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SALMO 44

 
Num mundo caído como este Deus sempre age fazendo
alternâncias de estações na vida. Somente tais “estações”,
com suas variações, podem nos manter sadios.
Prosperidades, seguranças e poder não promovem bens
duradouros para a alma.
Para poder dizer “tudo posso Naquele que me fortalece”, o
ser humano tem que conhecer a Deus no “tudo” que
implica existir.
Tem que ter experiência de abundancia e de escassez; de
conforto e de desconforto; de poder e de fraqueza; de boa
fama e de injúrias; de honra e de vergonha; de alegria e de
luto; de construções e de desconstruções!
Somente nessa variedade e nessas alternâncias é que o
coração se liberta de si mesmo e das circunstancias, e
passa conhecer a Deus em tudo.
O salmo 44 nos apresenta essa variedade de estações.
I. Ele começa onde tudo começa na vida humana: no
passado (1-8).
Ó Deus, nós ouvimos com os nossos ouvidos, nossos pais
nos têm contado os feitos que realizaste em seus dias, nos
tempos da antigüidade. Tu expeliste as nações com a tua
mão, mas a eles plantaste; afligiste os povos, mas a eles
estendes-te largamente. Pois não foi pela sua espada que
conquistaram a terra, nem foi o seu braço que os salvou,
mas a tua destra e o teu braço, e a luz do teu rosto,
porquanto te agradaste deles. Tu és o meu Rei, ó Deus;
ordena livramento para Jacó. Por ti derrubamos os
nossos adversários; pelo teu nome pisamos os que se
levantam contra nós. Pois não confio no meu arco, nem a
minha espada me pode salvar. Mas tu nos salvaste dos
nossos adversários, e confundiste os que nos odeiam. Em
Deus é que nos temos gloriado o dia todo, e sempre
louvaremos o teu nome.
Talvez essa seja a razão pela qual os “maiores e mais
explícitos” cuidados de Deus por nós se manifestem no
início da jornada de fé.
Deve ser algo parecido com o que acontece aos bebês.
Necessitam de cuidados totais, até que comecem a ser
estimulados a engatinhar, andar, correr, e depois a
cuidarem de si mesmos; recorrendo aos pais somente
quando a limitação se estabelece como fato intransponível.
Todos os que conhecemos a Deus como amor e redenção
temos muitas histórias para contar acerca desses
livramentos que Ele nos fez; à nós e aos nossos pais.
O salmo, portanto, recorre a tais dias, evoca tais
lembranças, alimenta-se da memória desses cuidados
divinos. Pois é assim com a alma.
II. Do Passado ele nos conduz ao Presente: onde tudo está
acontecendo (9-16).
Mas AGORA nos rejeitaste e nos humilhaste, e não sais
com os nossos exércitos. Fizeste-nos voltar as costas ao
inimigo e aqueles que nos odeiam nos despojam à
vontade. Entregaste-nos como ovelhas para alimento, e
nos espalhaste entre as nações. Vendeste por nada o teu
povo, e não lucraste com o seu preço. Puseste-nos por
opróbrio aos nossos vizinhos, por escárnio e zombaria
àqueles que estão à roda de nós. Puseste-nos por
provérbio entre as nações, por ludíbrio entre os povos. A
minha ignomínia está sempre diante de mim, e a vergonha
do meu rosto me cobre, à voz daquele que afronta e
blasfema, à vista do inimigo e do vingador.
Uma existência que acontece sem a experiência da
limitação haverá de se corromper. Daí, a mesma Graça
que proveu libertações no passado, revelando-nos quem
Deus é..., agora nos conduz na perspectiva de nos ajudar a
discernir quem somos. E tal processo não se manifesta
quando o homem está revestido de poder e segurança, mas
apenas quando ele se conhece na limitação e na
impotência. Primeiro ele tem que se conhecer na fraqueza
(9-11). Sem a experiência da incapacidade pessoal para
prover seu próprio livramento, o coração é forçado a
confiar e a depender. Depois vem a estação do
conhecimento do desvalor pessoal (12). É quando a pessoa
olha para o que está acontecendo com ela e não entende a
razão do “negócio”. Como pode ser que aquele que foi
objeto de tantos cuidados, agora tenha que se ver vendido
por nada? Que lucro tem Deus com minha calamidade?—é
a questão da hora. Então chega a vez de se conhecer a
vergonha (13-16). Os vizinhos reclamam que sua presença
desvaloriza a vizinhança (13). A honra anterior dá lugar às
brincadeiras e ao escárnio (14-16). O indivíduo tem que
encontrar em si um valor que sobrepuje o esmagamento de
desvalor que sobre ele se impõe socialmente: de fora para
dentro, portanto.
III. Do Passado que revelou a Graça de Deus, tem-se que
aprender a Graça de Deus também como um Presente que
não nos honra, a fim de que o indivíduo tenha a chance de
projetar, em fé, o Futuro do Presente e o Presente do
Futuro (17-26).
Tudo isto nos sobreveio; todavia não nos esquecemos de
ti, nem nos houvemos falsamente contra o teu pacto. O
nosso coração não voltou atrás, nem os nossos passos se
desviaram das tuas veredas, para nos teres esmagado
onde habitam os chacais, e nos teres coberto de trevas
profundas. Se nos tivéssemos esquecido do nome do nosso
Deus, e estendido as nossas mãos para um deus estranho,
porventura Deus não haveria de esquadrinhar isso? pois
ele conhece os segredos do coração. Mas por amor de ti
somos entregues à morte o dia todo; somos considerados
como ovelhas para o matadouro. Desperta! por que
dormes, Senhor? Acorda! não nos rejeites para sempre.
Por que escondes o teu rosto, e te esqueces da nossa
tribulação e da nossa angústia? Pois a nossa alma está
abatida até o pó; o nosso corpo pegado ao chão. Levanta-
te em nosso auxílio, e resgata-nos por tua benignidade.
Agora tem-se que aprender a ser de Deus por Nada.
Chegou a hora de praticar a confiança e a fidelidade apesar
da aparente infidelidade de Deus (17-19). Nessa estação
aprende-se a Devoção perante o Absurdo (20-22). E,
então, mergulha-se na maior de todas as esperanças: a
fraqueza que dá ORDENS a Deus (23-26).
Deus recebe a ordem do fraco, esmagado, perplexo, que
nada sabe e nada entende, mas que sabe que nada sabendo,
mesmo assim Deus sabe por ele.
Nessa hora pode-se não estar entendo Nada, mas entende-
se Nada em Deus.
Este é o último estágio da fé e do crescimento.
Ora, foi exatamente o espírito desse salmo que levou
Paulo ao clímax de sua confiança. Afinal, Romanos 8: 31-
39 se inspira e quanto também cita o salmo 44.
Que diremos, pois, a estas coisas? Se Deus é por nós,
quem será contra nós? Aquele que nem mesmo a seu
próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós,
como não nos dará também com ele todas as coisas?
Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus?
É Deus quem os justifica! Quem os condenará? Cristo
Jesus é quem morreu, ou antes quem ressurgiu dentre os
mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede
por nós! Quem nos separará do amor de Cristo? a
tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou
a nudez, ou o perigo, ou a espada? Como está escrito no
salmo 44: Por amor de ti somos entregues à morte o dia
todo; fomos considerados como ovelhas para o
matadouro. Mas em todas estas coisas somos mais que
vencedores, por aquele que nos amou. Porque estou certo
de que, nem a morte, nem a vida, nem anjos, nem
principados, nem coisas presentes, nem futuras, nem
potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem
qualquer outra criatura nos poderá separar do amor de
Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor.
Assim, aprendemos no salmo 44 e em sua aplicação cristã
feita por Paulo, que os mais que vencedores nesta vida são
os que não temem experimentar as alternâncias das
estações da soberania terapêutica de Deus em suas
existências.
Esses são os que não podem mais ser abatidos pelo
Absurdo da vida!
 
Caio
2004
Ano da morte de meu filho Lukas.

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