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Este ensaio está registrado na Fundação Biblioteca Nacional , sob número ISBN do editor 909161 e tem
os direitos reservados em nome de Nicolas Ramanush Leite.
É expressamente proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a prévia autorização do autor
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Não foi fácil preservar nossa identidade (romanipen) já que as expulsões,
eufemisticamente, denominadas de nomadismo levaram-nos à convivência com as mais
diversas nações no mundo.
E a nossa palavra de ordem, ainda que por instinto, sempre foi família. Sim, a família é
nossa defesa contra a perda ou diluição cultural.
Nossas raízes não se aprofundam em um corpo material chamado de solo, mas sim em
um terreno muito mais profundo: em nossos valores humanos encontrados em nossas
tradições, em nossa língua e principalmente em nossa consciência.
Não existe uma “ciganidade” como conteúdo único para todos os grupos ciganos, existe
uma “phralipen romane” (irmandade cigana). Portanto, quem quiser brincar de ser
cigano, aguarde, aqui no Brasil, o carnaval para se fantasiar.
Na maioria das vezes, e dos países, somos vistos pela sociedade majoritária como um
grupo homogêneo e reduzidos à generalização com o uso do vocábulo cigano. Muito
raramente somos percebidos como indivíduos e vistos simplesmente através de um
rótulo definido por ciganos. Não há, no planeta, um único cigano que possa atender a
todos os estereótipos que existem a nosso respeito.
Há uma grande diversidade entre nossos grupos. O que pode ser usual em um,
geralmente é diferente em outro. E às vezes até de família para família. O que
realmente existe de diferença facilmente detectada entre nós é: o que é tradicional e o
que foi assimilado.
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Um estereótipo enraizado na mente das pessoas através da literatura é o do nomadismo.
Muitas vezes escuto pessoas dizendo que somos nômades, que vivemos
despreocupados, que somos livres, que temos a liberdade de amar, que vivemos em
tendas sob a luz da lua com muita música e dança, ao redor de fogueiras.
Dizem que quando estamos com fome... roubamos uma galinha.
É obvio que esse estereótipo encontra-se muito longe de nossa realidade em qualquer
parte do planeta.
Para que tenham uma ideia aproximada do que estou falando, na Europa apenas 15%
dos chamados ciganos ainda tem vida seminômade. E entre esse número, devemos
deixar claro que 10% não são ciganos e sim “Yeniches”, “Scottish” “Travellers” e os
“Gens du Voyage” (grupos étnicos que vivem do pequeno comércio e se deslocam em
trailers que são: suas casas e lojas).
No Brasil apenas o grupo Calon ainda leva uma vida meio-nômade. Uma parte porque
também depende do pequeno comércio, que necessita de mobilidade para atingir novos
clientes, e outros porque não encontram políticas de integração por parte do governo e
vivem à margem da sociedade.
Quanto a nós, ciganos, o nomadismo nunca foi uma questão de livre escolha ou de
modo de vida. Mas sempre esteve associado à questão das perseguições.
Durante a Segunda Guerra Mundial fomos alvo dos nazistas...e mais nomadismo!
Todos esses grandes deslocamentos foram vistos pelos não ciganos como nomadismo.
Mas para membros de nossa etnia isso era a tentativa de salvar suas vidas.
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Alguns quando não eram expulsos tinham que abandonar as tradições e os valores
culturais pagando o preço da aculturação e assimilação pela salvaguarda de sua própria
vida.
A Literatura tem sido responsável por muitos estereótipos, por exemplo, apresenta a
dança como uma característica da nossa cultura tradicional e sempre de forma muito
exótica. Mas a verdade é que existem grupos ciganos que habitualmente não dançam.
Os que dançam, geralmente, se encontram em países onde a dança é uma tradição
comum. Como exemplos, podemos citar Espanha, Rússia, Hungria, Sérvia etc.
Já entre aqueles que não têm a dança como tradição, encontramos ciganos da
Eslováquia, República Tcheca, Romênia etc.
Basta uma simples visita aos guetos ciganos existentes na Hungria, Eslováquia,
Romênia para verificar que a realidade é completamente outra.
Outro exemplo é a música, muitos dos que deixaram a Índia não tinham habilidade
musical, mas como uma estratégia de sobrevivência tornaram-se virtuoses violinistas
(que chamamos de lavtari).
Agora, um dos ofícios tradicionais, mais difundido é a arte de ferreiro. A maioria que
professa esse ofício é Calderash um subgrupo Rom originário da Romênia e como o
próprio nome em romeno indica “caldare” significa caldeirão. Poucos ainda vivem
como fabricantes e consertadores de caldeirões, panelas, tachos etc. Hoje a maioria vive
espalhada pela Europa e Américas.
E por falar em ofícios, é importante saber que muitos dos nomes de grupos ciganos
indicam justamente o ofício que os homens desses grupos realizavam. Vejamos alguns:
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Asurara, assim se autodenominou o subgrupo Rom, de ciganos que chegou à Eslováquia
e se apresentou aos ciganos de lá como fabricantes e vendedores de anéis, pulseiras e
brincos.
Mechkara ou Ursari (na língua Romena, eles usam a palavra Ursar para
denominar ciganos que adestravam ursos), um subgrupo Rom, de ciganos da
Romênia que viviam do adestramento de ursos para apresentações públicas e em circos.
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Lombardos um subgrupo Sinti-Manush, ciganos originários da Lombardia que deram
início ao trabalho como circenses. Foi com este subgrupo que membros de outros
subgrupos originaram os ciganos “Boyashas” artistas circenses.
Manush um subgrupo Sinti, de ciganos cuja maioria atualmente vive ao sul da França.
Também autodenominado de Sinti-Valshtike, cujo membro maior foir Django
Reinhardt que desenvolveu o Jazz Manush – conhecido como jazz cigano.
Patavara um subgrupo Rom, de ciganos que perambula por todo o leste europeu. E
como o nome em Romani já denuncia (significa trapo), eles ainda hoje recolhem roupas
velhas para depois revendê-las – algo como brechós ambulantes.
Seliyeri um subgrupo Rom, de ciganos originários do Irã que ainda hoje vive da
fabricação e comércio de caldeirões e pentes.
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