão pela
qual tal exercício merece proteção contra todo e qualquer tipo de abuso
ou manipulação, de forma a se garantir um processo eleitoral legítimo,
autêntico, igualitário e, em última instância, efetivamente democrático.
Sobre essas bases se assenta o Estado Democrático de Direito, pois o
exercício da democracia não se encerra na periodicidade dos mandatos
políticos, mas pressupõe a existência de eleições tão livres, universais e
equânimes quanto possível. O festejado professor das arcadas José
Afonso da Silva leciona que

“[n]a democracia representativa a participação popular é


indireta, periódica e formal, por via das instituições eleitorais
que visam a disciplinar as técnicas de escolha dos
representantes do povo. A ordem democrática, contudo, não é
apenas uma questão de eleições periódicas, em que, por meio
do voto, são escolhidas as autoridades governamentais. Por
um lado, ela consubstancia um procedimento técnico para a
designação de pessoas para o exercício de funções
governamentais. Por outro, ‘eleger’ significa expressar
preferência entre alternativas, realizar um ato formal de
decisão política. Realmente, nas democracias de partido e
sufrágio universal as eleições tendem a ultrapassar a pura
função designatória, para se transformar num instrumento
pelo qual o povo adere a uma política governamental e
confere seu consentimento – e, por conseqüência,
legitimidade – às autoridades governamentais. Ela é, assim, o
modo pelo qual o povo, nas democracias representativas,
participa na formação da vontade do governo e no processo

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político” (Comentário contextual à Constituição. 3. ed. São


Paulo: Malheiros, 2007. p. 41, grifos nossos).

Daí a especial relevância de se estabelecerem regras para o jogo


eleitoral que proporcionem segurança jurídica e garantam uma disputa
equânime entre os candidatos, devendo esse ser o intuito da legislação
eleitoral, a qual persegue um equilíbrio entre a garantia da higidez das
eleições e a promoção do exercício de liberdades e de direitos políticos
por eleitores, candidatos e partidos.
Dessa perspectiva, passo a analisar os dispositivos impugnados, à
luz da Constituição de 1988.

2. Da constitucionalidade do art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/1997

O art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/1997, conhecida por Lei das Eleições,
insere-se no trecho intitulado “Da Propaganda Eleitoral em Geral” e
estabelece a proibição da realização de “showmício ou de evento
assemelhado para promoção de candidatos, bem como a apresentação,
remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e
reunião eleitoral”.
No ponto, os requerentes pretendem ver invalidada a expressão “ou
não”, para que seja permitida a realização de showmícios e eventos
assemelhados, desde que não remunerados, com fundamento no direito à
liberdade de expressão e no princípio da proporcionalidade. Em suma, os
argumentos apresentados na petição inicial dão conta de que a ausência
de remuneração mitigaria a preocupação com o abuso de poder
econômico dos candidatos e de que a proibição de showmícios realizados
a título gratuito importaria em uma postura paternalista do Estado com o
eleitor, impondo um ambiente eleitoral frio e asséptico. Nesse sentido, a
norma impediria o engajamento político de artistas e acabaria por
presumir a imaturidade do eleitorado para receber certas mensagens ou
informações.
A propaganda eleitoral é espécie do gênero propaganda política
voltada à obtenção de votos do eleitorado, ou seja, ao convencimento dos

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eleitores, visando à investidura de determinado candidato em um cargo


público-eletivo (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14. ed. São Paulo:
Atlas, 2018).
Embora a Lei nº 9.504/1997 não apresente uma definição de
“showmício”, o termo remete à regulação da “atuação artística em
eventos relacionados às eleições, cuja finalidade seja a promoção de
candidatura”, conforme definição de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral.
São Paulo: Atlas. 14. ed., 2018. p. 557).
Importante destacar que, por sua natureza de propaganda eleitoral,
o showmício é voltado ao público em geral e presta-se para o
convencimento do eleitorado mediante oferecimento de entretenimento,
ou, mais especificamente, de show artístico no contexto do comício ou de
evento eleitoral realizado para a promoção de candidatura, nos quais o
artista e o candidato dividem o palco/palanque com o objetivo de obter
votos.
Como estratégia comunicacional que visa à difusão de ideias
orientadas à persuasão do eleitorado quanto a um dado programa de
governo, a propaganda eleitoral está amparada pelo direito constitucional
à liberdade de expressão, o qual, como se espera de um regime
democrático, garante a livre manifestação de pensamento dos candidatos
em campanha e, ao mesmo tempo, assegura aos cidadãos o acesso às
informações necessárias para a formação de seu convencimento.
O livre trânsito de ideias é pressuposto da democracia, a qual tende
a se firmar e a progredir conforme seja proporcionado um ambiente no
qual diferentes convicções e visões de mundo sejam expostas e debatidas
de forma plural, inclusiva e pacífica. Trata-se, aliás, de um dos grandes
legados da Carta Cidadã, resoluta que foi em romper definitivamente
com um capítulo triste de nossa história em que a liberdade de expressão,
dentre tantos outros direitos, foi duramente sonegada à sociedade e ao
cidadão.
É de se reconhecer, portanto, que a liberdade de expressão deve ser
defendida e reafirmada de forma contundente, como tem feito o Supremo
Tribunal Federal, reiteradamente, ao construir uma jurisprudência sólida

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em defesa dos direitos dela decorrentes. Nesse sentido vão os seguintes


precedentes: ADPF nº 130 (Lei de Imprensa); RE nº 511.961 (dispensa do
diploma para o exercício de jornalismo); ADI nº 2.404 (classificação
indicativa de diversões públicas); ADI nº 4.451 (humor nas eleições); ADI
nº 2.566 (discurso proselitista em serviço de radiodifusão comunitária);
ADPF nº 548 (livre manifestação de ideias em universidades); Rcl nº
36.742 (impedimento da apreensão de livros na Bienal do Livro do Rio de
Janeiro); Rcl nº 38.782 (exibição do especial de Natal da produtora Porta
dos Fundos); ADPF nº 187 (manifestações em prol da legalização da
maconha); ADI nº 4.815 (constitucionalidade das biografias não
autorizadas); RE nº 1.010.606 (direito ao esquecimento) e ADI nº 5.418
(direito de resposta).
A liberdade de expressão e o acesso à informação no contexto
eleitoral foram especificamente abordados pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal em diversos julgados.
No julgamento da ADI nº 3.741/DF, Relator o Ministro Ricardo
Lewandowski, o Plenário deste Tribunal, por votação unânime, declarou
a inconstitucionalidade de dispositivo de lei que proibia a divulgação de
pesquisas eleitorais a partir do décimo quinto dia anterior ao pleito
eleitoral.
A decisão teve como fundamento a violação do direito à informação
e a constatação de que a norma questionada se revelava inadequada,
desnecessária e desproporcional,

“quando confrontada com o objetivo colimado pela


legislação eleitoral, que é, em última análise, permitir que o
cidadão forme a sua convicção de modo mais amplo e livre
possível, antes de concretizá-la nas urnas por meio do voto”
(DJe de 23/2/07).

Na ADI nº 4.451/DF, da relatoria do Ministro Alexandre de Moraes,


o Tribunal declarou a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei nº
9.504/1997 que vedavam a veiculação, por emissoras de rádio e televisão,
durante o período eleitoral, de trucagem, montagem ou outros recursos

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de áudio ou vídeo, aí incluídas as sátiras e os programas humorísticos,


que tivessem por objeto candidatos, partidos e coligações e, de forma
mais ampla, proibiam a difusão de opiniões sobre o pleito eleitoral.
O Ministro Relator, em seu voto, ao constatar a presença do “traço
marcante da censura prévia, com seu caráter preventivo e abstrato”,
considerou que os dispositivos ali impugnados estariam a restringir a
liberdade de expressão durante o período eleitoral ao pretender
diminuir a liberdade de opinião e de criação artística e a pluralidade de
ideias, visando ao controle do pensamento crítico, pelo que considerou
ilegítima a interferência estatal, no que foi acompanhado por
unanimidade.
A seguinte ementa ilustra o que foi decidido na oportunidade:

“LIBERDADE DE EXPRESSÃO E PLURALISMO DE


IDEIAS. VALORES ESTRUTURANTES DO SISTEMA
DEMOCRÁTICO. INCONSTITUCIONALIDADE DE
DISPOSITIVOS NORMATIVOS QUE ESTABELECEM PREVIA
INGERÊNCIA ESTATAL NO DIREITO DE CRITICAR
DURANTE O PROCESSO ELEITORAL. PROTEÇÃO
CONSTITUCIONAL AS MANIFESTAÇÕES DE OPINIÕES
DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E A LIBERDADE DE
CRIAÇÃO HUMORISTICA. 1. A Democracia não existirá e a
livre participação política não florescerá onde a liberdade de
expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao
pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante
para o salutar funcionamento do sistema democrático. 2. A livre
discussão, a ampla participação política e o princípio
democrático estão interligados com a liberdade de expressão,
tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e
ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de
valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a
real participação dos cidadãos na vida coletiva. 3. São
inconstitucionais os dispositivos legais que tenham a nítida
finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do
pensamento crítico, indispensável ao regime democrático.

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Impossibilidade de restrição, subordinação ou forçosa


adequação programática da liberdade de expressão a
mandamentos normativos cerceadores durante o período
eleitoral. 4. Tanto a liberdade de expressão quanto a
participação política em uma Democracia representativa
somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e
possibilidade de exposição crítica das mais variadas opiniões
sobre os governantes. 5. O direito fundamental à liberdade de
expressão não se direciona somente a proteger as opiniões
supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas
também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis,
satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas
maiorias. Ressalte-se que, mesmo as declarações errôneas, estão
sob a guarda dessa garantia constitucional. 6. Ação procedente
para declarar a inconstitucionalidade dos incisos II e III (na
parte impugnada) do artigo 45 da Lei 9.504/1997, bem como,
por arrastamento, dos parágrafos 4º e 5º do referido artigo”
(ADI nº 4.451, Tribunal Pleno, Rel. Min. Alexandre de Moraes ,
DJe de 6/3/19).

Cumpre mencionar, ainda, a ADI nº 4.650/DF, Relator o Ministro


Luiz Fux, na qual o STF julgou inconstitucionais os dispositivos legais
que autorizavam a doação realizada por pessoas jurídicas a partidos
políticos. Na ocasião, Sua Excelência lançou o questionamento sobre se o
âmbito de proteção da liberdade de expressão compreenderia um direito
fundamental das pessoas jurídicas realizarem doações para campanhas. A
resposta foi negativa, consignando-se que uma doação feita por pessoa
jurídica não poderia ser entendida como um corolário da liberdade de
expressão.
O eminente Relator destacou a dimensão instrumental ou acessória
que a liberdade de expressão assume no âmbito político-eleitoral, visto
que ela se destina a estimular e ampliar o debate público, permitindo
que os eleitores tomem conhecimento dos diversos projetos políticos
em disputa. Assinalou Sua Excelência, no entanto, que o uso excessivo
do poder econômico no processo eleitoral interfere nesse estado ideal

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de coisas, gerando desequilíbrio na disputa. Nesse sentido vai o


seguinte trecho do voto de Sua Excelência:

“Embora não se negue o seu caráter substantivo, o


princípio da liberdade de expressão, no aspecto político,
assume uma dimensão instrumental ou acessória. E isso porque
a sua finalidade é estimular a ampliação do debate público, de
sorte a permitir que os indivíduos tomem contato com
diferentes plataformas e projetos políticos. Como decorrência,
em um cenário ideal, isso os levaria a optar pelos candidatos
mais alinhados com suas inclinações políticas.
Ocorre que a excessiva penetração do poder econômico no
processo político compromete esse estado ideal de coisas na
medida em que privilegia alguns poucos candidatos – que
possuem ligações com os grandes doadores – em detrimento
dos demais. Trata-se de um arranjo que desequilibra, no
momento da competição eleitoral, a igualdade política entre os
candidatos, repercutindo, consequentemente, na formação dos
quadros representativos” (DJe de 24/2/16).

Do exposto, verifica-se que este Tribunal reconhece haver uma


instrumentalidade na liberdade de expressão no contexto político-
eleitoral, considerando que o destinatário último da troca de informações
durante o período eleitoral é o cidadão eleitor, titular do direito ao voto,
que deve ser exercido de forma livre e soberana.
Assim, o que se busca é munir o eleitor de informações sobre os
potenciais representantes políticos do povo, para se proporcionar a ele
uma tomada de decisão qualificada pelo acesso à informação, pelo que
não são admitidas, por contrárias à liberdade de expressão, limitações
que venham a desencorajar o fluxo de ideias e propostas de cada
candidato, ou a exercer uma censura prévia quanto a determinado
conteúdo, cabendo a responsabilização, a posteriori, por eventuais
abusos praticados no exercício desse direito.
Pelo mesmo motivo, é também assegurado a todo cidadão
manifestar seu apreço ou sua antipatia por qualquer candidato, garantia

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que, por óbvio, contempla os artistas que escolherem expressar, por


meio de seu trabalho, um posicionamento político antes, durante ou
depois do período eleitoral.
Por seu turno, a proibição do showmício e de eventos assemelhados
não se confunde com uma censura prévia, pois não significa a vedação à
manifestação artística de cunho político. Isto é, da norma não se extrai
impedimento para que um artista manifeste seu posicionamento
político, incluindo-se o apoio explícito ou repúdio declarado a
determinado candidato em seus shows ou em suas apresentações.
O que o art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/1997 proíbe é a apresentação
artística como atributo de um comício eleitoral, associando-se a
presença do candidato e de suas ideias de campanha ao entretenimento
e lazer proporcionado pelo artista aos eleitores em geral com o intuito
de obtenção de votos.
É dizer: a Lei nº 9.504/1997, ao proibir a realização de showmícios,
remunerados ou não, está a regular a forma com que a propaganda
eleitoral pode ser feita, não se confundindo com a vedação de um
conteúdo ou com o embaraço da capacidade de manifestação de
opiniões políticas por parte de qualquer cidadão.
Portanto, não se cuida de mediar qual mensagem está apta a ser
emitida ao cidadão, mas de se estabelecer regra procedimental que busca
garantir o acesso à informação livre de manipulações ou influências
alheias à disputa eleitoral.
José Jairo Gomes observa, nesse sentido, que a norma se limita

“a regular a atuação artística em eventos relacionados às


eleições, cuja finalidade seja a promoção de candidatura. Não
proíbe que artistas (atores, cantores, animadores,
apresentadores etc.) exerçam seus trabalhos durante o período
eleitoral, mas apenas que o façam em eventos eleitorais, de
modo que estes não sejam descaracterizados. Daí inexistir
qualquer ofensa ao inciso IX do art. 5º da Lei maior, que
assegura a livre expressão da atividade artística, tampouco ao
inciso XIII do mesmo artigo, que afirma ser ‘livre o exercício de

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qualquer trabalho, ofício ou profissão’” (Direito Eleitoral. São


Paulo: Atlas. 14. ed. 2018. p. 557).

Embora o Supremo Tribunal Federal ainda não tenha se manifestado


acerca da controvérsia aqui posta, importa registrar que a Lei nº
11.300/2006 (minirreforma eleitoral), que inseriu o § 7º ao art. 39 da Lei
das Eleições, foi objeto de escrutínio por este Plenário no julgamento da
ADI nº 3.741/DF, ocasião em que se afastou a aplicação do princípio da
anterioridade da lei eleitoral à norma questionada. Naquela
oportunidade, o Ministro Ricardo Lewandowski, Relator da ação,
assentou que a legislação eleitoral

“deve ensejar aos eleitores não só o acesso a informações


livres de distorções, como também assegurar às agremiações
partidárias e respectivos candidatos uma participação
igualitária na disputa pelo voto, impedindo também que
qualquer de seus protagonistas obtenha vantagens
indevidas”.

No que se refere às alterações promovidas pela Lei nº 11.300/2006, o


Ministro destacou o seguinte:

“Longe de representarem fator de desequilíbrio ou


qualquer forma de casuísmo que possam afetar negativamente
o embate político, tais alterações são consentâneas com a
necessidade de reajustamento periódico dos procedimentos
eleitorais, visando não apenas a diminuir a vulnerabilidade do
processo eleitoral como um todo, mas sobretudo a garantir ao
cidadão o pleno exercício de seu direito de votar, livre de
interferências abusivas ou manipuladoras” (DJe de 23/2/07).

Dessa perspectiva, concluo não haver qualquer vulneração da


liberdade de expressão com a proibição dos showmícios e eventos
assemelhados, remunerados ou não, já que a norma em questão não se
traduz em uma censura prévia ou em proibição do engajamento político

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dos artistas, mas apenas disciplina a realização de apresentações


artísticas no contexto de eventos eleitorais voltados à obtenção de votos.
Ainda que se entenda que a norma questionada importa em
limitação do direito à liberdade de expressão, o que, a meu juízo, não é o
caso, é certo que não existem no ordenamento jurídico liberdades
absolutas, pelo que, em um juízo de proporcionalidade, verifico que a
medida decorre de legítima escolha do legislador, a qual não encontra
qualquer óbice na Constituição.
Nessa toada, observo que a medida se justifica por dois motivos
principais.
Primeiro, pela necessidade de se assegurar igualdade de condições
aos candidatos à eleição, já que, anteriormente à proibição ora
questionada, apenas as campanhas que contavam com mais recursos
conseguiam pagar os artistas mais populares e que, consequentemente,
tinham mais apelo entre os eleitores. Assim, a vedação aos showmícios
buscou evitar o abuso de poder econômico no âmbito das eleições e
resguardar a paridade de armas entre os candidatos.
De fato, conforme se extrai da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal (ADI nº 4.650/DF), a penetração excessiva do poder econômico no
processo eleitoral é capaz de desvirtuar o equilíbrio da disputa, por
impulsionar de forma desproporcional determinados candidatos em
detrimento de outros.
No que se refere aos eventos nos quais não há remuneração aos
artistas, objeto desta demanda, destaque-se que a prestação de serviços
para campanhas eleitorais em caráter gratuito pode ser considerada
como uma doação estimável em dinheiro e, como tal, está submetida a
limite previsto em lei. Vejamos os seguintes dispositivos da Lei nº
9.504/1997:

“Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em


dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais,
obedecido o disposto nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº
12.034, de 2009)
§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo

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ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos


auferidos pelo doador no ano anterior à eleição. (Redação dada
pela Lei nº 13.165, de 2015)
(...)
§ 7º O limite previsto no § 1º deste artigo não se aplica a
doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens
móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de
serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse
R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) por doador. (Redação dada
pela Lei nº 13.488, de 2017)."

Nesse sentido, infere-se que, embora não remunerada, a realização


de um show é uma prestação de serviço com valor estimável em dinheiro,
o que, em tese, pode ser considerado para fins de limite de valor para
doação eleitoral. Assim, ainda que, por hipótese, fosse possível afirmar
que o showmício realizado de forma não remunerada pode mitigar o
abuso de poder econômico nas eleições, o benefício do candidato
contemplado com a apresentação artística é quantificável.
Destarte, o caráter gratuito do showmício ou do evento assemelhado
não é suficiente para se afastar o desequilíbrio provocado pela prática
entre os concorrentes ao cargo eletivo, havendo clara vantagem para
aquele que tem apresentações artísticas associadas a eventos voltados à
promoção de sua campanha, ainda que sem pagamento de cachê.
Em segundo lugar, a proibição normativa se justificaria pelo fato de
que a promoção de uma candidatura por meio do patrocínio de um show
destinado ao público em geral poderia ser considerada como o
oferecimento de uma vantagem ao eleitor, que acabaria por associar o
entretenimento por ele experimentado ao político homenageado. Nesse
sentido, a norma protege, também, a livre formação de vontade do
eleitor.
Aliás, foi esse o intuito declarado da proposição legislativa que deu
origem ao art. 39, § 7º (Projeto de Lei do Senado nº 275, de 2005), em cuja
exposição de motivos constava o seguinte:

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“Quanto à propaganda eleitoral, reduzimos o seu período


(art. 36) e proibimos, com aumento sensível da punição, a
prática de “boca-de-urna” (art. 39), empregando definição legal
mais clara e objetiva, vedando expressamente, também, a
presença em palanque de artistas, músicos e assemelhados,
prática que, a nosso ver, desnatura o comício, desvirtua a
mensagem política e produz confusão mental no eleitor”
(Disponível em https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?
dm=2987036&ts=1567533230836&disposition=inline. Acesso em
30/6/21.)

Tenho, para mim, que não prospera o argumento aduzido pelos


requerentes de que a proibição aos showmícios não remunerados seria
uma medida paternalista que infantilizaria os eleitores, além de pretender
tornar o ambiente de campanha eleitoral asséptico e sem carga emocional.
É notório que o período eleitoral exacerba emoções de todos os
lados, o que é natural diante de um contexto no qual se busca fazer
prevalecer, ao fim do certame, um dado projeto político sobre os demais,
o que se dá não apenas pelo uso de argumentos racionais e calculados,
mas também envolve uma conquista no campo emocional no intuito de
despertar nos eleitores sentimentos como amor, ódio, admiração, repulsa,
entusiasmo, nostalgia etc.
Aliás, a própria ideia de propaganda (lato sensu) remete ao intuito
de “incutir certos pensamentos nas pessoas, influenciar suas opiniões ou
impressões, de modo a despertar-lhes a simpatia ou a rejeição de
determinadas ideias, tornando-as propensas ou inclinadas a dado sistema
ideológico, político, religioso, econômico ou social”, conforme define o já
citado José Jairo Gomes (Direito Eleitoral. São Paulo: Atlas. 11. ed. 2015,
p. 377).
Não obstante, o que a norma em testilha objetiva evitar é que a
opinião ou o sentimento que um eleitor venha a nutrir por um ou outro
candidato sejam impulsionados pela reputação ou fama de um artista
por meio da confusão entre o palco, do qual se busca deleite e lazer, e o

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palanque político, do qual devem emanar informações acerca da


candidatura.
Desse modo, não pode um candidato promover sua campanha
mediante o oferecimento de eventos de entretenimento voltados ao
eleitorado em geral, pois a medida subverte o propósito de subsidiar um
voto baseado na livre consciência do eleitor, deixando em segundo plano
o debate político e a efetiva troca de informações relevantes para a
formação de opinião pelos cidadãos. Trata-se, ademais, de prática que
confere vantagem indevida no pleito eleitoral, apta a desequilibrar a
paridade de armas entre os candidatos, conforme mencionado
anteriormente.
Quanto ao ponto, destaco que o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965)
estabelece que a propaganda partidária, sob qualquer modalidade, não
deverá

“empregar meios publicitários destinados a criar,


artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais
ou passionais” (art. 242, caput), bem como que não será
tolerada a propaganda que “implique em oferecimento,
promessa ou solicitação de dinheiro, dádiva, rifa, sorteio ou
vantagem de qualquer natureza” (art. 243, inciso V).

Assim, sustenta a Procuradoria-Geral da República, nestes autos, o


seguinte:

“Como observaram a Advocacia-Geral da União e a


Presidência da República, a norma buscou assegurar o
equilíbrio na disputa eleitoral, ao coibir a realização de
produções e festividades com uso de imagens de artistas de
grande apelo popular para atrair e a influenciar o eleitorado. O
dispositivo questionado veicula importante mecanismo de
controle sobre a propaganda eleitoral, com a finalidade de
assegurar a igualdade entre os postulantes a cargos públicos,
combater o abuso do poder nas eleições e o uso indevido dos
meios de comunicação.

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(…)
Em nada muda o fato de o showmício ser realizado sem a
cobrança de cachê pelo artista. O objetivo da norma é impedir
o oferecimento de vantagem ao eleitorado, como forma de
angariar o voto. Busca, assim, preservar a paridade de armas
entre os concorrentes da disputa eleitoral. As normas são
razoáveis e proporcionais para o fim perseguido.”

Ressalte-se que a proibição aos showmícios não é a única limitação


imposta às propagandas eleitorais pela Lei das Eleições. A norma
disciplina o período em que a prática é permitida (art. 36, caput), veda a
propaganda política paga no rádio e na televisão (art. 36, § 2º), estabelece
regras acerca das informações que deverão constar na propaganda (art.
36, § 4º), limita os locais em que é permitida a veiculação de material de
propaganda eleitoral (art. 37), regula o horário e os locais em que se
permite o uso de alto-falantes ou amplificadores de som (art. 39, § 3º).
Além disso, ela proíbe a confecção, utilização ou distribuição de bens que
possam proporcionar vantagem ao eleitor (art. 39, § 6º), o uso de outdoors
(art. 39, § 8º), a utilização de trios elétricos (art. 39, § 10), entre outras
disposições.
Sobrelevando-se o interesse público que permeia a situação objeto de
análise, tenho por inexistente a ofensa ao princípio da proporcionalidade,
na medida em que a norma é adequada para o fim a que se destina, sem
agressão ou nulificação do direito à liberdade de expressão, além de ser
condizente com o ideário republicano e democrático perseguido pela
Constituição de 1988.
Dessa feita, concluo que a proibição dos showmícios não
remunerados, na forma prevista no art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/1997,
encontra respaldo constitucional, não prevalecendo o pleito pela
declaração de inconstitucionalidade parcial do dispositivo.

3. Da interpretação conforme à Constituição do art. 23, § 4º, inciso


V, da Lei 9.504/97

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ADI 5970 / DF

Passo à análise do segundo item versado na ação direta, qual seja,


saber se a apresentação artística em eventos de arrecadação para
campanha eleitoral se insere na proibição à realização de showmícios.
Sustentam os requerentes que não haveria justificação lógica para
diferenciar eventos de arrecadação com e sem natureza artística ou
musical, eis que se incorreria em contrariedade ao princípio da isonomia
ao se atribuir tratamento mais gravoso às atividades culturais em
comparação com as demais. Além disso, a medida iria de encontro ao
comando constitucional que demanda a promoção e o favorecimento à
cultura.
Sob o título “Da Arrecadação e da Aplicação de Recursos nas
Campanhas Eleitorais”, o art. 23 da Lei nº 9.504/1997 autoriza pessoas
físicas a fazerem doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para
campanhas eleitorais, as quais, nos termos do § 4º, inciso V, poderão ser
efetuadas por meio de “comercialização de bens e/ou serviços, ou
promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo
candidato ou pelo partido político”.
De início, mostra-se relevante mencionar que o evento de
arrecadação de recursos para campanhas eleitorais não se confunde com
a figura do showmício.
É que, enquanto o showmício configura uma modalidade de
propaganda eleitoral direcionada ao público em geral para obtenção de
votos, o evento de arrecadação tem finalidade diversa, qual seja, a de
acionar os apoiadores da candidatura com o intuito de obter recursos
para a viabilização da campanha eleitoral.
Dito de outra forma, o evento de arrecadação é um instrumento de
financiamento de campanha e o showmício, como modalidade de
propaganda eleitoral, é um instrumento de promoção de uma
candidatura para o convencimento do eleitorado associado ao
oferecimento de entretenimento. Diferem os institutos, portanto, quanto
à finalidade do evento eleitoral em questão: arrecadar recursos para a
campanha eleitoral ou conquistar novos eleitores.
Como mencionado anteriormente, o Supremo Tribunal Federal

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ADI 5970 / DF

considerou inconstitucional o financiamento de partidos políticos ou


campanhas eleitorais por pessoas jurídicas (ADI nº 4.650/DF). Na ocasião,
asseverei em meu voto o seguinte:

“Com efeito, o financiamento eleitoral deve ter liame


com os atores sociais que participam do pleito: os eleitores, os
partidos políticos e os candidatos. É inegável que as pessoas
jurídicas desempenham relevante papel na sociedade,
exercendo, por exemplo, pressão social sobre o Estado, mas não
são – e não podem ser - atores do processo eleitoral. Se as
pessoas jurídicas não participam do processo democrático - pois
não gozam de cidadania -, admitir que possam financiar o
processo eleitoral é violar um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito, qual seja, o da soberania popular.”

A tese por mim defendida buscou situar o cidadão como figura


central no processo eleitoral, retomando-se o papel da cidadania no
exercício da soberania popular e estimulando-se a reaproximação entre
partidos políticos, candidatos e eleitores, inclusive mediante o incentivo
às doações feitas por pessoas físicas, observados determinados limites.
Para tanto, citei Maurice Duverger, que menciona o seguinte, ao tratar
dos partidos de massa:

“Ao invés de se dirigirem a alguns grandes doadores


privados, industriais, banqueiros, ou grandes comerciantes,
para cobrirem as despesas da campanha – o que põe o
candidato (e o eleito) na dependência destes últimos – os
partidos maciços reportem o encargo por um número tão
elevado quanto possível de adeptos, contribuindo cada um com
uma soma modesta. Do mesmo modo, os partidos de massas
caracterizam-se pela atração que exercem sobre o público: um
público pagante, que permite à campanha eleitoral escapar às
servidões capitalistas, junto a um público que ouve e que age,
que recebe uma educação política e aprende o meio de intervir
na vida do Estado” (Os partidos políticos. 2. ed. Rio de Janeiro:

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ADI 5970 / DF

Zahar; Brasília: Universidade de Brasília, 1980. p. 99-100).

A modalidade de doação que ora se analisa, qual seja, a promoção de


eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo
partido político, é justamente um mecanismo de incentivo à doação de
recursos financeiros por parte de pessoas físicas. Ao contrário dos
showmícios, que são voltados ao público em geral, os eventos de
arrecadação são frequentados por pessoas que já guardam simpatia pela
campanha que pretendem financiar, não havendo que se falar, aqui, de
interferência na livre consciência do eleitor, mas no exercício do direito
de contribuir com um projeto político que lhe seja desejável como
cidadão e participante do sistema político.
O tema foi abordado recentemente pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Em 5 de novembro de 2020, no julgamento da Tutela Cautelar
Antecedente nº 0601600-03.2020.6.00.0000, o TSE autorizou a realização de
live com um cantor nacionalmente consagrado, evento somente acessível
às pessoas que adquirissem o convite ao custo de R$ 30,00 (trinta reais), e
que tinha como objetivo arrecadar recursos para campanhas majoritárias
para as prefeituras de Porto Alegre e de São Paulo.
A maioria do colegiado acompanhou o Relator, o eminente Ministro
Luis Felipe Salomão, que considerou que não caberia ao TSE realizar
censura prévia ou avaliar a legalidade de evento que ainda não havia
ocorrido. Nessa esteira, o Relator consignou que não poderia a Justiça
Eleitoral, no plano abstrato, concluir, previamente, que determinada
conduta, a princípio aparentemente lícita, assumisse conotação que a
tornasse ilícita.
Sua Excelência também assentou que, em uma análise superficial do
caso, própria das cautelares, a apresentação do cantor, da forma como
estava organizada, estaria, em tese, amparada no art. 23, § 4º, V, da Lei
9.504/97, que permite que candidatos e legendas promovam eventos de
arrecadação de recursos para a campanha.
Na mesma assentada, o eminente Ministro Roberto Barroso
apresentou voto pelo acolhimento da possibilidade de realização de
evento de arrecadação de recursos para campanhas eleitorais com

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apresentações artísticas.
Inicialmente, o Ministro delineou o quadro fático então em análise,
in verbis:

“Do quadro fático delineado no acórdão regional, conclui-


se que o evento em questão: (i) consiste em show musical a ser
realizado pelo renomado artista Caetano Veloso; (ii) pretende
arrecadar valores para as campanhas majoritárias das cidades
de São Paulo/SP e Porto Alegre/RS, por meio da venda de
ingressos no valor de R$ 30,00 (trinta reais) cada; (iii) no âmbito
do TRE/RS, a candidata à Prefeitura da capital comunicou sua
realização à Justiça Eleitoral e prometeu prestar as contas
correspondentes; e (iv) contou com peça de divulgação na qual
‘aparece a foto do cantor junto à candidata, relacionando o
evento ao apoio do cantor na arrecadação de valores para as
referidas campanhas’”.

Sobre a prestação de contas do evento em questão, importa destacar,


ainda, que a apresentação musical realizada pelo artista, em caráter
gratuito, seria contabilizada pelas campanhas beneficiadas como doação
estimável em dinheiro (Parecer do Vice-Procurador-Geral Eleitoral no
REspEl nº 0600032-66.2020.6.21.0161/RS. Disponível em
http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/REspEl060003266.2020.Enventod
earrecadao.Show.Caetano.RGFORZL.pdf . Acesso em 9/9/21).
Em seu voto, o Ministro Roberto Barroso destacou que

“o caput do art. 39 trata expressamente de ‘ato de


propaganda partidária ou eleitoral’ e seu parágrafo 7º se refere
a ‘animar comício e reunião eleitoral’, hipóteses que não se
confundem com evento que apresenta a finalidade específica
de levantamento de recursos”.

Em seguida, o Ministro asseverou que o fundamento da permissão


legal para a realização de eventos de arrecadação seria “irrigar as
campanhas com recursos a partir da participação de diversos doadores”.

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ADI 5970 / DF

Consoante bem definiu Sua Excelência, trata-se de

“medida que, por admitir comumente o pagamento de


valores módicos, proporciona a pulverização e
desconcentração das doações, consentânea com a busca por
modelos de financiamento que sejam mais democráticos e
que estimulem a participação da cidadania na política”.

O eminente Ministro também observou que a permissão se traduz


em estímulo para aumentar a captação de recursos para as campanhas
eleitorais.
De fato, não se configurando um evento cujo intuito seja a promoção
de candidatura para obtenção de eleitores, não há que se interpretar de
forma extensiva a vedação constante do art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/1997,
para se proibirem apresentações artísticas em eventos de arrecadação.
Nesse sentido, estamos a tratar de evento voltado aos eleitores que,
conscientemente, querem contribuir com uma candidatura, ou seja, o
comparecimento do eleitor à ocasião tem o propósito definido de
financiar o projeto político de sua escolha. Em casos tais, a associação
entre o lazer proporcionado pelo artista e a candidatura beneficiada se dá
de maneira limitada, pois direcionada de forma explícita aos doadores da
campanha.
Espera-se que uma doação realizada por uma pessoa física com fins
de financiar uma campanha eleitoral seja uma ação dotada de consciência
e intencionalidade. Nesse sentido, não é possível presumir que uma
pessoa repassaria recursos a uma candidatura de forma inadvertida ou
com outro intuito que não a viabilização do projeto político proposto.
Assim, ainda que o artista escolhido tenha grande apelo sobre o público,
foge à razoabilidade inferir-se que o suporte financeiro a uma campanha
seja proveniente de pessoas que buscam mero entretenimento, mas não
conhecem ou não endossam as propostas do candidato.
Conforme aduzido pelos requerentes, não haveria razão em se
permitir a promoção de eventos de arrecadação nos quais fosse
autorizada a confraternização de pessoas em jantares, almoços, palestras

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ADI 5970 / DF

ou quaisquer outros atrativos, proibindo-se apenas as apresentações de


cunho artístico. Careceria, portanto, de justificativa a interpretação que
concluísse pela proibição de apresentações artísticas e musicais em
eventos destinados à arrecadação de recursos para campanhas eleitorais.
Sendo assim, a realização de eventos eleitorais de cunho artístico
com finalidade arrecadatória tem respaldo constitucional, por se tratar
de uma modalidade de doação que proporciona ao eleitor, como pessoa
física, participar do financiamento da democracia representativa, o que
reflete o espírito republicano da Carta de 1988, pois possibilita que o
cidadão viabilize ativamente o projeto político de sua escolha.
Não cabe ao intérprete limitar, além do que estabelece a lei, a
maneira com que é oportunizado aos eleitores contribuir com a
candidatura de sua preferência. Diferentemente do que ocorre na
hipótese de apresentações artísticas em showmícios, vedadas por lei, no
caso das apresentações artísticas com objetivo de arrecadar fundos para
as campanhas eleitorais não está em jogo o livre exercício do voto ou a
paridade de armas entre os candidatos. Trata-se, em verdade, de
mecanismo direcionado àqueles que já acolheram o projeto político
apresentado, sem intuito de convencimento de novas pessoas nem
conotação de vantagem a ser oferecida a potenciais votantes.
É de se destacar que a ausência de proibição legal para a realização
de apresentações artísticas e shows musicais em eventos de arrecadação
não impede a apuração, a posteriori, de eventuais desvios de finalidade
ou irregularidades que venham a configurar atos de promoção de
candidatura, desvirtuando-se do propósito arrecadatório previamente
declarado. Por óbvio, haverá situações limítrofes em que será delicada a
tarefa de diferenciar os dois institutos. Porém, será mediante o cotejo do
conjunto fático-probatório de cada caso concreto que se poderá aferir a
finalidade e os requisitos de cada evento, sendo a Justiça Eleitoral a seara
adequada para tanto.
Assiste razão aos requerentes, portanto, quanto ao pedido para que

“seja proferida decisão de declaração parcial de


inconstitucionalidade, sem redução de texto, dos art. 23, § 4º, V,

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ADI 5970 / DF

e art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/99, de modo a excluir qualquer


interpretação e aplicação de tais dispositivos que importe na
proibição de ‘promoção de eventos de arrecadação realizados
diretamente pelo candidato ou pelo partido político’, os quais
envolvam apresentações artísticas, inclusive shows musicais,
realizados sem o pagamento de remuneração aos artistas”.

Embora mencionado pelos requerentes, pouca relevância tem para o


deslinde da controvérsia o disposto no art. 37, § 8º, da norma, no qual se
estipula que a “veiculação de propaganda eleitoral em bens particulares
deve ser espontânea e gratuita, sendo vedado qualquer tipo de
pagamento em troca de espaço para esta finalidade”.
Os requerentes alegam que,

“diante da postura por vezes censória da Justiça Eleitoral,


existe o elevado risco de que se adote a compreensão de que tal
preceito não abrange a realização de espetáculos artísticos, em
razão da vedação aos showmícios e à ‘apresentação de artistas
para animar eventos eleitorais’, instituída pelo art. 37, § 8º, da
mesma lei”.

Sendo o showmício uma modalidade proibida de propaganda


eleitoral, a vedação abrange sua realização remunerada ou não,
independentemente de serem realizados em espaços privados ou eventos
particulares, o que não interfere nas regras para realização de eventos de
arrecadação, dadas as finalidades diversas dos institutos, notadamente
pelo fato de que tais eventos de arrecadação não configuram propaganda
eleitoral.
Por fim, ressalto, para os fins do disposto no art. 16 da Constituição
Federal, que o presente provimento não altera o processo eleitoral nem
subverte o entendimento já assentado pelo Tribunal Superior Eleitoral
acerca da matéria. Dessa forma, não há que se falar em aplicação do
princípio da anualidade eleitoral ao entendimento aqui fixado, restando
assegurada a segurança jurídica que deve orientar o período que antecede
o pleito (ARE nº 1.323.774-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 33 de 245

ADI 5970 / DF

Segunda Turma, DJe de 5/7/21; RE nº 637.485/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min.


Gilmar Mendes, DJe de 21/5/13; ADI nº 3.741, Relator o Ministro Ricardo
Lewandowski, Tribunal Pleno, DJ de 23/2/07).

4. Dispositivo

Pelo exposto, voto pela parcial procedência da ação direta de


inconstitucionalidade, para julgar:
(i) improcedente o pedido de declaração parcial de
inconstitucionalidade, com redução de texto, do art. 39, § 7º, da Lei nº
9.504/1999; e
(ii) procedente o pedido de declaração parcial de
inconstitucionalidade, sem redução de texto, dos arts. 23, § 4º, inciso V;
e 39, § 7º, da Lei nº 9.504/1999, conferindo a eles interpretação conforme à
Constituição, para incluir em seu escopo a possibilidade de realização
de apresentações artísticas ou shows musicais em eventos de
arrecadação de recursos para campanhas eleitorais. Não se aplica o
princípio da anualidade ao entendimento aqui fixado.
É como voto.

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06/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

DEBATE

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Presidente, antes do


voto do Ministro Nunes Marques, pedindo todas as vênias, gostaria de
fazer algumas considerações, ainda a propósito do voto do Ministro Dias
Toffoli, considerando dúvidas que assaltam meu espírito.
Escutei atentamente o alentado voto do Ministro Dias Toffoli, mas
me inquietei com alguns aspectos da questão. Reputo-os, portanto,
suscitados desde logo, para que o balizamento das discussões nos votos
subsequentes possa ser conduzido de forma clara.
Em primeiro lugar, o Ministro Toffoli definiu que apresentação
artística em eventos de arrecadação equivaleria a doação de campanha,
para fins de incidência dos limites fixados no art. 23 da Lei nº 9.504/1997.
Dado que os artistas não podem ser remunerados por suas apresentações,
o concerto ou performance artística ficariam equiparados a doação de
serviço estimada em dinheiro.
Como Sua Excelência relembrou, o art. 23 fixa algo específico para
limites de doações de pessoas físicas. Especificamente em relação aos
serviços, esse limite é dado pelo § 7º do dispositivo:
"Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou
estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto
nesta Lei.
§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam
limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo
doador no ano anterior à eleição.
(...)
§ 7º O limite previsto no § 1º deste artigo não se aplica a doações
estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis
de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que
o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) por
doador."

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Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 35 de 245

ADI 5970 / DF

A meu ver, não restou claro como a regra do § 7º do art. 23 da Lei nº


9.504 poderia ser compatibilizada com a realização de eventos de
arrecadação de campanha, dado que a participação do artista, em si, seria
considerada doação e, enquanto tal, estaria submetida ao limite previsto
de 40 mil reais. Não precisamos ser grandes iniciados no mercado de
produção musical para saber que um show de um cantor renomado, uma
dupla sertaneja ou uma banda de sucesso, enfim, qualquer desses
partícipes, cobra bem mais que 40 mil reais. Só custará menos que 40 mil
reais se começarmos já no terreno da economia criativa, começando já a
manipular o próprio valor. Isso seria simplesmente, formalmente,
declarado. Qualquer artista desses - de renome, obviamente -, está
cobrando acima de 100 mil - claro que estou sendo modesto. Esse é um
ponto que me parece relevante, tendo em vista o disposto no § 7º do art.
23, que precisa ser compatibilizado.
Em segundo - ainda na trilha de se valorizarem alguns elementos da
realidade constitucional que me parecem pertinentes -, fui tomado pela
impressão de que essa liberação de eventos de arrecadação, com a
participação de artistas, certamente levará a resultados incongruentes
com o regramento do tema sistematicamente considerado.
Perceba, Senhor Presidente, que os 10% de rendimentos brutos
auferidos pelo doador no ano anterior à eleição - ordinariamente, o limite
para doação em dinheiro, § 1º do art. 23, já citado, da Lei nº 9.504 - seriam
facilmente ultrapassados em uma live de um cantor sertanejo que
contasse com dois ou três milhões de inscritos em um canal de YouTube.
Vou além: a depender da sorte do candidato, de suas conexões, a
parceria com uma estrela de sucesso pode render-lhe muito mais dinheiro
em um único evento que todo o financiamento público que lhe fora
destinado pelo Fundo. Sem querer ser maldoso, a inserção de grandes
detentores de poder econômico nessa equação - sabemos que as eleições,
muitas vezes, viram um vale-tudo - deixa tudo mais tormentoso. Fico
imaginando como a condição de ascendência em relação a 5 mil
empregados pode pulverizar uma doação ilegal, quando não lavar
dinheiro mesmo.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 36 de 245

ADI 5970 / DF

É acreditar muito em Deus - acredito, claro, e todos nós acreditamos


- achar que a Justiça Eleitoral tem condições de identificar todos esses
possíveis arranjos - obviamente, aqui há uma criatividade muito grande.
Um terceiro e último ponto, Presidente - não quero por demais me
alongar, mas é que o tema realmente é por demais instigante -, diz
respeito à dimensão operacional, digamos assim, do novo entendimento
proposto. Este Tribunal proibiu a doação eleitoral de pessoas jurídicas -
ADI 4.650 - e, convenhamos, a pejotização é uma realidade no mundo
artístico.
A participação de um cantor em um evento de arrecadação
movimenta muito mais - dezenas ou centenas de pessoas - que uma só
pessoa com um banquinho e um violão. Ademais, se um determinado
artista, em geral, contrata seus shows com uma pessoa jurídica da qual é
sócio, esse mesmo artista oferecer o espetáculo como doação de sua
pessoa natural soa, a meu ver, como uma estratégia que caminha para
algo, no mínimo, discutível. Perguntei a mim mesmo: estamos a
relativizar o precedente firmado na ADI 4.650? Vamos voltar à doação de
pessoas jurídicas no caso de artistas e quejandos?
Parece-me que são pontos dignos de reflexão nesse contexto,
Presidente, a despeito da belíssima aula com que nos brindou o Ministro
Dias Toffoli. Pode ser que estejamos abrindo uma janela e muitas portas,
para a violação daquilo que até então se tinha como pacificado.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Entendo que
são muito procedentes as colocações de Vossa Excelência e gostaria de
indagar se Sua Excelência, o Relator, gostaria de fazer uso da palavra ou
posso passar à votação subsequente?
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):
Essa questão trazida por nosso querido Decano, Ministro Gilmar
Mendes, realmente também foi objeto de reflexões feitas por mim antes
da liberação do caso para a pauta de julgamentos.
Ocorre que, neste ponto, guiei-me pela jurisprudência que o próprio
Tribunal Superior Eleitoral vem aplicando, e citei essa jurisprudência em
meu voto. Daí o parcial provimento, no ponto que diz respeito à

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Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 37 de 245

ADI 5970 / DF

arrecadação para a campanha.


Mantenho o posicionamento de julgar a ação parcialmente
procedente e de dar à norma em questão interpretação conforme à
Constituição, fazendo o distinguishing entre showmício e evento de
arrecadação para campanha eleitoral.
Mantenho a proposição final de meu voto, sem dúvida nenhuma,
enaltecendo o papel tão importante do Decano em iniciar um debate para
reflexão maior dos Colegas.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Muito
obrigado, Ministro Dias Toffoli! Só não gostaria de deixar de conceder a
palavra a Vossa Excelência.

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 38 de 245

06/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES: Tratam os autos de


ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar,
proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), em litisconsórcio com o
Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e o Partido dos Trabalhadores
(PT), contra disposições dos arts. 23, § 4º, V e 39, § 7º, da Lei n. 9.504/1997,
acrescidas pelas Leis n. 11.300/2006 e 13.488/2017.

As normas impugnadas dizem respeito à vedação de “showmícios”


para propaganda partidária ou eleitoral.

As agremiações requerentes postulam a declaração de nulidade


parcial das normas, de modo que o Supremo: (i) afaste a proibição do art.
39, § 7º, da Lei n. 9.504/1997 na hipótese de o “showmício”, ou evento
similar, ser realizado de modo gratuito, isto é, sem cobrança de cachê; e
(ii) assente que as normas impugnadas não obstam a realização de
eventos artísticos e shows musicais voltados à arrecadação de recursos
para campanhas eleitorais.

Alegam que as normas impugnadas implicam violação à isonomia, à


proporcionalidade, à liberdade de expressão e à valorização da cultura
(arts. 5º, IV a IX, 215 e 220 da Constituição da República). Pugnam,
ademais, pela declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento, do
art. 12 da Resolução n. 23.551/2017 do Tribunal Superior Eleitoral, que
regulamentou os dispositivos atacados.

Foi adotado o rito do art. 12 da Lei n. 9.868/1999.

A Câmara dos Deputados (peça 26), o Congresso Nacional (peça 27),


a Presidência da República (peça 32) e a Advocacia-Geral da União (peça

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34) se manifestaram pela constitucionalidade da norma impugnada.

Essa é a história relevante do processo, até aqui.

Passo ao voto.

A ação deve ser conhecida, porquanto proposta por entes


constitucionalmente legitimados (partidos políticos com representação no
Congresso Nacional), contra dispositivos de lei federal em vigor e tendo
como parâmetro de confronto a Constituição Federal.

No mérito, observo que as normas impugnadas têm o seguinte teor:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro


ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais,
obedecido o disposto nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº
12.034, de 2009)
[…] § 4º As doações de recursos financeiros somente
poderão ser efetuadas na conta mencionada no art. 22 desta Lei
por meio de: (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)
[…] V - comercialização de bens e/ou serviços, ou
promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente
pelo candidato ou pelo partido político. (Incluído pela Lei nº
13.488, de 2017)
[…] Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda
partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não
depende de licença da polícia.
[…] § 7º É proibida a realização de showmício e de
evento assemelhado para promoção de candidatos, bem como
a apresentação, remunerada ou não, de artistas com a
finalidade de animar comício e reunião eleitoral. (Incluído
pela Lei nº 11.300, de 2006)
(Grifos nossos)

Verifica-se que o legislador: (i) proibiu a comercialização de bens ou

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serviços, ou a promoção de eventos de arrecadação realizados por


terceiros (que não o candidato ou o partido político); e (ii) proibiu o
“showmício”, ou evento assemelhado, para a promoção de candidatos,
bem como a apresentação, remunerada ou não, de artistas com a
finalidade de animar comício ou reunião eleitoral.

A mens legis é clara: o intuito do legislador foi o de evitar que, nas


campanhas eleitorais, o uso de apresentações musicais e artísticas possa
servir de elemento distrativo da atenção do eleitor para o encantamento
da arte, em detrimento da gravidade da decisão que ele precisará tomar
no dia das eleições.

Está também dentro do escopo da norma assegurar a igualdade


entre os candidatos, mediante a redução dos custos das campanhas.
Como se sabe, os custos para a realização desses eventos são altos, e nem
todos os candidatos e partidos podem arcar com eles. Assim, a prática
dos “showmícios” acabava por beneficiar indiretamente os candidatos, os
partidos ou coligações com maiores capacidades financeiras, ou com
maior penetração ideológica no meio artístico. A deputada Iriny Lopes, ao
proferir parecer na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos
Deputados, ao Projeto de Lei n. 5.855/2005, que deu origem à norma ora
impugnada, ressaltou esse ponto e ainda considerou modestas as
modificações para o barateamento das campanhas eleitorais:

A crise política que se abriu este ano, desnudando


abruptamente mecanismos escusos de financiamento, deu
dimensão dramática ao impulso por mudanças. O Senado,
frente a esse quadro, escolheu adotar medidas de cunho
restrito, visando uma resposta imediata aos seus aspectos mais
evidentes.
A proposta em exame, entretanto, apesar de aperfeiçoar
pontos específicos, barateando as campanhas e estabelecendo
mecanismos para a transparência das contas eleitorais, não
ataca as causas que determinam o encarecimento das

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campanhas e nem permite reduzir o tráfico de influência


entre empresas e candidatos.
(Grifei)

O uso desse mecanismo, ainda que apenas internamente, ou pior,


com o escopo de arrecadar recursos para a campanha eleitoral favorece os
partidos maiores que são aquinhoados com quantias mais representativas
do fundo eleitoral.

O intento do legislador foi igualar ao máximo as condições entre os


candidatos, evitando abuso do poder econômico e a influência pessoal
dos candidatos dentro do universo artístico, bem assim evitar maior
desigualdade entre as agremiações partidárias no poder de captação de
recursos eleitorais. Sem regras como essa, o resultado seria a instigação
da desigualdade entre os candidatos e entre os partidos políticos, com
clara violação do princípio da isonomia.

Não há, na norma impugnada, nenhum propósito de cercear a


atividade musical ou artística em geral. O que se proíbe é que essa
atividade seja colocada a serviço de um programa eleitoral, pois a
experiência demonstra que o poder de arrebatamento das apresentações
artísticas, o êxtase provocado pelas músicas em reuniões públicas, pode
ocultar, para o eleitor, o verdadeiro propósito das eleições e as autênticas
qualidades que devem ser apresentadas por um candidato para ser eleito.

Aqui não está em jogo um nicho de mercado dos artistas. Não é o


fato de a apresentação ser onerosa ou gratuita que a torna perniciosa para
fins eleitorais – até porque mesmo a apresentação gratuita produz o efeito
de desequilibrar a disputa entre os candidatos. A questão está, na
verdade, no fato de que a apresentação artística, e todo o contexto que ela
envolve, pode embotar a atenção do eleitor, desviando-a dos reais
problemas que estão em jogo numa eleição para cargos públicos de alta
responsabilidade no regime republicano, bem assim favorecer um
candidato em detrimento de outros por motivos totalmente estranhos ao

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debate democrático.

A solução encontrada pelo legislador, nessa perspectiva, está


perfeitamente dentro do espaço de conformação que a Constituição lhe
oferece. Não se pode desprezar a circunstância de os autores da legislação
serem parlamentares experientes, que conhecem a fundo o processo de
convencimento do eleitorado e que certamente têm sólidas razões para
vetar a associação entre o fascínio da atividade artística e a atividade
político-eleitoral.

Também não vejo como se possa dar interpretação conforme ao art.


23, § 4º, V, a fim de se admitir a realização de “showmícios” para adeptos
do partido em eventos de arrecadação. É que essa interpretação, na
prática, eliminaria o § 7º do art. 23, que proíbe “showmício ou evento
assemelhado para a promoção de candidato”, sem fazer qualquer
distinção sobre ser o evento destinado ao público em geral ou
exclusivamente aos partidários do candidato. Ora, o “showmício”
privado, em campanha de arrecadação, é também forma de doação de
campanha (no caso in natura), e o objetivo da lei foi evitar esse tipo de
doação, em benefício do equilíbrio do processo eleitoral.

Quando o art. 23, § 4º, V, estabelece que “as doações de recursos


financeiros somente poderão ser efetuadas em conta específica por meio
da comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção de eventos de
arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo partido
político”, fica claro que eventos realizados por terceiros (que não o
candidato ou o partido) estão excluídos do âmbito de aplicação da norma.
Eventos de terceiros, artistas ou não, com vistas à arrecadação de fundos
para campanha equivalem a doação ilícita para a campanha e têm o
potencial de desequilibrar as candidaturas, do mesmo modo que tem
eventual “showmício” aberto ao público em geral. A circunstância de os
assistentes do “showmício” privado serem já partidários do candidato
não é tão relevante, porque, fosse assim, não seria necessário a realização

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para arregimentar esses adeptos. A verdade é que o evento artístico


mobiliza e atrai pessoas que, de outro modo, não compareceriam à
reunião. O candidato que não tem como oferecer o “showmício” fica
privado dessa ferramenta, inclusive para os seus adeptos, como também
desse mecanismo de arrecadação de recursos para a campanha eleitoral.
Assim, não apenas o texto expresso, mas a ratio legis proíbe qualquer
evento de arrecadação executado por terceiros que não o próprio
candidato ou o seu partido.

Ademais, se a realização do evento tem por objetivo a arrecadação


de recursos para a campanha, ela reflexamente produz o mesmo efeito de
desequilíbrio, na medida em que proporciona ao candidato uma fonte de
arrecadação da qual outros candidatos podem não dispor, estabelecendo
uma corrida por esse tipo de arrecadação e, assim, frustrando a finalidade
de barateamento das eleições.

De resto, tal proibição não está isolada. Ela está ao lado de outras
semelhantes, tais como:

a) A vedação da transmissão ao vivo, por emissoras de


rádio e televisão, de prévias partidárias (Lei n. 9.504/1997, art.
36-A, § 1º, incluído pela Lei n. 13.165/2015);
b) A vedação da colagem de propaganda eleitoral em
veículo automotor, com algumas exceções (Lei n. 9.504/1997,
art. 38, § 4º, incluído pela Lei n. 12.891/2013);
c) A vedação da confecção, utilização, distribuição por
comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas,
chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer
outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem
ao eleitor (Lei n. 9.504/1997, art. 39, § 6º, incluído pela Lei n.
11.300/2006).

Em todas essas vedações há algum grau de restrição de um direito


fundamental, mas isso não revela inconstitucionalidade porque a

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restrição é proporcional e adequada para o fim de tutelar a lisura do


processo eleitoral.

O Supremo Tribunal Federal já teve ocasião de chancelar algumas


medidas legislativas, e até mesmo administrativas, que criaram restrições
à propaganda eleitoral, com o intuito de evitar a captação da vontade do
eleitor de modo sub-reptício. Assim, por exemplo, na ADI 2.278, o
Tribunal considerou que não seria inconstitucional ato do Regional
Eleitoral de Pernambuco que vedou a utilização de simuladores de urna
eletrônica como veículo de propaganda eleitoral, in verbis:

EMENTA: PROPAGANDA ELEITORAL. SIMULADOR


DE URNA ELETRÔNICA. RESOLUÇÃO N. 06/2000 DO TRE
DO ESTADO DE PERNAMBUCO. CONSTITUCIONALIDADE.
DETERMINAÇÃO PARA APLICAÇÃO DA SANÇÃO PENAL
DO ARTIGO 347 DO CÓDIGO ELEITORAL.
INCONSTITUCIONALIDADE. Não ofende à Constituição
federal ato normativo do Tribunal Regional Eleitoral que veda a
utilização de simuladores de urna eletrônica como veículo de
propaganda eleitoral. Contudo, a determinação para a aplicação
da penalidade estabelecida no art. 347 do Código Eleitoral aos
infratores do comando normativo em análise ofende a
competência da União para legislar sobre direito penal (art. 22, I
da CF/88). Ação direta julgada parcialmente procedente.
(ADI 2.278, Relator o ministro Eros Grau, Redator do
acórdão o ministro Joaquim Barbosa, DJ de 10 de novembro de
2006)

Na ADI 956, discutiu-se a constitucionalidade de lei mediante a qual


se impôs que todas as filmagens de propaganda eleitoral, para efeito de
veiculação no horário eleitoral gratuito, fossem feitas em estúdio,
vedando-se tomadas externas. O Tribunal considerou que essa proibição
estava dentro do espaço de movimentação do legislador ordinário, in
verbis:

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ADI 5970 / DF

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


PROPAGANDA ELEITORAL GRATUITA. ARTIGO 76 DA LEI
8.713/93. ARTIGO 220 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O
horário eleitoral gratuito não tem sede constitucional. Ele é a
cada ano eleitoral uma criação do legislador ordinário, que tem
autoridade para estabelecer os critérios de utilização dessa
gratuidade, cujo objetivo maior é igualizar, por métodos
ponderados, as oportunidades dos candidatos de maior ou
menor expressão econômica no momento de expor ao
eleitorado suas propostas. Ação direta julgada improcedente.
(ADI 956, Relator o ministro Francisco Rezek, DJ de 20 de
abril de 2001)

Na verdade, são bastante complexos e cambiantes os desafios para


proteger a liberdade do eleitor contra a manipulação furtiva de sua
vontade, e são muitas e sutis as estratégias por meio das quais o poder
econômico pode imiscuir-se no processo eleitoral. Agora mesmo, com as
novas tecnologias da informação, ainda estão os legisladores a tentar
compreender os mecanismos engenhosos por meio dos quais são
produzidas interferências nos processos cognitivos das pessoas para obter
certas condutas do eleitorado.

Nesse contexto, é inconveniente que o Judiciário venha a interferir


nas soluções legislativas pontualmente concebidas, sem que haja a
demonstração cabal de que algum direito fundamental foi suprimido
completamente.

Tenho para mim, Senhor Presidente, que em casos nos quais o


legislador encontra resposta técnica de escala microscópica para um
problema do mundo real, que vai aos menores detalhes desse problema,
não cabe ao Tribunal, em controle abstrato de constitucionalidade,
desarranjar a solução legislativa, amparado em fundamentos de alta
indagação constitucional, sobretudo se não há demonstração concreta de
prejuízo a direito fundamental. Parece-me que aqui devemos adotar

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 46 de 245

ADI 5970 / DF

aquela postura que os americanos chamam de “constitutional avoidance”


(esquiva ou evasão constitucional), permitindo que a atividade legislativa
possa brotar e desenvolver-se livremente, dentro de um amplo quadro de
opções, e deixando aos tribunais locais a tarefa de arbitrar conflitos
específicos em torno da aplicação dessas normas 1. Com isso, penso que
evitamos a banalização do debate constitucional, que traz prejuízos para
o desenvolvimento orgânico da democracia

Essa diretriz interpretativa prudencial, que tem como fonte primitiva


o julgamento do caso Ashwander v. Tennessee Valley Authority, 297 U.S.
288 (1936), pela Suprema Corte dos Estados Unidos, parece-me
inteiramente oportuna para momentos de grande impasse político. Como
disse o justice Brandeis, no referido julgamento, “nenhum ramo do
governo pode interferir na atividade do outro sem perigos”.

Acredito que essa posição é particularmente necessária quando se


trata de avaliar regras restritivas de propaganda eleitoral, definidas pelos
próprios players do jogo político. Ora, tais regras constituem preceitos de
autodisciplina dos atores políticos. A intervenção judicial numa
normativa como essa é inconveniente, com a devida vênia, porque
desmancha o já frágil equilíbrio de forças necessário para a formação de
consensos no Parlamento. Intromissões nesse tipo de arranjo acabam
induzindo um ciclo infinito de novas demandas, conforme as minorias
das Casas sintam-se frustradas com cada decisão em que a sua posição
não é vencedora.

Por isso, o melhor mesmo é preservar as soluções legislativas que


não sejam manifestamente contrárias à Constituição, como no caso dos
autos, especialmente quando também está em risco a igualdade entre os
candidatos.

Do exposto, pedindo a mais respeitosa vênia ao Relator, julgo


1 Sobre o tema, ver: NOLAN, Andrew. The Doctrine of Constitutional Avoidance: A Legal
Overview. Disponível em: fas.org.

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 47 de 245

ADI 5970 / DF

improcedente a ação direta e proclamo a plena constitucionalidade dos


arts. 23, § 4º, V, e 39, § 7º, da Lei n. 9.504/1997, acrescidas pelas Leis n.
11.300/2006 e 13.488/2017.

É como voto.

10

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06/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Boa tarde


novamente, Presidente! Já cumprimentei todos, só peço escusas porque
parece que esqueci de cumprimentar o Doutor Aras de início. Fica aqui
meu cumprimento ao nosso eminente Procurador-Geral da República,
Doutor Augusto Aras. Cumprimento também o Doutor Daniel Sarmento,
que se encontra na tribuna virtual.
Presidente, como já dito tanto pelo eminente Ministro-Relator
quanto pelo eminente Ministro Nunes Marques, aqui são dois pedidos
diversos. O primeiro aponta a inconstitucionalidade de previsão expressa
no texto da lei, no dispositivo que prevê a vedação de showmícios e
congêneres para propaganda eleitoral, quando não houver pagamento de
cachê ao artista, nos termos do art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504. Diz o § 7º do
art. 39:
"É proibida a realização de showmício e de evento
assemelhado para promoção de candidatos, bem como a
apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade
de animar comício e reunião eleitoral."

Em segundo, a autora pede seja conferida interpretação conforme a


Constituição ao art. 23, § 4º, V, da mesma lei, para que o Supremo
Tribunal Federal reconheça a validade de apresentações artísticas em
eventos de arrecadação para campanha eleitoral, ainda que se mantenha a
proibição legal aos showmícios.
O dispositivo que venho de mencionar expressamente permite que
pessoas físicas possam fazer doações em dinheiro ou estimáveis em
dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto na lei. As
doações de recursos financeiros somente poderão ser efetuadas na conta
mencionada no art. 22 da lei, arrecadadas por meio de:

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Antecipação ao Voto

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ADI 5970 / DF

"V - comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção


de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo
candidato ou pelo partido político."

Presidente, em relação ao primeiro ponto, a realização de


showmícios, como já muito bem destacado tanto pelo eminente Ministro-
Relator quanto pelo Ministro Nunes Marques, essa vedação tem como
finalidade evitar a ofensa ao princípio da isonomia nas eleições. Aqui,
afasto – até para ganhar o tempo da Corte – qualquer alegação de que –
como outras respeitáveis posições podem entender, eventualmente – haja
o ferimento à liberdade de expressão, porque não se veda, em momento
algum, que o artista manifeste-se livremente, exponha sua opção eleitoral,
apoie candidato “A” ou “B”. Não há nenhuma vedação nesse sentido.
Após um longo histórico de comícios e showmícios no Brasil, basta
dizer, Presidente e Colegas, que depois que acabaram os showmícios,
acabaram também as grandes reuniões políticas. Essa é a verdade. É
muito difícil, hoje em dia, haver uma reunião, durante a campanha, nas
proporções gigantescas que costumavam ocorrer. Elas eram realizadas
com inúmeros artistas cantando em shows que, não raras vezes, eram
pagos para atrair mais público.
Em virtude dessa finalidade de atração de público – de eleitorado –,
o Congresso Nacional entendeu por bem criar uma vedação legal para
evitar desigualdade na disputa eleitoral, quando considerada do ponto de
vista remuneratório, de bens e de dinheiro.
Antes era mais patente, mas, mesmo agora, aqueles que têm maior
Fundo partidário poderiam contratar shows muito mais chamativos para o
eleitorado que os candidatos de menor Fundo partidário. Estaríamos, na
verdade, repisando princípio básico do capitalismo mais selvagem:
dinheiro chama dinheiro. Aqui, o dinheiro chamaria voto e essa é a
verdade. Falo com absoluta neutralidade, porque, no Tribunal Superior
Eleitoral, várias vezes, critico, reiteradamente, normas eleitorais ou
interpretações eleitorais paternalistas, que retiram do eleitor uma
possibilidade mais plena de escolha ou, ainda, presumem que o eleitor
não tenha capacidade de discernimento. É inegável que os showmícios,

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ADI 5970 / DF

como grandes acontecimentos, tinham influência eleitoral. Não se trata de


uma análise, digamos, preconceituosa, mas, sim, pós conceituosa, feita
pelo próprio Congresso Nacional.
O fato de ser, ou não, remunerado também não me parece fazer
alguma diferença nesse primeiro tópico. Inclusive porque é
absolutamente impossível dizer que não haja nenhuma forma de despesa
financeira que pudesse afastar o argumento do abuso de poder
econômico. Não é verdade – e digo como alguém que já participou de
atividades políticas eleitorais – que a estrutura para o candidato falar a
mesma utilizada em um showmício. Há vários gastos com som,
deslocamento e, eventualmente, com instrumentos musicais. Há todo um
valor acrescido nisso, então mesmo que o cachê seja absolutamente
gratuito, ainda assim haverá um incremento de custos e,
consequentemente, quem tem mais possibilidades econômicas terá,
também, mais atratividade para chamar um público maior para esses
showmícios ou congêneres. Entendo assistir razão, pro isso mesmo, tanto
à manifestação da AGU quanto ao parecer da Procuradoria-Geral da
República, que salientaram, como pressuposto da livre concorrência entre
partidos políticos e da exigência de um modelo democrático
representativo e pluripartidário, que o princípio da igualdade de chances
legitima a imposição de restrições legais à propaganda política eleitoral,
entre as quais se inclui a vedação da realização de showmícios para
promoção de candidatos ou agremiações partidárias durante o processo
eleitoral.
Então é uma restrição? Obviamente que é, mas é uma restrição
proporcional, adequada e pertinente, para se garantir uma finalidade
importantíssima: o equilíbrio na disputa eleitoral. Obviamente, não se
pode afirmar que aquele que vai ou ia, antigamente, a showmícios de
grandes cantores de um determinado candidato vai necessariamente
votar nesse mesmo candidato só por causa disso; não é tão automático,
mas já há uma atratividade maior. Há, na ciência política, toda uma
análise de que grandes comícios e shows incentivam o eleitorado,
principalmente os indecisos, a votar, dentro do que se aplica, também, o

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Antecipação ao Voto

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ADI 5970 / DF

chamado "efeito manada".


Trata-se de uma preocupação legítima, que foi precavida na
legislação. A norma tem realmente como objetivo regular a forma de
propaganda eleitoral. Claramente, há a tentativa de evitar que candidatos
com maior poder econômico tenham vantagens na disputa eleitoral, para
garantir – o que todos queremos sempre – a tomada de decisão livre do
eleitor, sem direcionamento, sem a tentativa artificial de influenciar seu
voto, afastando o princípio básico mais importante das votações:
igualdade de condições e, para tanto, paridade de armas entre candidatos
no pleito eleitoral.
Se verificarmos a exposição de motivos do PL nº 275/2005, do
Senado, que resultou nas alterações legais promovidas na legislação
eleitoral, vamos verificar que realmente foi essa a finalidade pretendida
pela lei. Se é verdade que essa regra torna as eleições menos atrativas do
ponto de vista artístico, também as torna mais iguais do ponto de vista
político, naquilo que realmente vai interessar, a mensagem a ser passada
ao eleitor. Portanto, com apoio nessas razões, acompanho integralmente
o eminente Ministro-Relator na primeira parte.
Igualmente, quanto ao pedido de interpretação conforme ao art. 23 –
e, diria, também em relação ao próprio § 7º do art. 39, que veda as
possibilidades em reuniões eleitorais – voto no mesmo sentido do
Ministro Dias Toffoli, entendendo que realmente deve haver uma
distinção nesse ponto.
Obviamente, eventos de arrecadação de campanha são reuniões
eleitorais também. No entanto, há aqui uma diferença essencial – desde
logo, pedindo todas as vênias à divergência lançada pelo eminente
Ministro Nunes Marques –, pois quem vai ao evento de arrecadação e
paga para entrar ou colabora, como muito bem salientado pelo eminente
Ministro-Relator, é aquele que participa da vida política daquele
candidato, um eleitor do mesmo.
Aqui nós estaríamos, sim, a restringir – a meu ver, sem uma
finalidade lícita –, o mundo artístico, tratando-se de uma restrição, a meu
ver, inconstitucional. Ocorrem muitos jantares de arrecadação de

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 52 de 245

ADI 5970 / DF

campanha e não vejo ninguém se posicionar contrariamente a isso.


Nesses jantares, é comum que haja chefes de cozinha famosos, que são
artistas também, mas da culinária. Justamente por seu renome, aquele
que deseja participar desse jantar de arrecadação, para contribuir com o
eleitor, vai pagar mais. Ora, e paga mais por quê? Pelo valor agregado do
chef de cozinha naquele jantar.
Também se vê como possíveis, e várias vezes ocorrem, almoços ou
jantares de arrecadação onde há palestras gratuitas de uma grande
personalidade, às vezes, inclusive, estrangeira do mundo político. Isso
agrega valor àquela reunião, permitindo que aquele partido político ou
candidato, pela adesão a esse jantar ou almoço, possa cobrar mais.
Ora, trata-se de um artista também, intelectual. Por que os demais
artistas, que já têm sua preferência política por determinado candidato,
não poderiam também auxiliar para que a reunião de arrecadação de
campanha em favor daqueles a quem já iriam apoiar seja ainda mais
proveitosa?
Não me parece que haja a possibilidade de fracionar a interpretação
em ordem a permitir em eventos arrecadatórios os palestrantes – artistas
intelectuais – e chefes de cozinha – artistas culinários – e não permitir o
mesmo do ponto de vista musical, por exemplo. Qual seria a diferença?
Quem vai à reunião já apoia o candidato e quer colaborar, de modo que a
apresentação artística destina exclusivamente à obtenção de mais
recursos, e não de mais votos.
Não me parece que haja, aqui, a impossibilidade de se dar uma
interpretação conforme, e vejo isso inclusive como uma alternativa
contribuir para o problema de financiamento de campanhas, para o qual
precisamos – conforme já venho defendendo há muito tempo –, encontrar
um meio-termo. O Brasil hoje vive de financiamento quase que
absolutamente público.
Nesses eventos de arrecadação, são poucos aqueles que vão
realmente, e quem vai é porque apoia mesmo. Exatamente essa é a
diferença da primeira impugnação. Ninguém que foi a um jantar, almoço
ou qualquer outra reunião de arrecadação de campanha estava em

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Antecipação ao Voto

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ADI 5970 / DF

dúvida em quem iria votar. Aquilo não é um chamariz para atrair um


eleitor indeciso. É uma tentativa de complementação de dinheiro para a
campanha.
Sempre se discute isso no mundo político, mas não se achou no
Brasil, ainda, uma fórmula para solucionar o problema de financiamento
eleitoral, inclusive em virtude de uma questão cultural. A pessoa física
dificilmente faz doação – pouquíssimas contribuem para a campanha dos
candidatos que apoiam – porque os valores dos cofres públicos são
bilionários. Ou barateamos as campanhas ou buscamos alguma fórmula
para incentivar doações privadas. Uma delas é exatamente essa: reuniões
de arrecadação em que se leva um cantor, um chefe de cozinha, um
palestrante.
Ressalto, finalmente, que as preocupações trazidas pelo nosso
eminente Decano, o Ministro GILMAR MENDES, são importantíssimas,
no sentido de que os artistas, hoje, atuam também por meio de pessoas
jurídicas, de modo que concordo com a assertiva de que isso deve ser
plenamente fiscalizado, até mesmo para se evitar lavagem de dinheiro ou
escândalos políticos parecidos com aqueles que já enfrentamos em nosso
país...
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Um segundo
"mensalão", não é?
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Um segundo
"mensalão". Essa foi uma questão muito importante trazida pelo Ministro
Gilmar Mendes, e concordo que a apresentação artística, nessas reuniões,
deva ser fiscalizada.
Essa fiscalização, no entanto, deve ser feita a posteriori, a fim de
averiguar se a finalidade do evento foi, de fato, para arrecadação eleitoral,
e se os valores e formas de pagamento se adequaram às regras e
contornos legais aplicáveis à matéria.
Entendo, aliás, em pequena discordância com o que foi levantado
pelo Ministro GILMAR MENDES, que o valor a ser considerado como
doação eleitoral, nessas reuniões, realmente pode ser relativizado, pois,
assim como um grande advogado que pode atuar, às vezes, pro bono,

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 54 de 245

ADI 5970 / DF

também um grande artista pode apresentar-se pro bono, porque acredita


muito naquele candidato. Se esse mesmo artista decidiu cobrar para
cantar no show lá do... Ministro Barroso, você que conhece, existe o
Canecão ainda?
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO -
Infelizmente acabou.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Do ex-
Canecão, então. Se ele normalmente cobra trezentos mil reais, obviamente
não será esse o valor a ser considerado como doação eleitoral na
prestação de contas, tendo em vista tratar-se de uma reunião fechada e
uma apresentação pro bono do artista. De todo modo, também defendo e
ressalto a necessidade de se fiscalizar a posteriori, mas não me parece que
isso impeça a interpretação conforme concedida pelo Ministro Dias
Toffoli, permitindo a apresentação artística em reuniões para arrecadação
de campanha.
Com essas considerações, Presidente, acompanho integralmente o
eminente Ministro-Relator, pedindo vênia à divergência lançada pelo
Ministro Nunes Marques.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

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06/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES: A solução da


controvérsia posta em julgamento pressupõe a análise, por parte desta
SUPREMA CORTE, de dois pedidos diversos, quais sejam: (1) a
pretendida declaração de inconstitucionalidade da vedação de
showmícios e congêneres para propaganda eleitoral, quando não houver
pagamento de cachê ao artista, nos termos do art. 39, § 7º, da Lei
9.504/1997; e (2) o requerimento de interpretação conforme ao art. 23, § 4º,
V, da mesma lei, para que se reconheça a validade de apresentações
artísticas em eventos de arrecadação para campanha eleitoral, mesmo que
se mantenha a proibição legal aos showmícios.
Transcrevo, no ponto, o teor dos dispositivos legais em referência:

“Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em


dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais,
obedecido o disposto nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº
12.034, de 2009)
[…]
§ 4º As doações de recursos financeiros somente poderão
ser efetuadas na conta mencionada no art. 22 desta Lei por meio
de: (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)
[…]
V - comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção de
eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato
ou pelo partido político. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)”

“Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda


partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não
depende de licença da polícia.
[…]
§ 7º É proibida a realização de showmício e de evento

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 56 de 245

ADI 5970 / DF

assemelhado para promoção de candidatos, bem como a


apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade
de animar comício e reunião eleitoral. (Incluído pela Lei nº
11.300, de 2006)"

Em relação ao primeiro ponto, como já muito bem destacado tanto


pelo eminente Ministro Relator quanto pelo Ministro NUNES
MARQUES, a vedação legal à realização de showmícios tem como
finalidade evitar a ofensa ao princípio da isonomia nas eleições. Aqui,
afasto qualquer alegação de que a proibição em análise afronta a
liberdade de expressão, porque não se veda, em momento algum, que o
artista manifeste livremente sua opção eleitoral, sendo-lhe totalmente
permitido o apoio a qualquer candidato, mesmo durante seu show,
apresentação ou expressão artística.
Após um longo histórico de comícios e showmícios no Brasil, basta
dizer, Presidente e Colegas, que, depois que acabaram os showmícios,
acabaram também as grandes reuniões políticas. Essa é a verdade. É
muito difícil ocorrer atualmente uma reunião, durante a campanha, nas
dimensões gigantescas que aconteciam antigamente. Elas eram realizadas
com inúmeros artistas e shows, não raras vezes, pagos para atrair o
público.
Em virtude dessa finalidade de atração de eleitorado, o Congresso
Nacional entendeu por bem vedar a realização dos showmícios para
evitar qualquer desigualdade na disputa eleitoral, inclusive do ponto de
vista remuneratório, em relação ao poder econômico dos candidatos.
É inegável que aqueles que têm maior fundo partidário têm também
um acesso a shows e eventos muito mais chamativos para o eleitorado.
Ignorar essa situação é repisar, na verdade, princípio básico do
capitalismo mais selvagem: dinheiro chama dinheiro.
Falo com absoluta parcimônia, porque, no Tribunal Superior
Eleitoral, já critiquei e critico, reiteradamente, normas eleitorais ou
interpretações eleitorais paternalistas, que retiram do eleitor uma
possibilidade mais plena de escolha ou, ainda, presumem que o eleitor
não tenha capacidade de discernimento. No entanto, é inegável que a

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 57 de 245

ADI 5970 / DF

apresentação artística em comícios ou reuniões congêneres, quando era


permitida, tinha enorme influência eleitoral. Não se trata de uma análise
“preconceituosa”, mas, sim, pós-conceituosa, na linha do que o próprio
Congresso Nacional concluiu com base na experiência.
Não verifico, nessa linha, diferença substancial no fato de os
showmícios serem, ou não, remunerados. A razão disso é que a realização
desses eventos, ainda que sem o pagamento de cachê ao artista, sempre
envolve e sempre envolverá um custo alto de logística, equipamento,
segurança e organização, em termos gerais.
Não é verdade – e digo como alguém que já participou de atividades
políticas eleitorais – que a estrutura para o candidato apenas divulgar
suas propostas eleitorais é a mesma empregada para se fazer um
showmício. Há todo um valor acrescido em gastos de som, de
deslocamento e, eventualmente, de instrumentos musicais, que permite a
quem tem mais condições econômicas a possibilidade de realizar
showmícios ou congêneres em estruturas muito maiores.
Realmente me parece, aqui, assistir razão tanto à manifestação da
Advocacia-Geral da União quanto ao parecer da Procuradoria-Geral da
República, que salientaram, como pressuposto da livre concorrência entre
partidos políticos e da exigência de um modelo democrático
representativo e pluripartidário, que o princípio da igualdade de chances
legitima a imposição de restrições legais à propaganda política eleitoral,
entre as quais se inclui a vedação à realização de showmícios para
promoção de candidatos ou agremiações partidárias durante o processo
eleitoral.
Trata-se inegavelmente de uma restrição, mas uma restrição
proporcional, adequada, pertinente, destinada a garantir uma finalidade
importantíssima: o equilíbrio na disputa eleitoral. Obviamente, não se
pode afirmar que aquele que vai ou ia, antigamente, a showmícios de
grandes cantores de um determinado candidato vai votar nesse mesmo
candidato só por causa disso; a influência não é automática, mas há uma
atratividade maior. Há, na ciência política, toda uma análise de que
grandes comícios, que envolvam shows e apresentações artísticas de

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 58 de 245

ADI 5970 / DF

grande apelo popular, incentivam o eleitorado a votar, principalmente os


indecisos, dentro do que se aplica, também aqui, o chamado "efeito
manada".
Se verificarmos a exposição de motivos que justificaram a
propositura do Projeto de Lei 275/2005 do Senado, que resultou nas
alterações promovidas na legislação eleitoral, entre elas, os dispositivos
impugnados, é possível constatar que realmente foi essa a finalidade
pretendida pela lei. Se é verdade que a proibição legal torna as eleições
menos atrativas do ponto de vista artístico, também as torna mais iguais
do ponto de vista político.
Reitero, assim, que a norma tem como objetivo regular a forma de
propaganda eleitoral. Claramente, há a tentativa de evitar que candidatos
com maior poder econômico tenham vantagens na disputa eleitoral, para
garantir – o que todos queremos sempre – a tomada de decisão livre do
eleitor, sem direcionamento, sem a tentativa artificial de influenciar sua
escolha, afastando o princípio básico mais importante das votações:
igualdade de condições e paridade de armas entre candidatos no pleito
eleitoral.
Ao meu juízo, no entanto, a vedação a apresentações artísticas em
comícios eleitorais não abarca o evento de arrecadação, embora este
também seja uma reunião eleitoral.
Entendo que aqui há uma diferença substancial – pedindo todas as
vênias à divergência lançada pelo eminente Ministro NUNES MARQUES.
A diferença reside em quem vai ao evento de arrecadação eleitoral, como
muito bem salientado pelo eminente Ministro DIAS TOFFOLI, pois quem
paga para entrar ou com ele colabora é aquele que participa da vida
política e já é um eleitor do candidato que o promove. Ao comprar a sua
participação na reunião, o eleitor sabe que o faz em benefício de
determinado candidato ou partido político, não havendo margem
interpretativa que permita negar a existência de uma opinião já formada
do público direcionado pelo evento.
Aqui nós estaríamos, sim, a restringir a expressão artística, a meu
ver, sem uma finalidade lícita e, portanto, de maneira inconstitucional.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 59 de 245

ADI 5970 / DF

Contar com o apoio de um artista em um evento arrecadatório tem a


capacidade de alavancar muito mais recursos para a campanha eleitoral,
uma vez que a apresentação artística atribui um valor agregado ao
evento. Não parece haver problema na realização de almoços ou jantares
de arrecadação – como, de fato, várias vezes ocorre –, em que há cheffs
renomados, ou palestras gratuitas de uma grande personalidade, até
mesmo do mundo político estrangeiro. Sabe-se que tudo isso agrega valor
àquela reunião, permitindo que o partido político ou candidato que a
promove possa cobrar mais.
Por que os demais artistas não poderiam também se apresentar
nessas mesmas circunstâncias, auxiliando determinado candidato por
quem tenham preferência política, para que essa reunião de arrecadação
de campanha – que já iriam apoiar – seja mais proveitosa? Não me parece
que haja a possibilidade de fracionar a interpretação dos dispositivos em
exame, permitindo a palestrantes, artistas intelectuais ou artistas
culinários a apresentação e, ao mesmo tempo, proibindo as expressões
artísticas do ponto de vista musical, por exemplo.
Como bem salientado pelo Ministro Relator – e venho defendendo
isso há muito tempo –, é preciso encontrar um meio-termo de
financiamento de campanhas. O Brasil hoje vive de financiamento quase
que absolutamente público.
Nesses eventos de arrecadação, são poucos aqueles que realmente
participam, e reitero, quem vai é porque apoia de fato o candidato ou o
partido. Exatamente essa é a diferença da primeira impugnação.
Ninguém que vai a um jantar, almoço ou outra reunião de arrecadação de
campanha está em dúvida em quem vai votar. Isso não é um chamariz –
dito em um bom sentido – para atrair um eleitor indeciso. É uma tentativa
de complementação de dinheiro para a campanha.
O financiamento eleitoral é assunto frequente no mundo político,
mas não se achou ainda, no Brasil, uma fórmula adequada e sem
contestações, inclusive em virtude de questões culturais. A pessoa física
dificilmente faz doação – porque os valores dos cofres públicos são
bilionários. Assim, para não sobrecarregar a verba pública, ou barateamos

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 60 de 245

ADI 5970 / DF

as campanhas ou procuramos formas de incentivar doações privadas.


Uma delas é exatamente esta: reuniões de arrecadação, agregadas pela
participação da classe artística, como cantores, chefes de cozinha,
palestrantes, entre outros.
Ressalto, finalmente, que as preocupações trazidas pelo nosso
eminente Decano, o Ministro GILMAR MENDES, são importantíssimas,
no sentido de que os artistas, hoje, atuam também por meio de pessoas
jurídicas, de modo que concordo com a assertiva de que isso deve ser
plenamente fiscalizado, até mesmo para se evitar lavagem de dinheiro ou
escândalos políticos parecidos com aqueles que já enfrentamos em nosso
país.
Essa fiscalização, no entanto, deve ser feita a posteriori, a fim de
averiguar se a finalidade do evento foi, de fato, para arrecadação eleitoral,
e se os valores e as formas de pagamento se adequaram às regras e
contornos legais aplicáveis à matéria.
Entendo, aliás, em pequena discordância com o que foi levantado
pelo Ministro GILMAR MENDES, que o valor a ser cobrado nessas
reuniões realmente pode ser relativizado, pois, assim como um grande
advogado que pode atuar, às vezes, pro bono, também um grande artista
pode apresentar-se pro bono, porque acredita muito naquele candidato, ou
pode cobrar por sua apresentação em valores adequados ao mercado.
De todo modo, não me parece que a justa necessidade de controle
desses eventos, mediante a fiscalização a posteriori, impeça uma
interpretação conforme, nos termos que o eminente Ministro Relator
colocou em seu voto, trazendo a possibilidade de regulamentação das
apresentações artísticas em reuniões de arrecadação de recursos eleitorais
dentro dos limites legais.
Com apoio nessas considerações, ACOMPANHO integralmente o
eminente Ministro Relator, pedindo vênia à divergência lançada pelo
Ministro NUNES MARQUES.

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Esclarecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 61 de 245

06/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Presidente?

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Pois não,


Ministro Gilmar?

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Na sequência do


que falou o Ministro Alexandre, só para lembrar que a lei é expressa em
relação à valoração desse serviço ao estimar em 40 mil reais.
Nós sabemos que os valores ultrapassam em muito e, a rigor, se esse
argumento for aceito, certamente outras questões ligadas à jurisprudência
eleitoral, sobre os serviços, também poderão ser igualmente suscitadas.
Eu estou preocupado é com o conjunto da obra e suas consequências.
Para não falar das experiências brasileiras, eu me lembro de que, em
Portugal, há um escândalo envolvendo o chamado Banco Espírito Santo,
em que diretores doaram para candidatos à presidência da República. E
depois, receberam um bônus correspondente àquele valor que havia sido
doado. Na verdade, era um tipo de doação indireta feita pela pessoa
jurídica.
Eu imagino, por exemplo, aqui - ainda não estou votando, mas
apenas suscitando essas indagações, tendo em vista as consequências -,
eu imagino, por exemplo, que uma empresa possa comprar os ingressos
todos de um almoço, de um chá-dançante com música, ou de uma
pequena reunião em que haja 5 mil pessoas, distribuir aos seus
empregados, e, portanto, ainda que eles possam ir ou não,
eventualmente, isso já resulta em um tipo de financiamento pela pessoa
jurídica.
Eu concordo com o Ministro Alexandre - e todos sabem do meu voto
em relação à questão da pessoa jurídica. Ao contrário até do

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Supremo Tribunal Federal
Esclarecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 62 de 245

ADI 5970 / DF

posicionamento do Ministro Dias Toffoli, talvez aqui nós devêssemos ter


trabalhado - e quiçá antes mesmo o Congresso já devesse ter estabelecido
algum tipo de limite. Entretanto, essa é uma discussão passée, passada. Eu
estou só suscitando os problemas que nós podemos ter a partir dessa
abertura.
A arrecadação aqui pode ser, em muitos casos, muito mais elevada
do que aquela do fundo partidário e muito mais valorizada. E certamente
as forças políticas que estão devidamente articuladas vão lograr, de
alguma forma, engendrar, desenvolver práticas nesse sentido.
Creio que o debate é extremamente relevante e importante, e todos
nós estamos de acordo de que é preciso encontrar sistemáticas de
financiamento do sistema político-eleitoral. O Ministro Toffoli tem
sempre falas sobre isso, dizendo que isso é básico, na verdade, é o
financiamento da própria democracia. Todos nós percebemos.
Contudo, a mim me parece que, num olhar assim de leigo, nós já
vislumbramos uma série de possibilidades de que isso acabe por
estimular, primeiro, a relativização da proibição do financiamento de
pessoa jurídica; e estamos também superando, de alguma forma - o
Ministro Alexandre observou bem -, a coisa do valor do serviço. Se
sabemos que uma dada artista ou um dado artista, durante todo o ano,
cobra por um show alguma coisa - e não estou falando de extravagante -
em torno de 500 mil reais o show, esse é o valor da doação que ela está
dando. Pode? Mas, se poderá aqui... Porque a comparação com o
palestrante não vem [ininteligível], a não ser que nós estivéssemos
falando hoje no Obama, do Steve Jobs, já falecido. Mas digo, afora isso,
em geral, nós teremos pessoas muito brilhantes que podem animar um
encontro eleitoral, mas isso não vai...
Nós estamos a falar de algo que pode ter uma repercussão enorme e
que pode estimular práticas que logo extravasam. Já não vamos estar
discutindo aspectos apenas de ajuda e auxílio eleitoral, a adesão a dado
candidato, mas talvez nós estejamos aqui abrindo portas e janelas para
fraudes. A posteriori, diz o Ministro Alexandre, isso poderá ser verificado.
E aí nós vamos trazer toda essa insegurança jurídica a propósito de

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Esclarecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 63 de 245

ADI 5970 / DF

eventual abuso de poder econômico, por exemplo, o que também não se


deseja no contexto geral.
De modo que eu queria fazer só essas ponderações à guisa mais de
provocação e reflexão - eu sei que já estamos adiantados no horário - para
fins de uma reflexão. Talvez a gente esteja abrindo a caixa de pandora em
relação ao próprio financiamento, à proibição do financiamento de pessoa
jurídica, porque, certamente, haverá esse tipo de participação. Isso já hoje
ocorre, esse fenômeno que eu descrevi do Banco Espírito Santo,
certamente hoje ocorre, em que diretores recebem um estímulo da pessoa
jurídica para fazerem doação a um dado candidato, canalizar. Isso é algo
muito simples para não ser pensado. E por isso que eu gostaria de deixar
essas ponderações. Certamente, nós vamos ter de continuar amanhã, mas
só para reflexão.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Isso sem
contar que houve uma majoração expressiva do Fundo Eleitoral.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Nós temos, como
Vossa Excelência sabe, até partidos que não se estruturam, não têm a
estrutura partidária, não gastam com a burocracia partidária e guardam
também o Fundo Partidário, aquilo que os mantêm. Portanto, além do
Fundo Eleitoral, então tem até essa discussão sobre esse aspecto, nós
sabemos disso, há um fenômeno de cooptação de parlamentares - isso é
dito de maneira muito clara -, porque se garante, por exemplo, que um
candidato de um dado partido à reeleição parlamentar receba três
milhões de apoio... [interrupção da transmissão]

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Extrato de Ata - 06/10/2021

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PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI
REQTE.(S) : PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : DANIEL ANTONIO DE MORAES SARMENTO (63551/DF, 73032/RJ)
E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

Decisão: Após o voto do Ministro Dias Toffoli (Relator), que


julgava parcialmente procedente a ação direta, para conferir
interpretação conforme à Constituição ao art. 23, § 4º, inc. V, da
Lei nº 9.504/1997, visando incluir no seu escopo a possibilidade
de realização de apresentações artísticas ou shows musicais em
eventos de arrecadação de recursos para campanhas eleitorais, no
que foi acompanhado pelo Ministro Alexandre de Moraes; e do voto
do Ministro Nunes Marques, que julgava improcedente a ação, o
julgamento foi suspenso. Falaram: pelos requerentes, o Dr. Daniel
Antônio de Moraes Sarmento; e, pela Procuradoria-Geral da
República, o Dr. Antônio Augusto Brandão de Aras, Procurador-Geral
da República. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário,
06.10.2021 (Sessão realizada por videoconferência - Resolução
672/2020/STF).

Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux. Presentes à sessão os


Senhores Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen
Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin,
Alexandre de Moraes e Nunes Marques.

Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Augusto Brandão de


Aras.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

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07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Muito boa


tarde, Ministro Luiz Fux. Boa tarde a todos os Colegas, Ministra Rosa
Weber e Ministra Cármen Lúcia, Ministro Luiz Edson Fachin, que está
aqui no Plenário, prezados Colegas que avisto aqui da minha tela.
Cumprimento o Senhor Procurador-Geral da República, Doutor Augusto
Aras e, igualmente, o Advogado que esteve na tribuna, Professor Daniel
Sarmento.
Presidente, apenas recapitulando, é ação direta de
inconstitucionalidade, proposta pelo PSB, pelo Psol e pelo PT, tendo por
objeto dois dispositivos da lei das eleições. O pedido é, em essência, que
se reconheça a inconstitucionalidade da proibição de “showmícios” e
eventos assemelhados quando não remunerados e que se reconheça a
legitimidade da realização de eventos artísticos, inclusive shows musicais,
para fins de arrecadação de recursos de campanha.
Não há uma definição legal de “showmícios”, mas tem-se entendido
como sendo a participação de artistas musicais em eventos relacionados a
eleições, cuja finalidade seja promover uma determinada candidatura.
Em primeiro lugar, cumprimento o Ministro Dias Toffoli por seu
voto, que, como sempre, alinhavou as melhores ideias disponíveis para o
ponto de vista que Sua Excelência sustentava. Devo adiantar que estou
em linha de concordância com parte substancial do voto de Sua
Excelência, mas tenho uma divergência que gostaria de pontuar e de
pedir a atenção dos Colegas. Também peço vênia quanto a este ponto,
para sustentar ponto de vista diferente do Relator, do Ministro Alexandre
de Moraes, que o acompanhou, e uma divergência em maior extensão em
relação à posição esposada pelo Ministro Kassio Nunes Marques.
Estamos discutindo um tema que, a meu ver, está associado à
liberdade de expressão, de manifestação política e de manifestação
artística. Temos decidido no Supremo Tribunal Federal, repetidamente - e

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

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ADI 5970 / DF

acho que fazendo um bem ao país -, que a liberdade de expressão deve


ser tratada como uma liberdade preferencial. Não há hierarquia entre
normas constitucionais, mas a liberdade de expressão desfruta de posição
privilegiada, de hierarquia axiológica, digamos assim, pela sua
importância para o desfrute de outros direitos fundamentais.
Penso que, nessa linha de valorizar e prestigiar a liberdade de
expressão, em decisões recentes - uma do Ministro Ricardo Lewandowski
na ADI 3.741 -, o Supremo derrubou, por inconstitucional, dispositivo de
lei que impedia a divulgação de pesquisas a menos de quinze dias das
eleições. Em outra decisão, igualmente importante, na ADI 4.451, o
Tribunal também considerou ilegítimas as vedações existentes a que se
fizessem programas de humor e de sátira durante o período eleitoral.
Há boas razões, penso, históricas e jurídicas para o Supremo
Tribunal Federal ter-se tornado guardião da liberdade de expressão em
um país cuja história é marcada pelo cerceamento à liberdade de
expressão. A liberdade de expressão merece esse destaque na doutrina e
na jurisprudência do Supremo, por muitas razões, das quais destaco três.
Em primeiro lugar, por respeito à dignidade da pessoa humana. As
pessoas têm o direito de manifestar sua personalidade e, portanto,
manifestar suas ideias e opiniões e difundir fatos e informações.
Em segundo lugar, a liberdade de expressão é essencial para a
democracia, pois permite a livre circulação de ideias, informações e
opiniões, que permitem que as pessoas não apenas votem de maneira
esclarecida como, igualmente, participem do debate público permanente -
outra característica da democracia, para além do momento do voto.
Em terceiro lugar, a liberdade de expressão é decisiva para a
preservação da cultura de um povo e para o registro da história de um
povo, para que as novas gerações possam aprender o que passou,
inclusive evitando erros cometidos no passado.
Essa é a razão de prestigiarmos, no Supremo Tribunal Federal, com
grande primazia, a liberdade de expressão, inclusive porque, entre nós, o
passado condena. Temos uma história de cerceamento da liberdade de
expressão pelos mais variados fundamentos, alguns inclusive com

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

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ADI 5970 / DF

aparência de legitimidade - mas nunca a tem.


Relembro brevemente - até com um toque anedótico - que, quando a
carta de Pero Vaz de Caminha foi encontrada na Torre do Tombo, em
Lisboa, pelo padre Aires Casal, ele suprimiu algumas passagens, porque
achou que descrevia com excessiva empolgação a nudez das indígenas.
Dando um salto na história, chegamos à vinda da família real
portuguesa para o Brasil, em 1808, quando se cria a imprensa régia, que
permitia a publicação de materiais, desde que passassem por crivo
prévio, sendo proibida qualquer tipo de crítica ao governo ou à religião
oficial do Estado.
Depois chegamos na Ditadura Vargas, ao longo do Estado Novo,
com o Departamento de Imprensa e Propaganda. Mais à frente, no regime
militar, a censura se institucionalizou de forma abrangente. Tínhamos
censura à imprensa e os jornais publicavam ou páginas em branco, ou
com espaços em branco, ou com receitas de bolo, ou com poesias de
Camões, em uma forma sutil de denunciar que os censores, na redação,
tinham suprimido aquelas matérias.
No que particularmente nos interessa, as artes, no Brasil, sobretudo
no período do regime militar, foram furiosamente censuradas.
Na televisão, proibiu-se a novela Roque Santeiro, passando pela
singularidade de que, quando encenaram o Sítio do Pica-pau Amarelo, foi
proibida a utilização do famoso pó de pirlimpimpim, que Lobato
utilizava em seus livros, pela crença de que se pudesse inspirar as
crianças a outras "fungações" menos ingênuas - assim era a explicação da
época.
No cinema, lembro-me bem de que, no filme Laranja Mecânica,
drama psicológico de recuperação de pessoas condenadas criminalmente,
no qual os personagens apareciam nus, a censura liberou o filme, mas
colocou tarjas sobre seios e órgãos genitais; os atores corriam na tela, as
tarjas corriam atrás. Um drama psicológico no Brasil era uma espécie de
comédia em que ficava todo mundo monitorando para ver se a tarja ia
chegar a tempo.
Sem mencionar, pelo espantoso que representa, a proibição da

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

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ADI 5970 / DF

exibição do Ballet Bolshoi no Teatro Municipal do Rio de Janeiro,


considerado propaganda comunista.
Esse é um brevíssimo resumo apenas. Zuenir Ventura, em 1968, fez
um levantamento de peças teatrais, músicas, filmes e livros censurados no
período militar. Esse é apenas um breve balanço do cerceamento às artes
no Brasil, sempre vistas com um grau de preconceito, como se fosse uma
atividade perigosa ou subversiva.
Aqui chego, Presidente e eminentes Colegas, no ponto que considero
muito importante para o nosso debate: o papel da música como expressão
cultural e política no Brasil. A música, em minha visão, é uma das
principais manifestações culturais brasileiras. Embora seja difícil, nesse
domínio, estabelecer absolutos, acho que, se houvesse uma disputa de
qual é a melhor música mundial, certamente candidataria a música
brasileira à disputa desse troféu. Não por acaso, a música, as composições
e os compositores, mais do que todos os artistas, foram cerceados e
perseguidos ao longo da ditadura militar. Todas as músicas, aviso às
novas gerações, tinham de ser previamente submetidas ao departamento
de censura. Alô para quem acha que não houve ditadura no Brasil: todas
as músicas tinham de ser previamente submetidas ao departamento de
censura. Muitas eram vetadas, alguns compositores eram malditos e
alguns só aprovavam suas músicas com um pseudônimo, sendo clássico o
caso de Chico Buarque de Holanda, que aprovou, sob o pseudônimo de
Julinho da Adelaide, uma música chamada "Jorge Maravilha", que tem
uma passagem deliciosa. A filha de um dos Presidentes do regime militar,
em uma entrevista, disse que gostava muito dele; ele, então, colocou, no
estribilho da música: "você não gosta de mim, mas sua filha gosta". Uma
música que fez, na sua época, algum sucesso.
Tivemos, em 1968, no contexto em que veio a ser editado o Ato
Institucional nº 5, Geraldo Vandré cantando "Para Não Dizer que Não
Falei de Flores", símbolo da resistência a uma ditadura que se
aprofundava - e efetivamente se aprofundou - no Brasil.
Pouco tempo depois, em 1970, já no período Médici, início dos anos
de chumbo, Chico Buarque compõe "Apesar de Você", que, por uma

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

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distração da censura, chegou a tocar no rádio por alguns dias. Até que
alguém se deu conta de que "apesar de você, amanhã há de ser outro dia"
podia, eventualmente, ser uma música de protesto, e ela também foi
proibida, como centenas de outras já tinham sido proibidas. Ao final da
ditadura, quando as músicas começaram a voltar, o hino da anistia e da
volta dos exilados era "O Bêbado e o Equilibrista", de Aldir Blanc e João
Bosco, maravilhosamente interpretado por Elis Regina.
Estou fazendo esse brevíssimo retrospecto para destacar a
importância cultural e política da música na vida brasileira, na vida social
e na vida política brasileira. De modo que, sinceramente, não consigo
alcançar uma razão legítima pela qual impedir, em última análise, que
compositores e músicos participem do processo eleitoral comparecendo a
um evento de campanha para apoiar determinado candidato. É como se a
lei pretendesse suprimir - foi dito da tribuna e está dito no livro da
Professora Aline Osório - a emoção da participação política. A razão é
muito importante na vida, mas a vida também é feita de sentimentos, de
emoção, que são manifestados através da arte. A política não pode ser um
espaço de assepsia, imune a essas manifestações artísticas de emoção e de
sentimento.
O próprio Tribunal Superior Eleitoral, em suas campanhas
institucionais, já convidou a atriz Camila Pitanga, o médico Drauzio
Varella, a advogada e jornalista Gabriela Prioli, a filósofa Djamila Ribeiro.
Por que não poderíamos ter chamado um artista ou uma cantora? Aliás,
recebemos, para nossa alegria, o apoio espontâneo da cantora de axé
Daniela Mercury. A emoção da arte, casada com a política, faz todo o
sentido, desde que não haja abuso de poder econômico, e sobre isso
falarei, em um minuto, logo em seguida.
Compartilho aqui um texto da Professora Aline Osório, em seu livro
Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão, em que ela enfrenta precisamente
esse tema da arte e da emoção:

A tentativa de apartar as emoções da política está presente nessa


proibição da realização de showmícios. A redação do artigo 7º e do artigo

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

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ADI 5970 / DF

39 também veda a apresentação não remunerada de artistas para animar


comícios e reuniões eleitorais, ainda que privadas. Neste ponto, além de
afetar os direitos dos candidatos, há um evidente cerceamento da
liberdade política e da liberdade de manifestação da classe artística, que
fica proibida de apoiar, de forma espontânea, determinado candidato de
sua preferência em um determinado evento.

Como lembrou o Conselho Federal da Ordem dos Músicos do Brasil,


ao impedir a apresentação não remunerada de artistas, essa parte do
dispositivo traz reminiscências de um passado não tão distante, época de
clandestinidade, censura e opressões contra as classes pensantes. É
preciso assim relembrar que a política, a arte e a emoção também andam
juntas.
Aqui faço uma observação que considero importante: a sociedade
brasileira é plural, assim como a classe artística é plural. Você tem artistas
progressistas na música popular brasileira, muitos, e você tem artistas de
visão conservadora, no sertanejo, no gospel. A democracia tem espaço
para liberais, para conservadores e para progressistas, e as pessoas se
manifestam. Durante a campanha pelo voto impresso, um importante
cantor sertanejo gravou um vídeo dizendo que o eleitor tinha o direito de
sair da urna com o comprovante do seu voto, em quem ele tinha votado -
produto imenso de desaviso, porque seria a abolição do voto secreto, e, aí,
a milícia, o tráfico ou o coronel podiam ir verificar qual tinha sido seu
voto. Essa foi apenas mais uma das desinformações e equívocos que
circularam pelo Brasil nessa matéria, mas há participação da classe
artística, de um lado e de outro, como faz parte da vida democrática.
Entendo, Presidente, com o respeito devido e merecido às posições
contrárias, que aqui há uma violação da liberdade de expressão, uma
violação desproporcional da liberdade de expressão. Como todos sabem,
a máxima da proporcionalidade se subdivide em três subprincípios.
O primeiro é a adequação. Por que essa providência não me parece
adequada? Porque, se ela se destina a evitar o abuso do poder econômico
- que acho ser uma providência legítima -, ela, evidentemente, não

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

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deveria incidir sobre as hipóteses de participação não remunerada de


artistas. Os autores da ação pedem - e têm a minha adesão - o direito de
participação do artista em uma reunião política, desde que não
remunerada, porque, aí, é uma espontânea manifestação, um espontâneo
exercício da liberdade de manifestação política, diferentemente da
contratação por cachê, que pode, sim, ensejar abuso do poder econômico.
Mas se estamos falando, como estamos, em sem remuneração, não é para
evitar abuso do poder econômico que se estabeleceu essa restrição. Agora,
se a restrição foi estabelecida para impedir a influência dos artistas no
processo político, acho ser manifestamente inconstitucional. Os artistas
têm todo o direito de participar do processo político, como o têm os garis,
os engenheiros e todos aqueles em relação aos quais não exista vedação
legal.
Portanto, ou a medida não é adequada, porque não havendo
remuneração, não há abuso de poder econômico, ou a medida é
completamente ilegítima, porque se alija uma classe, uma categoria, um
grupo grande de pessoas, do direito de participar politicamente, da
maneira que a ele aprouver.
É hipótese também - segundo subprincípio - de não necessidade.
Incide a vedação do excesso, porque, se é para conter abuso de poder
econômico, basta restringir a participação remunerada de artistas. A não
remunerada não faz diferença.
Por fim, em termos de proporcionalidade em sentido estrito, a
verificação do custo e benefício da medida, o que se ganha e o que se
perde, perde-se muito em liberdade de expressão e no direito
fundamental à manifestação política do artista, e, a meu ver, não se ganha
nada de relevante em troca. Acho que, aqui, houve um abuso de poder
por parte da maioria. Gente que não terá o apoio de artista e não quer que
ninguém possa ter o apoio de artistas.
Também vislumbro, nessa situação, uma violação do princípio da
isonomia. A restrição à participação de músicos me parece totalmente
discriminatória. Jogador de futebol pode, não está impedido; jornalista
renomado pode, não está impedido; ex-Presidente da República pode,

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não está impedido; cantor e compositor não pode, é perigoso. Não é um


elemento de discrimen, um fator de diferenciação, que me pareça ser
legítimo. Com todo o respeito às posições contrárias, dizer que uma
pessoa ou um grupo de pessoas não podem manifestar-se em
determinado momento e lugar é evidentemente um cerceamento à
liberdade de expressão. Se você disser: você pode manifestar-se, menos
na praça; você pode manifestar-se, menos na rua; você pode manifestar-
se, menos no comício, evidentemente é uma restrição. Pode-se ponderar
se essa é uma restrição proporcional, que vise a um fim legítimo,
portanto, uma restrição que tenha um fundamento razoável. A meu ver,
não há um fundamento razoável para discriminar artistas e não é um fim
legítimo impedir que o artista queira atrair público para uma
manifestação do candidato de sua preferência. Levar uma estrela do
futebol não tem problema, mas levar um cantor e compositor tem? Se o
jogador de futebol fizer cem embaixadinhas, está bem; mas, se o músico
cantar, não pode. Não me parece legítima essa diferenciação, essa
discriminação.
Portanto, acho que a participação não remunerada de artistas em
“showmício” é assegurada pela Constituição, e o legislador não poderia
interditar, da maneira como o fez, esse direito. A não remunerada não
está aqui em discussão e envolveria outros conceitos, mas impedir que
um artista empreste seu prestígio a um candidato em um comício,
impedir que ele faça isso e permitir que um jornalista, que um jogador de
futebol, que um ex-Presidente o façam é uma discriminação que não me
parece razoável, é uma discriminação contra a arte e não apenas contra os
artistas em geral. Não é um direito subjetivo do artista só; é um direito da
comunidade, da coletividade, ter a informação e o prazer de conviver
com a arte e saber a posição daquele artista.
Aqui neste Tribunal, Presidente, em voto da relatoria de Vossa
Excelência, acompanhado por maioria expressiva, entendemos que não
deveria haver financiamento por empresas privadas no contexto que
tínhamos. Contexto em que a empresa podia tomar dinheiro emprestado
do BNDES, financiar a candidatura que quisesse e ainda pagava pedágio

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para obter o financiamento. Ambiente em que a mesma empresa podia


apoiar - como, de fato, apoiou - financeiramente três candidatos: a
candidata Dilma, o candidato Aécio e a candidata Marina. Se está
apoiando três candidatos, ou foi achacado ou está comprando favores
futuros. Qualquer uma das hipóteses era muito ruim. Além disso, a
legislação não vedava que aquele que financiasse a campanha fosse
contratado, depois, direta ou indiretamente, pela administração
vencedora. O favor privado da doação era pago com dinheiro público do
contrato administrativo: imoralidade administrativa do primeiro ao
último passo. Aquele modelo era inaceitável.
Se empresa privada pode ou não participar de financiamento
eleitoral, é uma questão política a ser decidida pelo Congresso. Eu acho
muito ruim, porque a democracia deve ser feita da cidadania, e não do
capital. O capital tem um papel muito importante em uma sociedade
capitalista, mas o processo político-eleitoral deve ser um processo de
participação cidadã.
Lembro de ter comparecido, ainda advogado, à sede de um grande
banco, próximo do período eleitoral, e de ter ouvido do diretor do banco:
"Vai começar a temporada de achaque." Era isso que acontecia. E mais:
embora ache que tenha havido uma desmedida no Fundo Eleitoral, e ache
que, no fundo mesmo, é a cidadania e não o dinheiro público que deve
financiar as campanhas, a verdade é que, elevado como seja o Fundo
Eleitoral, ainda sai mais barato para o país do que o conjunto de decisões
erradas que se tomam pelos interesses especiais dos financiadores
privados. Problemático como seja este modelo, ele é menos ruim do que o
tínhamos, como os fatos demonstraram ao longo dos anos recentes da
história brasileira.
Pedindo todas as vênias ao Relator, entendendo as razões que
motivaram Sua Excelência e os que o acompanharam, e mesmo dos que
acompanharam em maior extensão, sou totalmente convencido de que
impedir a participação não remunerada de um artista em evento público
de apoio a candidato é um cerceamento da liberdade de expressão, da
liberdade de manifestação do pensamento e do direito político de

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participar, com sua arte, da vida brasileira.


Por essa razão, Presidente, estou divergindo em parte do Ministro
Dias Toffoli.
Como estarão lembrados, havia duas questões em discussão. Em
relação a uma delas, estou acompanhando a posição do Relator, para
dizer que se admite a participação não remunerada de artistas em evento
de arrecadação de fundos para campanha. Nisso, estamos de pleno
acordo.
Acho, inclusive, em alguma medida, contraditório dizer que o artista
pode participar do evento de arrecadação de recursos e, depois, dizer que
ele não pode participar de evento público em que o candidato se
apresente às pessoas e exiba os apoios que tem. Como disse, pode ser um
jornalista, um jogador de futebol fazendo embaixadinha, ou um ex-
Presidente contando suas realizações. Por que não poderia ser um artista
cantando sua canção?
Portanto, julgo, Presidente - aqui, o dispositivo do meu voto -,
procedente o pedido para, primeiro, declarar a inconstitucionalidade
parcial, com redução de texto, do art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/1999, para
excluir de sua redação a expressão "ou não", de modo a permitir a
realização de “showmício” e eventos assemelhados de caráter não
remunerado. Apenas para que fique claro, o dispositivo legal fala: "É
proibida a realização de “showmício” e de evento assemelhado para
promoção de candidatos, bem como a apresentação, remunerada ou não,
de artistas." Estou considerando inconstitucional o "ou não" para dizer
que, se não for remunerada, a participação do artista é legítima.
A segunda parte, em que estou concordando com o Relator, estou
julgando procedente para declarar a inconstitucionalidade parcial, sem
redução de texto, dos arts. 23, §§ 4º e 5º; e 39, § 7º, da Lei nº 9.504, de
modo a excluir qualquer interpretação e aplicação desses dispositivos que
importe na proibição de eventos de arrecadação, realizados diretamente
pelo candidato ou pelo partido político.
Fixo, como tese de julgamento:
É inconstitucional a proibição da realização, de forma não

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remunerada, de showmícios, de eventos para promoção de candidatos e


de apresentações para arrecadação de fundos eleitorais por violação à
liberdade de expressão e de manifestação cultural.
É como voto, Presidente.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Ministro Luís
Roberto Barroso, então, Vossa Excelência julga...
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Procedente
in totum.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - In totum.
E em: "É proibida a realização de “showmício” e de evento
assemelhado para a promoção de candidatos, bem como apresentação,
remunerada ou não", Vossa Excelência exclui a expressão "ou não"?
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO
-Exatamente. Para admitir a participação não remunerada, que é o
pedido.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Está bem.

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Antecipação ao Voto

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07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

ANTECIPAÇÃO AO VOTO
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Muito obrigado,
Senhor Presidente.
Cumprimento Vossa Excelência, Ministro Luiz Fux, que preside este
Supremo Tribunal Federal. Cumprimento o eminente Ministro-Relator,
Ministro Dias Toffoli, pelo acutíssimo voto que traz à colação sobre uma
matéria, como assinalou Sua Excelência, de uma importância ímpar.
Cumprimento todos os votos proferidos, os Ministros que me
antecederam e seus votos já proferidos, bem assim as sustentações orais,
que foram levadas a efeito pelo Professor Doutor Augusto Aras,
Procurador-Geral da República e pelo Professor Doutor Daniel Sarmento,
que aqui também se encontra. Cumprimento ainda as Ministras e os
Ministros que também irão votar sobre esta matéria importante na Ação
Direta de Inconstitucionalidade 5.970.
Eu creio, Senhor Presidente, eminentes Ministras e Ministros, que,
com os votos até agora proferidos, nós temos um universo que desenha a
controvérsia e as distintas posições sobre este tema.
De um lado, a procedência parcial que acolhe uma interpretação que
dá uma direção conforme a Constituição, portanto, que acolhe o pedido
5B, conforme formulado na petição inicial desta ação direta de
inconstitucionalidade. Assim é o voto de Sua Excelência, o eminente
Ministro Dias Toffoli, que foi acompanhado pelo eminente Ministro
Alexandre de Moraes. Já pela improcedência, manifestou-se, em voto, o
eminente Ministro Nunes Marques. E agora, pela procedência integral, o
eminente Ministro Roberto Barroso.
Na sessão de ontem, Senhor Presidente, até havia pedido a palavra
ao final, mas me reservei para falar, nesta oportunidade do voto, após as
intervenções, como sempre pertinentes, do eminente Ministro Gilmar
Mendes, que já trouxe à colação algumas reflexões e interrogações sobre
os votos proferidos.
Portanto, até mesmo por isso, creio que há que se louvar a

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antecipação do voto do eminente Ministro Roberto Barroso, porque assim


creio, com algumas variações que possamos ter, que o cenário da
procedência parcial, da improcedência e da procedência integral está
posto para o desate.
De modo que o fundamental, neste momento, mais do que o desate,
é o caminho para lá se chegar e fazer um escrutínio dos respectivos
fundamentos à luz do que foi pedido.
Nesta Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.970, a rigor, como
sabemos, há dois universos distintos de pedidos. O primeiro se refere ao
"showmício" gratuito, vale dizer, a atos que serão ou são inequivocamente
atos de propaganda. O segundo universo - o primeiro está no pedido 5-A;
o segundo está no pedido 5-B - diz respeito a atos de arrecadação, sendo
que o pedido do item 5-C, a inconstitucionalidade por arrastamento, será,
como se evidenciou do voto do Ministro Barroso, uma consequência do
acolhimento do primeiro pedido.
Tanto esses horizontes são distintos que, na petição inicial, os
requerentes dessa ação direta de inconstitucionalidade indicam, de modo
distinto - o que aliás o fazem de maneira escorreita -, os atos normativos
impugnados. Em primeiro lugar, o art. 23, que trata, a propósito, no § 4º,
V, da comercialização de bens ou serviços ou promoção de eventos de
arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo partido. Já o
outro é o art. 39, que trata de propaganda partidária, ou propaganda
eleitoral, cuja moldura, como sabemos, depende da circunstância
temporal em que o ato de propaganda é levado a efeito. E é nesse art. 39,
que tem lugar o § 7º, segundo o qual é proibida a realização de
"showmício" e de evento assemelhado para a promoção de candidato,
bem como - portanto, ao lado da primeira hipótese, que é "showmício" ou
evento assemelhado para a promoção de candidato, vem a segunda -,
bem como a apresentação, remunerada ou não, de artista com a
finalidade de animar comício e reunião eleitoral.
Portanto, à luz do que foi pedido, nada obstante a objetivação que
permite certa abertura da compreensão da causa posta em exame, o que
efetivamente está posto para exame é a sustentação da conformidade, ou

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não, desses dispositivos à luz dos incisos IV e IX do art. 5º e do art. 220 da


Constituição, que tratam da liberdade de expressão, e do art. 215 também
da Constituição, que cuida da proteção e valorização da cultura.
Posto, digamos assim, o desenho dessa ordem de ideias, permito-me
dizer que esses horizontes postos na inicial certamente realçam tudo
aquilo que já foi enfatizado nos votos que me antecederam e agora, de
modo especial, na introdução, sempre lúcida e sensível, do Ministro Luís
Roberto Barroso - com vários exemplos que compõem a nossa lembrança
de juventude, às vezes, causando certo riso e, outras vezes, muitas dores
nessas lembranças. Portanto, é mesmo a liberdade de manifestação do
pensamento portadora de um sobrevalor no Estado de Direito
Democrático instituído pela Constituição de 88.
Ao mesmo tempo, também sabemos que a conformação dessa
liberdade encontra amparo no ordenamento constitucional sem deixar de
lado outras proclamações constitucionais de igual ou, em alguma
hipótese, de superior importância. Portanto, é preciso levar em conta
também - e assim eu estou a fazer na introdução do meu voto - que o § 9º
do art. 14 da Constituição também eleva ao piso de garantia
constitucional, no âmbito das disputas eleitorais, a normalidade e a
legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o
abuso do exercício de função. Por isso, resguardar a igualdade na disputa
eleitoral da influência do poder econômico não é um minus, mas deve ser
um valor constitucional, que, aliás, dito mais adequadamente, é uma
regra de existência constitucional vinculante que há de ser mirada com a
mesma dignidade interpretativa e hermenêutica da liberdade de
manifestação do pensamento.
Por isso, a par da divergência doutrinária que ainda persiste no
âmbito acadêmico sobre eventuais limites à liberdade de expressão e
paradoxos hipotéticos ou concretos que podem decorrer desses limites,
com efeito, dúvida alguma há nos incisos antes mencionados - o inciso IX
do art. 5º, o art. 220 e o art. 215 da Constituição - da proteção que a Lei
Maior, no Brasil, confere precisamente à expressão do pensamento, à
criação, à informação, que não podem sofrer qualquer restrição, diz o art.

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220, observado o disposto na Constituição. Essa proteção também se abre


a partir da cláusula contida no § 2º do art. 5º da Constituição.
Isso significa, portanto, que, além da proteção de natureza
constitucional, a cláusula de abertura material que está na Constituição
acolhe os sistemas universal e interamericano de proteção aos direitos
humanos, o que dá entre nós uma ainda mais significativa densificação
dessa liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e
de comunicação, independentemente de censura ou licença. Isso está no
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que é lei no Brasil,
porque adequadamente internalizado na ordem jurídica interna; também,
no Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, por igual
internalizado regularmente entre nós; e, como sabemos, no art. 13 da
Convenção Americana de Direitos Humanos.
Portanto, o horizonte de proteção do sobrevalor dessa liberdade se
coloca na ambiência da Constituição e se coloca também, do ponto de
vista transterritorial, nesses documentos internacionais que têm força
vinculante pela internalização que, no Brasil, receberam.
Dito isso, do ponto de vista do direito constitucional expresso e
derivado dessa perspectiva multinível, a proclamação que se tem nos
tribunais e, nomeadamente, aqui no Supremo Tribunal Federal é coerente
com esta ordem de ideias.
Cito, embora desnecessário minudenciar, o que se julgou na Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental 130, da relatoria do eminente
Ministro Carlos Ayres Britto. Esse julgamento é de abril de 2009. E lá o
Supremo Tribunal Federal analisou a compatibilidade da Lei 5.250/1967
com a Constituição de 1988 e, como sabemos, reconheceu a não recepção
dessa lei e lançou bases para a compreensão do conteúdo do direito à
liberdade de expressão, que não é apenas protegido, mas promovido,
enaltecido num legítimo Estado de Direito Democrático.
Como lá se afirmou - e aqui eu repito - radicaliza-se, no sentido
virtuoso da palavra, ao limite o conteúdo do direito como salvaguarda da
democracia. Portanto, essa dimensão de sobrevalor, que não desconhece
aquele § 9º, na parte que li, do art. 14 da própria Constituição, estabelece

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em favor da liberdade uma espécie de prioridade prima facie, uma


prioridade sobranceira da liberdade de expressão, nomeadamente na sua
dimensão artística e cultural, o que foi ratificado quando este Supremo
Tribunal Federal apreciou o caso das biografias não autorizadas.
E lá se assentou, na relatoria da eminente Ministra Cármen Lúcia -
esse foi um julgamento de 10 de junho de 2015, uma semana antes do
meu ingresso neste Tribunal e, portanto, quiçá, tivesse alguma coisa a
dizer sobre o tema, mas o julgamento me precedeu e a mim coube, o que
eu, aliás, teria feito, que era aplaudir, como ainda aplaudo, o voto e o
pronunciamento lapidar da eminente Ministra Cármen Lúcia -, entre
outras proclamações, que a liberdade é constitucionalmente garantida,
não se podendo anular por outra norma constitucional, menos ainda por
norma de hierarquia inferior - lá se tratava de um dispositivo do Código
Civil, portanto, da lei civil -, ainda que sob o argumento de se estar a
resguardar e proteger outro direito constitucionalmente assegurado, qual
seja, o da inviolabilidade do direito à intimidade, à privacidade, à honra e
à imagem.
Portanto, nesta circunstância, digamos, da parte introdutória e geral
do voto que trago, eu vou ao encontro dessas preocupações que estão
nesta ADI 4.815, de julgamento histórico, como já disse, reitero e enalteço,
da relatoria do eminente Ministra Cármen Lúcia.
Também esteve presente, do nosso sempre Decano o Ministro Celso
de Mello, na ADPF 187, ali tendo sido apreciado o viés do reflexo de
medidas sancionatórias na inibição do debate público, portanto, a aquilo
que, no plano do direito à livre manifestação, corresponde à expressão
que lá se utilizou, vale dizer, o livre mercado de ideias.
Também o Supremo Tribunal Federal assim entendeu na ADI 2.566,
quando rechaçou a vedação ao proselitismo; por igual, na ADI 4.451, da
relatoria do eminente Ministro Alexandre de Moraes; e também quando
referendou a decisão monocrática, igualmente da Ministra Cármen Lúcia,
na ADPF 548.
Portanto, creio que, até aqui, não incorro em dissonância com as
premissas de todos os votos até agora proferidos. O que se tem como

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presente, parece-me, é a distinção que se coloca daqui para frente. Ou


seja, até aqui nós assentamos - e creio que isso é uma incorporação
presente em todos os votos, mesmo na improcedência, na procedência
parcial e, por certo, na procedência integral - que a liberdade de
expressão é pilar da democracia, possuindo uma posição preferencial,
como escreve o Doutor Bernardo Gonçalves Fernandes, em seu Curso de
Direito Constitucional.
É claro que, creio que também estejamos, ao menos até aqui, todos
de acordo no sentido de que esse direito tampouco é ilimitado. São
vedados, por exemplo, os discursos racistas, os discursos de ódio, como
este Tribunal já reconheceu no Habeas Corpus 82.424, redator para o
acórdão o saudoso Ministro Maurício Corrêa, julgamento de setembro de
2003.
Essa conformação protetiva da liberdade, que acolhe o transcurso
que este Tribunal, aos 33 anos da Constituição, fez à Constituição justiça,
leva em conta que este sobredireito abrange a manifestação artística e sua
especial forma de linguagem. Como escreveu o poeta Ferreira Gullar, "a
arte existe porque a vida não basta". E é assim que a linguagem artística
tem importância em si e tem importância como instrumento de crítica e
de manifestação cultural e social; todos valores protegidos
constitucionalmente.
Nada obstante, daqui para frente, a questão está em saber naquela
diferenciação inicial, à luz dos pedidos - atos de propaganda e atos de
arrecadação -, como esse tema se projeta.
Portanto, dando um passo adiante e chegando àquilo que explicita o
voto, eu estou tomando a liberdade, Senhor Presidente, eminentes
Ministros e Ministras, de fazer essa explicitação porque, tendo em vista os
votos que me antecederam, a questão se complexificou. E, deste modo,
não bastaria simplesmente dizer que acompanho uma ou outra posição.
Creio que aqui me cabe o dever de explicitar a fundamentação, pois a
conclusão deve derivar precisamente dessa perspectiva.
E, nesta parte, que é a parte derradeira do meu voto, recordo que os
requerentes, nos seus memoriais, bem lembram que recentemente tive a

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oportunidade de me manifestar sobre a matéria em julgamento no


Tribunal Superior Eleitoral, em voto que proferi na Tutela Antecipada
Cautelar 0601600-03. E lá tomei a liberdade de fazer a seguinte
ponderação: a discussão descortina a oportunidade de aprofundamento
das correlações existentes entre três elementos centrais em todas as
campanhas eleitorais. Portanto, agora chegamos, da Constituição, da
liberdade, da normalidade e legitimidade dos pleitos contra abuso
econômico, chegamos agora às campanhas eleitorais. Assim, três
elementos centrais em todas as campanhas eleitorais: arrecadação de
recurso, realização de propaganda eleitoral e liberdade de expressão.
A liberdade de expressão é garantida a todos, em todo o território
nacional, e goza de intocável status de garantia constitucional. A natureza
jurídica dessa garantia traduz a ideia de que não pode ser restringida,
exceto quando colidente com outro valor jurídico ao qual o nosso
ordenamento confira igual ou superior importância.
Nessa quadra de compreensão, revela-se desarrazoada a imposição
de qualquer restrição à livre manifestação do pensamento, cujos únicos
fundamentos estejam contidos em leis ou atos normativos
infraconstitucionais.
Penso ser esse o norte da atividade intelectiva do Estado-juiz na
solução de todas as demandas judiciais que envolvem a liberdade de
expressão. A sua limitação somente se revela possível quando necessária
para salvaguarda de outro valor jurídico ao qual o ordenamento confere
maior grau de proteção, como a própria vida e a liberdade.
O transporte desse entendimento para o caso concreto exige a sua
análise sobre as duas compreensões opostas, colhidas da decisão dos
tribunais regionais eleitorais brasileiros. Segundo a corrente majoritária, a
realização de evento artístico com a finalidade de arrecadação de recursos
para campanhas eleitorais importa na realização de "showmício". E,
portanto, a restrição existente no § 7º do art. 39 da Lei das Eleições
impede a realização do "showmício".
Aparte-se, de saída, que há diferenças ontológicas entre atos de
arrecadação de recursos para campanhas eleitorais e atos de propaganda

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eleitoral.
Os atos de arrecadação são produzidos com objetivo de guarnecer as
candidaturas com recursos financeiros necessários para arcar com os seus
custos. E, ressalte-se no ponto, a existência de despesas eleitorais voltadas
para a manutenção da campanha eleitoral, como comitês de campanha,
contratação de pessoal, contratação de serviços contábeis e serviços
jurídicos, que são levados a efeito para angariar votos; são os atos gerais
de propaganda. Ou seja, embora seja objetivo intrínseco de toda
campanha eleitoral a conquista de votos e, por consequência, o resultado
positivo do pleito eleitoral, é indispensável que exista uma estrutura
dispendiosa para sua organização e manutenção.
Já os atos de campanha são atos voltados propriamente para a
conquista de voto junto aos eleitores, sem, contudo, envolverem a
captação de recursos financeiros, estimados ou em pecúnia.
Portanto, não é admissível a redução teleológica para se equiparar
um ato de arrecadação de recursos para campanha, consistente em
apresentação artística, a um "showmício", consistente em ato de
propaganda eleitoral proscrito.
Apartados esses atos, deve-se cotejar se o evento artístico que os
autores pretendem realizar, operado por meio da livre manifestação
artística do pensamento, importa em violação ao ordenamento jurídico,
mais precisamente em ofensa a valor de igual ou superior valia.
E lá ainda acresci que a legislação eleitoral não estabeleceu limites
específicos, formais ou materiais, à comercialização de bens ou serviços
ou promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo
candidato ou pelo partido político.
A ausência de vinculação direta da mencionada norma à
Constituição não afasta a sua interpretação à luz de uma filtragem
constitucional, especialmente a do princípio da isonomia, na condição de
garantidor da paridade de oportunidade de todos os candidatos e mesmo
da proteção dessa igualdade contra abusos decorrentes do poder
econômico, o já mencionado § 9º do artigo 14 da Constituição Federal.
Quanto à manutenção da paridade e de igualdade de oportunidade

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entre todos os candidatos, inexiste qualquer vedação constitucional ou


normativa a que todos os candidatos empreendam os seus melhores e
mais criativos esforços para a realização de eventos de comercialização de
bens e serviços em favor da arrecadação de recursos para as suas
campanhas. A originalidade da proposta pode render ao seu inventor os
benefícios e as agruras de singrar por estas águas, por esses mares nunca
antes navegados, e, nessa empreitada, colher os frutos do sucesso ou do
infortúnio. Porém, é da essência da atividade criativa, voltada à captação
de recurso, o risco do resultado útil do evento sem que isso importe em
quebra da paridade entre todos os candidatos. Há apenas e tão somente o
primeiro contato com a percepção de uma realidade inovadora, e é
disponível a todos os candidatos.
No segundo ponto, além, portanto, da paridade, vela-se o processo
eleitoral contra atos de abuso do poder econômico, porque
necessariamente não se pode desconhecer da realidade empírica, cuja
existência ainda não foi concretizada no mundo dos sentidos e, portanto,
aí, em assim sendo, não se descortinaria qualquer forma de violação da
competição, mas - acrescento - o horizonte recognoscível, no plano das
ideias, não descortina que o ato importe em desrespeito aos limites de
arrecadação de recursos para campanhas eleitorais, tampouco que
importe em ofensa às fontes vedadas de recurso ou que represente
qualquer artifício engendrado para falsear a origem dos recursos e, assim,
iludir a fiscalização e as contas a serem realizadas pela Justiça Eleitoral.
Deve-se acrescentar, no ponto, que a Constituição assegura a todos o
livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, conceito que
abarca, sem desafios silogísticos, o desempenho profissional da atividade
artística. Assim, acresça-se que a manifestação de apoio, feita por
qualquer cidadão da República, a um determinado candidato, de forma
escrita, gestual, oral ou artística, desponta igualmente no zênite da
liberdade de expressão e do exercício da fração da soberania popular na
escolha de seus representantes eleitos, sendo conduta que exige do
Direito e do Estado-juiz a mais aguerrida defesa e proteção.
Percebe-se, assim, que o serviço que ora buscam os recorrentes

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comercializarem é lícito e protegido por norma constitucional de caráter


pétreo e que, dessa atividade, não pode o raciocínio conceber, por si só,
qualquer violação às garantias constitucionais de igualdade entre todos
os candidatos e de normalidade do pleito. E, lá, assentava, ao final, que a
conclusão de incomensurável respeito é a de que a conduta ora analisada
é protegida pela garantia constitucional de livre manifestação do
pensamento e do exercício da atividade profissional.
Por fim, apenas em reforço, deve-se ainda distinguir a proposta de
evento debatida de um "showmício" sob o prisma de violação da norma
constitucional que veda os atos de abuso de poder econômico.
Nos atos de propaganda eleitoral, denominados de "showmício,
ocorre o uso de recursos financeiros do candidato vertidos para sua
campanha, para a contratação de atração artística a ser realizada
concomitantemente a um comício, que é ato típico de propaganda
eleitoral. Assim, extrai-se dessa construção o uso de valor financeiro para
o incremento de um ato regular de campanha e que chega ao ponto de
transmutar a sua essência, de modo que o eleitor percebe o evento como
uma apresentação artística, um show em favor de um candidato. O ato de
propaganda deixa de ser informado primariamente pelo intuito de
transmitir as ideias e propostas dos candidatos aos eleitores e passa a
ostentar a condição de evento artístico, por meio do qual o candidato
busca transferir para si a simpatia nutrida pelo eleitorado em relação ao
artista.
Em razão dessa percepção e dos males dela decorrentes, como o uso
desenfreado de recursos em campanhas eleitorais com inequívoco desvio
de finalidade, entendeu o legislador por modificar a legislação pátria para
obstar os atos que, em seu entender, eram reconhecidos como
consubstanciadores de abuso de poder econômico. Daí a origem do art.
39, § 7º, da Lei das Eleições, inserido por força da Lei 11.300/2006.
Em contraponto, no evento de arrecadação de recurso, não se
descortina a mencionada confusão entre o artista e o candidato e a
possibilidade de transferência de afeição entre o primeiro e o segundo, à
vista da existência de uma relação econômica que condiciona o acesso ao

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evento ao prévio pagamento. O pagamento, em si, cria vínculo direto


entre o eleitor e a prestação de serviços artísticos, mas não com o
candidato, pois o elo jurídico que o toca se relaciona com o artista. Ou
seja, a relação econômica atribui ao eleitor a condição de consumidor de
apresentação artística pela qual pagou e, com isso, isola-o da tentativa de
associação entre a fruição cultural e os esforços do candidato em
disponibilizar o show.
Dentro dessa estreita latitude hermenêutica, não se vislumbra a
possibilidade de que os autores se possam valer de poderio econômico
para desequilibrar o pleito, e foi isso que lá se assentou.
Aquela distinção que ali procedi em relação aos atos de arrecadação
e aos atos de propaganda eleitoral, no meu modo de ver, serve, na
apreciação deste pleito, para o acolhimento do pedido tal como deduzido
no item 5-B da inicial, qual seja, aquele segundo o qual almejam os
requerentes proferir-se aqui decisão de declaração parcial de
inconstitucionalidade sem redução de texto, de modo a excluir qualquer
interpretação e aplicação de tais dispositivos que importem na proibição
de promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo
candidato ou pelo partido político, os quais envolvam apresentações
artísticas, inclusive shows musicais realizados sem o pagamento de
remuneração aos artistas.
A vedação ao abuso de poder econômico autoriza que o legislador
restrinja as manifestações artísticas no contexto das propagandas
eleitorais, a fim de preservar a isonomia do pleito, que é também valor
constitucional, e conforma-se legitimamente com o direito à livre
manifestação artística, a fim de evitar o desvirtuamento do debate público
próprio do período eleitoral.
A vedação à prática de atos de abuso de poder econômico de
inescondível assento constitucional (Constituição, §§ 9º e 10 do art. 14)
tem campo primário de incidência nos atos de disposição de recursos
pecuniários para a conquista do sufrágio popular, sendo essa a hipótese
mais amiúde encontrada na jurisprudência eleitoral. Ou seja, o que se
proscreve são todas as formas de cooptação de votos que, durante muito

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tempo, entre nós, ganharam a versão no vernáculo do panem et circenses.


Incumbe recordar, nesse diapasão, que o ordenamento eleitoral,
como regra, exclui do cardápio de alternativas lícitas as modalidades
publicitárias que associam o pedido de votos com a oferta graciosa de
benefícios economicamente apreciáveis.
De fato, esse caráter abusivo do ato pode macular a própria imagem
do dinheiro como, por exemplo, quando se constata a prática de atos de
dissimulação na origem dos recursos financeiros para ilidir a fiscalização
da Justiça Eleitoral, obtendo-se o indevido desequilíbrio do pleito e a
quebra da isonomia entre os candidatos.
Contudo, ainda que se escrutine a questão sobre este último prisma,
deve-se inquirir a existência de distinção suficiente entre os tipos de
trabalho, de ofício, de arte de cada uma das cidadãs, de cada um dos
cidadãos brasileiros que autorize uma suposta segregação da atividade
artística do campo da arrecadação de recursos para campanhas eleitorais.
O pedreiro que exerce o ofício específico na construção de imóvel que
será utilizado como sede de comitê de campanha e o profissional de
marketing que utiliza a linguagem das artes visuais associadas ou não
para a apresentação do candidato, a ambos os casos se estende a ideia de
que o fruto de seu ofício ingressa licitamente nas campanhas eleitorais, ou
seja, a toda cidadã, a todo cidadão é facultado contribuir com o produto
de suas aptidões pessoais, e assim também da arte e dos artistas, em favor
da constituição fenomênica dos recursos pecuniários ou não em proveito
de um determinado candidato.
O ofício do artista, em sentido amplíssimo, também é perceptível
nessa realidade fenomênica pelos sentidos humanos e pode, de igual
forma, contribuir de modo legítimo ao conjunto de valores financeiros
empregados em favor de candidatos em pleitos eleitorais.
A diferente gradação de valor que a sociedade confere ao produto
dos diferentes ofícios e artes decorre de um conjunto imensurável de
fatores estranhos ao direito, dentre os quais sua raridade, qualidade,
aceitação pelo senso comum da população e outras regras da sociedade
aberta e de mercado, como o valor atribuído ao produto da arte pelo

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 88 de 245

ADI 5970 / DF

artista.
O denominado gosto musical é elemento personalíssimo de cada
cidadão. E, ainda que possam existir áreas de grande sobreposição na
sociedade, não há, quiçá nem deva haver, unanimidade que pudesse, em
princípio, indicar um desequilíbrio no pleito eleitoral pela simples
utilização de uma dada expressão artística em campanha eleitoral.
Portanto, a concretização do princípio da igualdade comanda o
reconhecimento de que o produto do ofício artístico, em qualquer que
seja a sua apresentação aos sentidos humanos, não guarda distinção
ontológica suficiente que lhe impeça de ser igualado com outros ofícios
para a finalidade de compor o rol de recursos pecuniários ou não que
ingressam de modo legítimo na campanha eleitoral.
No entanto, entendo que não se deve aplicar o limite previsto no § 7º
do art. 23 da Lei nº 9.504, de 1997, ou seja R$ 40.000,00, que trata da
prestação de serviços próprios, mas deve, sim, ser aplicada a regra geral
do § 1º, segundo a qual as doações e contribuições ficam limitadas a 10%
dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição.
O que se arrecada, na realidade, não é o serviço em si, o qual deve
ser prestado a título gratuito, mas o fruto da atividade artística junto a
terceiros, os quais poderiam ser considerados doadores individualmente.
Por isso, Senhor Presidente e eminentes Pares, enaltecendo mais uma
vez o voto de Sua Excelência o eminente Ministro-Relator e, aqui,
procurando, nesse estágio deste debate, desincumbir-me do dever de
fundamentação, reitero o que anotei no voto antes mencionado e que
proferi no Tribunal Superior Eleitoral, segundo o qual o pagamento, em
si, cria vínculo direto entre o eleitor e a prestação de serviços artísticos,
mas não com o candidato, pois o elo jurídico que o toca se relaciona com
o artista. E é por isso, nesta medida, que não se vislumbra a possibilidade
de que os autores possam se valer de poderio econômico para
desequilibrar o pleito e, assim, violar a norma contida no § 9º do art. 14 da
Constituição Federal.
Portanto, dentro dessa perspectiva, os eventos discutidos ficam
despidos de sua feição mais problemática que, ao fim e ao cabo, diz com

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Antecipação ao Voto

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ADI 5970 / DF

sua aplicação como medida indutora de clientelismo e de alienação, a


partir do oferecimento de lazer gratuito como estratégia para amealhar
vantagens indevidas nas disputas eleitorais.
Por força dessa compreensão, entendo que não se pode excluir a
comercialização dessa espécie de bem artístico, tampouco reconhecer que
os atos de arrecadação de recurso que envolvam o fruto do ofício artístico
se encerram no campo de incidência do § 9º do art. 39 da já mencionada
lei.
Por isso, me escusando de toda esta fundamentação e diante dos
votos proferidos, tenho a honra de acompanhar Sua Excelência o
eminente Ministro-Relator e voto pela parcial procedência da ação direta
de inconstitucionalidade, para conferir interpretação conforme à
Constituição ao art. 23, § 4º, V, da Lei 9.504/1997, visando incluir no seu
escopo a possibilidade de realização de apresentações artísticas ou shows
musicais em evento de arrecadação de recursos para campanhas
eleitorais.
Acolho, no entanto, esses termos na forma estrita do pedido, ou seja,
no item 5-B, referente a eventos realizados sem o pagamento de
remuneração aos artistas.
Acompanho o Relator e é como voto, Senhor Presidente.

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

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07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Rememoro brevemente tratar-


se de Ação Direta de Inconstitucionalidade que requer:

(v.a) que seja proferida decisão de declaração parcial de


inconstitucionalidade, com redução de texto, do art. 39, §7º, da
Lei nº 9.504/1999, para excluir de sua redação a expressão “ou
não”, de modo a permitir a realização de showmícios e eventos
assemelhados de caráter não remunerado, bem como a
participação não remunerada de artistas com a finalidade de
animar comício ou reunião eleitoral;
(v.b) que seja proferida decisão de declaração parcial de
inconstitucionalidade, sem redução de texto, dos art. 23, § 4º, V,
e art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/99, de modo a excluir qualquer
interpretação e aplicação de tais dispositivos que importe na
proibição de “promoção de eventos de arrecadação realizados
diretamente pelo candidato ou pelo partido político”, os quais
envolvam apresentações artísticas, inclusive shows musicais,
realizados sem o pagamento de remuneração aos artistas.
(v.c) que seja proferida decisão de declaração parcial de
inconstitucionalidade, “por arrastamento”, do art. 12 da
Resolução TSE nº 23.551/2017, para (a) excluir de sua redação a
expressão “ou não”, bem como (b) excluir qualquer
interpretação ou aplicação do preceito que obste a “promoção
de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo
candidato ou pelo partido político”, que envolvam
apresentações artísticas, inclusive shows musicais, realizadas
sem o pagamento de remuneração aos artistas.

Dispõem, por sua vez, os atos normativos impugnados:

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

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ADI 5970 / DF

Lei n.º 9.504/97

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro


ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais,
obedecido o disposto nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº
12.034, de 2009)
(...)
§ 4o As doações de recursos financeiros somente poderão
ser efetuadas na conta mencionada no art. 22 desta Lei por meio
de: (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)
(...)
V - comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção de
eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato
ou pelo partido político. (Incluído pela Lei nº 13.488, de
2017)

Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda


partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não
depende de licença da polícia.
(...)
§ 7o É proibida a realização de showmício e de evento
assemelhado para promoção de candidatos, bem como a
apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade
de animar comício e reunião eleitoral.

Resolução TSE 23.551/2017:

Art. 12. São proibidas a realização de showmício e de


evento assemelhado para promoção de candidatos e a
apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade
de animar comício e reunião eleitoral, respondendo o infrator
pelo emprego de processo de propaganda vedada e, se for o
caso, pelo abuso do poder (Lei nº 9.504/1997, art. 39, § 7º;
Código Eleitoral, arts. 222 e 237; e Lei Complementar nº
64/1990, art. 22).

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

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ADI 5970 / DF

Em síntese, sustentam os requerentes que as normas ofendem a


liberdade de expressão (CRFB, art. 5º, IV e IX, e art. 220 da Constituição) e
a determinação de valorização da cultura (CRFB, art. 215).
Preliminarmente, anoto que a Resolução TSE 23.551/2017 foi
revogada pela Resolução TSE 23.610/2019, a qual, no entanto, reproduziu
o dispositivo impugnado em seu artigo 17, de modo que, conforme a
jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, não há perda do objeto
em relação ao pedido.
No mérito, como venho reiteradamente sustentado, a liberdade de
manifestação do pensamento apresenta sobrevalor no Estado de Direito
democrático instituído pela Constituição de 1988. Sua conformação pelo
legislador só encontra amparo constitucional quando servir a outro valor
ao qual nosso ordenamento confira igual ou superior importância, no
caso, a igualdade na disputa eleitoral, a fim de resguardá-la da
“influência do poder econômico”, segundo o art. 14, § 9º, da Constituição.
A par da divergência doutrinária que persiste no âmbito acadêmico
sobre eventuais limites à liberdade de expressão e eventuais paradoxos
decorrentes desses limites, a jurisprudência deste Supremo Tribunal
Federal oferece vários nortes sobre o conteúdo desse direito, a partir do
disposto nos artigos 5º, inciso IX, e 220, e, no caso, pelo art. 215 da
Constituição da República:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
(…)
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de censura ou
licença.
(…)

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

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ADI 5970 / DF

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a


expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou
veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto
nesta Constituição.
(...)
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos
direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e
apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais.

E a partir da cláusula de abertura material contida no art. 5º, §2º, da


Constituição, de modo que os sistemas universal e interamericano de
proteção aos direitos humanos aportam-lhe significativa densificação. O
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, internalizado pelo
Decreto nº 592/92, traz em seu bojo o art. 19 com o seguinte conteúdo:

“2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse


direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir
informações e idéias de qualquer natureza, independentemente
de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em
forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua
escolha.”

De igual modo, o Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e


Culturais, internalizado pelo Decreto nº 591/92, prevê no artigo 15 o
direito de participação na vida cultural, reconhecendo o benefícios que
derivam do seu fomento. E o art. 13 da Convenção Americana de Direitos
Humanos:

ARTIGO 13 - Liberdade de Pensamento e de Expressão:


1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de
expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar,
receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem
consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em
forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de

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ADI 5970 / DF

sua escolha.

No julgamento da ADPF 130 (Relator(a): CARLOS BRITTO, julgado


em 30/04/2009), este Supremo Tribunal Federal analisou a
compatibilidade da Lei nº 5.250/1967 com a Constituição de 1988,
reconhecendo a sua não recepção e também lançando as bases para a
compreensão do conteúdo do direito à liberdade de expressão, o qual,
não é apenas protegido, mas enaltecido num legítimo Estado de Direito
democrático. Radicaliza-se ao limite o conteúdo do direito como
salvaguarda da democracia.
Essa prioridade prima facie da liberdade de expressão, inclusive na
sua dimensão artística e cultural, foi, em seguida, ratificada no caso das
biografia não autorizadas, afirmando que eventuais incorreções, nesse
espectro, devem invocar a responsabilização, não a censura:

...EMENTA: AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 20 E 21 DA LEI N.
10.406/2002 (CÓDIGO CIVIL). PRELIMINAR DE
ILEGITIMIDADE ATIVA REJEITADA. REQUISITOS LEGAIS
OBSERVADOS. MÉRITO: APARENTE CONFLITO ENTRE
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: LIBERDADE DE
EXPRESSÃO, DE INFORMAÇÃO, ARTÍSTICA E CULTURAL,
INDEPENDENTE DE CENSURA OU AUTORIZAÇÃO
PRÉVIA (ART. 5º INCS. IV, IX, XIV; 220, §§ 1º E 2º) E
INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE, VIDA PRIVADA,
HONRA E IMAGEM DAS PESSOAS (ART. 5º, INC. X).
ADOÇÃO DE CRITÉRIO DA PONDERAÇÃO PARA
INTERPRETAÇÃO DE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL.
PROIBIÇÃO DE CENSURA (ESTATAL OU PARTICULAR).
GARANTIA CONSTITUCIONAL DE INDENIZAÇÃO E DE
DIREITO DE RESPOSTA. AÇÃO DIRETA JULGADA
PROCEDENTE PARA DAR INTERPRETAÇÃO CONFORME À
CONSTITUIÇÃO AOS ARTS. 20 E 21 DO CÓDIGO CIVIL, SEM
REDUÇÃO DE TEXTO. (...) Supremo Tribunal. Preliminar de
ilegitimidade ativa rejeitada. 2. O objeto da presente ação

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restringe-se à interpretação dos arts. 20 e 21 do Código Civil


relativas à divulgação de escritos, à transmissão da palavra, à
produção, publicação, exposição ou utilização da imagem de
pessoa biografada. 3. A Constituição do Brasil proíbe qualquer
censura. O exercício do direito à liberdade de expressão não
pode ser cerceada pelo Estado ou por particular. 4. O direito de
informação, constitucionalmente garantido, contém a liberdade
de informar, de se informar e de ser informado. O primeiro
refere-se à formação da opinião pública, considerado cada qual
dos cidadãos que pode receber livremente dados sobre assuntos
de interesse da coletividade e sobre as pessoas cujas ações,
público-estatais ou público-sociais, interferem em sua esfera do
acervo do direito de saber, de aprender sobre temas
relacionados a suas legítimas cogitações. 5. Biografia é história.
A vida não se desenvolve apenas a partir da soleira da porta de
casa. 6. Autorização prévia para biografia constitui censura
prévia particular. O recolhimento de obras é censura judicial, a
substituir a administrativa. O risco é próprio do viver. Erros
corrigem-se segundo o direito, não se coartando liberdades
conquistadas. A reparação de danos e o direito de resposta
devem ser exercidos nos termos da lei. 7. A liberdade é
constitucionalmente garantida, não se podendo anular por
outra norma constitucional (inc. IV do art. 60), menos ainda por
norma de hierarquia inferior (lei civil), ainda que sob o
argumento de se estar a resguardar e proteger outro direito
constitucionalmente assegurado, qual seja, o da inviolabilidade
do direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem. 8.
Para a coexistência das normas constitucionais dos incs. IV, IX e
X do art. 5º, há de se acolher o balanceamento de direitos,
conjugando-se o direito às liberdades com a inviolabilidade da
intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da pessoa
biografada e daqueles que pretendem elaborar as biografias. 9.
Ação direta julgada procedente para dar interpretação
conforme à Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem
redução de texto, para, em consonância com os direitos
fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão,

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ADI 5970 / DF

de criação artística, produção científica, declarar inexigível


autorização de pessoa biografada relativamente a obras
biográficas literárias ou audiovisuais, sendo também
desnecessária autorização de pessoas retratadas como
coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas
falecidas ou ausentes).
(ADI 4815, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno,
julgado em 10/06/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018
DIVULG 29-01-2016 PUBLIC 01-02-2016)

Sob o viés do reflexo de medidas sancionatórias na inibição do


debate público (chilling effect), cito a ementa de julgamento relatado pelo
Min. Celso de Mello, ADPF 187/DF (Tribunal Pleno, julgado em
15.6.2011), em que se debatia a constitucionalidade da chamada “Marcha
da Maconha”, preservando o direito à livre manifestação e o “livre
mercado de ideias”:

...MÉRITO: “MARCHA DA MACONHA” -


MANIFESTAÇÃO LEGÍTIMA, POR CIDADÃOS DA
REPÚBLICA, DE DUAS LIBERDADES INDIVIDUAIS
REVESTIDAS DE CARÁTER FUNDAMENTAL: O DIREITO
DE REUNIÃO (LIBERDADE-MEIO) E O DIREITO À LIVRE
EXPRESSÃO DO PENSAMENTO (LIBERDADE-FIM) - A
LIBERDADE DE REUNIÃO COMO PRÉ-CONDIÇÃO
NECESSÁRIA À ATIVA PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS NO
PROCESSO POLÍTICO E NO DE TOMADA DE DECISÕES NO
ÂMBITO DO APARELHO DE ESTADO - CONSEQUENTE
LEGITIMIDADE, SOB PERSPECTIVA ESTRITAMENTE
CONSTITUCIONAL, DE ASSEMBLEIAS, REUNIÕES,
MARCHAS, PASSEATAS OU ENCONTROS COLETIVOS
REALIZADOS EM ESPAÇOS PÚBLICOS (OU PRIVADOS)
COM O OBJETIVO DE OBTER APOIO PARA
OFERECIMENTO DE PROJETOS DE LEI, DE INICIATIVA
POPULAR, DE CRITICAR MODELOS NORMATIVOS EM
VIGOR, DE EXERCER O DIREITO DE PETIÇÃO E DE
PROMOVER ATOS DE PROSELITISMO EM FAVOR DAS

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POSIÇÕES SUSTENTADAS PELOS MANIFESTANTES E


PARTICIPANTES DA REUNIÃO - ESTRUTURA
CONSTITUCIONAL DO DIREITO FUNDAMENTAL DE
REUNIÃO PACÍFICA E OPONIBILIDADE DE SEU
EXERCÍCIO AO PODER PÚBLICO E AOS SEUS AGENTES -
VINCULAÇÃO DE CARÁTER INSTRUMENTAL ENTRE A
LIBERDADE DE REUNIÃO E A LIBERDADE DE
MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO - DOIS IMPORTANTES
PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE
A ÍNTIMA CORRELAÇÃO ENTRE REFERIDAS LIBERDADES
FUNDAMENTAIS: HC 4.781/BA, REL. MIN. EDMUNDO
LINS, E ADI 1.969/DF, REL. MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
- A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO UM DOS MAIS
PRECIOSOS PRIVILÉGIOS DOS CIDADÃOS EM UMA
REPÚBLICA FUNDADA EM BASES DEMOCRÁTICAS - O
DIREITO À LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO:
NÚCLEO DE QUE SE IRRADIAM OS DIREITOS DE CRÍTICA,
DE PROTESTO, DE DISCORDÂNCIA E DE LIVRE
CIRCULAÇÃO DE IDEIAS - ABOLIÇÃO PENAL (“ABOLITIO
CRIMINIS”) DE DETERMINADAS CONDUTAS PUNÍVEIS -
DEBATE QUE NÃO SE CONFUNDE COM INCITAÇÃO À
PRÁTICA DE DELITO NEM SE IDENTIFICA COM
APOLOGIA DE FATO CRIMINOSO - DISCUSSÃO QUE DEVE
SER REALIZADA DE FORMA RACIONAL, COM RESPEITO
ENTRE INTERLOCUTORES E SEM POSSIBILIDADE
LEGÍTIMA DE REPRESSÃO ESTATAL, AINDA QUE AS
IDEIAS PROPOSTAS POSSAM SER CONSIDERADAS, PELA
MAIORIA, ESTRANHAS, INSUPORTÁVEIS,
EXTRAVAGANTES, AUDACIOSAS OU INACEITÁVEIS - O
SENTIDO DE ALTERIDADE DO DIREITO À LIVRE
EXPRESSÃO E O RESPEITO ÀS IDEIAS QUE CONFLITEM
COM O PENSAMENTO E OS VALORES DOMINANTES NO
MEIO SOCIAL - CARÁTER NÃO ABSOLUTO DE REFERIDA
LIBERDADE FUNDAMENTAL (CF, art. 5º, incisos IV, V e X;
CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Art.
13, § 5º) - A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À LIBERDADE

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ADI 5970 / DF

DE PENSAMENTO COMO SALVAGUARDA NÃO APENAS


DAS IDEIAS E PROPOSTAS PREVALECENTES NO ÂMBITO
SOCIAL, MAS, SOBRETUDO, COMO AMPARO EFICIENTE
ÀS POSIÇÕES QUE DIVERGEM, AINDA QUE
RADICALMENTE, DAS CONCEPÇÕES PREDOMINANTES
EM DADO MOMENTO HISTÓRICO-CULTURAL, NO
ÂMBITO DAS FORMAÇÕES SOCIAIS - O PRINCÍPIO
MAJORITÁRIO, QUE DESEMPENHA IMPORTANTE PAPEL
NO PROCESSO DECISÓRIO, NÃO PODE LEGITIMAR A
SUPRESSÃO, A FRUSTRAÇÃO OU A ANIQUILAÇÃO DE
DIREITOS FUNDAMENTAIS, COMO O LIVRE EXERCÍCIO
DO DIREITO DE REUNIÃO E A PRÁTICA LEGÍTIMA DA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO, SOB PENA DE
COMPROMETIMENTO DA CONCEPÇÃO MATERIAL DE
DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL - A FUNÇÃO
CONTRAMAJORITÁRIA DA JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO - INADMISSIBILIDADE DA “PROIBIÇÃO ESTATAL
DO DISSENSO” - NECESSÁRIO RESPEITO AO DISCURSO
ANTAGÔNICO NO CONTEXTO DA SOCIEDADE CIVIL
COMPREENDIDA COMO ESPAÇO PRIVILEGIADO QUE
DEVE VALORIZAR O CONCEITO DE “LIVRE MERCADO DE
IDEIAS” - O SENTIDO DA EXISTÊNCIA DO “FREE
MARKETPLACE OF IDEAS” COMO ELEMENTO
FUNDAMENTAL E INERENTE AO REGIME DEMOCRÁTICO
(AC 2.695-MC/RS, REL. MIN. CELSO DE MELLO) - A
IMPORTÂNCIA DO CONTEÚDO ARGUMENTATIVO DO
DISCURSO FUNDADO EM CONVICÇÕES DIVERGENTES - A
LIVRE CIRCULAÇÃO DE IDEIAS COMO SIGNO
IDENTIFICADOR DAS SOCIEDADES ABERTAS, CUJA
NATUREZA NÃO SE REVELA COMPATÍVEL COM A
REPRESSÃO AO DISSENSO E QUE ESTIMULA A
CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS DE LIBERDADE EM
OBSÉQUIO AO SENTIDO DEMOCRÁTICO QUE ANIMA AS
INSTITUIÇÕES DA REPÚBLICA - AS PLURISSIGNIFICAÇÕES
DO ART. 287 DO CÓDIGO PENAL: NECESSIDADE DE

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INTERPRETAR ESSE PRECEITO LEGAL EM HARMONIA


COM AS LIBERDADES FUNDAMENTAIS DE REUNIÃO, DE
EXPRESSÃO E DE PETIÇÃO - LEGITIMIDADE DA
UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA DA INTERPRETAÇÃO
CONFORME À CONSTITUIÇÃO NOS CASOS EM QUE O
ATO ESTATAL TENHA CONTEÚDO POLISSÊMICO -
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL JULGADA PROCEDENTE. (ADPF 187,
Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em
15/06/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-102 DIVULG 28-05-
2014 PUBLIC 29-05-2014)

Ainda, o Supremo Tribunal Federal já considerou inconstitucional a


vedação ao proselitismo, em acórdão da minha lavra, assentando que:

Ementa: AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL.
LEI N. 9.612/98. RÁDIODIFUSÃO COMUNITÁRIA.
PROBIÇÃO DO PROSELITISMO.
INCONSTITUCIONALIDADE. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO
DIRETA. 1. A liberdade de expressão representa tanto o direito
de não ser arbitrariamente privado ou impedido de manifestar
seu próprio pensamento quanto o direito coletivo de receber
informações e de conhecer a expressão do pensamento alheio. 2.
Por ser um instrumento para a garantia de outros direitos, a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece a
primazia da liberdade de expressão. 3. A liberdade religiosa não
é exercível apenas em privado, mas também no espaço público,
e inclui o direito de tentar convencer os outros, por meio do
ensinamento, a mudar de religião. O discurso proselitista é,
pois, inerente à liberdade de expressão religiosa. Precedentes. 4.
A liberdade política pressupõe a livre manifestação do
pensamento e a formulação de discurso persuasivo e o uso do
argumentos críticos. Consenso e debate público informado
pressupõem a livre troca de ideias e não apenas a divulgação de
informações. 5. O artigo 220 da Constituição Federal

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ADI 5970 / DF

expressamente consagra a liberdade de expressão sob qualquer


forma, processo ou veículo, hipótese que inclui o serviço de
radiodifusão comunitária. 6. Viola a Constituição Federal a
proibição de veiculação de discurso proselitista em serviço de
radiodifusão comunitária. 7. Ação direta julgada procedente.
(ADI 2566, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES,
Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno,
julgado em 16/05/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-225
DIVULG 22-10-2018 PUBLIC 23-10-2018)

No contexto eleitoral, este Supremo considerou inconstitucionais


dispositivos da legislação que restringiam a liberdade de expressão,
assentando-a como premissa imprescindível à participação política e à
democracia:

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E PLURALISMO DE


IDEIAS. VALORES ESTRUTURANTES DO SISTEMA
DEMOCRÁTICO. INCONSTITUCIONALIDADE DE
DISPOSITIVOS NORMATIVOS QUE ESTABELECEM PREVIA
INGERÊNCIA ESTATAL NO DIREITO DE CRITICAR
DURANTE O PROCESSO ELEITORAL. PROTEÇÃO
CONSTITUCIONAL AS MANIFESTAÇÕES DE OPINIÕES
DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E A LIBERDADE DE
CRIAÇÃO HUMORISTICA. 1. A Democracia não existirá e a
livre participação política não florescerá onde a liberdade de
expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao
pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante
para o salutar funcionamento do sistema democrático. 2. A livre
discussão, a ampla participação política e o princípio
democrático estão interligados com a liberdade de expressão,
tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e
ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de
valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real
participação dos cidadãos na vida coletiva. 3. São
inconstitucionais os dispositivos legais que tenham a nítida
finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do

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pensamento crítico, indispensável ao regime democrático.


Impossibilidade de restrição, subordinação ou forçosa
adequação programática da liberdade de expressão a
mandamentos normativos cerceadores durante o período
eleitoral. 4. Tanto a liberdade de expressão quanto a
participação política em uma Democracia representativa
somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e
possibilidade de exposição crítica das mais variadas opiniões
sobre os governantes. 5. O direito fundamental à liberdade de
expressão não se direciona somente a proteger as opiniões
supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas
também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis,
satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas
maiorias. Ressalte-se que, mesmo as declarações errôneas, estão
sob a guarda dessa garantia constitucional. 6. Ação procedente
para declarar a inconstitucionalidade dos incisos II e III (na
parte impugnada) do artigo 45 da Lei 9.504/1997, bem como,
por arrastamento, dos parágrafos 4º e 5º do referido artigo.
(ADI 4451, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES,
Tribunal Pleno, julgado em 21/06/2018, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-044 DIVULG 01-03-2019 PUBLIC 06-03-
2019)

O Plenário, ainda, referendou decisão monocrática da Min. Carmen


Lúcia, que, em arguição de descumprimento de preceito fundamental
(ADPF):

“suspendeu os efeitos de atos judiciais ou administrativos


emanados de autoridade pública que possibilitem, determinem
ou promovam o ingresso de agentes públicos em universidades
públicas e privadas, o recolhimento de documentos, a
interrupção de aulas, debates ou manifestações de docentes e
discentes universitários, a atividade disciplinar docente e
discente e a coleta irregular de depoimentos desses cidadãos
pela prática de manifestação livre de ideias e divulgação do
pensamento em ambientes universitários ou em equipamentos

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sob a administração de universidades públicas e privadas e


serventes a seus fins e desempenhos. (...) Portanto, as
providências judiciais e administrativas impugnadas na ADPF,
além de ferir o princípio garantidor de todas as formas de
manifestação da liberdade, desrespeitam a autonomia das
universidades e a liberdade dos docentes e discentes. As
condutas limitadas pelos atos questionados restringem não os
direitos dos candidatos, mas o livre pensar dos cidadãos.
(ADPF 548 MC REF, rel. min. Cármen Lúcia, j. 31-10-2018, P,
Informativo 922)

Esses e tantos outros precedentes denotam que este Supremo


Tribunal Federal reconhece que liberdade de expressão é o pilar da
democracia, possuindo, pois, uma “posição preferencial” ou de
“preferência condicionada” (FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de
direito constitucional. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 501) cujo
afastamento depende da igual robustez do valor protegido.
Reconhece, por outro lado, que esse direito não é absoluto,
tampouco ilimitado. São vedados, afinal, expressamente nas convenções
citadas, os discursos racistas, de ódio (hate speech), havendo decidido este
Tribunal que são inclusive imprescritíveis (HC 82424, Relator(a):
MOREIRA ALVES, Relator(a) p/ Acórdão: MAURÍCIO CORRÊA, julgado
em 17/09/2003)
Essa conformação protetiva da liberdade de expressão como
sobredireito abrange a manifestação artística e sua especial forma de
linguagem: afinal, “a arte existe porque a vida não basta”, como disse o
poeta Ferreira Gular. A linguagem artística tem importância em si e tem
em importância como instrumento de crítica e manifestação cultural e
social. Valores, todos, protegidos constitucionalmente.
Como bem recordaram os requerentes em memoriais, recentemente
tive a oportunidade de manifestar-me sobre a questão, ainda que juízo
prefacial, em voto proferido na Tutela Antecipada Cautelar n.0601600-03
em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral, citada inclusive pelo
relator, ponderando sobre a questão de fundo:

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“A discussão, inédita no âmbito da Justiça Eleitoral,


descortina a oportunidade de se aprofundamento, em meu
entender, das correlações existentes entre três elementos
centrais em todas as campanhas eleitorais: a arrecadação de
recursos, a realização de propaganda eleitoral e a liberdade de
expressão.
Registre-se, de saída, que a liberdade de expressão é
garantida a todos e em todo o território nacional e goza do
intocável status de garantia constitucional com assento no art.
5º, inciso IV, da Constituição Federal.
A natureza jurídica constitucional dessa garantia traduz a
ideia de que não pode ser restringida, exceto quando colidente
com outro valor jurídico ao qual nosso ordenamento confira
igual ou superior importância.
Nessa quadra de compreensão, revela-se desarrazoada a
imposição de qualquer restrição à livre manifestação do
pensamento cujos únicos fundamentos estejam contidos em leis
ou atos normativos infraconstitucionais.
Penso ser esse o norte da atividade intelectiva do Estado-
Juiz na solução de todas as demandas judiciais que envolvem a
liberdade de expressão. A sua limitação somente se revela
possível quando necessária para a salvaguarda de outro valor
jurídico ao qual o ordenamento nacional confere maior grau de
proteção, tais como a vida e a liberdade.
O transporte desse entendimento régio para o caso
concreto exige a sua análise sob as duas compreensões opostas
contidas na decisão do mais setentrional dos Tribunais
Regionais Eleitorais pátrios.
Segundo a corrente majoritária, a realização de evento
artístico para a finalidade de arrecadação de recursos para
campanhas eleitorais importa na realização de showmício e,
portanto, a restrição existente no art. 39, § 7º, da Lei das
Eleições, impede a sua realização.
Aparte-se, de saída, que há diferenças ontológicas entre
atos de arrecadação de recursos para campanhas eleitorais e

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atos de propaganda eleitoral.


Aqueles são produzidos com o objetivo de guarnecer as
candidaturas com os recursos financeiros necessários para arcar
com seus custos e, ressalte-se no ponto, a existência de despesas
eleitorais voltadas tanto para a manutenção da campanha
eleitoral (comitês de campanha, contratação de pessoal,
contratação de serviços contábeis e jurídicos) como para
angariar votos (atos gerais de propaganda).
Ou seja, embora seja o objetivo intrínseco de toda a
campanha eleitoral a conquista de votos e, por consequência, o
resultado positivo no pleito eleitoral, é indispensável que exista
uma estrutura dispendiosa para sua organização e manutenção.
Já os atos de campanha, como visto, são atos voltados
propriamente para a conquista de votos junto aos eleitores sem,
contudo, envolverem a captação de recursos financeiros,
estimados ou em pecúnia.
Portanto, não é admissível a redução teleológica para se
equiparar um ato de arrecadação de recursos para campanha
consistente em apresentação artística a um showmício
consistente em ato de propaganda eleitoral proscrito.
Apartados, deve-se cotejar se o evento artístico que os
autores pretendem realizar, operado por meio da livre
manifestação artística do pensamento, importa em violação ao
ordenamento jurídico, mais precisamente, em ofensa à valor
constitucional de igual ou superior valia.
Como apontado pelo E. Min. Relator, a legislação eleitoral
não estabeleceu limites específicos, formais ou materiais, à
comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção de eventos
de arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo
partido político (art. 23, § 4º, inciso V, da Lei das Eleições).
A ausência de vinculação direta da mencionada norma à
Constituição não afasta sua interpretação à luz de uma
filtragem constitucional, especialmente à sua do princípio da
isonomia (art. 5º, inciso II, da Constituição Federal), na condição
de garantidor da paridade de oportunidades de todos os
candidatos, e mesmo da proteção dessa igualdade contra

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abusos decorrente do poder econômico (art. 14, § 9º, da


Constituição Federal).
Quanto à manutenção da paridade de igualdades entre
todos os candidatos, inexiste qualquer vedação constitucional
ou normativa a que todos os candidatos empreendam seus
melhores e mais criativos esforços para a realização de eventos
de comercialização de bens e serviços em favor da arrecadação
de recursos para suas campanhas.
A originalidade da proposta pode render ao seu inventor
os benefícios e agruras de singrar mares nunca de antes
navegados, e nessa empreitada colher os frutos do sucesso ou
do infortúnio.
Porém, é da essência da atividade criativa voltada à
captação de recursos o risco do resultado útil do evento sem
que isso, contudo, importe em quebra da paridade entre todos
os candidatos. Há, apenas e tão somente, o primeiro contato
com a percepção de uma realidade inovadora e disponível a
todos os candidatos.
No segundo ponto, vela-se o processo eleitoral contra os
atos de abuso do poder econômico e, ao menos num juízo a
priori, porque necessariamente desconhecer da realidade
empírica cuja existência ainda não foi concretizada no mundo
dos sentidos, não se descortina qualquer forma de violação da
competição em razão do desmedido influxo do mais vil dos
metais.
Isso porque o horizonte recognoscível no plano das ideias
não descortina que o ato importe em desrespeito ao limites de
arrecadação de recursos para campanhas eleitorais, tampouco
que importe em ofensa às fontes vedadas de recursos ou mesmo
que represente qualquer artifício engendrado para falsear a
origem dos recursos e, assim, iludir a fiscalização das contas a
ser realizado pela Justiça Eleitoral.
Deve-se acrescentar, no ponto, que a Constituição Federal
assegura a todos o livre exercício de qualquer trabalho, ofício
ou profissão (art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal),
conceito que abarca, sem desafios silogísticos, o desempenho

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profissional de atividade artística.


Acresça-se, no ponto, que a manifestação de apoio feita
por qualquer cidadão da república a um determinado
candidato, de forma escrita, gestual, oral ou artística, desponta
igualmente no zênite da liberdade de expressão e do exercício
da fração de soberania popular na escolha de seus
representantes eleitos, sendo conduta que exige do direito e do
Estado-Juiz a mais aguerrida defesa e proteção.
Percebe-se, assim, que o serviço que ora buscam os
recorrentes comercializarem é lícito e protegido por norma
constitucional de caráter pétreo e que dessa atividade não pode
o raciocínio conceber, por si só, qualquer violação às garantias
constitucionais de igualdade entre todos os candidatos e de
normalidade do pleito.
A conclusão, de incomensurável respeito, tal qual outrora
o céu estrelado era para o filósofo, é de que a conduta ora
analisada – realização de evento artístico para arrecadação de
recursos para campanha eleitoral – é protegida pela garantia
constitucional de livre manifestação do pensamento e do
exercício da atividade profissional e, ao mesmo tempo, revela-
se inapto a malferir outro valor constitucional.
Por fim, e apenas em reforço, deve-se ainda distinguir a
proposta de evento debatida de um showmício sob o prisma de
violação da norma constitucional que veda os atos de abuso de
poder econômico.
Nos atos de propaganda eleitoral denominados de
showmício ocorre o uso de recursos financeiros do candidato,
vertidos para sua campanha, para a contratação de atração
artística a ser realizada concomitantemente a um comício, que é
ato típico de propaganda eleitoral.
Assim, extrai-se dessa construção o uso de valor
financeiros para o incremento de um ato regular de campanha e
que chega ao ponto de transmutar a sua essência, de modo que
o eleitor percebe o evento como uma apresentação artística –
show – em favor de um candidato.
O ato de propaganda deixa de ser informado

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ADI 5970 / DF

primariamente pelo intuito de transmitir as ideias e propostas


do candidato aos eleitores e passa a ostentar a condição de
evento artístico por meio do qual o candidato busca transferir,
para si, a simpatia nutrida pelo eleitorado em relação ao artista.
Em razão dessa percepção, e dos males dela decorrentes,
como o uso desenfreado de recursos em campanhas eleitorais
com inequívoco desvio de finalidade, entendeu o legislador por
modificar a legislação pátria para obstar os atos que, em seu
entender, eram reconhecidos como consubstanciadores de
abuso de poder econômico. Daí a origem do art. 39, § 7º, da Lei
das Eleições, inserido por força da Lei nº 11.300/2006.
Em contraponto, no evento de arrecadação de recursos
não se descortina a mencionada confusão entre o artista e o
candidato e a possibilidade de transferência de afeição entre o
primeiro e o segundo, à vista da existência de uma relação
econômica que condiciona o acesso ao evento ao prévio
pagamento.
O pagamento, em si, cria vínculo direto entre o eleitor e a
prestação de serviços artísticos, mas não com o candidato, eis
que o elo jurídico que o toca se relaciona com o artista.
Ou seja, a relação econômica atribui ao eleitor a condição
de consumidor de apresentação artística pela qual pagou e, com
isso, isola-o da tentativa de associação entre a fruição cultural e
os esforços do candidato em disponibilizar o show.
Dentro dessa estreita latitude hermenêutica, não se
vislumbra, ao menos neste momento, a possibilidade de que os
autores possam se valer de poderio econômico para
desequilibrar o pleito e, assim, violarem a norma contida no art.
14, § 9º, da Constituição Federal.
Feitas estas concisas e perfunctórias considerações, e sem
prejuízo de estudo propriamente verticalizado em momento
oportuno, entendo que o evento artístico que os autores buscam
realizar para arrecadar recursos para sua campanha eleitoral é
albergado pelas garantias constitucionais de livre manifestação
do pensamento (art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal), do
livre exercício da atividade profissional (art. 5º, inciso XIII, da

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Constituição Federal), além de se revelar consentâneo com a


permissão contida no art. 23, § 4º, inciso V, da Lei nº 9.504/97.
Ao mesmo tempo, não fere o princípio da isonomia (art.
5º, inciso II, da Constituição Federal) e tampouco a normalidade
do pleito em razão da viabilidade, a priori, de atos de abuso de
poder econômico (art. 14, § 9º, da Constituição Federal) e,
tampouco, é entendido como ato de propaganda eleitoral
denominado showmício.”

A distinção que ali procedi em relação aos atos de arrecadação de


recursos para campanhas eleitorais e atos de propaganda eleitoral servem
ao acolhimento do pedido tal como deduzido no item “ v.b” da Inicial,
alhures transcrito.
A vedação ao abuso de poder econômico autoriza que o legislador
restrinja as manifestações artísticas no contexto das propagandas
eleitorais, a fim de preservar a isonomia do pleito. Conforma-se
legitimamente o direito à livre manifestação artística, a fim de evitar o
desvirtuamento do debate público próprio do período eleitoral.
A vedação à prática de atos de abuso de poder econômico, de
inescondível assento constitucional (art. 14, §§ 9º e 10), tal como exposto,
tem campo primário de incidência nos atos de disposição de recursos
pecuniários para a conquista do sufrágio popular, sendo essa a hipótese
mais amiúde encontrada na jurisprudência eleitoral. Proscrevem-se, no
entanto, todas as formas de cooptação de votos: “panem et circenses”.
Incumbe recordar, nesse diapasão, que o ordenamento eleitoral,
como regra, exclui do cardápio de alternativas lícitas as modalidades
publicitárias que associam o pedido de votos com a oferta graciosa de
benefícios economicamente apreciáveis (arts. 39, § 6º e 41-A, da Lei nº
9.504/97, e 243, V do Código Eleitoral).
De fato, esse caráter abusivo do ato pode macular a própria origem
do dinheiro, como por exemplo, quando se constata a prática de atos de
dissimulação na origem dos recursos financeiros para elidir a fiscalização
da Justiça Eleitoral, obtendo-se o indevido desequilíbrio do pleito e
quebra da isonomia entre os candidatos.

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Contudo, ainda que se escrutine a questão sob este último prisma,


deve-se inquirir a existência de distinção suficiente entre os tipos de
trabalho, de ofício, de arte, de cada um dos cidadãos brasileiros que
autorize a segregação da atividade artística do campo da arrecadação de
recursos para campanhas eleitorais.
O pedreiro exerce ofício específico na construção de imóvel que será
utilizado como sede de comitê de campanha, e o profissional de
marketing utiliza a linguagem e as artes visuais, associadas ou não, para a
apresentação do candidato, e em ambos os casos se entende que o fruto
de seu ofício ingressa licitamente nas campanhas eleitorais.
Pois, o que a norma diz, em verdade, é que todo cidadão pode
contribuir com o produto de suas aptidões pessoais e peculiares em favor
da constituição fenomênica de recursos, pecuniários ou não, em favor de
determinado candidato.
Nessa seara, o ofício do artista – aqui afirmado em sentido amplo –
também é perceptível na realidade fenomênica pelos sentidos humanos e,
pode, de igual forma, contribuir para o conjunto de valores financeiros
empregados em favor de candidatos em pleitos eleitorais.
A diferente gradação de valor que a sociedade confere ao produto
dos diferentes ofícios e artes decorre de um conjunto imensurável de
fatores estranhos ao direito, dentre os quais sua raridade, qualidade,
aceitação pelo senso comum da população e outras regras de mercado,
como o valor atribuído ao produto da arte pelo artista.
No ponto, cumpre averbar que o denominado “gosto musical” é
elemento personalíssimo de cada cidadão e, ainda que possam existir
áreas de grande sobreposição na sociedade, não há uma unanimidade
nacional que pudesse, em princípio, indicar um desequilíbrio no pleito
eleitoral pela simples utilização daquela expressão artística em campanha
eleitoral.
Portanto, a concretização do princípio da igualdade comanda o
reconhecimento de que o produto do ofício artístico, em qualquer que
seja sua apresentação aos sentidos humanos, não guarda distinção
ontológica suficiente para o produto de outros ofícios técnicos, que lhe

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impeça de a eles ser igualado para a finalidade de compor o rol de


recursos pecuniários, ou não, que ingressam em campanha eleitoral.
No entanto, entendo não se aplicar o limite previsto no art. 23, § 7º,
da Lei n.º 9.504/97, R$ 40.000,00, que trata da “prestação de serviços
próprios”, mas a regra geral do § 1º: “§ 1o As doações e contribuições de
que trata este artigo ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos
rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição.”
O que se arrecada, na realidade, não é o serviço em si, o qual deve
ser prestado a título gratuito, mas o fruto da atividade artística junto a
terceiros, os quais poderiam ser considerados doadores individualmente.
Como anotei no voto proferido no Tribunal Superior Eleitoral, o
pagamento, em si, cria vínculo direto entre o eleitor e a prestação de
serviços artísticos, mas não com o candidato, eis que o elo jurídico que o
toca se relaciona com o artista.
Dentro dessa estreita latitude hermenêutica, não se vislumbra, ao
menos neste momento, a possibilidade de que os autores possam se valer
de poderio econômico para desequilibrar o pleito e, assim, violarem a
norma contida no art. 14, § 9º, da Constituição Federal.
Dentro dessa perspectiva, os eventos discutidos quedam despidos de
sua feição mais problemática que, ao fim e ao cabo, diz com a sua
aplicação como medida indutora de clientelismo e alienação, a partir do
oferecimento de lazer gratuito, como estratégia para amealhar vantagens
indevidas no tabuleiro eleitoral.
Por força dessa compreensão, não se pode excluir a comercialização
dessa espécie de bem artístico do campo de incidência do art. 25, § 4º,
inciso V, da Lei Eleitoral, tampouco reconhecer que os atos de
arrecadação de recursos que envolvam o fruto do ofício artístico se
encerram no campo de incidência do art. 39, § 7º, da mesma lei.
Assim, acompanho o e. relator e voto pela pela parcial procedência
da ação direta de inconstitucionalidade, para “conferir interpretação
conforme à Constituição ao art. 23, § 4º, inc. V, da Lei nº 9.504/1997,
visando incluir no seu escopo a possibilidade de realização de
apresentações artísticas ou shows musicais em eventos de arrecadação de

21

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ADI 5970 / DF

recursos para campanhas eleitorais.”


Acolho, no entanto, os estritos termos do pedido, no seu item “v.b”,
referente a eventos realizados “sem o pagamento de remuneração aos
artistas”.
É como voto.

22

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07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI


REQTE.(S) : PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB E
OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : DANIEL ANTONIO DE MORAES SARMENTO E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER:

I. IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL


1. Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de
medida cautelar, ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB, pelo
Partido Socialismo e Liberdade – PSOL e pelo Partido dos Trabalhadores
– PT em face dos arts. 23, § 4º, V e 39, § 7º, da Lei nº 9.504/1997,
acrescentados pelas Leis nºs 13.488/2017 e 11.300/2006, ante a alegada
violação dos arts. 5º, caput, IV e IX, 215, caput, e 220, caput, da Constituição
Federal.
2. Para adequada compreensão da controvérsia constitucional,
transcrevo o teor dos referidos textos legislativos:

Lei nº 9.504/1997
Art. 23. […]
§ 4º. As doações de recursos financeiros somente poderão
ser efetuadas na conta mencionada no art. 22 desta Lei por meio
de:
[…]
V - comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção de
eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato
ou pelo partido político.
Art. 39. […]

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ADI 5970 / DF

§ 7º. É proibida a realização de showmício e de evento


assemelhado para promoção de candidatos, bem como a
apresentação, remunerada ou não, de artistas, com a finalidade
de animar comício e reunião eleitoral.

3. Extraio, ainda, da Constituição Federal a redação dos dispositivos


tidos por contrariados:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
[…]
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado
o anonimato;
[…]
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de censura ou
licença;
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos
direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e
apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais.
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a
expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou
veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto
nesta Constituição.

4. Os autores sustentam que a proibição de showmícios não


remunerados e a vedação de realização de eventos artísticos e musicais
para arrecadação na campanha eleitoral violam a garantia constitucional
da liberdade de expressão, o imperativo constitucional de valorização da
cultura, a isonomia e a proporcionalidade.
Argumentam que tanto a atividade artística como as manifestações

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de natureza política compõem o núcleo essencial da liberdade de


expressão.
5. Nesse contexto, requerem:
(A) a declaração de inconstitucionalidade (com supressão da
expressão “ou não” do texto legislativo) da proibição de realização de
showmícios e eventos assemelhados, prevista no art. 39, § 7º, da Lei nº
9.504/1997, quando feitas de modo gratuito, sem cobrança de cachê;
(B) a declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento, do art.
12 da Res.-TSE nº 23.551/2017, que regulamentou o dispositivo
impugnado;
(C) a interpretação conforme à Constituição, com declaração parcial
de inconstitucionalidade sem redução de texto, para excluir:
(i) a exegese ampliativa do art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/1997 quanto à
proibição de eventos de arrecadação de campanha que envolvam
apresentações artísticas ou musicais;
(ii) a consequente interpretação restritiva do art. 23, § 4º, V, da Lei nº
9.504/1997 que retira os referidos eventos artísticos e musicais do seu
campo de incidência, isto é, seja permitida como doação eleitoral na
modalidade “promoção de eventos de arrecadação” eventos artísticos e
musicais.

II. IMPORTÂNCIA DA PROPAGANDA ELEITORAL NO PROCESSO


ELEITORAL E ALTERAÇÕES LEGAIS
6. A propaganda eleitoral visa à divulgação das candidaturas e
propostas políticas com o intuito de conquistar o voto nas eleições,
“constituindo-se componente de grande utilidade no processo eleitoral para
propiciar a dialética no pleito disputado, o que permite aos eleitores, diante do
antagonismo de propostas, verificar qual a mais factível com seus interesses”
(Velloso, Carlos Mário da Silva e Agra, Walber de Moura. Elementos do
Direito Eleitoral. 7ª ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2020)
7. Não por outro motivo – robustecer o pluralismo político e a
democracia, ao fomentar o debate político –, a propaganda eleitoral é
regulamentada pela Lei nº 9.504/1997 de forma pormenorizada, tendo

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optado o legislador por estabelecer parâmetros e restrições para


veiculação, com o intuito de garantir a igualdade na disputa entre os
candidatos e evitar o abuso do poder econômico.
8. Enquanto instrumento de garantia da democracia, a
regulamentação da propaganda eleitoral sofreu grandes alterações ao
longo do tempo, em decorrência das mudanças sociais, das inovações
tecnológicas, bem como da necessidade de melhor compor os gastos de
campanha e moralizar o processo democrático.
9. Nesse contexto, o art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/1997, acrescido pela
Lei nº 11.300/2006, passou a proibir a realização de showmícios e de
eventos assemelhados para a promoção de candidatos, bem assim a
apresentação de artistas em reuniões eleitorais, ainda que não
remunerada.
10. O referido dispositivo legal teve o propósito saneador de impedir
a transformação de comícios em eventos para atrair público e influenciar
os eleitores via artistas contratados, evitando, dessa forma, disparidade
na disputa eleitoral. Por óbvio que candidatos com maior poder
aquisitivo poderiam financiar a apresentação de artistas e cantores com
grande apelo popular, desequilibrando a disputa.
O Ministro Ricardo Lewandowski, ao exame da ADI 3.741, em que
apreciada a constitucionalidade da Lei nº 11.300/2006, sob o prisma da
anualidade eleitoral, regulamentada pela Res.-TSE nº 22.205/2206,
destacou o caráter moralizador da lei (DJe 23.02.2007):

“Como se verifica, os dispositivos legais aos quais a Resolução


TSE 22.205 deu aplicabilidade imediata têm caráter eminentemente
moralizador, consubstanciando, em essência, normas de natureza
procedimental, que objetivam promover um maior equilíbrio entre os
partidos políticos e candidatos, por meio da exclusão do processo
eleitoral, de injunções indevidas, seja de ordem econômica-financeira,
seja por meio de eventual tráfico de influência no que concerne ao
aliciamento de eleitores.
Longe de representarem fator de desequilíbrio ou qualquer forma
de casuísmo que possam afetar negativamente o embate político, tais

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alterações são consentâneas com a necessidade de reajustamento


periódico dos procedimentos eleitorais, visando não apenas a diminuir
a vulnerabilidade do processo eleitoral com um todo, mas sobretudo a
garantir ao cidadão o pleno exercício de seu direito de votar, livre de
interferências abusivas ou manipuladoras.”

III. LIBERDADE DE EXPRESSÃO X IGUALDADE DE OPORTUNIDADES NA


DISPUTA ELEITORAL
11. No Estado Democrático de Direito, a liberdade de expressão é a
regra, admitida a sua restrição somente em situações excepcionais e nos
termos da lei que, em qualquer caso, deverá observar os limites materiais
emanados da Constituição.
12. A melhor hermenêutica constitucional é a que afirma o caráter
sistemático, harmônico, e não excludente dos direitos fundamentais. Se
tanto um quanto o outro princípio envolvidos estão consagrados em
normas de igual hierarquia, não se pode sacrificar nenhuma delas,
negando-lhe vigência, ao simplesmente afirmar a prevalência de um em
detrimento do outro. Cabe ao intérprete buscar solução que traduza
reverência a todos os preceitos constitucionais envolvidos, esclarecendo o
seu âmbito próprio de proteção.
13. Na seara eleitoral, tanto quanto a ampla liberdade de expressão,
a proteção à igualdade de oportunidades entre os candidatos também é
indispensável para resguardar a legitimidade do pleito.
Aliás, a coexistência entre a garantia da liberdade de expressão e o
princípio da igualdade de chances na disputa eleitoral sempre pautou a
interpretação da Lei das Eleições, seja por esta Suprema Corte, a exemplo
do julgamento empreendido na ADI 4.451 (em que considerada
inconstitucional a vedação da livre expressão de ideias durante o período
eleitoral, ainda que se trate de manifestação exagerada, satírica ou
humorística), seja pela Corte Superior Eleitoral, ao sancionar o
desvirtuamento dos referidos princípios à luz do abuso do poder político
e econômico ou da utilização indevida dos meios de comunicação social.
14. Nessa quadra, compreendida a liberdade de expressão com um
enfoque republicano, viável sua restrição durante o período eleitoral,

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para que, durante a campanha, seja promovida a divulgação do perfil do


candidato e do plano de governo, enriquecendo o discurso político, sem a
utilização de artifícios atrativos, a exemplo dos showmícios.
Nessa linha, Rodrigo Tenório explicita que “como qualquer direito
fundamental, a liberdade de expressão não é ilimitada e pode ser restrita para a
preservação de outros direitos consagrados constitucionalmente. Dentre eles
estão o direito à normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do
poder econômico (art. 14, § 9º) – que se reflete no direito à igualdade de chances
na disputa eleitoral – e o direito à intimidade, à honra e à vida privada (art. 5º,
X). Esta será a tensão permanente no tratamento da propaganda eleitoral: de um
lado, a liberdade de expressão; de outro, a igualdade de oportunidades entre os
candidatos”. (Tenório, Rodrigo. Direito Eleitoral. Coordenação André
Ramos Tavares e José Carlos Francisco. Rio de Janeiro: Forense, 2014)
15. A legitimidade do pleito, no âmbito específico da igualdade de
oportunidades entre os candidatos, deve ser o vetor interpretativo da
interferência do Poder Judiciário na propaganda eleitoral, uma vez já
estabelecidas normas restritivas como escolha do Legislativo
(autocontenção judicial).
16. Assim, a constitucionalidade do art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/1997
deve ser analisada a partir da ponderação entre os princípios da liberdade
de expressão e do fomento à cultura e, de outra banda, a necessidade de
fixação de limites à propaganda eleitoral, a fim de resguardar a
legitimidade do pleito.
17. Nessa ordem de ideias, tenho como admitida, no debate eleitoral,
a imposição de restrições razoáveis à liberdade de expressão, ainda que
considerada como um direito fundamental que ocupa posição
preferencial, diante da necessidade de proteção a outros valores de
relevância constitucional, como a igualdade e a legitimidade democrática
do processo eleitoral (artigos 1º, caput, incisos I e II, e parágrafo único; e
14, caput e § 9º, da Lei Maior).
18. Com efeito, o postulado democrático pressupõe a igualdade de
oportunidades entre os candidatos, a reverberar na exigência de
tratamento igualitário também na veiculação da propaganda eleitoral.

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Isso porque, consoante abalizado por Canotilho, o princípio da


igualdade de voto “não se limita ao ato eleitoral em si, antes envolve todo o
procedimento de sufrágio, refletindo na igualdade das candidaturas e, sobretudo,
na igualdade na concorrência eleitoral” (Canotilho, J. J. Gomes. Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003, p. 305)
19. Nesse contexto, submetida à avaliação de conformidade com a
Constituição, a limitação à propaganda eleitoral é válida na medida em
que promove princípios constitucionais, tendo em vista que “o princípio
da máxima igualdade na disputa eleitoral é um dos pilares do desenho
constitucional das regras do jogo democrático, ao lado dos princípios da
autenticidade eleitoral, da liberdade para o exercício do mandato, da necessária
participação das minorias nas instituições políticas e no debate público e da
estrita legalidade em matéria eleitoral” (Neves, Daniela e Salgado, Eneida
Desiree. O efeito reverso das mudanças da legislação da propaganda
eleitoral: um estudo sobre as leis eleitorais a partir de 1992. Analecta
Política, vol. 10, nº 19, julho-dezembro 2020, p.117-139)
20. A liberdade de expressão não é um direito absoluto, sofre
restrições em outros âmbitos jurídicos, com mais razão na seara eleitoral,
em que a manifestação do pensamento tem o intuito de angariar votos na
disputa por um cargo político.
Considerado esse parâmetro, a liberdade de expressão na esfera
política deve ser encarada não apenas como uma prerrogativa do
candidato, mas também como direito do cidadão em seu processo de
conhecimento. Daí por que inevitável a interferência estatal para tutelar a
projeção dessa liberdade de forma igualitária entre os agentes
democráticos. Sob a ótica perfilhada por Luiz Fernando Casagrande
Pereira e Luiz Eduardo Peccinin, “é irresponsável uma mitigação absoluta ou
desproporcional de seu controle, sob pena de escamotear ainda mais a fiscalização
da igualdade e legitimidade do jogo democrático, valores também consagrados no
art. 14, § 9º, da CF”. (Pereira, Luiz Fernando Casagrande e Peccinin, Luiz
Eduardo. A tutela específica da propaganda eleitoral na internet: entre a
liberdade e o controle do debate político virtual. In: Direito Eleitoral:
temas relevantes. Coordenação de Luiz Fux et al. Curitiba: Juruá, 2018, p.

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311)

IV. IGUALDADE DE CHANCES ENTRE OS POSTULANTES A CARGO


ELETIVO COMO FUNDAMENTO DA NORMA PROIBITIVA DE SHOWMÍCIO
21. A proibição de realização de showmícios, consagrada no art. 39, §
7º, da Lei nº 9.504/1997, acrescido pela Lei nº 11.300/2006, teve como
objetivo, é sabido, alcançar a denominada máxima igualdade na disputa
eleitoral – com a livre formação da vontade do eleitor – e engloba a
necessária restrição à liberdade de expressão na divulgação das
campanhas eleitorais.
22. Colho do magistério doutrinário, especificamente da lição de
Eneida Desiree Salgado, que “o princípio constitucional da máxima
igualdade na disputa eleitoral exige a restrição à liberdade de campanha e à
atuação dos meios de comunicação no pleito para evitar que haja a influência
indevida de um fator tido como irrelevante e que o acesso aos meios de
comunicação (permitido pelo poder econômico ou pela a relação de um partido ou
candidato com seus dirigentes) leve ao desequilíbrio, atingindo o pluralismo e a
liberdade de formação da opinião”. (Salgado, Eneida Desiree. Princípios
constitucionais estruturantes do direito eleitoral. Universidade Federal do
Paraná. Curitiba: 2010, p. 257)
23. Nesse contexto é que a legislação eleitoral busca coibir abusos na
campanha eleitoral, proibindo formas de divulgação da candidatura que
possam causar desequilíbrio na disputa, a exemplo dos showmícios.
24. A proibição de showmícios, assim como outras formas de
restrição da propaganda eleitoral estabelecidas na lei, apresenta-se, a meu
juízo, como um limite necessário à preservação da igualdade na disputa
do pleito, a fim de propiciar tratamento isonômico e imparcial aos
candidatos.
25. A proibição de showmícios, sublinho, visa a proteger um bem
maior – a igualdade de chances na disputa eleitoral. Por isso, irrelevante o
fato de ser remunerado ou não. Ainda que gratuita, a produção musical
propicia vantagem capaz de influenciar, de forma desproporcional, a
escolha pelo candidato, baseada não apenas no seu plano de governo ou

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na sua plataforma política, e sim na popularidade do artista.


Isso porque a vantagem não é disponibilizada ao eleitor apenas nas
hipóteses em que há contraprestação remuneratória, mas em razão da
apresentação musical.
26. Nas percucientes palavras de José Jairo Gomes, o evento artístico
apresenta-se como um desvirtuamento da reunião eleitoral, a afastar
qualquer violação da livre expressão da atividade artística:

“A regra em apreço limita-se a regular a atuação artística em


eventos relacionados às eleições, cuja finalidade seja a promoção de
candidatura. Não proíbe que artistas (atores, cantores, animadores,
apresentadores etc.) exerçam seus trabalhos durante o período
eleitoral, mas apenas que o façam em eventos eleitorais, pois isso
poderia descaracterizar a natureza deste. Daí inexistir qualquer ofensa
ao inciso IX do artigo 5º da Lei Maior, que assegura a livre expressão
da atividade artística, tampouco ao inciso XIII do mesmo artigo, que
afirma ser “livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão”.” (Gomes, José Jairo. Direito Eleitoral. 13 ed. São
Paulo: Editora Atlas, 2017, p. 515)

27. O entendimento do TSE, ao exame da Consulta 0601243-23, é no


mesmo sentido no que diz com eventos realizados em plataformas
digitais – as denominadas livemícios ou lives eleitorais –, por se tratar de
evento assemelhado, nos termos previstos na norma, em que há a
presença dos candidatos no evento, com formato de comício. Reproduzo
a ementa:

“CONSULTA. ART. 39, § 7º, DA LEI 9.504/97.


SHOWMÍCIOS E EVENTOS ASSEMELHADOS. HIPÓTESE DE
"LIVES ELEITORAIS". IDÊNTICA VEDAÇÃO. RESPOSTA
NEGATIVA.
1. Consulta formulada com o seguinte teor: "a regra do §
7º do art. 39 da Lei 9.504 permite realização de apresentação dos
candidatos aos eleitores juntamente com atores, cantores e
outros artistas através de shows (lives eleitorais) não

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remunerados e realizados em plataforma digital?".


2. Nos termos do art. 39, § 7º, da Lei 9.504/97, "é proibida a
realização de showmício e de evento assemelhado para
promoção de candidatos, bem como a apresentação,
remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar
comício e reunião eleitoral". Dispositivo introduzido pela Lei
11.300/2006 que objetiva coibir o abuso do poder econômico
(art. 22 da LC 64/90) e, de igual modo, assegurar a paridade de
armas entre os candidatos.
3. A realização de eventos com a presença de candidatos e
de artistas em geral, transmitidos pela internet e assim
denominados como "lives eleitorais", equivale à própria figura
do showmício, ainda que em formato distinto do presencial,
tratando–se, assim, de conduta expressamente vedada pelo art.
39, § 7º, da Lei 9.504/97.
4. A proibição compreende não apenas a hipótese de
showmício, como também a de "evento assemelhado", o que, de
todo modo, albergaria as denominadas "lives eleitorais".
5. Nos termos expressos da lei eleitoral, a restrição alcança
os eventos dessa natureza que sejam ou não remunerados.
6. O atual cenário de pandemia não autoriza transformar
em lícita conduta que se afigura vedada. Ausência, na recém
promulgada EC 107/2020, em que introduzidas significativas
mudanças no calendário eleitoral por força da Covid–19, de
qualquer ressalva da regra do art. 39, § 7º, da Lei 9.504/97.
7. As manifestações de natureza exclusivamente artísticas,
sem nenhuma relação com o pleito vindouro, permanecem
válidas, conforme as garantias constitucionais insculpidas nos
incisos IV e IX do art. 5º da Constituição da República.
8. Consulta respondida negativamente, na linha dos
pareceres da Assessoria Consultiva e do Ministério Público
Eleitoral.” (Cta nº 060124323, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe
23.9.2020)

28. Situação diversa é a do candidato que exerce profissão artística,


como cantor, ator ou apresentador, hipótese em que, nos termos do art.

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17, parágrafo único, da Res.-TSE nº 23.610/2019, é permitido o exercício


de sua profissão durante a campanha eleitoral, exceto em programas de
rádio e de televisão, na animação de comício ou para divulgação, ainda
que de forma simulada, de sua candidatura ou de campanha eleitoral, sob
pena de desvirtuamento de sua atividade para favorecimento de sua
candidatura:

Art. 17. São proibidas a realização de showmício e de


evento assemelhado para promoção de candidatos e a
apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade
de animar comício e reunião eleitoral, respondendo o infrator
pelo emprego de processo de propaganda vedada e, se for o
caso, pelo abuso de poder (Lei n° 9.504/1997, art. 39, § 71;
Código Eleitoral, arts. 222 e 237; e Lei Complementar n°
64/1990, art. 22).
Parágrafo único. A proibição de que trata o caput deste
artigo não se estende aos candidatos que sejam profissionais da
classe artística cantores, atores e apresentadores, que poderão
exercer as atividades normais de sua profissão durante o
período eleitoral, exceto em programas de rádio e de televisão,
na animação de comício ou para divulgação, ainda que de
forma dissimulada, de sua candidatura ou de campanha
eleitoral.

29. Como se vê, a Lei nº 11.300/2006, ao vedar a divulgação de


propaganda eleitoral por meio de shows musicais e espetáculos, em
absoluto descurou do objetivo que a norteia, a saber, a moralização do
processo democrático, mediante transmissão de informações livres que
garantam a isonomia entre os candidatos.
Nesse sentido se manifestou o Ministro Ricardo Lewandowski,
relator da já mencionada ADI 3.741 (DJe 23.02.2007):

“(.. .) A legislação eleitoral, sob esse prisma, para conferir


legitimidade aos resultados dos embates políticos, deve ensejar aos
eleitores não só o acesso a informações livres de distorções, como

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também assegurar às agremiações partidárias e respectivos candidatos


uma participação igualitária na disputa pelo voto, impedindo também
que qualquer de seus protagonistas obtenha vantagens indevidas.
As alterações normativas introduzidas pelo diploma legislativo
impugnado, pois, devem ser compreendidas à luz dessas reflexões, que
traduzem o ideal de um processo eleitoral livre e democrático,
assentado, ademais, sobre o postulado constitucional da moralidade,
que necessariamente rege toda a atividade pública.”

V. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE DA PROIBIÇÃO DE


REALIZAÇÃO DE SHOWMÍCIOS
30. A realização de showmícios, como instrumento de propaganda
eleitoral, reclamou, na visão do legislador, uma proibição, que não
conduz à violação da proporcionalidade ou da razoabilidade.
31. A limitação da livre manifestação do pensamento é justificável à
luz do bem jurídico protegido pelas regras que limitam a propaganda
eleitoral: a paridade de armas entre os que disputam as eleições.
32. Como se vê, os princípios da igualdade e da livre manifestação
do pensamento, suscitados pelos autores como parâmetros de controle,
por terem carga normativa aberta, servem, ao revés, a fundamentar o
tratamento restritivo conferido à propaganda eleitoral pelo legislador
infraconstitucional ao regulamentar o tema.
33. Afasto, portanto, as alegações dos partidos autores de que a
proibição de realização de showmícios seria ofensiva ao princípio da
proporcionalidade ou da razoabilidade.

VI. POSSIBILIDADE DE CAPTAÇÃO DE RECURSOS DE CAMPANHA POR


MEIO DE EVENTOS ARTÍSTICOS
34. A doação eleitoral é uma forma de obter recursos para o
financiamento das campanhas que, como de sabença, envolve altíssimo
custo.
35. O art. 23, § 4º, V, da Lei nº 9.504/1997, acrescido pela Lei nº
13.488/2017, foi criado para aprimorar e controlar os mecanismos de
captação de recursos para a campanha, conferindo maior transparência

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no que diz com as fontes financiadoras e com os gastos de campanha.


A inovação empreendida no texto legal possibilita a promoção de
eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo
partido político como forma de recebimento de doações para a campanha.
36. Diferentemente do que ocorreu com a proibição de showmícios,
aqui o legislador permitiu a arrecadação de recursos de campanha,
mediante promoção de eventos, sem especificar ou excluir qualquer
espécie de evento.
37. Dessa forma, considerando que as restrições de direitos devem
ser expressamente previstas, o âmbito de incidência do art. 23, § 4º, V, da
Lei nº 9.504/1997, por ausência de proibição pelo legislador, entendo eu,
abrange também a possibilidade de arrecadação de recursos para a
campanha por meio de eventos artísticos e musicais, sob pena de violação
da liberdade de expressão.
38. As diferenças conceituais entre a realização de propaganda
eleitoral e a promoção de atos de campanha para arrecadação de recursos
justificam, a meu juízo, o tratamento aparentemente díspar expresso nos
dispositivos legais impugnados.
Com efeito, o showmício – enquanto reunião eleitoral animada com
show musical em que há a apresentação dos candidatos juntamente com
cantores e outros artistas para divulgação das plataformas políticas –, não
se confunde com eventos de arrecadação de recursos, estes últimos
permitidos pela legislação.
O showmício demanda a promoção da candidatura. Por outro lado,
os eventos de arrecadação têm o intuito de possibilitar aos partidos
políticos e candidatos a captação de recursos privados para a campanha,
permissão que ganhou relevo especialmente após a proibição de doação
de pessoas jurídicas.
39. Como destaquei, a teleologia da norma proibitiva de showmício é
a garantia da igualdade de oportunidades entre os candidatos bem como
a redução da influência do poder econômico. Trata-se, portanto, de
restrição justificada da liberdade de expressão.
40. Quanto à arrecadação de recursos para a campanha, entretanto,

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outra a solução. Inviável adotar-se exegese elastecida do art. 23, § 4º, V, da


Lei nº 9.504/1997 para compreender a proibição de promover eventos
musicais para tal fim.
Até porque garantido ao artista o direito de manifestar sua
preferência eleitoral em ambiente diverso, inclusive com doação de cachê,
desde que observado o limite de valor previsto na lei, sendo-lhe vedada,
apenas, expor essa opinião em comício ou qualquer reunião ou evento de
cunho eleitoral, sob pena de configurar propaganda eleitoral proscrita.
41. Nada impede, a seu turno, que eventual abuso na produção dos
eventos – que cause desequilíbrio na disputa eleitoral ou que desnature o
evento para espécie de reunião eleitoral – seja verificado e sancionado, de
forma prospectiva, a evitar a censura prévia das apresentações artísticas.
42. Com esse entendimento o Tribunal Superior Eleitoral, ao exame
da tutela cautelar antecedente nº 060160003, deferiu a liminar para
garantir a apresentação artística de renomado cantor, com o intuito de
arrecadar recursos para a campanha de determinado candidato por meio
de venda de ingressos, ante a impossibilidade de se exercer controle
prévio sobre as manifestações artísticas acerca da conotação eleitoral que
eventualmente possam alcançar.
Isso porque, conforme destacado pelo Ministro Luís Roberto
Barroso, em voto proferido naquela Corte Superior Eleitoral, “as ações de
arrecadação tangenciam a figura dos candidatos e sua legítima busca por votos,
mas não se confundem com os atos de propaganda eleitoral”.
Colho da ementa da Tutela Cautelar Antecedente nº 060160003:

“TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE. RECURSO


ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE–PREFEITO.
ARRECADAÇÃO. RECURSOS. CAMPANHA. EVENTO.
INTERNET ("LIVE"). APRESENTAÇÃO MUSICAL.
PLAUSIBILIDADE DO DIREITO. PERIGO DA DEMORA.
CONFIGURAÇÃO. DEFERIMENTO.
1. Tutela Cautelar Antecedente, proposta por candidata ao
cargo de prefeito de Porto Alegre/RS nas Eleições 2020, com
intuito de atribuir efeito suspensivo a recurso especial. O

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TRE/RS, confirmando sentença, vedou a realização de evento de


acesso restrito na internet, consistente em apresentação artística
de renomado cantor e compositor, destinada a arrecadar
recursos para a campanha, cujos convites seriam vendidos ao
custo de R$ 30,00.
2. A concessão de eficácia suspensiva a recurso especial
requer presença conjugada da plausibilidade do direito e do
perigo da demora.
3. Na lição da abalizada doutrina, "a liberdade de
expressão, enquanto direito fundamental, tem, sobretudo, um
caráter de pretensão a que o Estado não exerça censura"
(MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de
Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2020, p. 373). No mesmo sentido, a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal e desta Corte Superior.
4. Ainda que não se trate de direito absoluto, descabe à
Justiça Eleitoral, no plano abstrato, concluir previamente que
determinada conduta – a princípio consentânea com os
dispositivos sobre a arrecadação de recursos de campanha –
terá outra conotação que possa torná–la ilícita.
Inadmissibilidade de controle prévio de atos e manifestações
que nem sequer se exteriorizaram no plano fático.
5. Em juízo superficial, a apresentação do cantor,
organizada no formato descrito, a princípio pode, em tese, ser
amparada pela regra do art. 23, § 4º, V, da Lei 9.504/97, segundo
o qual é permitido a candidatos e legendas comercializarem
bens ou serviços, ou, ainda, promoverem eventos de
arrecadação para a campanha.
6. Perigo da demora inequívoco, pois o evento de
arrecadação está agendado para data próxima, impondo–se
levar em conta os procedimentos de logística necessários e os
contornos de irreversibilidade no caso de indeferimento.
7. O deferimento do efeito suspensivo, permitindo–se o
evento, não impede que esta Justiça realize controle posterior,
no exercício de sua competência jurisdicional, mediante
provocação, com base no fato concreto, tomando as

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providências eventualmente cabíveis.


8. Liminar deferida para atribuir efeito suspensivo ao
REspe 0600032–66, nos termos da fundamentação.”
(TutCautAnt nº 060160003, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
PSESS 05.11.2020)

43. A arrecadação de recursos privados deve observar regras rígidas


quanto à fonte e ao montante que cada pessoa pode doar sem, contudo, se
submeter a interpretação restritiva não prevista no texto legal.
44. No contexto do financiamento de campanha, importante
observar, também, o princípio da transparência, com a divulgação pública
da origem e do destino dos recursos arrecadados, bem assim com a
devida prestação das contas.
45. Entendo, portanto, que não está incluído no âmbito de incidência
do art. 23, § 4º, V, da Lei nº 9.504/1997, a proibição de promover eventos
artísticos e musicais para captação de recursos da campanha eleitoral.

VII. LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR


46. No exercício da jurisdição constitucional, busco observar o
primado da constitucionalidade das leis, rendendo-me a uma posição de
deferência às escolhas políticas do parlamento sempre que elas se
amoldem às margens de conformação que lhe foram delineadas no texto
constitucional.
47. Bem por isso não identifiquei na norma proibitiva de showmício,
contida no art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/1997, ainda que não remunerado,
qualquer traço de inconstitucionalidade. Ao contrário, depreendi que a
escolha do legislador, a despeito de delimitar contornos à liberdade de
expressão, é plenamente compatível com o telos constitucional de
resguardar a normalidade e a legitimidade das eleições.
48. Deve, por isso, ser prestigiada a opção do legislador, no exercício
da sua liberdade de conformação, de impor restrições à propaganda
eleitoral, mesmo que importem limitação à liberdade de expressão.
49. Ainda que se possa entender que o regime de propaganda
eleitoral seja demasiadamente restritivo, o livre fluxo de informações no

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debate eleitoral e a garantia absoluta das liberdades comunicativas não


integraram o âmbito das escolhas políticas do legislador
infraconstitucional, ao exercer a difícil tarefa de acomodar os diferentes
valores constitucionais.
Destaco, no ponto, as ponderações apresentadas pela Advocacia do
Senado Federal, em suas informações, no sentido de que “por mais que se
possa, a título de argumentação, reconhecer que o Legislador poderia ter tomado
outro caminho, no sentido de permitir a realização de showmícios e eventos
assemelhados, cabe frisar que o cenário adequado ao debate é o Legislativo, onde
os diversos atores sociais são chamados a atuar, e não o Judiciário, visto que não
há qualquer mácula nos atos normativos em análise” (edoc. 27).
Afirmou ainda ser “imprescindível que o Supremo Tribunal Federal
reconheça que, num Estado Constitucional, as Cortes Constitucionais devem
atentar para a necessidade de autocontenção (self-restraint) na revisão e na
interpretação dos atos legislativos, sob o risco de se investirem de um suprapoder,
desnaturando o pacto constituinte fundado na harmonia e na independência
entre os Poderes” (edoc. 27).
50. Do mesmo modo, a proibição de promoção de eventos artísticos
para arrecadação de recursos para a campanha tampouco está contida no
rígido regramento estabelecido pelo legislador acerca das doações
eleitorais e do financiamento de campanha. Bem por isso não se pode
estender interpretação para albergar proibição não explicitada pelo
legislador.
51. Assim, quanto ao art. 23, § 4º, V, da Lei nº 9.504/1997, impõe-se a
interpretação conforme à Constituição, sem redução de texto, para afastar
qualquer exegese ampliativa que inclua a proibição de realização de
eventos artísticos para captação de recursos de campanha.
Nesse ponto, J. J. Gomes Canotilho anota, com propriedade, que "a
interpretação conforme a Constituição só é legitima quando existe um espaço de
decisão (= espaço de interpretação) em que são admissíveis várias propostas
interpretativas, umas em conformidade com a constituição e que devem ser
preferidas e outras em desconformidade com ela." (Canotilho, J. J. Gomes.
Direito Constitucional. Coimbra: Livr. Almedina, 1986, p.236).

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ADI 5970 / DF

52. A legislação eleitoral, produzida pelo parlamento, pluralmente


composto, tal como desenhada, está em harmonia com a ordem
constitucional brasileira e com a finalidade do Direito Eleitoral de
proteção à higidez das eleições.

VIII. CONCLUSÃO
53. Ante o exposto:
1. julgo improcedente o pedido de declaração de
inconstitucionalidade do art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/1997, no que proíbe a
realização de showmício, ainda que não remunerado;
2. julgo procedente o pedido para conferir interpretação conforme à
Constituição ao art. 23, § 4º, V, da Lei nº 9.504/1997, sem redução de texto,
assentando ser permitida a promoção de eventos artísticos ou musicais
para arrecadação de recursos para campanha eleitoral.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 130 de 245

07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

ANTECIPAÇÃO AO VOTO
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Senhor Presidente,
Senhores Ministros, que cumprimento na pessoa do Ministro Dias Toffoli,
eminente Relator, a quem eu parabenizo pela pertinência não apenas do
voto, mas a importância de ter trazido este tema tão significativo para a
democracia. Vossa Excelência que, como Presidente desta Casa e também
do Tribunal Superior Eleitoral, tanto falou, pelo Brasil inteiro, sobre o
voto e a necessidade de cada vez mais termos a ampliação de eleitores;
Senhor Procurador-Geral, Doutor Augusto Aras; Senhores Advogados,
especialmente os que assomaram à tribuna na tarde de ontem.

Resumindo o voto de que farei juntada, Senhor Presidente, Senhores


Ministros, eu gostaria apenas de trazer alguns pontos, uma vez que o
cenário jurídico-processual já foi devidamente posto pelos votos que me
antecederam desde o voto do Ministro-Relator com as duas divergências
parciais do Ministro Nunes Marques, que julgava improcedente, e do
Ministro Roberto Barroso, que julgava procedente.

E como já foi mencionado aqui, Senhor Presidente, tenho que a


história política e até a história constitucional brasileira pode ser contada
ou cantada, a depender da escolha do professor ou do expositor. É
inegável a força da arte, especialmente da literatura e da música, no
Brasil, para compor e expor a história do Brasil.

E a gente falar e o Ministro Barroso especialmente já enfatizou aqui


algumas passagens mais recentes da nossa triste história, no que se refere
às mordaças, mas se a gente pegar desde a Monarquia, passando pelo
Tribofe de Artur Azevedo, até as músicas de Gonzaguinha ou a poesia de
Patativa do Assaré, nós vamos ver que a história política brasileira deve
muito, em exposição de fatos e de verdades, aos artistas.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 131 de 245

ADI 5970 / DF

Por isso, a preocupação com o silêncio que se põe ao artista. No caso


específico das normas e, com todo o respeito por todos os pensamentos,
por todas as compreensões que foram expostas no sentido da
legitimidade, que se acolheu, pelo menos em parte, das normas por uma
interpretação específica, tenho que o silêncio dos artistas tem custado
muito caro à democracia brasileira. Esse silêncio mostra sempre a face
sombria e silenciosa, não apenas das fases em que vivemos a autocracia,
mas a caquistocracia, pouco lembrada, mas que também teve lugar
tristemente nessas plagas.

Por isso o objeto da presente ação, que o Ministro Dias Toffoli


enfatizou desde o relatório e no início do seu voto, tem tudo a ver com a
expressão da liberdade, que nós temos cuidado como se fosse a liberdade
de expressão, mas a expressão pode ser o exercício garantido das
liberdades, e claro que a expressão também pode ser um objeto de crime,
o objeto de cuidados ou descuidados que, não necessariamente, é
abrigado no sistema.

Por isso que nós estamos falando é da expressão da liberdade de


alguém, no caso, dos artistas, no espaço político, e não do que nós
rotulamos, e com guarda-chuva aqui hoje, usa-se até muito mal, ao se
afirmar que posso tudo, posso falar tudo, porque é liberdade de
expressão. Não. A expressão garantida constitucionalmente é aquela que
é o exercício de uma liberdade, porque o núcleo de qualquer constituição
e de qualquer direito constitucional é exatamente a liberdade.

Aqui se tem a expressão da liberdade como objeto desta ação, como


também a democracia, que passa pelo voto na expressão da cidadania, no
exercício da cidadania e pelo pluralismo.

Esta ação, Senhor Presidente, foi ajuizada em junho de 2018, período


pré-eleitoral de eleições gerais naquele ano. Também foi ajuizada,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 132 de 245

ADI 5970 / DF

tratando-se de uma lei que é de 2017, alteração promovida e de que agora


estamos a cuidar, e que diz respeito à decisão deste Supremo Tribunal de
2016, quando houve o afastamento da possibilidade de financiamento das
campanhas pelas empresas privadas.

Isso para marcar que é um período pré-boom da internet, usada com


todas as suas dimensões nas redes sociais como instrumento de atuação
política direta e partidária, com uma extensão que se deu basicamente
naquele período posterior ao ajuizamento desta ação, que era o período
eleitoral, e com o que não se tinha naquele momento: o estouro, o tsunami
dos impressionantes números dos influenciadores digitais.

Estou me referindo a isso no meu voto, Presidente, porque, em 2018,


nós não saberíamos que "showmício" podia ser algo até anacrônico quatro
anos depois.

A lei de que nós estamos cuidando é de 6 de outubro de 2017: quatro


anos de vigência. Quatro anos depois, a realidade política, no que se
refere a este faroeste digital, que nós muitas vezes observamos, é algo que
diz respeito à experiência jurídica, processual, e claro, o mundo inteiro
olha para saber como a democracia se há com esses dados.

Isso tem tudo a ver com o que estamos falando, na minha


compreensão, porque estamos falando de "showmício", em que nós aqui
estamos comentando e decidindo sobre o papel de um artista. E eu vi,
desde a petição inicial, passando pelo parecer da Procuradoria-Geral da
República, nas sustentações orais e agora nos votos, a dificuldade de não
se cogitar de uma "animação de shows" por um candidato que leva um
artista e que faça que ele seja - usarei uma expressão, com todo o cuidado
humano que possa -, um chamamento, que seria quase uma isca para que
as pessoas pudessem ir e, pela simpatia com o artista, transferir isso para
um eleitor.

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O artista tem fã, um influenciador tem seguidores, e nós temos


alguns artistas e alguns que são influenciadores, que têm cinquenta
milhões de seguidores. E se ele falar ou se ele cantar um minuto que seja,
ele transforma muita gente que o segue.

Apenas estou fazendo essa referência como um dado de uma


reflexão, porque eu acho que é preciso que a gente tenha, na sequência,
especialmente os que compõem hoje a Justiça Eleitoral, os que comporão
a Justiça Eleitoral, sob a Presidência dos Ministros Edson Fachin,
Alexandre de Moraes, no próximo ano, e talvez seja esse o maior desafio.
Dizemos que um artista não pode ir num "showmício", e nenhum
"showmício" que se cogite vai ter nem cinco milhões, que dirá cinquenta
milhões, num determinado momento, vendo e sendo (estou usando a
expressão que o mundo usa) influenciado por alguém sobre um dado
político.

Abro, portanto, esses parênteses para dizer que o objeto dessa ação
diz respeito a uma deliberação legislativa, a alteração legislativa
promovida em 2017, que há de ser aplicada agora considerando o mundo
no qual vivemos, pela singela razão de que nós temos uma realidade que
não se contempla nesta ação, que não está no objeto dessa ação, mas que
está no mundo dos fatos, atos políticos e nas perspectivas, no caso
brasileiro, de um pleito eleitoral que, daqui a um ano, há de ter lugar.

Por isso mesmo, essa norma tem importância, e a interpretação da


solução, e por isso fiz referência, Ministro Dias Toffoli, não foi retórica.
Há enorme importância de Vossa Excelência ter trazido esse julgamento
no momento em que se definem essas condutas.

Tenho para mim que há vários fatores de desequilíbrio nas eleições,


nas campanhas eleitorais. Acho, no entanto, que não é o "showmício" e
acho que, do que leio nessa norma, tem-se muito mais, primeiro, um
cerceamento, que considero inconstitucional, à expressão livre de um

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artista, em qualquer espaço, aí incluído aquele do show no qual alguém


vai e se apresenta como candidato. Também tenho para mim que não há
um fator de propaganda aqui gratuita, porque essa propaganda está em
todo o lugar do mundo. E, na verdade aqui, eu tenho um modelo de
ajuntamento, de aglomeração para ouvir palavras de um candidato que
não atinge hoje grande número. Aliás, nós temos os dois dados, quando
um artista vai num palanque desse, tanto ele pode levar pessoas, que é o
mais comum, como aquele que não gosta dele também se contrapõe
àquele candidato, como nós vimos há muito pouco tempo pela
manifestação de um artista, e vimos vários. Os artistas fazem parte,
portanto, desse dado.

O Ministro Dias Toffoli, no seu super preciso voto, afirmou, e é fato,


que uma apresentação pode ser estimável. É certo que sim. Mas eu citaria
apenas que, neste Supremo Tribunal Federal, nós tivemos, nos últimos
anos, apresentação da Daniela Mercury, claro que cantando o Hino
Nacional, mas uma apresentação para a qual não houve nenhum ônus,
porque ela não fez aquilo como um serviço prestado, mas um gosto nessa
apresentação. Nós tivemos aí o grande bandolinista Holanda na posse do
Ministro Joaquim Barbosa; nós tivemos Caetano Veloso na minha posse
como Presidente; tivemos Fagner no ano passado. Nada disso foi
precificável, porque, do que eu sei, sequer o deslocamento deles e a
permanência em Brasília foram objeto de qualquer ônus por parte de
nenhum de nós. Isso para dizer que o artista como cidadão tem
compromissos outros, até porque a arte é política sempre, e o artista,
portanto, é político sempre, como o cidadão, e nós queremos que todos
sejam, no sentido de um compromisso e de uma responsabilidade com
aquilo no que acredita.

Portanto, ainda que a presença de determinados artistas - que foi


aqui tanto acentuado pelo Ministro Dias Toffoli, como pelo Ministro
Alexandre de Moraes -, possa influenciar e levar e fazer com que esse
gosto por ele seja transferido, entretanto, parece-me que, em matéria de

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influenciador, quem tem quarenta, cinquenta milhões de seguidores hoje


no mundo em que vivemos é algo muito mais transtornador do que isso
de que estamos a cuidar, embora seja certo de que estamos falando sobre
um objeto específico e de uma norma posta em questão.

Entretanto, acho que, dado exatamente pelo quadro de indefinição


de instrumento de controle, de limites, uma ação controlável pela Justiça,
especificamente pela Justiça Eleitoral, ao cercear a possibilidade de um
artista participar em um "showmício", é também parte do que está posto
na ação, uma forma de ver não o artista ou o candidato ou a campanha,
mas uma forma de ver o eleitor.

E uma vez, Presidente, eu lembrei de uma cantiga da minha infância


mais infantil, que a gente brincava que "cala a boca já morreu", e a gente
dizia "quem manda na minha boca sou eu". Eu diria que o eleitor
brasileiro pode dizer "cala a boca já morreu, quem manda no meu voto
sou eu". O eleitor brasileiro andou, a cidadania, nesses 33 anos de
Constituição, melhorou nesse sentido. É claro que há influência, tanto que
há influenciadores nessa nova realidade tecnológica. Eu não desacredito
do ser humano como alguém que se dá liberdade para ter ciência do que
faz e querer votar segundo a sua consciência. E se o artista é alguém que
influencia, como o escritor influencia, como o cineasta influencia, eu não
vejo como se dizer para que ele não compareça a um espaço que seria a
expressão cívica de sua condição de membro desta cidade, o Brasil, no
nosso caso.

Portanto, aqui me parece que não há uma propaganda - e nisso vou


pedir todas as vênias ao eminente e queridíssimo Ministro Edson Fachin.
Acho que aqui o que ele faz é muito mais uma exposição do que aquele
artista pensa sobre o mundo, a vida, basta ver o que ele escolhe para
apresentar naquele momento, e que seria extremamente difícil e
preconceituoso dizer que só ele não pode falar. Nós que, aqui neste
Tribunal, já dissemos que ele fica obrigado a se expor até mesmo quando

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 136 de 245

ADI 5970 / DF

não autoriza a biografia, porque ele está no espaço público, mas, depois,
nós negamos a ele o espaço público para expor as suas opções políticas,
partidárias ou pessoais.

Nesse sentido, portanto, pedindo todas as vênias ao Ministro Dias


Toffoli, na parte do "showmício", eu também considero que, não
remunerado, portanto, sendo uma expressão livre das suas opções, das
suas opiniões, do seu dizer e viver a política, tenho para mim que há sim
uma incompatibilidade com o texto constitucional.

E deixo de fazer maiores referências, porque, tendo acolhido até esta


parte, para acompanhar Sua Excelência o voto do Ministro Dias Toffoli no
que se refere à possibilidade de uma atuação em eventos para
arrecadação, desde que, conforme foi pedido na formulação da ação
direta, exatamente possibilitar que ele possa estar nessa arrecadação.

Eu lembro que o Ministro Gilmar expôs ontem algumas


preocupações extremamente pertinentes, graves e profundas, mas eu tive
o cuidado de verificar que, pelo menos em eventos nos quais houve esta
reunião, chamada hoje de "livemício", o doador, que é aquele que
comparece, que vai ao evento, ele adquire o bilhete, que é bilhete-
arrecadação, tem o CPF, e isso é controlável tanto pela Receita quanto
pela Justiça Eleitoral. Portanto, o doador, neste caso, não é só o artista. O
artista não vai cobrar, como quando ele foi ao Supremo, ele não cobrou. O
que ele faz é a manifestação da sua expressão, e aqueles, portanto, que
acorrem ao evento, fazem a doação cujos valores estão preordenados
normativamente.

Por isso, Senhor Presidente, mais uma vez, pedindo todas as


desculpas ao Ministro Dias Toffoli por não ter a compreensão exata em
toda a dimensão do seu voto e votando no sentido da procedência da
ação nos termos formulados no pedido, vale dizer, para dar interpretação
conforme exatamente para afastar qualquer impossibilidade de o artista

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 137 de 245

ADI 5970 / DF

participar quer neste, não remunerado, quer em "showmício", quer em


evento de arrecadação, portanto, apenas na primeira parte, divergindo de
Sua Excelência, estou votando para acolher o pedido na sua inteireza,
julgando procedente a ação, Senhor Presidente.

Mais uma vez, agradecendo a palavra a Vossa Excelência.

Publicado sem revisão. Art. 95 do RISTF.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

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07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Vogal):

1. Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido


Socialista Brasileiro – PSB, Partido Socialismo e Liberdade – PSOL e
Partido dos Trabalhadores – PT objetivando seja declarada a
inconstitucionalidade do § 7º do art. 39 da Lei n. 9.504/1999, incluído pela
Lei n. 11.300/2006 e dada interpretação conforme ao inc. V do § 4º do art.
23 da Lei n. 9.504/1997, incluído pela Lei n. 13.488/2017 e, ainda, por
arrastamento, do art. 12 da Resolução n. 23.551/2017.

Estas as normas impugnadas:

“Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou


estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o
disposto nesta Lei. (...)
§ 4º As doações de recursos financeiros somente poderão ser
efetuadas na conta mencionada no art. 22 desta Lei por meio de: (…)
V - comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção de
eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo
partido político.”

“Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária


ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da
polícia. (...)
§ 7º É proibida a realização de showmício e de evento
assemelhado para promoção de candidatos, bem como a apresentação,
remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e
reunião eleitoral”.

Resolução n. 23.551/2017 do TSE

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

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ADI 5970 / DF

“Art. 12. São proibidas a realização de showmício e de evento


assemelhado para promoção de candidatos e a apresentação,
remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e
reunião eleitoral, respondendo o infrator pelo emprego de processo de
propaganda vedada e, se for o caso, pelo abuso do poder (Lei n.
9.504/1997, art. 39, §7º; Código Eleitoral, arts. 222 e 237; e Lei
Complementar n. 64/1990, art. 22).
Parágrafo único. A proibição de que trata o caput não se estende
aos candidatos que sejam profissionais da classe artística cantores,
atores e apresentadores, que poderão exercer as atividades normais de
sua profissão durante o período eleitoral, exceto em programas de
rádio e de televisão, na animação de comício ou para divulgação, ainda
que de forma dissimulada, de sua candidatura ou de campanha
eleitoral”.

A Resolução n. 23.551/2017 do Tribunal Superior Eleitoral foi


revogada pela Resolução n. 23.610/2019, a qual, em seu art. 17, repetiu,
nos mesmos termos, a norma anterior:

“Art. 17. São proibidas a realização de showmício e de evento


assemelhado para promoção de candidatos e a apresentação,
remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e
reunião eleitoral, respondendo o infrator pelo emprego de processo de
propaganda vedada e, se for o caso, pelo abuso de poder (Lei n.
9.504/1997, art. 39, §7º; Código Eleitoral, arts. 222 e 237; e Lei
Complementar n. 64/1990, art. 22).
Parágrafo único. A proibição de que trata o caput deste artigo
não se estende aos candidatos que sejam profissionais da classe
artística cantores, atores e apresentadores, que poderão exercer as
atividades normais de sua profissão durante o período eleitoral, exceto
em programas de rádio e de televisão, na animação de comício ou para
divulgação, ainda que de forma dissimulada, de sua candidatura ou de
campanha eleitoral”.

2. Os autores pedem “seja declarada a inconstitucionalidade da proibição


da realização de showmícios e eventos assemelhados, bem como da apresentação

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 140 de 245

ADI 5970 / DF

de artistas em comícios e reuniões eleitorais, prevista no art. 39, § 7º, da Lei nº


9.504/99, quando feitas de modo gratuito, sem cobrança de cachê” (grifos no
original).

Alegam que, “neste caso, a declaração parcial de inconstitucionalidade


demanda a supressão da expressão “ou não”, do texto legislativo”.

Pleiteiam, ainda, “o reconhecimento de que a proibição de showmícios e


eventos assemelhados, constante no art. 39, § 7º, da Lei n° 9.504/99, não obsta a
realização de eventos artísticos, inclusive shows musicais, voltados à
arrecadação de recursos para campanha eleitoral, nos termos do art. 23, § 4º, V,
da Lei nº 9.504/99, o qual prevê, como modalidade de doação eleitoral, a
“promoção de eventos de arrecadação”.

Explicam que a segunda pretensão é, assim, a de excluir, por


incompatível com a Constituição, ”(a) a exegese ampliativa do art. 39, § 7º,
da Lei nº 9.504/99, da qual decorre a proibição de eventos de arrecadação de
campanha que envolvam apresentações artísticas ou musicais; e (b) a consequente
interpretação restritiva do art. 23, § 4º, V, do mesmo diploma, que exclui os
referidos eventos artísticos e musicais do seu campo de incidência”.

Ressaltam que, “nesta parte, portanto, o pedido é de interpretação


conforme a Constituição dos preceitos questionados, com declaração parcial de
inconstitucionalidade sem redução de texto”.

Argumentam que “tanto a proibição dos showmícios não remunerados


quanto à vedação de realização de eventos artísticos de arrecadação eleitoral
afiguram-se absolutamente incompatíveis com a garantia constitucional da
liberdade de expressão, prevista no art. 5º, incisos IV e IX, e 220 da Lei Maior” e
que a “primeira medida ofende, ainda, o princípio da proporcionalidade,
enquanto a segunda também viola a isonomia (art. 5º, caput, CF), e o imperativo
constitucional de valorização da cultura (art. 215, CF), além de não se conciliar
com a interpretação sistemática da própria Lei nº 9.504/99”.

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ADI 5970 / DF

Sustentam não se poder ”converter o embate político-eleitoral numa


esfera árida, circunscrita à troca fria de argumentos racionais entre os
candidatos, partidos e seus apoiadores, sem espaço para a emoção e para a arte”.

Lembram que este Supremo Tribunal assentou, na Ação Direta de


Inconstitucionalidade n. 4.451, que o humor não pode ser proibido no
contexto das disputas eleitorais, como também não se poderia “vedar ou
restringir o uso da música ou de outras artes nas eleições, nem muito menos o
legítimo engajamento político dos artistas”.

Asseveram que “a liberdade de expressão não é protegida apenas em favor


do emissor das manifestações, mas também em proveito dos receptores e do
público em geral”, pois “estes, com a garantia da liberdade de expressão, podem
ter acesso a opiniões e informações diversificadas, o que legitima e robustece a
esfera pública, favorecendo a toda a sociedade”.

Ponderam que a política não deve ser apenas racional, “ela deve
envolver o debate de razões e argumentos, mas precisa também mobilizar as
paixões e sentimentos” e insistem que “a própria ideia de propaganda eleitoral
contém o sentido de ação voltada a influenciar as emoções do eleitor”.

Salientam que a música “sempre teve papel destacado na política, no


Brasil e em muitos outros países” e “não apenas porque a música pode fazer
pensar, interpelando a sociedade e lançando novos olhares sobre temas
politicamente relevantes, mas especialmente pela sua capacidade de inspirar e de
emocionar”.

Alertam que não pretendem discutir, na presente ação direta, a


questão da “constitucionalidade da vedação legal aos showmícios pagos,
também estabelecida pelo art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/99”, por ser tema mais
delicado “já que a diferença de recursos de campanha entre os candidatos gera
preocupação legítima com a influência do poder econômico sobre os pleitos, e com

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 142 de 245

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a paridade de armas na disputa eleitoral”.

Asseveram haver ofensa ao princípio da proporcionalidade, pois “a


proibição de eventos musicais nas eleições orienta-se por essa lógica paternalista
contrária à Constituição” qual seja, “veda-se o showmício com base na premissa
de que o eleitor não tem a capacidade de avaliar criticamente todas as mensagens
que recebe para fazer as suas escolhas eleitorais”.

Acentuam que “a realização de eventos visando à arrecadação de recursos


de campanha foi expressamente autorizada pelo art. 23, § 4º, V, da Lei nº
9.504/99 (incluído pela Lei nº 13.488/2017), que previu, como modalidade de
doação eleitoral, a “comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção de
eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo partido
político” (grifos no original).

Obtemperam que, “diante da postura por vezes censória da Justiça


Eleitoral, existe o elevado risco de que se adote a compreensão de que tal preceito
não abrange a realização de espetáculos artísticos, em razão da vedação aos
showmícios e à ‘apresentação de artistas para animar eventos eleitorais”.

Sustentam que “seria também francamente incompatível com o princípio


da isonomia permitir eventos voltados à arrecadação de recursos para campanha
que não possuam natureza artística e musical, e, ao mesmo tempo, proibir os que
a tenham”.

Haveria ofensa, nesse ponto, também, ao art. 215 da Constituição da


República, pois a cultura deve ser valorizada e o legislador teria tratado
as artes e a música “de forma injustificadamente desfavorável em relação às
demais atividades”.

Explicam que a Lei n. 11.300/2006 foi impugnada na Ação Direta de


Inconstitucionalidade n. 3.471/DF sob alegação de ofensa ao princípio da
anterioridade eleitoral, mas salientam que o tema da proibição dos

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 143 de 245

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showmícios não foi sequer tangenciado, pelo que concluem não existir
óbice ao ajuizamento da presente ação contra o § 7º do art. 39 da Lei n.
9.504/1997 incluído pela Lei n. 11.300/2006.

No mérito, pedem:

a) “seja proferida decisão de declaração parcial de inconstitucionalidade,


com redução de texto, do art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/1999, para excluir de sua
redação a expressão “ou não”, de modo a permitir a realização de showmícios e
eventos assemelhados de caráter não remunerado, bem como a participação não
remunerada de artistas com a finalidade de animar comício ou reunião eleitoral”;

b) “seja proferida decisão de declaração parcial de inconstitucionalidade,


sem redução de texto, dos art. 23, § 4º, V, e art. 39, § 7º, da Lei nº 9.504/99, de
modo a excluir qualquer interpretação e aplicação de tais dispositivos que importe
na proibição de “promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo
candidato ou pelo partido político”, os quais envolvam apresentações artísticas,
inclusive shows musicais, realizados sem o pagamento de remuneração aos
artistas”;

c) “seja proferida decisão de declaração parcial de inconstitucionalidade,


“por arrastamento”, do art. 12 da Resolução TSE nº 23.551/2017, para (a)
excluir de sua redação a expressão “ou não”, bem como (b) excluir qualquer
interpretação ou aplicação do preceito que obste a “promoção de eventos de
arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo partido político”, que
envolvam apresentações artísticas, inclusive shows musicais, realizadas sem o
pagamento de remuneração aos artistas”.

3. Em 28.6.2018, o Ministro Luiz Fux, Relator, adotou o rito do art. 12


da Lei n. 9.868/1999.

4. O Presidente do Senado Federal prestou informações (e-doc. 27).

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5. O Presidente da Câmara dos Deputados informou que o projeto


de lei que deu origem à lei impugnada teria sido processado dentro dos
estritos trâmites constitucionais (e-doc. 26).

6. O Presidente da República prestou informações e defendeu a


constitucionalidade das normas, as quais tinham por objetivo “a
moralização do processo democrático, com a adoção de medidas que
privilegiassem a informação livre e sem distorções, e a isonomia entre os
candidatos” (e-doc. 32).

Ressaltou que “existência ou não de retribuição financeira a artista que se


apresente em palco de campanha eleitoral é fato secundário para os objetivos
almejados com a edição da lei”, pois o que se quer impedir “na verdade é a
indevida associação da popularidade do artista com a campanha eleitoral
propagandeada em palanque”.

Argumentou que “continua assegurado ao artista o amplo direito,


inclusive, de manifestar suas preferências eleitorais, desde que em palco próprio.
sem associação de imagem”.

7. O Advogado-Geral da União manifestou-se pela improcedência


do pedido:
“Eleitoral. Artigos 23. § 4° inciso V; e 39, § 7", da Lei
n°9.504/1997. Vedação à realização de showimício e de evento
assemelhado para promoção de candidatos, bem como à
apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade
de animar comício e reunião eleitoral. Ausência de violação aos
princípios da liberdade de expressão da isonomia e da
proporcionalidade e ao mandamento constitucional de
valorização da cultura (artigos 5° caput e incisos IV e IX: e 215.
da Carta Republicana). Medida que visa a garantir a
moralidade e legitimidade das eleições, por meio da igualdade
de condições entre os candidatos e da vedação ao oferecimento
de vantagens para a captação de votos. Manifestação pela

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improcedência do pedido” (e-doc. 34).

8. O Procurador-Geral da República opinou pela improcedência do


pedido:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
DISPOSIÇÕES CONSTANTES DOS ARTIGOS 23-§4º-V E 39-§7º
DA LEI 9.504/1997 (LEI DAS ELEIÇÕES), ACRESCIDAS PELAS
LEIS 11.300/2006 E 13.488/2017. RESTRIÇÕES À
PROPAGANDA PARTIDÁRIA E ELEITORAL. VEDAÇÃO À
REALIZAÇÃO DE SHOWMÍCIOS PARA PROMOÇÃO DE
CANDIDATOS AO PLEITO. ALEGAÇÃO DE OFENSA À
ISONOMIA, À PROPORCIONALIDADE, À LIBERDADE DE
EXPRESSÃO E À VALORIZAÇÃO DA CULTURA, NA PARTE
EM QUE INCIDE SOBRE SHOWMÍCIOS REALIZADOS DE
FORMA GRATUITA, SEM COBRANÇA DE CACHÊ
ARTÍSTICO. INOCORRÊNCIA. IGUALDADE DE CHANCES
ENTRE PARTIDOS. COMPETÊNCIA DO LEGISLADOR
NACIONAL PARA EDITAR NORMAS QUE ASSEGUREM
EQUILÍBRIO ENTRE AGREMIAÇÕES E LISURA DO
PROCESSO ELEITORAL. EXIGÊNCIA DECORRENTE DOS
PRECEITOS INSCULPIDOS NOS ARTIGOS 1º, II E V; 5º,
CAPUT, 17, CAPUT, E 14-§9º DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. 1. Como pressuposto da livre concorrência entre
partidos políticos e exigência do modelo democrático,
representativo e pluripartidário, o princípio da igualdade de
chances legitima a imposição de restrições legais à propaganda
político-eleitoral, entre as quais se inclui a vedação de
realização de showmícios para promover candidatos ou
agremiações partidárias, durante o processo eleitoral. Compete
ao legislador editar normas que assegurem condições mínimas
de concorrência livre e equilibrada entre agremiações 2.
Liberdade de expressão assume, no aspecto político, “uma
dimensão instrumental ou acessória, no sentido de estimular a
ampliação do debate público, de sorte a permitir que os
indivíduos tomem contato com diferentes plataformas e
projetos políticos” (STF, ADI 4.650/DF). - Parecer pela

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improcedência do pedido” (e-doc. 36).

9. A questão posta na presente ação direta de inconstitucionalidade


está em saber se a) a proibição de realização de showmícios ou eventos
assemelhados e a apresentação de artistas em comícios e reuniões
eleitorais de modo gratuito ofenderia os princípios da liberdade de
expressão e da proporcionalidade; b) a proibição de realização de eventos
artísticos, inclusive shows musicais, voltados à arrecadação de recursos
para campanha eleitoral por artistas não remunerados, nos termos do inc.
V do § 4º do art. 23, na exegese ampliativa do § 7º do art. 39, ambos da Lei
n. 9.504/1997, ofende os princípios da liberdade de expressão, da
valorização da cultura e da isonomia.

Preliminar de cabimento da ação

10. O § 7º do art. 39 da Lei 9.504/1997, impugnado na presente ação


direta, foi incluído pela Lei n. 11.300/2006.

Relembro que a Lei n. 11.300/2006, denominada de “Minirreforma


Eleitoral”, foi impugnada em sua totalidade nas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade ns. 3.741/DF, 3.742/DF e 3.743/DF por ofensa ao
princípio da anterioridade da lei eleitoral inscrito no art. 16 da
Constituição da República.

Em 6.8.2006, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou


procedente em parte essas ações apenas para declarar a
inconstitucionalidade do art. 35-A da Lei n. 9.504/19997, pelo qual se
proibia a divulgação de pesquisas eleitorais a partir do décimo quinta dia
anterior até as dezoito horas do dia do pleito. Manteve-se, com isso, a
higidez dos demais dispositivos da Lei n. 11.300/2006, incluído o disposto
no § 7º do art. 36, impugnado nesta ação.

Essa norma foi igualmente impugnada na Ação Direta de


Inconstitucionalidade n. 3.758, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem

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ADI 5970 / DF

dos Músicos do Brasil, por suposta afronta aos “valores sociais do trabalho e
da livre iniciativa (CF, art. 1º, IV), às garantias fundamentais da livre expressão
artística (CF, art. 5º, IX) e do livre exercício de trabalho, ofício ou profissão (CF,
art. 5º, XIII), a garantia do trabalho como direito social (CF, art. 6º) e o princípio
da busca do pleno emprego (CF, art. 170, VIII)” (ADI n. 3.758, Relatora a
Ministra Ellen Gracie, DJe 2.8.2006). A ação, entretanto, foi julgada
prejudicada em decorrência da parcial procedência das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade ns. 3.741/DF, 3.742/DF e 3.743/DF.

As decisões proferidas naquelas ações diretas não obstam, portanto,


o conhecimento do presente feito sob o enfoque específico da
compatibilidade constitucional do § 7º do art. 39 e do inc. V do § 4º do
art. 23 da Lei n. 9.504/1997 com os princípio da liberdade de expressão, da
isonomia, da valorização da cultura e da proporcionalidade, viés não
analisado em 2006.

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço da ação.

O § 7º do art. 39 da Lei n. 9.504/1997 e a ofensa ao princípio da liberdade de


expressão e da proporcionalidade

11. A liberdade de manifestação do pensamento e a livre expressão


da atividade intelectual e artística são direitos fundamentais previsto nos
incs. IV e IX do art. 5º e no art. 220 da Constituição da República:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato; (…)
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de censura ou
licença”; (…).

10

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 148 de 245

ADI 5970 / DF

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão


e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão
qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir
embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer
veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V,
X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política,
ideológica e artística”.

12. Em reiterados precedentes, o Supremo Tribunal Federal tem


conferido máxima efetividade a esses direitos fundamentais, seja pela
neutralização de medidas legislativas e administrativas de cunho censório
ou vocação autoritária, seja pelo afastamento de mecanismos de
dificultação ou embargo à atividade intelectual e artística, às quais a
Constituição garantiu o regime de liberdade responsável, sobre o qual se
constrói a democracia, inimiga capital dos déspotas.

Em 30.4.2009, este Supremo Tribunal julgou procedente a Arguição


de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 130/DF para declarar
não recepcionada pela Constituição da República de 1988 a Lei n.
5.250/1967 e assegurar a liberdade de imprensa como reforço ou
sobretutela das liberdades de manifestação do pensamento, de
informação e de expressão artística, científica, intelectual e
comunicacional.

O Ministro Ayres Britto, Relator, ressaltou, a respeito da liberdade de


expressão, que, “para a Constituição, o que não se pode é, por antecipação,
amesquinhar os quadrantes da personalidade humana quanto aos seguintes dados
de sua própria compostura jurídica: liberdade de manifestação do pensamento e
liberdade de expressão em sentido genérico (aqui embutidos a criação e o direito
de informar, informar-se e ser informado, como expletivamente consignado pelo
art. 37, 1, da Constituição portuguesa de 1976, ‘versão 1997’)”.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

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ADI 5970 / DF

Esta a ementa do acórdão:

“EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE


PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA.
ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. REGIME CONSTITUCIONAL DA
"LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA",
EXPRESSÃO SINÔNIMA DE LIBERDADE DE IMPRENSA. A
"PLENA" LIBERDADE DE IMPRENSA COMO CATEGORIA
JURÍDICA PROIBITIVA DE QUALQUER TIPO DE CENSURA
PRÉVIA. A PLENITUDE DA LIBERDADE DE IMPRENSA
COMO REFORÇO OU SOBRETUTELA DAS LIBERDADES DE
MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E
DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E
COMUNICACIONAL. LIBERDADES QUE DÃO CONTEÚDO
ÀS RELAÇÕES DE IMPRENSA E QUE SE PÕEM COMO
SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE E MAIS DIRETA
EMANAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA
COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO
PROLONGADOR DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO
DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO
ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E
COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA
FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS PROLONGADOS
AO CAPÍTULO PROLONGADOR. PONDERAÇÃO
DIRETAMENTE CONSTITUCIONAL ENTRE BLOCOS DE
BENS DE PERSONALIDADE: O BLOCO DOS DIREITOS QUE
DÃO CONTEÚDO À LIBERDADE DE IMPRENSA E O BLOCO
DOS DIREITOS À IMAGEM, HONRA, INTIMIDADE E VIDA
PRIVADA. PRECEDÊNCIA DO PRIMEIRO BLOCO.
INCIDÊNCIA A POSTERIORI DO SEGUNDO BLOCO DE
DIREITOS, PARA O EFEITO DE ASSEGURAR O DIREITO DE
RESPOSTA E ASSENTAR RESPONSABILIDADES PENAL,
CIVIL E ADMINISTRATIVA, ENTRE OUTRAS
CONSEQUÊNCIAS DO PLENO GOZO DA LIBERDADE DE
IMPRENSA. PECULIAR FÓRMULA CONSTITUCIONAL DE

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 150 de 245

ADI 5970 / DF

PROTEÇÃO A INTERESSES PRIVADOS QUE, MESMO


INCIDINDO A POSTERIORI, ATUA SOBRE AS CAUSAS
PARA INIBIR ABUSOS POR PARTE DA IMPRENSA.
PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA
E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E
MATERIAIS A TERCEIROS. RELAÇÃO DE MÚTUA
CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E
DEMOCRACIA. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE
PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA
COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA
OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO
OFICIAL DOS FATOS. PROIBIÇÃO DE MONOPOLIZAR OU
OLIGOPOLIZAR ÓRGÃOS DE IMPRENSA COMO NOVO E
AUTÔNOMO FATOR DE INIBIÇÃO DE ABUSOS. NÚCLEO
DA LIBERDADE DE IMPRENSA E MATÉRIAS APENAS
PERIFERICAMENTE DE IMPRENSA. AUTORREGULAÇÃO E
REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE IMPRENSA. NÃO
RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI Nº 5.250/1967 PELA NOVA
ORDEM CONSTITUCIONAL. EFEITOS JURÍDICOS DA
DECISÃO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO” (Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental n. 130/DF, Relator o
Ministro Ayres Britto, Plenário, DJe 6.11.2009).

13. Também em 10.6.2015, o Supremo Tribunal Federal julgou


procedente o pedido formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade
n. 4.815/DF para dar interpretação conforme à Constituição aos arts. 20 e
21 do Código Civil para, em consonância com os direitos fundamentais à
liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística,
produção científica, declarar inexigível o consentimento de pessoa
biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais:

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 20 E 21 DA LEI N.
10.406/2002 (CÓDIGO CIVIL). PRELIMINAR DE
ILEGITIMIDADE ATIVA REJEITADA. REQUISITOS LEGAIS
OBSERVADOS. MÉRITO: APARENTE CONFLITO ENTRE

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

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ADI 5970 / DF

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: LIBERDADE DE


EXPRESSÃO, DE INFORMAÇÃO, ARTÍSTICA E CULTURAL,
INDEPENDENTE DE CENSURA OU AUTORIZAÇÃO PRÉVIA
(ART. 5º INCS. IV, IX, XIV; 220, §§ 1º E 2º) E INVIOLABILIDADE
DA INTIMIDADE, VIDA PRIVADA, HONRA E IMAGEM DAS
PESSOAS (ART. 5º, INC. X). ADOÇÃO DE CRITÉRIO DA
PONDERAÇÃO PARA INTERPRETAÇÃO DE PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL. PROIBIÇÃO DE CENSURA (ESTATAL OU
PARTICULAR). GARANTIA CONSTITUCIONAL DE
INDENIZAÇÃO E DE DIREITO DE RESPOSTA. AÇÃO DIRETA
JULGADA PROCEDENTE PARA DAR INTERPRETAÇÃO
CONFORME À CONSTITUIÇÃO AOS ARTS. 20 E 21 DO
CÓDIGO CIVIL, SEM REDUÇÃO DE TEXTO.
1. A Associação Nacional dos Editores de Livros - Anel
congrega a classe dos editores, considerados, para fins estatutários, a
pessoa natural ou jurídica à qual se atribui o direito de reprodução de
obra literária, artística ou científica, podendo publicá-la e divulgá-la.
A correlação entre o conteúdo da norma impugnada e os objetivos da
Autora preenche o requisito de pertinência temática e a presença de
seus associados em nove Estados da Federação comprova sua
representação nacional, nos termos da jurisprudência deste Supremo
Tribunal. Preliminar de ilegitimidade ativa rejeitada.
2. O objeto da presente ação restringe-se à interpretação dos
arts. 20 e 21 do Código Civil relativas à divulgação de escritos, à
transmissão da palavra, à produção, publicação, exposição ou
utilização da imagem de pessoa biografada.
3. A Constituição do Brasil proíbe qualquer censura. O exercício
do direito à liberdade de expressão não pode ser cerceada pelo Estado
ou por particular.
4. O direito de informação, constitucionalmente garantido,
contém a liberdade de informar, de se informar e de ser informado. O
primeiro refere-se à formação da opinião pública, considerado cada
qual dos cidadãos que pode receber livremente dados sobre assuntos de
interesse da coletividade e sobre as pessoas cujas ações, público-
estatais ou público-sociais, interferem em sua esfera do acervo do
direito de saber, de aprender sobre temas relacionados a suas legítimas

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 152 de 245

ADI 5970 / DF

cogitações.
5. Biografia é história. A vida não se desenvolve apenas a partir
da soleira da porta de casa.
6. Autorização prévia para biografia constitui censura prévia
particular. O recolhimento de obras é censura judicial, a substituir a
administrativa. O risco é próprio do viver. Erros corrigem-se segundo
o direito, não se coartando liberdades conquistadas. A reparação de
danos e o direito de resposta devem ser exercidos nos termos da lei.
7. A liberdade é constitucionalmente garantida, não se podendo
anular por outra norma constitucional (inc. IV do art. 60), menos
ainda por norma de hierarquia inferior (lei civil), ainda que sob o
argumento de se estar a resguardar e proteger outro direito
constitucionalmente assegurado, qual seja, o da inviolabilidade do
direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem.
8. Para a coexistência das normas constitucionais dos incs. IV,
IX e X do art. 5º, há de se acolher o balanceamento de direitos,
conjugando-se o direito às liberdades com a inviolabilidade da
intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da pessoa
biografada e daqueles que pretendem elaborar as biografias.
9. Ação direta julgada procedente para dar interpretação
conforme à Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem
redução de texto, para, em consonância com os direitos fundamentais
à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística,
produção científica, declarar inexigível autorização de pessoa
biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais,
sendo também desnecessária autorização de pessoas retratadas como
coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas ou
ausentes)”.

Naquele julgamento, ressaltei:

“Direito à liberdade de expressão é outra forma de


afirmar-se a liberdade do pensar e expor o pensado ou o
sentido, acolhida em todos os sistemas constitucionais
democráticos. A atualidade apresenta desafios novos quanto ao
exercício desse direito. A multiplicidade dos meios de

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

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ADI 5970 / DF

transmissão da palavra e de qualquer forma de expressão sobre


o outro amplia as definições tradicionalmente cogitadas nos
ordenamentos jurídicos e impõe novas formas de pensar o
direito de expressar o pensamento sem o esvaziamento de
outros direitos, como o da intimidade e da privacidade. Em
toda a história da humanidade, entretanto, o fio condutor de
lutas de direitos fundamentais é exatamente a liberdade de
expressão”(DJ e1º.2.2016).

14. Este Supremo Tribunal julgou igualmente procedente, em


21.6.2018, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.451/DF e declarou a
inconstitucionalidade dos incs. II e III do art. 45 da Lei n. 9.504/1997 e, por
arrastamento, do § 4º e do § 5º do mesmo artigo, os quais proibiam a
trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que degradasse
ou ridicularizassem candidatos, partidos e coligações e, ainda, que
vedavam a difusão de opinião favorável ou contrária a candidatos,
partidos e coligações.

Essa a ementa do acórdão:

“LIBERDADE DE EXPRESSÃO E PLURALISMO DE


IDEIAS. VALORES ESTRUTURANTES DO SISTEMA
DEMOCRÁTICO. INCONSTITUCIONALIDADE DE
DISPOSITIVOS NORMATIVOS QUE ESTABELECEM PREVIA
INGERÊNCIA ESTATAL NO DIREITO DE CRITICAR
DURANTE O PROCESSO ELEITORAL. PROTEÇÃO
CONSTITUCIONAL AS MANIFESTAÇÕES DE OPINIÕES DOS
MEIOS DE COMUNICAÇÃO E A LIBERDADE DE CRIAÇÃO
HUMORISTICA.
1. A Democracia não existirá e a livre participação política não
florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui
condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor
estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático.
2. A livre discussão, a ampla participação política e o princípio
democrático estão interligados com a liberdade de expressão, tendo por

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

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ADI 5970 / DF

objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também


opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes
públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na
vida coletiva.
3. São inconstitucionais os dispositivos legais que tenham a
nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do
pensamento crítico, indispensável ao regime democrático.
Impossibilidade de restrição, subordinação ou forçosa adequação
programática da liberdade de expressão a mandamentos normativos
cerceadores durante o período eleitoral.
4. Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política
em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um
ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das
mais variadas opiniões sobre os governantes.
5. O direito fundamental à liberdade de expressão não se
direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras,
admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas,
exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não
compartilhadas pelas maiorias. Ressalte-se que, mesmo as declarações
errôneas, estão sob a guarda dessa garantia constitucional.
6. Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade dos
incisos II e III (na parte impugnada) do artigo 45 da Lei 9.504/1997,
bem como, por arrastamento, dos parágrafos 4º e 5º do referido artigo”
(Relator o Ministro Alexandre de Moraes, Plenário, DJe
6.3.2019).

Naquela oportunidade, salientei haver cerceamento prévio à


liberdade de expressão e de informação, em contrariedade ao disposto
nos §§ 1º e 2º e caput do art. 220 da Constituição da República, pois as
normas impugnadas, além de se criarem embaraço à plena liberdade de
informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social,
impunham censura de natureza política, ideológica e artística.

Realcei ser o humor uma forma de expressão artística que imuniza o


meio pelo qual se expõe, seja ele o teatro, o cinema ou a televisão,

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ADI 5970 / DF

alertando que o cerceamento prévio da liberdade de manifestação


artística, de informar e ser informado, em nome de suposta salvaguarda
da lisura e do equilíbrio do pleito parecia-me demasia legislativa
incompatível com a previsão constitucional.

Concluí ser a liberdade o suporte fundamental da democracia, em


defesa da qual deve-se resistir aos mecanismos de cerceamento como
medida de máxima proteção constitucional de todas as formas de
manifestação do pensamento:

“(...) para que a liberdade de expressão possa cumprir com sua


função numa ordem democrática e plural -, é de se sublinhar que,
quanto ao seu âmbito de proteção, a liberdade de expressão abarca um
conjunto diferenciado de situações, cobrindo, em princípio, uma série
de liberdades (faculdades) de conteúdo espiritual, incluindo expressões
não verbais, como é o caso da expressão musical, da comunicação pelas
artes plásticas, entre outras. (…)
Para assegurar a sua máxima proteção e sua posição de destaque
no âmbito das liberdades fundamentais, o âmbito de proteção da
liberdade de expressão deve ser interpretado como o mais extenso
possível, englobando tanto a manifestação de opiniões, quanto de
ideias, pontos de vista, convicções, críticas, juízos de valor sobre
qualquer matéria ou assunto e mesmo proposições a respeito de fatos”
(SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme e
MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Saraiva. 9.e.d., 2020, p. 514-515).

Nesse mesmo sentido, o Relator, Ministro Alexandre de Moraes,


salientou:
“A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo
aspecto: o positivo, que é exatamente "o cidadão pode se manifestar
como bem entender", e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção
do Estado, por meio de censura prévia.
A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite
posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido,

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ADI 5970 / DF

além da previsão do direito de resposta.


No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a
liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar
preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma
conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto
ao público. (...)
Nos dispositivos impugnados, está presente o traço marcante da
censura prévia, com seu caráter preventivo e abstrato. A lei pretende
interditar o conteúdo que se pretende futuramente expressar,
atribuindo-lhe supostas repercussões adversas que justificariam a
restrição.
A previsão dos dispositivos impugnados é inconstitucional, pois
consiste na restrição, subordinação e forçosa adequação programática
da liberdade de expressão a mandamentos normativos cerceadores
durante o período eleitoral, pretendendo diminuir a liberdade de
opinião e de criação artística e a livre multiplicidade de ideias, com a
nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do
pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; tratando-se,
pois, de ilegítima interferência estatal no direito individual de
criticar” (Relator o Ministro Alexandre de Moraes, Plenário, DJe
6.3.2019).

Para concluir, em seu voto condutor, ressaltou que “a Democracia não


existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão
for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por
sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema
democrático”.

15. Todos esses precedentes traduzem, em última instância, a


atividade primaz do tribunal constitucional, não se havendo cogitar de
self-restraint do Poder Judiciário em matéria de direitos fundamentais,
erigidos como pilares do Estado Democrático de Direito.

O controle constitucional exercido na atualidade atenta à máxima


efetividade das norma fundamentais e ao aproveitamento compatível do

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direito infraconstitucional com as diretrizes principiológicas do sistema,


por técnica de interpretação que garanta a eficácia jurídica e social do
ordenamento.

16. Também na espécie a proibição de se promover showmícios em


apoio a candidaturas, sem pagamento de cachê, ou da arrecadação de
recursos para campanhas eleitorais por ofício voluntário e gratuito do
artista, mostra-se, a priori, incompatível com o imperativo constitucional
da liberdade de pensamento e de expressão, sob duplo fundamento.

A uma, por interditar, de modo absoluto, o exercício livre e gratuito


da atividade primaz do artista, em contrariedade frontal à norma
insculpida no inc. IX do art. 5º e no art. 220 da Constituição da República.

A oferta gratuita do ofício, pelo artista, elide o eventual abuso do


poder econômico por manifestar, essencialmente, o engajamento
ideológico e não financeiro a determinado candidato, como expressão
constitucionalmente assegurada de sua liberdade e cidadania, ainda que
pela realização de shows como eventos de campanha.

A duas, por tutelar, de forma inadequada e desproporcional, à vista


da revolução tecnológica dos meios de comunicação social, suposta
hipossuficiência do eleitor, igualmente livre para a formação de seu
convencimento e execício do voto, conforme suas convicções, emoções e
preferências pessoais. De se realçarem, no ponto, os argumentos aduzidos
na inicial:
“Em livro memorável dedicado à matéria, Aline Osório
diagnosticou a cultura elitista, asséptica, paternalista e autoritária
que ainda permeia o Direito Eleitoral brasileiro, para propor:
“No lugar de uma concepção elitista, que busca restringir a
participação da cidadania e dos demais atores no processo eleitoral e
‘resfriar’ o debate público, reivindica-se ‘mais calor’. Isto é, uma
concepção participatória, que tenha como norte o aumento do interesse
e do engajamento da população nos pleitos. No lugar de uma

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concepção asséptica, que pretende suprimir as emoções, os conflitos e


suas pretensas ‘impurezas’, reivindica-se a associação da política não
só com argumentos e razões, mas também a experiências afetivas e
emoções. No lugar de uma concepção paternalista, que pressupõe a
ausência de discernimento dos cidadãos para a escolha eleitoral,
reivindica-se a restauração da ‘palavra’ e da ‘voz’ da população,
reconhecendo cada indivíduo como um agente moral, autônomo, digno
de igual respeito e consideração. No lugar de uma concepção
autoritária, comprometida com a asfixia das liberdades e da atividade
política, reivindica-se o fim da persistente cultura censória e a
reafirmação da plena liberdade de expressão.
32. As reivindicações da Professora Aline Osório são, na
verdade, exigências incontornáveis da própria Constituição, haja vista
o seu compromisso profundo e visceral com a democracia e com a
liberdade de expressão. Elas se aplicam perfeitamente às limitações à
música e às artes nas campanhas eleitorais, discutidas nesta ação
direta de inconstitucionalidade.
33. Afinal, a música não é apenas fonte de lazer e diversão. Ela
sempre teve papel destacado na política, no Brasil e em muitos outros
países. Não apenas porque a música pode fazer pensar, interpelando a
sociedade e lançando novos olhares sobre temas politicamente
relevantes, mas especialmente pela sua capacidade de inspirar e de
emocionar. Músicas podem ser veículos fundamentais para a ação
política: para protestos, denúncias, questionamentos ao status quo.
Como também, eventualmente, para o contrário: a defesa e celebração,
por vezes conservadora e ufanista, dos valores hegemônicos. Ambas
hipóteses igualmente protegidas pela liberdade de expressão” (fls. 12-
13, e-doc. 1).

Nesse mesma linha, de Pimenta Bueno, vem a lição na qual


“(...) a liberdade é o próprio homem, porque é a sua vida moral, é
a sua propriedade pessoal a mais preciosa, o domínio de si próprio, a
base de todo o seu desenvolvimento e perfeição, a condição essencial do
gozo de sua inteligência e vontade, o meio de perfazer seus destinos. É
o primeiro dos direitos, e salvaguarda de todos os outros direitos, que
constituem o ser, a igualdade, a propriedade, a segurança e a

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dignidade humana. (...) O bem ser do homem é tanto maior quanto


maior é a sua liberdade, quanto menor é o sacrifício ou restrições dela”
(BUENO, José Antonio Pimenta. Direito Público Brasileiro e
Análise da Constituição do Império. Ministério da Justiça e
Negócios Interiores, 1958, p. 382).

Como enfatizei no julgamento da Ação Direta de


Inconstitucionalidade n. 4.815, tal a força do direito à liberdade de
pensamento, desdobrada em sua formulação normativa pelo enunciado
da garantia da livre expressão, que, no fundamento da concepção
moderna do Estado Democrático de Direito, encareceu-se como princípio
magno:
“Desde a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, fruto
da Revolução Francesa de 1789, a garantia de exercício das liberdades,
realce dado à livre comunicação do pensamento e de opinião, foi
erigido em ponto nuclear do sistema, tendo-se no art. XI:
‘La libre communication des pensées et des opinions est un des
droits les plus précieux de l’Homme: tout Citoyen peut donc parler,
écrire, imprimer librement, sauf à répondre de l’abus de cette liberté,
dans les cas déterminés par la Loi’.
Na sequência daquela conquista fundamental, os documentos de
direitos humanos reiteraram aquela liberdade essencial. A Declaração
Universal dos Diretos Humanos da ONU, de 1948, dispôs no art. 19:
‘Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de
expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas
opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de
fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão’.
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos da ONU,
internalizado no Brasil em 1992, preceitua no art. 19:
‘1. ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.
2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito
incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e
ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de
fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística,
ou por qualquer outro meio de sua escolha.
3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

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artigo implicará deveres e responsabilidades especiais.


Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem,
entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam
necessárias para:
a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais
pessoas;
b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral
públicas’.
No espaço do direito internacional regional, essa garantia de
liberdade está prevista no art. 13 da Convenção Americana de Direitos
Humanos de 1969, vigorando internacionalmente desde 18.7.1978, e
ratificada pelo Brasil em 25.9.1992, internalizada pelo decreto da
Presidência da República do Brasil de 6.11.1992:
‘Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressão
1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de
expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e
difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem considerações
de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou
artística, ou por qualquer meio de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode
estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que
devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias
para assegurar:
a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da
saúde ou da moral públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios
indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de
papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e
aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros
meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e
opiniões.
4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia,
com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção
moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso
2.

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5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem


como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua
incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência’.
A Convenção Europeia de Direitos Humanos, adotada em 1953
pelo Conselho da Europa, traz no art. 10º:
‘Art. 10º - Liberdade de expressão
1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este
direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou
de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de
quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O
presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de
radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de
autorização prévia.
2. O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e
responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades,
condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam
providências necessárias, numa sociedade democrática, para a
segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a
defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da
moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a
divulgação de informações confidenciais, ou para garantir’.
A Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, de 1986,
prevê, no art. 9º:
‘1. Toda a pessoa tem direito à informação.
2. Toda a pessoa tem direito de exprimir e de difundir as suas
opiniões no quadro das leis e dos regulamentos’.

Na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de


2000, consta no art. 11:
‘Liberdade de expressão e de informação
1. Todas as pessoas têm direito à liberdade de expressão. Este
direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de
transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de
quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras.
2. São respeitados a liberdade e o pluralismo dos meios de
comunicação social” (ADI n. 4.815, de minha relatoria, Pleno, DJe

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1º.2.2016).

Fazer arte também é fazer opinião, alcançar o eleitor dá-se também


por intermédio da emoção sem que se possa atribuir a esses movimentos
a contaminação do processo eleitoral, essencialmente dialético, racional e
emotivo. Arte é igualmente resistência, interpondo-se contra os arbítrios
com grande potencial transformador, visionário, em todas as suas formas,
que mesmo se silenciosas, nunca são silenciáveis.

Do mecenato ancestral, que reservava à produção intelectual e


artística papel estratégico na condução dos negócios da polis, até as redes
sociais do século XXI, não há como se conter, ainda que por entre
lamentáveis hiatos históricos, a força política e transformadora da arte.

A história do Brasil confunde-se com a de seus movimentos


artísticos, do Modernismo de 1922 à Tropicália dos anos 60, perpassando
os grandes festivais que registraram em nossos corações as letras imortais
de Aldir Blanc, Geraldo Vandré, Chico Buarque, Caetano Veloso, entre
tantos outros monumentos da expressão nacional autêntica. O silêncio
dos artistas custa-nos muito caro, fazendo-se tardia a hora de recolocá-los
na composição política da arte em todas as suas formas estéticas:

“Arte e política são duas esferas da sociedade,


aproximadas constantemente por interconexões da produção
artística com os movimentos políticos e sociais de certa época.
Mikel Dufrenne, filósofo francês, aponta a utopia como a
alternativa de integração entre essas duas esferas. O
pensamento utópico é o pensamento do possível que se
engendra no agora e no lugar em que vivemos – contrapondo-
se às ideologias das camadas dominantes, denunciando a
exploração capitalista, vislumbrando a libertação e conduzindo
ao engajamento político. Logo, a proximidade entre arte e
política vem, entre diversas possibilidades, do desejo pela
liberdade e justiça diante de algum cenário em que estes são
colocados à prova. A força da utopia norteou, por exemplo, os

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discursos e as ações dos artistas militantes que se engajaram nas


manifestações das novas vanguardas, assumindo formas
específicas de acordo com sua inserção no contexto histórico de
cada país nos anos 1960” (SATOU, Danilo, Arte e política no
contexto brasileiro e no acervo do Centro Cultural São Paulo.
Disponível em http://centrocultural.sp.gov.br/, acesso em
3.10.2021).

Com maior relevo, impõe-se assegurar a liberdade de expressão na


arena eleitoral, onde se forja e instrumentaliza o regime democrático. É
no debate político que a cidadania é exercida com o vigor de sua essência.
Nesse sentido, a lição do Ministro Luiz Fux e de Carlos Eduardo Frazão
trazida aos autos:

“Além de consubstanciar direito moral, aludidas


liberdades também se justificam no fato de ser um instrumento
para a salvaguarda de outros valores e liberdades
jusfundamentais, como a religiosa, a política e a própria
estabilidade das instituições democráticas. Daí a sua relevância
e sua centralidade no sistema eleitoral, em particular, e no
ambiente democrático, em geral. De efeito, sem que haja
liberdade de expressão e de informação, e seja franqueada
ampla possibilidade de debate de todos os assuntos relevantes
para a formação da opinião pública, não há de se cogitar de
verdadeira democracia. [...] Assim é que, conquanto inexista
hierarquia formal entre normas constitucionais, é possível
advogar que tais cânones jusfundamentais atuam como
verdadeiros vetores interpretativos no deslinde de casos difíceis
(hard cases), por se situarem em uma posição privilegiada dentro da
Constituição” (Luiz Fux e Carlos Eduardo Frazão. Novos
Paradigmas do Direito Eleitoral. Rio de Janeiro: Fórum, 2016, p.
117-118).

É pela política, e somente por ela, que os destinos da vida civilizada


são traçados, nela incluídos o da arte e da cultura nacionais, cujas
expressões legítimas, entenda-se, sem comprometimento com o poderio

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econômico, não podem ser alijadas do jogo democrático.

17. A gratuidade do ofício artístico assume, nessa análise, papel


preponderante e decisivo, neutralizando o desequilíbrio ilícito de forças
provenientes do poderio econômico, sem amordaçar o artista que se veja
representado por determinada plataforma política e queira, com a
prestação de seu trabalho não remunerado, alçá-la ao poder.

Nesse contexto, a popularidade do artista não lhe pode cercear a


liberdade de ser e agir enquanto cidadão (com os ônus e bônus de suas
opções e iniciativas); não lhe pode punir segundo o sucesso e alcance de
sua obra ou segundo a representatividade que ele próprio, artista, exerce
em seus admiradores ou, como atualmente se convenciona em dizer,
“seguidores”.

Na era das redes sociais, onde cidadãos comuns, do dia para a noite,
podem angariar milhões de “seguidores” por circunstâncias as mais
variadas e insólitas, o showmício é cotidiano, a exibição da vida, crenças e
hábitos (dos alimentícios aos sexuais) é em tempo real, não presencial,
compartilhada e escrutinada nas caixas de comentários e nas infinitas
postagens de uma comunidade global, que, apesar de etérea, sem rosto
ou nacionalidade definidos, é ávida por dizer, convencer, julgar, se fazer
ouvir.

A velocidade e a facilidade com que se angaria “seguidores”


atualmente, por motivos muitas vezes esdrúxulos, é a mesma com que,
no momento posterior, passa-se a odiar e a se propor o “cancelamento”
de determinada pessoa, por mera palavra ou opinião. Contexto no qual a
pessoa do artista, que se aventure na seara política, pode amargar a
demolição instantânea da obra de uma vida inteira. A praça digital, não
presencial, onde se conformam com cada vez mais força as opiniões
políticas, é pantanosa, crudelíssima e muito pouco confiável.

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Em tempos de livre expressão e diálogo digitais, atenuam-se as


modalidades de influência por parte dos então denominados
“formadores de opinião”. Importa, cada vez mais, o nível ou a “taxa de
engajamento” dos seguidores aos seguidos, matematicamente calculada,
a demonstrar que nem sempre os artistas e as marcas mais populares
dispõem de maior influência junto ao público.

A percepção e os estudos dos mecanismos atuais de sugestão e


marketing têm inaugurado uma ciência de horizontes ainda
desconhecidos, porém irreversíveis em tempos de ampliação inédita das
liberdades. Na era da pós-verdade, a contenção dos fluxos de influências
ilícitas, aptas a desequilibrarem o jogo eleitoral, não se legitima pela
vedação anacrônica de showmícios sem o pagamento de cachês, mas na
dissuasão e responsabilização pelo uso criminoso dessas liberdades,
como na disseminação de notícias falsas e nas crescentes formas de
estelionato digital.

A liberdade de expressão, exposição, divulgação do pensamento


põe-se em norma jurídica, emanada do Estado, como dever estatal,
conquanto voltando-se à proibição expressa de sua restrição ao exercício
estatal (censura legislativa, censura administrativa, censura judicial).

18. No Estado Democrático de Direito, é no acomodamento de


aparentes tensões entre direitos fundamentais que se aperfeiçoa o
ordenamento jurídico de modo a expurgar medidas que se revelem
desarrazoadas ou desproporcionais.

O princípio da proporcionalidade se aplica quando confrontados os


meios adotados por determinada medida e os fins por ela almejados,
submetendo a legitimidade desta a exame realizado com base em três
elementos ou subprincípios.

O primeiro é o da adequação, pelo qual o meio adotado deve ser

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hábil a alcançar o fim pretendido.

O segundo elemento é o da necessidade, que impede que a medida


exceda os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se
almeja (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 360). O Ministro Gilmar
Mendes ensina que o meio não será necessário se o objetivo almejado
puder ser alcançado com a adoção de medida que se revele a um só
tempo adequada e menos onerosa (MENDES, Gilmar Ferreira. O princípio
da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: novas
leituras. In Repertório IOB Jurisprudência: Tributário, Constitucional e
Administrativo, n. 14, jul. 2000. p. 371).

Em terceiro lugar, deve-se analisar a proporcionalidade em sentido


estrito da medida, na qual, para Humberto Ávila, impõe-se que as
vantagens trazidas pela promoção do fim correspondam às desvantagens
provocadas pela adoção do meio (ÁVILA, Humberto. Teoria dos
princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 16. ed. rev. e
atual. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 205).

As normas impugnadas ofendem o princípio da proporcionalidade


em sua tríplice acepção, pois não atendem aos requisitos da adequação,
como demonstrado em tempos de redes sociais em que os fluxos de
influência, sugestão e marketing apresentam-se sob novas roupagens,
espraiando-se a toda uma comunidade de cidadãos comuns, não artistas,
com milhões de seguidores em suas plataformas com os quais travam
relações de engajamento mais ou menos representativas.

Trata-se de medida igualmente inadequada para o fim de baratear as


campanhas eleitorais pois veda a participação gratuita de artistas na
promoção de candidaturas de suas preferências ideológicas. Nesse
aspecto, cumpre à Justiça Eleitoral a fiscalização dessas premissas, em
detrimento das quais não se pode tolerar o cerceamento de direitos

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ADI 5970 / DF

fundamentais dessa envergadura. A razão de ser do Estado está em


garantir o pleno exercício das liberdades individuais e não em inviabilizá-
las por questões pragmáticas ou por incapacidade de fiscalização.

Em tempos de revolução tecnológica da informação e sem indícios


de abuso de poder econômico, a verificação prévia e apriorística da
capacidade de captação de votos como decorrência direta do carisma ou
influência de determinado artista demonstra-se desnecessária, senão até
mesmo inviável, cabendo exclusivamente ao eleitor a formação de seu
convencimento, sem que se possa legitimar a atuação paternalista do
Estado ao custo de graves liberdades fundamentais.

Interpretação conforme à Constituição do inc. V do § 4º do art. 23 da Lei n.


9.504/1997

19. No art. 215 da Constituição da República, dispõe-se:

“Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos


direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e
incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.

20. Em 5.11.2020, no julgamento da Tutela Cautelar Antecedente n.


060160003, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, o Tribunal Superior
Eleitoral, valorizando a difusão das manifestações culturais e reafirmando
a primazia da liberdade de expressão e da vedação à censura, autorizou a
realização de show musical, com transmissão restrita pela internet
(livemício) com o objetivo declarado de arrecadação de recursos para
campanha eleitoral. O evento consistia na apresentação musical do cantor
e compositor Caetano Veloso, cujos convites seriam vendidos ao custo de
trinta reais.

Naquele julgamento, de natureza cautelar (concessão de efeito


suspensivo a recurso especial eleitoral), prevaleceu o entendimento de
que o inc. V do § 4º do art. 23 da Lei n. 9.504/97 não obsta que candidatos

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ADI 5970 / DF

realizem a “comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção de eventos de


arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo partido político”,
enfatizando-se ausência de vedação legal específica quanto a
apresentações artísticas. Afirmou-se, então, que a Resolução TSE n.
23.607, pela qual se regulamenta a matéria, igualmente não criou essa
exceção.

Nos termos do voto condutor do Ministro Luis Felipe Salomão,


evidenciou-se o atual entendimento daquela jurisprudência, mais afinado
com a compreensão da norma constitucional garantidora da livre
manifestação artística e vedação à censura prévia, nos seguintes termos:

“Na lição da abalizada doutrina, “a liberdade de expressão,


enquanto direito fundamental, tem, sobretudo, um caráter de
pretensão a que o Estado não exerça censura” (MENDES, Gilmar
Ferreira; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional.
15. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 373).
Ainda que não se trate de direito absoluto, modalidade
inexistente em nosso ordenamento pátrio, no meu modo de pensar
descabe à Justiça Eleitoral, no plano abstrato, concluir previamente
que determinada conduta – a princípio consentânea com os
dispositivos legais sobre a arrecadação de recursos – apresentará outra
espécie de conotação que possa torná-la ilícita.
Conforme ressaltado pelo eminente Ministro Celso de Mello no
julgamento da ADPF 130, “a censura governamental, emanada de
qualquer um dos três Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária
do poder público” (ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, DJE de
6/11/2009).
Na mesma linha, na dicção do douto Ministro Edson Fachin na
ADI 5.122, “a vedação à censura, constante no art. 220, § 2º, da
Constituição Federal proíbe o controle prévio, exercido por autoridade
administrativa, da veiculação de determinado conteúdo [...]”, cuja ,
segundo compreendo, ratio aplica-se de forma plena ao caso.
A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral também
caminha nesse sentido, como se vê do seguinte julgado:

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MANDADO DE SEGURANÇA. ATO COLEGIADO DE


TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. TUTELA INIBITÓRIA.
MANIFESTAÇÃO FUTURA. TERATOLOGIA. [...]
3. É teratológica, porquanto reveladora de censura judicial
prévia, a tutela inibitória genérica que vincula a manifestação do
cidadão, futura e incerta, a parâmetros legais abertos, vagos e cujos
precisos limites ainda são controversos no âmbito da Justiça Eleitoral,
inclusive nesta Corte.
4. De acordo com o posicionamento do Supremo Tribunal
Federal, “a censura governamental, emanada de qualquer um dos três
Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária do poder público”
(ADPF 130, rel. Min. Ayres Britto, DJE 6.11.2009).
5. A manifesta ilegalidade do ato é corroborada pela
desproporcionalidade da medida, ante o patente descompasso entre a
providência adotada (proibição de livre manifestação) e o bem que se
busca tutelar, no caso a igualdade de chances, a qual poderia ser
resguardada pela multa por propaganda eleitoral antecipada e até
mesmo mediante apuração de abuso do poder econômico ou uso
abusivo dos meios de comunicação. [...]
Ordem concedida. (MS 0604356-87/RJ, Rel. Min. Admar
Gonzaga, DJE de 28/5/2018) (sem destaques no original)
De outra parte, a contrario sensu: [...]
CONTROLE JUDICIAL A POSTERIORI DA
PROPAGANDA PARTIDÁRIA
19. O controle a posteriori realizado pela Justiça Eleitoral
quanto ao conteúdo mínimo exigido na legislação da propaganda
partidária não caracteriza censura prévia, a teor de determinação
expressa do art. 11 da Res.-TSE nº 20.034/97. […]
(Rp 282-73/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, DJE de 2/8/2017)
(sem destaque no original)
Em suma, esta Justiça Especializada não possui autonomia para,
em controle prévio de conteúdo, vedar a prática de conduta a princípio
amparada na legislação de regência – embora, como se verá adiante de
forma mais detida, essa circunstância não impeça que a posteriori a
legalidade seja objeto de exame.
6.2. Em segundo lugar, penso que a apresentação do cantor,

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 170 de 245

ADI 5970 / DF

organizada no formato descrito, a princípio pode, em tese, ser


amparada pela regra do art. 23, § 4º, V, da Lei 9.504/97, segundo o
qual é permitido a candidatos e legendas comercializarem bens ou
serviços, ou, ainda, promoverem eventos de arrecadação de recursos
para a campanha. Confira-se:
Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou
estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o
disposto nesta Lei. [...]
§ 4º As doações de recursos financeiros somente poderão ser
efetuadas na conta mencionada no art. 22 desta Lei por meio de: [...]
V – comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção de
eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo
partido político.
Embora, de um lado, em juízo superficial, não se possa concluir
a priori que toda espécie de conduta visando arrecadar verbas de
campanha seja permitida apenas porque não vedada nesse dispositivo
específico, tenho a princípio que a modalidade objeto do caso preenche
os requisitos legais.
Trata-se, portanto, de conduta em tese autorizada no
ordenamento jurídico.
6.3. Assim, conjugando-se, de um lado, a circunstância de que o
evento é em tese permitido (art. 23, § 4º, V, da Lei 9.504/97), e, de
outro, a impossibilidade de controle prévio de seu conteúdo pela
Justiça Eleitoral, penso em juízo preliminar ser equivocado estabelecer
a restrição imposta pela Corte local.
Ressalto, ainda, que carecem de definição segura na
jurisprudência da Corte – ou mesmo em seus atos normativos – os
conceitos de “showmício, livemício ou reunião eleitoral”, revelando ser
prematura a proibição do evento sem a verificação dos seus contornos
concretos. Diante do controverso enquadramento, exsurge a
necessidade de que a análise seja feita posteriormente.
7. O perigo da demora, por sua vez, é inequívoco, pois o evento
de arrecadação está agendado para o próximo dia 7 de novembro,
sábado. Há de se levar em conta, ainda, os procedimentos antecedentes
de logística para a realização do evento, tais como sua divulgação, a
plataforma de venda dos ingressos e os equipamentos necessários para

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a transmissão, dentre outros.


Ressalto, também, o risco de que a medida, na hipótese de
indeferimento, tenha contornos de irreversibilidade, porquanto restará
pouco mais de uma semana para a realização do primeiro turno das
eleições.
8. Por fim, anoto que o deferimento do efeito suspensivo,
permitindo-se a realização do evento, não impede que esta Justiça
realize controle posterior, no exercício de sua competência
jurisdicional, mediante provocação, com base no fato concreto.
Em outras palavras, em momento futuro, poderá a Justiça
Eleitoral examinar as condutas praticadas durante a apresentação, a
fim de que, eventualmente, em outro processo, tome as providências
que se fizerem cabíveis.
9. Ante o exposto, defiro a liminar para atribuir efeito
suspensivo ao REspe 0600032-66, de modo a se permitir, na data de
7/11/2020, a apresentação musical visando arrecadar recursos para a
campanha, cujo conteúdo poderá ser objeto de controle judicial
posterior” (TSE, Tutela Cautelar Antecedente n. 060160003,
Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, Publicado em Sessão
5.11.2020).

Mesmo sem a declaração de inconstitucionalidade da norma


impugnada nesta ação (§ 7º do art. 39 da Lei n. 9.504/1997), o Tribunal
Superior Eleitoral, interpretando a legislação de regência e a resolução
que cuida do tema, assentou não haver proibição para a “comercialização
de bens e/ou serviços e a realização de eventos arrecadatórios, prevista no art. 23,
§ 4º, V, da Lei nº 9.504/1997, que se dirige a uma parcela do eleitorado que decide
manifestar apoio por meio do oferecimento de suporte financeiro a partido ou
candidato”.

Nesse sentido, o voto proferido pelo Ministro Roberto Barroso:

“Com efeito, o caput do art. 39 trata expressamente de “ato de


propaganda partidária ou eleitoral” e seu parágrafo 7º se refere a
“animar comício e reunião eleitoral”, hipóteses que não se confundem

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com evento que apresenta a finalidade específica de levantamento de


recursos.
21. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a propaganda
eleitoral se dirige ao convencimento do eleitorado em geral para que
expresse na urna sua preferência por determinado partido ou
candidato. Busca, assim, convencer que um determinado candidato ou
partido seria a melhor alternativa eleitoral e tem por principal objetivo
a captação de votos. Essa compreensão está refletida em julgado
histórico, de relatoria do Min. Eduardo Alckmin, segundo o qual
“[e]ntende-se como ato de propaganda eleitoral aquele que leva ao
conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura,
mesmo que apenas postulada, a ação política que se pretende
desenvolver ou as razões que induzam a concluir que o beneficiário é o
mais apto ao exercício da função pública” (REspe nº 15.732, j. em
15.04.1999). Ainda segundo o acórdão, “[s]em tais características,
poderá haver mera promoção pessoal [...], mas não propaganda
eleitoral”.
22. Outro é o escopo da comercialização de bens e/ou serviços e a
realização de eventos arrecadatórios, prevista no art. 23, § 4º, V, da Lei
nº 9.504/1997, que se dirige a uma parcela do eleitorado que decide
manifestar apoio por meio do oferecimento de suporte financeiro a
partido ou candidato. O objetivo principal dos eventos arrecadatórios
não é, portanto, angariar simpatia do eleitorado, mas obter recursos
financeiros para a campanha, inclusive para subsequente investimento
em propaganda. Como evento eleitoral em sentido amplo, por óbvio, as
ações de arrecadação tangenciam a figura dos candidatos e sua
legítima busca por votos, mas não se confundem com os atos de
propaganda eleitoral.
23. Assim, a expressão “reunião eleitoral”, presente na parte
final do § 7º do art. 39 da Lei das Eleições, não autoriza que se
extrapole o âmbito de incidência da norma para além da propaganda
eleitoral prevista no caput, de forma a alcançar todo e qualquer evento
eleitoral em sentido lato. Eventual extensão dessa restrição legal
prevista exclusivamente para a propaganda representa inadmissível
violação da regra hermenêutica que exige que normas limitadoras de
direitos sejam interpretadas restritivamente.

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24. A proibição de showmícios no contexto eleitoral, portanto, se


submete a regime de direito estrito, tendo em vista que representa
limitação ao princípio da liberdade de expressão. Não admite, assim,
ampliação a hipóteses não previstas na Lei. Sobretudo porque, no caso,
não há lacuna, mas legítima opção legislativa em permitir eventos de
campanha arrecadatórios, independentemente do seu formato ou
modalidade (sendo musical e artístico ou não).
25. Conclui-se, assim, que a vedação prevista no art. 39, § 7º, da
Lei nº 9.504/1997 destina-se a abarcar apenas os eventos voltados à
captação de votos, e não aqueles dirigidos à arrecadação de recursos
para campanha eleitoral, os quais são regidos por norma diversa e
específica” (voto do Ministro Roberto Barroso na Tutela Cautelar
Antecedente n. 060160003, Relator o Ministro Luis Felipe
Salomão, Publicado em Sessão 5.11.2020).

Observou, ainda, aquele magistrado a impossibilidade da proibição


a priori da expressão artística como instrumento “irrealista e autoritário de
assepsia da política a conferir um enquadramento exclusivamente lógico e
racional ao processo eleitoral” ou método de pretensa tutela paternalista do
eleitorado:
“(...) se a legislação eleitoral não impõe e tampouco proíbe
modalidades específicas de eventos, não há razões para se
vedar a priori um formato particular. Não há por que considerar
ilícito o elemento atrativo da apresentação musical a partir de um
juízo subjetivo que se possa fazer sobre o papel que a arte desempenha
no aspecto psicológico dos doadores ou do eleitorado.
O ambiente político, imerso que está nas complexas e
multifacetadas sociedades contemporâneas, não está dissociado da
emoção ou da catarse estética que marcam nossas vivências. Não se
sustentam, assim, as expectativas irrealistas e autoritárias de assepsia
da política, a conferir um enquadramento exclusivamente lógico e
racional ao processo eleitoral.
Excluir a possibilidade de uso da música como forma de
estimular as doações constituiria grave violação à liberdade de
expressão artística, além de medida paternalista incompatível com a
ideia de autogoverno democrático.

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34. Afigura-se desnecessário – e mesmo impossível – que se


verifique a eventual capacidade subconsciente de atração de votos e
apoio por meio do carisma e do renome do artista; ou em que medida a
apresentação musical seria capaz de entreter ou desviar os apoiadores
que optaram por participar do evento do debate de propostas eleitorais.
A tanto não deve chegar a tutela do eleitor, a quem compete
exclusivamente eleger os aspectos significativos ou não na definição de
suas preferências, cabendo a esta justiça especializada aplicar apenas
as restrições expressamente definidas em lei como elementos
desabonadores. Se um candidato pode vender obras de arte e outros
bens, ou promover jantares com chefs renomados para arrecadar
dinheiro para campanha, como justificar a proibição de apresentação
de artistas?
35. Por fim, não me parece possível presumir, de antemão,
desequilíbrio na paridade de armas na hipótese. De fato, a prevenção
de práticas abusivas foi o mote que levou o legislador ordinário a
proibir a realização de showmícios como ato de propaganda eleitoral. A
partir dessa vedação, o desrespeito à norma expressa leva,
frequentemente, ao abuso do poder econômico (REspe nº 325-03/MG,
sob a minha relatoria, j. em 22.10.20196; AgR-REspe nº 579-63/CE,
Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, j. em 01.10.20197; AgRAI
nº 1-95/PI, Rel. Min. Luiz Fux, j. Em 15.03.20168). (…)
37. O princípio da igualdade de oportunidades entre os
candidatos não será automaticamente violado com a apresentação de
artistas de renome nacional em eventos de arrecadação. Todos os
candidatos e candidatas podem, a partir das redes diferenciadas de
apoio e relacionamentos de que dispõem, fazer uso deste recurso para
estimular as doações privadas. Os artistas participantes e o sucesso
dos eventos não serão idênticos, como também não são idênticos os
aspectos pessoais ou atributos dos candidatos. Afinal, embora o
princípio da igualdade de oportunidades seja uma diretriz
estruturante do processo eleitoral democrático, dele não se extrai
exigência de uniformização ou de padronização absoluta entre as
diversas candidaturas” (voto do Ministro Roberto Barroso na
Tutela Cautelar Antecedente n. 060160003, Relator o Ministro
Luis Felipe Salomão, Publicado em Sessão 5.11.2020).

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Para o Ministro Edson Fachin, que integrou a maioria naquele


julgamento, a ausência de vedação específica da legislação eleitoral para
eventos de arrecadação de fundos para campanhas eleitorais estaria
igualmente “albergada pelas garantias constitucionais de livre manifestação do
pensamento (art. 5º, IV, da Constituição Federal), do livre exercício da atividade
profissional (art. 5º, XIII, da Constituição Federal), além de se revelar
consentâneo com a permissão contida no art. 23, § 4º, V, da Lei nº 9.504/1997”,
sem afronta à acepção material da isonomia:

“Como apontado pelo e. Min. Relator, a legislação eleitoral não


estabeleceu limites específicos, formais ou materiais, à comercialização
de bens e/ou serviços, ou promoção de eventos de arrecadação
realizados diretamente pelo candidato ou pelo partido político (art. 23,
§ 4º, V, da Lei das Eleições).
A ausência de vinculação direta da mencionada norma à
Constituição não afasta sua interpretação à luz de uma filtragem
constitucional, especialmente a do princípio da isonomia (art. 5º, II,
da Constituição Federal), na condição de garantidor da paridade de
oportunidades de todos os candidatos, e mesmo da proteção dessa
igualdade contra abusos decorrentes do poder econômico (art. 14, § 9º,
da Constituição Federal).
Quanto à manutenção da paridade de igualdades entre todos os
candidatos, inexiste qualquer vedação constitucional ou normativa a
que todos os candidatos empreendam seus melhores e mais criativos
esforços para a realização de eventos de comercialização de bens e
serviços em favor da arrecadação de recursos para suas campanhas.
A originalidade da proposta pode render ao seu inventor os
benefícios e agruras de singrar mares nunca dantes navegados e nessa
empreitada colher os frutos do sucesso ou do infortúnio.
Porém, é da essência da atividade criativa voltada à captação de
recursos o risco do resultado útil do evento sem que isso, contudo,
importe em quebra da paridade entre todos os candidatos. Há, apenas e
tão somente, o primeiro contato com a percepção de uma realidade
inovadora e disponível a todos os candidatos.
No segundo ponto, vela-se o processo eleitoral contra os atos de

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abuso do poder econômico e, ao menos num juízo a priori, porque


necessariamente desconhecer da realidade empírica cuja existência
ainda não foi concretizada no mundo dos sentidos, não se descortina
qualquer forma de violação da competição em razão do desmedido
influxo do mais vil dos metais. (…)
Deve-se acrescentar, no ponto, que a Constituição Federal
assegura a todos o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão (art. 5º, XIII, da Constituição Federal), conceito que abarca,
sem desafios silogísticos, o desempenho profissional de atividade
artística. (...)
Percebe-se, assim, que o serviço que ora buscam os recorrentes
comercializar é lícito e protegido por norma constitucional de caráter
pétreo e que dessa atividade não pode o raciocínio conceber, por si só,
qualquer violação às garantias constitucionais de igualdade entre
todos os candidatos e de normalidade do pleito.
A conclusão, de incomensurável respeito, tal qual outrora o céu
estrelado era para o filósofo, é de que a conduta ora analisada –
realização de evento artístico para arrecadação de recursos para
campanha eleitoral – é protegida pela garantia constitucional de livre
manifestação do pensamento e do exercício da atividade profissional e,
ao mesmo tempo, revela-se inapto a malferir outro valor
constitucional.
Por fim, e apenas em reforço, deve-se ainda distinguir a proposta
de evento debatida de um showmício sob o prisma de violação da
norma constitucional que veda os atos de abuso de poder econômico.
Nos atos de propaganda eleitoral denominados de showmício
ocorre o uso de recursos financeiros do candidato, vertidos para sua
campanha, para a contratação de atração artística a ser realizada
concomitantemente a um comício, que é ato típico de propaganda
eleitoral.
Assim, extrai-se dessa construção o uso de valores financeiros
para o incremento de um ato regular de campanha e que chega ao
ponto de transmutar a sua essência, de modo que o eleitor percebe o
evento como uma apresentação artística – show – em favor de um
candidato.
O ato de propaganda deixa de ser informado primariamente pelo

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intuito de transmitir as ideias e propostas do candidato aos eleitores e


passa a ostentar a condição de evento artístico por meio do qual o
candidato busca transferir, para si, a simpatia nutrida pelo eleitorado
em relação ao artista.
Em razão dessa percepção e dos males dela decorrentes, como o
uso desenfreado de recursos em campanhas eleitorais com inequívoco
desvio de finalidade, entendeu o legislador por modificar a legislação
pátria para obstar os atos que, em seu entender, eram reconhecidos
como consubstanciadores de abuso de poder econômico. Daí a origem
do art. 39, § 7º, da Lei das Eleições, inserido por força da Lei nº
11.300/2006.
Em contraponto, no evento de arrecadação de recursos não se
descortina a mencionada confusão entre o artista e o candidato e a
possibilidade de transferência de afeição entre o primeiro e o segundo,
à vista da existência de uma relação econômica que condiciona o
acesso ao evento ao prévio pagamento.
O pagamento, em si, cria vínculo direto entre o eleitor e a
prestação de serviços artísticos, mas não com o candidato, visto que o
elo jurídico que o toca se relaciona com o artista.
Ou seja, a relação econômica atribui ao eleitor a condição de
consumidor de apresentação artística pela qual pagou e, com isso,
isola-o da tentativa de associação entre a fruição cultural e os esforços
do candidato em disponibilizar o show.
Dentro dessa estreita latitude hermenêutica, não se vislumbra,
ao menos neste momento, a possibilidade de que os autores possam
valer-se de poderio econômico para desequilibrar o pleito e, assim,
violar a norma contida no art. 14, § 9º, da Constituição Federal.
Feitas essas concisas e perfunctórias considerações, e sem
prejuízo de estudo propriamente verticalizado em momento oportuno,
entendo que o evento artístico que os autores buscam realizar para
arrecadar recursos para sua campanha eleitoral é albergado pelas
garantias constitucionais de livre manifestação do pensamento (art.
5º, IV, da Constituição Federal), do livre exercício da atividade
profissional (art. 5º, XIII, da Constituição Federal), além de se revelar
consentâneo com a permissão contida no art. 23, § 4º, V, da Lei nº
9.504/1997.

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Ao mesmo tempo, não fere o princípio da isonomia (art. 5º, II, da


Constituição Federal) e tampouco a normalidade do pleito em razão da
viabilidade, a priori, de atos de abuso de poder econômico (art. 14, §
9º, da Constituição Federal) e, tampouco, é entendido como ato de
propaganda eleitoral denominado showmício.
Ante o exposto e renovando minhas vênias a todos os pares pela
alongada exposição que, em suma, apenas busca harmonizar-se ao
estudioso voto colacionado a este Colegiado pelo e. Min. Relator, voto
por prover a tutela antecipada cautelar requerida, de forma liminar,
para o fim de auferir efeito suspensivo ao Recurso Eleitoral nº
0600032-66.2020.6.21.0161” (voto do Ministro Edson Fachin, na
Tutela Cautelar Antecedente n. 060160003, Relator o Ministro
Luis Felipe Salomão, Publicado em Sessão 5.11.2020).

21. Todos esses elementos explicitam o regime constitucional das


liberdades, indissociável da política, legitimada pelo execício voluntário
de todas as potencialidades da cidadania, inclusive artísticas, quando não
evidenciados o abuso do poder econômico, dos meios de comunicação
social ou de qualquer outra forma ilícita de quebra da paridade de armas
no jogo eleitoral.

Necessidade de compatibilização dos eventos para a arrecadação de fundos para


campanha com o que decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADI n. 4.650 e
com o § 7º do art. 23 da Lei n. 9.504/1997

22. Não se discute a necessidade de se conciliar a permissão de


participação livre do artista em eventos de campanha com a restrição de
atos que possam importar em abuso do poder econômico e, até mesmo,
da lavagem de dinheiro.

Entretanto, o pedido formulado na presente ação é de permitir


aquela participação de artista com a garantia de se dar o exercício sem
remuneração, como se dá com outros profissionais, que não poucas vezes,
atuam pro bono, sendo a sua atuação legítimo exercício da cidadania e
livre manifestação do pensamento, com o decidido por este Supremo

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Tribunal, por exemplo, no julgamento da Ação Direta de


Inconstitucionalidade n. 4.650 (Relator o Ministro Luiz Fux, DJe
24.2.2016).

Naquela ação, concluiu-se pela impossibilidade de financiamento


eleitoral por pessoas jurídicas, declarada a inconstitucionalidade parcial,
sem redução de texto, do art. 31 da Lei n. 9.096/1995, e pela declaração de
inconstitucionalidade das expressões “ou pessoa jurídica”, constante no art.
38, inc. III, “e jurídicas”, inserida no art. 39, caput e § 5º, todos os preceitos
da Lei n. 9.096/1995.

De se realçar que a atuação voluntária e gratuita do artista em favor


de determinado candidato ou plataforma eleitoral, seja por showmícios,
eventos equiparados, ou pelo engajamento em suas redes sociais, está
garantida pelo inc. IX do art. 5º e art. 220 da Constituição, pelos quais “a
manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer
forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto
nesta Constituição”.

Enquanto tradução artística da livre expressão do pensamento, o


oferecimento pro bono da arte, em todas as suas formas, põe-se
constitucionalmente a salvo da ingerência paternalista do Estado ou de
qualquer forma de censura prévia. Nessas condições não se há cogitar de
precificação ou cotações de mercado para o regular exercício da
cidadania.

Situação diversa é aquela pela qual o artista, além de se apresentar e


explorar sua obra em favor de determinada candidatura, arregimenta
recursos para o financiamento de campanha. Nesse caso, como assentado
por este Supremo Tribunal na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
4.650 (Relator o Ministro Luiz Fux, DJe 24.2.2016), só poderão ser
repassados valores ao candidato, a título de doações e em nome da
pessoa física do artista, respeitados os limites e parâmetros legais

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previstos no art. 23 da Lei n. 9.504/1997, pelo qual “pessoas físicas poderão


fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais”.
Estas as disposições legais aplicáveis à espécie:

“Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou


estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o
disposto nesta Lei. (alterado dada pela Lei nº 12.034, de 2009)
§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam
limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo
doador no ano anterior à eleição. (alterado pela Lei nº 13.165, de
2015) (…)
§ 4º As doações de recursos financeiros somente poderão ser
efetuadas na conta mencionada no art. 22 desta Lei por meio de:
(alterado pela Lei pela Lei nº 11.300, de 2006)
V - comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção de
eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo
partido político. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017). (…)
§ 7º O limite previsto no § 1º deste artigo não se aplica a
doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis
ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços
próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00
(quarenta mil reais) por doador. (alterado pela Lei nº 13.488, de
2017)”.

Nesse sentido, as doações de recursos financeiros decorrentes da


“promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou
pelo partido político” (inc. V do § 4º do art. 23), no caso, showmícios ou
eventos equiparáveis, hão de respeitar do limite de até R$ 40.000,00
(quarenta mil reais), estabelecido no § 7º mesmo art. 23, em cujo caput se
trata, especificamente, de doação de pessoas físicas.

O Ministro Dias Toffoli parece ter se encaminhado nesse mesmo


sentido ao afirmar que “a apresentação artística nos eventos de arrecadação
equivaleria a uma doação de campanha para fins de incidência dos limites fixados
no art. 23 da Lei n. 9.504/97. Ou seja, dado que os artistas não podem ser

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ADI 5970 / DF

remunerados pelas suas apresentações, o concerto ou performance artística ficaria


equiparada a uma doação de serviço estimado em dinheiro” (degravação livre).

Para o Ministro Gilmar Mendes, “os participantes desses eventos cobram


bem mais do que quarenta mil reais. Só custará menos que quarenta mil reais se
começarmos a entrar no terreno da economia criativa” (degravação livre). Aqui
há de ser enfatizada a condicionante da atuação pro bono dos artistas que,
como exigido, não poderão cobrar honorários para se apresentarem.

Assim, além de se exigir que a participação dos artistas seja gratuita,


o aproveitamento econômico do evento, quanto à atuação dos artistas
envolvidos, há de ser limitado aos quarenta mil reais estipulados em lei.
Esse parâmetro legal, além de colaborar com o barateamento das
campanhas, desestimulando a realização de eventos grandiosos,
impediria arrecadações exorbitantes pelo candidato, que, como alertado
pelo Ministro Gilmar: numa única live, poderia receber mais que o total
advindo do fundo partidário.

Respeitado o limite legal, os valores arrecadados no showmício ou


evento equiparado deverão ser repassados ao candidato ou partido como
doação, em nome da pessoa física dos artistas envolvidos, sendo
incompatíveis com o natureza de evento de cunho eleitoral, repita-se,
gratuita, os benefícios fiscais da denominada “pejotização”.

Como enfatizado pelo Ministro Alexandre de Moraes, que


igualmente realçou a participação voluntária e gratuita dos artistas, a
questão da “pejotização” há de ser “fiscalizada a posteriori”, sem que isso
“impeça uma interpretação conforme que, nos termos do voto do Relator, autorize
essa possibilidade dentro da regulamentação legal, dentro dos limites legais”
(degravação livre).

Anote-se que a regulamentação desses aspectos há de ser definida


pelo Tribunal Superior Eleitoral.

44

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 182 de 245

ADI 5970 / DF

A incidência da limitação de valores a serem arrecadados e


repassados, a título de doação de pessoa física, nos termos do inc. V do §
4º do art. 23 da Lei n. 9.504/1997, tende a elidir a exploração do artista a
desvirtuar o objetivos desta ação direita, limitados a resguardar o
exercício da arte como expressão da cidadania e da livre manifestação de
pensamento. Fixa ainda, parâmetro isonômico para se evitar o
enriquecimento ilícito de campanhas, que, apoiando-se na popularidade
dos artistas, resvale para o desequilíbrio econômico entre os contendores
no pleito.

23. Pelo exposto, voto pela procedência da presente ação direita de


inconstitucionalidade para dar interpretação conforme ao inc. V do § 4º
do art. 23 e ao § 7º do art. 39, ambos da Lei n. 9.504/1999, excluindo
interpretação que importe em proibição de “promoção de eventos de
arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo partido
político”, os quais envolvam apresentações artísticas, inclusive shows
musicais, realizados sem o pagamento de remuneração aos artistas,
observada a disciplina legal das doações feitas por pessoas físicas nos
limites legais previstos no § 7º do art. 23, na linha do que decidido pelo
Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
4.650 (Relator o Ministro Luiz Fux, DJe 24.2.2016).

Publicado sem revisão. Art. 95 do RISTF.

45

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 183 de 245

07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Vogal): Trata-se de ação


direta de inconstitucionalidade proposta pelo PSB, PSOL e PT diante de:
(i) proibição, constante no art. 39, § 7º da Lei 9.504/1999, de showmícios e
eventos assemelhados, mesmo quando promovidos de modo gratuito,
sem cobrança de cachê; e (ii) exegese restritiva do art. 23, § 4º, V, do
mesmo diploma (dispositivo incluído pela Lei 13.488/2017) que impede a
realização de eventos artísticos, inclusive shows musicais, voltados à
arrecadação de recursos para campanha eleitoral.

Assim dispõem as normas questionadas:

“Art. 23. § 4o. As doações de recursos financeiros somente


poderão ser efetuadas na conta mencionada no art. 22 desta Lei
por meio de:
[...]
V - comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção de
eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato
ou pelo partido político.”

“Art. 39, § 7º: “É proibida a realização de showmício e de


evento assemelhado para promoção de candidatos, bem como a
apresentação, remunerada ou não, de artistas, com a finalidade
de animar comício e reunião eleitoral.”

Os partidos requerem que se:

“(i) suspenda a eficácia da expressão ‘ou não’, constante


do art. 39, §7º, da Lei nº 9.504/1999, de modo a permitir a
realização de showmícios e eventos assemelhados de caráter
não remunerado, bem como a participação não remunerada de
artistas com a finalidade de animar comício ou reunião

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 184 de 245

ADI 5970 / DF

eleitoral;
(ii) suspenda qualquer interpretação e aplicação dos art.
23, § 4º, V, e 39, § 7º, da Lei nº 9.504/99 que importem na
proibição de “promoção de eventos de arrecadação realizados
diretamente pelo candidato ou pelo partido político”, os quais
envolvam apresentações artísticas, inclusive shows musicais,
realizados sem o pagamento de remuneração aos artistas.
(iii) suspenda também, ‘por arrastamento’, a eficácia de
expressão ‘ou não’ constante no art. 12 da Resolução TSE nº
23.551/2017 (Doc. 14), bem como a interpretação e aplicação de
tal dispositivo que obste a ‘promoção de eventos de
arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo
partido político’, que envolvam apresentações artísticas,
inclusive shows musicais, realizadas sem o pagamento de
remuneração aos artistas”.

Em síntese, o cerne da discussão é saber se proibir showmícios


constitui grave restrição à liberdade de expressão, mesmo no caso dos
eventos gratuitos, ou seja, se limitar a liberdade de os artistas
manifestarem suas preferências políticas em apresentações fere o direito
subjetivo da liberdade de expressão

A Advocacia-Geral da União argumenta, em sua manifestação, que a


proibição de showmícios não ofenderia esta garantia, pois os artistas
estariam livres para manifestar suas opiniões políticas em qualquer outro
veículo, estando vedadas apenas as apresentações no período eleitoral.
Defende, mais, que o fim perseguido da norma seria a redução dos gastos
de campanha, em prol da limitação da influência do poder econômico nas
eleições, e da promoção da paridade de armas entre candidatos com mais
e menos recursos.

Também a Procuradoria-Geral da República entende que “o


princípio da igualdade de chances legitima a imposição de restrições
legais à propaganda político-eleitoral, entre as quais se inclui a vedação

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 185 de 245

ADI 5970 / DF

de realização de showmícios para promover candidatos ou agremiações


partidárias, durante o processo eleitoral”. Ainda segundo o Parquet,
“Liberdade de expressão assume, no aspecto político, ‘uma dimensão
instrumental ou acessória, no sentido de estimular a ampliação do debate
público, de sorte a permitir que os indivíduos tomem contato com
diferentes plataformas e projetos políticos’ (STF, ADI 4.650/DF)”.

Bem examinados os autos, tenho que é caso de julgar parcialmente


procedente o pedido.

Na ADI 3.741, de minha relatoria, esta Corte afastou a proibição


imposta pelo legislador à divulgação de pesquisas eleitorais a menos de
quinze dias do pleito, em nome da garantia da liberdade de expressão.
Veja-se, por oportuno, a ementa desse acórdão:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI


11.300/2006 (MINI-REFORMA ELEITORAL). ALEGADA
OFENSA AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI
ELEITORAL (CF, ART. 16). INOCORRÊNCIA. MERO
APERFEIÇOAMENTO DOS PROCEDIMENTOS ELEITORAIS.
INEXISTÊNCIA DE ALTERAÇÃO DO PROCESSO
ELEITORAL. PROIBIÇÃO DE DIVULGAÇÃO DE
PESQUISAS ELEITORAIS QUINZE DIAS ANTES DO
PLEITO. INCONSTITUCIONALIDADE. GARANTIA DA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DO DIREITO À
INFORMAÇÃO LIVRE E PLURAL NO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO. PROCEDÊNCIA PARCIAL
DA AÇÃO DIRETA.
I – Inocorrência de rompimento da igualdade de
participação dos partidos políticos e dos respectivos candidatos
no processo eleitoral.
II – Legislação que não introduz deformação de modo a
afetar a normalidade das eleições.
III – Dispositivos que não constituem fator de perturbação
do pleito.

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 186 de 245

ADI 5970 / DF

IV – Inexistência de alteração motivada por propósito


casuístico.
V – Inaplicabilidade do postulado da anterioridade da lei
eleitoral.
VI – Direito à informação livre e plural como valor
indissociável da ideia de democracia.
VII – Ação direta julgada parcialmente procedente para
declarar a inconstitucionalidade do art. 35-A da Lei introduzido
pela Lei 11.300/2006 na Lei 9.504/1997”.

No julgamento da ADI 4.451, o STF derrubou as restrições


legislativas impostas ao humor e à crítica jornalística a candidatos feitas
durante o período eleitoral por veículos de telecomunicações.

Visto o tema sob o ângulo desses acórdãos, não há dúvida de que


deve-se buscar a máxima salvaguarda à liberdade de informação dos
eleitores do País. Como corolário da liberdade de expressão, ela vem
sendo protegida desde os primórdios da Era Moderna, encontrando
abrigo já na célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de
1789, na qual se podia ler que a livre comunicação dos pensamentos e
das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem.

Trata-se de um direito tão importante para a cidadania que somente


pode ser suspenso na vigência do estado de sítio, nos termos do art. 139,
III, da Carta Magna, decretado nos casos de comoção grave de
repercussão nacional ou, ainda, de declaração de guerra ou resposta à
agressão armada (art. 137, I e II).

Ocorre que, na espécie, ao contrário do alegado na inicial, esse


direito sagrado não encontra-se comprometido com as proibições
veiculadas no diploma normativo atacado, o qual, em verdade, longe de
representarem fator de desequilíbrio ou qualquer forma de casuísmo que
possam afetar negativamente o embate político, são consentâneas com a
necessidade de reajustamento dos procedimentos eleitorais, visando não

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 187 de 245

ADI 5970 / DF

apenas a diminuir a vulnerabilidade do processo eleitoral como um todo,


mas, sobretudo, a garantir ao cidadão o pleno exercício de seu direito de
votar, livre de interferências abusivas ou manipuladoras.

Com efeito, a legislação eleitoral, sob esse prisma, para conferir


legitimidade aos resultados dos embates políticos, deve ensejar aos
eleitores não só o acesso a informações livres de distorções, como também
assegurar às agremiações partidárias e respectivos candidatos uma
participação igualitária na disputa pelo voto, impedindo também que
qualquer de seus protagonistas obtenha vantagens indevidas.

As alterações normativas introduzidas pelos diplomas legislativos


impugnados, pois, devem ser compreendidas à luz dessas reflexões, que
traduzem o ideal de um processo eleitoral livre e democrático, assentado,
ademais, sobre o postulado constitucional da moralidade, que
necessariamente rege toda a atividade pública.

Destarte, na linha do entendimento do relator, verifico que a


proibição constante no art. 39, § 7º, da Lei 9.504/1999, não significa uma
censura prévia ou uma proibição do engajamento político dos artistas,
mas, nas palavras dele, “apenas disciplina a realização de apresentações
artísticas no contexto de eventos eleitorais voltados à obtenção de votos”.

Isso porque ela visa a assegurar a igualdade de condições aos


candidatos à eleição, já que, anteriormente à proibição ora questionada,
apenas as campanhas que contavam com mais recursos conseguiam
pagar os artistas mais populares e que, consequentemente, tinham mais
apelo entre os eleitores. Portanto, a vedação dos showmícios buscou
evitar o abuso de poder econômico no âmbito das eleições e resguardar a
paridade de armas entre os candidatos.

E com relação aos eventos nos quais não há remuneração aos


artistas, o parecer ministerial elucida bem a questão:

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 188 de 245

ADI 5970 / DF

“a norma buscou assegurar o equilíbrio na disputa


eleitoral, ao coibir a realização de produções e festividades com
uso de imagens de artistas de grande apelo popular para atrair
e a influenciar o eleitorado. O dispositivo questionado veicula
importante mecanismo de controle sobre a propaganda
eleitoral, com a finalidade de assegurar a igualdade entre os
postulantes a cargos públicos, combater o abuso do poder nas
eleições e o uso indevido dos meios de comunicação.
[…]
Em nada muda o fato de o showmício ser realizado sem a
cobrança de cachê pelo artista. O objetivo da norma é impedir o
oferecimento de vantagem ao eleitorado, como forma de
angariar o voto. Busca, assim, preservar a paridade de armas
entre os concorrentes da disputa eleitoral. As normas são
razoáveis e proporcionais para o fim perseguido”.

Ademais, a exposição de motivos do projeto de lei originário da


norma não pode ser olvidada:

“Quanto à propaganda eleitoral, reduzimos o seu período


(art. 36) e proibimos, com aumento sensível da punição, a
prática de “boca-de-urna” (art. 39), empregando definição legal
mais clara e objetiva, vedando expressamente, também, a
presença em palanque de artistas, músicos e assemelhados,
prática que, a nosso ver, desnatura o comício, desvirtua a
mensagem política e produz confusão mental no eleitor”
(Disponível em:
https://legis.senado.leg.br/sdleggetter/documentodm=2987036&
ts=1567533230836&disposition=inline).

De outro lado, quanto ao art. 23, § 4º, V, da Lei 9.504/1997, tenho que
assiste razão aos requerentes à insurgência quanto à proibição de
apresentação artística em eventos de arrecadação para campanha
eleitoral.

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 189 de 245

ADI 5970 / DF

Como bem pontua o Ministro Dias Toffoli, a realização de eventos


eleitorais de cunho artístico com a finalidade arrecadatória tem respaldo
constitucional, por tratar-se de uma modalidade de doação que
proporciona ao eleitor, como pessoa física, a participar do financiamento
da democracia representativa, o que reflete o espírito republicano da
Carta de 1988, pois possibilita que o cidadão deixe de ser apenas um
receptor de informações, concedendo-lhe a capacidade de viabilizar
ativamente um projeto político.

Isso posto, acompanho o relator e voto pela parcial procedência da


ação direta de inconstitucionalidade, para conferir interpretação
conforme à Constituição ao art. 23, § 4º, V, da Lei 9.504/1997, visando
incluir no seu escopo a possibilidade de realização de apresentações
artísticas ou shows musicais em eventos de arrecadação de recursos
para campanhas eleitorais.

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 190 de 245

07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

VOTO-VOGAL

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Trata-se de ação direta de


inconstitucionalidade, proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB),
Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e Partido dos Trabalhadores (PT),
em face do art. 23, § 4º, V; e do art. 39, § 7º, da Lei 9.504/1997,
acrescentados, respectivamente, pela Lei 13.488/2017 e pela Lei
11.300/2006.
Uma ação direta – registro logo de saída – que apresenta pedidos um
tanto ousados, tendo em vista as condições de possibilidade do exercício
da jurisdição constitucional. E esse traço nada ortodoxo do quanto
requerido aparenta trazer desafios à Corte, no sentido de construir uma
decisão, a um só tempo, constitucionalmente adequada e politicamente
factível.
A primeira parte da exordial diz combater a vedação à realização
daqueles showmícios em que a participação de artista ocorre de modo
gratuito. O impedimento em referência derivaria do trecho “ou não”,
constante no § 7º do art. 39 da Lei 9.504/1997:

“Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda


partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não
depende de licença da polícia.
(...)
§ 7º É proibida a realização de showmício e de evento
assemelhado para promoção de candidatos, bem como a
apresentação, remunerada ou não, de artistas, com a finalidade
de animar comício e reunião eleitoral.” (grifamos).

O autor elucubra que a vedação à participação gratuita de artistas


em showmício “parece se basear na visão asséptica, paternalista e autoritária da
democracia (...) que busca expurgar a emoção e o calor das campanhas eleitorais.”

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 191 de 245

ADI 5970 / DF

(eDOC 1, fl. 16).


E cogita: “veda-se o showmício com base na premissa de que o eleitor não
tem a capacidade de avaliar criticamente todas as mensagens que recebe para
fazer as suas escolhas eleitorais. O eleitor é tratado como criança imatura e não
como cidadão (...)” (fl. 17)
Assevera ainda a exordial que a proibição de showmícios e eventos
assemelhados de caráter não remunerado ensejaria violação ao princípio
da proporcionalidade – mais especificamente, os três subprincípios
deste. Partindo da premissa de que “a liberdade de expressão desfruta de uma
posição preferencial em nosso sistema constitucional, quando em tensão com
outros princípios e valores” (fl. 7), vislumbra ofensa ao subprincípio da
adequação, “caso se considere que o fim perseguido pela proibição é tornar as
campanhas menos emocionais, mais frias e sisudas, focadas apenas na
comparação objetiva de propostas e projetos” (fl. 18). Se, sob outro ângulo, o
fim almejado fosse o de limitar a influência do poder econômico nas
eleições, para assim promover a igualdade entre candidatos, a conclusão
seria a mesma: a medida seria inadequada, porque “a proibição de
showmícios gratuitos não importa em redução de gasto de campanha” (f. 19).
O autor alega que o dispositivo sob invectiva infringe o subprincípio
da necessidade; acredita que existiria medida mais branda para o
enfrentamento de um hipotético risco de fraude na gratuidade da
participação do artista: “a intensificação da fiscalização” (fl. 20).
E o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito mostrar-
se-ia vulnerado “já que a restrição imposta não compensa os ganhos que
promove na tutela de valores juridicamente protegidos.” (fl. 20).
O segundo bloco de argumentos volta-se ao inciso V do § 4º do art.
23 da Lei 9.504/1997, incluído pela Lei 13.488/2017, que ostenta o seguinte
teor:

“Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em


dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais,
obedecido o disposto nesta Lei.
(...)
§ 4º As doações de recursos financeiros somente poderão

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 192 de 245

ADI 5970 / DF

ser efetuadas na conta mencionada no art. 22 desta Lei por meio


de:
(...)
V - comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção
de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo
candidato ou pelo partido político.”

No ponto, propõe o autor uma “interpretação restritiva” de tal


norma; uma interpretação conforme à Constituição que “exclui os
referidos eventos artísticos e musicais do seu campo de incidência” (fl. 3).
Cogita, particularmente, existir “o elevado risco de que se adote a compreensão
de que tal preceito não abrange a realização de espetáculos artísticos, em razão da
vedação aos showmícios e à ‘apresentação de artistas para animar eventos
eleitorais’, instituída pelo art. 37, § 8º (sic), da mesma lei” (fl. 21). Ou seja,
objetiva o autor que seja doravante franqueada a participação de artistas
(inclusive músicos) na realização de eventos arrecadatórios nas
campanhas.
Conclusivamente, quanto aos dispositivos impugnados deduz o
autor os seguintes pedidos:

“(v.a) que seja proferida decisão de declaração parcial de


inconstitucionalidade, com redução de texto, do art. 39, §7º, da
Lei n. 9.504/1999, para excluir de sua redação a expressão “ou
não”, de modo a permitir a realização de showmícios e eventos
assemelhados de caráter não remunerado, bem como a
participação não remunerada de artistas com a finalidade de
animar comício ou reunião eleitoral;

(v.b) que seja proferida decisão de declaração parcial de


inconstitucionalidade, sem redução de texto, dos art. 23, § 4º, V,
e art. 39, § 7º, da Lei n. 9.504/99, de modo a excluir qualquer
interpretação e aplicação de tais dispositivos que importe na
proibição de “promoção de eventos de arrecadação realizados
diretamente pelo candidato ou pelo partido político”, os quais
envolvam apresentações artísticas, inclusive shows musicais,

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 193 de 245

ADI 5970 / DF

realizados sem o pagamento de remuneração aos artistas.”


(eDOC 1, fl. 32).

Foi adotado o rito procedimental declinado no art. 12 da Lei


9.868/99.
A Advocacia-Geral da União manifestou-se pela improcedência do
pedido (eDOC 34). Também assim a Procuradoria-Geral da República
(eDOC 36).
É a breve síntese dos fatos.
Passo a votar.

1) Considerações iniciais: a atuação da jurisdição constitucional na


conformação da relação entre partidos e financiamento eleitoral.

A relação entre dinheiro e política é extremamente complexa, e


qualquer comparação, ainda que breve, com a realidade de outros países
certamente comprovará que não há fórmulas universais à regulação da
matéria. Isso porque a disciplina do financiamento de campanhas
eleitorais deve considerar não apenas circunstâncias histórico-culturais de
todo país, mas, também, as características relacionadas ao sistema de
governo, ao quadro partidário, às regras eleitorais em geral e às práticas
políticas efetivamente vivenciadas.
Outro dado que a comparação, nesta seara, certamente nos entrega
vem em forma de aviso: há uma natural assimetria de informação, entre
o Poder Judiciário e o Parlamento, que formula, este último, as regras
eleitorais valendo-se da experiência de mandatários populares que
entendem profundamente do assunto – dentre outras razões por
disputarem e vencerem eleições.
Uma das maneiras de se vencer o obstáculo da assimetria de
informação no âmbito do controle da legislação eleitoral dá-se por meio
do subterfúgio retórico da “falácia do nirvana”. A expressão, que é de
ADRIAN VERMEULE, descreve a atitude hermenêutica de se idealizar
depreciativamente o órgão produtor da norma controlada (Poder
Legislativo ou Poder Executivo) e, correlatamente, atribuir virtudes

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 194 de 245

ADI 5970 / DF

olímpicas ao órgão controlador (usualmente o Poder Judiciário).


(VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional
theory of legal interpretation. Cambridge, Massachusetts: Harvard
University Press, 2006)
Um refúgio hermenêutico distópico que até licencia o intérprete a
não se deter nos efeitos sistêmicos e nos desdobramentos concretos de
sua decisão. Mas os fatos têm uma fatal inclinação para se impor.
Veja-se o exemplo dos Estados Unidos da América.
Como desdobramento do escândalo do Watergate, o Congresso
norte-americano aprovou, em 1974, lei modificativa do Federal Election
Campaign Act. Essas alterações incluíam (i) limitação do montante das
doações às campanhas; (ii) a criação do Federal Election Commission,
agência bipartidária de fiscalização das eleições; (iii) a previsão de
mecanismos que viabilizassem o financiamento público das eleições
presidenciais; (iv) determinação para que fosse dada publicidade às
doações às campanhas eleitorais; (v) limitação dos gastos por parte de
candidatos e comitês, excetuando-se os candidatos à presidência que
aceitassem o financiamento público, os quais não poderiam utilizar
dinheiro privado nas respectivas campanhas; e (vi) limitação do montante
de gastos dos próprios candidatos em suas campanhas.
Pouco depois, em 30 de janeiro de 1976, a Suprema Corte procedeu
ao exame do novo regramento eleitoral no caso Buckley v. Valeo. No ponto
da Lei de 1974 em que se limitavam os gastos por parte de candidatos e
comitês (aqui incluídos os gastos dos cidadãos que livremente se
associam para defender determinadas posições), a Suprema Corte
considerou a novel legislação inconstitucional, vislumbrando violação –
vejam só – à liberdade de expressão, em sua modalidade de discurso
político, porquanto o Congresso não poderia afetar o direito individual
dos cidadãos de livremente participarem dos debates políticos, inclusive
utilizando recursos próprios.
A declaração de inconstitucionalidade foi parcial, mas o impacto se
fez sentir em todo o sistema. Afinal, como resultado concreto, tinha-se a
limitação das doações privadas às campanhas eleitorais, mas com a

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impossibilidade de se regulamentarem os gastos dos cidadãos,


individualmente ou associados. Ou seja: se erigiu algum controle sobre
contribuições às campanhas (entradas de recursos), mas pouco se fez com
relação aos gastos dessas mesmas campanhas (saídas de recursos)
O passar do tempo demonstrou que políticos e partidos encontraram
formas de fazer o dinheiro fluir para suas respectivas campanhas. As
vedações às doações dirigiram-se às verbas endereçadas às campanhas
eleitorais, de forma que as contribuições genéricas aos partidos,
desvinculadas de campanhas específicas, continuaram sem limitações.
Esses recursos foram apelidados de soft money, em contraposição ao hard
money, dinheiro cujo destino imediato era o apoio a determinada
campanha eleitoral.
Verificou-se que o soft money era empregado, naturalmente, nas
campanhas eleitorais e que essas contribuições aos partidos cresciam em
ritmo de progressão geométrica, atingindo cerca de 750 milhões de
dólares no fim do século passado.
Após anos de debates, o Congresso dos EUA aprovou o Bipartisan
Campaign Reform Act of 2002, que, entre tantas medidas, limitou bastante a
possibilidade de utilização de soft money por parte dos diretórios
estaduais dos partidos em eleições federais e vedou a utilização de soft
money pelos partidos nacionais.
Eis que sobreveio nova intervenção judicial. A Suprema Corte, no
caso Citizens United v. Federal Election Commission, julgado em 2010,
proferiu decisão histórica e polêmica, por meio da qual, por maioria de 5
x 4, afirmou que a primeira emenda à Constituição dos EUA, que protege
a liberdade de expressão, não poderia ser interpretada de forma
restritiva, de modo que, se é constitucionalmente garantido ao indivíduo
livremente expressar-se sobre assuntos político-eleitorais, inclusive com o
aporte de recursos financeiros para divulgar sua mensagem, de igual
maneira um grupo de indivíduos pode associar-se para fazer a mesma
coisa, engajando-se no debate político-eleitoral.
A partir dessa decisão, as pessoas naturais e jurídicas podem
livremente constituir associações de apoio a determinadas bandeiras

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político-eleitorais, o que é conhecido nos EUA como Political Action


Committee (PAC). Os PAC ou Super-PAC transformaram-se em grandes
fontes de recursos e de propaganda e apoiam candidatos específicos.
Não obstante o nobre ideal de proteger a liberdade de expressão, eis
o resultado concreto da intervenção judicial: a partir da decisão do caso
Citizens United v. FEC, as pessoas jurídicas passaram a participar do
debate político-eleitoral por meio dos PAC, sem qualquer limite de
aposição de recursos financeiros. Elas organizaram-se de acordo com as
seções 501(c)(4) e 501(c)(6) do Código Tributário, as quais regulamentam
as pessoas jurídicas sem fins lucrativos.
Isso lhes permitiu receber doações em segredo, visto que, para
corporações sem fins lucrativos, admite-se que os doadores mantenham
sob sigilo suas respectivas identidades. É notável o retrocesso no que diz
respeito à transparência do sistema de financiamento de campanhas
eleitorais, o que havia sido uma conquista do Federal Election Campaign
Act de 1974.
Inicio com esse exemplo do direito comparado para chamar a
atenção para o seguinte: no que toca a financiamento de campanhas, em
qualquer país, é necessário perceber que as diretrizes normativas que
regulamentam tal matéria funcionam como inputs do sistema, a partir
dos quais comportamentos (outputs) são estimulados, bem como
instigam a criatividade dos atores envolvidos na competição eleitoral
para inventarem novas formas de financiar suas campanhas,
aproveitando-se das brechas da regulamentação, de forma legal ou não.
O que é obviamente válido para o Brasil, como evidenciam inúmeros
episódios transcorridos ao longo da vigência da Constituição de 1988.
Como se sabe, o Presidente Collor sofreu impeachment por razões que
se assentam, em grande parte, em ilícitos relacionados ao financiamento
da campanha eleitoral. A “CPI do Esquema PC Farias” produziu um
relatório cujo “Capítulo X”, intitulado “DOS FATORES QUE
POSSIBILITAM ‘ESQUEMAS’ DO TIPO PC”, teve como primeiro item “O
FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS ELEITORAIS”. Ao discorrer
sobre relações escusas que se estabeleceram entre grandes empreiteiras e

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parte do poder político, o relatório da CPI já mencionava obras


superfaturadas, entre outros fenômenos.
E o relatório da CPI afirmava com clareza e considerando a
experiência comparada, que a legislação brasileira, ao vedar as doações
de pessoas jurídicas aos partidos e campanhas eleitorais, era assaz
restritiva e, portanto, irreal: gerava a consequência de estimular a
ilegalidade.
Como a tragédia nacional é repetir nossos próprio erros, ainda
precisamos passar pelo Mensalão, no qual o modus operandi caracterizava-
se por pagamentos a parlamentares da “base aliada”, financiados por
verbas de contratos de publicidade e empréstimos bancários fajutos.
E, poucos anos após, ainda sobreveio o Petrolão, pelo qual recursos
do Estado fluiriam para forças políticas e financiariam a atividade
político-partidária e de campanhas eleitorais, e a corrupção de agentes
públicos.
Tenho fama de mau profeta.
Quando do julgamento da ADI 4650/DF, em que este Tribunal
decidiu declarar inconstitucional a doação eleitoral de pessoas jurídicas,
vaticinei o surgimento do laranjal. Avistei, no tempo, que a proibição que
se objetivava – e que ao final foi a decisão desta Corte – “criará um
sofisticado doador, genuinamente brasileiro: o ‘doador laranja’.
Aconteceria o que alguns já captaram: uma corrida de partidos que
engordaram seus cofres por meio da prática de corrupção em busca de
CPF de milhões de brasileiros que lhes serviriam a lavar o dinheiro
furtado dos cofres públicos, bem como para tentarem perpetuar-se no
poder.” Mesmo sem assim querer o Tribunal, a consequência seria “a
seguinte: “i) a clandestinidade de doações de pessoas jurídicas, por meio
do caixa 2; e ii) estímulo à prática sistemática de crimes de falsidade,
com o uso de CPF de ‘laranjas’”. (ADI 4650/DF, j. em 17.9.2015, f. 236 e
240).
Pois bem. Logo em 2018, no julgamento da ADI 5617/DF, fiz constar
o seguinte resultado, observado na eleição de 2016: “dos 730 mil doadores,
330 mil não têm capacidade financeira – compra e aluguel de CPFs, "laranjal"

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completo. É nesse contexto que a gente tem que refletir sobre um self-restraint,
nesse tipo de matéria”.
Também agora, nesta ADI, o argumento da liberdade de expressão
não me impede de divisar que o acolhimento do pedido nos conduzirá a
vários problemas de ordem sistêmica. Problemas que foram resolvidos
desde 2006, pela Reforma Eleitoral que aqui se combate.
Por exemplo, não restou claro como a regra do § 7º do art. 23 da Lei
9.504/97 poderia ser compatibilizada com a realização dos eventos de
arrecadação de campanha, dado que a participação do artista em si seria
considerada doação (estimável em dinheiro) e, enquanto tal, estaria
submetida ao limite previsto de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).
Não precisamos ser grandes iniciados no mercado de produção
musical para saber que um show de um cantor renomado, uma dupla
sertaneja ou uma banda de sucesso, enfim, quaisquer deles cobram bem
mais do que R$ 40.000,00 (quarenta mil reais). Só custará menos que R$
40.000,00 se incorrermos em uma economia criativa, em que a fraude
começaria desde logo na declaração do valor.
A propósito, os 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo doador
no ano anterior à eleição – que ordinariamente seria o limite para doação
em dinheiro, a teor do § 1º do art. 23, Lei 9.504/97 – encontraria, na nova
sistemática implementada por esta Corte, um meio de ser alegremente
contornado. O que o artista não poderia fazer, pessoalmente, considerado
o limite de 10%, poderia sê-lo pela exploração do potencial econômico
que tem 10 ou 20 milhões de inscritos em um canal de rede social. Isso é
um ativo e tanto; e essa realidade digital não pode ser tratada
analogicamente.
Fácil perceber que, a depender da sorte do candidato, de suas
conexões, a parceria com uma estrela de sucesso pode fazer com que um
único evento lhe renda muito mais dinheiro do que todo o financiamento
público que lhe fora destinado pelo Fundo Eleitoral.
E sem querer ser maldoso, a inserção de grandes detentores de
poder econômico nessa equação deixa tudo mais tormentoso: fico
imaginando como a condição de ascendência em relação a 5 mil

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empregados pode “pulverizar” uma doação ilegal. Mais que isso, essa
relação de ascendência, encontra nesses “eventos de arrecadação” (que
não serão “chás da tarde” de avós, mas eventos midiáticos) um meio
propício para lavagem de capitais: seja de dinheiro não declarado, seja de
propina acertada a políticos mesmo. Uma espécie de cashback do crime,
embalado musicalmente.
Não é crível cogitar que a Justiça Eleitoral teria condições de
identificar todos esses arranjos.
Antevejo dificuldades, também, em compatibilizar a interpretação
proposta na inicial com a jurisprudência deste Tribunal, que na ADI
4.650/DF proibiu a doação eleitoral de pessoas jurídicas. A “pejotização” é
uma realidade no mundo artístico. Se um determinado artista em geral
contrata os seus shows celebrando contratos com uma pessoa jurídica da
qual é sócio, esse mesmo artista oferecer o espetáculo como forma de
doação da sua própria pessoa natural soa, a meu ver, como uma
estratégia no mínimo discutível.
Forte nas considerações dos efeitos sistêmicos dessa modificação que
se objetiva, penso que o mais prudente é começar do essencial: examinar
como o Congresso Nacional, no exercício de sua liberdade de
conformação, tem tratado o tema.

2) Por uma compreensão constitucionalmente adequada da Reforma


Eleitoral de 2006 e do papel do Congresso Nacional no desenho
normativo das eleições.

Os Partidos autores reputam que os dispositivos impugnados


violam o princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF/88) e o princípio da
liberdade de expressão (art. 5º, IV e IX, CF/88), inclusive em sua vertente
artística e cultural (arts. 215 e 220, CF/88).
Para tanto, procuram emplacar a tese de que a legislação impugnada
procura implementar um objetivo inconstitucional. Fazem-no por duas
frentes argumentativas.
Primeiro. Preconizando mais “emoção”, “calor e energia” ao

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processo eleitoral, valem-se os autores dos seguintes termos para


fundamentar a inconstitucionalidade que vislumbram: “o legislador não
pode pretender a depuração das campanhas da sua saudável dimensão emocional,
retirando o seu calor e energia, para que se convertam em debates exclusivamente
racionais e sisudos sobre propostas e projetos. Tal objetivo, além de inalcançável,
colide frontalmente com a liberdade de expressão e com o próprio princípio
democrático” (eDOC 1, fl. 16)
Nessa diretriz, a exordial avalia que a atual interdição de eventos
musicais nas eleições traduz uma “lógica paternalista contrária à
Constituição”, que trata o eleitor como “criança imatura”: “veda-se o
showmício com base na premissa de que o eleitor não tem a capacidade de avaliar
criticamente todas as mensagens que recebe para fazer as suas escolhas eleitorais”
(eDOC 1, fl. 17).
Não obstante dedicar várias laudas com o objetivo de comprovar
que os dispositivos impugnados sofreram influência dessa premissa
“paternalista” e excessivamente racional, a petição inicial sugere haver
uma explicação alternativa para a inconstitucionalidade que sustenta
existir.
Assim, em segundo, registra que “há, porém, quem afirme que o fim
perseguido não seria esse, mas a redução dos gastos de campanha”, sendo
representativa dessa postura o Relatório do Deputado Moreira Franco,
quando da tramitação do PL 5.855/2005 – que, uma vez aprovado, deu
gênese à Lei 11.300/2006, que dentre outras medidas introduziu o § 7º no
art. 39 da Lei 9.504/97. Assim, à luz dessa segunda fundamentação, a
vedação ao showmício gratuito revelar-se-ia inconstitucional porquanto
inapta a atingir o objetivo da Reforma de 2006, que fora o de reduzir os
gastos da campanha: afinal, se algo é gratuito, não pode gerar despesa.
Inicio pelo segundo fundamento. O mencionado Relatório de lavra
do Deputado Moreira Franco fora acostado nos autos pelos Autores
(eDOC 17). E o que se vê, lá, é um Parecer Proferido em Plenário, em
substituição à Comissão de Finanças e Tributação.
Como se sabe, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados prevê
um regime de tramitação mais rápida de uma matéria legislativa: cuida-

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se do Regime de Urgência. Foi o que sucedeu no caso do PL 5.855/2005,


cuja autoria é do Senado Federal (PL 275/2005) e no qual a Câmara dos
Deputados atuou como Casa Revisora.
Pois bem. Na primeira sessão ordinária de 2006, foi apresentado o
Requerimento n. 3916/2006, de autoria do Deputado José Carlos Aleluia,
que objetivou a apreciação do PL 5.855/2005 pelo regime de urgência do
art. 155 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Sendo
aprovada a urgência, é dispensado o trâmite do Projeto de Lei pelas
Comissões da Casa, porque a matéria é diretamente atraída ao Plenário.
Dessa forma, as Comissões que devam se pronunciar sobre a proposição
manifestam-se no Plenário.
No caso do PL 5.855/2005, apenas sete dias após a aprovação da
urgência a proposição foi submetida à discussão em turno único na
sessão extraordinária de 08.02.2006, ocasião em que as duas Comissões
competentes para apreciar a matéria, a Comissão de Constituição e
Justiça e a Comissão de Finanças e Tributação, foram instadas a
apresentar Parecer Proferido em Plenário – sendo para tanto
presentificadas pelos Deputados Moreira Franco e Antonio Carlos
Biscaia, respectivamente.
Dessa forma, afirmar que no Relatório do Deputado Moreira Franco,
pela aprovação do PL 5.855/2005, “o único fundamento invocado para a
proibição dos showmícios foi a redução de gastos de campanha”, equivale (na
melhor das hipóteses) a assinalar uma obviedade: um Parecer proferido
em substituição à Comissão de Finanças e Tributação jamais poderia
debruçar-se sobre qualquer outro assunto que não a adequação e a
compatibilidade orçamentária e financeira, porque é essa a atribuição
do órgão fracionário em tela, a teor do art. 32, X, “h” do Regimento
Interno da Câmara. Tal, aliás, está muito claro no primeiro parágrafo do
voto do Deputado Moreira Franco (eDOC 17, fl. 2).
Ademais, colho do texto inicial do PL 275/2005, de autoria do
Senador Jorge Bornhausen, que o objetivo da proposição não era restrita a
diminuir o custo das eleições. A preocupação era mais abrangente: coibir
o abuso do poder econômico. Ao justificar a conveniência e

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oportunidade do atual art. 39, § 7º, da Lei 9.504/97, o Parlamentar avaliou


que a “a presença em palanque de artistas, músicos e assemelhados”,
seria uma “prática que, a nosso ver, desnatura o comício, desvirtua a
mensagem política e produz confusão mental no eleitor.” (Diário do
Senado Federal, n. 121, de 10 de agosto de 2005, p. 26.948).
É certo que o contexto em que se deu aprovação da Lei 11.300/2006,
marcado pelo impacto do “Mensalão”, doou à legislação em causa um
aspecto reativo. Aquele evento influenciou o diagnóstico do Congresso
Nacional, no sentido de que o elevado custo das eleições seria um
problema. O erro, entretanto, é achar que o significado da Reforma de
2006 resume-se a regras que buscam apenas reduzir custos de campanha
– ou o que é pior: que a interpretação dessas regras deva conduzir-se de
modo determinista, à luz dessa occasio legis.
Tudo isso para dizer que mesmo se o histórico de um procedimento
legislativo induzisse alguma vinculação ao intérprete, ainda assim o
quanto discutido e deliberado no Projeto de Lei em questão não
socorreria a narrativa da petição inicial.
Quanto ao primeiro fundamento, que identifica na produção
legislativa do Congresso Nacional uma lógica paternalista
compromissada em infantilizar o eleitor e a eliminar o componente
“emocional” da política, tenho como absolutamente implausível a
narrativa empreendida sobre as finalidades e objetivos da Reforma
Eleitoral de 2006.
Prefiro as percucientes conclusões elaboradas pelo eminente
MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI quando do julgamento da ADI
3.741/DF – encampadas por este Plenário à unanimidade.
Embora naquela assentada esta Corte tenha sido instada a examinar
a compatibilidade da Lei 11.300/2006 com a cláusula da anuidade
eleitoral (art. 16, CF/88), tal aspecto da demanda não impediu Sua
Excelência de expressar o seguinte juízo sobre as finalidades e objetivos
das normas àquele tempo introduzidas pela Reforma em comento:

“Longe de representarem fator de desequilíbrio ou


qualquer forma de casuísmo que possam afetar negativamente

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o embate político, tais alterações são consentâneas com a


necessidade de reajustamento periódico dos procedimentos
eleitorais, visando não apenas a diminuir a vulnerabilidade do
processo eleitoral como um todo, mas sobretudo a garantir ao
cidadão o pleno exercício de seu direito de votar, livre de
interferências abusivas ou manipuladoras.” (fl. 200, ADI 3741,
Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j. Em
06.08.2006, DJ 23.02.2007) (grifei)

A conclusão exata a qual chegou o então Relator é em muito


tributária ao acerto de Sua Excelência ao assim compreender a função
que deve cumprir o processo e a legislação eleitorais num Estado
Constitucional que adota o modelo da democracia partidária, como é o
caso brasileiro:

“O processo eleitoral, com efeito, numa democracia,


deriva sua legitimidade de um conjunto de procedimentos,
aperfeiçoados de tempos em tempos, que se destinam a evitar,
o tanto quanto possível, a ocorrência de deformações e
desequilíbrios, conferindo a mais ampla credibilidade ao seu
resultado final. (...)
A legislação eleitoral, sob esse prisma, para conferir
legitimidade aos resultados dos embates políticos, deve ensejar
aos eleitores não só o acesso a informações livres de distorções,
como também assegurar às agremiações partidárias e
respectivos candidatos uma participação igualitária na disputa
pelo voto, impedindo também que qualquer de seus
protagonistas obtenha vantagens indevidas.
As alterações normativas introduzidas pelo diploma
legislativo impugnado, pois, devem ser compreendidas à luz
dessas reflexões, que traduzem o ideal de um processo eleitoral
livre e democrático, assentado, ademais, sobre o postulado
constitucional da moralidade, que necessariamente rege toda a
atividade pública.” (fls. 192-193, ADI 3741, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, Tribunal Pleno, j. Em 06.08.2006, DJ 23.02.2007)
(grifei)

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O diagnóstico era correto ao tempo de sua formulação e também


assim se conservou, até os tempos atuais. É insofismável que a Reforma
de 2006 trouxe importantes instrumentos de combate ao abuso do poder
econômico nas eleições. Proibições como aquela de oferecer “bens ou
materiais que possam proporcionar vantagem o eleitor” (§ 6º do art. 39 da Lei
9.504/97), como “camisetas, chaveiros, bonés”, não partem do
pressuposto que o eleitor é uma criança que merece ser tutelada, mas sim
que o Brasil de então (segundo a PNAD de 2006 do IBGE) era um país
em que 16,9% das pessoas viviam em situação de pobreza e 5,7% em
extrema pobreza; um país em que metade das famílias percebia
rendimento abaixo dos R$ 350,00 e em que apenas 61,5% dos domicílios
possuíam saneamento completo.
Nos quinze anos que nos separam da Reforma de 2006, não ocorreu
nenhuma modificação drástica desses pressupostos de fato que leve à
uma inconstitucionalidade da norma.
É certo que um morador do Leblon não é alvo fácil de uma ação de
captação de voto por meio de uma camiseta ou um boné. Não menos
certo é que não se pode afirmar que seja um absurdo o Congresso
Nacional adotar a prognose legislativa de que em um país tão desigual
como o nosso, um cidadão em condições miseráveis de subsistência
mostra-se mais vulnerável ao oferecimento de bens, serviços e demais
utilidades por parte de um candidato – tais como um divertimento
propiciado por um show de um artista famoso.
Tal prognose não consiste em infantilização alguma do eleitor, mas
em exercício normal da discricionariedade estrutural e epistêmica
titularizada pelo Poder Legislativo – em matéria para a qual o
Congresso Nacional tem expertise e competência legislativa (art. 22, I,
CF/88).
Bem vistas as coisas, portanto, a questão de fundo requer a devida
consideração à liberdade de conformação do legislador
A ideia de um “âmbito facultado” é exposta por ROBERT ALEXY com
apoio na imagem de uma moldura. Por um lado, a Constituição contém

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uma série de normas que proíbem o legislador de adotar medidas sobre


alguma matéria (pense-se na vedação a penas cruéis, art. 5º, XLVII, “e”,
CF/88), ou obstam de fazê-lo a dado tempo (cogite-se o princípio da
anterioridade eleitoral, art. 16, CF). De outro bordo, a Constituição obriga
o legislador a adotar certas ações (e até contempla instrumentos
processuais para combater eventual inércia, como o Mandado de
Injunção e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão).
O conjunto daquilo que é constitucionalmente necessário
(obrigatório) e do que é constitucionalmente impossível (proibido)
demarca os limites da discricionariedade do legislador; porque dentro de
tais limites a opção escolhida ou a abstenção de fazer algo são alternativas
franqueadas ao poder legislativo: decisões possíveis. “Por isso” – explica
Alexy – “é possível denominar essa discricionariedade também como ‘âmbito
facultado’”. Em suas palavras:

“A metáfora da moldura pode ser, então, definida da


seguinte forma: o que é obrigatório ou proibido é a moldura; o
que é facultado – ou seja, nem obrigatório, nem proibido – é
aquilo que se encontra no interior da moldura. Nesse sentido, a
discricionariedade do legislador é definida por aquilo que é
facultado.” (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais.
2ª ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2015,
p. 582)

O argumento da moldura foi lançado por Alexy para se contrapor a


modelos explicativos excessivamente materiais: modelos que
compreendem a Constituição como um depósito de obrigações e de
proibições para qualquer assunto sob o Sol, e que portanto exigem a
identificação, nela, de normas que autorizem toda e qualquer decisão
material do legislador. Talvez por isso tal calhe tanto ao caso dos autos.
De se notar que os Autores da ADI pressupõem que o Congresso
Nacional incorreu em uma escolha legislativa que não lhe era possível, ao
adotar modelo que pretende “a depuração das campanhas da sua saudável
dimensão emocional, retirando o seu calor e energia, para que se convertam em

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debates exclusivamente racionais e sisudos sobre propostas e projetos. Tal


objetivo, além de inalcançável, colide frontalmente com a liberdade de expressão e
com o próprio princípio democrático” (eDOC 1, f. 16)
Como se a Constituição contivesse uma decisão prévia a respeito.
Impossível não lembrar, aqui, das considerações lançadas por ERNST
FORSTHOFF em desfavor de posturas hermenêuticas que abordam o
fenômeno da criação legislativa como um problema de implementação,
de realização imediata e necessária de algo mais geral. Dizia ele que, ao
se prosseguir nessa senda, “no conceito de discricionariedade legislativa é a
legislação que se torna implementação da Constituição”.
E tais posturas revelam-se limitadas – adverte FORSTHOFF – quando
ignoram que “há uma grande diferença entre admitir que o legislador seja
vinculado à Constituição e possuir a opinião que sobre o legislador incida um
dever de implementar a Constituição”. Ao se reduzir a atividade legislativa a
uma simples declaração daquilo que já está no texto constitucional (ainda
que de forma “velada”), a consequência não seria outra: “Deste modo, a
Constituição se transforma, para o universo jurídico, numa espécie de ‘ovo
primordial’ (Weltenei) do qual tudo está destinado a brotar: do Código Penal à
lei sobre termômetros para aferir a febre” (FORSTHOFF, Ernst. Lo Stato della
società industriale. Ed. de Alessandro Mangia. Milão: Ed. Giuffrè, 2011,
p. 161)
A esta altura, é premente convir: a Constituição Federal não
contém uma decisão prévia acerca dos termômetros de febre e também
não quanto aos showmícios em campanhas eleitorais. E nem mesmo de
forma “implícita”, à espera de um descobrimento.
Sustentar em sentido contrário é supor que as normas
constitucionais determinam integralmente todo o conteúdo possível das
normas infraconstitucionais. Quando bem se sabe que elas regulam
apenas em parte a deliberação legislativa. Mesmo quando se observe em
determinada atividade legiferante um claro cumprimento a um dever
previsto na Constituição – pense-se nos mandatos constitucionais de
criminalização, por exemplo – na tarefa de concretizar a norma
constitucional o Legislador não age com perda de sua autonomia de

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determinação. Daí o oportuno ensinamento de Canotilho, quando alerta


que “é preciso não confundir a ideia do direito constitucional como direito
paramétrico, positivo e negativo, dos outros ramos do direito, com a ideia do
direito legal como simples derivação e execução das normas constitucionais”
(MENDES, Gilmar Ferreira. GONET, Paulo Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 66).

3) Art. 39, § 7º, da Lei 9.504/1997: a vedação a showmícios como elemento


conformador da igualdade de chances no processo eleitoral.

Estando bem assentado que a disposição ora impugnada não incorre


em matéria interditada ao Congresso Nacional, cumpre agora verificar se
a vedação a showmícios gratuitos traduz violação ao direito fundamental
da liberdade de expressão dos profissionais da arte e da música.
A exordial crê que sim, que haveria uma ingerência ilícita na
proibição em comento.
Concedem os Autores que, no que toca à proibição à participação
remunerada de artistas em campanhas eleitorais, haveria uma
justificativa plausível: “a diferença de recursos de campanha entre os
candidatos gera preocupação legítima com a influência do poder econômico sobre
os pleitos, e com a paridade de armas na disputa eleitoral – variáveis que podem
ser consideradas pelo legislador na regulação das eleições.” (eDOC 1, fl. 15)
Diferentemente, “para os showmícios não remunerados, porém, essa
preocupação com a influência excessiva do dinheiro em detrimento da igualdade
entre os candidatos não se coloca. Afinal, a participação dos artistas é gratuita,
razão pela qual os gastos envolvidos não diferem daqueles despendidos na
realização de comícios, que o legislador expressamente autorizou (...)” (eDOC 1,
fl. 15). A esse argumento, acrescenta um segundo: não se revelaria
legítimo, restringir “o engajamento político dos artistas” e o direito dos
eleitores de ter “acesso a manifestações artísticas que poderiam ser relevantes
para a formação do seu próprio convencimento político” (eDOC 1, fls. 3-4).
Com as vênias de estilo aos que comungam pensamento em sentido

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contrário, tenho que a questão em exame não se deixa equacionar sob o


ângulo proposto.
O dispositivo não busca disciplinar o exercício profissional dos
músicos ou atores, que de resto continuam livres para declarar suas
preferências políticas e expressar em quem votam. Inexcedíveis a respeito
as considerações da Dra. Raquel Dodge na sua judiciosa opinio lançada
nos autos:

“Por outro lado, é absolutamente descabida a tese de


violação à liberdade de expressão. Acerca da
constitucionalidade da vedação acrescida ao art. 39-§7º da Lei
das Eleições pela reforma eleitoral de 2006, esclarece José Jairo
Gomes:
‘A regra em apreço limita-se a regular a atuação artística em
eventos relacionados às eleições, cuja finalidade seja a promoção de
candidatura. Não proíbe que artistas (atores, cantores,
animadores, apresentadores etc.) exerçam seus trabalhos
durante o período eleitoral, mas apenas que o façam em
eventos eleitorais, pois isso poderia descaracterizar a natureza
deste. Daí inexistir qualquer ofensa ao inciso IX do artigo 5º da Lei
Maior, que assegura a livre expressão da atividade artística, tampouco
ao inciso XIII do mesmo artigo, que afirma ser “livre o exercício de
qualquer trabalho, ofício ou profissão’” (eDOC 36, fl. 8).

Com efeito, note-se que a liberdade de expressão dos artistas não é


vulnerada. O âmbito de proteção de tal direito fundamental é outro,
como relembram LOTHAR MICHAEL e MARTIN MORLOK: seu objeto é a
liberdade de conteúdos intelectuais e seu objetivo é a comunicação de tais
conteúdos, num contexto de concorrência pluralista (MICHAEL, Lothar.
MORLOK, Martin. Direitos Fundamentais. Trad. António Francisco de
Sousa. São Paulo: Saraiva/IDP, 2016, p. 203).
O dispositivo impugnado não tangencia desproporcionalmente o
objeto desse direito, uma vez que os artistas continuarão a poder
expressar seus posicionamentos políticos. O regramento em vigor em
nenhum momento (nem em 2006 nem agora) proíbe um ator de, ao final

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de uma peça de teatro, declarar em quem votará. Não impede uma


celebridade qualquer que seja a manifestar em seu Twitter qual é o seu
candidato de preferência. Não veda que um cantor manifeste, em seu
show, ou num artigo de opinião em jornal, em quem votará. Essa questão
simplesmente não se coloca. O ponto é o processo eleitoral, não o ramo
dos entretenimentos.
Ou seja, quanto ao conteúdo da comunicação política, emitida pelo
artista, seu posicionamento não sofrerá afetação alguma – o que torna
inviável vislumbrar qualquer espécie de “censura”.
A rigor, o que temos aqui é um eloquente exemplo da utilidade do
princípio da concordância prática, que na dogmática dos direitos
fundamentais assume a seguinte formulação: “o âmbito de proteção de um
direito fundamental não pode, muitas vezes, ser determinado numa óptica isolada
centrada neste direito fundamental, mas apenas numa visão sistemática de
conjunto com outros direitos fundamentais e demais disposições constitucionais”
(PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos Fundamentais. Trad.
António Francisco de Sousa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, pp. 131-132).
A propósito, essa tensão entre direitos fundamentais é constitutiva
do domínio normativo que aqui nos debruçamos, o da propaganda
eleitoral, que se desenvolve sob constante pressão otimizadora entre
liberdade de manifestação de pensamento e demais direitos
fundamentais colidentes:

“O exercício de propaganda eleitoral é um direito que


decorre da liberdade de manifestação do pensamento e do
direito à informação, reconhecidos nos incisos IV e XIV do art.
5º da Constituição Federal. De fato, no Capítulo referente à
comunicação social, a Constituição determina que a
‘manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a
informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não
sofrerão qualquer restrição’, observado o disposto na
Constituição (art. 220).
Esta última ressalva, ‘observado o disposto na
Constituição’ revela no entanto que se trata de uma liberdade e

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de um direito relativos, limitados pela incidência de outros


princípios igualmente consagrados na Constituição, como o
direito à igualdade (art. 5º, caput) e à inviolabilidade da
intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas
(art. 5º, X), além da legitimidade das eleições (art. 14, § 9º).”
(TELLES, Olívia Raposo da Silva. Direito Eleitoral Comparado:
Brasil, Estados Unidos, França. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 75)

Em página clássica de FÁVILA RIBEIRO, foi bem assinalado que, no


âmbito da propaganda eleitoral, apenas faz sentido articular com
liberdade de expressão política quando em conjunto com o princípio da
isonomia, ou igualdade de oportunidades. A liberdade de expressão por
óbvio importa – sem ela não há convencimento democrático. Mas a
liberdade é funcionalmente balizada pela igualdade:

“As normas protetoras da liberdade aparecem em


funcional implicação com os postulados de igualdade. Com a
liberdade erguem-se as defesas dos eleitores, dos candidatos e
dos partidos, impedindo os cerceamentos provindos das
agências estatais. Por sua vez, com a igualdade, as defesas são
mobilizadas para enfrentar as situações privilegiadas, as
dominações sociais que possam de alguma maneira embaraçar
e desnivelar o livre diálogo democrático. (RIBEIRO, Fávila.
Direito Eleitoral. Rio de Janeiro, Forense, 1986, p. 308).

Efetivamente, do direito colidente em jogo é o princípio da


igualdade de chances, ao lado do princípio formal da liberdade de
conformação do legislador, o que possui maior peso, considerado o
contexto posto.
O princípio da igualdade de chances é fundamental para a adequada
atuação dessas instituições no complexo processo democrático. Impõe-se,
por isso, uma neutralidade do Estado em face das instituições partidárias,
exigência essa que se revela tão importante quanto difícil de ser
implementada. A importância do princípio da igualdade está em que,
sem a sua observância, não haverá possibilidade de estabelecer-se uma

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concorrência livre e equilibrada entre os partícipes da vida política, o que


acabará por comprometer a essência do próprio processo democrático. O
que exige que do Estado uma conduta neutra em relação aos partidos,
repita-se (GRIMM, Dieter. “Politische Parteien”. In: BENDA, Ernst;
MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des
Verfassungsrechts. Band 1, p 599 (626)
No direito alemão, sob a vigência da Lei Fundamental de Bonn
(1949), a discussão sobre a “igualdade de chances” entre os partidos foi
introduzida por Forsthoff, que assentou os seus fundamentos nas
disposições que consagram a liberdade de criação das agremiações
políticas (art. 21, I, 2) e asseguram a igualdade de condições na disputa
eleitoral (art. 38 e 28) (FORSTHOFF, Ernst. Die politischen Parteien im
Verfassungsrecht. Tübingen, 1950, p. 6 e 12).
Também GERHARD LEIBHOLZ considerou inerente ao modelo
constitucional o princípio de “igualdade de chances”, derivando-o,
porém, diretamente, do preceito que consagra a ordem liberal-
democrática (freiheitlich demokratischen Grundordnung) (LEIBHOLZ,
Gerhard. Verfassungsrechtliche Stellung und innere Ordnung der
Parteien. DJT, p. C. 2). Mais tarde, após os primeiros pronunciamentos do
Tribunal Federal Constitucional, passou Leibholz a considerar que o
postulado da igualdade de chances encontrava assento no princípio da
liberdade e da pluralidade partidárias (arts. 21, I, e 38, I) e no princípio
geral de igualdade (art. 3.º, l).
Tais elementos serviram de base para o desenvolvimento da
construção jurisprudencial iniciada pelo Bundesverfassungsgericht em 1952.
Observe-se que, nos primeiros tempos, a jurisprudência da Corte
Constitucional parecia identificar o princípio de igualdade de chances
com o direito de igualdade eleitoral — Wahlrechtsgleicheit — (Lei
Fundamental, art. 38, l). As controvérsias sobre o financiamento dos
partidos e a distribuição de horários para transmissões radiofônicas e
televisivas ensejaram o estabelecimento da distinção entre o princípio da
igualdade de chances, propriamente dito, e o direito de igualdade
eleitoral. Os preceitos constitucionais atinentes à liberdade partidária (art.

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21, l) e o postulado geral da isonomia (art. 3º, I) passaram a ser invocados


como fundamento do direito de igualdade de chances dos partidos
políticos (BATTIS, Ulrich. Einführung in das Öffentliche Recht.
Fernuniversität Hagen, 1981, un. 2, p. 22-23).
Dessa forma que a “igualdade de chances” converteu-se em
princípio constitucional autônomo, um autêntico direito fundamental dos
partidos, assegurando-se às agremiações tratamento igualitário por parte
do Poder Público e dos seus delegados (TSATSOS, Dimitris Th.;
MORLOK, Martin. Die Parteien in der politischen Ordnung.
Fernuniversität Hagen, un. 3, p. 23; TSATSOS, MOHR, MORLOK e
WENZEL. Deutsches Staatsrecht, Fernuniversität Hagen, 1981, un, 2, p.
42; BATTIS, Ulrich. Einführung in das Öffentliche Recht, cit. p. 22-23)
Não se afigura necessário despender maior esforço de argumentação
para que se possa afirmar que a concorrência entre os candidatos
indicados pelos partidos, inerente ao próprio modelo democrático e
representativo, tem como pressuposto inarredável o princípio de
“igualdade de chances”.
Também desnecessário é tecer maiores considerações sobre o papel
central que o princípio da igualdade de chances possui para a
manutenção das condições do Estado Democrático de Direito sob o pálio
da Constituição de 1988.
Também aqui adotamos o modelo da democracia representativa,
assentada no pluralismo político (art. 1º, V, e parágrafo único, CF/88), no
âmbito da qual os partidos políticos performam função de mediação
infungível (art. 17, CF/88).
A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal reconhece o papel
de destaque desempenhado pelo princípio em referência, consoante
evidenciam vários julgados desta Corte – colaciono, abaixo, alguns nesse
sentido, mas dispensarei sua leitura:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


DIREITO ELEITORAL. PROPAGANDA PARTIDÁRIA
IRREGULAR. REPRESENTAÇÃO. LEGITIMIDADE. ART. 45, §
3º, DA LEI Nº 9.096/95. DIREITO DE ANTENA. ART. 17, § 3º,

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ADI 5970 / DF

DA CONSTITUIÇÃO. ESTREITA CONEXÃO COM


PRINCÍPIOS DEMOCRÁTICOS. MORALIDADE ELEITORAL.
IGUALDADE DE CHANCES ENTRE OS PARTIDOS
POLÍTICOS (CHANCENGLEICHHEIT DER PARTEIEN).
DEFESA DAS MINORIAS. LEGITIMIDADE INAFASTÁVEL
DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A DEFESA DA ORDEM
JURÍDICA, DO REGIME DEMOCRÁTICO E DOS INTERESSES
SOCIAIS INDISPONÍVEIS. ARTIGOS 127 E 129 DA
CONSTITUIÇÃO. AÇÃO DIRETA JULGADA
PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. A propaganda partidária,
organizada pelos partidos políticos, no afã de difundir suas
ideias e propostas para a cooptação de filiados, bem como para
enraizar suas plataformas e opiniões na consciência da
comunidade, deriva do chamado direito de antena, assegurado
aos partidos políticos pelo art. 17, § 3º, da Constituição. 2. A
regularidade da propaganda partidária guarda estreita conexão
com princípios caros ao Direito Eleitoral, como a igualdade de
chances entre os partidos políticos, a moralidade eleitoral, a
defesa das minorias, e, em última análise, a Democracia. 3. O
princípio da igualdade de chances entre os partidos políticos é
elemento basilar das mais modernas democracias ocidentais, a
impedir o arbitrário assenhoramento do livre mercado de ideias
por grupos opressores (JÜLICH, Christian. Chancengleichheit
der Parteien: zur Grenze staatlichen Handelns gegenüber den
politischen Parteien nach dem Grundgesetz. Berlim: Duncker &
Humblot, 1967. p. 65; CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra:
Almedina, 2000. p. 320). 4. As questões relativas à propaganda
partidária não são meras contendas privadas, avultando o
caráter público da matéria diante do art. 17 da Constituição,
que estabelece parâmetros claros para o funcionamento dos
partidos, resguardando a soberania nacional, o regime
democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da
pessoa humana, dentre outros preceitos. 5. A legitimidade do
Ministério Público para a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais indisponíveis, não pode ser

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verberada, máxime diante da normativa constitucional


insculpida nos artigos 127 e 129 da Constituição. 6. O
dispositivo que restringe a legitimidade para a propositura de
representação por propaganda partidária irregular afronta
múltiplos preceitos constitucionais, todos essencialmente
vinculados ao regime democrático. Doutrina (GOMES, José
Jairo. Direito Eleitoral. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 324;
CÂNDIDO, Joel. Direito Eleitoral brasileiro. 14ª ed. Bauru:
Edipro, 2010. p. 71). 7. A representação de que trata o art. 45, §
3º, da Lei nº 9.096/95 pode ser ajuizada por partido político ou
pelo Ministério Público, mercê da incidência do art. 22, caput,
da Lei Complementar nº 64/90, verbis: “Qualquer partido
político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral
poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao
Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando
provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de
investigação judicial para apurar (…) utilização indevida de
veículos ou meios de comunicação social, em benefício de
candidato ou de partido político”. Exclui-se, nessas hipóteses, a
legitimidade de candidatos e coligações, porquanto a
propaganda partidária é realizada fora do período eleitoral. 8.
Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada parcialmente
procedente para conferir interpretação conforme à Constituição
ao art. 45, § 3º, da Lei nº 9.096/95, estabelecendo a legitimidade
concorrente dos partidos políticos e do Ministério Público
Eleitoral para a propositura da reclamação de que trata o
dispositivo. (ADI 4617, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno,
julgado em 19.06.2013, DJe de 11.02.2014)

“LEI COMPLEMENTAR 135/2010, DENOMINADA LEI


DA FICHA LIMPA. INAPLICABILIDADE ÀS ELEIÇÕES
GERAIS 2010. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL
(ART. 16 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA). I. O
PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO
GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL ELEITORAL. O
pleno exercício de direitos políticos por seus titulares (eleitores,

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candidatos e partidos) é assegurado pela Constituição por meio


de um sistema de normas que conformam o que se poderia
denominar de devido processo legal eleitoral. Na medida em
que estabelecem as garantias fundamentais para a efetividade
dos direitos políticos, essas regras também compõem o rol das
normas denominadas cláusulas pétreas e, por isso, estão
imunes a qualquer reforma que vise a aboli-las. O art. 16 da
Constituição, ao submeter a alteração legal do processo eleitoral
à regra da anualidade, constitui uma garantia fundamental para
o pleno exercício de direitos políticos. Precedente: ADI 3.685,
Rel. Min. Ellen Gracie, julg. em 22.3.2006. A LC 135/2010
interferiu numa fase específica do processo eleitoral, qualificada
na jurisprudência como a fase pré-eleitoral, que se inicia com a
escolha e a apresentação das candidaturas pelos partidos
políticos e vai até o registro das candidaturas na Justiça
Eleitoral. Essa fase não pode ser delimitada temporalmente
entre os dias 10 e 30 de junho, no qual ocorrem as convenções
partidárias, pois o processo político de escolha de candidaturas
é muito mais complexo e tem início com a própria filiação
partidária do candidato, em outubro do ano anterior. A fase
pré-eleitoral de que trata a jurisprudência desta Corte não
coincide com as datas de realização das convenções partidárias.
Ela começa muito antes, com a própria filiação partidária e a
fixação de domicílio eleitoral dos candidatos, assim como o
registro dos partidos no Tribunal Superior Eleitoral. A
competição eleitoral se inicia exatamente um ano antes da data
das eleições e, nesse interregno, o art. 16 da Constituição exige
que qualquer modificação nas regras do jogo não terá eficácia
imediata para o pleito em curso. II. O PRINCÍPIO DA
ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA
CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE DE CHANCES. Toda
limitação legal ao direito de sufrágio passivo, isto é, qualquer
restrição legal à elegibilidade do cidadão constitui uma
limitação da igualdade de oportunidades na competição
eleitoral. Não há como conceber causa de inelegibilidade que
não restrinja a liberdade de acesso aos cargos públicos, por

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parte dos candidatos, assim como a liberdade para escolher e


apresentar candidaturas por parte dos partidos políticos. E um
dos fundamentos teleológicos do art. 16 da Constituição é
impedir alterações no sistema eleitoral que venham a atingir a
igualdade de participação no prélio eleitoral. III. O PRINCÍPIO
DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA
CONSTITUCIONAL DAS MINORIAS E O PAPEL DA
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NA DEMOCRACIA. O
princípio da anterioridade eleitoral constitui uma garantia
fundamental também destinada a assegurar o próprio exercício
do direito de minoria parlamentar em situações nas quais, por
razões de conveniência da maioria, o Poder Legislativo
pretenda modificar, a qualquer tempo, as regras e critérios que
regerão o processo eleitoral. A aplicação do princípio da
anterioridade não depende de considerações sobre a
moralidade da legislação. O art. 16 é uma barreira objetiva
contra abusos e desvios da maioria, e dessa forma deve ser
aplicado por esta Corte. A proteção das minorias parlamentares
exige reflexão acerca do papel da Jurisdição Constitucional
nessa tarefa. A Jurisdição Constitucional cumpre a sua função
quando aplica rigorosamente, sem subterfúgios calcados em
considerações subjetivas de moralidade, o princípio da
anterioridade eleitoral previsto no art. 16 da Constituição, pois
essa norma constitui uma garantia da minoria, portanto, uma
barreira contra a atuação sempre ameaçadora da maioria. IV.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.
Recurso extraordinário conhecido para: a) reconhecer a
repercussão geral da questão constitucional atinente à
aplicabilidade da LC 135/2010 às eleições de 2010, em face do
princípio da anterioridade eleitoral (art. 16 da Constituição), de
modo a permitir aos Tribunais e Turmas Recursais do país a
adoção dos procedimentos relacionados ao exercício de
retratação ou declaração de inadmissibilidade dos recursos
repetitivos, sempre que as decisões recorridas contrariarem ou
se pautarem pela orientação ora firmada. b) dar provimento ao
recurso, fixando a não aplicabilidade da Lei Complementar n°

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 217 de 245

ADI 5970 / DF

135/2010 às eleições gerais de 2010. (RE 633.703, Rel. Min.


Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 23.03.2011, DJe de
17.11.2011)

Pois bem. Tenho que, no caso vertente, mais uma vez, a


Procuradoria-Geral da República foi assertiva ao identificar a preservação
da igualdade de chances como o objetivo perseguido pelo art. 39, § 7º, da
Lei 9.504/97. Tanto mais perspicaz o foi ao corretamente concluir que a
consideração dessa garantia jusfundamental torna desinfluente que a
participação do artista se dê mediante contraprestação pecuniária ou a
título gratuito:

“Em nada muda o fato de o showmício ser realizado sem a


cobrança de cachê pelo artista. O objetivo da norma é impedir
o oferecimento de vantagem ao eleitorado, como forma de
angariar o voto. Busca, assim, preservar a paridade de armas
entre os concorrentes da disputa eleitoral. As normas são
razoáveis e proporcionais para o fim perseguido.” (eDOC 36, fl.
8).

Com efeito, afigura-se premente convir que o dever de fomentar a


igualdade de chances no processo eleitoral envolve adotar desenho
normativo propício a limitar o abuso de poder econômico. Inclusive
aquelas modalidades de abuso que se dão de modo indireto, mediante
utilidades imateriais, como um entretenimento. E as limitações veiculadas
pelo art. 39, § 7º, da Lei 9.504/1997 cumprem essa finalidade.
O pedido, no ponto, é improcedente.

4) Art. 23, § 4º, inc. V da Lei 9.504/97.

O § 4º do art. 23 da Lei 9.504/97 exige que a doação de recursos


financeiros tramite necessariamente pela conta bancária específica da
campanha política, que a propósito destina-se a “registrar todo o

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 218 de 245

ADI 5970 / DF

movimento financeiro da campanha” (art. 22 da Lei 9.504/97).


E os incisos do referido § 4º limitam-se a enunciar, numerus clausus,
os meios pelos os quais as doações de recursos financeiros podem ser
realizadas: cheques cruzados e nominais, transferência eletrônica (inc. I);
depósitos em espécie (inc. II); mecanismo disponível em sítio do
candidato, partido ou coligação na internet, permitindo inclusive o uso de
cartão de crédito (inc. III); financiamento coletivo (inc. IV); e, por fim, a
hipótese prevista no inc. V ora em questionamento: “comercialização de
bens e/ou serviços, ou promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente
pelo candidato ou pelo partido político”.
O autor requer uma interpretação conforme à Constituição do inc. V
do § 4º do art. 23 da Lei 9.504/97. Uma interpretação que no resultado é
restritiva, porque “exclui os referidos eventos artísticos e musicais do seu
campo de incidência” (eDOC 1, fl. 3). Articula com um “elevado risco de
que se adote a compreensão de que tal preceito não abrange a realização de
espetáculos artísticos, em razão da vedação aos showmícios” e de que também
não abarcaria a “apresentação de artistas para animar eventos eleitorais”.
Na verdade, isso não é exatamente um risco. Com exceção de uma
decisão tomada em novembro de 2020, o Tribunal Superior Eleitoral,
desde a Reforma de 2006, não aquiesce com a participação de artistas
em eventos eleitorais.
Na Consulta n. 1.295, indagado se é permitida “a presença de
artistas ou animadores” em “eventos fechados em propriedades
privadas”, o Tribunal Superior Eleitoral, em caso Relatado pelo eminente
Ministro Carlos Ayres Britto pontificou:

“Em suma, pouco importa se o evento é aberto ou fechado


e se a propriedade é pública ou privada. Para a lei, sendo
reunião de caráter eleitoral, abrangente de quaisquer das
situações retromencionadas, é vedada a presença de artistas
ou animadores, bem como a utilização de camisas e outros
materiais que possam proporcionar alguma vantagem ao
eleitor.” (TSE, CTA 1295, Resolução n. 22.274, de 29.06.2006).

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 219 de 245

ADI 5970 / DF

Isso porque, para Sua Excelência, que foi acompanhado à


unanimidade, “verifica-se que a intenção do legislador, visando coibir o abuso
do poder econômico e estabelecer o equilíbrio na propaganda eleitoral, foi vedar
a contratação e a apresentação de artistas e animadores em evento
eleitoral, sem excepcionar a realização de evento fechado em propriedade
privada.”
A solidez de tal entendimento é que explica o interesse dos Autores
na declaração de inconstitucionalidade do art. 39, § 7º da Lei 9.504/97.
Ora, a improcedência do primeiro pedido, mantendo-se a proibição
à realização de showmícios gratuitos que é expressa no art. 39, § 7º da Lei
9.504/97, prejudica este segundo pedido: inviável que se entenda que a
arrecadação de recursos para uma candidatura possa se dar por meio de
evento com a participação de artista, se até mesmo um evento gratuito é
expressamente vedado (art. 39, § 7º, Lei 9.504/97).
Tanto é assim que também em Consulta julgada em 2020, o TSE
averbou que “A realização de eventos com a presença de candidatos e de artistas
em geral, transmitidos pela internet e assim denominados como “lives eleitorais”,
equivale à própria figura do showmício, ainda que em formato distinto do
presencial, tratando-se, assim, de conduta expressamente vedada pelo art. 39, §
7º, da Lei 9.504/97”. (Consulta n. 0601243-23.2020.6.00.0000, Rel. Min. Luiz
Felipe Salomão, j. 18.9.2020)
E um ponto do mesmo julgado me parece de fundamental
consideração: “A proibição compreende não apenas a hipótese de showmício,
como também a de ‘evento assemelhado’, o que, de todo modo, albergaria as
denominadas ‘lives eleitorais’”.
Concordo, mas vou além. Não apenas o trecho “evento
assemelhado” inviabiliza a participação de artista em evento de
arrecadação. Cumpre assentar que o § 7º do art. 39 da Lei 9.504/97 é
específico quanto à vedação de artistas não apenas em comício, mas
também em reunião eleitoral:

“Art. 39 (...)
§ 7º É proibida a realização de showmício e de evento
assemelhado para promoção de candidatos, bem como a

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ADI 5970 / DF

apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade


de animar comício e reunião eleitoral.”

Essa segunda parte do dispositivo, que foi lamentavelmente


amputada dos argumentos até aqui lançados, veda a participação de
artistas em eventos de arrecadação. E foi amputada pela sua
inconveniência: ela reforça que o § 7º do art. 39 da Lei 9.504/97 é norma
específica quanto à participação de artistas no processo eleitoral – seja
em showmícios ou nas demais reuniões eleitorais. E somente com algum
artificialismo se poderia sustentar que um evento de arrecadação com
uma celebridade não teria um conteúdo eleitoral.
Por tudo isso, a declaração parcial de inconstitucionalidade proposta
– com as vênias de estilo – equivale a uma reelaboração do marco
normativo vigente, e seu efeito prático é o de repristinar o regramento
jurídico anterior à Reforma Eleitoral de 2006. E o repristinaria de modo
incompleto – diria eu, capenga – conduzindo a resultados incongruentes
com as demais regras que regem esse domínio normativo.
Victor Nunes Leal dizia que legislar é matéria tão difícil que equivale
a acondicionar materiais explosivos. Declarações de inconstitucionalidade
como a que se empreende agora, também. O ônus de modificar o arranjo
normativo do combate ao abuso do poder econômico nas eleições não é
vencido com a intenção de fazer o bem. Muitas vezes, a busca por se fazer
um aceno simpático a determinado segmento da sociedade gera
consequências negativas inimagináveis, e para todos os segmentos do
espectro político – inclusive aquele que à primeira vista é beneficiado com
a modificação.
E para o tema em debate, não é preciso qualquer talento mediúnico
para perceber as consequências em jogo. De pronto, penso que a vedação
ao financiamento eleitoral por pessoas jurídicas foi contornado pela
decisão de hoje. A pulverização da doação ilícita encontra na cobrança de
ingressos para os eventos de arrecadação um meio apto para esquentar
dinheiro sujo ou para contornar a proibição que a jurisprudência desta
Corte construiu.
Também o limite que incide sobre pessoas físicas, de 10% dos

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 221 de 245

ADI 5970 / DF

rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição pode ser burlado


pelo novo método. A economia criativa nos cachês artísticos levaria a toda
sorte de fraudes na quantificação do serviço prestado pelo artista – dado
que o limite da doação (estimável em dinheiro) em R$ 40.000,00 (quarenta
mil reais) é abertamente irreal.
Fácil perceber que, a depender da sorte do candidato, de suas
conexões, a parceria com uma estrela de sucesso pode ser decisiva para
sua eleição.
Não é crível cogitar que a Justiça Eleitoral teria condições de
identificar todos esses arranjos. O abandono à regra em questão cobrará
um preço: uma grande sobrecarga na avaliação, caso a caso, no sentido de
se precisar se determinada participação de um artista consubstanciou um
abuso de poder econômico. Melhor valorizar a função de direção que
exerce o direito legislado na estabilização do sistema jurídico (SCHAUER,
Frederick. Thinking like a lawyer: a new introduction to legal
reasoning. Cambridge: Harvard University Press, 2009, p. 28).
E uma última observação, Senhor Presidente. Independentemente do
preocupante cenário que se desenha, e que sem felicidade alguma
descrevo, o que me acalma o espírito é saber que a Justiça Eleitoral, o
Congresso Nacional e os atores políticos em geral terão tempo adequado
para se adaptarem ao novo desenho normativo que agora aquiesce com a
participação de artistas no processo político.
É que este Tribunal, salvo melhor juízo, tem entendimento sólido no
sentido de que mudanças na jurisprudência eleitoral têm efeitos
normativos diretos sobre os pleitos eleitorais, com sérias repercussões
sobre os direitos fundamentais dos cidadãos (eleitores e candidatos) e
partidos políticos. Exige assim – e nós já o dissemos – que para tais
câmbios jurisprudenciais, a observância à regra da anterioridade eleitoral,
positivada no art. 16 da Constituição (que é cláusula pétrea).
Como estamos a menos de 1 (um) ano das eleições de 2022, dado que
as eleições ocorrerão no dia 05 de outubro de 2022, e a presente sessão se
dá em 7 de outubro, os efeitos do novo entendimento desta Corte apenas
se farão sentir nas eleições de 2024 – isso se não houver reversão

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 222 de 245

ADI 5970 / DF

legislativa.

5) Conclusão

Pelo quanto exposto, percebe-se que os dispositivos questionados


concretizaram otimamente a ponderação entre, de um lado, os princípios
da liberdade de expressão e, de outro, a necessidade de imposição de
restrições à propaganda eleitoral, imprescindível para proteção da
legitimidade democrática. As normas constituem escolhas políticas
validamente exercidas pelo Congresso Nacional no âmbito de sua
competência (art. 22, I, CF) e liberdade de conformação.
Ante o exposto, conheço da ação direta e julgo improcedente o
pedido.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

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07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX: Trata-se de Ação Direta de


Inconstitucionalidade proposta por Partido Socialista Brasileiro – PSB,
Partido Socialismo e Liberdade – PSOL e Partido dos Trabalhadores – PT,
impugnando o art. 39, §7º e o art. 23, §4º, inciso V, ambos da Lei
9.504/1997, a cognominada “Lei das Eleições”.

Cumpre transcrever as normas, respeitada a ordem argumentativa


da exordial:

Art. 39, §7º


§7º É proibida a realização de showmício e de evento
assemelhado para promoção de candidatos, bem como a
apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade
de animar comício e reunião eleitoral.

Art. 23, §4º, V:


§4º As doações de recursos financeiros somente poderão
ser efetuadas na conta mencionada no art. 22 desta Lei por meio
de:
V - comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção de
eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato
ou pelo partido político.

Os requerentes aduzem a incompatibilidade das disposições com o


inciso IX, do art. 5º, que garante as liberdades intelectual, artística,
científica e de comunicação; com o §2º do art. 220, que veda
expressamente os atos de censura de natureza/motivação política,
ideológica e artística, sendo que o caput e §1º do art. 220 reforçam a
proteção às liberdades comunicativas (art. 5º, incisos IV e IX); e com o

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 224 de 245

ADI 5970 / DF

caput do art. 215, que associa a fruição individual e coletiva do direito à


cultura com a valorização de manifestações culturais.

Consoante as pretensões autorais, basta a redação ‘enxuta’ do art. 39,


§7º, para afastar e deslegitimar apenas as performances remuneradas,
sendo esta proibição suficiente a tutelar a paridade de armas e a coibir os
abusos de poder econômico. Na linha defendida, são permitidas as
apresentações artísticas não remuneradas em comícios e em eventos
destinados ao contato com o público em geral.

Ademais, os requerentes pleiteiam a interpretação conforme do art.


23, §4º, inciso V, para permitir que shows e demais manifestações
culturais, correspondam a eventos de arrecadação de recursos para
campanhas eleitorais, desde que realizadas a título gratuito pelo artista.

Eis o breve relato da controvérsia. Prossigo ao mérito.

I. Exame do art. 39, §7º, da Lei 9.504/1997. Vedação ao showmício (1ª


parte); e vedação às apresentações artísticas para animar comícios e
reuniões eleitorais (2ª parte)

Conforme supratranscrito, o §7º, do art. 39 da Lei 9.504/1997 cuida


da reprovabilidade de espécies, categorias de eventos. Diante desse
quadro, propõe-se a análise segmentada de acordo com o objeto da
vedação legal. Por essa razão, o enunciado é novamente reproduzido,
com a identificação de suas partes:

Art. 39. [omissis]

§7º. É proibida a realização de showmício [1ª parte]/[2ª


parte] e [é proibida a realização] de evento assemelhado para
promoção de candidatos, bem como a apresentação,
remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar
comício e reunião eleitoral.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 225 de 245

ADI 5970 / DF

Consigno, desde já, o posicionamento pela constitucionalidade do


enunciado, eis que a restrição posta é uma genuína proteção à formação
do convencimento dos votantes com base em argumentos e propostas.

Passo à análise da primeira parte do §7º, do art. 39, da Lei 9.504/1997.


Por óbvio, se certo showmício for intermediado pela atribuição de preço
ao serviço prestado, então a renda destinada ao pagamento de cachê é a
expressão do poder econômico da candidatura.

Ainda assim, caso o artista se disponha a fazê-lo gratuitamente, o


espaço para a realização do comício e até a popularidade da atração são
aspectos condicionados à força monetária.

Como bem pontua Aline Osorio:

“[a] primeira parte do dispositivo, que veda a ‘realização


de showmício e de evento assemelhado para promoção de
candidatos’, pode efetivamente trazer um risco para a isonomia
do pleito, já que esses eventos envolvem necessariamente
elevado dispêndio de recursos, não sendo acessíveis a todos os
concorrentes [...]” (vide OSORIO, Aline. Direito eleitoral e
liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 267).

No que tange à segunda parte do §7º, do art. 39, da Lei 9.504/1997,


cuida-se de proibir apresentações remuneradas e não-remuneradas de
celebridades para “animar”, isto é, entreter os cidadãos presentes em
comícios e noutras espécies de reunião eleitoral.

A propósito, os requerentes alegam que a tutela é excessiva, à


medida que “se conjuga com concepção elitista e paternalista da política, que
enxerga os cidadãos como crianças imaturas, facilmente manipuláveis, que
deveriam ser protegidas de ‘influências indevidas’ no cenário eleitoral, por meio
da ‘tutela’ do legislador ou do juiz eleitoral”.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 226 de 245

ADI 5970 / DF

Entretanto, a medida não parece ser uma estratégia do paternalismo


clássico. Antes, pertenceria ao repertório do “paternalismo libertário”,
corrente idealizada por Richard Thaler, economista laureado com o
Prêmio Nobel, e Cass Sunstein, jurista estadunidense (vide THALER,
Richard; SUNSTEIN, Cass. Nudge: the final edition. 3ª ed. New York:
Penguin Books, 2021, p. 263).

Cabe firmar que a escolha do eleitor é guiada por uma heurística


própria. “De modo geral, as heurísticas, que são geradas pelo pensamento rápido
e intuitivo, também conhecido como pensamento do Sistema 1, são proveitosos e
guardam respostas adequadas. Porém, às vezes, as heurísticas levam aos vieses,
descritos como erros sistemáticos e previsíveis de juízo” (vide KAHNEMAN,
Daniel; SIBONY, Olivier; SUNSTEIN, Cass. Noise: a flaw in human
judgement. New York: Little Brown Spark, 2021, p. 146).

Quanto ao sofisticado sugestionamento da propaganda eleitoral,


Cass Sunstein adverte:

“[a] meta é ativar uma reação emotiva e, mais do que isso,


desencadear a ‘heurística do afeto’, em razão da qual os sujeitos
tendem a considerar que as emoções provocadas por bens,
serviços ou atividades perfazem o substrato suficiente para a
consideração de todas as variáveis em jogo [...]. No mesmo
sentido, aqueles que se candidatam a cargos públicos
costumam dominar a heurística do afeto.” (Vide SUNSTEIN,
Cass. The ethics of influence: government in the age of behavioral
science. New York: Cambridge University Press, 2016, pp. 94-
95).

Nessa senda, a proibição do art. 39, §7º, da Lei das Eleições – que
somente se sobressairia desproporcional em exame perfunctório dos
interesses e dos valores colidentes – justifica-se enquanto (a) ferramenta

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 227 de 245

ADI 5970 / DF

para reduzir os ilícitos em cifra oculta; e enquanto (b) sinalização de


vínculos e influência não rastreáveis a partir da declaração formal de
fluxo de caixa da campanha.

Procedo, a seguir, à análise do pedido direcionado ao inciso V, do


§4º, art. 23, da Lei das Eleições.

II. Exame do art. 23, §4º, da Lei 9.504/1997. Definição de escopo dos
eventos passíveis de capitalização por campanhas eleitorais

No afã de pacificar que a realização de show é meio lícito de


arrecadação de doações privadas, os requerentes pleiteiam a
interpretação conforme do art. 23, §4º, inciso V, para permitir que shows e
demais manifestações culturais, correspondam a eventos de arrecadação
de recursos para campanhas eleitorais, desde que realizadas a título
gratuito pelo artista.

Pedindo máxima vênia em relação ao encadeamento lógico do voto


do Excelentíssimo Senhor Relator, divirjo quanto ao último ponto, para
julgar improcedente o pedido de interpretação conforme do art. 23, §4º,
inciso V, da Lei 9.504/1997.

Os fundamentos da divergência inaugurada na sessão plenária


muito me sensibilizaram, mercê da incompatibilidade de performances
artísticas (i) com a legalidade dos eventos de arrecadação e (ii) com a
regularidade das doações privadas.

Partindo da contundente distinção feita pelo Eminente Ministro


Nunes Marques, o art. 23, §4º, inciso V prevê que a realização dos eventos
de arrecadação deve ser organizada diretamente pelo partido ou pelo
candidato.

Significa dizer que, para o evento ser válido, os demais custos (e.g.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 228 de 245

ADI 5970 / DF

custos com infraestrutura, equipamento, staff, transporte) precisam ser


arcados pelo beneficiário da doação. Ao contrário, caso o artista/doador
disponibilize também a estrutura circundante ao seu labor, a situação
fática resultaria na efetiva organização do evento de arrecadação eleitoral
por terceiro – prática que viola a literalidade do art. 23, §4º, da Lei
9.504/1997.

O investimento inicial para esse tipo de reunião não é trivial, razão


pela qual a arrecadação via espetáculo artístico já reflete a profunda
assimetria de oportunidades entre campanhas, fundada única e
exclusivamente no aporte monetário prévio.

Ademais, como o Eminente Ministro Gilmar Mendes bem pontuou,


a chancela a essa modalidade de captação de recursos preocupa pelas
consequências.

À guisa dos exemplos que Sua Excelência, o Decano, descortinou, os


espetáculos artísticos envolvem cifras que desafiam os limites
preconizados pela legislação para o controle das doações de pessoas
naturais.

No esforço de antever as consequências dessa autorização, a


arrecadação por apresentação artística precisa se enquadrar em uma das
duas categorias da Lei 9.504/1997: ou é doação em dinheiro, ou é doação
estimada em dinheiro, para os fins de incidência do teto legal.

Se o show for considerado “prestação de serviço próprio estimável


em dinheiro”, aplicar-se-ia o limite do §7º, do art. 23, da Lei 9.504/1997, de
modo que o proveito máximo para a campanha é de R$ 40.000,00
(quarenta mil reais).
Nessa hipótese, salta aos olhos a absoluta desproporção entre a
doação estimada e o valor “real” do cachê de celebridades. Na mais
otimista das hipóteses, estaríamos a admitir uma ficção jurídica, onde o

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 229 de 245

ADI 5970 / DF

teto legal até pode restringir o valor declarado do repasse; mas,


certamente, não coibirá as distorções da realidade.

Noutro giro, caso se considere que o proveito do show é doação de


dinheiro do artista (enquanto pessoa natural) para a candidatura, a
situação atrai o parâmetro do §1º, do art. 23, da Lei 9.504/1997 e autoriza o
repasse para a campanha de até 10% do faturamento anual bruto do
artista/doador.

Ora, a doação financeira do artista, estimada em percentual do seu


faturamento, representa uma única operação financeira, uma única
entrada no fluxo de caixa da campanha – e não a soma das doações
pulverizadas. Sucederia, portanto, o aparelhamento de relação econômica
muito similar ao reprovável financiamento de pessoa jurídica.

Na situação sub examine, a transferência dos atributos de carisma,


simpatia e validação do artista para o candidato é uma transação de
capital político. Tendo em vista que a prestação é explícita, ausente a
retribuição pecuniária imediata, cria-se uma situação propensa à troca de
favores e à promessa de vantagens futuras, que podem repercutir às
expensas da máquina e do orçamento públicos (ver DESCHAMPS,
Jacques Paul et al. Dinheiro e sucesso eleitoral em 2008, 2012 e 2016 no Brasil.
Revista de Administração Pública – RAP. Rio de Janeiro, v. 55, n. 3,
mai/jun. 2021).

In casu, a restrição pressupõe o combate ao patrimonialismo no


sistema democrático brasileiro (valor constitucional) e a prevenção de
esquemas de corrupção (diretriz constitucional), ante a diminuição da
margem para conexões imbricadas entre os agentes políticos e os
detentores do poder econômico.
Por fim, entendo oportuno fazer menção a aspecto institucional que
tangencia a presente ação: a transformação em curso sobre o poder de
polícia da Justiça Eleitoral brasileira.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 230 de 245

ADI 5970 / DF

Observam-se não só o maior volume de informações, como também


a complexidade de aferição de “afirmações inequivocamente inverídicas”
(vide CARVALHO NETO, Tarcisio Vieira de. Liberdade de expressão e
propaganda eleitoral: reflexões jurídicas a partir da jurisprudência do
Tribunal Superior Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2020).

Essa realidade impõe o redimensionamento das competências


fiscalizatórias, indutivas e sancionatórias da Justiça Eleitoral. Na
conjuntura vigente, a realocação de esforços demanda uma racionalização
das competências de todos os órgãos estatais envolvidos – a exemplo de
Juízes e Tribunais Eleitorais e do Ministério Público Eleitoral.

A articulação indispensável e urgente de mecanismos que restaurem


a credibilidade mínima das campanhas, de modo a concretizar a
confiabilidade e a segurança jurídica do pleito, somente foi e é possível
quando a Justiça especializada brasileira detém e orquestra suas
capacidades institucionais.

III. Conclusão

O papel da interpretação constitucional é privilegiar as delimitações


conceituais claras dos institutos, subsidiando a aplicação do direito com
parâmetros mais operacionais.

Pensando, portanto, na capacidade institucional da Justiça Eleitoral,


as manifestações artísticas angariadoras de financiamento tornariam mais
a prestação de contas de campanha mais complexa. E, com maior
gravidade, poderiam ter o efeito de adverso de aprofundar a influência
de vínculos não rastreáveis por valores declarados.

Ex positis, CONHEÇO a ação, para julgar-lhe IMPROCEDENTE, nos


moldes do voto do Ministro revisor.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

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ADI 5970 / DF

É como voto.

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Confirmação de Voto

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07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

CONFIRMAÇÃO DE VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):


Senhor Presidente, quero fazer só uma observação como Relator,
antes que Vossa Excelência proclame o resultado, por favor.
Senhor Presidente, cumprimentando todos os votos proferidos e
enaltecendo aqueles que nos trazem reflexões, ratifico meu voto.
Quanto ao tema levantado pelo Ministro Gilmar Mendes, com a
devida vênia de Sua Excelência e daqueles que pensam conforme Sua
Excelência, entendo que aqui não é o caso da aplicação do princípio da
anualidade. Por dois motivos: primeiro, pelo precedente que temos, no
Supremo Tribunal Federal, da ADI nº 3.741, de relatoria do Ministro
Ricardo Lewandowski, citada em meu voto, no âmbito da qual se
determinou a aplicação de uma reforma que não interferia no processo
eleitoral stricto sensu, em 2006, aprovada a legislação após a anualidade;
em segundo lugar - o mais importante para mim, – pelo entendimento
jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral pela possibilidade da
realização de show artístico em evento destinado à arrecadação de
recursos para campanha eleitoral. Fiz o distinguishing entre o
showmício, que é aberto ao público em geral, e o ato de apoiadores, que é
mais reservado, mais privado, no qual se leva uma determinada pessoa
para fazer um show e atrair aqueles que querem contribuir para uma
campanha adrede já desejada por eles, não sendo, portanto, um
showmício.
Nesse caso, o TSE julgou - citei isso em meu voto também - casos de
relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão referentes a candidatos ao
cargo de prefeito de Porto Alegre e de São Paulo, em 2020 - ano passado.
Portanto, não estamos aqui a alterar uma jurisprudência, nem a
alterar a lei, nem a alterar o marco normativo. A interpretação conforme
vai exatamente no sentido de, do ponto de vista constitucional, manter
aquilo que a Justiça Eleitoral vem aplicando por meio de sua Justiça

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Supremo Tribunal Federal
Confirmação de Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 233 de 245

ADI 5970 / DF

Maior, de seu Tribunal Maior, que é o Tribunal Superior Eleitoral.


Só gostaria de fazer esse registro para não passar em branco, porque,
de minha óptica, nesta decisão, na qual se formou maioria em relação à
possibilidade de, em eventos de arrecadação, haver show artístico, se
somaram a meu voto, nesse ponto, os votos do Ministros Alexandre de
Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. O Ministro
Roberto Barroso, nesse ponto, como a procedência era total, acompanha
meu voto. Soma-se, ainda, a meu voto o da Ministra Cármen Lúcia.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Exatamente.
Eu vou proclamar exatamente o resultado à luz dessa soma, porque
mesmo os Ministros Roberto Barroso e Cármen Lúcia, que julgavam
procedente a ação in totum - e não procedente parcial -, o voto de Suas
Excelências está contido no voto de Vossa Excelência, porque para chegar
à procedência total, tem de passar pela procedência parcial, que foi o voto
majoritário de Vossa Excelência.
Agora, aqui, neste processo, não se questionou a tese do art. 16 da
Constituição Federal sobre a anualidade que até já sofreu uma
modificação no Código Eleitoral, muito embora eu entenda que hoje a
jurisprudência é fonte formal do Direito. Hoje, não há mais a menor
dúvida, tamanhos são os poderes dos juízes de, à luz do precedente,
indeferir petições, inadmitir recursos, sobrestar processos, anular feitos
que não obedecem à jurisprudência, e assim por diante.
Mas, de qualquer maneira, parabenizo todos os Colegas que se
dedicaram a um tema tão sensível, bem como os eminentes partícipes da
defesa e da suscitação da questão, Sua Excelência o Procurador-Geral e o
Professor Daniel Sarmento, que, como sempre, traz a lume questões de
interesse constitucional.

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Debate

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07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

DEBATE

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Presidente, não sei se é


oportuno, ou se aguardamos embargos de declaração, mas, ao contrário
do Ministro Toffoli, com todas as vênias, eu entendo que aqui cabe sim
discutir a questão do art. 16, porque nós temos uma decisão do TSE em
sede de cautelar, nada mais do que isso. Não há jurisprudência firmada,
com as vênias de estilo. Até porque, senão o TSE teria que ter declarado
essas normas inconstitucionais; senão o Doutor Daniel Sarmento não teria
trazido esses pleitos ao Supremo Tribunal Federal. E nós estamos
modificando - esse é um debate -, nós estamos modificando o processo
eleitoral sem cumprir a questão da anualidade.
Não quero ficar fazendo, depois da decisão que se tomou e que eu
vislumbro que vai abrir ensancha para uma reforma muito mais ampla do
sistema, porque vai reintroduzir o debate sobre o financiamento de
pessoa jurídica - como sabem, eu sou mau profeta, acabo acertando
nessas previsões - então, não tem perigo de dar certo isso.
Mais não é disso que se cuida, é aplicação do art. 16. E acho que, esse
tema, nós deveríamos levar em conta.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Bom, se o
Colegiado se dispuser a debater o princípio da anualidade com essa
modificação do texto literal da lei, eu abro os debates.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):
Presidente, como eu disse em meu voto, citei o precedente do
Ministro Ricardo Lewandowski e demonstrei a similitude do caso com
aquela situação. Também citei jurisprudência do TSE.
Então, meu voto está dado. Eu entendo que - só para explicitar o
ponto - não é o caso de aplicação do art. 16. Já está em meu voto isso. E
penso que meu voto teve a adesão, nesse ponto, da maioria já
referenciada.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Eu entendi que

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Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 235 de 245

ADI 5970 / DF

a maioria, muito embora Vossa Excelência realmente tenha citado o voto


do Ministro Ricardo Lewandowski, eu acho que não houve o
enfrentamento direto da questão da anualidade do art. 16.

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Confirmação de Voto

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07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

CONFIRMAÇÃO DE VOTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Presidente,


gostaria de ratificar meu voto, nessa parte, acompanhando o do Ministro
Dias Toffoli, pela não incidência do art. 16, que está claríssima no voto
dele e que granjeou a maioria, com todas as vênias.

Documento assinado eletronicamente pelo(a) Min. Roberto Barroso, conforme o Art. 205, § 2º, do CPC. O documento pode ser acessado pelo endereço
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Confirmação de Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 237 de 245

07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

CONFIRMAÇÃO DE VOTO
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Muito obrigado,
Presidente! Apenas, brevemente, para ratificar o voto de acordo com a
posição do Ministro Dias Toffoli.

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Aditamento ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 238 de 245

07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

ADITAMENTO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES – Senhor Presidente,


renovo os cumprimentos a todos.

Concordo com as preocupações externadas por Vossa Excelência e


pelo ministro Gilmar Mendes, de que talvez não tenhamos, no momento,
condição de alcançar as consequências desta decisão, inclusive pelos
novos canais – lives, redes sociais, e vai subindo para um prospecto muito
amplo. Essas mudanças, o que se enxerga pontualmente talvez não seja
no dia de amanhã. Como há mudança tanto de natureza material como
de natureza formal, entendo que deva incidir, sim, o princípio da
anterioridade.

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Confirmação de Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 239 de 245

07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

CONFIRMAÇÃO DE VOTO
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente,
renovando meus cumprimentos a todos e, sem embargo da
respeitabilidade dos fundamentos dos que têm posição contrária, reitero
minha compreensão na mesma linha do voto do eminente Relator, a
quem acompanhei na íntegra.

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Aditamento ao Voto

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07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

ADITAMENTO AO VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Também, Presidente,


renovo meus cumprimentos.

Como disse no voto, acompanhava o Ministro Dias Toffoli na parte


em que se referia exatamente à arrecadação, estendendo um pouco mais e
julgando procedente. Entretanto, nessa parte, como está claríssimo no
voto do Ministro Dias Toffoli, também o acompanho.

Publicado sem revisão. Art. 95 do RISTF.

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Confirmação de Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 241 de 245

07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

CONFIRMAÇÃO DE VOTO
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI -
Presidente, apenas para esclarecer que, no término do meu voto, disse
que acompanhava integralmente o voto do eminente Ministro Dias
Toffoli, pois comungo de sua compreensão sobre a não incidência do
princípio da anualidade.

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Confirmação de Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 242 de 245

07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

CONFIRMAÇÃO DE VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Como suscitei,


Presidente, entendo que aqui, pela dimensão da mudança que ocorre
depois da data prevista no texto constitucional, era de se respeitar o
princípio da anualidade.

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Supremo Tribunal Federal
Confirmação de Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 243 de 245

07/10/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970 DISTRITO FEDERAL

CONFIRMAÇÃO DE VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Também voto


no sentido da aplicação do princípio da anualidade.

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Extrato de Ata - 07/10/2021

Inteiro Teor do Acórdão - Página 244 de 245

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.970


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI
REQTE.(S) : PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : DANIEL ANTONIO DE MORAES SARMENTO (63551/DF, 73032/RJ)
E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

Decisão: Após o voto do Ministro Dias Toffoli (Relator), que


julgava parcialmente procedente a ação direta, para conferir
interpretação conforme à Constituição ao art. 23, § 4º, inc. V, da
Lei nº 9.504/1997, visando incluir no seu escopo a possibilidade
de realização de apresentações artísticas ou shows musicais em
eventos de arrecadação de recursos para campanhas eleitorais, no
que foi acompanhado pelo Ministro Alexandre de Moraes; e do voto
do Ministro Nunes Marques, que julgava improcedente a ação, o
julgamento foi suspenso. Falaram: pelos requerentes, o Dr. Daniel
Antônio de Moraes Sarmento; e, pela Procuradoria-Geral da
República, o Dr. Antônio Augusto Brandão de Aras, Procurador-Geral
da República. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário,
06.10.2021 (Sessão realizada por videoconferência - Resolução
672/2020/STF).

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente


procedente a ação direta, para conferir interpretação conforme à
Constituição ao art. 23, § 4º, inc. V, da Lei nº 9.504/1997,
visando incluir no seu escopo a possibilidade de realização de
apresentações artísticas ou shows musicais em eventos de
arrecadação de recursos para campanhas eleitorais, vencidos, em
parte, os Ministros Nunes Marques, Gilmar Mendes e Luiz Fux
(Presidente), que julgavam improcedente a ação, e os Ministros
Roberto Barroso e Cármen Lúcia, que a julgavam integralmente
procedente. Na sequência, por maioria, o Tribunal entendeu pela
não aplicação do princípio da anualidade em relação ao novel
entendimento, vencidos, nesse ponto, os Ministros Nunes Marques,
Gilmar Mendes e Luiz Fux, não participando, dessa votação, o
Ministro Alexandre de Moraes. Tudo nos termos do voto do Relator.
Plenário, 07.10.2021 (Sessão realizada por videoconferência -
Resolução 672/2020/STF).

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Extrato de Ata - 07/10/2021

Inteiro Teor do Acórdão - Página 245 de 245

Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux. Presentes à sessão os


Senhores Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen
Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin,
Alexandre de Moraes e Nunes Marques.

Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Augusto Brandão de


Aras.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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