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COMO CITAR

GUIMARÃES, Claudio Alberto Gabriel, RAMOS, Paulo Roberto Barbosa, MUNIZ NETO,
José Mariano. O conhecimento científico e a pesquisa jurídica: uma proposta metodológica a
ser aplicada ao estudo dos consórcios públicos no âmbito do federalismo brasileiro. In: Crise
Democrática e Direitos Fundamentais / Paulo Roberto Barbosa Ramos, Márcia Haydée Porto
de Carvalho, Edith Maria Barbosa Ramos (organizadores) – Curitiba: CRV, 2022, p. 531 – 548.
O CONHECIMENTO CIENTÍFICO E A PESQUISA JURÍDICA: uma proposta
metodológica a ser aplicada ao estudo dos consórcios públicos
no âmbito do federalismo brasileiro.

Claudio Alberto Gabriel Guimarães1


Paulo Roberto Barbosa Ramos2
José Mariano Muniz Neto3

Sumário: 1. Introdução. 2. O conhecimento científico. 3. A pesquisa nas Ciências Sociais Aplicadas ao campo
jurídico. 4. Os procedimentos metodológicos da pesquisa jurídica aplicados ao estudo dos consórcios públicos no
âmbito do federalismo brasileiro. 5. Conclusão. Referências.

RESUMO: A ausência da pesquisa com elevado rigor metodológico na ciência do direito tem sido apontada pela
doutrina especializada como fator histórico capaz de retardar a produção qualificada de novos saberes jurídicos, o
que em certa medida fortaleceu o papel da dogmática jurídica no tradicionalismo do ensino do direito no Brasil.
Com o propósito de contribuir para a superação deste cenário e para a emancipação ética da disciplina jurídica no
país, buscou-se apresentar um conjunto ordenado de conceitos básicos, ainda que vestibulares, para uma melhor
compreensão da teoria do conhecimento científico, dos seus métodos e da pesquisa científica no campo das
ciências sociais aplicadas ao Direito, dedicada especialmente à análise da atuação dos consórcios públicos no
âmbito do federalismo brasileiro. Em relação à metodologia empregada, utilizou-se o procedimento bibliográfico,
com o escopo de desenvolver uma revisão do tema. Após o caminho percorrido, a título de arremate, constatou-se
a necessidade de estudar o direito por meio de enfoques científicos, com maior rigor metodológico empregado nas
pesquisas, como meio de ampliar as possibilidades emancipatórias do padrão ético da ciência jurídica.

PALAVRAS-CHAVE: Teoria do Conhecimento; Ciências Sociais Aplicadas; Pesquisa jurídica; Consórcio


Público; Federalismo.

ABSTRACT: The absence of research with high methodological rigor in the science of law has been pointed out
by the specialized doctrine as a historical factor capable of delaying the qualified production of new legal
knowledge, which to a certain extent has strengthened the role of legal dogmatics in the traditionalism of law
teaching in Brazil. Brazil. In order to contribute to overcoming this scenario and to the ethical emancipation of the
legal discipline in the country, we sought to present an orderly set of basic concepts, albeit vestibular, for a better
understanding of the theory of scientific knowledge, its methods and of scientific research in the field of social
sciences applied to Law, especially dedicated to the analysis of the performance of public consortia within the
scope of Brazilian federalism. Regarding the methodology used, the bibliographic procedure was used, with the
aim of developing a review of the theme. After the path covered, as a conclusion, there was a need to study the
law through scientific approaches, with greater methodological rigor used in research, as a means of expanding
the emancipatory possibilities of the ethical standard of legal science.

KEYWORDS: Theory of Knowledge; Applied Social Sciences; Legal research; Public Consortium; Federalism.

1
Professor Permanente da Pós-Graduação em Direito e Instituições do Sistema de Justiça da Universidade Federal
do Maranhão e do Programa de Mestrado em Direito e Afirmação de Vulneráveis da Universidade CEUMA. Pós-
Doutor pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito pelas Universidades Federal de Santa Catarina e Federal
de Pernambuco. Promotor de Justiça. E-mail: calguimaraes@yahoo.com.br
2
Pós-Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Granada – Espanha. Doutor em Direito
Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito pela Universidade Federal
de Santa Catarina. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. Professor Titular do Curso de
Direito da Universidade Federal do Maranhão. Professor e Vice Coordenador do Mestrado em Direito e
Instituições do Sistema de Justiça da Universidade Federal do Maranhão. Coordenador do Núcleo de Estudos de
Direito Constitucional da UFMA. Promotor do Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público do
Maranhão. E-mail: paulorbr@uol.com.br
3
Advogado. Administrador e Pregoeiro da Universidade Federal do Maranhão. Mestrando em Direito e
Instituições do Sistema de Justiça da Universidade Federal do Maranhão. Membro pesquisador do Núcleo de
Estudos de Direito Constitucional da Universidade Federal do Maranhão. E-mail: mariano.munizz@gmailcom
1. INTRODUÇÃO

Ainda que historicamente as Faculdades de Direito em Olinda e São Paulo – ambas


fundadas em 1827 - estejam entre as primeiras instituições de ensino superior que surgiram no
Brasil, o pioneirismo do ensino jurídico não se revelou uma vantagem a ponto de transformar
ao longo da história a percepção da maioria dos estudiosos, no sentido de identificar a atividade
da pesquisa jurídica como um elemento basilar, que serve de subsídio para o próprio exercício
técnico profissional dos operadores do direito.
Um entendimento crescente na comunidade científica jurídica é a necessidade de
haver um maior rigor metodológico nas pesquisas científicas no campo do direito no Brasil. Já
bastante criticada pela doutrina, a antiga visão que prevalecia era muito focada no dogmatismo
jurídico e, em geral, restrita a meras revisões bibliográficas dos manuais de Direito mais
tradicionais, na análise jurisprudencial ou mesmo em pesquisas de campo para mera coleta de
opiniões acerca do tema em estudo.
Havia notadamente uma carência de sistematicidade nos trabalhos produzidos, de
modo que as hipóteses levantadas e a problematização no âmbito destes estudos raramente
seguiam um criterioso método científico de abordagem e de procedimento, o que ainda hoje é
percebido em muitos trabalhos que têm a pretensão de serem reconhecidos como científicos.
Isto resultou em um descompasso entre a evolução qualitativa observada nas
ciências sociais de modo geral e o desempenho da Ciência do Direito, resultante de pesquisas
científicas desenvolvidas no Brasil.
Diante deste cenário histórico, de ausência de uma rigorosa cultura metodológica
na formação jurídica brasileira, que abdicou em grande medida do uso do método como base
de sistematização do próprio conhecimento científico, revela-se importante analisar a teoria do
conhecimento científico e a pesquisa científica no campo das ciências sociais aplicadas ao
direito, especialmente quanto ao que distingue uma pesquisa acadêmica e o seu ciclo de
desenvolvimento evolutivo de outras espécies de pesquisas que possuem caráter meramente
operacional ou técnico jurídico profissional.
Neste sentido, o artigo tem por objetivo abordar os aspectos teóricos
epistemológicos e metodológicos procedimentais a serem aplicados em um estudo acerca da
atuação de instituições públicas consociativas, componentes do sistema de justiça brasileiro, na
condição de objeto da pesquisa científica de âmbito jurídico.
Para tanto, realizou-se a pesquisa descritiva, utilizando-se a técnica de pesquisa
bibliográfica, para levantamento doutrinário de conceitos e teorias sobre o tema em estudo.
Assim sendo, para alcançar o objetivo proposto, foram estruturados três capítulos.
No primeiro, realizou-se uma abordagem geral a partir de uma cuidadosa revisão da literatura
nacional, com aportes de autores estrangeiros, sobre a teoria do conhecimento científico, seus
caminhos de desenvolvimento epistemológico e os principais métodos, além de argumentar a
acomodação da Ciência do Direito no campo das ciências sociais aplicadas.
A partir do que construido, no segundo capítulo, buscou-se descrever a pesquisa
científica nas ciências sociais aplicadas ao estudo do direito, como meio de construção do
conhecimento científico no campo jurídico, indicando-se os principais métodos de abordagem,
métodos de procedimento e as técnicas de pesquisa, além de descrever as etapas do ciclo de
desenvolvimento da pesquisa científica. Ademais, também são apresentadas as principais
características que diferenciam a pesquisa científica jurídica da pesquisa técnico profissional,
empregada por operadores do direito.
Por fim, no último tópico, o texto discorre sobre a sistematização metodológica da
pesquisa aplicada, de natureza qualitativa, acerca dos procedimentos técnicos empregados em
um estudo sobre a atuação dos consórcios públicos, enquanto mecanismos de cooperação
federativa e integrantes do sistema de justiça brasileiro.

2. O CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Para suprir o hiato que há entre a teoria e a realidade prática relativa ao


conhecimento jurídico, é necessário que haja uma aproximação do direito com outros campos
do conhecimento científico, de modo a possibilitar um amplo raciocínio analítico, ancorado na
epistemologia crítica4 do processo cognitivo, que seja capaz de produzir conhecimento
científico novo, atento à responsabilidade social da ciência ante à fluidez do mundo
contemporâneo.
Ademais, ancorado na experiência histórica, assim como em pensadores como
Bacon, Foucault, dentre tantos outros, para Marques Neto (2001, p. 28), “saber é poder”.

4
Segundo a lição de Marques Neto (2001, p. 27), “a epistemologia crítica se interessa profundamente em
compreender como é utilizado o poder em que o saber científico implica; e como é utilizado não só pelos próprios
cientistas, mas também por aqueles que encomendam, manipulam e aplicam os resultados das ciências, inclusive
o Estado. [...] A epistemologia crítica pode, por conseguinte, ser compreendida como uma nova ética da ciência,
uma ética que surge de dentro da própria prática científica concreta”.
Mas o que é conhecimento científico?
O ponto de partida para situar o conhecimento científico, enquanto forma especial
de conhecimento, é a diferenciação entre este e o senso comum, além das outras formas de
conhecer (MARQUES NETO, 2001, p. 36), pois resulta de uma relação entre um sujeito e um
objeto a ser conhecido cuja credibilidade científica consiste no desenvolvimento metódico do
trabalho de investigação, aliado à relevância do objeto de estudo.5
Segundo Gil (2008, p. 1-2), o ser humano procura conhecer o mundo utilizando-se
dos sentidos para interpretar as informações que recebe a partir da sua observação, mas também
é influenciado por um conjunto de crenças, sentimentos, normas e procedimentos derivadas do
exercício da autoridade, entre outros. Contudo, tais formas de conhecimento comum ou vulgar
não satisfazem aqueles mais críticos e a partir da necessidade de obtenção de conhecimentos
mais seguros intelectualmente é que se desenvolveu a ciência.
Veja-se que o senso comum - também chamado de conhecimento comum, vulgar
ou popular - nos remete ao conhecimento prático e assistemático (sem nexo com outros
conhecimentos), fundamentado no pressuposto de que os fatos como se apresentam
representam verdades e, neste sentido, admite como conhecimento aquilo que considera
supostamente adequado ao seu objeto, mas que não passa de mera reprodução fiel dos fatos. É
a partir da intersubjetividade, formada por opiniões consensuais que ele obtém sua suposta
veracidade (MARQUES NETO, 2001, p. 38-39).
Contudo, Demo (1995, p. 30) é taxativo ao afirmar que o uso do senso comum para
conhecermos a realidade que nos cerca, sobretudo a partir de experiencias imediatistas, acríticas
e meramente crédulas, não é ciência.
Na visão de Fonseca (2009, p. 45), o senso comum pode nos levar ao erro e à ilusão,
uma vez que constitui um saber superficial, desprovido da criticidade cientifica que é sustentada
teoricamente para estabelecer ligações confiáveis do conhecimento.
Demais disso, deve-se levar em consideração que o conhecimento científico é
dinâmico e não encerra algo pronto e acabado com animus definitivo, bem como não detém
verdades inquestionáveis e imutáveis. Pelo contrário, busca sempre revisar e recriar as suas
próprias definições (MEZZAROBA; MONTEIRO, 2019, livro digital, n.p.).

5
Sobre o assunto, Mezzaroba e Monteiro (2019, livro digital, n.p.) consideram que o método de análise do
conhecimento científico nos permite “conhecer e investigar os objetos, os fatos, as coisas, a partir de suas causas,
efeitos e leis próprias”, razão pela qual vai mais adiante e profundo na formação do saber que o mero senso comum.
Assim, a verdade científica possui comprovação, a priori, transitória ou temporária,
obtida a partir da aplicação de uma determinada metodologia, para que se possa formar e
transformar o conhecimento científico.
Nesse sentido, para o estudo científico no campo das ciências humanas e sociais,
Demo (1985, p. 13) considera que é necessário adotar uma metodologia própria e mais
específica para realizar uma investigação de caráter científico, pois as características dos
fenômenos humanos os tornam sui generis, de modo que não se pode simplesmente aplicar os
mesmos métodos tipicamente utilizados para os estudos das ciências exata e natural, uma vez
que possuem realidades distintas.
Mas como sistematizar as exigências que possam vir a determinar o âmbito do que
é conhecimento científico?
Além do destaque aos fatores acima delineados, distintivos entre ciência e o senso
comum, Adeodato (2013, livro digital, n.p.) ensina que o termo epistemologia significa aquilo
que constitui a própria teoria do conhecimento científico.6 Segundo este autor, na filosofia de
Platão a epistemologia - do grego episteme – representa a esfera mais elevada do conhecimento
humano, o que significa, em outros termos, que o conhecimento epistemológico é científico e,
portanto, diferente do senso comum, pois aspira ser realmente verdadeiro, plausível
cognitivamente e passível de ser transmitido, entre outros.
Nota-se, por conseguinte, que no âmbito da Epistemologia, enquanto Ciência que
produz a Teoria do conhecimento, o conhecimento científico se origina da relação entre sujeito
cognoscente e objeto cognoscível (ZANELLA, 2013, p. 13). Deste modo, observa-se que a
epistemologia volta-se para a análise dos meios de exercício da atividade cognitiva e para os
tipos de conhecimento que existem. Portanto, a epistemologia jurídica irá compreender a
investigação metódica e racional dos fenômenos no campo do direito e a sistematização dos
conhecimentos dela resultantes (PIRES, 2017).
Assim sendo, compreendemos que o conhecimento científico se difere do senso
comum por ser instrumentalizado por uma sistematização racional, metodicamente ordenada,
que almeja ser precisa, objetiva e é ao mesmo tempo passível de questionamento crítico. Estes
fatores diferenciam a cognição qualitativa do conhecimento científico em relação àquele
conhecimento popular obtido a partir do senso comum.

6
Em sentido diverso, Mezzaroba e Monteiro (2019, livro digital, n.p.) são incisivos ao afirmar que: “O objeto da
Teoria do Conhecimento é, portanto, o próprio conhecimento. A Epistemologia é outra área da Filosofia muito
próxima da primeira, mas que se ocupa do estudo da própria Ciência. As preocupações epistemológicas são as que
se voltam para a análise dos pressupostos, dos interesses e das ideias subjacentes aos grandes projetos científicos”.
A reconstrução e reformulação do saber científico, a partir do questionamento e da
problematização crítica da realidade humana, revele-se um processo permanente, continuo e
cumulativo do conhecimento, de modo que uma investigação científica não significa o reinício
da aprendizagem humana a partir de uma estaca zero, mas sim um sequenciamento
desenvolvido metodicamente. Isto porque, segundo alguns teóricos, não é possível haver
conhecimento científico sem que haja um modelo para referenciar a organização do saber, ou
seja, uma teoria paradigma que sirva de base (ASSIS; KÜMPEL, 2011, livro digital, n.p.).
É o sistema de referências do sujeito que investiga que condiciona a produção do
saber científico, a partir de um patrimônio cultural comum, formando um conjunto de
constatações científicas que são sempre passíveis de verificação, na medida em que constitui
um aprendizado coerente, metodicamente fundamentado, bem demonstrado e adequadamente
sistematizado (GUSTIN; DIAS, 2002. p. 32).
Seguindo este entendimento, Fonseca (2009, p. 46) considera que devem ser
atendidos dois requisitos básicos para que um estudo seja considerado científico. O primeiro é
estar fundamentado em um sistema consistente de ideias e de princípios, ou ainda, em conceitos
e/ou categorias de pensamento. O segundo, consiste em utilizar um método adequado para
desenvolvimento da hipótese levantada.
Por outro giro, Cunha Filho (2021), ao questionar qual seria o critério que distingue
a ciência, da pseudociência7 e da não ciência, defende que a primeira “tem como marca
distintiva a presença de uma atitude científica em face de evidências empíricas”, e não em
ideologias, crenças, intuições ou desejos, pois são as evidências embasam o conhecimento
científico na formulação de suas hipóteses, teses ou teorias científicas sobre determinado
fenômeno.
Entretanto, ressalta-se que no campo da filosofia do direito há outras perspectivas,
por demais complexas, que devem ser consideradas - especialmente a ética - para construção
epistemológica de uma verdade cientificamente emancipada e válida8.

7
Para Cunha Filho (2021): “A real ameaça à ciência não parte da não ciência, mas sim da pseudociência. Pertencem
a esta última áreas de conhecimento que afirmam chegar a conclusões com base em evidências, mas na realidade
não o fazem ou o fazem de maneira distorcida. São pseudociências, para McIntyre, a astrologia, a religião, entre
outros. Por fim, são científicos os campos que sustentam suas afirmações em bases empíricas robustas e
fundamentadas em teorias explicativas, como a física, a medicina, a química, entre outros.”
8
Sobre a aplicabilidade dos objetivos epistemológicos e éticos à luz da moderna filosofia do direito, em
profundidade, Adeodato (2013, livro digital, n.p.), para quem: “A filosofia do direito envolve pelo menos três
lados: primeiramente, o gnosiológico ou, mais modernamente, científico [...]. Em segundo lugar, a filosofia cuida
do lado ético [...]. E finalmente, numa perspectiva que se pode denominar metafísica, no plano das “ideias” de que
falam tantos filósofos [...].”
O conhecimento científico, portanto, é essencialmente teórico e permeia o trinômio
verdade, evidência e certeza para levá-los em consideração na formulação de suas conclusões9,
mas nada em ciência deve ser considerado como sinônimo de verdade e certeza absoluta, ou
ainda de teorias insuperáveis, pois conforme adverte Marques Neto (2001, p. 41) não há em
ciência a produção de resultados definitivos, inabaláveis e irrefutáveis.
Contudo, é interessante observar que na visão do senso comum, as teorias
científicas são tidas como se fossem revestidas de verdades quase irrefutáveis e eternas,
entendimento que é bastante equivocado, uma vez que o conhecimento científico é retificável
por meio de um sistema teórico lógico e coerente (MARQUES NETO, 2001, p. 43).
Isto não significa que o conhecimento científico não busque alcançar alguma
verdade, ainda que esta seja transitória e retificável, como dito antes. Nessa perspectiva, Gil
(2008, p. 8), admite que a veracidade dos fatos é o objetivo fundamental da ciência e, por esta
razão, ela se assemelha quanto aos objetivos a outras formas de conhecimento, mas distingue-
se por sua condição basilar de sujeitar-se à verificabilidade.
Após tais considerações, pode-se, então, inferir que no campo do conhecimento
jurídico, de modo especial, faz-se necessário distinguir o saber de caráter científico daquilo que
é dogmático, pois o dogma ainda que venha constituir ou derivar de um conhecimento científico
é antes de tudo uma proposição comumente considerada, a priori, como verdade certa e
inquestionável.10
Para Assis e Kümpel (2011, livro digital, n.p.), o conhecimento dogmático dos
operadores do direito, mesmo utilizando-se dos dogmas como dos pontos de partida, gira em
torno de incertezas, pois a dogmática jurídica não se restringe à simples proclamação dos

9
Sobre o conhecimento científico, Marconi e Lakatos (2003, p. 80) aduzem que: “Constitui um conhecimento
contingente, pois suas proposições ou hipóteses têm sua veracidade ou falsidade conhecida através da experiência
e não apenas pela razão, como ocorre no conhecimento filosófico. É sistemático, já que se trata de um saber
ordenado logicamente, formando um sistema de ideias (teoria) e não conhecimentos dispersos e desconexos.
Possui a característica da verificabilidade, a tal ponto que as afirmações (hipóteses) que não podem ser
comprovadas não pertencem ao âmbito da ciência. Constitui-se em conhecimento falível, em virtude de não ser
definitivo, absoluto ou final e, por este motivo, é aproximadamente exato: novas proposições e o desenvolvimento
de técnicas podem reformular o acervo de teoria existente.”
10
Para uma diferenciação entre dogmática e zetética, Assis e Kümpel (2011, livro digital, n.p.), para quem toda
investigação jurídica sempre utiliza os enfoques da dogmática e o zetético, razão pela qual não há uma linha
divisória entre eles, mas sim o predomínio de um enfoque sobre o outro. O autor destaca que o enfoque dogmático
não questiona suas premissas (dogmas) e “a dogmática jurídica enfoca mais as premissas técnicas (normas
jurídicas), suas sistematizações, classificações, divisões e conceitos”, enquanto que o enfoque zetético “preocupa-
se com o problema especulativo; predomina o sentido informativo do discurso; visa, portanto, descrever certo
estado das coisas.”
dogmas estabelecidos, mas consiste na interpretação da vinculação destes dogmas aos fatos
analisados, o que permite ao jurista certo grau de manipulação no ato interpretativo11.
Deste modo, um fato novo ante a uma atitude dogmática tende a ter por reduzida a
sua realidade, pois será considerado a partir dos padrões já consabidos (como são considerados),
dada a postura de indiferença e omissão assumida pela dogmática. Assim, é necessário
empreender um raciocínio científico crítico contradogmático, utilizando-se de critérios cada
vez mais rigorosos para problematizar e questionar os fatos, as coisas, as leis, os objetos e os
comportamentos até então aceitos como verdade (MEZZAROBA; MONTEIRO, 2019, livro
digital, n.p.).
Por seu turno, Marques Neto (2001, p. 118) destaca que a expressão “dogmática
jurídica” compreende dois termos antagônicos e tem sido empregado por muitos juristas fora
do seu sentido técnico para indicar o objeto da ciência do direito, chegando mesmo a defini-la
como uma ciência dogmática, o que este metodólogo considera uma ideia absurda.
Em linhas gerais, o termo dogma no campo jurídico,12 compreende o estudo da
elaboração normativa, sistemática e ordenada segundo determinados princípios, além da
construção teórica que se faz acerca da norma jurídica, tendo em vista sua aplicação.
Neste contexto, Fonseca (2009, p. XIX) considera que é grande a produção teórico-
jurídica brasileira e reconhece que há qualidade em boa parte, mas ressalta que ela está mais
voltada para a divulgação e interpretação do pensamento jurídico consagrado do que para o
trabalho de análise crítica, empírica ou de dados de realidade, que é necessário para uma
avaliação contínua da eficácia da doutrina e do nosso ordenamento jurídico-normativo13.
Sobre esta temática, Fix-Zamudio (2007, p. 72, tradução nossa) indica que a partir
da produção do conhecimento empírico são obtidos novos elementos a serem incorporados ao
acervo sistemático da doutrina, os quais enriquecem a dogmática jurídica e fornecem aos
futuros pesquisadores um conhecimento novo e mais atual, de modo a permitir o avanço
evolutivo do conhecimento científico do campo do direito.14

11
Para um maior aprofundamento, cfr. Machado Segundo (2008), em cujo ensaio investiga as possibilidades da
dogmática jurídica enquanto Ciência do Direito, inclinando-se por reconhecer, em síntese, que hodiernamente o
conhecimento científico é definido por exclusão, ou seja, é científico o conhecimento que não é dogmático.
12
Sobre o tema, detalhadamente, Adeodato (2002, p. 31) para quem: “A dogmática jurídica consiste exatamente
no manejo das regras que garantem que esses processos de revisão e atualização permanecerão dentro dos limites
fixados pelas próprias normas jurídicas, estabelecendo modos interpretativos e integradores para adaptação da
norma ao fato.”
13
Para uma síntese sobre a cultura metodológica na formação jurídica brasileira, da qual nos valemos na nossa
análise, veja-se Gustin e Dias (2002, p. 25). Cfr., também, Nobre (2005).
14
“Una vez realizada esta labor de conocimiento empirico, los datos obtenidos que se supone no han sido todavia
incorporados ai acervo sistematico de la doctrina, deben ser ordenados y coordinados, para enriquecer la dogmatica
Embora esta necessária vinculação peculiar com a prática seja uma das principais
características das ciências sociais, de modo oposto, ao longo do tempo, neste campo do
conhecimento jurídico a omissão representa, por si só, uma espécie de prática. (DEMO, 1985,
p. 77).
Assim, cumpre destacar que a ciência do direito a que nos referimos neste artigo é,
portanto, aquela stricto sensu (teórica), que complementada a posteriori pela prática oriunda da
investigação empírica passa a ter um caráter efetivamente de ciência aplicada.
Consequentemente, deve-se concluir que, a ciência do direito e sobretudo a
epistemologia jurídica não se resumem ao estudo das normas, mas compreendem um processo
fluido de estudo dos problemas do objeto por meio da aplicação adequada de um método
científico, que envolve diversas variáveis e requer uma conjugação harmônica de aspectos
fáticos, valorativos e normativos, além da interrelação com outros ramos das ciências, com a
finalidade de conferir validade ao conhecimento jurídico-científico e assim, em última análise,
agregar valor à sociedade em sintonia com os valores humanos e sociais tutelados
constitucionalmente na ordem jurídica de um determinado Estado.15
Por oportuno, convém destacar ainda que, sendo valorativas as ciências sociais,
estas não são norteadas por um objetivo de neutralidade, pois se assim o fossem haveria
necessariamente uma isenção de juízos de valor, o que seria inviável considerando que há uma
relativa identidade entre sujeito (sempre subjetivo) e objeto (DEMO, 1985, p.72).
O pesquisador é um ser humano e naturalmente influencia e é influenciado por um
conjunto de valores e condutas típicos da vida em sociedade, sendo assim impossível se afirmar
um suposto dever de atuar de forma neutra, ou seja, sem influencias na sua pesquisa daqueles
aspectos próprios de sua vida pessoal (BONAT, 2009, p. 9).
Também corrobora com este entendimento, Marques Neto (2001, p. 45-46), para
quem não há indiferença ou neutralidade absoluta do sujeito cognoscente (cientista), pois este
produz o conhecimento científico dentro de condições socioculturais concretas, às quais ele não
está alheio – e nem deveria estar - e, portanto, influencia e é influenciado por um sistema de

y proporcionar a futuros investigadores un material mas reciente que les permita avanzar en el dificil camino de la
evoluci6n en el conocimiento del campo del derecho.” (FIX-ZAMUDIO, 2007, p.72).
15
Marques Neto (2001, p. 44) leciona que as teorias científicas são um produto social e devem estar comprometidas
e engajadas com a problemática oriunda da realidade social, de modo que, nessa perspectiva, elas existem para
serem aplicadas e propiciar benefícios práticos para a sociedade ao largo de todo processo de transformação
histórica da humanidade. No mesmo sentido, Bachelard (1996), para quem o conhecimento científico é ação
teórica em um processo de busca da verdade por meio da reconstrução, retificação, cortes e rupturas
epistemológicas, assumindo uma posição crítica em relação ao estabelecido pelo senso comum, além de evidenciar
uma preocupação com o aspecto consequencial da evolução do conhecimento
valores que impõem uma responsabilidade social sobre a repercussão que o conhecimento
científico produzido possa gerar na sociedade.16
Porém, a captação e manipulação da realidade proposta pela ciência se desenvolve
por meio de uma metodologia, que se preocupa em como chegar a um fim de maneira racional,
conciliando teoria e prática para tratar da realidade social, a partir de sua posição instrumental,
em um nítido processo de desmitologização e dessacralização do mundo real (DEMO, 1985, p.
19-20). Logo, a “metodologia é a ciência que estuda os métodos utilizados no processo de
conhecimento” (BONAT, 2009, p. 21).
O método – do grego methodos, composto de metá, ‘depois’, ‘que segue’ ou ‘por
meio’; e de hodos, ‘via’ ou ‘caminho’– cumpre uma função determinante na investigação
científica que caracteriza todas as ciências, na medida em que indica o caminho e o modo de
proceder, ou seja, o circuito a ser percorrido até se chegar à conclusão final de uma investigação
que produzirá um conhecimento admitido como científico.17
Este entendimento coincide com o de Marconi e Lakatos (2003, p. 83), para quem
o método é o “conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e
economia, permite alcançar o objetivo - conhecimentos válidos e verdadeiros -, traçando o
caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista.”
No entanto, Mezzaroba e Monteiro (2019, livro digital, n.p.), cujo pensamento
coincide com o de Gil (2008, p. 8), observam que há diferentes métodos de investigação
científica aplicáveis aos mais diversos campos do conhecimento, de maneira que a escolha para
aplicação de um determinado método, com seus procedimentos técnicos ou instrumentais
específicos, dependerá do tipo de objeto investigado e dos argumentos da pesquisa.
Assim, considerando esta variabilidade de métodos, é importante classificá-los.
Quanto aos tipos de métodos científicos utilizados na pesquisa em ciências humanas e sociais,
estes são geralmente classificados em indutivo, dedutivo, hipotético-dedutivo, dialético e
sistêmico. Sobre esta organização metodológica do raciocínio, Mezzaroba e Monteiro (2019,

16
Para uma síntese notável, veja-se Marques Neto (2001, p. 47), para quem: “[...] nenhum pesquisador inicia em
branco um trabalho de investigação científica. Ele parte de todo um conhecimento teórico acumulado [...] o
cientista não é, não pode ser e não deve ser absolutamente neutro, pois a neutralidade absoluta é incompatível com
o trabalho científico. [...] O que afirmamos é que o sistema de valores ideológicos e políticos condiciona, embora
nem sempre determine, a produção das teorias científicas.”
17
Gil (2008, p. 8) define o método como um caminho para se chegar a um fim específico e o método científico
como um conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos utilizados para se alcançar o conhecimento.
livro digital, n.p.) compreendem que há uma reciprocidade excludente entre estes métodos, por
uma questão de coerência.18
Não é objetivo deste trabalho examinar ao detalhe todas as possibilidades
metodológicas aplicáveis na pesquisa científica, mas importa ressaltar que estes, embora
amplamente conhecidos, não representam de um rol taxativo, uma vez que existem outros
métodos auxiliares, instrumentais ou complementares. Contudo, certamente são estes os
principais tipos de métodos de abordagem utilizados na pesquisa científica.
Entretanto, “o que realmente interessa é a pesquisa. Esta é a maior finalidade básica
da ciência. A metodologia é somente instrumento para chegarmos lá” (DEMO, 1985, p. 22).
Desta forma, é importante não confundir método com o processo em si, pois este
último diz respeito à forma como serão executadas as ações de uma pesquisa, enquanto que o
primeiro pavimenta de modo amplo o caminho a ser percorrido pelo pesquisador, desde o
problema inicial até seu objetivo final (BONAT, 2009, p. 21-22).
Veja-se que, é a partir da problematização do objeto a ser investigado que são
aplicadas as correntes de pensamento chamadas de teorias de base, marcos teóricos ou
referenciais teóricos (e. g. positivista, neopositivista, marxista, estruturalista, neoestruturalista,
entre outros), que compreendem metodologias consistentes com caráter lógico para
fundamentar de maneira clara, precisa e suficiente a pesquisa sobre determinado fenômeno
sociojurídico ou categoria.
Demo (1985, p. 78), explica que não é possível escapar ao caráter abstrato e geral
da teoria, mesmo que esta tenha se originado de algo concreto, pois os conceitos teóricos não
buscam esclarecer situações individuais, de modo que toda teoria pode apresentar-se
descompromissada com a realidade concreta.
Assim, retomando-se a ideia de que teoria e prática se complementam na formação
do conhecimento científico, importa salientar que as ciências sociais estão vocacionadas para a
solução prática de problemas específicos, por meio da aplicação de uma metódica apropriada –
considerada existente por abstração - ao objeto da problematização, sendo esta, o resultado do
confronto analítico crítico entre uma teoria de base norteadora da pesquisa e a realidade dos
fenômenos sociais que transcendem o individual.

18
Em que pese reconhecermos a necessidade de uma amarração metodológica coerente, não nos filiamos à ideia
da haver necessariamente uma reciprocidade excludente entre estes métodos, pois na pesquisa na área das ciências
sociais no campo jurídico, dada a sua natureza aplicada à realidade social, muitas vezes faz-se necessário certo
desprendimento para desbravarmos por diversos caminhos metodológicos que possibilitem o desenvolvimento
adequado das etapas da pesquisa. Demais disso, Fonseca (2009, p. 62) considera que na área do direito ainda não
há um método de pesquisa que seja considerado pronto e acabado.
Neste sentido, importa situar a ciência do direito no ramo das ciências sociais
aplicadas19, cujo objeto é essencialmente qualitativo, histórico, temporal, fluido, dinâmico,
específico e comprometido ideologicamente, vez que há uma identidade entre sujeito e objeto
(MINAYO, 2002, p. 13-15).
Por outro lado, tratando especificamente sobre a suposta distinção dicotômica entre
o sujeito e o objeto, reforça o nosso entendimento identitário entre ambos, no âmbito das
ciências sociais, o pensamento de Gustin e Dias (2002. p. 32), que aduz não haver diferenciação
entre eles, pois um conhecimento compreensivo e íntimo torna o objeto uma continuação do
próprio sujeito.
Por fim, observa-se que as variações de resultados finais das investigações
científicas em ciências sociais decorrem das diversas configurações que se apresentam na
formação das mais variadas sociedades com visões de mundo e interesses distintos, mas não se
pode perder de vista que cada resultado de pesquisa representa um tijolo a mais assentado nesta
mega construção contínua e infinita do conhecimento, vez que a busca pelo saber é parte
essencial da natureza humana.

3. A PESQUISA NAS CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS AO CAMPO JURÍDICO

Ultrapassado o resgate teórico mais geral sobre epistemologia e metodologia da


pesquisa, cumpre investigar agora dois pontos essenciais: como o conhecimento científico é
construído (ou reconstruído, retificado) nas ciências sociais, em especial, na ciência do direito?
Como se processa a pesquisa nas ciências sociais com foco no direito?
Antes de se iniciar qualquer investigação científica no campo jurídico, o pesquisar
deve ter por divisa que as respostas a estes questionamentos vestibulares servem como ignição
para sua jornada rumo à produção do conhecimento científico, com vista a promover a melhora
do objeto de pesquisa - elemento ético - a partir da influência provocada pelos saberes
produzidos numa pesquisa científica assentada na ideia de teoria crítica.
A motivação clara da pesquisa científica é a busca por respostas a indagações sem
soluções imediatas (GUSTIN; DIAS, 2002. p. 22), que no campo da ciência sociais e, por
conseguinte do direito, implica a problematização da própria realidade, tornando as

19
Em princípio seria possível tecer comentários acerca da aceitação da cientificidade das ciências sociais. No
entanto, considerando o objetivo proposto neste trabalho, optamos por admitir desde logo a pesquisa social como
parte integrante do conhecimento científico. Para uma síntese, veja-se Marques Neto (2001, p. 67 - 72). No mesmo
sentido, Minayo (2002, p. 13-15).
complexidades dos fenômenos sociais – ou seja, os problemas da vida prática20 - passíveis de
serem analisadas metodicamente para obtenção das respostas perquiridas.
Silva (2015, p. 48) compreende que o objetivo fundamental da pesquisa científica
é contribuir para a evolução do conhecimento humano em todas as áreas do saber. Para atingir
este fim, há emprego de um planejamento sistemático e a execução da pesquisa deve seguir
critérios rigorosos de processamentos das informações, não se confundindo com meras
“experiências espontâneas. Neste sentido, ele observa que o emprego leviano do termo
“pesquisa” não contribui para o conhecimento da realidade social, mas cria certa confusão entre
a pesquisa espontânea e a pesquisa formal ou planejada.
O mesmo entendimento é sintetizado por Gil (2008, p. 26), ao definir a pesquisa
como um “processo formal e sistemático de desenvolvimento do método científico”, cujo
objetivo fundamental “é descobrir respostas para problemas mediante o emprego de
procedimentos científicos”.
Na pesquisa científica21 realizada no campo do direito, o objeto de estudo se
concentra no fenômeno jurídico social historicamente realizado em um determinado espaço e
tempo (GUSTIN; DIAS, 2002. p. 32-33). É a partir da constatação da complexidade dos
fenômenos jurídico sociais que o pesquisador será capaz de formular sua problematização
considerada em sua dimensão cultural, fática, axiológica e normativa.
A pesquisa científica nas ciências sociais aplicadas, como é o caso do direito, possui
enorme relevância prática e deve ser concebida em uma perspectiva crítica, de modo a agregar
valor e ampliar as possibilidades emancipatórias dos grupos sociais e dos indivíduos que
estejam convencidos da validade argumentativa e dos saberes produzidos, por meio de critérios
comunicacionais (GUSTIN; DIAS, 2002. p. 30-33).
Daí se depreende que, no campo do direito não existe produção científica puramente
teórica, ou seja, separada da sua dimensão prática, pois para solução dos problemas jurídicos
que nascem das realidades sociais, a análise permanente dos conceitos e categorias jurídicas é
indispensável ao aprimoramento da prática judicante (FONSECA, 2009, p. 11).

20
Ao nosso argumento, adiciona-se a observação de Fonseca (2009. p. 2), para quem: “os problemas relevantes
para a pesquisa acadêmica não são inventados, mas encontram-se intimamente vinculados às circunstâncias da
vida humana.”
21
Por seu turno, conceituando pesquisa científica em sentido amplo, Marconi e Lakatos (2003, p. 155) leciona
que: “A pesquisa, portanto, é um procedimento formal, com método de pensamento reflexivo, que requer um
tratamento científico e se constitui no caminho para conhecer a realidade ou para descobrir verdades parciais.”
É por isto que dentre as possibilidades metodológicas, consideramos a investigação
sociojurídica crítica22 e histórica as mais adequadas para a construção desta perspectiva crítica
e emancipatória, capaz de elevar o padrão ético da ciência do direito, doravante o enfrentamento
da “dogmática jurídica” na sua acepção de verdade posta que ainda é muito característica na
formação e no pensamento jurídico brasileiro. (MACHADO SEGUNDO, 2008)
Assim, é necessário que se construam soluções articuladas com outros campos do
conhecimento científico, seja no horizonte da interdisciplinaridade ou, como é mais atual, da
transdisciplinaridade que concebe o conhecimento como um sistema único de saberes que
englobam todas as disciplinas em mútua cooperação de saberes (GUSTIN; DIAS, 2002, p. 25).
Nesse sentido, a aplicação do método de procedimento descrito na pesquisa
jurídico-científica, segunda a lição de Fonseca (2009, p. 67), “pode e deve incluir elementos de
outras ciências, como a sociologia, a economia, a ciência política, a antropologia, a psicologia,”
para que a análise em perspectiva interdisciplinar ou transdisciplinar permita o alcance de
percepções novas, impossíveis de serem alcançadas quando comparado a um olhar
exclusivamente dogmático-jurídico.
Diante disto, compreende-se que a pesquisa científica nas ciências sociais
aplicadas, em especial no campo do direito, busca gerar teorias e/ou teses explicativas com
interesse na aplicação imediata e nas suas consequências práticas diante de uma realidade
circunstancial (GIL, 2008, p. 27), por meio do uso de recursos metodológicos apropriados para
responder às indagações consideradas e, ao final, formular conceitos, respostas ou teorias
intelectualmente elaborados, a partir da análise e verificação metodologicamente sistematizada
da realidade prática dos fenômenos jurídicos vivenciados em sociedade, que possam ser
considerados válidos até posterior reforma, reconstrução ou mesmo sua substituição.23
É preciso destacar, porém, que mesmo sendo essencialmente qualitativo o objeto
de estudo nas ciências sociais aplicadas (MINAYO, 2002, p. 15), como já observado
anteriormente, a pesquisa científica utilizada como método de análise para comprovação ou não
das hipóteses levantadas pode ser do tipo “quantitativa”, que objetiva alcançar dados

22
A abordagem dialética crítica é mais adequada na percepção de Marques Neto (2001, p. 90), que traz em sua
obra uma apresentação mais desenvolvida sobre o tema e afirma que “[...] a dialética incomoda tanto! Ela não se
satisfaz com considerar as normas jurídicas como algo dado, porque sabe que elas são construídas. E quer saber
que critérios científicos e axiológicos presidiram essa construção; a que interesses estão servindo; e que tipo de
compromisso efetivamente traduzem. Ela indaga, questiona, põe em xeque os princípios mesmos que regem a
ordem jurídica; critica-os e, criticando, constrói, renova, retifica, humaniza.”
23
Gil (2008, p. 26) define pesquisa como “o processo formal e sistemático de desenvolvimento do método
científico. O objetivo fundamental da pesquisa é descobrir respostas para problemas mediante o emprego de
procedimentos científicos.”
quantificáveis, ou seja, as informações são mensuráveis ou, também, “qualitativas”, que
buscam uma compreensão global das informações reunidas, em suas múltiplas características e
relações.
Para Zanella (2013, p. 95-99), a técnica quantitativa objetiva estudar uma pequena
parcela da população, preocupando-se com sua representatividade numérica, para realizar uma
medição objetiva e a quantificação dos resultados a partir dos dados levantados e possibilita a
sua generalização, enquanto que a técnica qualitativa preocupa-se mais em conhecer a realidade
a partir da perspectiva dos sujeitos que empreendem a atividade da pesquisa.
Em apertada síntese, as duas técnicas de pesquisa podem ser assim comparadas:

Quadro 1
Técnica quantitativa Técnica qualitativa

Objetivo Subjetivo
Testa a teoria Desenvolve a teoria
Possibilita análises estatísticas Possibilita narrativas ricas, interpretações
individuais
Os elementos básicos da análise são os Os elementos básicos da análise são as
números palavras e as ideias
O pesquisador mantém distância do O pesquisador participa do processo
processo
O raciocínio é lógico e dedutivo O raciocínio é dialético e indutivo
Estabelece relações, causas Descreve os significados, as descobertas
Preocupa-se com as quantidades Preocupa-se com a qualidade das
informações e respostas
Busca generalizações Busca particularidades
Independe do contexto Depende do contexto
Fonte: Elaborado por Zanella (2013, p. 103).

Nesta linha, é similar o entendimento apresentado por Fonseca (2009, p. 7), para
quem são mais apropriadas as análises qualitativas do que as quantitativas nas ciências sociais,
mas destaca que é possível analisar quantitativamente eventos qualitativos.
Além disso, conforme Machado (2017. p. 16), a adoção da pesquisa qualitativa ou
quantitativa dependerá da formulação do problema que o pesquisador empreender, podendo-se
utilizar ambos os métodos de modo complementar24.

24
Neste sentido, Machado (2017. p. 16) informa que: “Os métodos podem se complementar e é isso que vários
autores que propõe os métodos mistos, uma combinação dos métodos qualitativo e quantitativo, buscam
Seguindo esta linha de raciocínio, Minayo (2002, p. 24-25) afirma que a diferença
entre os métodos é de natureza, mas ressalta que o conjunto de dados qualitativo e quantitativo
não se opõem, mas se complementam em uma interação dinâmica25.
Assim, é importante ter em mente que, nas ciências sociais, a pesquisa qualitativa
trabalha um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, que
corresponde a uma área profunda das relações, processos e fenômenos que não se pode reduzir
à operacionalização de variáveis (MINAYO, 2002, p. 21-22).
Demais disso, quanto à modalidade da técnica de pesquisa, esta pode ser
“descritiva”26, a qual descreve os fenômenos vistos pelo pesquisador sem propor soluções,
promovendo um diagnóstico amplo do problema ao descrever os fenômenos, ainda que estes
sejam interpretados em sua natureza quantitativa ou em sua dimensão qualitativa; ou
“prescritiva”, que se caracteriza por prescrever soluções ou novos modelos hipotéticos para os
problemas levantados na pesquisa (BONAT, 2009, p. 12).
Por outro lado, Mezzaroba e Monteiro (2019, livro digital, n.p.) afirmam que a
pesquisa pode se organizar ainda a partir de uma base exclusivamente teórica, utilizando-se
como técnica de pesquisa a revisão bibliográfica, rigorosamente sistematizada para se
aproximar do problema, ou pode ir mais além em uma pesquisa prática, caracterizada pelo
trabalho experimental de coleta e verificação empírica das informações, mas que não dispensa
o referencial teórico.
Desta maneira, entende-se que para se realizar a coleta e sistematização de dados
em uma pesquisa de campo27 é necessário que inicialmente seja elaborado um plano geral da
pesquisa que indicará um referencial teórico a partir da pesquisa bibliográfica prévia. (Bonat,
2009, p. 13).

demonstrar (Pole, K., 2009 e Johnson, R. B. e Onwuegbuzie, A. J., 2004). A escolha de um método qualitativo ou
quantitativo está diretamente relacionada à pergunta que desejamos fazer em nossa pesquisa. [...]. O método
qualitativo pode ser de fundamental importância para auxiliar à pesquisa quantitativa na definição de suas
categorias e na elaboração de seus questionários e suas variáveis.”
25
Este entendimento de complementariedade é fundamental na abordagem dialética, pois segundo Minayo (2002,
p. 24-25): “A Dialética pensa a relação da quantidade como uma das qualidades dos fatos e fenômenos. Busca
encontrar, na parte, a compreensão e a relação com o todo; e a interioridade e a exterioridade como constitutivas
dos fenômenos. Desta forma, considera que o fenômeno ou processo social tem que ser entendido nas suas
determinações e transformações dadas pelos sujeitos. Compreende uma relação intrínseca de oposição e
complementariedade entre o mundo natural e social, entre o pensamento e a base material. Advoga também a
necessidade de se trabalhar com a complexidade, com a especificidade e com as diferenciações que os problemas
e/ou ‘objetos sociais’ apresentam.”
26
Na visão de Gil (2008, p. 28), as pesquisas descritivas têm como objetivo principal descrever as características
de uma população ou grupo determinado, ou de um fenômeno específico, ou inda estabelecer relações entre
variáveis.
27
Em sua obra introdutória à pesquisa jurídica no Brasil, Bonat (2009, p. 14) elenca três formas de realizar a
pesquisa de campo: a observação direta; a entrevista; e o questionário.
Contudo, convém salientar que o trabalho de campo é prescindível, podendo ocorrer
pesquisas teóricas a partir de um denso levantamento bibliográfico e/ou documental, como já
foi afirmado. Confirmando este pensamento, Fix-Zamudio (2007, p.79, tradução nossa) lembra
que a partir da utilização da pesquisa documental, por exemplo, já foram elaborados
importantes estudos, cujos variados aspectos podem ser aplicados ao conhecimento do direito
em suas duas dimensões, a da ciência e a do ordenamento normativo28.
Nesse compasso, o ciclo de desenvolvimento da pesquisa científica deve seguir uma
sequência ordenada de fases ou etapas. Inicia-se com a definição do problema a ser investigado,
para em seguida realizar a definição dos termos e diferenciação do problema e a partir daí é que
será possível levantar as hipóteses de trabalho, com a indicação de variáveis e a delimitação da
pesquisa (fase exploratória), para posterior investigação e coleta de informações (trabalho de
campo), sistematização e classificação dos dados que serão analisados e interpretados
(tratamento do material) à luz do referencial teórico adotado diante da problematização da
pesquisa, com o intuito de apresentar um resultado, respostas ou explicações sempre de caráter
parcial da realidade, mas consideradas válidas (teorização), que confirme ou não a hipótese
aventada (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 155).29
Nesse sentido, Gil (2008, p. 31) adota nove etapas do ciclo da pesquisa. São elas:
“a) formulação do problema; b) construção de hipóteses ou determinação dos objetivos; c)
delineamento da pesquisa; d) operacionalização dos conceitos e variáveis; e) seleção da
amostra; f) elaboração dos instrumentos de coleta de dados; g) coleta de dados; h) análise e
interpretação dos resultados; e i) redação do relatório.”
Ademais, cumpre sublinhar ainda que, na ciência do direito ainda poderemos
diferenciar a pesquisa jurídico científica da pesquisa jurídico operacional; a primeira é
desenvolvida por pesquisadores do meio acadêmico que formulam suas teorias explicativas da
realidade a partir de modelos teóricos do saber jurídico – analítico, hermenêutico, empírico e o
argumentativo30 - que auxiliam na compreensão dos padrões comportamentais e normativos da
sociedade, enquanto que a última possui caráter meramente técnico profissional, utilizado

28
“Nos referimos a la tecnica de la investigación documental, sobre la cual se han elaborado estudios importantes,
y cuyos diversos aspectos pueden aplicarse al conocimiento del derecho en sus dos dimensiones de ciencia y de
ordenarniento norrnativo, como lo demuestran los trabajos que sobre esta materia se han elaborado tanto por
escritores latinoarnericanos -desafortunadamente todavia no en Mexico - como por los angloarnericanos.” (FIX-
ZAMUDIO, 2007, p.79).
29
Para melhor compreensão sobre a elaboração do projeto e desenvolvimento da pesquisa, em profundidade, veja-
se os seis passos da pesquisa propostos por Marconi e Lakatos (2003, p. 155-172).
30
Para uma apresentação mais desenvolvida acerca dos modelos teóricos atribuídos à produção do saber jurídico,
veja-se Gustin e Dias (2002. p. 30-32).
comumente pelos operadores do direito para solução casos específicos e concretos, quando do
exercício da profissão (FONSECA, 2009, p. 9-10).
Em outras palavras, enquanto a pesquisa jurídica científica ou acadêmica, em seu
ciclo de desenvolvimento da pesquisa, está direcionada para a análise e confrontação do
conhecimento no campo do direito, em face das múltiplas realidades sociais que se apresentam
e se correlacionam com as demais ciências para a produção do saber científico, visto que o
direito não é um sistema isolado, a pesquisa jurídica de cunho operacional ou técnico jurídica
profissional está mais voltada para o exercício prático das profissões jurídicas.

4. OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA JURÍDICA


APLICADOS AO ESTUDO DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS NO ÂMBITO DO
FEDERALISMO BRASILEIRO

Estudados os fundamentos básicos da Epistemologia enquanto Teoria da Ciência


ou do Conhecimento, feitas as devidas aproximações com a Ciência do Direito, inclusive quanto
aos seus aspectos de desenvolvimento metodológico para alcance de uma saber cientificamente
procedente, neste ponto, procuraremos apresentar e discutir os métodos de abordagem, de
procedimento e as técnicas de pesquisa a serem empregados, especificamente, em um estudo
sobre a atuação dos consórcios públicos.
Enquanto mecanismos de cooperação federativa e integrantes do sistema de justiça
brasileiro, buscaremos estabelecer uma sistematização da pesquisa aplicada no âmbito dos
consórcios públicos, sem qualquer pretensão de definitividade ou de completude dos critérios
inicialmente apontados, pois estes sempre devem ser definidos pelo pesquisador de acordo com
os objetivos que irão se desvelando ao longo do processo de investigação.
Assim, o passo primeiro de qualquer pesquisa sociojurídica pressupõe a
compreensão do contexto da realidade social que originou a problematização proposta para em
seguida apontar os caminhos metodológicos e procedimentais. Esta prévia compreensão da
pesquisa é fundamental para a escolha do método de pesquisa, pois este “depende do tipo de
investigação que se quer realizar” e “da finalidade que se pretenda alcançar” (FONSECA, 2009,
p. 48).
Neste caso, “partindo-se da afirmação de que o modelo federativo é um modelo
cuja aplicabilidade no Estado brasileiro encontra fundamentos de ordem técnica e geográfica”
(RAMOS; PINHEIRO, 2015, P. 37), a “lei dos consórcios públicos, constituiu uma das
primeiras iniciativas do Estado brasileiro a colocar na agenda pública a possibilidade de
efetivação de ‘pactos territoriais’ que facilitem as relações intergovernamentais”
(CLEMENTINO, 2019, p. 165).
Neste sentido, “a experiência brasileira de descentralização […] tem favorecido a
consolidação da democracia e tem tornado o Brasil um país mais ‘federal’ e uma democracia
mais consociativa devido à emergência de novos atores no cenário político” (SOUZA, 1998, p.
4). Este entendimento confirma “a tese de que a federação geralmente está associada ao ideário
democrático” (RAMOS, 2012, p. 34).
No entanto, Justen Filho (2014, p. 471-472) afirma que há limites intransponíveis
impostos pelo sistema federativo aos Consórcios Públicos, especialmente quanto a
competências políticas fundamentais.
Assim, um estudo abrangente acerca da temática deverá analisar a atuação de nova
entidade constituída sob a forma de consórcio público, formada por entes federativos
subnacionais, dotada de personalidade jurídica de direito público e de autonomia suficiente para
atuar na promoção e implementação de políticas públicas regionais e locais, bem como a sua
compatibilização em face do nosso sistema constitucional e da estrutura federativa brasileira.
Fácil perceber, pois, que estamos diante de uma típica pesquisa de natureza
aplicada, uma vez que possui finalidade nitidamente prática. Para tanto, o método de abordagem
proposto para realização do procedimento lógico-cognitivo nesta investigação científica será o
raciocínio indutivo, pois parte do particular, de premissas específicas, para a posterior
generalização dos resultados do trabalho (Gil, 2008, p. 10).
Isto porque, a indução parte de fatos concretos isolados sobre os quais o pesquisador
observa aspectos similares ou comuns que os unem, permitindo a sua generalização em
categorias teóricas (FONSECA, 2009, p. 48).
Entretanto, vale ressaltar que Marconi e Lakatos (2003, p. 86) destacam que tanto
o argumento dedutivo quanto o indutivo fundamentam-se em premissas, mas mesmo sendo
verdadeiras estas premissas, no caso do método indutivo elas levarão apenas a conclusões
provavelmente verdadeiras.
Por se tratar de um estudo jurídico-científico acerca do papel dos consórcios
públicos no âmbito do federalismo brasileiro, a pesquisa que se propõe pertence à vertente de
análise sociojurídica crítica31, em uma perspectiva zetética, a qual deverá ser desenvolvida por
meio do método de procedimento monográfico, que se mostra apropriado.
Por conseguinte, compreende-se que à luz desta da perspectiva sociojurídica crítica
será possível realizar o enfrentamento dos desafios epistemológicos que a investigação
científica encontra no campo jurídico, para se compreender como esta nova dinâmica
colaborativa - decorrente da atuação destes mecanismos de associativismo público - modifica,
ajusta, mantem e/ou fortalece o sistema federal brasileiro.
Nesta proposta de sistematização de um estudo do fenômeno sociojurídico, a
problematização da realidade32 considerará a atuação dos consórcios públicos no contexto
político, social e jurídico do federalismo brasileiro como o ponto de partida. A partir disto, será
possível definir os termos chave da investigação científica, os parâmetros referenciais e os
elementos caracterizadores de um Estado Federal, dos consórcios públicos e do
constitucionalismo brasileiro para interrelacioná-los na análise.
Estes elementos conceituais devem ser apresentados de modo a torná-los claros,
compreensivos, objetivos e adequados, a partir das teorias de base referenciais, buscando-se
evitar assim interpretações equivocadas da realidade observada e ainda alicerçar
epistemologicamente o conhecimento produzido.
Veja-se que, conforme sustenta Bonat (2009, p. 13), a simples observação de um
fenômeno não é pesquisa. Daí a necessidade de a pesquisa científica estar ancorada em um
suporte teórico que lhe proporcione uma base referencial para uma interpretação adequada do
fenômeno estudado.
Assim, não se pode perder de vista que “o método é uma forma, o recheio é dado
pelos elementos da moldura teórica que vão sustentar as hipóteses que o pesquisador construiu
e pelo problema a ser discutido no desenrolar da pesquisa” (FONSECA, 2009, p. 51).
Neste sentido, o trabalho procedural metodológico a ser realizado consiste em uma
análise sob uma perspectiva crítica, enfrentando a problematização da atuação dos consórcios

31
Para maior aprofundamento sobre o método sociojurídico crítico, Fonseca (2009, p. 62-70), para quem não é
possível separar no campo do direito os aspectos social e jurídico do estudo, podendo apenas distingui-los, pois na
pesquisa em ciências sociais há uma problematização do mundo social e das condutas intersubjetivas, buscando-
se, na área do direito, observar se há possibilidade de expressarmos estas realidades socias nascidas das relação
entre as pessoas de modo jurídico-normativa, lançando-se sobre o objeto de estudo um olhar crítico que nos permita
ir além da dogmática jurídica para relacionar seus recursos técnicos com a prática das instituições sociais
detentoras de poder decisório.
32
Gil (2008, p. 33-34), esclarece que “na acepção científica, problema é qualquer questão não solvida e que é
objeto de discussão, em qualquer domínio do conhecimento. [...] pode-se dizer que um problema é testável
cientificamente quando envolve variáveis que podem ser observadas ou manipuladas.”
públicos e sua contribuição para uma repartição equilibrada do poder no federalismo brasileiro,
para a implementação de políticas públicas – sobretudo aquelas vocacionadas ao combate da
desigualdade regional, como meio de reduzir as tensões e o desequilíbrio no arranjo federativo
nacional –, bem como para a manutenção e fortalecimento permanentemente do Estado Federal,
por meio do aprimoramento de seus aspectos colaborativo, coordenativo e cooperativo,
ancorados em um regime político democrático que estimule a participação concreta dos
cidadãos nos negócios públicos.
Para tanto, a pesquisa seguirá ainda o tipo metodológico de procedimento de
investigação jurídico-descritiva, pois buscará descrever os fenômenos jurídicos observados,
fornecendo um diagnóstico do problema interpretado em sua dimensão qualitativa, mas sem a
pretensão de propor soluções para o problema estudado, que resultará na laboração de um
trabalho monográfico que será o produto final da pesquisa.33
Além disso, quanto à técnica de pesquisa, em uma perspectiva ampla, será efetivada
a análise de conteúdo pela via da pesquisa teórica, adotando-se como procedimentos técnicos a
revisão bibliográfica nacional e internacional de textos doutrinários sobre federalismo e
consórcios públicos, além da análise documental, de pareceres e da legislação normativa,
relevantes para uma abordagem do tema em termos de importância prática.
É bom que se ressalte, a revisão bibliográfica sempre compreende a primeira fase
da pesquisa e está vinculada ao conhecimento do objeto de investigação do estudo.
Inicialmente, deve-se selecionar as obras, artigos científicos e outras publicações mais citadas
sobre a temática e aquelas com maior fator de impacto, evidenciadas por meio de uma análise
qualitativa das discussões preponderantes sobre o tema.
Para Fonseca (2009, p. 51), as fontes bibliográficas são sempre importantes e o
pesquisador dever considerar a leitura de textos com abordagens e enforques complementares
ao seu estudo34.
Assim sendo, também deve-se realizar a coleta de dados primários da pesquisa,
como leis atinentes à matéria e o contrato do consórcio público acolhido no escopo do objeto

33
Em perspectiva diversa daquela que nos filiamos neste estudo, Fincato e Gillet (2018, p. 49) afirmam que a
pesquisa sempre será exploratória, pois a exploração prévia do tema é uma etapa de qualquer pesquisa acadêmico-
científica, sem a qual não é possível sequer realizar a problematização e consequente delimitação do tema.
Entretanto, consideramos que a exploração prévia da temática é necessária para realizar as definições iniciais da
pesquisa, mas esta tarefa propedêutica não se confunde com o tipo metodológico de investigação jurídico-
exploratória, que passa pela análise do objeto e sua consequente decomposição em diversos aspectos.
34
Em outra importante lição, Fonseca (2009, p. 62-70), aduz que: “Os dados bibliográficos implicam certos riscos,
pois, se mal assimilados ou não questionados, podem acarretar a reprodução indefinida das mesmas ideias, sem
acréscimo de contribuição original.”
do estudo, para análise de suas finalidades e dos seus requisitos formais de legitimidade de
atuação, à guisa da legislação brasileira, bem como seu estatuto social e demais normas afins.
Além disso, deve-se proceder com a coleta de outros dados secundários da pesquisa,
como as doutrinas referentes ao Direito Constitucional e Administrativo, por exemplo,
relacionadas ao objeto de estudo, assim como a sua interpretação, além das doutrinas
específicas que abordam os consórcios públicos e as relações federativas brasileiras.
Nessa senda, o objetivo inicial será compreender os conceitos predominantes
relativos ao Estado Federal, Federação, Federalismo brasileiro, Princípio Federativo e Pacto
Federativo e Consórcios Públicos, por meio do aprofundamento das pesquisas bibliográficas,
documentais e das legislações.
A partir da leitura e análise dos textos, será possível em uma segunda fase organizar
e agrupar os dados bibliográficos, normativos legais e documentais coletados, entre outros, para
realizar uma análise interpretativa em uma perspectiva sociojurídica crítica, com
aprofundamento da pesquisa solidamente edificada nos marcos teóricos definidos.
É nesta etapa que se deve discutir como a atuação dos consórcios públicos, enquanto
mecanismos de cooperação federativa e considerando os limites impostos pelo próprio sistema
constitucional, contribui para mitigar tensões e manter o equilíbrio do arranjo federativo
brasileiro, de modo a obter a confirmação ou eventual refutação, mesmo que parcial, da hipótese
anteriormente levantada no estudo.
A análise deve permear o contexto das suas relações dos entes subnacionais entre
si e, principalmente, com o poder central no que tange aos efeitos da descentralização política
administrativa sobre o federalismo brasileiro, seus impactos para a consolidação de uma
democracia colaborativa e sobre a implementação das políticas públicas por meio
consociativismo de entes federados.
Em síntese, o trabalho resultará em uma dissertação, desenvolvida a partir do
método de abordagem indutivo (do particular para o geral), utilizando o método de
procedimento monográfico, sociojurídico crítico e descritivo, contendo resultados consistentes
em uma análise crítica acerca do tema proposto, privilegiando-se a técnica de pesquisa
bibliográfica, com recorte nas publicações identificadas por meio da seleção criteriosa para
fundamentação teórica da hipótese investigada, na análise documental e na legislação que
envolve a matéria.

5. CONCLUSÃO
Dentre todas as espécies animais, a nossa possivelmente é aquela que mais depende
do aporte de conhecimento deixado pelas gerações anteriores como requisito de sobrevivência
e de progressivo desenvolvimento das gerações futuras. Recorrente é a afirmação de que cada
homem que nasce não se torna um ‘novo Adão no paraíso’, ou seja, as novas gerações herdam
um legado histórico de conhecimentos que lhes são transmitidos e, portanto, não retornam ao
ponto de partida original.
Daí porque o pesquisador sempre objetiva deixar um legado de novos
conhecimentos a serem acumulados pela humanidade. Para isto, o ofício da investigação
científica, a partir mesmo das exigências postas pela epistemologia, abrange a competência de
formular problemas adequadamente e apontar respostas consistentes e confiáveis para que
possa atingir conclusões científicas capazes de sustentar as próximas gerações da pesquisa
científica. Nota-se que, ao longo do tempo, o conhecimento gerado se revela fruto de um
trabalho em equipe, composta de múltiplas gerações de pesquisadores, e um feito coletivo da
humanidade.
Deste modo, conclui-se, ser induvidoso que há necessidade de estudar o Direito por
meio de enfoques científicos, com maior rigor metodológico empregado nas pesquisas, a partir
de um envolvimento efetivo com a realidade sociojurídica. Mas isto requer uma urgente
aproximação da ciência do direito com outros ramos do conhecimento científico, sobretudo
aqueles vinculados às ciências sociais aplicadas, demandando maior interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade nos estudos desenvolvidos nesta área do conhecimento.
Ademais, é de suma importância que se perceba a atividade de pesquisa como
necessária também ao exercício profissional do operador do direito que lida com o fenômeno
jurídico no labor diário, mas que, em geral, carece de maior consciência crítica.
Nesse sentido, entende-se, ser notório o crescimento da investigação metódica nas
científica sociais aplicadas, mas no campo do direito percebe-se que ainda é necessário fechar
lacunas para que possamos garantir a produção de um saber ordenado e sistematizado,
superando o hábito de produzir meras revisões bibliográfica do passado, para passar a produzir
conhecimento inovador e transformador da realidade social, enquanto verdadeira tecnologia
jurídica, influenciando e otimizando assim a aplicação do saber jurídico no campo da realização
prática do exercício profissional do direito.
Conclui-se, portanto, que a dogmática jurídica possa ser cotejada, pela via das
epistemologias dialéticas que alicerçam a pesquisa científica, com as necessárias respostas que
o sistema jurídico deve à sociedade, na perspectiva do interesse geral e das exigências
constitucionais.
Diante de todas essas ponderações e esclarecimentos, parece correto concluir que o
ponto de partida para um salto qualitativo e muito necessário às pesquisas científicas no campo
do direito seria o estudo mais aprofundado da metodologia científica aplicado nas ciências
sociais desde os primeiros ciclos de formação acadêmica, considerando que as possibilidades
emancipatórias do padrão ético da ciência do direito estão ao alcance e sob a responsabilidade
de todos que atuam neste campo do conhecimento.
De todo o exposto, como conclusão principal, entende-se ser necessária e
imprescindível a correta compreensão dos pressupostos epistemológicos e metodológicos para
desenvolvimento de uma pesquisa científica, para a correta identificação das teorias, métodos
e técnicas que lhes são inatos e, consequentemente, pela via da correta aplicação dos mesmos
seja possibilitado o alcance da produção de um conhecimento que possa ser adjetivado de
científico.
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