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o fator humano

e os acidentes de trânsito
(pri meira parte: visão geral)

FRANCISCO CAMPOS *

1. Introdução; 2. O problema; 3. As
coordenadas do problema; 4. Análise da
função: características objetivas; 5. Os
acidentes; 6. O fator humano; 7. As cir-
cunstâncias; 8. A procura de soluções.

Após uma introdução em que se retrata o panorama desolador dos acidentes de trân-
sito, inicia o autor seu trabalho por uma análise dinâmica da função de motorista em
seus aspectos objetivos ou operacionais e subjetivos, destacando entre estes a aptidão
técnica, o complexo percepto-reacional e as tendências comportamentais. Examina
depois as "circunstâncias" ou fatores capazes de interferir no comportamento fisioló-
gico e psicológico do motorista, de modo mediato ou imediato, e que podem ser de
natureza técnica, laboral ou psicossocial. Considera o modelo social como talvez o fator
mais importante na origem das infrações e, conseqüentemente, do~ acidentes de
trânsito. Deixa para a segunda parte o estudo dos método~ de seleção e seus resultados.

1. Introdução

Há 25 anos escrevia o autor, nesta mesma revista (Campos, 1951)**, um artigo


sobre' seleção psicotécnica de motoristas. A segurança do trânsito, que nos
estudos pioneiros de Münsterberg em 1912 se restringia à simptes prevenção de
acidentes de caráter individual e secundariamente à redução de custos opera-
cionais, começava na década de 40 a transformar-se no grave problema social
que é em nossos dias. Desde então, técnicos de trânsito, engenheiros, médicos e
psicólogos têm-se esforçado na busca de soluções. Especialistas em seleção com
suas pesquisas de campo e de laboratório cada vez mais sofisticadas, técnicos de
treinamento com métodos mais efiCientes, estradas e veículos em constante

* Psicólogo do Instituto de Seleção e Orientação Profissional (IS0P).


** N. do E. A~ refçrência.\ bibliográfica\ mdkadas no tC.xto screio publicadas na segunda
parte do artigo.

-----------:---,--_._--------
Rio J~ Janeiro.
Arq bras. Psic. apl., 30 (3): 3-24. jUlí./S(·t. 197R
---
aperfeiçoamento, e normas, leis e regulamentos cada vez mais severos, todos têm
procurado intensamente atenuar o saldo trágico dos acidentes viários.
Num esforço interdisciplinar, os psicólogos têm diversificado suas linhas de
ação, colaborando com médicos e engenheiros em equipes ergonômicas para criar
veículos mais seguros, e com autoridades de trânsito e professores para a pro-
moção de campanhas de segurança. Os resultados, todavia, ficaram quase sempre
aquém de seus esforços e de suas expectativas.
Neste trabalho tentaremos dar uma idéia das pesquisas mais significativas
que têm chegado às nossas mãos. Apresentaremos, no entanto, algumas observa-
ções de caráter mais geral que abrangerão, como premissa, uma tentativa de análise
da situação, com especial ênfase no fator humano, e, como conclusão, um
enquadramento, também tentativo, do papel da seleção dentro do muito mais
complicado contexto da prevenção de acidentes de trânsito.

2. O problema

Vidas humanas num jogo em que, em 1975, 320 pessoas perderam irremediavel-
mente, na cidade do Rio de Janeiro, no próprio local do acidente. E muitos outros
depois, em número não revelado, dentre os 7.940 feridos dos 23.521 acidentes.
Em São Paulo, se as estatísticas publicadas nos jornais não mentem, o
número de vítimas fatais, em 1972, ultrapassou os 3 mil; em cada mil veículos, o
saldo médio de mortos é de 4; o de feridos, quase, 38.
No panorama nacional, também em 1972, registraram-se 7 mil mortos e 100
mil feridos para um total de 4,2 milhões de veículos. Isso se o Deputado faria
Lima não estava com a razão quando calculou em 120 mil o número de mortos em
todo o território nacional, numa estimativa dos que morrem após a retirada do
local do acidente, dados que as estatísticas não registram. Diga-se, todavia, que
essas estatísticas devem ser aceitas mais como brados de alarma do que como
retra to da realidade. Informações mais recentes, que nos chegaram quando este
artigo estava praticamente concluído, dizem que "as estradas brasileiras mataram
este ano 25 mil pessoas e deixaram um saldo de 185 mil feridos, dos quais 61 mil
com lesões irreversíveis" I.
O problema é universal, mas no Brasil parece ser particularmente grave,
dando lugar a notícias como: "o número de mortos nas ruas da cidade de São
Paulo é, em média, oito vezes maior do que o registrado em todos os Estados
Unidos,,2 e a manchetes como: "Médico do DNER revela que o Brasil é o segundo
país em número de vítimas de trânsito" 3, dados estes que também estão em
contradiçãO com os provenientes de outras fontes. Estatísticas francesas, por

I Jornal do Brasil, 26 dez. 1976.


, Jornal do Brasil, 2 jul. 1972.
, Jornal do Brasil, 21 ago. 1974.

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exemplo, afirmam que os cinco países com maior número de acidentes são EUA,
Japão, Alemanha, Inglaterra e França, tendo este último, em 1974, registrado
18.600 vítimas fatais.
Outras comparações entre Brasil e EUA afirmam que a proporção de
acidentes, desfavorável para o Brasil, é de seis para um, se se considerar que o
número de veículos é de sete para um e levando-se em conta a extensão das
rodovias.
O que nos deve preocupar, no entanto, não é o lugar ocupado na lista negra,
determinado em parte pela extensão territorial e o número de veículos por
quilômetro de estrada; deve-nos preocupar o número absoluto de vítimas que
aumenta assustadoramente, de ano para ano, numa tendência que parece fatal e
inelutável. É preciso, porém - e acreditamos que seja possível - lutar contra essa
fatalidade e empenhar todos os esforços para reverter as sombrias expectativas.

3. As coordenadas do problema

Os dados referentes a 1972 foram revelados pelo Deputado Vasco' Neto, presi-
dente da Comissão Especial de Segurança de Veículos Automotores e Tráfego, e
recolhem as infofírulçôes de uma pesquisa realizada pela Diretoria-Geral de Trân-
sito de São Paulo em colaboração com diversos organismos da capital paulista e
sua região metropolitana.
A comissão não se limitou a levantar números e calcular percentagens.
Procurou também indagar as causas dos acidentes. Transcrevemos do Jornal do
Brasil a apreciação dessas causas segundo a apresentação do Deputado Vasco
Neto:
"Para cada 100 mortes, 70 foram provocadas por deficiência educacional do
motorista: excesso de velocidade, imprudência, alcoolismo, sono, psicose, neurose,.
deficiências orgânicas, analfabetismo e outras falhas ligadas ao homem; 15 mortes
foram causadas por falhas técnicas das vias urbanas e rodovias em geral, como: má
conservação, sinalização deficiente, falta de sinais, ausência de passagens supe-
riores ou inferiores (passarelas), de anel rodoviário, má concordância de tangentes
com as curvas horizontais, inexistência de superlargura das curvas, superelevação e
outras anomalias; 12 mortes foram provocadas por falhas mecânicas do veículo,
como: luz, direção, freios. pneus lisos, má qualidade de peças, forma aerodinâmica
do veículo, estrutura deficiente, instabilidade e outras; três mortes foram devidas a
outras causas: variação de clima (estações), chuvas, neblinas, animais' na pista e
outras."
Resumindo. 70% dos acidentes são atribuídos a falhas humanas, 15% a
falhas estruturais e 12ifr a falhas mecânicas. A fatalidade interviria em apenas 3%
dos casos. Homem, estrada e veículo ou, na síntese algo forçada do já citado Faria
Lima. os três VV (via. veículo. vítima). seriam os grandes responsáveis pelos
desastres de circulação.

A cidentes de trâmito 5
Não parece, porém, tão simples a distribuição de responsabilidades. Em
muitos casos é descabido atribuir a responsabilidade a um único fator, parecendo
mais lógico falar em multicausalidade do aci.dente, sendo difícil estabelecer uma
hierarquia de responsabilidades. Há, com freqüência, uma conjunção de fatores
negativos. Veículos e vias de trânsito mais seguros teriam dado lugar a menor
número de falhas humanas, pois requereriam menor esforço e provocariam menos
desgaste humano. Homens mais prudentes ou hábeis talvez pudessem ter evitado
alguns acidentes pelos quais seus veículos e a estrada foram considerados respon-
sáveis. Seria mais justo falar em "envolvimento" do fator humano, ainda que assim
a participação do homem atinja índices tão elevados como os 91,7% que uma
pesquisa oficial francesa lhe atribui. A manutenção do veículo corresponde ao
homem; a intervenção do homem se estende além do volante, pois foram suas
mãos, seu cérebro e seus olhos que planejaram, construíram e inspecionaram os
veículos e as estradas. São os homens também que ditam as normas de trânsito e
têm por missão seu cumprimento. Por outro lado, falha humana não significa
sempre responsabilidade ou culpa humana. Há situaÇÕes que escapam ã possibili·
dade ou capacidade de controle do homem, seja causador ou vítima do acidente.
(Aliás, outro possível causador de acidentes, também humano, é o pedestre; as
estatísticas mencionadas, estranhamente, não se referem a ele.)
Em resumo, a presença humana, próxima ou distante, faz-se sentir na ime1l$a
maioria dos acidentes de trânsito. Para melhor compreender seu papel, o ponto
crítico, ponto de partida para a busca de solUÇÕes, é uma análise do trabalho.

4. Aoálise da função: características objetivas

A análise da função é, do ponto de vista metodológico, o primeiro passo para o


aPerfeiçoamento do exercício profissional. Em sentido amplo, a análise objetiva
da funçlo abrange nlo apenas os aspectos operacionais do trabalho, como também
as circunstâncias em que se desenvolve. A análise objetiva fornecerá subsídios para
a deduçlo dos requisitos necessários ao trabalhador, tanto aptitudinais (com vistas
ã sua seleção), como formativos (para fins de treinamento); aconselhará também
sobré as modificações que caberia introduzir tanto no ambiente material do.
trabalho, incluindo a disposição dos instrumentos e a organização do meio físico
(ergonomia), como no ambiente psicossocial (motivação).
Não faltam, na literatura profissiográfica, análises do trabalho do motorista.
Mira y López (1949) nos ofereceu há muito tempo um estudo excelente, de
enfoque simples, que reproduzimos no artigo antes mencionado. Apresentamos a
seguir outra tentativa, um pouco mais complicada, que não é senão uma sofisti-
cação do óbvio. Pretende-se estabelecer com ela apenas algumas premissas que
justifiquem as conclusões que se proporão mais adiante.
Enfocamos somente os aspectos mais relacionados com os nossos objetivos.
Além dos itens expressamente mencionados nas epígrafes que se seguem, indi-

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camos os que nos parecem os pontos crlticos, assinalando-os com um asterisco,
evitando assim repetições.

A) Tarefas. Consideramos como tarefas não só os comportamentos manuais


visíveis, como também as operações mentais invisíveis. Inspiramo-nos no modelo
hierárquico de Allen (1970), se bem que substituindo seu organograma por uma
descriçã'o. Podem ser assim esquematizadas:

1. Pôr o veículo em movimento.


1.1 Observar os sinais externos.
1.2 Escolher e preparar as manobras adequadas.
1.3 Manipular suavemente, e na seqüência conveniente, os comandos de adver-
tência, movimento e direçã'o (pisca-pisca, freio, volante, marcha adequada, acele-
rador).

2. Dirigir o veículo.
2.1 Observar continuamente os sinais internos e externos.
2.2 Antecipar (prever) modificações do campo exterior.·
2.3 Discriminar os sinais relevantes, sobretudo em situações de perigo po-
tencial.·
2.4 Decidir, em rápida sucessã'o, as operações adequadas a cada situação.·
2.5 Operacionalizar as decisões, às vezes em frações de segundo, coordenando
movimentos simultâneos ou seqüenciais de mãos e pés.
2.6 Corrigir decisões e operações em vias de realizaçã'o, atendendo a mecanismos
de informação retroativa, proprioceptiva e heteroceptiva.·
2.7 Detectar sinais de mau funcionamento do veículo, de seus comandos ou de
seus indicadores.

3. Parar o veículo.
3.1 Localizar o lugar de parada. Nos ônibus, atender aos sinais dos passageir01
para embarque e desembarque.
3.2 Dar o sinal de advertência.
3.3 Realizar suavemente a manobra adequada, manipulando os comandos con-
venientes.

B) Instrumentos. Consideramos como tais tanto os manipulados como os


consultados.
Além do grande instrumento, o veículo, temos:

I. Aparelhos de comando acionados com as mãos e com os pés (volante, freios,


acelerador, embreagem, interruptores e, nos ônibus, mecanismo para abrir as portas).
2. Instrumentos de observaçã'o (retrovisores, medidores diversos do painel,
caixinha para coleta de fichas nos ônibus).

AcidenteI de trâmito 7
C) Sinais. Não são apenas os sinais de trânsito propriamente ditos, ou semá-
foros, mas os sinais entendidos como informações que determinam o comporta-
mento, cuja importância é salientada pelo modelo informacional· de análise do
trabalho. Como diz AlIen, para bem bater um bolo a dificuldade não reside em
mexer a collier mas em saber avaliar o ponto de consistência da massa.

1. Sinais visuais múltiplos, superpostos e constantes:


- internos (painel de instrumentos) e, sobretudo,
- externos:
• frontais, laterais e a retaguarda;
• próximos e distantes;
• estacionários e mutáveis;
• esperados e inesperados. *

2. Sinais auditivos:
- internos (ruídos estranhos na máquina; toque de cigarra nos ônibus);
- externos (apitos, buzinas, ruídos de outros carros).

3. Sinais olfativos (freios queimados, etc.).

D) Condiçõ,.es. Algumas das condições a que se sujeita o trabalho do motorista


estão estreitamente ligadas a tarefas e sinais, e sua menção parecerá redundante.
Esta redundância, no entanto, contribui para ressaltar o papel de alguns fatores de
importância crucial na direção de um veículo.
Podemos classificá-las em operacionais, ambientais internas, de campo e
psicossociais.

1. Operacionais.
1.1 Máquina· em deslocamento constante dentro de um campo de atuação
também cambiante.
1.2 Necessidade de decisões rápidas.·
1.3 Exigência de ações adequadas quanto ao momento, seqüência e modu-
lação.·
1.4 Opções de manobra limitadas:
• por espaços ocupados por objetos estacionários, pessoas ou outros veículos em
movimento, a velocidades e em direções diferentes e nem sempre regulares;
• pelas condições das pavimentações, semipermanentes (calombos, depressões,
etc.) ou ocasionais (pista escorregadia);
• por normas de trânsito.
1.5 Para os profissionais:
• horários a serem cumpridos com bastante rigidez;
• horários de longa duração.

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2. Ambientais internas (ou com incidência no interior do veículo).
2.1 Ruído.
2.2 Freqüentemente, sobretudo nos ônibus urbanos, poluiçlro atmosférica além
de normal.
2.3 Especialmente nos ônibus urbanos e em determinadas cidades e épocas do
ano, calor excessivo.

3. De campo.
3.1 Freqüentemente, monotonia do percurso.
3.2 Gama de sinais e estímulos muito ampla e complexa. *
3.3 Possibilidade de comportamento impróprio de outros motoristas ou de
pedestres. *
3.4 Na conduçlro noturna, exposiçlro ao ofuscamento.

4. Psicossociais.
4.1 Normas conflitivas (normas de trânsito x exigências empresariais x direitos
de terceiros; normas formais x normas informais).
4.2 Permissividade para as infrações, com surtos episódicos de represslro mais ou
menos rigorosa.
4.3 Para alguns profissionais, insegurança quanto à estabilidade empregatícia.

E) Efeitos do exercicio profissional. Da mesma forma que a máquina mecânica


sofre alterações em seu funcionamento e até na sua estrutura, de acordo com as
exigências que lhe sito feitas pelo operador humano, este, machina nobilis, registra
modificações em seu comportamento, conscientes oU reflexas, conforme as
exigências que ele mesmo se impõe ou lhe sito impostas pelas condições de seu
trabalho. Estas modificações tanto podem ser positivas como negativas. Podem-se
mencionar:
1. Condicionamento seletivo da percepçlro com a conseqüente facilitaçlro das
decisões e automatização das reações e movimentos.
2. Redução mais ou menos passageira da capacidade em condições de stress.
3. Efeitos cumulativos das condições adversas de trabalho, que aumentam a
vulnerabilidade psicofisiológica, dando origem a doenças profissionais de caráter
físico (por exemplo, varizes), psicossomático (úlceras) e psíquico (neuroses).

A análise precedente é, por um lado, excessivamente detalhada; por outro,


incompleta. Poderia ter sido resumida em poucas palavras, mostrando, por
exemplo, que o motorista tem como misslto essencial dirigir seu veículo através da
corrente de trânsito, utilizando-se de alguns comandos mecânicos e sorteando
obstáculos de todas as classes em situações geradoras de tenslto e potencialmente
perigosas. É também incompleta, pois não desenvolve explicitamente os pontos
críticos nem analisa as causas dos erros, que sito as questões-chave para se

Acidentes de trânsito 9
compreender a dinâmica profissional e sugerir soluções para redução do número
de acidentes. Normalmente, o exame desses dois aspectos deve ser incluído na
análise da função, mas, pela sua importância, eles serão estudados à parte.

5. Os acidentes

o condutor de um veículo pode cometer muitos err6s. Alguns deles são inócuos e
irrelevantes do ponto de vista da segurança, enquanto outros são potencialmente
perigosos. Em quantos destes o perigo potencial se transforma em perigo real, isto
é, em acidente? Não há estatísticas, nem possibilidade de obtê-las. É fácil ver, e
menos fácil contar os erros cometidos pelos iti0toristas. Mas é muito difícil
calcular quantas vezes resultarão em acidente os avanços de: sinal, as ultrapassagens
imprudentes, as velocidades incompatíveis com o leito da estrada ou a densidade
do tráfego, os ziguezagues dos "fominhas" impacientes.
Há estatísticas sobre os acidentes, seu número e suas conseqüências, algumas
das quais já vimos. Há aquelas que discriminam seus responsáveis. Dispomos ainda
de outras informações que, no que toca à responsabilidade humana, dizem alguma
coisa sobre o comportamento aparente do causador do acidente. Um dos estudos
,neste sentido foi realizado pelo DNER, que, muito recentemente, analisou 260
casos de acidentes. Segundo suas conclusões (informação do Jornal do Brasil),
60% dos acidentes foram devidos a falhas do motorista. Deles se devem: 26% a
excesso de velocidade; 12% a dirigir na contra-mão; 11 % a dormir na direção; 9% a
ultrapassagem em curvas; 7% a parada súbita na pista.
Tais informações são deduzidas pela perícia, mais técnica do que psico-
lógica. Através do exame de certos vestígios, como a posição do carro, o estado de
seus mecanismos, estrutura, carroçaria e outros elementos, o rasto dos pneus,
pode-se inferir a trajetória seguida e a velocidade; são informações que constituem
o que Madariaga (1959) chama "a pista visível".
Essas estatísticas nos dizem qual foi a causa direta do acidente - um
comportamento errado do motorista - mas são insuficientes. Dizem-nos o output,
a saída do evento, talvez o input, mas calam sobre a transformação ocorrida no
agente. Falta a caixa preta que revele o que aconteceu na mente do motorista, que
esclareça as causas reais de seu comportamento equivocado.
Foi por ignorância? Provavelmente, não. Devemos, com efeito, supor que a
maioria dos causadores desses acidentes sabia que é perigoso ultrapassar em curvas
ou dirigir em velocidade excessiva. Surge então a primeira pergunta: o que impele
alguns motoristas a cometer essas transgressões? Como, porém, nem todos os que
desrespeitam as normas provocam acidentes, ao menos nem sempre, ocorre outra
pergunta: o que faz com que só alguns transgressores se envolvam em acidentes? E
por que alguns fiéis cumpridores das normas são às vezes responsáveis por eles?
Por imperícia, falta de treinamento e experiência suficientes? Por aptidão defi-
ciente? Por imprudente excesso de autoconfiança? Ou por modificações psicoló-

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gicas, como o bloqueio, ou fisiológicas, inerentes ao exercício da atividade? É
possível que esses e outros fatores desempenhem seu papel, com maior ou menor
intensidade dependendo das diferenças individuais.
À falta de caixa preta, a técnica do incidente critico poderia auxiliar-nos
muito se nos dissesse o que fez com que o motorista X se envolvesse num
acidente; tal informação seria especialmente valiosa nos acidentes fatais. Infeliz-
mente, os mortos não falam e os réus, quando não escapam, raramente fornecem
jnformações significativas ou fidedignas, o que também acontece com as vítimas
sobreviventes e as testemunhas. O outro aspecto da técnica do incidente crítico,
representado pelos incidentes positivos, poderia ser mais produtivo. Quem sabe se
inquéritos, mesas-redondas ou grupos de encontro com motoristas tarimbados não
elucidariam por que o motorista Y, em circunstâncias semelhantes, conseguiu
evitar o acidente?
Algo parecido com o incidente crítico é o estudo de casos descrito por
Hoste (1970). Os acidentes são analisados por duas equipes técnicas:

a) um grupo de observação, que atua no lugar do acidente, composto por um


engenheiro, um médico e um psicólogo, faz a perícia e submete os envolvidos no
acidente e as testemunhas a interrogatórios e entrevistas;
b) uma equipe de análise, que trabalha depois, constituída por nove especia-
listas de formação diversificada: ergonomista, engenheiro de minas, engenheiro de
pontes, jurista, estatístico, psiquiatra, psicólogo, psicossociólogo e traumatolo-
gista-cirurgião.

Infelizmente, Hoste não publica os resultados obtidos por tão interessante


experiênciá.
Outro enfoque que poderia dar alguma luz sobre a casualidade do acidente
seria o estabelecimento de uma tipologia psicológica, que constituiria mais uma
tipologia do acidentado do que do acidente. É claro que para estabelecer essa
tipologia devemos admitir que o acidente não é sempre um acontecimento mera-
mente fortuito e devido ao acaso. Essa é justamente a posição dos que advogam a
existência da predisposição ao acidente, teoria defendida pela primeira vez por
Greenwood e Marbe (in Tiffirz, 1942), em voga durante alguns anos, depois com-
batida e esquecida, mas que vez por outra volta à tona com mais vigor.
Além dos predispostos e dos menos predispostos (que seria uma escala, e
não uma dicotomia), podemos falar, no trânsito, de causadores e de vítimas do
acidente (estas nem sempre isentas de uma parcela de responsabilidade).
Há, pelo menos, um estudo sobre o tipo de acidente que resultou em um
achado positivo: é o de Babarik (1968), que encontrou um tipo de motorista
sujeito, com freqüência que ultrapassava a probabilidade estatística, a ser abal-
roado pela traseira. Estudos realizados com pessoas enquadradas neste tipo reve-
laram um padrão reativo peculiar: percebiam a situação lentamente, reagiam com
grande rapidez. '

AcidenteI de trâmito 11
Resumindo, as possibilidades de pesquisa fatual são muito reduzidas. Outro
caminho que resta é o estudo do comportamento humano, seja especulativo, seja
fundamentado em experiências não diretamente ligadas a acidentes.

6. O fator humano

Nesta primeira parte, limitaremos a análise do fator humano às características


essenciais, digamos críticas, para o exercício profissional da função de motorista,
focalizando os aspectos mais dinâmicos. Deixaremos para a segunda parte um
exame mais global e, por isso mesmo, mais superficial.
Dissemos antes que o motorista dirige seu veículo utilizando-se de comandos
mecânicos (a) e sorteando obstáculos (b) em situações geradoras de tensão (c).
Trata-se, portanto, de uma atividade: (a) manipulativa; (b) percepto-reativa;
( c) com in terferências da e sobre a personalidade.
Esquematizando essas idéias podemos distinguir no fator humano três ver-
tentes: a aptidão técnica, o complexo percepto-reacional e a personalidade.
A aptidão técnica consiste basicamente na habilidade e-na coordenação de
movimentos; em geral pode ser facilmente examinada numa prova profissional
(quando se trata, naturalmente, de profissionais). Não voltaremos sobre ela nesta
primeira parte.
O complexo percepto-reacional compõe-se de percepção, decisão e im-
plementação ou ação. Qualquer falha numa dessas fases poderá dar lugar ao
acidente. .
Em sua manifestação pode-se considerar o tempo e a adequação ou acerto
da reação. São vários os fatores que podem perturbar a reação, alguns externos,
como o acúmulo ou mesmo a falta prolongada de estímulos; outros internos, em
virtude das tendências comportamentais, o que nos leva à terceira vertente.
As tendéncias comportamentais, por sua vez, são uma resultante de múlti-
plos fatores: a) estruturais, tanto físicos COmo psicológicos, conscientes ou
subconscientes; b) evolutivos, fruto da educação e da imitação, dos hábitos adqui-
ridos, da maturidade; c) ocasionais, em virtude de doenças, preocupações, intoxi-
cações; d) as atitudes e valores morais.

6.l A percepção

Mais do que em qualquer outra profissão, tudo quanto faz o motorista decorre
de sua percepção tanto de sinais externos como das cinestesias do próprio orga-
nismo.
O processo perceptivó, neste caso, é essencialmente ativo e se inicia com a
observação, múltipla, simultânea e constante de um amplo campo de estímulos.
Requer, portanto, urna atenção continuada, livre de flutuações.

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A função exige que se faça um reconhecimento rápido e correto da situação,
mas não que se registre tudo quanto se percebe. O motorista deve discriminar,
entre a multidão dos dados observados, aqueles que se relacionam com sua ativi-
dade naquele momento; ou, nas palavras de Giscard (1974), analisar as represen-
tações da situação e de seus componentes. É, portanto, uma percepção seletiva,
perfectível, com a experiência que determina no motorista o que alguns chamam
sensibilização perceptual.
A experiência, grande facilitadora, contribui também para a formação de
"padrões de índices" (Neboit, 1974), que permitem prever ou antecipar o desen-
volvimento provável de uma situação. Ajuda também a preencher os vácuos da
percepção e a evitar surpresas perturbadoras.
Pode-se afirmar, em suma, que o bom motorista possui excelente percepção
seletiva e boa capacidade de antecipar situações e de completar as lacunas de sua
percepção.
A percepção está sujeita a sofrer perturbações, que podem obedecer a diver-
sas causas. A mais grave é a perda de consciência, quer em virtude de uma condi-
ção epiléptica, mesmo no estado de aura, quer devido a uma tendência irrepri-
mível ao sono (narcolepsia). É pouco freqüente e uma anamnese médica pode
facilmente preveni-la.
Mais freqüentes e mais perigosas são as alterações, tanto da percepção como
da reação e do comportamento em geral, decorrentes do uso e abuso de drogas e
de bebidas alcoólicas, tanto que se atribui a estas últimas até 50% dos acidentes
devidos a falhas humanas.
Perigosas também, por seu caráter insidioso, são as perturbações ergogénicas,
que se originam da própria atividade da direção como conseqüência da fadiga e da
monotonia. É a que se denomina entre os aviadores "fadiga de perícia", que gera
no profissional um excesso de autoconfiança e provoca um relaxamento do estado
de alerta.
O acúmulo de situações criticas também afeta a percepção e a discriminação
de sinais. Experiências realizadas por Hashimoto (1972) em situações reais de-
monstraram que, em circunstâncias desfavoráveis, a recepção de sinais e SUei intel-
pretação correta fica prejudicada, induzindo a erros e omissões. Por exemplo, a
discriminação de tons, tarefa fácil durante a condução normal, falhava durante a
realização de operações em situações difíceis porque o que Hashimoto chama de
"capacidade de reserva mental do motorista" estava saturada tentando detectar
outras informações. Como conseqüência, o sinal se perdia freqüentemente e as
respostas se desorganizavam.

6.2 O processo reacional


Outro dos aspectos críticos da açlro do motorista reside no processo reacional que
vai desde a identificaçlro do estímulo ou sinal significativo até a execuçlro do
movimento ou complexo de movimentos adequado .

.... cidenter de trânsito 13


No laboratório, as experiências sobre a reação - o famoso tempo de reação
constituem uma versão muito simplificada do processo reativo em situações
mais complexas: um sinal simples, uma luz ou um som, às vezes a discriminação
entre dois ou três sinais padronizados a que se deverá responder com a pressão de
uma tecla ou de um pedal, à direita ou à esquerda. Mas na situação real o processo
é muito mais complicado.
Resumindo o já exposto, na situação de campo podemos considerar os
seguintes estágios como formando parte do processo reacional:
a) um estágio preparatório de constante alerta, de vigilância múltipla e simul-
tânea para captar as mudanças que ocorrem no campo; contra esse perfeito estado
de alerta conspiram ocasionalmente a fadiga, a monotonia e outros fatores de
saúde física e de higidez mental;
b) um reconhecimento das mudanças de campo, que implica a correta discri-
minação, identificação e interpretação de seu significado e muitas vezes a previsão
de sua evolução posterior;
c) a escolha da atuação adequada sobre os comandos que o motorista tem à sua
disposição;
d) a execução da ação correspondente.
Mas o que torna crítico o processo reativo não é apenas a exatidão do
reconhecimento da situação e o acerto da ação executada, mas a rapidez do
processo. Uma reação retardada, mesmo certa, pode significar o desastre. A per-
cepção de sua iminência pode dar lugar à situação de pânico, ao "momento do
medo" dos alemães.
A situação de pânico altera o processamento reativo normal, modificando o
funcionamento do sistema de alerta. Mas o comportamento subseqüente não
parece ser uniforme. Em alguns casos, talvez a maioria, a consciência - ou a
percepção - se obnubila, prejudicando a capacidade de discernimento e de decisão
e desorganizando os movimentos, provocando seja a estuporação, seja a chamada
tempestade de movimentos. Em outros casos, mais afortunados, ocorre algo assim
como um estado de clarividência, que permite um insight supernormal da situação,
quando os movimentos se tornam mais ágeis e seguros. É possível que até o tempo
de reação se abrevie; é apenas uma hipótese que será difícil testar experimental-
mente.
A que obedecem essas diferenças de comportamento? Alguns motivos po-
dem-se originar de fatores intelectuais; outros, de perturbações físicas e psicoló-
gicas passageiras; mas provavelmente os fatores mais influentes podem ser os me-
canismos de automatização e a personalidade.

6.3 Os automatismos
Hoffmann (1965) admite, pragmaticamente, três tipos de reações: reflexas, auto-
máticas e reflexivas, além da reação de pânico, de caráter excepcional.

14 A.B.P.A. 3/78
É nas reações reflexas e automáticas que residem os mecanismos de facili-
tação para a aprendizagem e o bom desempenho da função de motorista, devido a
não exigirem uma participação muito intensa da atividade consciente. Alguns
desses reflexos são inatos, outros vão sendo adquiridos à medida que ;lS ações e
reações reflexivas vão sendo reiteradas e tornando-se mais ou menos automáticas.
Parte desses automatismos são uma cristalização evolutiva de reações que vão
sendo adquiridas na vida normal do homem da cidade: também o pedestre evita
obstáculos, muda o passo e corrige trajetórias; outras são desenvolvidas inconscien-
temente pelo simples fato de se viajar de õnibus ou de carro. Finalmente, as mais
específicas vão sendo adquiridas pelo motorista por meio da aprendizagem e da
experi~ncia.
Indiscutivelmente, sem esse acervo de automatismos adquiridos seria impos-
sível tomar com a rapidez necessária as decisões acertadas na direção de um
veículo e realizar com a prontidão requerida as manobras convenientes. Alguns
estudos demonstraram, realmente, a importância do condicionamento na pre-
venção de acidentes. Motoristas que desrespeitam conscientemente os sinais de
trânsito em horas e locais determinados ~m maiores dificuldades em obedecer a
esses sinais quando precisam pensar se devem ou não respeitá-los; a reação, des-
condicionada, torna-se então reflexiva, perdendo a eficácia da ação reflexa.
No entanto, ao lado dessa vantagem, os automatismos representam um
inconveniente nas situações de emerg~ncia que não se ajustam a um padrão habi-
tual e que demandam paralelamente uma resposta diferente do padrão de reações
adquirido e que podem provocar reações imprevistas, inexplicáveis mesmo a seu
nutor. Quando a situação exige reação diferente das automatizadas, tem-se não
apenas de tomar uma decisão nova, mas de anular o complexo reativo habitual, o
que exige um esforço mental suplementar e consome uma fração de tempo que
pode ser vital. É claro que reações e séries de reações, que para uns são ainda
reflexivas, podem ser reflexas para outros; isso depende, entre outros fatores, da
cxperi~ncia acumulada e da capacidade para "gravar" novas ações reflexas. A
experi~ncia acumulada se traduz, conforme atestam diversas estatísticas, numa
redução progressiva dos acidentes; por outro lado, a capacidade de automatização
dos reflexos de aquisição de novos condicionamentos é prejudicada pela idade,
conforme se pode inferir de outros estudos que revelam que, após o mesmo
número de anos de experi~ncia, os que aprenderam a dirigir em idade mais"avan-
çada provocam mais acidentes do que os que começaram mais jovens.

6.4 A personalidade

Münstnberg procurou prevenir os acidentes estudando a motricidade; mais tarde,


após as pesquisas de Blake e as técnicas de Lahy, os psicólogos concentraram-se no
estudo dos tempos de reação. Bingham (1926) entreviu depois a importância dos
fatorc~ tcmperamentais, mas foi sobretudo Mira y López (1949) quem percebeu

,< cidrl1/('"~ dl' trânsito 15


com maior clarividéncia o papel da personalidade nos acidentes de trânsito. Muitos
estudos apareceram a respeito, a maioria deles de caráter especulativo.
Uma das especulações mais excitantes - e que está a exigir uma resposta -
indaga se a personalidade n[o se transforma em contato com o volante. Da res-
posta que se der a esta quest[o dependerá em grande parte a compreensão, ao
menos do ponto de vista psicológico, do comportamento do motorista. A resposta
não é fácil; precisa-se, primeiro, comprovar que existem modificações essenciais do
comportamento. Depois, investigar quais são os fatores atingidos, quais as pessoas
mais suscetíveis a essa transformaç[o, em que grau e em que direção: exacerbam·se
os traços básicos ou há uma contra-reação formativa? E, fmalmente, podem-se
prever essas mudanças?
Que existem essas transformações, parece parcialmente confirmado pela
experiéncia diária. Quem não conhece alguém, de comportamento habitualmente
tranqüilo, que se torna agressivo ao volante? Ou, mais raramente, o nervoso que
se acalma nessa circunstância? A maioria dos estudos ou elucubrações sobre o
assunto centra·se na agressividade. Muitas teorias psicológicas tém sido utilizadas
para explicá·la.
Há quem sustente que o carro, como o álcool, revela a verdadeira personali-
dade; há os que opinam que é uma nova personalidade emergente que aflora como
compensação ou como contraformação reativa fazendo subir à superfície ten-
dências submersas pela educação ou pelo superego. A essa linha se ajustariam
interpretações freudianas (tanatos) ou adlerianas (desejo de poder) ou de uma
síntese de ambas (símbolo de poténcia sexual), conforme analisa, com certa irre-
veréncia, Piret (1952).
poderia ser uma simples manifestação das tendências agressivas inatas que
Lorenz (1966) atribui ao homem e que, fruto da acumulação de energia, não
precisam de provocação externa. Ou seria este ambiente, já de acordo com as
teorias de Skinner, impregnado de frustrações que predisporia à agressão. O
excesso de estímulos em situações complexas, a premência da tomada de decisões,
a sensação de perigo constante produziriam, através de sentimentos de frustração e
impotência, uma debilitação do controle emocional; um de seus efeitos seria a
ansiedade irritável, a explosão agressiva; outro, a inibição e, ainda, a decis[o
errada.
A teoria da territorialidade explica, segundo outros, o comportamento agres-
sivo; nas aglomerações urbanas o motorista sente seu território invadido por es-
tranhos e o defende agressivamente; as pulsões agressivas parecem desaparecer em
vias pouco movimentadas. Em abono desta teoria, Aberasturi (1973), em SI.:U
estudo sobre a agressividade dos motonstas, cita experiência~ com peixes reali·
zadas na Universidade de Oklahoma; sua agressividade aumentava à medida que
diminu[a o espaço que lhes correspondia.
No terreno das hipóteses especulativas podemos ainda acrescentar outras.
Admitindo a interação somo.psique e a tendência de o hOlllem se integrar à sua
máquina. podemos conceber que. o motorista em seu cano venha como que a

16 .'\.IU'.'\. ];7~
fonnar um novo corpo físico com este; o motorista fonna não só uma nova
entidade física, como também adquire no volante uma nova personalidade; a
potência do carro passa a integrar parte de sua maneira de ser (Piret, 1952); seu
poder aumenta, seu status se eleva; é um moderno centauro com corpo e alma
novos, que se reveste de traços agressivos, se levarmos a sério a interpretação de
Desmond Morris (s.d.) quando nos fala dos dentes (grades) e olhos (faróis) amea-
çadores do ~arro.
Em resumo, as teorias não comprovadas se multiplicam e a incógnita do
problema permanece. Mas nã'o se pode negar que o estilo de dirigir desempenha
importante papel nos acidentes e que é um aspecto do estilo de vida e, portanto,
da personalidade, o que torna esta um dos fatores críticos da atuação do mo-
torista.

7. As circunstâncias

Poucas verdades tão lapidares foram ditas em psicologia como a encerrada na frase
de Ortega y Gasset: "yo soy yo y mi circunstancia".
Tão importantes como a estrutura individual são, para o comportamento, as
circunstâncias que rodeiam a pessoa e a situação em que se encontra. Se estas se
modificam, o comportamento habitual também pode sofrer modificações. É neste
sentido que podemos interpretar o princípio aplicado pela ergonomia de sistemas
para explicar o acidente quando diz (Cuny, 1970) que este é quase sempre prece-
dido ou acompanhado por uma alteração ou perturbação na situação de trabalho.
Se considerarmos a direção do veículo como um sistema, poderemos distin-
guir nele várias esferas: o indivíduo, o carro (microssistema), a via de trânsito
(mesossistema) e, ainda que imponderável, mas igualmente importante, a socie-
dade (macrossistema).
O primeiro desses elementos, o indivíduo, está sujeito a alterações, inde-
pendentemente do trabalho, tanto de ordem física (doenças) como psicológica
(preocupações de toda classe). Essas alterações podem ser decisivas na provocação
de um acidente. Segundo pesquisa realizada em Michigan pelo Highway Safety
Research Institute, 20% dos causadores de acidentes tinham passado por situações
de tensão emocional até seis horas antes do acidente.
O próprio trabalho também produz alterações, seja nas atitudes do indiVÍ-
duo (dinâmica motivacional), seja no funcionamento de seu organismo. Algumas
dessas alterações, de efeitos cumulativos, emergem a longo prazo; a elas já alu-
dimos anterionnente. Outras têm efeitos imediatos.
As situações críticas e complexas alteram a atividade do sistema nervoso
central, modificando os traçados do EEG (Gale 6. Spratt, 1975). e a atividade
neocortical do motorista (Hashimoto, 1973).
Experiências realizadas por este último autor mostraram que ultrapassagens.
freadas, entrada em curvas pronunciadas modificavam o ritmo can)(aco, a condu·

Acidentes de trânsito
tibilidade elétrica da pele, a freqüéncia das piscadelas e o eletrooculograma; tais
alterações se apresentavam também como resultado de uma condução monótona e
como efeito da fadiga após várias horas de direçãO.
Os efeitos da monotonia foram também estudados por Legret & Pottier
(1971). Suas experiéncias, realizadas durante a condução noturna, reveleram uma
redução do nível de vigilância, produzindo-se uma degradação da ativação nervosa,
manifesta no EEG pela desapariçã'o das ondas rápidas e sua substituição por ritmos
mais lentos; como conseqüéncia, observava-se uma correção tardia da trajetória do
carro comandada pelo volante. As pausas restabeleciam o nível normal de vigi-
lância, que se ativava mais intensamente durante a realizaçã'o de atividades mais
diferenciadas, como parar e arrancar. Após seis horas de direção noturna e monó-
tona, o nível de vigilância tomava-se extremamente precário e potencialmente
perigoso. Além das alterações do EEG, os autores observaram também modi-
ficações concomitantes do ritmo cardíaco e dos movimentos oculares involun-
tários.
O carro também exerce sua influéncia sobre o comportamento. Um carro
potente, de aceleração rápida, capaz de atingir grandes velocidades, incita seu
motorista a correr; um carro defeituoso provoca sua fadiga, obrigando-o a uma
atençã'o e a uma tensão adicionais, quando nã'o acarreta diretamente o acidente.
Similares às anteriores em seus efeitos sã'o as condições viárias. Vias estreitas,
congestionadas, maltratadas, de curvas fechadas aumentam o esforço, a fadiga e a
tensã'o.
Que as dificuldades do trânsito, em conseqüéncia das tensões psicológicas,
provocam alterações fisiológicas, já tinha sido demonstrado por Hoffmann (1965)
em sua pesquisa sobre situações de trânsito e modificações cardiovasculares, reali-
zada com 600 motoristas. O quadro a seguir, que resume os inúmeros apresen-
tados pelo citado autor, retrata a influéncia da situaçã'o sobre o aumento da
pulsação dos motoristas. O leve acréscimo determinado pela direção em estradas
rurais aumenta significativamente quando se dirige nas ruas da cidade e se acentua
nas situações críticas.

Pulsações
Percentagem de elevação sobre a situação em repouso

0% +10% +20% +30% +40% +50%

Estradas rurais 65 472 63

Ruas da cidade o 69 362 122 39 8

Situações críticas o 69 277 170 67 17

18 A.B.P.A. 3/78
Há, fmalmente, outras circunstâncias cuja influência sobre o comporta-
mento não pode ser ignorada. É a esfera social, com dois aspectos: um aspecto
mais físico, de caráter técnico ou administrativo-social; outro, mais psicológico ou,
mais exatamente, psicossocial.
O primeiro desses aspectos atinge mais ao motorista profissional; é, por-
tanto, de caráter empresarial. Figuram nele salários, horários, itinerários, com
efeitos predominantemente negativos. A seu lado podemos considerar as normas
de trânsito, gerais ou específicas, que ora facilitam, ora dificultam a operação de
dirigir. São, em suma, as condições de trabalho; talvez possamos atribuir a seu
caráter extenuante a irritabilidade do motorista de ônibus urbanos em algumas
cidades.
As condições a que acabamos de nos referir são um paralelo do que se
costuma chamar de organização formal. Mas da mesma forma que o comporta-
mento humano na indústria sofre a influência da organização informal tanto
quanto da organização formal, a conduta do motorista é afetada, tanto ou mais do
que pelas normas de trânsito, pelo clima ou modelo social, isto é, pelo compor-
tamento de outros motoristas.
Essa influência se faz sentir em cada grupo social de maneira diferente,
determinada que é, em grande parte, pelas condições de trabalho. O motorista
de caminhão de estrada é diferente de outros motoristas; é talvez o mais soli-
dário de todos eles, devido aos longos períodos de solidão; essa mesma solidão,
o cansaço e a monotonia dos longos percursos podem também levá-lo à adesão
às drogas (o rebite, na sua linguagem). Motoristas de táxi são diferentes dos
motoristas de carros oficiais. O grupo mais heterogêneo é constituído pelos
proprietários de carros, mas podem-se observar entre eles subgrupos com
comportamentos de classe diferentes: os jovens imitam os jovens; o símbolo de
poder que confere a todos pode ser interpretado por uns como o direito a
parecer mais forte, mais "macho"; por outros, como sinal de desdenhosa majes-
tade.
Mas há uma faceta do modelo social comum à maioria dos motoristas
qualquer que seja a sua classe: o respeito - ou o desrespeito - à lei. Comporta
aspectos bastante negativos que não cabe enumerar aqui, como também, não
cabe analisar suas causas - ou exemplos. Mas é muito possível que caiba à
existência desse modelo social, mais ainda do que às condições materiais de vias
e veículos, a maior percentagem de acidentes que se registram no Brasil quando
se estabelecem confrontos com outros países. As características individuais não
explicariam essa diferença, pois provavelmente se distribuem universalmente de
maneira muito pareci<la. Mesmo em nosso país existem diferenças de compor-
tamento local. Lembramo-nos com saudade de nossa convivência recente com
motorista de ônibus da maior capital do Norte, de seu respeito às normas e sua
consideração para com o público. Será que é só o tamanho da cidade Q que
explica um comportamento tão diferente de outros motoristas que conhecemos
mais de perto?

Acidentes de trânsito 19
8. A procura de soluções

A análise da função e a apreciação crítica de algumas de suas características,


apesar de incompletas, prestam-se a sugerir várias conclusões, de ordem prática
algumas, outras ainda de caráter especulativo.
Tradicionalmente, consideram-se a área técnica e o fator humano como os
campos de ação básicos que permitirão reduzir o índice de acidentes. A área
técnica compreende vias e veículos; quando se fala em área humana, costuma-se
entender apenas o homem como operador de um instrumento; nós o considera-
remos também como pessoa que atua dentro de um contexto social.
Tentaremos esboçar as contribuições que cada uma dessas áreas oferece para
a redução dos acidentes de trânsito.

8.1 As condições técnicas: ergonomia do trânsito

o estudo das condições técnicas compete a engenheiros de estradas, construtores


de veículos e, já com alguns pontos de contato com a psicologia, ao engenheiro de
trânsito e a ergonomistas especializados.
É, sem dúvida, na área técnica onde se encontram as respostas mais efi-
cientes às demandas da segurança do trânsito. Mas há um empecilho muito sério
para seu mais .rápido progresso: o custo da execução das medidas aconselháveis. É
fácil verificar que a estrutura física de muitas estradas é deficiente, que a
capacidade de escoamento das artérias urbanas está saturada; não é difícil levantar
o índice de "pontos negros" da circulação onde se produzem reiterados acidentes,
seja acudindo aos locais para estudar suas características, como fez Lévy (1973)
em Paris, com técnicas muito apuradas, ou procedendo a levantamentos das zonas
urbanas mais atingidas, como está fazendo Suchanek em pesquisa organizada pelo
ISOP, no Rio, ou pelas estatísticas de DNERs e DETRANs; mas é menos fácil
alargar estradas, elevar viadutos, construir passarelas para pedestres, instalar ondas
verdes comandadas eletronicamente, sinalizar convenientemente. No entanto, está
sendo feito e cada passo que se dá neste sentido representa alguns acidentes a
menos.
A fabricação de veículos mostra avanços constantes, mas leva em si o germe
da contradição. Os carros tomam-se mais resistentes ao impacto, mais eficazes na
freada, mais fáceis de manejar; introduzem-se-Ihes dispositivos de proteção indivi-
duai, como cintos de segurança e capacetes; por outro lado, dotam-se-nos de maior
potência e velocidade, que anulam as melhoras conseguidas; projetam-se então
assentos ejetores e balões que amortecerão os golpes numa corrida que lembra a
fabricação de armas ofensivas e defensivas de alguns países.
Alguns, prevendo um futuro sombrio, apregoam soluções mais drásticas e
pretendem substituir o sistema de transportes atual: monotrilhos, trens sobre
colchões de ar já estão funcionando ou em experiência; outros projetam trens que

20 A.D.P.A. 3/78
se movimentariam a velocidades fantásticas por forças magnéticas ou aproveitando
a força da gravidade. Os ficcionistas propõem estradas rolantes e carros automá-
ticos guiados por células fotoelétricas; até cientistas geniais, como Wiener ( 1971),
vislumbram em suas fantasias "o transporte de pessoas de um lugar a outro através
de uma linha telegráfica".
São sonhos que denotam a preocupação por um problema angustiante. Mas
as soluções técnicas, mesmo quando viáveis, só poderão ser eficazes quando
tomadas em função do interesse social.

8.2 O contexto social: modelos legais e modelos sociais

"O comportamento (do motorista) só se compreende e explica", nas palavras de


Giscard (1973), "se se conhece também o que o leva a agir, suas motivações,
isto é, o conjunto de relações dinâmicas que existem em dado momento entre
ele e a situação vivida". A repetição de determinadas situações, segundo o
mesmo autor, pode dar uma certa persistência à mesma motivação que, assim
reforçada, forma as atitudes.
Giscard refere-se a atitudes perante situações típicas, mas suas palavras
podem aplicar-se a atitudes mais amplas, à tônica geral do comportamento ao
volante.
A formação de atitudes e, portanto, de comportamento habituais depende
da personalidade de cada motorista, dentro, porém, de um contexto ou clima a
que, consciente ou inconscientemente, deverá se adaptar. Há diversos modelos: o
ideal, formal, estabelecido por sábias normas legais ou institucionais (velOcidade
máxima: 80km, não ultrapasse nas curvas, trafegue em sua faixa, não avance o
sinal ...); a seu lado, o modelo social, informal, desenvolvido pela imagem heróica
dos ases do volante ou pelo comportamento de algumas classes, consideradas pela
sua posição social como protótipos, convida e pressiona a ultrapassar impru-
dentemente, a correr a mais de 100km por hora, e exibir-se em impressionantes
malabarismos, mudando de faixa, a ser o primeiro em arrancar e o último a parar
num sinal.
Os modelos de comportamento peculiares aos subgrupos profissionais se
concretizam através de mecanismos de defesa e de adaptação às normas de
trabalho. O modelo social geral origina-se quase sempre por imitação do compor-
tamento de grupos privilegiados. Daqui provém a grande dificuldade, de ser
combatido, pois adaptar-se a ele é símbolo de sucesso. Para sua correção é
necessária a mudança de valores, tais como dar primazia ao interesse coletivo sobre
o individual e revalorizar o homem e os recursos humanos frente à máquina e aos
recursos materiais. Técnicos e psicólogos podem fazer muito pouco a respeito. Os
educadores podem fazer algo mais, mas é sobretudo às autoridades que cabe o
papel mais importante no despertar dessa consciência. Só elas podem encetar
campanhas de alcance nacional como está fazendo a publicidade governamental

Acidentes de trânsito 21
para limitar a velocidade a 80km, ou o DNER quando pede aos motoristas para
usar "além das mãos e dos pés, a sensibilidade, a inteligência e o coração".
Concursos também podem ser eficazes como os já realizados entre escolares do
Rio de Janeiro, para a criação de slogans sobre a segurança, pois. como diz Orlandi
(1963), baseado em estatísticas do Hospital Carlos Chagas, a idade escolar é a mais
perigosa. E poderão ainda ser úteis campanhas subliminares, como as recentes
edições flIatélicas, na Espanha, sobre o mesmo assunto.
A importância da colaboração das autoridades na conscientização popular
da necessidade do combate ao acidente foi sentida pelo Ministério de Transportes
de um país altamente desenvolvido, que enfrentava graves problemas de trânsito.
Um estudo da situação foi encomendado a uma equipe de especialistas norte-
americanos, que resumem seus conselhos em seis recomendações. Transcrevemos.
a seguir, a sexta e última recomendação (Spector & Hahn, 1969):
"Visto que uns poucos especialistas em segurança de trânsito não podem
exercer muita influência sobre a massa da população, recomenda-se que toda a
liderança do país assuma a responsabilidade de guiar a população para aperfeiçoar
seu comportamento nas estradas:

1. Impondo o peso de seu prestígio e influência:


a) para despertar no povo uma consciência víVida das proporçõe~ epidêmicas
dos acidentes e seu impacto no desenvolvimento nacional;
b) para criar um clima geral de opinião que encoraje na população o desejo de
aprender a se comportar nas estradas com eficiência e com ética.
2. Estimulando o máximo possível de indivíduos a seguir cursos avançados de
treinamento na direção de veículos.
3.' Servindo eles próprios como exemplo para a população de usuários efi-
cientes e éticos das vias de trânsito."

Mas não é suficiente a criação de uma nova mentalidade social. Há também


soluções centradas no indivíduo.

8.3 As caracterz'sticas individuais: educação e seleção

Voltamos a recair, o que não significa concordância plena, na teoria antropocên-


trica das causas do acidente. As más condições técnicas, as influências negativas do
ambiente não desencadeiam fatalmente o acidente, ainda que facilitem sua ocor-
rência. Um homem bem preparado só estará sujeito a acidentes verdadeiramente
inevitáveis. Seria vã a procura desse homem perfeito, mas a tentativa de nos
aproximar desse ideal poderá dar seus frutos. A educação é o instrumento
adequado para essa tentativa.
Num primeiro estágio, a formação do motorista tem como objetivo capa-
citá-lo para dirigir tecnicamente o veículo: é o treinamento propriamente dito.

22 A.B.P.A. 3/78
o treinamento visa desenvolver, ftxar e automatizar séries de manipulações e
de reações não muito complexas em si mesmas. Segundo Neboit (1974), seriam
em três níveis: a) nível de atividades de controle mecânico, como a ação sobre o
volante e outros comandos do carro; b) nível das atividades de direção em que o
motorista deve interpretar a situação do trânsito; c) nível da escollia do itinerário,
quando deve prever a evolução e possíveis incidentes de seu percurso. Sob este
enfoque veriftcá-se a importância da antecipação. É esta antecipação e não a
simples percepção dos detallie; ou do conjunto. das situações que torna difícil a
aprendizagem; sua complexidade aumenta de um nível para outro: como respon-
dem os comandos no primeiro nível, como muda a situação do campo no nível de
direção, como poderá mudar no nível de escollia do itinerário.
Pode-se admitir que o treinamento, do ponto de vista prático, realizado nas
escolas de autom()bi\i~mo ou com ajuda de amigos instrutores responsáveis, não
apresenta problemas sérios, ao menos para o primeiro e o segundo níveis; por
outro lado, a carteira de habilitação só é fornecida aos que atingem um nível
satisfatório na prova proftssional. Pode-se discutir se a prova é fácil demais (tão
fácil que até um macaco poderia se sair bem se recompensado com bananas,
segundo a malévola crítica de umjornal norte-americano aos-exames em seu país);
pode-se também discutir se os métodos de ensino não seriam mais eftcientes e
menos arriscados utilizando-se simuladores, ou discutir a idéia da concessão de
permissões provisórias controladas; pode-se também exigir ou recomendar que
proftssionais especiais, como motoristas de ônibus, táxis e ambulâncias sejam
beneftciados com um treinamento complementar.
Alguns advogam uma educação preparatória, quanto mais cedo melhor, que
seria o primeiro passo para desenvolver e cristalizar atitudes, comportamentos e
reflexos úteis para o futuro motorista. Em alguns países os escolares são obrigados
a assistir a aulas sobre o trânsito a fim de desenvolverem atitudes sadias; em
algumas cidades alemãs estimula-se o uso da bicicleta entre crianças para facilitar
a aquisição de reflexos que lhes serão úteis, quando adultos, na direção de
veículos.
Mesmo com ajuda de um bom treinamento, o motorista poderá ainda
apresentar deficiências, que Nava (s.d.) divide em irredutíveis. corrigíveis e com-
pensáveis ou canalizáveis. Nos dois últimos casos pode entrar em ação um segundo
aspecto da educação - a correção ou reeducação: a) a reeducação técnica do
motorista deformado ou que não domina realmente a técnica da direção; b) a
reeducação comportamental do motorista que, conhecendo-a, não a obedece; c) o
fortalecimento do senso de responsabilidade do motorista sugestionáveI que se
deixa levar pelos exemplos dos outros. Filmes como os utilizados pelo Senai
representam uma contribuição valiosa para esta reeducação.
Um aspecto especial da reeducação é o tratamento de reabilitação de que
alguns motoristas precisam; são as vítimas de doenças curáveis, profissionais ou
não, de natureza psicológica ou física, que lhes impede um bom desempenho. Tal
sistema, profundamente humano, é aplicado há muito tempo em Los Angcles.

Acidentes de trânsito
o terceiro aspecto da educação é a repressão. Há motoristas que sabem a
maneira correta de dirigir, mas a ela não se atêm. A punição e a repressão parecem
ser os únicos recursos contra eles. Mas devem ser justas. aplicadas a todos, e
permanentes. E podem ser, - o que é mais útil - aplicadas em forma preventiva,
como policiamento ostensivo que, como afirmou o ortopedista Guglielmo Mis-
trorigo, em Congresso médico em São Paulo, "foi provado que provoca redução
do número de acidentes".
Não se pode esquecer a existência de fatores "deseducativos", aos quais
temos aludido em diversas ocasiões. Se não se evitarem, valerão muito pouco os
esforços envidados para a educação e aperfeiçoamento do motorista. Pois o
homem é, no fim das contas, ele e sua circunstância, todas as circunstâncias.
Há, finalmente, como nos disse Nava, deficiências irredutíveis, que não
poderão ser corrigidas pelo melhor dos treinamentos nem compensadas pela
melhor assistência médica, pedagógica ou psicológica. A existência desses casos é
uma das justificativas da seleção. Trataremos dela na segunda parte.

(continua no próximo número)

OBSERVAÇÃO

No número 1-2/78 de Arquivos Brasileiros de Psicolo-


gia Aplicada - ABPA o título do artigo publicado na
página 41 é: "A situação atual dos cursos de psicologia
em Pernambuco sob a responsabilidade do Departa-
mento de Psicologia Social."

24 A.B.P.A. 3/78

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