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BIOLOGIA CELULAR

Licenciatura em Biologia Marinha e Biotecnologia


Licenciatura em Biotecnologia

1º Ano - 1º Semestre

Ano Letivo: 2020/2021


DOCENTE: Teresa Mouga
Biologia Celular (2020/2021)

Índice Geral
1. QUÍMICA DA VIDA
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 1
1.1. BIOMOLÉCULAS ................................................................................................................. 2
1.1.1.1. LIGAÇÕES MOLECULARES ........................................................................................... 3
1.1.1.2. LIGAÇÕES COVALENTES .............................................................................................. 3
1.1.1.3. LIGAÇÕES INTERMOLECULARES .................................................................................. 4
1.1.1.4. ESTRUTURA E FUNÇÃO DAS MACROMOLÉCULAS ......................................................... 7
1.1.1.4.1. Polímeros simples .................................................................................................. 8
1.1.1.4.2. Hidratos de carbono – combustível e material de construção ............................ 10
1.1.1.4.3. Lípidos – moléculas hidrofóbicas diversas .......................................................... 15
1.1.1.4.5. Proteínas – ferramentas de construção da célula ............................................... 17
1.1.1.4.6. Ácidos nucleicos – polímeros de informação ...................................................... 22
1.1.1.5. A ÁGUA ..................................................................................................................... 25
1.1.1.5.1. Efeitos da polaridade da água ............................................................................. 25

2. A CÉLULA
2.1. ORGANIZAÇÃO CELULAR ................................................................................................. 28
2.1.1.1. TEORIA CELULAR ..................................................................................................... 28
2.1.1.2. CÉLULAS PROCARIÓTICAS E EUCARIÓTICAS .............................................................. 29
2.1.1.3. CÉLULAS PROCARIÓTICAS ......................................................................................... 33
2.1.1.3.1. DOMÍNIO ARCHAEA ....................................................................................... 34
2.1.1.3.2. DOMÍNIO EUBACTERIA ................................................................................. 35
2.1.1.3.3. Invólucro .............................................................................................................. 35
2.1.1.3.4. Organização genómica ........................................................................................ 38
2.1.1.3.5. Estruturas sub-celulares ...................................................................................... 39
2.1.1.3.6. Endósporos .......................................................................................................... 40
2.1.1.3.7. Metabolismo ......................................................................................................... 41
2.1.1.4. DOMÍNIO EUKARIA ............................................................................................. 41
2.1.1.4.1. Origem e evolução das células eucarióticas: endossimbiose .............................. 42
2.1.1.4.2. Características gerais das células eucarióticas .................................................. 44
2.1.1.4.3. Especializações da célula vegetal ........................................................................ 45
2.1.1.4.4. Estrutura da célula dos fungos ............................................................................ 48
2.2. ESTRUTURA DA CÉLULA EUCARIÓTICA ........................................................... 49
2.2.1. O NÚCLEO .................................................................................................................... 50
2.2.1.1. ESTRUTURA .............................................................................................................. 50
2.2.1.1.1. Cromatina ............................................................................................................ 50
2.2.1.1.2. Invólucro nuclear ................................................................................................. 51
2.2.1.1.3. Poros nucleares ................................................................................................... 51
2.2.1.1.4. Nucléolo ............................................................................................................... 52
2.2.1.1.5. Transporte de moléculas entre o núcleo e o citosol ............................................ 52
2.2.1.2. RIBOSSOMAS ............................................................................................................. 53
2.2.1.2.1. Organização estrutural ........................................................................................ 53
2.2.1.2.2. Atividade funcional .............................................................................................. 53
2.2.1.3. RETÍCULO ENDOPLASMÁTICO.................................................................................... 55
2.2.1.3.1. Morfologia ........................................................................................................... 55
2.2.1.3.2. Tipos..................................................................................................................... 55

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2.2.1.3.3. Funções do retículo endoplasmático liso ............................................................ 56


2.2.1.3.4. Funções do retículo endoplasmático rugoso ....................................................... 56
2.2.1.3.5. Ciclo da partícula de reconhecimento do sinal (PRS)......................................... 57
2.2.1.3.6. Glicosidação de proteínas por adição de oligossacarídeos ................................ 58
2.2.1.4. COMPLEXO DE GOLGI ............................................................................................... 58
2.2.1.4.1. Morfologia ........................................................................................................... 58
2.2.1.4.2. Funções ................................................................................................................ 60
2.2.1.5. LISOSSOMAS ............................................................................................................. 60
2.2.1.5.1. Morfologia ........................................................................................................... 60
2.2.1.5.2. Função ................................................................................................................. 61
2.2.1.5.3. Síntese e transporte de enzimas hidrolíticas ........................................................ 61
2.2.1.5.4. Classificação dos lisossomas ............................................................................... 62
2.2.1.5.5. Mecanismos de fornecimento de material aos lisossomas .................................. 62
2.2.1.6. PEROXISSOMAS ......................................................................................................... 64
2.2.1.6.1. Caracterização ..................................................................................................... 64
2.2.1.6.2. Funções ................................................................................................................ 64
2.2.1.6.3. Génese .................................................................................................................. 64
2.2.1.7. MITOCÔNDRIA .......................................................................................................... 65
2.2.1.7.1. Caracterização ..................................................................................................... 65
2.2.1.8. PLASTÍDEOS .............................................................................................................. 66
2.2.1.9. CITOESQUELETO ....................................................................................................... 66
2.2.1.9.1. Estrutura .............................................................................................................. 67
2.2.1.9.2. Funções ................................................................................................................ 67
2.3. MEMBRANA PLASMÁTICA ............................................................................................... 68
2.3.1.1. ESTRUTURA DA MEMBRANA (MODELO DE MOSAICO FLUIDO) .................................... 68
2.3.1.1.1. Lípidos da membrana .......................................................................................... 70
2.3.1.1.2. Proteínas membranares ....................................................................................... 72
2.3.1.2. SUPERFÍCIE CELULAR - MATRIZ EXTRACELULAR (MEC) OU GLICOCÁLICE................ 74
2.4. TRANSPORTE MEMBRANAR ............................................................................................ 75
2.4.1.1. PRINCÍPIOS DE TRANSPORTE MEMBRANAR ................................................................ 75
2.4.1.2. TIPOS DE TRANSPORTE TRANSMEMBRANAR .............................................................. 77
2.4.1.2.1. Transporte passivo ............................................................................................... 77
2.4.1.2.1.1. Difusão ............................................................................................................. 77
2.4.1.2.2. Osmose ................................................................................................................. 78
2.4.1.2.3. Difusão facilitada................................................................................................. 79
2.4.1.2.4. Ionóforos .............................................................................................................. 80
2.4.1.2.5. Transporte ativo ................................................................................................... 81
2.4.1.2.6. Transporte ativo primário.................................................................................... 82
2.4.1.2.7. Transporte ativo secundário ................................................................................ 84

3. COMUNICAÇÃO CELULAR
3.1. COMUNICAÇÃO CELULAR – PRINCÍPIOS GERAIS ............................................................. 86
3.1.1. EVOLUÇÃO DA COMUNICAÇÃO CELULAR ...................................................................... 86
3.1.1.1. MEDIADORES QUÍMICOS LOCAIS E HORMONAS .......................................................... 87
3.1.1.2. MECANISMO DE SINALIZAÇÃO CELULAR ................................................................... 88
3.2. RECEÇÃO DO SINAL E TRANSDUÇÃO ............................................................................... 88
3.2.1.1. PROTEÍNAS RECETORAS ............................................................................................ 89

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3.2.1.1.1. Recetores acoplados a proteína G ....................................................................... 89


3.2.1.1.2. Recetores com atividade proteína cinase ............................................................ 90
3.2.1.1.3. Recetores ionóforos (canais iónicos) ................................................................... 91
3.2.1.1.4. Recetores intracelulares ...................................................................................... 91
3.2.1.2. VIAS DA TRANSDUÇÃO DO SINAL – CASCATA DE INTERAÇÕES MOLECULARES .......... 91
3.2.1.3. FOSFORILAÇÃO E DESFOSFORILAÇÃO DE PROTEÍNAS ................................................ 92
3.2.1.4. MENSAGEIROS SECUNDÁRIOS ................................................................................... 92
3.2.1.4.1. Adenosina monofosfato cíclica - AMP cíclico ..................................................... 93
3.2.1.4.2. Iões cálcio e mensageiros secundários derivados de lípidos .............................. 93
3.2.1.5. RESPOSTA CELULAR .................................................................................................. 94
3.2.1.5.1. Amplificação do sinal .......................................................................................... 95
3.2.1.5.2. Especificidade do sinal ........................................................................................ 95
3.2.1.5.3. Comunicação do sinal ao núcleo ......................................................................... 95
3.2.1.6. REGULAÇÃO DA VIA DE TRANSCRIÇÃO DO SINAL ...................................................... 96

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1. A Química da vida

INTRODUÇÃO

A Biologia inclui um enorme conjunto de matérias, já que aborda todos os organismos vivos, a forma como
se organizam, como são constituídos, como produzem energia e matéria, as interações que estabelecem
entre eles e o meio e a forma como evoluem.
Assim, podemos partir de toda a Biosfera, visível do espaço, que consistem em todas as formas de vida
existentes no planeta, o qual é formado por ecossistemas diversos, incluindo todos os organismos vivos que
neles habitam e todos os componentes não vivos com os quais interagem. Cada ecosssitema é formado por
comunidades, que incluem muitos todos de organismos vivos, de diversos taxa. Cada grupo de organismos
idênticos e que se reproduz entre si forma uma espécie. Cada espécie exibe diferentes populações,
consoante a área específica onde habita, a qual é formada por organismos. Os organismos organizam-se em
órgãos, estes em tecidos e os tecidos em células. A célula é a unidade fundamental básica de estrutura e
função de cada organismo, existindo muitas formas diferentes. Cada célula é formada por organelos e estes
são formados por macromoléculas.

Figura 1.1 – A ordem hierárquica da vida

Este capítulo inicial diz respeito à química das células dos organismos vivos. A célula consiste numa
membrana semipermeável que rodeia uma solução líquida rica em diferentes compostos químicos.
O estudo destes compostos químicos tem permitido descobrir novos compostos úteis para a biotecnologia,
designadamente novos fármacos, como a aspirina, novos antibióticos, compostos anticancerígenos, entre
muitos outros.

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Figura 1.2 – alguns compostos químicos, atualmente fármacos, originalmente identificados em organismos
vivos

1.1. BIOMOLÉCULAS

A célula é uma organização de moléculas, extremamente complexa e a vida resulta do relacionamento entre
elas, segundo um plano cuidadosamente estabelecido. Umas garantem a estrutura da célula; outras
asseguram os diversos mecanismos de captação de energia, de matéria e a sua transformação; outras, ainda,
ocupam-se da emissão ou da receção e descodificação de informação exógena. Finalmente, uma pequena
classe de moléculas assume o papel fulcral de registar e perpetuar a informação subjacente ao referido plano
de funcionamento. Todos estes processos acontecem em meio aquoso, sendo a água a molécula universal
no contexto da vida.
As moléculas que intervêm na estrutura e no funcionamento da célula designam-se por moléculas biológicas
ou biomoléculas ou ainda, por moléculas da vida. Estas moléculas são formadas por um esqueleto de
carbono, ligado a outros átomos (fundamentalmente hidrogénio, oxigénio e azoto, enxofre e fosfato) através
de ligações covalentes, nas quais há partilha de eletrões.
Agrupam-se habitualmente em quatro classes: hidratos de carbono ou glúcidos, proteínas, também
designadas por prótidos, lípidos e ácidos nucleicos.
As células são estruturas extremamente dinâmicas, pelo que as moléculas biológicas interagem
extensamente umas com as outras, através de ligações ténues e temporárias. A natureza destas ligações,
designadas ligações intermoleculares, depende do tipo de moléculas que estão a interagir.

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1.1.1.1. Ligações moleculares

1.1.1.2. Ligações covalentes


Todas as características da célula dependem das moléculas que a constituem. Uma molécula define-se como
um conjunto de átomos unidos entre si por ligações covalentes. Na ligação covalente há partilha de eletrões
da última camada. A molécula mais simples, de hidrogénio, é constituída por 2 átomos de hidrogénio ligados
entre si por uma ligação covalente. Cada átomo partilha o seu único eletrão, cada átomo completando a sua
camada de valência, com 2 eletrões. Estes eletrões partilhados formam uma nuvem de carga negativa, mais
densa na região entre os dois núcleos.
Cada ligação covalente tem uma determinada força de ligação, definida como a quantidade de energia que
tem que ser fornecida para quebrar a ligação.
A ligação covalente diz-se simples quando apenas estão envolvidos dois eletrões de valência, um de cada
átomo. É o caso da molécula de hidrogénio. O azoto, com cinco eletrões de valência pode formar até 3
ligações covalentes simples.
O oxigénio, com 6 eletrões de valência, forma frequentemente ligação covalente dupla, uma vez que há
partilha de dois pares de eletrões. Estas ligações são mais curtas e mais fortes do que as ligações simples. Ao
contrário das ligações simples onde os átomos envolvidos na ligação podem girar, a dupla ligação impede a
rotação dos átomos envolvidos.

Figura 1.3 – ligação covalente dupla entre dois átomos de oxigénio, de natureza apolar.

O carbono tem uma valência de quatro, podendo efetuar 4 ligações simples ou ligações duplas ou mesmo
uma ligação tripla, mais forte e mais curta que a ligação dupla.

Quando a molécula é constituída por átomos diferentes, é comum estes átomos atraírem e partilharem os
eletrões de forma diferente. Por exemplo o oxigénio atrai os eletrões mais fortemente do que o carbono. À
tendência que um determinado átomo tem para atrair para si os eletrões de uma ligação covalente chama-
se eletronegatividade. Quanto mais eletronegativo for o átomo, mais fortemente atrai os eletrões.
Numa ligação covalente entre átomos do mesmo elemento, uma vez que a eletronegatividade dos dois
átomos é igual, a ligação covalente é apolar. A molécula de metano também é apolar uma vez que os
elementos C e H não diferem substancialmente nas suas eletronegatividades.

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Figura 1.4 – ligação covalente polar, neste caso, simples, com partilha desigual de eletrões, já que a
eletronegatividade dos dois átomos é diferente.

A situação é diferente com a molécula de água, por exemplo. O átomo de oxigénio é mais eletronegativo que
os átomos de hidrogénio, atraindo, por isso, os eletrões. Assim, estes eletrões passam mais tempo perto do
átomo de oxigénio, pelo que estamos perante uma ligação covalente polar. Como os eletrões têm carga
negativa, a partilha desigual dos eletrões determina que o átomo de oxigénio tenha uma carga ligeiramente
negativa (dipolo negativo) e cada hidrogénio uma carga ligeiramente positiva (dipolo positivo).
Estas moléculas polares são muito importantes nos sistemas vivos uma vez que criam dipolos permanentes,
tornando as moléculas muito mais reativas.
Uma das moléculas mais importantes, polar, é a molécula de água:

Figura 1.5 –Em meio aquoso, os eletrões partilhados entre dois átomos com eletronegatividades distintas,
passam mais tempo junto do átomo mais eletronegativo (oxigénio). Tal confere uma carga parcial negativa
ao oxigénio (-) e uma carga parcial positiva a cada hidrogénio (+).

O número de eletrões necessários para completar a camada de valência determina, habitualmente, quantas
ligações covalentes um átomo pode realizar. Assim, o átomo de hidrogénio que só necessita um eletrão para
completar a camada 1S só pode realizar uma ligação simples, mas o oxigénio que tem 6 eletrões de valência,
pode efetuar 2 ligações simples ou 1 ligação dupla para completar a camada de valência. Já o carbono, que
tem 4 eletrões de valência pode efetuar 4 ligações covalentes, simples, duplas, ou uma tripla e uma simples.

1.1.1.3. Ligações intermoleculares


Nos organismos, as ligações mais fortes são as ligações covalente, as quais permitem a formação das
biomoléculas. De facto, em meio aquoso, as ligações covalentes são cerca de 10 a 100 vezes mais fortes do

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que outras forças atrativas que se estabelecem entre os átomos, em particular aquelas que se estabelecem
entre moléculas – forças intermoleculares. Estas ligações não covalentes são também essenciais à vida
celular. A formação das ligações intermoleculares é temporária, pode ser muito breve e são sempre ligações
muito mais fracas do que as ligações covalentes. As moléculas juntam-se, de alguma forma reagem uma com
a outra, e separam-se de novo, com um gasto mínimo de energia.
Este tipo de interações surge também entre partes das moléculas, permitindo a formação de dobras, por
exemplo, como veremos.
Um exemplo deste tipo de ligações estabelece-se entre os neurónios. A transmissão de informação de um
neurónio para outro faz-se de neurónio a neurónio através dos terminais nervosos do axónio do primeiro
para o segundo. O primeiro liberta moléculas que usam ligações moleculares fracas para se ligar
temporariamente às moléculas recetoras existentes nas dendrites do segundo, na sinapse. A ligação entre
as duas demora apenas o tempo necessário para a molécula emissora originar uma resposta na molécula
recetora. Desta forma fica rapidamente disponível para receber outro estímulo nervoso.

As principais ligações intermoleculares são de 4 tipos distintos:

a) Forças hidrofóbicas – As superfícies apolares de uma molécula tendem a afastar-se das moléculas
de água, onde iriam interferir de forma negativa com as pontes de hidrogénio. Assim as superfícies
hidrofóbicas tendem a unir-se de forma a diminuir o seu contacto com a água. Este tipo de interação
é muito pouco específica, sendo fundamental para a formação da estrutura terciária das proteínas,
como veremos.

Figura 1.6 – Interações hidrofóbicas: as porções hidrofóbicas tendem a fugir do contacto com a
água, formando zonas apolares nas biomoléculas.

b) Interações de Van der Waals – Uma molécula apolar tem uma nuvem eletrónica em seu redor,
produzindo regiões mais negativas e regiões mais positivas. Estes dipolos temporários formam-se
fruto da atração que se faz sentir entre duas moléculas apolares ou entre uma molécula polar e outra
apolar. Estes locais carregados, que mudam constantemente de local numa molécula, permitem
estabelecer ligações químicas entre as moléculas, são muito fracas e que ocorrem quando os átomos
estão muito próximos uns dos outros.

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Figura 1.7 – Forças de van der Waals: a aproximação entre duas moléculas apolares determina a
formação de um dipolo instantâneo e de um dipolo induzido, produzindo-se uma interação
momentâniea e muito fraca.

c) Ligações ou pontes de hidrogénio – Tipo especial de interação polar, que se estabelece entre um
átomo de hidrogénio, eletropositivo, que se encontra em ligação covalente com um outro átomo
muito eletronegativo. Este hidrogénio está electro deficiente, pelo que vai formar uma ponte de
hidrogénio com outro átomo muito eletronegativo (N, O ou F). No corpo humano este tipo de ligação
ocorre, frequentemente, entre uma molécula de água (contendo oxigénio) e outra molécula de
amoníaco (contendo azoto). A molécula de amoníaco é também polar porque o átomo de azoto,
eletronegativo, atrai os eletrões dos átomos de hidrogénio, ficando ligeiramente carregado
negativamente. Quando as duas moléculas se encontram estabelece-se uma atração fraca entre um
dos átomos de hidrogénio da água e o átomo de amoníaco.

Figura 1.8 – Formam-se entre moléculas iguais ou distintas, quando um hidrogénio está ligado
covalentemente a um átomo muito eletronegativos (N, O, F), sendo este o dador, A ponte de
hidrogénio forma-se com outro átomo também muito eletronegativo (N, O, F), o recetor.

d) Interações eletrostáticas ou iónicas – Desenvolvem-se entre átomos com carga oposta (são um tipo
de ligações iónicas). Nos organismos vivos ocorre, nomeadamente, quando um grupo carregado de
um substrato atrai um grupo carregado (com carga oposta) de uma enzima.

Figura 1.9 – Quando uma porção de uma biomolécula tem carga positiva (como a lisina) se
aproxima de outra porção com carga negativa (como o glutamato), interagem através de
uma ligação iónica (ou interação eletrostática).

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1.1.1.4. Estrutura e função das macromoléculas


Uma das características particulares das moléculas biológicas é a sua capacidade de estabelecer estruturas
ordenadas. Este ordenamento constitui a base para o seu funcionamento biológico.
A maioria das biomoléculas é formada por num esqueleto de carbono. Na sua forma mais simples (metano),
este liga-se covalentemente a 4 átomos de hidrogénio e forma um tetraedro. As biomoléculas são
habitualmente muito complexas, constituídas por repetições deste modelo de carbono, ao qual são
adicionados, em substituição do hidrogénio, outros grupos funcionais, formando moléculas tridimensionais
muito complexas e muito diversificadas. O formato de cada biomolécula é específico, e crucial para a função
que desempenha.

Figura 1.10 – estrutura tridimensional da molécula de metano

As biomoléculas são formadas, como vimos, pelo esqueleto de carbono e por grupos funcionais, com
propriedades diferentes à biomolécula: metil, hidroxilo, carbonilo, carboxílico, amina, sulfídril e fosfato. Com
exceção do primeiro, todos os outros conferem reatividade, polaridade, solubilidade, e/ou carga à
biomolécula. Na tabela seguinte encontram-se os vários grupos funcionais:

Tabela I.I – Grupos funcionais mais importantes


Propriedades e
Grupo funcional Exemplo
nome do composto
metil -CH3) Compostos
metilados:
Afetam a expressão
dos genes, a forma e
função das hormonas
sexuais. 5 metil-citosina, componente do DNA
modificada por ação de um grupo metil
Hidróxilo (-OH) Álcool
Muito polar pela
formação de pontes
de hidrogénio
etanol
Carbonilo (>C=O) Cetona (grupo car-
bonilo no interior da
molécula) e aldeído
(carbonilo em
posição terminal) acetona propanal

Amina (-NH2) Amina


funciona como base,
aceitador de protões
da solução
Glicina (aminoácido): forma não ionizada e
forma ionizada

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Propriedades e
Grupo funcional Exemplo
nome do composto
Carboxílo(-COOH) Ácido carboxílico
funciona como ácido,
dador de protões da
solução
ácido acético: forma não ionizada e forma
ionizada
Sulfidril (-SH) Tiol
Dois grupos -SH
podem reagir
formando uma
ligação covalente
(ponte dissulfeto)
Aminoácido cisteína
Fosfato (-OPO32-) Fosfato orgânico
tem carga negativa e
liberta energia

Adenosina trifosfato - ATP

1.1.1.4.1. Polímeros simples

Os hidratos de carbono, os lípidos, as proteínas e os ácidos nucleicos são as 4 classes principais de compostos
orgânicos celulares. Quando atingem grandes proporções chamam-se macromoléculas. Estas 4 categorias
de pequenas moléculas, juntamente com as macromoléculas, constituem a maior parte da massa da célula
(Tabela I.2).

Tabela I.2 – Composição química aproximada de uma célula bacteriana

Peso total (%) n.º tipos moleculares


Água 70 1
Compostos inorgânicos 1 20
Açúcares e percursores 1 250
Aminoácidos e percursores 0,4 100
Nucleótidos e percursores 0,4 100
Ácidos gordos 1 50
Outras moléculas 0,2 ≈ 300
Macromoléculas (proteínas, ácidos 26 ≈ 3000
nucleicos e polissacarídeos)

As macromoléculas são, na sua maioria, polímeros com exceção dos lípidos.


Um polímero é uma molécula longa consistindo em muitos blocos idênticos, chamados monómeros, ligados
entre si por ligações covalentes.

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Muitos monómeros, enquanto moléculas individuais, têm funções próprias, para além das que
desempenham enquanto blocos de construção dos polímeros.
As classes de polímeros variam consoante os monómeros que os compõem, mas o mecanismo de formação
ou de quebra de ligações nos polímeros, é mais ou menos idêntico em todas as biomoléculas:
• Os monómeros estabelecem uma ligação covalente entre duas moléculas através da perda de uma
molécula de água – reação de condensação, ou, mais especificamente, reação de desidratação. Uma
das moléculas fornece um H, a outra adiciona um grupo –OH (figura 1.11).
• Os polímeros perdem monómeros através da reação inversa da condensação – reação de hidrólise:
A reação pode ser definida como “quebra pela água”. A quebra das ligações covalentes faz-se através
da adição de moléculas de água, um H para uma molécula, um grupo –OH para a outra.

Figura 1.11 – Reação de condensação ou de desidratação (à esquerda) e de hidrólise (à direita)

Cada célula tem milhares de macromoléculas diferentes e um tipo de célula é diferente de outro, no mesmo
organismo.
Cada classe de polímeros é formada por um conjunto específico de monómeros.
Embora todos os organismos partilhem um certo número de tipos de monómero, cada organismo é único
porque possui um arranjo específico dos monómeros em polímeros. Assim, uma grande variedade de
polímeros pode ser construída com base num número relativamente pequeno de monómeros (40 ou 50). A
chave para tal variação está nas variações à sequência linear das unidades.

As moléculas orgânicas, quer sejam grandes quer pequenas, contêm frequentemente porções hidrofílicas e
porções hidrofóbicas, adotando, portanto, determinadas estruturas quando na presença de água. Estas
moléculas maximizam a interação entre as porções hidrofílicas e a água, minimizando também a exposição
das regiões apolares. O tipo de enrolamento que as moléculas sofrem é distinto consoante o tipo de
macromolécula:
• Enrolamento em estrutura tridimensional (globular), exibindo as porções hidrofóbicas no interior
da estrutura, longe do contacto com a água; esta estrutura encontra-se frequentemente em
proteínas e ácidos nucleicos.

Figura 1.12 – proteína globular (canal de potássio, à esquerda) e proteína fibrosa, formando uma
estrutura multimérica (colagénio, á direita).

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• Associação não covalente de moléculas, para formar estruturas multiméricas; estas estruturas são
comuns em moléculas de pequenas ou de grandes dimensões, nomeadamente em proteínas
fibrosas, na dupla hélice de DNA e em lípidos como seja a formar a bicamada. Este tipo de estrutura
permite o isolamento das porções hidrofóbicas e a exposição apenas das zonas hidrofílicas das
moléculas. Habitualmente são formados por estruturas muito longas, formadas por sequências
repetitivas de macromoléculas idênticas, ligadas entre si por interações não covalentes.

1.1.1.4.2. Hidratos de carbono – combustível e material de construção

Os hidratos de carbono, também designados glúcidos ou glícidos, representam o grupo mais abundante de
compostos da matéria viva. Ainda hoje continuam a ser descobertos novos hidratos de carbono bem como
as funções que desempenham nos processos biológicos, normais ou patológicos. Muitos destes compostos
constituem uma fonte de energia para os organismos. Alguns, como a glicose ou a sacarose com o qual
adoçamos os alimentos, são utilizáveis pela célula, através de processos relativamente expeditos; outros,
como o amido, nos vegetais e o glicogénio, nos animais, constituem as reservas energéticas oportunamente
mobilizáveis através de mecanismos bioquímicos complexos. Muitos outros hidratos de carbono intervêm
como materiais estruturais, tais como a celulose e a pectina das paredes das células vegetais, a quitina,
constituinte preponderante do esqueleto de vários grupos de animais, nomeadamente dos insetos, o ácido
hialurónico, presente nomeadamente nas cartilagens, ou o ágar-ágar que se extrai de certas algas marinhas.

1.2.2.2.1. Caracterização química:


O termo hidrato de carbono inclui os monossacarídeos (açúcares) e os seus polímeros.
São compostos de carbono, hidrogénio e oxigénio.

1.2.2.2.2. Classificação:
Os hidratos de carbono agrupam-se em três grandes classes: (a) monossacarídeos ou açucares simples, (b)
oligossacarídeos e (c) polissacarídeos. Em qualquer destas categorias incluem-se monómeros ou açúcares
derivados (açucares com grupos funcionais distintos) :

a) Designam-se por monossacarídeos as moléculas simples que obedecem à fórmula empírica Cn(H2O)m .
São igualmente conhecidos por oses ou simplesmente açúcares e são os hidratos de carbono mais simples
(figura 1.13).
São, portanto, constituídos por um esqueleto de carbono, além de hidrogénio e oxigénio. Todos os átomos
de carbono exceto um possuem um grupo hidroxilo (-OH), o outro tem uma ligação dupla a um átomo de
oxigénio para formar um grupo carbonilo (C=O). É a presença de grupos funcionais múltiplos nestas
moléculas que permitirá a polimerização.
HC O HC O CH2OH
HC OH HO CH C O
CH2OH CH2OH CH2OH
A B C
Fig. 1.13: Exemplos de oses: Isómeros D e L de Gliceraldeído (A, B) e Di-hidroxiacetona (C)
Há vários tipos de classificação possível das oses. Uma destas classificações faz-se com base na localização
do grupo carbonilo. Assim, classificamos como aldoses os hidratos de carbono que exibem o grupo carbonilo
no final da cadeia (aldeído) e como cetoses os que exibem o grupo o carbonilo se encontra no meio da cadeia
(cetona).

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Outro critério de classificação faz-se em função do número de átomos de carbono, número nunca inferior a
três: açucares com 6 átomos de carbono são designados hexoses (glicose, frutose); com 5 – pentoses (ribose,
ribulose); com 4 – tetroses (eritrose) e com 3 – trioses (gliceraldeído). A maioria dos hidratos de carbono
bioquimicamente importantes tem 6 ou menos átomos de carbono.

Isomeria:
Outro foco de variabilidade dos hidratos de carbono está no arranjo espacial a partir dos átomos de carbono
assimetricamente distribuídos. A maioria dos átomos de carbono que compõem os monossacarídeos é
assimétrica (quirais). Exibem, portanto, isomeria ótica. O número de isómeros aumenta consideravelmente
à medida que aumenta o número de átomos de carbono na molécula: o gliceraldeído (3C) tem dois isómeros
óticos; a eritrose (4C) tem 4, e assim sucessivamente. Por exemplo, a glicose e galactose variam apenas na
distribuição de um grupo hidroxilo em torno de um átomo de carbono – suficientemente diferente para os
dois açúcares terem formatos e, portanto, comportamentos diferentes.
Se observarmos a fórmula do gliceraldeído, da figura 1.1., constatamos que podem existir duas
configurações, dependendo da posição do grupo hidroxilo do carbono assimétrico, se encontrar à direita (D
de dextra) ou à esquerda (L de levogira). Estas duas formas do gliceraldeído podem considerar-se na base de
duas séries de aldoses: a série D e a série L. As letras D e L referem-se somente à configuração do penúltimo
átomo de carbono do extremo da cadeia oposto ao grupo carbonilo.
Por razões não esclarecidas, a grande maioria dos açúcares que intervêm na composição e no metabolismo
das células, pertencem às séries D.

Em solução aquosa os monossacarídeos, a partir da tetrose (na série das aldoses) e da pentose (na série das
cetoses) podem sofrer uma ciclização e formar anéis de cinco ou de seis lados, por estes serem mais estáveis
quimicamente.

Figura 1.14 – A ciclização entre o grupo hidróxilo e o grupo carbonilo dos carbonos 5 e 1, respetivamente,
permite uma conformação cíclica da molécula de glicose, muito característica.

Monossacarídeos mais importantes

Duas trioses, o gliceraldeído e a di-hidroxiacetona (fig. 1.13), são muito comuns nas células animais e
vegetais. A pentose mais importante é sem dúvida a ribose (fig. 1.15). Participa na fotossíntese e na via das
pentose-fosfato e é constituinte do ATP, NAD+, NADP+, FAD e coenzima A. Entra também na constituição da
molécula de RNA.
HOH2C O HOH2C O
H H

HH H OH HH H OH

OH OH OH H
A B

Fig. 1.15: Ribose (A) E Desoxirribose (B)

As hexoses mais comuns nos organismos são a glicose, a galactose e a manose (aldoses) e a frutose (cetose)
(fig. 1.16). A glicose é o monossacarídeo mais difundido no mundo vivo. Está presente nos frutos e outros
órgãos vegetais, no mel, no sangue e na linfa, etc. É, por sua vez, o principal constituinte de oligossacarídeos
como a sacarose e a lactose, e de polissacarídeos, como a celulose, o glicogénio e o amido.

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A galactose é, depois da glicose, o monossacarídeo mais abundante. Aparece em dissacarídeos como a


lactose do leite e em diversos polissacarídeos. A frutose é a única cetose que se encontra em grandes
quantidades na natureza. Está presente em muitos frutos, no néctar das flores e no mel.

Fig. 1.16: Hexoses: D-Glicose (A); D-Galactose (B); D-Manose (C)

Os açúcares servem de combustível e de fonte de carbono. Durante a respiração a glicose é usada como
fonte de energia; a quebra das ligações existentes na molécula liberta energia que é convertida em ATP. São
também convertidas noutros tipos de moléculas orgânicas tais como aminoácidos e ácidos gordos.

b) Os oligossacarídeos são açúcares complexos, constituídos geralmente por dois a dez resíduos (açucares
simples), por vezes mais, ramificados ou não;
c) Os dissacarídeos são oligossacarídeos constituídos apenas por dois açúcares. Por exemplo a maltose é um
dissacarídeo derivado da polimerização entre duas moléculas de glicose. Entre os açúcares ocorre uma
reação de polimerização (ou de desidratação), formando-se uma ligação glicosídica (ligação covalente
açúcar -O açúcar).

Figura 1.17 – ligação glicosídica −1,4 no dissacarídeo maltose.

A ligação glicosídica dá-se entre os átomos de carbono de um grupo hidroxilo (C-4) de uma molécula de
glicose e o grupo carbonilo (C-1) da segunda molécula de glicose. A sacarose e a maltose são os dissacarídeos
mais vulgares. Por hidrólise, a sacarose produz uma mistura equimolecular de glicose e de frutose; os
monómeros ligam-se por uma ligação glicosídica de tipo  (alfa), dado que os grupos hidroxilo que reagem
para formar a ligação estão no mesmo plano (no espaço).

CH2OH
O
HOH2C O
H H H H
OH
OH H O OH CH2OH
H

H OH
OH H
A
CH2OH CH2OH
O O
OH
H H H H
O
H
OH H H OH H OH

H OH B H OH
Fig. 1.18: (A) Sacarose – ligação glicosídica -1,4 e (B) Lactose – ligação glicosídica -1,4

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A lactose é o açúcar do leite dos mamíferos. É formado por uma molécula de galactose e por uma molécula
de glicose, unidas por uma ligação glicosídica de tipo β (beta). A diferença no tipo de ligação está na
disposição tridimensional dos grupos hidroxilo, neste último caso em planos opostos.

d) Os polissacarídeos têm na sua constituição um grande número de resíduos de açúcar, ligados entre si por
ligações glicosídicas.
Os polissacarídeos, os polímeros de açúcar podem ter desde umas dezenas a alguns milhares de monómeros,
podendo formar cadeias simples ou ramificadas. Podem ser formados pelo mesmo açúcar
(homopolissacarídeos) ou por açúcares distintos (heteropolissacarídeos).
A formação de polímeros a partir de monossacarídeos pode gerar um conjunto muito vasto de moléculas
distintas. Uma grande variedade de monómeros pode ser incorporada em polímeros em crescimento; um
outro fator de variabilidade deve-se ao facto da presença de vários grupos hidroxilo em cada molécula
permitir a formação de ramificações.
Os polissacarídeos desempenham funções de armazenamento disponibilizando monómeros através da
hidrólise de ligações.
O amido é a forma de reserva glucídica dos vegetais, sendo constituído por dois polissacarídeos, a amilose e
a amilopectina, em proporções variáveis, mas características das espécies e variedades.

CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH ligação glicosídica -1,6

o o o o

o o o
O
CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH H2C CH2OH CH2OH CH2OH
o o o o o o o o

o o o O... o o o
ligaçãoglicosídica -1,4
Fig. 1.19. Estrutura ramificada da amilopectina.

Tanto a amilose como a amilopectina são polímeros da glicose: a amilose é uma molécula geralmente linear,
apresentando por isso, tendência para enrolamento em hélice. Pelo contrário, a amilopectina é uma
molécula ramificada (fig. 1.19).

O glicogénio é a forma de reserva glucídica dos animais, mas encontra-se também nos fungos. Possui uma
estrutura ramificada semelhante à da amilopectina, mas com mais ramificações (figura 1.6).

CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH


o o o o o o

o o o o o
O
CH2OH CH 2 CH2OH CH2OH H2C CH2OH CH2OH CH2
o o o o o o o o

o o o O... o o o

Fig. 1.20. Estrutura do glicogénio.

A celulose é também um polímero de glicose, mas com papel estrutural.


É um dos componentes orgânicos mais abundantes. Este estatuto deve-se ao facto de ser o componente
principal da parede das células vegetais. A celulose é constituída por cadeias muito longas, formadas por
moléculas de D-glicose, unidas por ligações glicosídicas β-1,4, mas também por pontes de hidrogénio (entre
o grupo hidroxilo do C(6) de uma glicose e o grupo hidroxilo do C(2) do resíduo da glicose anterior. Estas

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cadeias associam-se, lado a lado, através de pontes de hidrogénio e ligações de Van der Waals, formando
microfibrilhas. As microfibrilhas associam-se, por sua vez, em feixes.
CH2OH CH2 CH2OH CH2OH CH2OH CH2 CH2OH CH2OH
o o o o o o o o
o o o o o o A
o o

CH2OH HO CH2OH
H O O
O O O
H O O O B
O H O
OH HOH2C OH

Fig. 1.21. Celulose: disposição das moléculas de glicose, unidas por ligações glicosídicas (A); as moléculas de
glicose assumem a configuração em cadeira e estabelecem entre si pontes de hidrogénio (B).

Verificamos, portanto, que amido, glicogénio e celulose variam na posição e orientação das ligações
glicosídicas.
No amido e no glicogénio todas as ligações são do tipo  () e a celulose tem todas as ligações do tipo
 (), o que lhes confere formatos tridimensionais distintos. Enquanto no primeiro caso se forma uma
hélice, a celulose é retilínea e os seus grupos hidroxilo estão livres para formar pontes de hidrogénio com
outras moléculas de celulose paralelas, formando as microfibrilhas – poderosos materiais de construção.
Poucas enzimas conseguem digerir a celulose, incluindo as enzimas humanas, ao contrário do amido cujas
ligações são facilmente quebradas pela amílase.

d) Açúcares derivados– são açúcares aos quais são adicionados outros grupos de natureza diferente e,
portanto, não cumpem a forma empírica C n(H2O)m. São exemplos os desoxi-açúcares os quais resultam da
substituição de um grupo hidroxilo de um monossacarídeo por um átomo de hidrogénio; recebem o prefixo
desoxi, antecedido pelo algarismo de posição. O desoxi-açúcar mais importante é sem dúvida a pentose 2-
desoxi-D-ribose, que intervém na estrutura dos nucleótidos constituintes dos ácidos desoxirribonucleicos
(DNA).
A quitina que forma o exoesqueleto dos artrópodes é também um composto de carbohidratos e tem também
funções estruturais.

Fig. 1.22. Estrutura da quitina, formada por subunidades de N-acetilglucosamina, unidas por ligações
glicosídicas -1,4.

Existem muitos outros polisscarídeos importantes na natureza, constituídos por açúcarespolissacarídeos, nas
bactérias, por exemplo, o peptidoplicano, constituinte principal da parede celular (heteropolímero de ácido
n-acetilmurâmico e ácido n-acetilglucosamina), nas macroalgas, a agarose, as carragenanas, os alginatos e
os ulvanos, polissacarídeos da parede celular todos eles hidrocolóides. Nos animais, o ácido hialurónico,
existente no tecido conectivo.

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1.1.1.4.3. Lípidos – moléculas hidrofóbicas diversas

Os lípidos não são polímeros, uma vez que constituem agregados de moléculas que não são monómeros. Tal
como as restantes macromoléculas biológicas, todavia, também os lípidos são moléculas constituídas por
moléculas menores e ligadas entre si através de reações de desidratação. Neste caso formam-se ligações
éster.
Os lípidos são compostos formados fundamentalmente por carbono, hidrogénio e oxigénio.
Constituem um grupo heterogéneo que se caracteriza por possuir, na sua estrutura molecular, ácidos gordos,
com pelo menos, 8 átomos de carbono. Na maioria dos casos, o ácido esterifica um álcool, o qual é,
frequentemente, o glicerol. Noutros casos, os ácidos ligam-se a uma amina alcoólica.
Dada a presença de cadeias de hidrocarboneto longas, os lípidos partilham uma característica comum – têm
pouca ou nenhuma afinidade com a água. O seu comportamento hidrofóbico baseia-se na estrutura da
molécula que, apesar de possuir ligações polares, é constituída maioritariamente por estes hidrocarbonetos
apolares. Caracterizam-se ainda pela sua grande solubilidade nos solventes orgânicos, como o éter, a
acetona, o álcool, o sulfureto de carbono, o tetracloreto de carbono.
Os lípidos desempenham funções biológicas de extrema importância, quer ao nível das estruturas
(membranas celulares), quer como reserva energética, quer ainda, entre outras funções, como mensageiros
(hormonas).

1.1.1.4.4. Caracterização

A grande heterogeneidade dos lípidos justifica a existência de diversas classificações. Uma delas, porventura
a mais simples, agrupa os lípidos, à partida, em três classes: a) lípidos simples, b) lípidos complexos e c)
lípidos isoprenóides.

a) Lípidos simples

São unidades estruturais não esterificadas (não formam ligações éster, mas têm a capacidade de as formar,
pela presença de grupos carboxílico). São exemplos destas unidades os ácidos gordos.

Fig. 1.23. Estrutura molecular de três ácidos gordos: ácido esteárico (C18:0) é saturado; ácido oleico (C18:1) e
monoinsaturado; ácido linoleico (C18:2, n6) é polinsaturado, ómega 6.

Estes ácidos gordos podem ser saturados (fig. 1.23) quando têm um número máximo de átomos de
hidrogénio, isto é, quando todas as ligações carbono-carbono são simples; apresentam também número par
de átomos de carbono; os ácidos gordos dizem-se insaturados quando possuem uma ou mais ligações duplas
entre os átomos de carbono (normalmente estas ligações duplas exibem uma geometria cis). Dizem-se

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monoinsaturados se apenas existir uma ligação dupla e polinsaturados se existirem pelo menos duas. Nestes
distinguem-se, ainda, os ómega 3 (3), quando a primeira ligação dupla está no carbono 3 a partir do final
da molécula, ómega 6 (6) quando a primeira ligação dupla está no carbono 6 a partir do final da molécula
e ómega 9 (9) se estiver no carbono 9 a partir do final da molécula.
Alguns ácidos gordos dizem-se essenciais, porque o nosso organismo não os consegue produzir, sendo assim,
necessário adquiri-los através da alimentação. São exemplo disso o ácido linoleico é o ácido araquidónico,
ambos polinsaturados.

Não sendo polímeros, várias subunidades distintas organizam-se para formar macromoléculas, através de
ligações éster. Os lípidos simples compreendem, assim, os glicéridos (ou glicerídeos) e as ceras.
As ceras são ésteres de monoálcoois de elevado peso molecular (figura 1.24).
Os glicéridos são habitualmente designados por óleos ou gorduras, consoante se encontrem em estado
líquido ou sólido, à temperatura ambiente. São estes os lípidos mais comuns, derivados do álcool
(geralmente glicerol) e de ácidos gordos:
Um glicérido é formado por dois tipos de moléculas: glicerol – molécula de álcool com 3 átomos de carbono
e três grupos hidroxilo; solúvel em água e insolúvel ou pouco solúvel nos solventes orgânicos - e ácidos
gordos moléculas compostas por uma cadeia linear de hidrocarboneto, de tamanho variável (nos mamíferos
tem caracteristicamente 12 a 20 átomos de carbono), exibindo, numa extremidade, uma cabeça com um
grupo carboxilo – COOH.
Por exemplo, no triglicérido triacilglicerol, ocorrem ligações éster entre três ácidos gordos a uma molécula
de glicerol, através de reações de desidratação (figura 1.24). Os triglicéridos são moléculas insolúveis em
água e constituem as gorduras mais comuns do tecido adiposo animal.
Um glicérido armazena grandes quantidades de energia – as cadeias de hidrocarbonetos são muito ricas em
energia (duas vezes mais que na mesma quantidade de açúcar).

Figura 1.24 – Lípidos simples: éster cera (22:1 álcool; 18:4 ácido gordo) e triglicérido;
Lípido complexo: fosfolípido fosfatidilcolina

a) Lípidos complexos

São moléculas que contêm outras substâncias, para além do álcool estrutural e dos ácidos gordos. Estes
componentes podem ser fosfato, bases azotadas, açúcares, etc. Os mais importantes no contexto da biologia
da célula, são os fosfolípidos (fosfoacilglicéridos e esfingomielinas), e os glicolípidos (cerebrósidos,

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sulfátidos, globósidos e gangliósidos), existindo ainda uma grande variedade de lípidos complexos com
outras macromoléculas como lipo-proteínas e lipo-polissacarídeos que teremos oportunidade de abordar
ao longo da Unidade curricular.
Os fosfolípidos são os constituintes principais da membrana celular e são compostos por carbono,
hidrogénio, oxigénio e azoto. São formados por apenas dois ácidos gordos hidrofóbicos ligados a uma
“cabeça” de glicerol e fosfato, polar, portanto hidrofílica. O fosfato está ainda ligado a outra molécula polar
que é uma base azotada (figura 1.24).
Têm, comportamento misto quando adicionados à água – são moléculas anfipáticas – agregam-se formando
micelas ou dupla camada lipídica, exibindo a parte hidrofílica para fora, em contacto com a água, e parte
hidrofóbica para o interior da membrana, protegida do contacto direto com a água.

b) Lípidos isoprenóides (insaponificáveis)

Nesta classe encontram-se substâncias muito variadas, que possuem características dos lípidos,
nomeadamente a insolubilidade na água e a solubilidade nos solventes orgânicos. Englobam-se aqui os
compostos isoprénicos, como terpenos, carotenos, tocoferóis e esteróides, entre outros.
Os compostos isoprénicos contêm um sistema de hidrocarboneto em anel derivado do isopreno
(ciclopentano-perhidro-fenantreno). Entre os compostos isoprénicos, merecem destaque, no contexto da
biologia celular, as vitaminas E, K e A, a progesterona, as hormonas adrenocorticais, os ácidos biliares, alguns
hidrocarbonetos carcinogénicos e os esteroides, entre eles o colesterol, uma molécula anfipática,
constituinte da membrana plasmática das células animais. As células mais primitivas não apresentam
colesterol, mas exibem moléculas lipídicas sintetizadas a partir dos mesmos precursores, mas que não são
esteroides, designadas hopanóides.

C C C C C
C C C C
C C

HO

Fig. 1.25. Molécula de colesterol (esquerda) e hopanóide (centro) e vitamina E (esquerda).

1.1.1.4.5. Proteínas – ferramentas de construção da célula

A sua importância percebe-se pelo nome - do grego proteios – em primeiro lugar.


Como tal, são muito abundantes nas células, constituem mais de 50% do peso seco da célula.
As proteínas são bio polímeros formadas essencialmente por aminoácidos ligados entre si, em sequência
linear específica, através de ligações peptídicas. As proteínas apresentam estruturas tridimensionais,
características. Estas são estabilizadas por ligações e interações que se estabelecem não só entre elementos
da própria cadeia como ainda com o meio circundante, de onde dependem as propriedades físico-químicas
e a atividade biológica.
De acordo com a função que desempenham, variam muito na estrutura, tendo uma configuração
tridimensional única (conformação), intimamente relacionada com a sua função.
As proteínas são moléculas lábeis porque as suas estruturas podem, quer apresentar diferentes
conformações alternativas, em função das interações que estabelecem com o meio, quer sofrer alterações
irreversíveis que as desnaturam.

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1.1.1.4.6. Composição

São constituídas por carbono, hidrogénio, oxigénio, azoto e, por vezes, também por enxofre.
Existem milhares de tipos diferentes de proteínas em cada célula. O Homem tem milhares de proteínas
diferentes, todas derivadas do mesmo tipo de blocos de construção primários – os aminoácidos, ligados
entre si por ligações peptídicas. As proteínas são construídas a partir de 20 aminoácidos diferentes 1.

Todos os aminoácidos têm um carbono  ligado ao grupo amina (-NH2), ao grupo carboxilo (-COOH), a um
átomo de H e a um grupo R variável (figura 1.26). A variabilidade dos aminoácidos está, portanto, na cadeia
lateral R característica de cada aminoácido: na Glicina é apenas um H, na Cisteína tem um grupo –SH, no
Aspartato CH2COO-, na Lisina CH2CH2CH2CH2NH3+, etc.

Fig. 1.26. Estrutura geral do aminoácido alanina. (A) a pH  7 o aminoácido está na forma ionizada; (B) e (C) a
representações da alanina (H, branco; C, preto; O, vermelho; N, azul).

A presença destes grupos determina estruturas e funções diferentes, uma vez que confere diferentes
características aos aminoácidos: acídicos, basídicos, hidrofílicos ou hidrofóbicos (figura 1.28). As plantas têm
a capacidade de sintetizar os 20 aminoácidos diferentes; os animais apenas conseguem fabricar alguns deles
– os restantes provêm da alimentação. Estes designam-se por aminoácidos essenciais.
A assimetria (quiralidade) do carbono C confere aos aminoácidos atividade ótica (só na glicina, que
apresenta dois H ligados ao C, não existe carbono assimétrico), reconhecendo-se assim, para cada
aminoácido, dois isómeros, D e L. Os aminoácidos que intervêm na composição das proteínas têm
configuração L, provavelmente devido a um acidente propagado através da evolução. 2

1.1.1.4.7. Ligação peptídica

A formação de proteínas é um processo controlado de adição de aminoácidos específicos (monómeros). Os


grupos carboxilo e amina de aminoácidos contíguos unem-se através de ligações peptídicas, através de
reações de desidratação, entre o grupo –OH do carboxilo de um aminoácido e um H do grupo amina do
aminoácido seguinte; nesta reação, como em todas as reações de polimerização, ocorre eliminação de uma
molécula de água.
H OH H OH H O H OH
H2N C C + H2N C C H2N C C N C C + OH2
R1 O R2 O R1 H R2 O

Ligação peptídica
Fig. 1.27. Natureza da ligação peptídica

1Os aminoácidos são: Alanina, Arginina, Asparagina, Aspartato, Cisteína, Fenilalanina, Glutamato, Glutamina, Glicina,
Histidina, Isoleucina, Leucina, Lisina, Metionina, Prolina, Serina, Treonina, Tirosina, Triptofano e Valina.
2 No site http://www.johnkyrk.com/aminoacid.html pode observar a quiralidade das moléculas

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Uma cadeia de dois ou mais aminoácidos unidos por ligações peptídicas é designada por cadeia peptídica ou
polipeptídica. Nestas, com exceção dos aminoácidos extremos, todos os outros perderam um -OH e um H,
pelo que, o que deles resta é designado por resíduo.

Figura 1.28 – os 20 aminoácidos principais existentes nos organismos

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1.1.1.4.8. Estrutura das proteínas

A função da proteína depende da sua configuração específica – na maioria dos casos a função da proteína
depende da sua capacidade para reconhecer e unir-se a outra molécula.

A estrutura primária da proteína é a sequência linear de aminoácidos (ex. lisozima tem 129 aminoácidos dos
20 disponíveis, cada um numa posição específica). Nos extremos de cada cadeia há sempre dois grupos
polares – um terminal amina (terminal N) e um terminal carboxilo (terminal C). A estrutura globular da
proteína depende da ordenação dos monómeros na estrutura primária, bem como da conformação que cada
resíduo adota, nesta estrutura. Habitualmente considera-se que a partir de 80 a 100 resíduos, se trata de
um polipeptídeo.

Figura 1.29 – estrutura primária de um polipeptídeo, constituída pela sequência de aminoácidos. Do lado
esquerdo o terminal N e do lado direito o terminal C.

A cadeia de aminoácidos dobra-se e enrola-se, formando a estrutura secundária; quando os monómeros


adotam conformações regulares, a estrutura secundária exibe configurações características como seja a
folha pregueada  ou a hélice . Estes motivos satisfazem as preferências conformacionais locais e otimizam
a formação de ligações intermoleculares, especialmente o estabelecimento de pontes de hidrogénio
regulares entre partes da cadeia polipeptídica.
As hélices  de comprimento inferior a 40 Å predominam nas proteínas globulares (mioglobina,
hemoglobina, calmodulina), enquanto as de comprimento igual ou superior a 1000 Å são comuns em
proteínas fibrosas com propriedades elásticas, como o colagénio. A folha pregueada é a estrutura secundária
típica de proteínas fibrosas, flexíveis, mas pouco elásticas, como as fibras de seda ou a -queratina do cabelo
e da lã.

Figura 1.30 – estrutura secundária de um polipeptídeo, constituída por folhas pregueadas  (à esquerda) e
hélices  (à direita), formadas por pontes de hidrogénio regulares entre os aminoácidos.

A estrutura terciária é uma conformação tridimensional, que resulta, por um lado, de ligações que se
estabelecem entre as cadeias laterais dos resíduos, e, por outro, da interação dessas cadeias com o meio
aquoso. Dessas interações resulta uma estrutura termodinamicamente estável e que é responsável pela
atividade biológica das proteínas. Nomeadamente as proteínas que residem em meio aquoso exibem
interações hidrofóbicas, isto é, tendem a adotar estruturas que protegem as cadeias laterais hidrofóbicas em
zonas interiores da proteína, fora do alcance da água; este enrolamento faz-se através de interações entre

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regiões apolares de duas estruturas secundárias do mesmo polímero estabelecendo-se também forças de
van der Waals. Outras forças são as pontes dissulfetos que se estabelecem entre os átomos de enxofre de
duas cisteínas (figura 1.31).
As ligações entre cadeias laterais dos resíduos são, com exceção das pontes bissulfureto, de natureza não
covalente; por conseguinte, são ligações fracas. A interação com o meio envolvente, naturalmente aquoso,
condiciona, por sua vez, a disposição das cadeias laterais dos resíduos, pois as hidrofóbicas tenderão a
recolher-se no interior da estrutura e as hidrofílicas a exporem-se à sua superfície.

Fig. 1.31 – Ligações intermoleculares responsáveis pela estrutura terciária de um polipeptídeo: (1) duas cisteínas ligam-se
uma à outra por pontes dissulfeto (2) duas porções com carga oposta formam uma interação eletrostática (3) porções com
carga oposta formam uma ponte de hidrogénio (4) porções apolares formam interações Van-der-Waals e hidrofóbicas.

A estrutura quaternária decorre da associação de várias subunidades, iguais ou diferentes, através de


ligações não covalentes. Trata-se do nível superior de complexidade que se pode encontrar na estrutura
proteica, realizável em proteínas globulares ou proteínas fibrosas.
As proteínas globulares são formadas por cadeias polipeptídicas que se dobram adquirindo a forma esférica
ou globular (estrutura terciária ou quaternária). Tais proteínas são, habitualmente, solúveis em água. As
proteínas globulares têm uma função dinâmica e incluem a maioria das enzimas, os anticorpos, muitas
hormonas e proteínas transportadoras, como a hemoglobina (constituída por quatro cadeias polipeptídicas,
duas  com 141 resíduos, cada, e duas  com 146 resíduos, cada).
As proteínas fibrosas são constituídas por polipeptídeos (estruturas quaternárias) repetitivos, longos e
cilíndricos; são caracteristicamente insolúveis em água e desempenham funções sobretudo estruturais,
como é o caso da queratina ou o colagénio (uma unidade de colagénio alfa é formada por uma estrutura
quaternária constituída por três hélices  imbricadas como uma trança). As fibras são, assim, formadas pela
associação multimérica de cadeias polipeptídicas separadas.

Figura 1.32 – proteína globular com estrutura terciária (albumina sérica humana) e fibrosa (colagénio), formada por 3
polipeptídeos.

A estrutura e a função das proteínas são sensíveis às condições físico-químicas – alterações de pH, ácidos e
bases fortes, solventes orgânicos, agentes redutores, compostos polares neutros, sais a elevadas
concentrações, aumento da temperatura, agressão mecânica ou outros aspetos podem causar a
desnaturação da proteína por perder alguma da conformação nativa, originada pela quebra de ligações. A
alteração de conformação (desnaturação) determina a perda de função da proteína e é, muitas vezes, um
processo reversível.

As proteínas desempenham numerosíssimas funções nas células, nomeadamente de armazenamento


(caseína é uma proteína do leite fonte de aminoácidos para mamíferos bebés; albumina do ovo); transporte
(hemoglobina – transporta oxigénio no sangue); suporte estrutural (colagénio e elastina formam o tecido

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conjuntivo animal, dando origem a tendões e a ligamentos); receção de sinais exteriores (resposta celular a
estímulos químicos – recetores membranares da célula nervosa que detetam sinais químicos exteriores à
célula); Movimento celular (proteínas contrácteis como a actina e miosina são responsáveis pelo movimento
do corpo, existindo no tecido muscular); defesa do organismo (anticorpos); controlo hormonal (ex. insulina)
e regulação metabólica através das enzimas.

1.1.1.4.6. Ácidos nucleicos – polímeros de informação

Os ácidos nucleicos armazenam e transmitem a informação hereditária. O armazenamento e transmissão


desta informação estão associados aos ácidos nucleicos: os polímeros ácido desoxirribonucleico (DNA) e o
ácido ribonucleico (RNA) são as moléculas que permitem aos organismos vivos a reprodução dos seus
componentes, de geração em geração, assim como a síntese proteica.
Estes polímeros são constituídos por monómeros designados por nucleótidos. Um gene é constituído por
um conjunto específico de nucleótidos. O DNA é uma molécula muito longa composta, normalmente, por
centenas de milhares de genes.
O DNA é formado por duas cadeias que interagem entre si, através de pontes de hidrogénio. Estas estão
enroladas a formar uma hélice muito característica. O DNA armazena toda a informação genética existente
num organismo.
O RNA é formado por uma única cadeia de nucleótidos. O RNA permite a transmissão da informação genética
do DNA. Pode formar o RNA mensageiro, sendo este responsável por transcrever o DNA e transportar esta
informação até aos ribossomas. O RNA ribossomal constitui os ribossomas, juntamente com proteínas, local
onde ocorre a tradução proteica. O RNA de transferência é responsável por captar aminoácidos do
citoplasma e transportá-los até aos ribossomas, contribuindo assim para a tradução proteica. Exiswte, ainda
o RNA pequeno nuclear que está envolvido nos processos de splicing do RNA mensageiro.

Composição

Em 1953 foi determinada a estrutura de dupla hélice helicoidal do DNA – cadeia dupla, constituída por
sequências polinucleótidas complementares e antiparalelas.
Cada nucleótido é formado por um grupo fosfato, uma pentose e uma base azotada (fig. 1.33).

Figura 1.33 – nucleótido, formado por 3 moléculas: fosfato, pentose e base azotada

A pentose (um açúcar com 5 átomos de carbono) do RNA é a ribose e do DNA a 2-desoxirribose, ambos os
açúcares são muito semelhantes, existindo apenas uma variação no carbono 2 (o -OH da ribose é substituído
por um hidrogénio na desoxirribose) (figura 1.34).
Há dois tipos de bases azotadas formadas por anéis aromáticos planares, contendo vários átomos de azoto
na sua estrutura: pirimidinas constituídas por um único anel (citosina – C, timina – T, no DNA, e, no RNA,
uracilo – U) e purinas que são formadas por dois anéis (adenina – A e guanina – G). As bases azotadas ligam-

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se covalentemente, através do N-1 das pirimidinas ou do N-9 das purinas, ao C-1 das pentoses, para formar
um nucleótido.
O grupo fosfato constitui o esqueleto da molécula de DNA e RNA, fazendo a ligação entre nucleótidos.
O nucleótido de DNA chama-se desoxirribonucleótido. A desoxirribose (o açúcar – pentose) liga-se ao grupo
fosfato pelo carbono 5’ e à base azotada pelo carbono 1’.
No DNA, as bases azotadas unem-se, no interior da dupla hélice, através de pontes de hidrogénio, de forma
específica: Adenina a Timina e Guanina a Citosina; sempre uma pirimidina (um anel) com uma purina (dois
anéis); se houvesse ligação entre duas purinas seria excessivamente estreito, ligação entre duas pirimidinas
seria excessivamente largo. Assim, a ligação entre uma purina e uma pirimidina constitui o tamanho ideal
que permite manter o mesmo padrão ao longo de toda a hélice.
A ligação específica entre as bases azotadas depende ainda do número de pontes de hidrogénio que se
podem estabelecer entre as moléculas:
A adenina pode formar duas pontes de hidrogénio apenas com a timina (A=T);
Guanina forma 3 pontes de hidrogénio apenas com a citosina (G≡C).
Assim a quantidade de guanina é sempre igual à quantidade de citosina; o mesmo se pode dizer quanto à
quantidade de adenina e de timina.
No RNA (ácido ribonucleico) a unidade monomérica, o ribonucleótido, possui o açúcar ribose, em vez de
desoxirribose, e a base pirimídica é o uracilo (U) em vez da timina.

Fig. 1.34. Componentes dos ácidos nucleicos – bases purina e pirimidina ligadas a pentoses. Um ácido nucleico unido a um
açúcar apenas forma um nucleósido; ligado também a um grupo fosfato forma um nucleótido.

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Ligações

Tal como os outros açúcares, também a presença de grupos hidroxilo múltiplos permite à pentose a
formação de mais do que uma ligação éster.
Assim, a formação de nucleótidos envolve primeiro uma ligação éster entre um grupo fosfato e o carbono 5
do açúcar, e uma segunda ligação entre o carbono 1 e a base azotada.
Por seu lado, os nucleótidos unem-se entre si para formar o polímero, através de ligações éster entre o
fosfato de um nucleótido e um grupo hidroxilo do carbono 3 do açúcar do nucleótido adjacente. Esta é, como
ocorre em todas as macromoléculas, uma reação de desidratação.
Assim, o polímero tem um terminal designado 5’ e outro designado 3’ que correspondem aos grupos
hidroxilo dos átomos de carbono 5 e 3 das pentoses, aos quais grupos fosfato se poderiam ligar por ligações
fosfodiéster. Os mononucleótidos unem-se, portanto, através de ligações covalentes fosfodiestéricas entre
o grupo fosfato de um nucleótido e o grupo OH-3’ do açúcar do nucleótido seguinte.

A dupla hélice de DNA tem os fosfatos e açucares no exterior e as bases no interior, emparelhadas e ligadas
entre si por pontes de hidrogénio (A a T e C a G). Portanto as duas cadeias são complementares.
A cadeia tem uma polaridade, isto é, apresenta uma extremidade com um carbono 5’ ligado a um grupo
fosfato e a outra extremidade com um carbono 3’ ligado a um grupo hidroxilo.
No DNA as duas cadeias ligadas entre si são antiparalelas, isto é, correm no sentido 5´ 3’ em sentidos
opostos (polaridade oposta).

Fig. 1.35 – DNA, polímero de nucleótidos: (A) o DNA é formado por nucleótidos (fosfato, pentose e base azotada). (B) Uma
cadeia simples de DNA liga-se através dos grupos fosfato; pelo facto de a molécula ser assimétrica, a leitura da molécula faz-
se sempre da esquerda para a direita. (C) Polimerização da cadeia complementar de DNA; a ligação das duas hélices faz-se
através de ligações C≡G e A=T. (D) As ligações covalentes fosfato-pentose-fosfato são fortes e as bases azotadas ligam-se
através de pontes de hidrogénio. (E) As duas cadeias enrolam em hélice, acomodando as bases azotadas no seu interior.

De referi, finalmente, que existem outros nucleótidos, que desempenham funções muito diferentes nos
organismos. Um exemplo fácil de compreender é o ATP, adenosina trifosfato, o veículo de energia da célula.

Figura 1.36 – Os nucleótidos podem ser diversos, os quais podem conter 1, 2 ou 3 fosfatos.

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1.1.1.5. A água

A água é a substância mais abundante das células vivas e a maior parte das reações intracelulares ocorre em
meio líquido. Também ao nível do organismo, se verifica a preponderância da água. Por exemplo, a água
representa, em peso, 75% do músculo de mamífero e 85% do córtex cerebral humano. Em média uma célula
tem cerca de 70% do seu peso em água.
Desde os primórdios da vida, há 3,8 mil milhões de anos, a água esteve presente como o elemento
preponderante do meio e todas as “soluções” vitais foram arquitetadas nesse pressuposto. Poder-se-á
especular se alguma outra forma de vida teria sido possível na ausência da água; todavia, a vida na Terra,
tira proveito das propriedades físicas muito particulares que a água manifesta, direta ou indiretamente
decorrentes da sua natureza polar e da capacidade de formar pontes de hidrogénio.
A vida começou na água; aí evoluiu durante mais de 3 mil milhões de anos, antes dos organismos terem
conquistado a terra e terem desenvolvido adaptações à escassez de água.
Apesar da maior parte desta água estar na forma líquida, não podemos esquecer a água na forma de vapor
e gelo. A água é o único composto que existe nos três estados físicos, no ambiente natural.
A abundância da água no planeta Terra é a chave para a sua habitabilidade.

1.1.1.5.1. Efeitos da polaridade da água

A molécula de água é extremamente simples. Dois átomos de hidrogénio estão ligados, por ligações
covalentes, a um átomo de oxigénio.
A molécula de água não é linear, mas triangular, uma vez que o equilíbrio de forças entre as diferentes
orbitais de eletrões determina uma disposição geometricamente assimétrica das ligações O-H, que formam
entre si um ângulo de cerca de 104,5º (existem nesta molécula dois pares de eletrões não ligandos).
Por outro lado, a molécula de água é polar, graças às diferenças de eletronegatividade existente entre os
átomos de hidrogénio e o átomo de oxigénio (a forte eletronegatividade que caracteriza o núcleo do átomo
de oxigénio provoca a deslocação dos eletrões em direção a este, deixando os átomos de hidrogénio
desguarnecidos dos seus próprios eletrões). Assim, apesar de ser uma molécula neutra, a água comporta-se
como se fosse um dipolo.

Fig. 1.37. Estrutura da molécula de água:


A) Átomos constituintes;
B) Ângulo de ligação;
C) Geometria e raio de Van der Waals

As moléculas de água têm uma grande afinidade entre elas – a região carregada positivamente de uma
molécula de água tende a orientar-se de modo ficar próximo de uma região eletronegativa de uma molécula
vizinha, estabelecendo pontes de hidrogénio3 ou ligações de hidrogénio

3 Estas ligações, inter- ou intramoleculares, são características de compostos hidrogenados que contêm átomos de flúor,
oxigénio ou azoto, como vimos. Resultam da atração mútua entre um átomo de hidrogénio com carga parcial positiva e um
átomo eletronegativo, com carga parcial negativa (um dos acima referidos). As energias de ligação variam entre 3 e 7 Kcal/mol,
em função da eletronegatividade dos átomos envolvidos. São, portanto, ligações fracas comparativamente com as ligações
covalentes que encerram energias da ordem 50 a 100 Kcal/mol.

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Na água líquida as ligações entre átomos de hidrogénio e de oxigénio de diferentes moléculas têm uma
durabilidade diminuta, estando continuamente a formar-se e a quebrar-se. Assim, a água no estado líquido,
apresenta-se como um complexo semi cristalino de moléculas, sendo o número de pontes de hidrogénio
inversamente proporcional à temperatura.
H H
H
O H O
H H
H O Fig. 1.38. Moléculas de água ligadas por pontes de
H
O hidrogénio
H

O H
H

No estado sólido, as moléculas estabelecem uma estrutura cristalina muito regular, cada molécula formando
o número máximo de 4 ligações por pontes de hidrogénio e dispõem-se segundo uma malha hexagonal
(fig.1.39). Esta obriga a um maior distanciamento entre as moléculas, do que aquele que se verifica no estado
líquido. Em consequência, a água aumenta de volume quando gela.

o o o o o
o o o o o o
o o o o o o o o o o o o
o o o o
o o o o o o o
o o o o o o o o o
o o o o o o o o
o o o o o o o o o o o o
o o o o o o o o o o o o
o o o o o o o o o o o
o o o o

B
A

Fig. 1.39. Malha de moléculas de água congelada (A) e líquida (B)

A água estabiliza a temperatura atmosférica:


A água absorve o calor atmosférico quando este é alto e liberta-o quando é baixo, exercendo um efeito
tampão sobre a temperatura. Este efeito deve-se ao elevado calor específico da água.
Todas as substâncias têm o seu calor específico – quantidade de energia que a substância tem que absorver
para fazer subir em 1ºC 1 grama dessa substância.
A água possui um calor específico invulgarmente elevado, pelo que necessita absorver ou perder grandes
quantidades de energia, para fazer variar a sua temperatura.
Também esta propriedade se deve às pontes de hidrogénio. A quebra das ligações implica a absorção de
energia e há libertação de energia, à medida que a água passa do estado gasoso ao líquido ou do estado
líquido ao sólido. Portanto, quando a temperatura baixa, há formação de pontes de hidrogénio com a
consequente libertação de energia.
Quando a temperatura atmosférica sobe, a água passa do estado sólido ao líquido ou do estado líquido ao
gasoso, o que implica a quebra de ligações; uma vez que a quebra de ligações implica a absorção de energia,
a temperatura à superfície da água é menor.

A água tem também um grande calor de evaporação ou de vaporização – quantidade de calor que um
líquido necessita absorver para converter 1 grama de líquido em gás; esta propriedade deve-se também às
pontes de hidrogénio, uma vez que as ligações têm que ser quebradas antes da evaporação.
Esta propriedade também ajuda a manter o clima moderado. O calor que atinge o oceano é consumido pela
evaporação superficial. À medida que vai evaporando a temperatura vai baixando. Isto acontece porque são
as moléculas com maior energia cinética que tendem a abandonar o líquido para a atmosfera.

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O gelo flutua por isso os lagos e oceanos não congelam:


Como vimos, a água é uma das poucas substâncias que é menos densa no estado sólido do que no estado
líquido, pelo que o gelo flutua. Esta propriedade que se deve, uma vez mais, às pontes de hidrogénio, permite
a expansão das moléculas na estrutura cristalina. À temperatura de 4ºC a água comporta-se como os outros
líquidos, expandindo quando aquece e contraindo quando arrefece.
A água começa a congelar quando as moléculas deixam de se mover com o vigor suficiente para quebrar as
ligações. Quando a temperatura chega aos 0ºC, as moléculas encontram-se distribuídas numa estrutura
cristalina com ligações químicas que obrigam a um determinado espaçamento entre as moléculas, que é
superior ao da água líquida pelo que o gelo fica 10 % menos denso do que a água líquida.
Assim o gelo flutua isolando as camadas de água inferiores das baixas temperaturas atmosféricas,
impedindo-as de congelar e permitindo a manutenção de vida sob o gelo.

A água como solvente:


Um líquido que constitui uma mistura completamente homogénea de duas ou mais substâncias é uma
solução. O agente de dissolução é o solvente e a substância dissolvida é o soluto.
A dissolução de um composto (soluto) num solvente ocorre desde que o conjunto das atrações entre as
moléculas do composto e do meio sejam pelo menos equivalentes ou superiores às que existiam entre as
moléculas do soluto, por um lado, e as do solvente, por outro. A capacidade da água de dissolver um maior
número de substâncias do que qualquer outro líquido comum, decorre das suas propriedades polares e,
consequentemente, do estabelecimento de pontes de hidrogénio com as moléculas dessas substâncias.
Grande número de iões e compostos polares podem dissolver-se em água, uma vez que a água é também
uma molécula polar (pela regra de ouro da solubilidade “igual dissolve igual”).
Assim, uma molécula como um álcool, que é uma molécula polar, dissolve-se rapidamente na água. Tais
moléculas que exibem afinidade para a água dizem-se hidrofílicas. Moléculas hidrofílicas em solução aquosa
são separadas e envolvidas por um “manto” molecular de água. A dissolução não é obrigatória; por exemplo,
o algodão é uma molécula hidrofílica (sendo um polímero de glicose), que absorve água sem se dissolver. As
moléculas de água aderem às inúmeras regiões polares do polímero.

No caso dos iões, originam-se forças atrativas entre as suas cargas elétricas e os polos de sinal contrário das
moléculas de água. Por conseguinte, também os iões se veem envolvidos por uma camada molecular de
água, que aumenta em muito o seu raio iónico (Tabela I.3).

Tabela I.3 – Raios iónicos dos iões Na+, K+ e Cl- , expressos em picómetros (1 pm = 10-12 m)

Raio iónico (pm)


Ião
Forma não hidratada Forma hidratada
Na+ 97 370
K+ 133 405
-
Cl 181 390

Uma substância hidrofóbica é uma substância apolar, que não se dissolve em água, pelo que tende a formar
grupos de moléculas para repelir água. Portanto formam grupos não tanto pela alta afinidade entre as
moléculas hidrofóbicas mas porque as moléculas de água se unem fortemente entre si. Este comportamento
deve-se à prevalência de ligações apolares, neste caso entre os átomos de carbono e de hidrogénio.
Um exemplo clássico de uma substância hidrofóbica é o azeite. Também as membranas celulares são
compostas, claro está, por material hidrofóbico.

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2. A CÉLULA

2.1. ORGANIZAÇÃO CELULAR


As células são pequenas e complexas, cuja estrutura é complicada de visualizar, sendo também difícil
compreender a sua composição molecular e, ainda mais complicado, compreender a função dos vários
componentes.
Desde a observação das primeiras cellulae, em 1665, aos dias de hoje foi percorrido um longo caminho
científico. A maioria das descobertas citológicas foi efetuada muito recentemente, por volta de 1940, com a
introdução do microscópio eletrónico que faz incidir um feixe de eletrões sobre uma amostra (tendo em
conta que a resolução é inversamente proporcional ao comprimento de onda e que a onda luminosa tem
comprimento de onda muito superior ao do feixe de eletrões, verifica-se que o microscópio eletrónico tem
uma resolução muito mais elevada que o microscópio ótico composto).
Concomitantemente, as técnicas de análise química e de biologia molecular contribuíram para esclarecer o
funcionamento dessas estruturas e elucidar muitos outros aspetos da biologia dos organismos.
A ressonância magnética nuclear, que permite determinar a estrutura de pequenas moléculas em solução, e
os novos microscópios confocais laser associados a tratamento computadorizado de imagem constituem os
poderosos instrumentos que nos auxiliam atualmente a obter a informação necessária à compreensão do
funcionamento íntimo da célula e dos organismos.
Os biólogos usam o termo ulta estrutura celular para designar a anatomia celular visível apenas através de
microscopia eletrónica.

2.1.1.1. Teoria Celular

O conhecimento de que os organismos são constituídos por uma ou mais células data do século XVII e é
consequência da invenção do microscópio.
Robert Hooke (1665) inventou um tipo de microscópio, baseado na ação conjugada de duas lentes, por isso
designado por microscópio composto. Com a ajuda deste instrumento, observou a cortiça, cortada em
lamelas muito delgadas e descreveu-a como sendo perfurada de forma semelhante a um favo de mel e
constituída por pequenas células.
Antony van Leeuwenhoek (1674) inventou o microscópio simples, baseado numa só lente, quase esférica.
Com ele descobriu que uma gota de água continha uma miríade de seres vivos (protozoários), que pelas suas
diminutas dimensões eram inacessíveis a olho nu.
Cerca de um século e meio depois, em 1838, o património acumulado de observações em animais e plantas,
permitiu que dois naturalistas alemães, Mattias Schleiden e Theodor Schwann, formulassem uma teoria para
a constituição dos organismos, que ficou conhecida por teoria celular. Esta teoria marca o início da Biologia
Celular como ciência, e afirma que todos os seres vivos, animais ou plantas, são inteiramente constituídos
por células e pelos produtos destas e que a própria célula é uma entidade viva.
Para Schleiden e Schwann, a atividade do organismo seria a soma das atividades de cada uma das partes.
Sabe-se hoje que tal não é inteiramente verdade, pois as células estabelecem entre si sinergias, das quais
resultam propriedades e funções superiores à simples soma aritmética das parcelas unitárias. Em cada
organismo pluricelular, as células especializam-se em funções determinadas (diferenciam-se), perdendo, a
maior parte das vezes, as capacidades gerais que disporiam à partida. Algumas, poucas, conservam-se
indiferenciadas e em condições de, se necessário, se multiplicarem, se diferenciarem e substituírem partes
do organismo que carecem de reparação, de reconstituição ou crescimento.
Rudolf Virchow, após extensivos estudos de patologia celular, descobriu as várias fases da mitose, e propôs
que todas as células são originadas a partir de células pré-existentes.

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Finalmente, com Pasteur a teoria da geração espontânea foi definitivamente refutada, inicialmente proposto
por Spallanzani. Pasteur descobriu também que os microrganismos causam fermentação e doenças, foi
pioneiro no estudo da assimetria molecular, criou o processo de pasteurização, e desenvolveu vacinas contra
o antraz e a raiva.

As 3 componentes básicas da “Teoria celular”, são, então, as seguintes:

• Todos os organismos são compostos por uma ou mais células


• A célula é a unidade básica da vida
• Todas as células são originadas a partir de células pré-existentes

2.1.1.2. Células procarióticas e eucarióticas

As células mais primitivas, derivadas dos organismos procariotas mais primitivos, não possuem um núcleo
organizado e por isso são designadas por procarióticas. As mais evoluídas, provavelmente derivadas daquelas
por associações simbióticas, possuem um núcleo organizado; são as eucarióticas.

De acordo com a teoria celular, a célula é a unidade estrutural e funcional fundamental de todos os seres
vivos, que tem capacidade de reprodução.
Apesar das muitas diferenças existentes entre os vários tipos celulares, existem algumas semelhanças
fundamentais na organização celular:
o Todos os organismos vivos usam o mesmo código genético (DNA), constituído por genes,
formados por nucleótidos;
o Todos os organismos vivos transcrevem porções da sua informação hereditária, na forma de
RNA, sedo, portanto capazes de sofrer auto-replicação, através de processos como a
bipartição, mitose e/ou meiose. Para tal, todos usam uma maquinaria semelhante para
tradução do RNA em proteínas, processo que utiliza ribossomas e RNA de transferência.
o Todas as células são basicamente iguais no que diz respeito à composição química –
macromoléculas - e atividades metabólicas;
o Todas as funções básicas químicas e fisiológicas são realizadas dentro da célula, rodeada por
uma membrana semi-permeável;
o A atividade celular depende de atividades de estruturas sub-celulares que existem dentro
da célula (organelos).
o Os organismos cumprem as leis da química e da física.
o Todas as células utilizam o mesmo veículo de energia – o ATP.
o Todas as células sofrem evolução e são, provavelmente, o resultado da evolução de uma
célula primordial.
o Comunicam com outras células.

No entanto, existem microrganismos acelulares, como os vírus (partículas infeciosas que contêm uma
molécula de DNA encapsulada num invólucro proteico, por vezes de natureza membranosa). Estes
organismos reproduzem-se apenas no interior de um hospedeiro, são desprovidas da maioria das enzimas
necessárias ao seu metabolismo, não apresentam ribossomas ou qualquer outro equipamento necessário à
produção de proteínas), os viróides (moléculas minúsculas de RNA circular com poucas centenas de
nucleótidos) e os priões (proteínas infeciosas, que teoricamente não se auto-replicam; aparentemente são
formas alteradas de proteínas que, quando entram numa célula com a forma normal, causam a sua
transformação).

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Fig. 2.1. Esquema de um vírus,


infetando uma célula hospedeira.

Podemos, portanto, concluir que a célula é a unidade estrutural básica capaz de realizar todas as atividades
essenciais à Vida. Com as exceções referidas, todos os outros organismos são constituídos por células.

Acredita-se que existam 10 milhões – ou mesmo 100 milhões – de espécies diferentes à superfície da Terra.
Cada espécie é distinta, e cada uma tem formas de reprodução eficientes, produzindo descendência
pertencente à mesma espécie: este fenómeno designado hereditariedade permite distinguir os seres vivos
dos seres não vivos.

2.1.2.1. Classificação dos organismos celulares

Os organismos vivos habitam desde as grandes profundidades marinhas, até zonas vulcânicas de
elevadíssimas temperaturas, até mesmo os gelos permanentes da Antártica. Os organismos que vivem
nestas zonas não nos são familiares não tanto pelo facto de viverem em zonas quase inacessíveis, mas
sobretudo por serem microscópicos.
Mesmo no ambiente que nos rodeia os microrganismos tendem a passar despercebidos, a não ser que
causem algum efeito como uma doença. Contudo, são estes os organismos mais abundantes não Terra.
O grau de parentesco existente entre os diferentes organismos é fixado com base na análise do genoma. A
sequência de DNA de um organismo permite definir uma espécie com exatidão uma espécie, permitindo
também a comparação com as outras espécies. Quanto maior o número de diferenças entre sequências de
DNA de dois organismos, maior será a distância evolutiva entre eles.

Fig. 2.2. Os três domínios do mundo vivo – até há pouco tempo “bactérias” designavam todos os procariotas; atualmente
referem-se às eubacteria. A árvore foi elaborada por comparação entre sequências de nucleótidos de RNA ribossomal, nas
diferentes espécies.

Esta abordagem mostra que alguns organismos, inicialmente classificados com bactérias, são tão diferentes
entre si como os organismos procariotas são distintos dos eucariotas. Existem, portanto, evidências que os
procariotas se podem classificar em dois grupos distintos, constituindo os eucariotas um terceiro grande
grupo.

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Assim, o sistema de classificação atual dos organismos celulares divide-os em 3 domínios:


Domínio Bacteria e Domínio Archaea, ambos constituídos por organismos procariotas;
Domínio Eukaria, que inclui 7 reinos, dos quais 4 incluem os anteriormente designados “protistas” e os
restantes são os reinos Plantae, Animalia e Fungi.
Este sistema não inclui vírus, viróides ou priões, já que não se tratam de formas de vida celulares.

Efetivamente, nos últimos anos têm surgido propostas de classificação de organismos vivos diversas, desde
Whittaker, que classificou os organismos vivos em 5 reinos (1969) ou a classificação de Cavallier-Smith
(2004), que divide os organismos vivos em três domínios e oito reinos.
Em 2005 foi proposto um outro esquema de classificação baseado em análises filogenéticas, assim como
morfológicas, bioquímicas e moleculares. Mantém-se a classificação de Woese de três domínios e, nos
organismos eucariotas, definem-se os sete reinos indicados em seguida (Willey, J.M., Sherwood, L.M:,
Woolverton, C.J., 2008, Prescott, Harley, Klein´s Microbiology, 7th edition, Mc-Graw Hill, N.Y.).

I. DOMINIO ARCHAEA (2 filos)


Organismos com características muito diferentes das Eubacteria, nomeadamente a parede celular, química,
membrana lipídica, biologia molecular e metabolismo (metanogénicas, redutoras de sulfato, …)
Surgem em ambientes restritos, extremos, como ambientes hipersalinos e em elevada temperatura. Todavia
é atualmente evidente que a sua distribuição é mais abrangente.
Estão divididas em quatro filos:
• Filo Crenarchaeota
• Filo Euryarchaeota
• Filo Korarchaeota
• Filo Nanochaeota

II. DOMÍNIO EUBACTERIA (23 filos)


• Filo Cyanobacteria
• Filo Proteobacteria
• Filo Firmicutes
• (…)

III. DOMÍNIO EUKARIA


1. Reino Excavata – organismos possuidores de citostomo (ou reservatório).
• Filo Euglenozoa
• Filo Parabalasia
• (…)

2. Grupo “SAR” – supergrupo que inclui 3 reinos:


• Reino Stramenopila (Heterokontophyta) – plastídeos, quando existentes, provenientes de
endossimbiose secundária, com clorofila c.
• Filo Baccilariophyta
• Filo Phaeophyta

• Reino Alveolata (Stramenopila) – fotossintéticos ou não, organismos, unicelulares que apresentam


uma camada de alvéolos corticais logo abaixo da membrana celular.
• Filo Dinoflagellata
• Filo ciliophora
• Filo Apicomplexa

• Reino Rhizaria – organismos com pseudópodes, ciliados ou ameboides.


• Filo Cercozoa (Chlorarachniophyta)

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• Filo Foraminifera
• Filo Radiolaria
• (…)

3. Grupo Opistokonta – organismos uni ou pluricelulares, com centríolos.


• Reino Fungi
• Reino Metazoa
• Reino Amoebozoa – Organismos ameboides.
• Filo Entamoebida
• Filo Eumycetozoa
• (…)

4. Reino Archaeplastida (Plantae) – organismos fotossintéticos, com plastídeos provenientes de


endossimbiose primária
• Sub-reino Biliphyta: Filo Rhodophyta e Filo Glaucophyta
• Sub-reino Viridiplantae: Filos Chlorophyta, Bryophyta e Tracheophyta.

Vários taxa não estão ainda devidamente classificados, como sejam:


Reino Hacrobia (Incerta cedis)
• Filo Cryptophyta
• Filo Haptophyta
• (…)

Figura 2.3 – Classificação atual do domínio Eukaria.

A maior diferença entre as células eucarióticas e procarióticas está no seu próprio nome:
Pro (antes) e Carion (núcleo) – as células procarióticas não têm núcleo.
Nas células eucarióticas há núcleo individualizado, e toda a região entre o núcleo e a membrana celular é
chamado citoplasma. Este consiste num meio semifluido – citosol (hialoplasma) – e nos organelos que
possuem formas e funções específicas, como veremos; a maioria destes organelos está ausente das células
procarióticas.

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Nas células procarióticas, a maior parte das atividades metabólicas ocorre na membrana plasmática; nas
células eucarióticas estas atividades ocorrem fundamentalmente no citoplasma.

2.1.1.3. Células procarióticas


Como vimos, os organismos formados por células procarióticas agrupam-se nos Domínios Eubacteria e
Archaea, e são conhecidos pela designação geral de bactérias (do grego bakterion, pequeno bastonete): no
primeiro Domínio incluem-se as eubactérias, que vivem habitualmente no solo, na água e nos organismos
vivos; no segundo as archaeobactérias, que se encontram em locais pouco usuais, como as ravinas abissais,
os meios salinos e as nascentes hidrotermais.
Os seres procariontes são considerados, no processo evolutivo, como os antecessores dos eucariontes. Os
primeiros terão surgido há 3 mil milhões de anos, os segundos há 1,4 mil milhões.

Quase sempre os organismos procariotas são unicelulares, mas células idênticas podem agregar-se de forma
permanente ou transitória, para formar colónias ou filamentos. Nalgumas espécies existem mesmo formas
pluricelulares com 2 ou 3 tipos de células especializadas, ocorrendo divisão de tarefas.

As células procarióticas são células simples, desprovidas de compartimentos intracelulares – têm


protoplasma. São cerca de 80 a 100 vezes menores que as células eucarióticas e exibem uma elevadíssima
taxa de crescimento.

Do ponto de vista morfológico, distinguem-se várias formas:


• Cocos (esféricas)
• Bacilos (bastão, alongadas)
• Coco-bacilos (formas intermédias entre os dois anteriores)
• Vibriões (bastões curvos)
• Espirilos (espiraladas, rígidas e em forma de “saca-rolha”, flageladas)
• Espiroquetas (onduladas, flexíveis e em forma de espiral, imóveis)

Figura 2.4 – formas e agregados de organismos procariontes

Por sua vez, os cocos podem agregar-se dois a dois (diplococos), podem formar fiadas (estreptococos)
tétradas (quatro células), sárcinas (8, 16, 32 células), ou formar cachos irregulares (estafilococos). Estes
agregados são característicos de alguns géneros, tendo-lhes atribuído o nome. Ex. Staphylococcus ou
Steptococcus.
De igual forma, os bacilos também podem formar agregados semelhantes.

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As células eucariontes e procarionte exibem características muito distintas, resumidas na tabela seguinte:

Tabela II.1 – Características gerais dos organismos dos domínios Bactéria, Archaea e Eukaria
CARACTERÍSTICA DOMÍNIO
Bacteria Archaea Eukaria
TAMANHO 0,2 – 2 m 0,2 – 2 m 5 - 100 m
CROMOSSOMAS 1 circular 1 circular > 1 lineares
DIVISÃO CELULAR fissão binária bipartição mitose/meiose
NÚCLEO ausente ausente presente
RIBOSSOMAS 70S, livres 70S, livres 80S aderentes ou livres
PAREDE CELULAR presente, peptidoglicano presente, formada por ausente ou presente
camadas S. (quitina, celulose)
SISTEMA ausente ausente presente
ENDOMEMBRANAR
LOCOMOÇÃO flagelos formados por flagelos formados por cílios ou flagelos, formados
proteínas (flagelina) proteínas (flagelina) por microtúbulos
LÍPIDOS fosfolípidos, glicolípidos, derivados do isopreno, fosfolípidos, glicolípidos e
MEMBRANARES por vezes com ligados por ligações esteroides
lipopolissacarídeos, sem éter
esteroides

2.1.1.3.1. DOMÍNIO ARCHAEA

A palavra Archaea provém do grego arkhaios, que significa antigo. Os microrganismos pertencentes a este
domínio são procariontes que existem há já cerca de 3,5 mil milhões de anos.

São organismos com características muito diferentes das Eubacteria, nomeadamente a parede celular, a
membrana lipídica, a biologia molecular e metabolismo (metanogénicas, redutoras de sulfato, entre outras).
O domínio Archaea inclui microrganismos que habitam em ambientes restritos, extremos, como por exemplo
fontes termais com elevadas temperaturas; águas extremamente ácidas ou alcalinas; trato intestinal de
mamíferos, térmitas e seres marinhos, onde produzem metano; lamas anóxicas no fundo dos oceanos; águas
com elevadas concentrações salinas, águas residuais industriais, etc. São, por isso, muitas vezes, organismos
extremófilos que possuem características que permitem a sua proliferação nos ambientes mais hostis e
extremos.
Todavia é atualmente evidente que a sua distribuição é mais abrangente, tendo vindo a ser encontrados,
nomeadamente, na pelo humana (4,2% das bactérias existentes na pele são Archaea) e na flora intestinal
(12%).

Atualmente consideram-se os seguintes 4 filos:


a. Filo Crenarchaeota - filo ubíquo, que desempenha um papel importante na fixação do carbono.
Muitos membros são extremófilos dependentes do enxofre. Alguns são termófilos ou
hipertermófilos. Ex. género Sulfolobus, cresce em nascentes vulcânicas (75-80ºC, pH 2 a 3).
b. Filo Euryarchaeota – inclui espécies metanogénicas, que produzem metano como produto do
metabolismo. Inclui também halobactérias, hipersalinas. Algumas hipersalinas formam blooms que
se apresentam de cor avermelhada, devido à presença de bacteriorodopsina.
c. Filo Nanoarchaeota – Inclui uma única espécie, Nanoarchaeum equitans. Isolada a partir do fundo
do oceano Atlântico e na nascente hidrotermal do Parque Nacional Yellowstone. É um simbionte
obrigatório de outra espécie de archaea, do género Ignicoccus.
d. Filo Korarchaeota, considerados alguns dos organismos mais primitivos, foram detetados na
Nascente Obsidiana, no Yellowstone National Park.

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Do ponto de vista morfológico apresentam algumas variações significativas relativamente a outros


procariotas, nomeadamente no que se refere ao revestimento que não exibe peptidoglicano.
A parede celular é constituída por uma camada monomolecular composta por proteínas ou glicoproteínas
idênticas, designada camada S, com uma espessura entre 5 e 25 nm e poros idênticos com 2-8 nm de
diâmetro.

Figura 2.5 - Ilustração esquemática da arquitectura supramolecular da camadas em S nas Archaea com
glicoproteínas como componente exclusivo da parede, compostas por subunidades semelhantes a
cogumelos com domínios transmembranares, hidrofóbicos (a), ou subunidades de glicoproteína modificada
por lípidos (b). Algumas Archaea possuem uma camada de parede rígida (por exemplo, pseudomureína em
organismos metanogénicos) como camada intermédia entre a membrana plasmática e a camada S (c).

Os lípidos membranares são também distintos, sendo glicerolípidos formados por subunidades consttuídas
por fosfato, L-glicerol e derivados do isopreno, ligadas entre si através de ligações éter (imagem superior), e
não por ligações éster como sucede nos fosfolípidos (imagem inferior). A porção apolar é constituída por
cadeias com 20 átomos de carbono, derivadas do isopreno e não por ácidos gordos como sucede nos
fosfolípidos.

Figura 2.6 - Ilustração esquemática dos lípidos membranares das Archaea (imagem superior) e das
eubactéria e Eukaria (imagem inferior).

2.1.1.3.2. DOMÍNIO EUBACTERIA

2.1.1.3.3. Invólucro
Todas estas células possuem uma membrana plasmática, que delimita o espaço vital e lhe confere
individualidade. A membrana é constituída por uma bicamada fluida fosfolipídica e proteínas. A relação
proteína/fosfolípido é superior à das células eucarióticas, dado que muitas funções desempenhadas nas
eucarióticas por organelos membranares intracelulares são, nos procariotas, desempenhadas pelas
proteínas da membrana citoplasmática. A membrana plasmática dos procariotas não tem colesterol, nem
outros esteroides. As Eubacteria exibem outras moléculas (hopanóides) semelhantes que exibem funções
equivalentes aos esteroides.

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Figura 2.7 – Hopanóide das células das Bacteria

A membrana é revestida externamente por uma parede celular de composição química complexa, que
constitui o principal suporte mecânico da célula – formada por proteínas, lípidos e polissacarídeos. O formato
das bactérias deve-se à presença universal desta parede celular composta por uma camada rígida –
peptidoglicano (ou mureina). Este é um heteropolímero constituído por várias cadeias lineares de dois
aminoaçúcares dispostos alternadamente (ácido N-acetilmurâmico e ácido N-acetilglucosamina). Entre os
aminoaçúcares de ácido N-acetilmurâmico estabelecem-se cadeias inter-peptídicas que conferem grande
rigidez à estrutura. Estas cadeias são compostas por vários aminoácidos, frequentemente quatro a oito,
variáveis de espécie para espécie. Deste modo, a célula encontra-se encerrada num invólucro que lhe confere
a forma e a protege contra o rebentamento induzido por viver em meio hipotónico.

Figura 2.7 – Unidade básica estrutural formada por um heteropolímero de ácido N-acetilmurâmico e ácido
N-acetilglucosamina. Estes dois açúcares repetem-se para formar cadeias ligadas por ligações glicosídicas
-1,4.

Existem dois tipos de morfologias quanto ao revestimento: há bactérias com uma membrana plasmática e
uma camada espessa de peptidoglicano – bactérias Gram-positivas (Gram +) e bactérias com uma
membrana plasmática, uma parede celular e uma membrana externa. Estas bactérias Gram-negativas –
exibem um espaço entre a parede celular e a membrana externa designado espaço periplásmico ou
periplasma.
O nome destas bactérias deve-se a um método tradicional de coloração de bactérias – coloração Gram -
utilizando violeta de cristal e iodo; as bactérias Gram-positivas são resistentes à descoloração e mantêm a
coloração azul-violeta enquanto as Gram-negativas a perdem rapidamente. Esta diferença deve-se à
diferente estrutura da parede celular: as Gram-positivas têm uma camada abundante de peptidoglicano, no
exterior da parede, que fica por fora da membrana plasmática; as Gram - são revestidas pela membrana
plasmática e pela parede celular, constituída por uma camada fina de peptidoglicano, no espaço
periplasmático e, exteriormente, por uma outra membrana de natureza lipoproteína. Esta camada de

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lipopolissacarídeos, por cima da camada de peptidoglicano, é retirada pela lavagem com álcool da técnica
Gram. Por este motivo estas bactérias apenas revelam o segundo corante.
As bactérias Gram-positivas exibem, frequentemente, ácidos teicóicos na constituição da parede celular.
Estes são polímeros de açúcares, fosfato e glicerol. Existem duas classes de ácidos teicóicos: o ácido
lipoteicóico, embebido no peptidoglicano e ligado à membrana plasmática e o ácido teicóico da parede
associado somente ao peptidoglicano. Conferem carga negativa à superfície exterior da célula podendo
ajudar no transporte de iões positivos para dentro e fora da célula.
São moléculas antigénicas, particularmente as que se encontram na superfície da parede.

Os lipopolissacarídeos (LPS) que revestem a membrana externa das bactérias Gram-negativas formam,
frequentemente, um escudo rígido na superfície da bactéria tornando-a insensível aos antibióticos. Estas
moléculas auxiliam na adesão da bactéria a superfícies e na formação de biofilmes, impedindo também o
acesso de antibióticos, sais biliares e outras substâncias tóxicas que poderiam danificar a célula.
Estas moléculas são constituídas por 3 porções:
o Lípido A – 6 cadeias de ácidos gordos, ligadas a 2 resíduos de glucosamina; participa em
mecanismos de patogenicidade da célula. Esta porção é tóxica.
o Centro oligossacarídico - Oligossacarídeos formado por 10 resíduos de açúcar;
o Cadeia O - polissacarídeo de comprimento variável (até 20 a 40 unidades de repetição, cada
unidade com 3 a 8 resíduos de açúcar); projeta-se para o espaço extracelular. Desencadeia
uma produção de anticorpos por parte do hospedeiro.

Quando estes LPS são libertados da membrana bacteriana são tóxicos, designando-se, por isso endotoxinas.
São, pois, lipopolissacarídeos associados à membrana externa e não são segregados, mas libertam-se com a
lise celular, provocando patologias diversas noutros organismos. Por exemplo organismos como Vibrio
cholerae, Bordetella pertussis ou Yersinia pestis. Os sintomas da libertação de endotoxinas podem variar
desde o arrepio até à morte (depende do teor de endotoxina e dos órgãos afetados).

A membrana exterior das bactérias gram-negativas é relativamente permeável a moléculas de reduzidas


dimensões. Isto deve-se à existência de proteínas denominadas porinas que funcionam como canais para a
entrada e saída de substâncias hidrofílicas de baixo peso molecular (600-700 daltons). Uma das principais
funções da membrana exterior é assegurar que determinadas enzimas da, localizadas no periplasma, no
exterior da membrana citoplasmática, não difundam para fora da célula. O periplasma contém várias
proteínas incluindo enzimas hidrolíticas, proteínas de transporte e mobilidade, enzimas de síntese da parede
celular, etc.).

Figura 2.8 – Revestimento de uma Bactéria Gram-negativa, à esquerda, formada por membrana
plasmática, parede celular espessa de peptidoglicano e ácidos teicoicos; à direita, revestimento de uma
célula Gram-negativa, formada por membrana plasmática, parede celular fina de peptidoglicano e
membrana externa de lipopolissacarídeos (LPS).

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Dado que estas membranas constituem uma barreira que dificulta significativamente a secreção, existem
proteínas transportadoras formam vias de secreção (proteínas ABC, tipo V, entre outras, de que falaremos
mais tarde).

Muitos procariotas segregam ainda uma outra camada exterior – cápsula – que contribui também para a
estabilidade mecânica da célula bem como para fornecer uma barreira adicional à permeabilidade. É
composta frequentemente por polissacarídeos, mas pode incluir também outros materiais como
lipopolissacarídeos, fosfolípidos e proteínas, polímeros fabricados e exportados pelas bactérias e que
aderem externamente à parede celular e formam um revestimento externo. Por vezes a espessura da cápsula
ultrapassa a própria espessura da célula. Esses polímeros ajudam as bactérias a aderirem a superfícies, como
certas bactérias que contribuem para as cáries dentárias, ou evitam que sejam fagocitadas pelos glóbulos
brancos, como algumas espécies infeciosas, como certos Pneumococus.
Além destes revestimentos, também as Eubacteria podem exibir camadas S, associadas aos
lipopolissacarideos através de interações iónicas, hidratos de carbono, hidratos- proteínas e/ou proteínas-
proteínas. Nas bactérias Gram-positivas, a ligação ocorre ao peptidoglicano e a um polímero secundário da
parede celular (por exemplo, ácidos teicóicos). Nas Gram-negativas a ligação ocorre através de interações
eletrostáticas entre a terminal-N de carga positiva da proteína da camada S e um polímero dos LPS com carga
negativa.

Os flagelos, as fímbrias e os pelos são estruturas características das células procarióticas:

• Os flagelos dão mobilidade às bactérias. São apêndices proteicos finos, longos e sinuosos, ligados a um
corpo basal intracelular. O número e arranjo dos flagelos são característicos de cada espécie. Cada flagelo
é constituído por um polímero de uma proteína helicoidal – flagelina, que roda em hélice e assim faculta
o movimento. Os flagelos estão dispostos de forma distinta em diferentes bactérias, o que tem um
significado taxonómico.

• As fímbrias e pili são também filamentos de natureza proteica, contendo elevados teores de
aminoácidos apolares, o que lhes confere propriedades hidrofóbicas. As fímbrias parecem ter funções
de adesão, nomeadamente à superfície do tecido animal, no caso de bactérias patogénicas. Em algumas
espécies as fímbrias sofrem contração para permitir a mobilidade celular. Os pili medeiam o contacto
entre bactérias F+ e F-, durante o processo de conjugação.

2.1.1.3.4. Organização genómica

Os procariotas não possuem núcleo e a informação genética está contida numa única molécula de DNA:
• O nucleoide é a região da célula geralmente central onde se encontra a única macromolécula circular de
DNA4, relativamente longa, e muito enovelada, com o auxílio de RNA e proteínas próprias. Em
Escherichia coli, por exemplo, a célula mede 2 por 6 m e o anel de DNA, se estivesse todo desenovelado,
teria um perímetro de 1.400 m. Observam-se também RNA e proteínas associadas ao cromossoma
bacteriano as quais estão envolvidas na replicação do DNA, transcrição e regulação da expressão
genética.
• O DNA tem informação suficiente para codificar 2000 a 3000 proteínas diferentes, suficientes para
assegurar todos os processos metabólicos fundamentais (síntese de açúcares e hidratos de carbono, de
aminoácidos e proteínas, de lípidos, …).
• Na grande maioria das espécies a reprodução dá-se por bipartição, sendo a possibilidade de ocorrência
de mutação espontânea de apenas 1 x 10 -7, por divisão celular.

4 Existem
algumas espécies cuja molécula é linear e outras (como Vibrio cholerae) que exibem mais do que um
cromossoma.

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As bactérias exibem também ribossomas, um pouco mais pequenos que os ribossomas das células
eucarióticas (70S, em oposição aos ribossomas 80S dos eucariotas), mas também têm função de síntese
proteica. São igualmente formados por RNA e por proteínas, e são constituídos por duas subunidades.

Recombinação genética:
Atualmente reconhecem-se vários processos através dos quais pode existir a transferência horizontal de
genes, nos organismos procariotas:
• Conjugação - transmissão de DNA entre duas células procarióticas, geralmente da mesma espécie, as
quais se encontram, temporariamente, unidas por um pilus sexual. Uma célula é dadora (que emite o
pilus), outra recetora.
• Transformação – incorporação de DNA de outro organismo, existente no ambiente; ex. Streptococcus
pneumoniae incorpora genes patogénicos, substituindo os seus alelos, formando uma célula
recombinante, com cromossomas de 2 organismos distintos.
• Transdução – um bacteriófago transporta, genes procariotas de uma célula hospedeira para outra.
Ocorre quase sempre de forma fortuita.

• Muitas bactérias possuem ainda pequenas moléculas de DNA extracromossomal, designados


plasmídeos. Estas porções de DNA podem ser circulares ou lineares, são constituídas por poucos genes
(geralmente menos de 30) cuja informação genética não é essencial para o hospedeiro, mas
habitualmente conferem alguma vantagem adaptativa à célula. Ajudam a sobrevivência do organismo
ao matar outras células através da produção de proteínas tóxicas, desenvolvendo resistência ou
matando organismos estranhos. Permitem também a replicação do DNA bacteriano em condições de
stress. Podem replicar-se de forma autónoma e alguns podem integrar o DNA cromossomal, sendo,
portanto, replicados com este.
• Classificam-se conforme a forma de existência, a dispersão e a função:
o Plasmídeo F - Fator de fertilidade – F fator, direcionam a formação de pili sexuais, que aderem a
uma célula F+ (célula com plasmídeo F) a uma célula F- (célula sem plasmídeo F). Através destes
pili transferem cópias do seu DNA para outras bactérias, durante a conjugação.
o Plasmídeos R – fatores de resistência – conferem resistência a antibióticos.
o Plasmídeos col – contêm genes para a síntese de bacteriocinas, designadas colicinas já que
destroem outras bactérias.
o Plasmídeos D (degradativos ou metabólicos) – têm genes para enzimas que degradam compostos
aromáticos (tulueno), pesticidas, ácido salicílico ou outras substâncias prejudiciais para a célula.
o Plasmídeo V (virulência): transformam a bactéria em um patogene.
Os plasmídeos são atualmente muito utilizados na engenharia genética como vetores para clonagem e
amplificação, ou para a expressão de genes específicos.

2.1.1.3.5. Estruturas sub-celulares

As células bacterianas não têm organelos membranares individualizados:


• O citoplasma das células procarióticas apresenta raramente estruturas membranares internas. Aquelas
que existem resultam de extensões da membrana plasmática, adaptadas às funções específicas de
fotossíntese ou respiração. São:
o Os tilacoides lamelares das cianobactérias, onde se localizam alguns dos pigmentos
fotossintéticos utilizados por estas bactérias;
o As lamelas fotossintéticas das bactérias púrpura (ou roxas), onde se situam as
bacterioclorofilas a e b;
o As lamelas respiratórias, nas bactérias nitrificantes, onde se localizam possivelmente os
complexos enzimáticos da fosforilação oxidativa.

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• As bactérias apresentam, ainda uma grande variedade de grânulos – inclusões – a maioria dos quais
servem como fonte de energia e reserva de material:
o Grãos de glicogénio ou grãos de poli--hidroxibutirato, que constituem reservas de
carbono;
o Grãos de cianoficina, próprios das cianobactérias, que constituem reservas de azoto sob a
forma dos aminoácidos arginina e asparagina;
o Carboxissomas, presentes em muitas cianobactérias e bactérias nitrificantes e que são
reservatórios da enzima ribulose-1,5-difosfato carboxilase, específica do mecanismo
bioquímico de fixação do CO2.
o Grânulos de polifosfato, que funcionam como reserva de fosfato inorgânico.
o Nalgumas espécies planctónicas, na zona central das células, surgem vacúolos gasosos. A
parede do vacúolo gasoso é formada por proteínas, sendo resistente e permeável a gases,
mas não à água. O vacúolo contém gases em equilíbrio com os gases dissolvidos no
protoplasma circundante, permitindo que a célula se mova em sentido ascendente ou
descendentemente na coluna de água (procurando a melhor luz para a fotossíntese,
facilitando a nutrição, …).

2.1.1.3.6. Endósporos

Muitas bactérias gram-positivas podem formar estruturas de resistência designadas endósporos. É uma
estrutura não reprodutiva que permite manter o material genético de uma célula quando as condições
exteriores se tornam desfavoráveis, ameaçando a sobrevivência dos organismos. Os endósporos são
estruturas complexas, rodeados por um invólucro constituído por várias camadas. No centro encontra-se o
núcleo do endósporo o qual é formado pelos ribossomas e nucleoide, citoplasma, membrana interna e
parede celular. Está inativo metabolicamente e desidratado. A membrana interna é uma barreira
impermeável importante contra muitos químicos potencialmente prejudiciais. Segue-se o córtex, o qual é
formado por camadas de peptidoglicano. O córtex é revestido por uma espessa capa de natureza proteíca, a
qual é responsável pela resistência química e enzimática do endósporo. Finalmente, o revestimento externo
designa-se exospório.

Figura 2.9 – Estrutura do endósporo, exibindo a zona central (núcleo), rodeado por córtex, capa e
revestimento externo (exospório).

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São muito resistentes ao calor, à congelação, à radiação ultravioleta, à radiação gama, a desinfetantes
químicos, às enzimas, aos choques mecânicos e à dessecação, graças ao estado de desidratação do
protoplasma devido à impermeabilidade conferida pelo revestimento.
Podem estar longos períodos em estado de latência e germinam quando as condições se tornam apropriadas.
Pela sua grande resistência é extremamente importante a esterilização de superfícies e objetos e a
autoclavagem de material.
A esporulação começa no interior da célula-mãe, quando o crescimento da população cessa devido à
escassez de nutrientes. A germinação envolve reativação da atividade metabólica e rutura das camadas
externas que permitem a libertação da célula, assim como a perca de resistência.

2.1.1.3.7. Metabolismo

Do ponto de vista metabólico os procariotas são organismos muito variados, que podem obter a energia de
que necessitam das formas mais diversas.
Alguns procariotas são anaeróbios obrigatórios, uma vez que o oxigénio molecular é-lhes fatal.
Outros são anaeróbios facultativos, já que, dependendo das condições ambientais, conseguem mudar o seu
metabolismo entre os modos aeróbio e anaeróbio, isto é, alternam entre fermentação e respiração aeróbia.
Existem, ainda, organismos anaeróbios, tolerantes ao oxigénio, isto é, na respiração não utilizam o oxigénio
como recetor de eletrões, mas este não os danifica.
Finalmente, alguns são aeróbios obrigatórios, necessitam de oxigénio para a respiração, não sobrevivendo
na sua ausência.

Quanto à nutrição, todos os organismos necessitam de processos metabólicos que lhes permitam sintetizar
moléculas ricas em energia, como o ATP, precisando também de obter átomos de carbono para a produção
de moléculas orgânicas.
De acordo com a origem dos átomos de carbono para a produção das moléculas orgânicas, os organismos
classificam-se em dois grandes grupos:
• Autotróficas : utilizam dióxido de carbono atmosférico para produzir moléculas orgânicas.
• Heterotróficas : obtêm os átomos de carbono a partir de moléculas orgânicas.
Quanto ao tipo de material que utilizam, podem classificar-se como:
• Composto inorgânico: litotróficas
• Composto orgânico: organotróficas

2.1.1.4. DOMÍNIO EUKARIA

As células eucarióticas constituem todos os restantes organismos, possuindo núcleo individualizado por um
invólucro nuclear, formado por uma dupla membrana. O invólucro nuclear constitui uma pequena porção
do sistema interno de membranas, cada uma das quais individualiza um espaço distinto.
As suas células são muito maiores em tamanho – 10 a 30 vezes – e sobretudo em volume – 1000 a 10.000
vezes – relativamente às células procarióticas. Exibem ainda um citoesqueleto que constitui um sistema de
proteínas filamentosas que organizam o citoplasma.
As células eucarióticas ter-se-ão formado há cerca de 1,8 mil milhões de anos, a partir de células
procarióticas. Contudo, as profundas diferenças que se reconhecem entre os dois tipos celulares causaram
durante muitos anos dificuldade na compreensão do processo evolutivo. Todavia, é atualmente bastante
evidente que as células derivam tanto da invaginação da membrana plasmática, como da endossimbiose.

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Figura 2.10 – o contraste entre o tamanho e a complexidade de uma célula procariótica a de uma célula
eucariótica.

2.1.1.4.1. Origem e evolução das células eucarióticas: endossimbiose

Na origem deste processo estariam células procarióticas heterotróficas anaeróbias (formas fagotróficas) que
terão adquirido a capacidade de aproveitar um alimento abundante – as outras bactérias. Para tal foi
necessário ser de maior tamanho do que as outras bactérias, para as ingerir e adquirir plasticidade, para
capturar as presas, tendo por isso perdido a parede celular.

A digestão intracelular das presas obrigou, por um lado, ao aperfeiçoamento e diversificação dos sistemas
enzimáticos; por outro, à formação de sistemas de captura (pseudópodes) e de transporte interno. Tal terá
determinado a hipertrofia da membrana plasmática que conduziu à formação do retículo endoplasmático,
do complexo de Golgi e das vesículas e vacúolos associados. O invólucro nuclear ter-se-á formado
naturalmente, a partir do retículo, como meio de proteção do material genético, das atividades enzimáticas
que decorrem no citosol. Finalmente, para o acréscimo de diversidade e intensidade das atividades
metabólicas, terá resultado vantajosa a regionalização das funções em compartimentos especializados do
espaço celular. No decurso do processo evolutivo, esse espaço foi perdendo progressivamente contacto com
o exterior. Este processo é conhecido como a hipertrofia da membrana plasmática.
Mas esta explicação não justifica ainda o aparecimento de outros organelos membranares e que não fazem
parte do sistema endomembranar, nomeadamente mitocôndrias e cloroplastos.

Como acabámos de perceber, os antepassados procarióticos das células eucarióticas terão sido organismos
anaeróbios sem parede celular, com capacidade de obter nutrientes fagocitando outras bactérias – estes
organismos eucariotas anaeróbios primitivos designam-se Proto-eucariota. Já exibia mitose, vesículas
membranares, citoesqueleto, peroxissomas e núcleo individualizado.
Todavia, há cerca de 1,8 mil milhões de anos, a atmosfera da Terra tornava-se sucessivamente mais oxidante,
fruto do aparecimento das cianobactérias fotossintéticas, produtoras de oxigénio que é tóxico para aqueles
organismos anaeróbios.
É então que ocorre a primeira endossimbiose, através de fagocitose de uma -proteobactéria aeróbia, isto
é, um Proto-eucariota hospedeiro incorpora por fagocitose uma bactéria aeróbia de menores dimensões e,
em vez de a digerir, estabelece com ela uma associação simbiótica permanente. Dado que a bactéria aeróbia
utiliza oxigénio na respiração celular, o hospedeiro torna-se aeróbio estando, portanto, melhor preparado

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para se adaptar ao meio crescentemente rico em oxigénio. Ao longo das gerações esta -proteobactéria irá
perder e ceder material genético, dando origem à mitocôndria da célula eucariótica.

Muitas células eucarióticas, nomeadamente as plantas e as algas, exibem, ainda, outra classe de organelos
membranares, semelhantes às mitocôndrias, mas com capacidade de efetuar a fotossíntese – os plastídeos.
De facto, uma associação similar, mas posterior, entre um organismo eucariota que já possuía mitocôndrias
e uma cianobactéria fotossintética deverá ter estado na origem do primeiro plastídeo. Estas células não
necessitam de ser predadoras, uma vez que são fotossintéticas. Estas células perderam, portanto, a
capacidade de efetuar a fagocitose, readquirindo uma rígida parede celular protetora, de natureza celulósica.
Esta endossimbiose terá ocorrido há 1,5 mil milhões de anos.
De acordo com a endossimbiose, a dupla membrana das mitocôndrias e dos plastídeos teria uma dupla
origem: a interna pertenceria originalmente à célula simbionte (que, entretanto, terá perdido a parede
celular) e a externa teria sido fornecida pela célula hospedeira.

Figura 2.11 – origem da célula eucariótica: invaginação e hipertrofia da membrana e endossimbiose em


série.

A endossimbiose é suportada por factos:


1. Tanto os plastídeos como as mitocôndrias se assemelham, pela forma e pelas dimensões, a bactérias;
possuem uma molécula de DNA circular e reproduzem-se por fissão binária de forma semiautónoma;
2. Os ribossomas das mitocôndrias e dos plastídeos assemelham-se mais, pelas suas dimensões, aos
das células procarióticas do que aos das eucarióticas;
3. As sequências de genes dos RNA ribossómico e de transferência são mais semelhantes às sequências
equivalentes de bactérias do que de células eucarióticas;
4. Conhecem-se presentemente associações endossimbióticas com bactérias, em que as características
procarióticas se foram perdendo. Por exemplo, o zooflagelado Cyanophora paradoxa possui
organitos fotossintéticos, chamados cianelas, com estrutura similar à de uma cianobactéria e ainda
com uma parede celular vestigial;
5. O protozoário Myxotricha paradoxa, que vive no tubo digestivo das térmitas, deve a sua motilidade
à presença de numerosas espiroquetas ligadas à sua membrana plasmática.

A endossimbiose proporcionou, tal como ocorre nas células procariontes, a Transferência Horizontal de
Genes, isto é, os hospedeiros receberam genes dos endossimbiones ao longo do tempo evoluivo. Assim, o
núcleo da célula eucariótica inclui, além dos seus genes originais, genes de proteobactéria (que deu origem
à mitocôndria) e, na célula vegetal genes de cianobactéria. Tal permitiu um processo evolutivo e paralelo à
evolução vertical que conduziu à enorme biodiversidade que existe nos dias de hoje.

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2.1.1.4.2. Características gerais das células eucarióticas

A célula eucariótica, constituindo um espaço fortemente compartimentado que facilita a especialização de


certas regiões ou estruturas para o desempenho de funções determinadas.
O elemento construtor de toda a estrutura da célula é a membrana: é ela que delimita a célula do meio
exterior e, portanto, separa de forma evidente o espaço vivo (organizado) e espaço não vivo (desorganizado);
é ela que delimita os compartimentos e define o organelo mais proeminente da célula animal - o núcleo.
O núcleo está rodeado por um invólucro poroso constituído por duas membranas.
Uma grande parte do citoplasma está ocupada pelo retículo endoplasmático (RE) que é constituído por um
labirinto de membranas formando sáculos e tubos que segregam o conteúdo do RE para o citoplasma (cerca
de 50% da área total de membrana constitui o RE).
O complexo de Golgi consiste também numa estrutura membranar, composta por sáculos e vesículas,
responsáveis pela síntese, armazenamento, separação e secreção de uma grande variedade de produtos
químicos.
Existem também outros organelos membranares: os lisossomas contêm enzimas digestivas responsáveis
pela hidrólise de macromoléculas; os peroxissomas que constituem um grupo diversificado de organelos que
contêm enzimas especializadas em reações de oxidação; os vacúolos que têm funções metabólicas e de
armazenamento. Nas células animais os vacúolos são numerosos e de pequeno tamanho.
As mitocôndrias são os organelos responsáveis pela respiração celular que gera energia a partir de
compostos orgânicos, como a glicose.
As propriedades mecânicas inerentes à estrutura da membrana podem não ser suficientes para garantirem
a integridade física ou o formato correto da célula: o citoesqueleto é constituído por um conjunto de
proteínas filamentosas que formam juntamente com outras proteínas, um sistema de redes e filamentos,
que controla o formato e permite o movimento das células.
No centrossoma existe um par de centríolos, formados por conjuntos de nove tripletos de microtúbulos,
dispostos em anel. Auxiliam a célula na organização dos microtúbulos, durante a divisão celular; não são,
todavia, essenciais para este processo, estando ausentes na maioria das plantas.
A célula pode também ter um organelo de locomoção – flagelo – que é constituído por um conjunto de
microtúbulos.

Fig. 2.123. Estrutura geral da célula animal

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2.1.1.4.3. Especializações da célula vegetal

A maioria dos organelos das células vegetais e animais são semelhantes. De facto, a diferença entre animais
e plantas não se situa ao nível das características moleculares fundamentais, como a replicação de DNA, ou
a constituição das membranas plasmáticas.

Fig. 2.13. Estrutura geral da célula vegetal

A célula vegetal também está rodeada pela membrana plasmática e contém o núcleo, ribossomas, RE,
Complexo de Golgi, mitocôndrias, peroxissomas, microfilamentos e microtúbulos.
Existem, contudo, algumas diferenças fundamentais entre os dois tipos de células, nomeadamente a
capacidade das plantas fixarem CO2 atmosférico, durante a fotossíntese, processo este que decorre em
organelos especializados designados plastídeos, e a produção de parede celular rígida.

a) Parede celular
A parede celular rígida desempenha um papel fundamental na definição da forma, proteção mecânica e no
alongamento celular. A maioria das diferenças fisiológicas (nutrição, digestão, osmorregulação, crescimento,
reprodução, comunicação intercelular, mecanismos de defesa e morfologia) entre estes dois grupos de
organismos deve-se ao facto das plantas apresentarem parede celular rígida, que impede a fagocitose.

(C)
Fig. 2.14. (A) estrutura de uma hemicelulose (xiloglucano) e
de uma pectina. O xiloglucano é constituído por um
esqueleto de resíduos de glicose (Glc) com ligações laterais
a xilose (Xyl), galactose (Gal) e fucose (Fuc).
A pectina é formada por ácido galacturónico (GalA) e
ramnose (Rha). (B) As hemiceluloses ligam-se à superfície
das microfibrilhas de celulose. Formando uma rede
embebida numa matriz gelatinosa de pectinas (a extensina
não está representada). (C) micrografia eletrónica de duas
células adjacentes exibindo a parede celular.

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A parede celular é constituída por um número reduzido de macromoléculas de natureza diferente. As


microfibrilhas de celulose, constituídas por cadeias lineares de milhares de resíduos de glicose, ligados
covalentemente através de ligações glicosídicas −(1,4), dispõem-se paralelamente e são estabilizadas
através de pontes de hidrogénio.
À superfície existem hemiceluloses que são polissacarídeos lineares de glicose ramificados que se ligam entre
si também através pontes de hidrogénio, formando microfibrilhas que, por sua vez se ligam à celulose através
de pontes de hidrogénio. Estas hemiceluloses ligam-se também às pectinas que são outros polissacarídeos
hidratados, altamente ramificados. Estas moléculas ligam-se ainda a iões cálcio, formando estruturas
semirrígidas. Finalmente existem também moléculas de extensina uma glicoproteína que se dispõe
perpendicularmente às anteriores.

Plasmodesmos:
Através destes canais a célula vegetal faz a comunicação entre células adjacentes. Os plasmodesmos são o
único tipo de comunicação intercelular (citoplasmática) que ocorre nas células vegetais; são canais
citoplasmáticos muito finos que formam interrupções da parede pectocelulósica surgindo preferencialmente
ao nível das pontuações. Interna e axialmente ao plasmodesmo existe o desmotúbulo, uma estrutura
cilíndrica contínua com o REL. A rodear o desmotúbulo, encontra-se o “annulus”, uma porção de citosol,
através do qual pequenas moléculas são transportadas livremente. Desempenham uma função fundamental
no transporte intercelular, nomeadamente de água e pequenos solutos, sendo, todavia, algo seletivo.
Estabelecem uma continuidade citoplasmática entre as células vegetais adjacentes.

b) Vacúolo
O vacúolo aparece como um espaço delimitado por uma membrana denominada tonoplasto. Esta
membrana, semipermeável, tem a capacidade de manter constante o pH ácido do fluido vacuolar.
Sendo numerosos e de pequenas dimensões nas células meristemáticas, aumentam consideravelmente de
tamanho e fundem-se ao longo da diferenciação celular, formando frequentemente um único vacúolo que
pode atingir até 95% do volume total da célula.
Os vacúolos das células vegetais estão relacionados com os lisossomas das células animais, por ambos
conterem enzimas hidrolíticas, mas variam significativamente na função que desempenham.
Funciona como estrutura de hidratação da célula com consequente ocupação de espaço na célula. O fluído
vacuolar é constituído por água, contendo em solução ou em suspensão diversas substâncias, muitos dos
quais são tóxicos para a célula se acumulados no citoplasma.
Desempenha, ainda, funções de regulação osmótica da célula, em conjunto com o próprio citosol - controla
a pressão de turgescência da célula vegetal.
Tem funções de armazenamento de sais minerais como nitrato de potássio, fosfatos, etc., e de substâncias
orgânicas como a inulina - um glúcido de reserva, ácidos orgânicos, alcaloides (morfina, cafeína), glicose,
frutose, sacarose na cana do açúcar, proteínas (grãos de aleurona), oxalatos de cálcio, entre muitos outros.
Algumas substâncias armazenadas são exclusivas do vacúolo (inulina, antocianinas), outras são comuns ao
citosol (sacarose, aminoácidos, etc.).

c) Plastos
São organitos citoplasmáticos existentes nas células fotossintéticas, exibindo uma cor verde característica
conferida pelas clorofilas a e b; apresentam também carotenoides.
Os plastídeos tal como as mitocôndrias, produzem energia via mecanismo quimiosmótico. Possuem também
DNA cloroplastidial.
Apesar de muito maiores do que as mitocôndrias, os plastídeos encontram-se organizados de forma
semelhante: um invólucro constituído por duas membranas e genoma próprio. Possuem um invólucro
constituído por uma membrana externa e uma membrana interna, que delimita o estroma (análogo à matriz
mitocondrial).

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Fig. 2.15 – (A) Esquema geral do plastídeo; (B) microfotografia (a seta indica os tilacoides empilhados).

A membrana externa é muito permeável e a membrana interna é muito menos permeável, contendo,
igualmente, proteínas transportadoras.
É nas invaginações da membrana interna que reside a grande diferença entre mitocôndria e plastídeos: a
membrana interna não tem invaginações, mas no seio do estroma encontram-se os tilacoides, que são
sáculos achatados de natureza membranosa que se dispõem, regra geral, segundo o eixo maior do
cloroplasto. Os tilacoides podem agrupar-se formando pilhas de discos uns sobre os outros – tilacoides dos
grana. Os tilacoides do estroma são tilacoides não empilhados que fazem a ligação entre diferentes grana.
O interior dos tilacoides parece comunicar entre si, formando um terceiro compartimento.
É na membrana dos tilacoides que se encontram os pigmentos, as enzimas e os fotossistemas responsáveis
pela realização da fase luminosa da fotossíntese. O ciclo de Calvin decorre no estroma.

Pigmentos fotossintéticos
Todos os pigmentos existentes nos plastídeos, tais como as clorofilas a e b, e os carotenoides, absorvem a
luz de comprimentos de onda particulares. Esta especificidade deve-se à estrutura molecular única de cada
um dos pigmentos.
Apenas a clorofila a participa diretamente nas reações da fase luminosa. Contudo, os outros pigmentos
podem também absorver luz, dentro do seu espectro de absorção, e transferir a energia correspondente
para a clorofila a que então desencadeia as reações da fase luminosa da fotossíntese. Por esta razão o
“espectro de ação da fotossíntese”, isto é, os comprimentos de onda para os quais se observa a produção de
oxigénio, não corresponde exatamente ao espectro de absorção da clorofila a, sendo bastante mais
abrangente que o espectro de absorção desta clorofila.

Plastos especializados no armazenamento de substâncias de reserva


Os plastos apresentam todos a mesma origem: os plastídeos são herdados das células embrionárias; à
medida que as células imaturas se diferenciam, os organelos iniciais – proplastos. Nas plantas terrestres
estes podem diferenciar-se em estruturas algo distintas, e exercer funções diferentes da fotossíntese. Assim,
diferenciam-se nos diferentes tipos de plastos de acordo com as necessidades da célula: nos cloroplastos
existem pigmentos fotossintéticos e é onde ocorre a fotossíntese. Os leucoplastos são incolores e não têm
ribossomas nem sistema tilacoidal; surgem em órgãos expostos à luz ou subterrâneos e têm funções de
armazenamento de amido, de proteínas ou participam na síntese de óleos essenciais ou resinas. Os
amiloplastos são leucoplastos especializados no armazenamento de amido; não possuindo pigmentação,
encontrando-se em órgãos de armazenamento como frutos e tubérculos. Os cromoplastos apresentam cores
diversas, fruto da acumulação de diferentes pigmentos, exemplo os carotenoides (laranja), as xantofilas
(amarelo) e os licopenos (vermelho); o seu significado biológico está mal estabelecido. Surgem nas pétalas
das flores, pericarpo dos frutos e algumas raízes (cenoura).

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2.1.1.4.4. Estrutura da célula dos fungos

Os fungos têm uma parede celular formada por um polissacarídeo resistente, mas flexível (derivado de ose),
que inclui, na sua estrutura, resíduos de N-acetilglucosamina -1,4 (quitina) a formar microfibrilhas. Exibe
ainda, polímeros de glicose (glucanos) com ligações glicosídicas -1,3 e ramificações -1,6 ou, por vezes,
ligações -1,4. Finalmente, a parede celular exibe também proteínas e glicoproteínas, componentes
importantes da matriz da parede celular, as quais podem ser antigenes, nos organismos patogénicos, como
Candida albicans e Aspergillus fumigatus.
A membrana plasmática não exibe colesterol, mas possui um outro esteroide, com funções idênticas,
designado ergosterol. É sobre esta molécula que atuam alguns medicamentos antifúngicos.
Esta parede celular confere forma e resistência mecânica, permite resistir à lise provocada por solventes
orgânicos, como enzimas e toxinas.
A parede celular contém melanina que protege a célula contra a radiação ultravioleta.
São heterotróficos, logo não exibem plastídeos, aeróbios ou anaeróbios facultativos. São frequentemente
saprófitas, pelo que segregam para as exteriores enzimas hidrolíticas fortes, que decompõem o material
orgânico, o qual é posteriormente absorvido. A parede celular segrega, também, enzimas (a enzima invertase
hidrolisa a sacarose em frutose e glicose) auxiliando a célula na digestão.
O polissacarídeo de reserva é o glicogénio, tal como nos animais.
Os organelos que exibem são semelhantes a qualquer outra célula eucariota.
Os fungos variam em complexidade e tamanho, existindo desde organismos unicelulares (leveduras) até
organismos multicelulares, macroscópicos, de dimensões consideráveis (bolores). A estrutura vegetativa dos
bolores designa-se talo.
Uma levedura é um organismo unicelular que se reproduz assexuadamente por gemulação ou e
assexuadamente através da produção de esporos. Cada gema que se forma origina um novo organismo
unicelular; vários organismos podem manter-se unidos formando uma colónia.
O talo dos bolores é constituído por filamentos longos e finos, emaranhados, designadas hifas, que formam
um micélio. Este estende-se até ao material a ser digerido, realizando a absorção dos nutrientes.
Em muitas espécies não existe uma verdadeira divisão celular (parede celular incompleta ou porosa, células
septadas e as barreiras divisórias são chamadas septos, ou as divisórias estão ausentes células asseptadas
ou cenocíticas).

Figura 2.16 – características das células do fungo; na imagem micélio formado por hifas asseptadas.

Muitos fungos, em especial os patogénicos podem exibir dimorfismo, ou seja, alteram a sua forma consoante
as condições às quais estão expostos. Uma das formas mais frequentes é a existência, nos organismos
patogénicos, de uma morfologia quando na forma livre e outra quando no interior do parasita. Estas
alterações sofridas pelos fungos são uma resposta dos organismos às alterações ambientais, como
concentração de CO2, temperatura, …).

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2.2. ESTRUTURA DA CÉLULA EUCARIÓTICA


A célula eucariota é muitíssimo compartimentada, contendo variados organelos, alguns dos quais em estreita
comunicação uns com os outros.
As células percursoras dos organismos eucariotas apresentavam todas as suas funções e mecanismos
dependentes da membrana plasmática, uma vez que não exibiam membranas internas. As células eucariotas
atuais são cerca de 10 a 30 vezes maiores em tamanho e cerca de 1000-10.000 vezes mais volumosas do que
as bactérias típicas (E. coli). Já vimos, contudo, que as células eucariotas são providas de diferentes organelos
membranares cuja origem se deverá, provavelmente, à hipertrofia da membrana plasmática. Esta hipertrofia
é, certamente, uma adaptação da célula ao aumento do volume. Assim, muitos dos processos que decorriam
na membrana plasmática, passaram a ter lugar nas membranas internas. Esta evolução de membranas foi,
evidentemente, acompanhada pela sua diferenciação, determinando não só a compartimentação, mas
também a especialização de funções. Estas membranas internas formam uma “família” de organelos
estreitamente relacionados e interligados – o sistema endomembranar.

Já vimos também que as mitocôndrias e os plastídeos são fruto da endossimbiose de bactérias por
organismos maiores. As próprias características destes organelos parecem corroborar esta teoria.

Assim, é possível agrupar os compartimentos das células eucariotas em 4 famílias distintas:


a) Núcleo e citosol, que comunicam entre si através dos poros nucleares – são contínuos, mas
funcionalmente distintos;
b) Sistema endomembranar – organelos responsáveis pelos mecanismos de endocitose e secreção
celular;
c) Mitocôndrias;
d) Cloroplastos (nas plantas).

2.17 – Compartimentos da célula eucariótica animal: a castanho – núcleo; a cinzento – citoplasma; a


branco – lúmen do sistema endomenbranar; a verde – as mitocôndrias as quais, tal como os peroxissomas,
constituem compartimentos isolados.

A síntese proteica inicia-se nos ribossomas do citosol, e o seu destino final depende de sinais de localização,
que as direcionam para locais específicos do citosol. Uma vez que a maioria das proteínas não exibe estes
sinais, elas ficam no citosol. Muitas outras, todavia, têm sinais de localização, que as direcionam para o
núcleo, ou para o retículo endoplasmático, para a mitocôndria, …

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As proteínas movem-se de um compartimento para outro através de 3 vias:


• Transporte por recetores citoplasmáticos – o transporte de proteínas entre o citosol e o núcleo
sucede em espaços equivalentes, em continuidade através dos poros nucleares; estes são, todavia,
altamente seletivos para as grandes moléculas. As macromoléculas possuem um sinal de localização
específico que é identificado no citosol por recetores citoplasmáticos aos quais se ligam, são então
conduzidas para os poros nucleares. Aí, o complexo poro nuclear reage com as nucleoporinas,
abrindo o poro para a entrada da macromolécula.
• Transporte transmembranar – a membrana apresenta translocadores proteicos que transportam
moléculas específicas através da membrana, desde o citosol até um espaço topologicamente
distinto. Frequentemente as proteínas têm que desenrolar para conseguirem atravessar a
membrana, readquirindo a sua estrutura globular uma vez no lúmen do organelo. Ex. Transporte do
citosol para o lúmen do retículo endoplasmático.
• Transporte vesicular – formam-se vesículas membranares contendo proteínas do lúmen de um
organelo; estas vesículas descarregam o seu conteúdo noutro compartimento por fusão da sua
membrana com a membrana deste organelo. Ex. A transferência de proteínas solúveis do retículo
endoplasmático para o complexo de Golgi.

Todos estes tipos de transporte são mediados por sinais de localização, como veremos. Estes sinais são
constituídos por sequências de aminoácidos específicas – sequência sinal – que são posteriormente
removidos por uma enzima especializada – peptidase sinal; podem também ser formados por um ou mais
conjuntos de aminoácidos que determinam uma conformação específica da proteína.

2.2.1. O Núcleo

2.2.1.1. Estrutura
As células eucarióticas distinguem-se das procarióticas por possuírem núcleo individualizado.

2.2.1.1.1. Cromatina
No interior do núcleo, o DNA está organizado sob a forma de cromatina, organizada na forma de vários
cromossomas. Ao contrário dos procariotas, nos eucariotas o DNA forma moléculas lineares. Na célula
humana existem cerca de 6 x 109 (seis mil milhões) de pares de bases de DNA, medindo cerca de 2 metros
de comprimento.
Cada cromossoma é constituído por uma molécula de DNA e por proteínas básicas designadas histonas (há
5 proteínas diferentes), responsáveis pelos diferentes graus de condensação do DNA. Assim, a cromatina é
formada pelo DNA e pelas histonas e preenche praticamente todo o núcleo, com exceção do nucléolo.
Durante a interfase (fora da divisão celular) a cromatina encontra-se dispersa, e é neste estado que é possível
dar-se a síntese do RNA mensageiro (transcrição) e a subsequente a tradução deste mRNA em proteínas. É,
porém, impossível visualizar os cromossomas individualizados.
Durante a meiose e a mitose, os cromossomas organizam-se e condensam-se. Os nucleossomas são o
primeiro nível de compactação do DNA, levando a reduzir em cerca de 6 vezes o comprimento – é constituído
por um octómero (4 pares de histonas) em torno do qual cerca de 200 pares de nucleótidos se enrolam em
duas voltas, formando uma estrutura semelhante a um colar de contas. O segundo nível de condensação
forma-se graças à presença de uma 5ª histona (H1), que faz a associação em anel de 6 nucleossomas. Estes
associam-se, por sua vez num cilindro designado solenoide. Durante a divisão celular o DNA condensa ainda
na forma solenoide enlaçado, com o auxílio de proteínas de ligação. Existem ainda outros níveis de
compactação, que reduzem o tamanho e aumentam a espessura do cromossoma tornando-os visíveis ao
microscópio ótico. Esta fase decorre apenas durante a divisão celular, já que a transcrição do DNA não é
possível nesta forma.

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2.2.1.1.2. Invólucro nuclear

A periferia do núcleo é constituída por uma estrutura complexa – invólucro nuclear composta por duas
membranas de natureza lipoproteíca, idênticas à membrana citoplasmática;

• Aposta à membrana nuclear interna, em contacto com o nucleoplasma, existe uma camada de
material fibrilar denso designada lâmina nuclear, constituído por proteínas que interagem com as
proteínas intrínsecas da membrana nuclear, formando um esqueleto extremamente resistente. Este
esqueleto que separa a membrana interna do invólucro nuclear da cromatina confere forma ao
núcleo e serve de ancoragem à cromatina, desempenhando um papel importante na sequência de
fenómenos da divisão celular.
• As duas membranas delimitam um espaço – a cisterna perinuclear que separa as duas membranas
e comunica com as cisternas do RE.
• Tal como no RE, a membrana nuclear externa, em contacto com o citoplasma, tem ribossomas
associados.

Figura 2.18 – Estrutura do invólucro nuclear

2.2.1.1.3. Poros nucleares

Nalgumas zonas, as duas membranas nucleares fundem-se, dando origem a canais ou poros que atravessam
o invólucro nuclear. Estes poros nucleares são estruturas fibrilares muito complexas, através das quais há
transporte bidirecional - na importação de proteínas e na exportação de RNA.
Os poros são uma estrutura proteica intrincada, com forma de roda e controlam, de forma rigorosa, todo o
tráfego molecular entre o citosol e o nucleoplasma. Estas proteínas designam-se por nucleoporinas.

O número de poros varia de célula para célula e pode aumentar ou diminuir na mesma célula, em função da
atividade metabólica nuclear: os poros nucleares são muito abundantes em células embrionárias ou imaturas
e, de uma forma geral, nas células muito ativas, onde ocorre um elevado grau de transferência de informação
do núcleo em direção ao citoplasma. A densidade média de poros é de 11 poros por m2, o que equivale a
cerca de 3000 a 4000 poros por núcleo.
A síntese de proteínas é exclusiva do citoplasma, pelo que todas as proteínas nucleares são importadas do
citoplasma. Assim, as nucleoporinas estão envolvidas no transporte núcleo-citoplasma. Este é um transporte
ativo, altamente seletivo e que envolve o consumo de energia.
As nucleoporinas serão capazes de reagir a um sinal das proteínas nucleares abrindo o poro para a passagem
das proteínas específicas do citoplasma, permitindo também a saída de RNA do núcleo.

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Fig. 2.19. - Poros nucleares - (A) O poro é constituído por 4 subunidades estruturais: subunidades colunares que formam a
parede do poro; espículas (annular subunits), que têm prolongamentos para o interior; subunidades em anel que ligam as
espículas entre si (ring subunit) e subunidades que fazem a adesão ao invólucro nuclear (lumenal subunits). De ambos os
lados formam-se filamentos que, no lado nuclear, se associam entre si para formar uma estrutura tipo cesto (nuclear
basket). (B) Invólucro nuclear de oócito. (C) Continuidade da membrana interna e externa. (D) Poros nucleares após
remoção da membrana por ação de detergentes.

2.2.1.1.4. Nucléolo
Os nucléolos estão associados à cromatina e são os locais de síntese ribossómica (RNA ribossomal ou rRNA).
Tem, portanto, como principal constituinte o RNA.
O número de nucléolos na célula varia de 1 a 5.
É uma estrutura nuclear densa, obrigatória em todas as células, que varia consideravelmente de volume e
densidade, podendo mesmo desaparecer ao longo das fases do ciclo celular.
O dinamismo do nucléolo está associado à atividade de síntese de rRNA em que o DNA que codifica este
rRNA atua como molde (transcrição) e a subsequente exportação para o citoplasma das moléculas que têm
origem no nucléolo.
Todos os tipos de RNA (RNA-ribossómico, RNA-transferência e RNA-mensageiro) são sintetizados em zonas
específicas e bem delimitadas do DNA, obedecendo ao princípio da complementaridade de bases.

2.2.1.1.5. Transporte de moléculas entre o núcleo e o citosol


Cada complexo poro nuclear tem um ou mais canais através dos quais pequenas moléculas de água podem
difundir passivamente. Uma vez que a maioria das proteínas celulares são excessivamente grandes para
difundir pelo poro, o compartimento nuclear e o citosol apresentam proteínas distintas.
A seletividade do transporte nuclear reside na existência de sinais de importação nuclear (SIN) que estão
presentes apenas nas proteínas nucleares. Estes são constituídos por uma ou duas sequências de
aminoácidos, sobretudo lisina e arginina, e são reconhecidos no citosol por recetores de importação nuclear
(RIN), que são proteínas citosólicas solúveis. Estes recetores nucleares têm locais de ligação tanto às
proteínas nuclear como às nucleoporinas.
O transporte através do poro ocorre por ligações e rutura de ligações sucessivas a aminoácidos específicos
das nuceloporinas, percorrendo um trajeto específico. Uma vez no núcleo o complexo proteína/recetor
dissocia-se e o recetor regressa ao citosol.
Este transporte ocorre em meio aquoso, sendo por isso transportadas na sua conformação enrolada.
A exportação de grandes moléculas, do núcleo para o citosol, como seja o transporte de subunidades
ribossomais, ocorre de forma semelhante. Existem sinais de exportação nuclear (SEN) nas moléculas a
transportar, que são reconhecidos por recetores de exportação nuclear (REN). Estes ligam-se tanto à
proteína como às nucleoporinas, transportando as proteínas para o citosol.

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2.2.1.2. Ribossomas

2.2.1.2.1. Organização estrutural

Os ribossomas são estruturas densas, distribuídas irregularmente no citoplasma, e são constituídas por RNA
ribossómico (rRNA) e por proteínas.
Os ribossomas são compostos por duas subunidades independentes que, funcionalmente, se apresentam
aderentes entre si – a pequena subunidade ribossomal e a grande subunidade ribossomal.
Os ribossomas são as unidades estruturais onde se sintetizam as proteínas. Células com grande atividade de
síntese proteica apresentam um número particularmente elevado de ribossomas.

Apesar da complexidade estrutural e molecular do ribossoma, foi possível constatar a presença de várias
zonas específicas de ligação para as moléculas de RNA, localizam-se na pequena subunidade ribossomal, a
que se chamam centros (ou sites):
• Um centro para o mRNA, que corresponde à zona ribossomal em que o mRNA penetra no
ribossoma e por onde este se desloca ao longo do mRNA;
• Outros três centros recebem os tRNA (RNA de transferência) e localizam-se em zonas bem
distintas na grande subunidade ribossomal: o centro A recebe a molécula de tRNA que contém
o aminoácido correspondente ao codão do mRNA; o centro P recebe a molécula de tRNA que se
liga à extremidade da cadeia polipeptídica em crescimento; e o centro E recebe o tRNA já sem o
aminoácido, libertando-o. Em cada passo, um tRNA move-se exatamente 3 nucleótidos,
passando sucessivamente pelos 3 centros.

Fig. 2.20. – Esquema de um ribossoma exibindo os centros aminoacil (centro A) que recebe o t-RNA com o aminoácido , o
centro péptido (Centro-P) onde ocorre o crescimento do politpetídeo e o centro E, de onde sai o t-RNA.

2.2.1.2.2. Atividade funcional

Há dois tipos de ribossomas – ribossomas aderentes, unidos à face externa do Retículo Endoplasmático
Rugoso (RER), e grupos de ribossomas livres. Ambos são idênticos química e morfologicamente, podem
sofrer intercâmbio e são responsáveis pela síntese proteica.
Os ribossomas podem traduzir os mRNA de forma isolada, mas habitualmente agregam-se para traduzir um
mesmo mRNA, em simultâneo, formando polirribossomas. Desta forma a tradução da mesma molécula de
mRNA é otimizada, ocorrendo a produção de vários polipeptídeos ao mesmo tempo.
A maioria das proteínas produzidas pelos ribossomas livres vai funcionar no citosol ou no núcleo da própria
célula, incluindo as enzimas que catalisam os processos metabólicos do citosol e as histonas.
Os ribossomas do RE, regra geral, produzem proteínas destinadas a ser incluídas em certos organelos como
os lisossomas, ou para serem exportados para fora da célula.

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Fig. 2.21. - Ribossomas livres e aderentes – as proteínas


sintetizadas nos ribossomas livres, mantêm-se no citoplasma,
sendo transportadas para o núcleo, mitocôndrias, cloroplastos
ou peroxissomas. As proteínas sintetizadas nos ribossomas
aderentes ao retículo endoplasmático rugoso (RER)
permanecem no lúmen do RE, são translocadas para o C. Golgi,
para os lisossomas ou para a membrana plasmática, via
vesículas de secreção.

SISTEMA ENDOMEMBRANAR

Como vimos, o espaço próprio de uma célula eucariótica é fortemente compartimentado, em duas fases
distintas, separadas por membranas similares à membrana plasmática. Todo o funcionamento da célula
assenta no intercâmbio entre as duas fases e, destas, com o exterior. Uma característica das membranas
celulares reside no facto de elas nunca apresentarem bordos livres ou descontinuidades. A existência de
poros nucleares explica-se pelo facto de o núcleo não ser delimitado por uma só membrana, mas por um
invólucro duplo, constituído por duas membranas paralelas. Estas estão aliás em perfeita continuidade com
as membranas do retículo endoplasmático, de tal forma que é lícito encarar o invólucro nuclear como uma
parte especializada do próprio retículo endoplasmático.
O espaço celular é, por conseguinte, fortemente compartimentado. Associado a este facto decorre outro de
grande significado: a regionalização de funções e, com ela a especialização. Com efeito, as numerosas
reações bioquímicas que ocorrem simultaneamente no espaço celular encontram-se fisicamente confinadas
em compartimentos delimitados por estruturas membranares. Por um lado, são evitadas interferências
espontâneas entre reações antagónicas, as quais seriam indutoras de desordem; por outro lado, a existência
de proteínas, com funções enzimáticas, inseridas na membrana, permite que certas reações possam ocorrer
junto da superfície destas, de forma ordenada, sequencial.

Figura 2.21 –Invólucro Nuclear e Sistema endomembranar, incluindo Retículo Endoplasmático, complexo
de Golgi e Lisossomas, em continuidade membranar com a membrana plasmática. As setas indicam o
movimento de membranas entre os diferentes organelos, por transporte vesicular.

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Pode, pois, concluir-se que a compartimentação sustenta uma rigorosa regionalização de funções e que esta,
por sua vez, garante a manutenção da ordem, fator essencial para o controlo da entropia de todo o sistema
termodinâmico que é a célula.
Os principais componentes deste sistema de membranas são o Retículo endoplasmático (RE), o complexo de
Golgi (CG) e os lisossomas. Estes vários organelos estabelecem uma continuidade membranar desde o núcleo
até à membrana plasmática.

2.2.1.3. Retículo endoplasmático

2.2.1.3.1. Morfologia

O RE é constituído por um conjunto membranar complexo de cisternas, canais, vesículas e vacúolos ligando
entre si os vários compartimentos citoplasmáticos, incluindo a cisterna perinuclear. Este sistema de
endomembranas separa os diferentes compartimentos do citoplasma. As membranas que constituem estes
elementos são constituídas por lípidos e proteínas e são morfológica e estruturalmente semelhantes às
membranas citoplasmáticas e dos diferentes organelos membranares (fig. 2.8).
Assim, a membrana possui duas faces – uma face citoplasmática em contacto com o citosol, portanto
equivalente à face interna da membrana plasmática, à face externa da membrana da mitocôndria e dos
outros organelos – C. Golgi, lisossomas, peroxissomas e grânulos de secreção, e uma face luminar ou
extracelular (virada para a cisterna perinuclear, para o lúmen do RE e para as cavidades dos outros organelos
– C. Golgi, lisossomas, peroxissomas e grânulos de secreção.
Embora seja um organelo bem individualizado, as suas ramificações podem interpenetrar-se com outras
estruturas membranares (ex. Complexo de Golgi) sendo difícil distinguir os seus elementos.
O retículo endoplasmático, ao dividir em compartimentos o citoplasma, participa, juntamente com a
estrutura coloidal do citoplasma, em muitas das funções mecânicas da célula. A enorme superfície interna
do RE (ex. 11 m2 por cm3 de tecido hepático) demonstra bem a sua importância no intercâmbio que ocorrem
entre a matriz e o compartimento interno. A membrana do RE constitui mais de 50% do total de membranas
existente na célula e o lúmen pode ocupar até 10% do volume total da célula.
O transporte pode ser passivo, ativo ou através de transportadores e permeases. Assim, o transporte através
dos dois compartimentos citosol/lúmen é, frequentemente, um transporte seletivo.

Fig. 2.22. - Retículo Endoplasmático Liso (REL) em célula secretora de hormonas esteroides.

2.2.1.3.2. Tipos

O Retículo Endoplasmático Liso (REL) não possui ribossomas, sendo também uma estrutura mais tubular. O
Retículo Endoplasmático Rugoso (RER) possui ribossomas à periferia das membranas, sendo esta a
característica mais evidente que permite distinguir os dois tipos de RE; o RER é uma estrutura reticular que
se deve à sua função de transporte de proteínas.

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2.2.1.3.3. Funções do retículo endoplasmático liso

Funcionalmente, o REL é importante na biossíntese de lípidos como sejam os fosfolípidos, o colesterol e os


ácidos biliares; metaboliza hidratos de carbono; é o responsável pelo armazenamento de Ca2+ nos músculos
e desintoxica as células do fígado de venenos:

Desintoxicação – A desintoxicação normalmente envolve a adição de grupos hidroxilo às drogas, tornando-


as mais solúveis e, portanto, mais facilmente excretadas do organismo. Algumas drogas como alguns
barbitúricos são metabolizadas no REL desta forma. De facto, os barbitúricos, álcool, etc. induzem a
proliferação do REL e enzimas associadas. Este efeito aumenta a tolerância para com aqueles químicos. Uma
vez que estas enzimas podem ter um raio de ação abrangente, pode aumentar a tolerância também de outras
drogas, a alguns antibióticos, entre outras drogas úteis.

Síntese de lípidos – O REL é o responsável pela síntese da maioria dos lípidos das mitocôndrias e dos
peroxissomas, complexo de Golgi, do próprio RE, dos lisossomas, … Assim, o REL é particularmente
abundante em células que fabriquem lípidos e hormonas esteroides. Entre os esteroides produzidos
destacam-se as hormonas sexuais.

Metabolismo de hidratos de carbono – Glicogenólise – já vimos que a glicose se encontra armazenada, nos
animais, na forma de polissacarídeos (glicogénio). Por exemplo as células do fígado acumulam hidratos de
carbono na forma de glicogénio. A hidrólise do glicogénio, efetuada pela enzima glicose-fosforilase, leva à
libertação de glicose destas células que, portanto, constituem um importante regulador da concentração de
açúcar no sangue. Contudo, o primeiro produto da hidrólise do glicogénio é a glicose-fosfato; portanto é a
ação da glicose-fosfatase – existente na membrana do REL - que remove o fosfato da glicose-fosfato
formando glicose. A glicose libertada pode chegar à corrente sanguínea por via do REL.

Retículo Sarcoplásmico – no tecido muscular, o REL é o responsável pelo transporte de iões Ca2+ do lúmen
para o citoplasma, desencadeando assim a contração muscular; a remoção dos iões Ca 2+ (através de uma
Ca2+-ATPase) é igualmente da responsabilidade do REL, permitindo o repouso celular.

2.2.1.3.4. Funções do retículo endoplasmático rugoso

O RER remove proteínas selecionadas do citosol, à medida que vão sendo sintetizadas; estas proteínas
podem ser de dois tipos:
• Proteínas transmembranares que são apenas parcialmente translocadas através da membrana do RER
ficando a fazer parte dela; são destinadas a constituir as membranas plasmáticas da célula ou as
membranas de outros organelos, após o transporte sob a forma de pequenas vesículas.

• Proteínas hidrossolúveis que são completamente translocadas através da membrana e são libertadas
no lúmen do RE e destinam-se a ser exportadas para o lúmen de outros organelos, também na forma
de pequenas vesículas. A maioria das proteínas secretadas é de natureza glicoproteica, isto é, são
proteínas que possuem ligações covalentes com hidratos de carbono, normalmente oligossacarídeos.

Este tipo de transporte ocorre em simultâneo com a síntese das proteínas – processo co translacional. Assim,
uma vez que a proteína é sintetizada diretamente para o interior do RE ou para a membrana, não corre o
risco de ficar no citosol, nem de atingir a sua conformação final antes do transporte.

Trajeto das proteínas hidrossolúveis, sintetizadas no lúmen do RER - Através das técnicas autorradiográficas
foi possível determinar o trajeto das proteínas hidrossolúveis. Após um curto período de incorporação de
aminoácidos radioativos numa célula secretora, constatou-se, ao fim de três minutos, a presença de grãos

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de prata, indicativos da molécula de leucina titriada, nas cisternas do RER. Ao fim de 20 minutos, os grãos de
prata localizavam-se nas cisternas do dictiossoma (complexo de Golgi). Cerca de 90 minutos depois do início
da marcação, encontravam-se já nas vesículas de secreção, junto à porção apical periférica. Estes estudos
permitiram constatar a interação que existe na cinética de proteínas sintetizadas no RER e que passam pelo
dictiossoma, antes de serem libertadas à superfície da célula sob a forma de secreção
(RER→Golgi→vesículas→secreção).
Nas células produtoras de vesículas lisossomais, ocorre um mecanismo semelhante na cinética
RER→Golgi→lisossomas. As enzimas são sintetizadas a partir dos ribossomas de RER, depois transferidas sob
a forma de pequenas vesículas para o dictiossoma e, mais tarde, sob a forma de vesículas golgianas, são
transferidos para os lisossomas.

O RER é particularmente abundante em células produtoras de proteínas para exportação (enzimas) como
por exemplo as células pancreáticas.
É também no RER que ocorre a formação das fontes dissulfeto e, portanto, o enrolamento das proteínas,
após a sua entrada no lúmen, fruto das alterações de pH. Finalmente, é também aqui que ocorre a
assemblagem dos vários polipeptídeos que originam as proteínas com estrutura quaternária e fibrosas.

2.2.1.3.5. Ciclo da partícula de reconhecimento do sinal (PRS)

Existe um sinal que permite guiar para a membrana do RER o complexo mRNA/ribossoma/polipeptídeo
nascente, para que esta proteína possa ser posteriormente libertada no lúmen do RER para exportação.
Os ribossomas aderem ao RER sempre através da grande unidade ribossomal. A membrana do RER apresenta
algumas glicoproteínas transmembranares específicas, que são os locais específicos para a ligação dos
ribossomas (citocromo P450 e ribofurinas I e II); estas proteínas estão ausentes no REL. Verifica-se também
que estas proteínas se destacam da membrana por processos proteolíticos, ocorre uma inibição da ligação
entre os ribossomas e as membranas. Assim, podemos concluir que estas proteínas são fundamentais para
efetuar a ligação entre a membrana externa do RER e o ribossoma.

O processo de ligação é o seguinte:


• Inicia-se a união das subunidades do ribossoma para proceder à tradução do mRNA;
• Nas proteínas destinadas ao RER, C. Golgi, lisossomas ou a serem excretadas, a síntese do polipeptídeo
inicia-se nos polirribossomas livres do citosol e é produzido uma sequência específica de aminoácidos,
localizada no N-terminal. Quando esta sequência emerge do ribossoma designa-se sequência sinal
(constituído por 15 a 20 aminoácidos de natureza hidrofóbica, conferindo-lhe uma estrutura em -
hélice).
• A sequência sinal é reconhecida pela Partícula de Reconhecimento do Sinal (PRS) – uma proteína
específica (que possui uma zona hidrofóbica de ligação a 8 aminoácidos apolares da sequência sinal),
que existe livre no citosol e que se liga, em parte, ao domínio do centro A do ribossoma.
• Posteriormente, a PRS liga-se também ao recetor de PRS, uma proteína integral existente na face
citosólica do RER; este recetor faz parte do complexo de recetores membranares, que inclui o poro
membranar (translocador) e a peptidase sinal; esta ligação desencadeia a abertura do poro.
• A PRS é libertada para o citosol, e o polipeptídeo em formação é translocado para o lúmen do RER,
através do translocador (constituído por 3 ou 4 complexos proteicos, cada um formado por 3 proteínas
transmembranares), que abre temporariamente quando a sequência sinal se liga a um local específico
do poro.
• A síntese proteica decorre enquanto a sequência sinal se mantém ligada ao translocador da
membrana.
• Quando o terminal C da proteína atravessa a membrana, a enzima peptidase sinal corta a ligação entre
o peptídeo sinal e o resto do polipeptídeo.

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• Todo o polipeptídeo abandona o ribossoma entrando no lúmen, dobrando-se sucessivamente até à


conformação final.
• O poro abre lateralmente para permitir a difusão do peptídeo sinal, hidrofílico, que é rapidamente
degradado.
• Encerramento do poro membranar e libertação do ribossoma.

Este processo é comum às plantas e aos animais, ocorrendo tanto no RER como através da membrana da
mitocôndria, do cloroplasto e do peroxissoma. Este tipo de transporte surge também no transporte
transmembranar de proteínas através da membrana plasmática de bactérias.
Para as proteínas transmembranares que atravessam a membrana uma única vez o processo é semelhante;
a proteína é transportada parcialmente, ficando ancorada à membrana por porções hidrofóbicas da
membrana (hélices- ). Estas porções hidrofóbicas funcionam como sinais de stop-transferência, e são
reconhecidas também pelo translocador. Quando a sequência stop é reconhecida o translocador muda de
conformação, promovendo a clivagem da sequência sinal e a sua libertação, assim como a libertação do
polipeptídeo. Desta forma, a hélice- que constitui o sinal stop, fica no interior da membrana.
As proteínas transmembranares que apresentam várias porções no interior da membrana exibem várias
sequências de início e de stop, devidamente direcionadas, de forma a ancorar na porção hidrofóbica da
membrana todas as hélices- . Ex. A rodopsina é uma proteína com 7 porções hidrofóbicas, todas elas
constituindo sequências start ou sequências stop.

2.2.1.3.6. Glicosidação de proteínas por adição de oligossacarídeos

Uma das funções do RER é a adição de açúcares a proteínas para produzir glicoproteínas. Este processo
ocorre sempre na face luminar da membrana do RER.
A glicosidação ocorre pela transferência em bloco de um percursor de oligossacarídeo (formado por manose,
glicose e N-acetilglicosamina, num total de 14 monómeros) para um aminoácido específico do polipeptídeo
(ligação a uma asparagina). O percursor encontra-se ligado à membrana do RE por um lípido particular
denominado dolicol. Este processo é concluído no Complexo de Golgi.

2.2.1.4. Complexo de Golgi

2.2.1.4.1. Morfologia
O complexo de Golgi (ou aparelho de Golgi) compreende três elementos membranosos, a seguir descritos:
a) Cisternas ou sáculos que apresentam duas faces (cis ou externa; trans ou interna) cujo número varia
de 4 a 6 nos animais superiores e plantas, e de 10 a 20 nos seres unicelulares. Ao conjunto de
cisternas chama-se dictiossoma. O número de dictiossomas é também variável; os animais
apresentam normalmente apenas 1, as células vegetais 3 a 4. A face cis relaciona-se com o RE e a
face trans com os elementos secretores.
b) Vesículas que se localizam na face cis ou face de formação;
c) Vacúolos que se situam na face trans ou face de maturação (também se designam por vesículas
secretoras ou de condensação).
Tal como no RE cada cisterna está isolada do citosol por uma membrana – bicamada lipídica.
O dictiossoma é uma estrutura polarizada, isto é, as duas faces são distintas sendo diferente a composição
molecular e a espessura, aumentando esta desde o RE para o C. Golgi (da face cis para a trans), e desta para
a membrana plasmática.

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As faces cis e trans têm funções diferentes: na face cis ocorre a formação das cisternas golgianas por
coalescência de múltiplas vesículas que se desprendem do retículo endoplasmático, carregadas de produtos
sintetizados. As vesículas evaginam no dictiossoma, formando novas cisternas. São então modificadas,
separadas e, eventualmente, libertadas em vesículas de transporte a partir da face trans de onde se
desprendem, por sua vez, inúmeras vesículas carregadas de secreções.
Assim, os produtos de secreção movem-se sequencialmente através da pilha de cisternas na direção cis-
trans, sendo transformados ao longo do percurso, e sofrendo armazenamento em trans. Deste modo,
facilmente se compreenderá que o dictiossoma é uma estrutura transitória, constantemente em formação,
por um lado, e em desagregação, por outro.
A evaginação sofrida pelas vesículas de transporte do RE na face cis fazem parte do movimento de
membranas que vai compensar a formação das vesículas secretoras do C. Golgi. Em células nas quais se
verifica uma intensa produção de proteínas, por exemplo as células do fígado, as cisternas do C. Golgi podem
renovar-se cada 40-50 minutos.
face cis 0.1 µm
(face de formação)
Cisternas

Face trans
(face de maturação) Aparelho de Golgi TEM

Fig. 2.23 – Imagem de um dictiossoma

O C. Golgi modifica e sintetiza os produtos em fases distintas e sucessivas, através da rede trans-golgiana:
As proteínas exportadas do ER entram na face cis do C. Golgi, atravessam para a zona média e atingem a face
trans, de onde são segregadas em diferentes vacúolos de transporte através da face trans golgiana. Assim,
por exemplo, os oligossacarídeos cuja síntese teve início no RE, são processados em passos sucessivos, em
diferentes zonas do dictiossoma cada uma das quais exibindo um conjunto característico de enzimas. As
glicoproteínas enviadas do RE são todas idênticas, pelo que alguns monómeros dos oligossacarídeos são
removidos ou substituídos, em passos sucessivos, produzindo oligossacarídeos diferentes e, portanto,
proteínas distintas.
Antes de enviar as vesículas com os produtos, o C. Golgi seleciona-as e direciona-as para diferentes zonas da
célula. Os próprios produtos apresentam grupos químicos que permitem fazer a seleção. Também as
moléculas externas das vesículas secretoras possuem recetores que reconhecem a superfície de organelos
específicos.

O envio de substâncias para diferentes zonas carece de sinais existentes nas moléculas a transportar que
indicam ao dictiossoma para onde as deve direcionar. São três as principais vias:
• Proteínas com o marcador manose-6-fosfato (M6P) destinam-se ao lisossoma, como veremos;
• Proteínas para secreção surgem em vesículas típicas de células especializadas;
• Em células não polarizadas, proteínas não específicas são canalizadas para a superfície celular pelo
percurso secretor “normal”.
Para efetuar este transporte há numerosos sinais químicos que permitem perceber qual a via a selecionar.
Peptídeo sinal (mitocôndria), sequência sinal (RER), sequências apolares que indicam serem proteínas
transmembranares, sequência sinal específica para proteínas nucleares, sequência sinal específica para
peroxissomas, etc.

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2.2.1.4.2. Funções

As funções estão relacionadas com o facto de representar um compartimento membranar intermédio entre
o RE e o espaço extracelular. Através deste há trânsito contínuo de substâncias que, apesar de terem sido já
sintetizadas, são aqui modificadas durante o transporte.
a) A função principal é de secreção de proteínas exportáveis, assim como das enzimas presentes nos
lisossomas e peroxissomas.
b) Participam na síntese de glicoproteínas e glicolípidos – como vimos, muitas proteínas sintetizadas
no RE possuem oligossacarídeos; os dictiossomas possuem enzimas (glicosiltransferases), que
procedem à modificação e adição de açúcares nas glicoproteínas já sintetizada pelo RER. Um
processo equivalente ocorre nos lípidos.
c) As lipoproteínas são sintetizadas no RE mas passam obrigatoriamente pelo C. Golgi;
d) Participa na sulfatação de várias hormonas, como sejam os esteroides e dos mucopolissacarídeos;
e) A maioria das proteínas secretoras sofre processamento proteolítico durante a biossíntese; este
processo envolve conversão de pro-proteínas na sua forma madura – o C. Golgi tem papel
importante neste processo.
Ex. A pro-insulina é uma proteína cuja cadeia polipeptídica possui um peptídeo C que é removido
no C. Golgi, ativando a proteína (insulina). A insulina e o peptídeo C inativo ficam na vesícula de
secreção;
f) Participa na biogénese da membrana plasmática;
g) O C. Golgi participa também na síntese de algumas macromoléculas, tais como polissacarídeos. Estes
produtos são secretados a partir da face trans, dentro de vesículas de transporte que eventualmente
se fundem com a membrana plasmática.
h) Intervém na formação de lisossomas primários. Este processo segue a mesma sequência descrita:
síntese, agregação, transporte e empacotamento de enzimas – como um certo número de enzimas
lisossomais são glicoproteínas, o C. Golgi também está relacionado com este processo.

2.2.1.5. Lisossomas

2.2.1.5.1. Morfologia

Do grego lisis – dissolução e soma – corpo


São organelos citoplasmáticos que se caracterizam pela presença de cerca de 40 tipos de hidrolases ácidas,
cujo pH ótimo se situa entre os 3 e os 6. Têm por função a digestão celular.

AB + H2O → AH + BOH
Fig. 2.24 - Reação de hidrólise ou despolimerização.

Entre estas hidrolases, figuram enzimas específicas de diferentes substratos: proteases, lipases, fosfolipases,
glicosidases, nucleases, fosfatases e sulfatases.
A membrana dos lisossomas é resistente à ação das enzimas lisossomais, que nunca entram em contacto
com o citosol. A digestão decorre no interior do lisossoma. A membrana protege o resto da célula do possível
efeito destrutivo das enzimas e a sua estabilidade é de importância fulcral para o funcionamento da célula.
Os lisossomas possuem grande polimorfismo no que se refere ao tamanho e irregularidade da estrutura
interna. Este conteúdo heterogéneo deve-se à grande variedade de substâncias que podem conter como
resultado da sua atividade digestiva assim como dos diferentes estádios da digestão em que se encontram.
Fruto da grande variedade de enzimas hidrolíticas que incorporam, os lisossomas podem digerir
praticamente todos os tipos de macromoléculas, convertendo-os nos seus constituintes fundamentais,
aminoácidos, ácidos gordos, nucleótidos ou açúcares.

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Fig. 2.25 - Organização do lisossoma


– contém hidrolases ácidas, ativas
quando o pH é ácido. A acidificação
do interior do lisossoma resulta da
ativação de bombas de protões que
transportam protões do citosol.
Esta acidificação ativa as enzimas
diversas existentes no interior da
vesícula, responsáveis pela digestão
de macromoléculas.

2.2.1.5.2. Função
Têm função de digestão intracelular e extracelular.
Quando a digestão é completa, os produtos da digestão, de pequeno tamanho molecular, tais como
açúcares, aminoácidos ou ácidos gordos, podem atravessar a membrana lisossomal e ser reincorporados na
célula para nova utilização nos ciclos metabólicos; caso contrário, formam-se corpos residuais que são
eliminados por exocitose.
A função principal dos lisossomas é a digestão intracelular que ocorre, como o nome indica, no interior da
célula.

Os lisossomas podem também ter digestão extracelular através de enzimas que, por exocitose, são
libertadas no meio circundante. Estes processos ocorrem nomeadamente na mudança de fase de girino para
rã, quando as enzimas lisossómicas digerem as células da cauda. Também as membranas interdigitais dos
embriões humanos são digeridas desta forma. A digestão efetuada pelo estômago é também uma digestão
extracelular, já que ocorre num compartimento extracelular (estômago) sendo os nutrientes depois
absorvidos pelas células já no intestino.

2.2.1.5.3. Síntese e transporte de enzimas hidrolíticas

As enzimas hidrolíticas, tal como todas as proteínas, são sintetizadas via Ciclo da Partícula de
Reconhecimento do sinal. Porém, não podem ser ativadas antes do lisossoma estar devidamente preparado,
para evitar a digestão de material intracelular útil para a célula.
Assim, as enzimas são sintetizadas na forma inativa (através do pH neutro), à superfície do RER, sofrendo
também glicosidação. Ao sofrer a sua conformação terciária expõe um local de ligação específico a uma
molécula característica (manose-6-fosfato ou M6P) que existe no lúmen do C. Golgi. Aqui faz-se a ligação
entre a enzima lisossomal e a M6P. Esta ligação desencadeia a produção de uma via de secreção especifica
para a produção de pré-lisossomas, através da ligação do complexo M6P-enzima à membrana da vesícula.
A formação do pré-lisossoma inclui apenas as enzimas lisossomais, ainda desativadas, dentro de uma
vesícula, com pH neutro.

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2.2.1.5.4. Classificação dos lisossomas

De acordo com o seu conteúdo, podem classificar-se como:


a) Pré-lisossoma - grânulo de reserva contendo enzimas hidrolíticas ainda não funcionais, dado que se
encontram na forma de percursores e/ou o pH não é o adequado ao seu funcionamento (não ocorreu
ainda a acidificação do meio) - pequena vesícula com um conteúdo muito rico em enzimas -
hidrolases ácidas de vários tipos consoante o tipo de substrato que hidrolisam.
b) Lisossoma primário – ocorreu já a acidificação do meio, pelo que o grânulo de reserva contém
enzimas hidrolíticas já funcionais. As enzimas estão na sua forma final e o pH é o adequado ao seu
funcionamento.
c) Lisossoma secundário para além das enzimas hidrolíticas contém também substâncias de digestão.
O material englobado é progressivamente digerido a uma velocidade que depende da proporção e
natureza química do material e da atividade e especificidade das enzimas lisossomais.

Quanto à origem das substâncias a serem digeridas, os lisossomas secundários classificam-se em:
a) Autolisossoma - A célula pode ter necessidade de degradar material intracelular obsoleto. Este
processo designa-se autofagia e é um processo de digestão intracelular de organelos e estruturas da
própria célula; através da autofagia os lisossomas fazem a digestão de organelos e estrutura da
própria célula, portanto, reciclam material intracelular. A incorporação de material intracelular tem
início numa porção de RER que perdeu os ribossomas originando a formação de um autofagossoma;
esta estrutura sofre várias alterações estruturais e da sua composição química que lhe permitirão
resistir às enzimas; funde-se então com um lisossoma primário, para formar um autolisossoma que
digere o material intracelular.

b) Heterolisossoma - A heterofagia é o processo pelo qual a célula digere substâncias exógenas


(endocitose). Os endossomas (heterofagossomas) ainda não receberam as hidrolases ácidas; este
processo ocorre quando um endossoma se funde com um lisossoma primário, formando um
heterolisossoma.

2.2.1.5.5. Mecanismos de fornecimento de material aos lisossomas

A secreção intracelular dos lisossomas está acoplada ao processo de endocitose, isto é, as macromoléculas
são incorporadas na célula, provenientes do fluído extracelular, pelo processo de endocitose.
Posteriormente são degradadas pelos lisossomas. Assim, este processo está relacionado com a atividade da
membrana plasmática e inclui a fagocitose – processo pelo qual a célula ingere material sólido (material de
grande dimensão, como por exemplo microrganismos) - e a pinocitose (ingestão de líquidos pela célula,
incluindo proteínas e outros materiais solúveis).
Existem vários tipos celulares especializados na fagocitose; designam-se fagócitos e exibem pseudópodes
que permitem a invaginação das partículas. Ex. Macrófagos, neutrófilos.
O processo de endocitose requer energia e obriga à invaginação de grandes porções da membrana
plasmática. Depois de penetrar na célula, a vesícula endocítica (ou endossoma) funde-se com um lisossoma
para formar um heterolisossoma.
Os endossomas são vesículas irregulares e pequenas. É no seio deste endossoma que o material de
endocitose se encontra com as hidrolases ácidas; estas são provenientes de vesículas do Complexo de Golgi;
o pH ronda os 6. Posteriormente, forma-se um lisossoma secundário com a acidificação do meio interno.

As vesículas de endocitose podem classificar-se em:


• Fagossoma - vesícula de grande tamanho, especializada na incorporação de grandes partículas.
Funde com um lisossoma primário para possibilitar a digestão do material incorporado. Qualquer
material não digerido permanece no lisossoma, formando corpos residuais. Para serem fagocitadas,

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as partículas têm que aderir à superfície da membrana plasmática do fagócito que possui recetores
específicos na superfície externa da membrana. Na fagocitose há necessidade de ativação dos
recetores, para dar início à fagocitose. Ex. Os anticorpos são recetores especializados, aderindo à
superfície de microrganismos, rodeando-o. Esta cobertura é reconhecida pelos macrófagos.
• Vesículas de pinocitose – todas as células eucarióticas ingerem pequenas porções de membrana,
continuamente, na forma de pequenas vesículas de pinocitose, que, mais tarde, regressam à
superfície da célula.
• Vesículas franjadas – vesículas contendo uma proteína – clatrina – que forma uma rede de malha
hexagonal, e que reveste a superfície citoplasmática das vesículas e lhes confere um aspeto franjado.
A maioria pode incorporar macromoléculas específicas – endocitose mediada por recetores. Através
deste mecanismo as macromoléculas aderem à superfície da membrana, a recetores proteicos
específicos, acumulam-se no exterior e são posteriormente incorporadas na célula em vesículas
franjadas. Ex. O colesterol.
• Corpos multivesiculados – São vacúolos especiais, contendo pequenas vesículas embebidas numa
matriz. Estes corpos parecem constituir uma fase de maturação dos endossomas, incorporando
vários endossomas jovens. Podem fundir uns com os outros e, no final do processo, são convertidos
em lisossoma secundário através da fusão com um lisossoma primário.

Fig. 2.26 - Intervenção dos lisossomas


na fagocitose e autofagia – Na
fagocitose, partículas grandes, como
sejam bactérias, são incluídas em
heterofagossomas. Na autofagia,
organelos internos, como as
mitocôndrias são envolvidas por
membrana de RER, formando
autofagossomas. Ambos se fundem
com lisossomas primários para formar
lisossomas secundários, no interior
dos quais ocorre a digestão
intracelular.

OUTROS ORGANELOS MEMBRANARES

Nesta secção serão abordados outros organelos membranares que não estão relacionados, nem com o
sistema endomembranar, nem entre si. Não existe, portanto, qualquer tipo de transporte vesicular entre
estes organelos. Existe, sim, transporte transmembranar, através de proteínas transportadoras específicas,
que transportam iões e moléculas, entre o citoplasma e o organelo membranar.
Os plastos e as mitocôndrias têm duas membranas e são especializados na síntese de ATP. Apesar de ambos
conterem DNA, ribossomas e outros componentes necessários à síntese proteica, em ambos os casos a
maioria das proteínas são importadas do citosol. São produzidos pelo crescimento e fissão de outros
organelos. Os peroxissomas são organelos rodeados por uma única membrana, e não contêm DNA nem
ribossomas. Tal como os organelos anteriores, contudo, os peroxissomas necessitam de importar as suas
proteínas do citosol. São organelos que se auto-replicam.

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2.2.1.6. Peroxissomas

2.2.1.6.1. Caracterização

Constituem um compartimento metabólico especializado que possui enzimas (oxidases) que efetuam a
transferência de hidrogénio a partir de vários substratos para produzir peróxido de hidrogénio (H2O2).
O peróxido de hidrogénio é em si tóxico, mas o organelo possui uma outra enzima, a catalase, que decompõe
o peróxido de hidrogénio através da oxidação de vários substratos (ex. fenóis, ácido fórmico, álcool).
Oxidases
RH2 + O2 ⎯⎯⎯⎯⎯→ R + H2O2
Catalases
H2O2 + R’H2 ⎯⎯⎯⎯⎯→ R’ + 2H2O
Abundam no fígado e no rim dos animais, leveduras e protozoários, onde os peroxissomas desintoxicam
várias moléculas tóxicas que entram na circulação sanguínea.
Possuem uma membrana simples, permeável a moléculas simples (sacarose, iões inorgânicos, etc.) e uma
matriz densa, podendo apresentar uma condensação cristalina.

Fig. 2.27 – Peroxissomas exibindo membrana simples e


condensação cristalina.

2.2.1.6.2. Funções
Estas reações têm diferentes funções:
a) A maioria das reações oxidativas que ocorrem nos peroxissomas dá-se por oxidação dos ácidos gordos
que são decompostos em moléculas mais simples (-oxidação – a molécula de hidrocarboneto é
cortada em blocos de 2 átomos de carbono, convertendo o ácido gordo em acetil CoA). Podem, então,
ser transportadas para a mitocôndria como combustível para a respiração celular. Esta função é das
mais importantes uma vez que constitui uma importante fonte de energia para a célula.
b) Respiração – a formação de peróxido de hidrogénio, H2O2, e a posterior conversão em O2 e H2O,
constitui uma importante fonte de eletrões.
c) Alguns peroxissomas no fígado desativam o álcool tóxico pela transferência de um hidrogénio do
veneno para o oxigénio.

2.2.1.6.3. Génese
As proteínas da membrana e as enzimas peroxissómicas são sintetizadas nos ribossomas livres do citosol, e
os peroxissomas novos formam-se por divisão dos já existentes. Desta forma, a célula precisa conter sempre
inicialmente pelo menos 1 peroxissoma.
A origem destes organelos pode estar em organelos primitivos, onde ocorria o metabolismo do oxigénio. De
facto, quando este oxigénio começou a ser produzido pelas cianobactérias, era altamente tóxico para a

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maioria das células, pelo que os peroxissomas podem ter servido para baixar a concentração de oxigénio,
através de reações oxidativas úteis para a célula.
A origem endossimbiótica deste organelo não está provada, não exibindo material genético e possuindo uma
única membrana-

2.2.1.7. Mitocôndria
2.2.1.7.1. Caracterização
Nas células eucarióticas e em condições aeróbias é na mitocôndria que se desenrola o processo de respiração
celular, sendo desta forma obtida a maior parte da energia necessária às células.
As mitocôndrias têm um aspeto muito variável (forma redonda, oval de bastonete ou filamento) conforme
o tipo de célula e o ciclo de vida de uma mesma célula.
São constituídas fundamentalmente por proteínas e lípidos. A maior parte dos lípidos são fosfolípidos da
membrana; as proteínas representam um grupo heterogéneo com funções vitais para a mitocôndria.
Tem um tamanho aproximado ao de uma bactéria Escherichia coli, aumentam de tamanho e podem separar-
se de uma maneira semelhante à divisão das células bacterianas.
As mitocôndrias contêm duas membranas muito diferentes, a externa (ME) e a interna (MI) que definem
dois compartimentos, o espaço intermembranar (EI) e a matriz mitocondrial (MM).
A ME tem cerca de 50 % lípidos e 50 % proteínas; apresenta canais transmembranares formados por uma
proteína (porina) que a tornam muito permeável a moléculas pequenas. Assim, muitas moléculas atingem o
EI, mas não atravessam a MI.
A MI é a única barreira eficaz entre o citosol e a MM; tem maior porção de proteínas do que qualquer outra
membrana celular (76% do peso total); apresenta um fosfolípido constituído por 4 cadeias de ácidos gordos
– cardiolipina, responsável pela redução da permeabilidade da membrana, sobretudo à passagem de iões.
Apresenta ainda proteínas transportadoras específicas – como as permeases, tornando-a seletivamente
permeável a moléculas necessárias às enzimas da matriz.
Devido à maior área de superfície da membrana interna, formam-se uma série de invaginações que se
projetam para o interior – cristas mitocondriais.
A matriz tem o grosso das proteínas da mitocôndria (67%) incluindo as enzimas responsáveis pela oxidação
do piruvato e pelo ciclo do ácido cítrico; nas cristas mitocondriais estão as enzimas responsáveis pela Cadeia
Transportadora de Eletrões, incluindo a ATP-sintetase, de que falaremos mais tarde.

(A) (B)
Fig. 2.28 – (A) esquema geral de uma mitocôndria; (B) microfotografia (a seta indica uma crista).

A origem da mitocôndria está na endossimbiose, como referido. Por essa razão, as mitocôndrias não se
formam de novo – as centenas de proteínas necessárias para manter a integridade do organelo são
codificadas no núcleo, sintetizadas no citoplasma e depois transportadas para o organelo. A
As mitocôndrias (tal como os cloroplastos) possuem genoma próprio e toda a maquinaria necessária para a
transcrição e tradução. Este DNA mitocondrial é constituído por uma molécula circular em cadeia dupla e
localiza-se na matriz mitocondrial.
Toda a transcrição e os seus produtos de tradução ficam no interior da mitocôndria. Os ribossomas aí
existentes são um pouco menores e menos sensíveis aos antibióticos do que os ribossomas nucleares.

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Pelo facto de serem compartimentos separados do resto da célula exibem transportadores


transmembranares específicos (translocadores), constituídos por proteínas multiméricas que catalizam o
transporte através das duas membranas mitocondriais. Assim, as proteínas que se destinam à mitocôndria
são importadas na forma de percursores (sequências de aac no terminal-N que funcionam como uma
sequência sinal). Esta sequência liga-se a um recetor específico à superfície da mitocôndria, sendo
translocada através das duas membranas mitocondriais. Após o transporte, a sequência sinal é clivada, sendo
o sinal rapidamente degradado, e a proteína toma a sua conformação madura.

2.2.1.8. Plastídeos
Estes organelos foram já abordados, quando foi estudada a célula vegetal.

ORGANELOS NÃO MEMBRANARES

2.2.1.9. Citoesqueleto
Nas células animais, em que, ao contrário das células vegetais, não existe um exosqueleto formado por um
parede celulósica, torna-se primordial a presença de uma estrutura interna que desempenhe as funções
atribuídas ao esqueleto, nomeadamente o suporte mecânico das células e a manutenção da forma. Acresce
que os elementos citosqueléticos desempenham ainda outras funções relacionadas com a motilidade celular,
como sejam a promoção e a orientação dos fluxos citoplasmáticos (movimentos de ciclose) e de deslocação
de vesículas de secreção, a endocitose, o movimento dos cromossomas por ocasião da divisão celular, os
movimentos amiboides, o funcionamento de cílios e flagelos, etc.
Pode também desempenhar um papel importante na regulação celular ao transmitir sinais mecânicos da
superfície da célula para o interior.
As funções desempenhadas do citoesqueleto centram-se no comportamento de três famílias de proteínas,
que se reúnem para formar três tipos de filamentos. Cada tipo de filamento tem propriedades mecânicas
distintas, assim como dinâmicas diferentes, apesar de alguns princípios fundamentais serem comuns às três.
As proteínas que constituem os filamentos são reunidos entre si e ligados a outros componentes celulares
através de proteínas acessórias. Existem ainda as proteínas motoras que permitem o movimento dos
organelos ao longo do filamento ou o movimento do próprio filamento.

O citoesqueleto é um sistema muitíssimo dinâmico; as estruturas são persistentes ou podem sofrer


alterações rápidas, em função das necessidades da célula, podendo durar desde um minuto até o tempo
total de vida da célula. Para desempenhar rapidamente as alterações necessárias, os componentes dos
filamentos encontram-se num estado de fluxo constante, pelo que os rearranjos consomem relativamente
pouca energia.
Os filamentos caracterizam-se, ainda, por serem polímeros constituídos por subunidades (monómeros). Nas
células animais, a polimerização e despolimerização de filamentos do citoesqueleto é constante; todos os
protofilamentos podem efetuar novas ligações nas extremidades, assim como laterais, permitindo a
formação de redes de filamentos. Se as subunidades apresentam estruturas diferentes, então os filamentos
exibem propriedades mecânicas distintas.

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2.2.1.9.1. Estrutura

O citoplasma é estruturado por três tipos de filamentos (microfilamentos, microtúbulos e filamentos


intermédios) e pelas proteínas que lhes estão associadas:
a) Os microtúbulos são estruturas ocas com 25 nm de diâmetro e comprimento variável (até vários m). O
seu constituinte principal é a tubulina ( e ), uma proteína.
A parede é formada por 13 protofilamentos ordenados paralelamente ao seu eixo, constituídas por cadeias
lineares de subunidades globulares (dímeros de tubulina  e ).
Podem formar-se e desmontar-se rapidamente, sendo a formação favorecida pela presença de Mg 2+ e a
despolimerização favorecida por baixas temperaturas e pela presença de Ca2+.
Mantêm os organelos no lugar, dirigem o transporte intracelular, na exocitose de grânulos de secreção, na
mobilidade celular (cílios e flagelos) e no movimento de cromossomas durante a divisão celular.
Ex. Os centríolos são formados por microtúbulos, assim como o fuso acromático.
b) Os microfilamentos são estruturas filamentosas proteicas (actina) de 7 nm de diâmetro. Cada
microfilamento é constituído por um único filamento helicoidal formado por uma cadeia simples de
monómeros ou por uma dupla cadeia de monómeros enrolados helicoidalmente.
Determinam o formato da célula e são fundamentais para a locomoção da célula, funcionam na contração
muscular, na divisão celular, nas correntes citoplasmáticas, no movimento amiboide e suportam as projeções
celulares.
Ex. O anel contráctil que, nas células animais, dá origem à divisão celular é formado por microfilamentos.

c) Os filamentos intermédios têm um diâmetro intermédio entre os dois anteriores (cerca de 10 nm). Ao
contrário do que se observa nos casos anteriores, as proteínas que constituem os filamentos intermédios
são mais estáveis e mais variáveis em tamanho e nas sequências de aminoácidos (filamentos de queratina,
filamentos de vimentina, filamentos de desmina, etc.).
A composição e a organização estrutural estão bem determinadas, mas o seu significado funcional não.
Fornecem resistência mecânica e resistência às forças de compressão.
Ex. Formam a lâmina nuclear, que confere resistência adicional ao núcleo.

(A) (B) (C)

Fig. 2.29 – Elementos do citoesqueleto: (A) microfilamento formado por bandas de actina que geralmente
interagem com outro tipo de proteína; (B) filamento intermédio constituído por proteínas que contêm uma
hélice central de cerca de 310 aminoácidos terminais variam em tamanho e formato consoante a proteína; (C)
microtúbulos formados por subunidades de tubulina ( e ) formando tubos ocos de 13 subunidades.

2.2.1.9.2. Funções
As funções do citoesqueleto são muito variadas e não são exclusivas de um elemento, mas de todos eles.
Podem incluir-se nas seguintes categorias:
• Modelação da forma da célula e das suas diferenciações;
• Organização do citoplasma;
• Movimentação da célula e de componentes sub-celulares.

Estes três elementos proteicos existem também nas células procarióticas, e desempenham as mesmas
funções.

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2.3. MEMBRANA PLASMÁTICA

A membrana constitui uma barreira permeável entre o citoplasma e o ambiente externo, isolando
seletivamente a célula do ambiente externo, pois contém locais ou moléculas específicas para a passagem
de substâncias. Assim, permite que o citoplasma tenha uma composição completamente distinta e muito
mais estável da composição externa. Ou seja, mantém o ambiente celular através da regulação dos materiais
que entram ou saem da célula (permeabilidade seletiva).
A membrana faz, portanto, a regulação da composição iónica do meio intracelular, de forma ativa – seleciona
substâncias que entram ou saem, bem como a velocidade a que este transporte ocorre.
As membranas são, ainda, flexíveis e dinâmicas, dada a natureza multimérica da estrutura; tal é essencial
para a função biológica (variação de volume e forma celular, mobilidade lateral dos lípidos e proteínas, …).
Têm a capacidade de romper e selar espontaneamente, propriedade importante nos processos em que há
fusão de membranas como endocitose, exocitose, divisão celular, …
Através da sua face extracelular, fornecem um mecanismo para comunicação celular e, através de
marcadores incorporados na membrana plasmática proporcionam mecanismos de reconhecimento celular.
Tal é importante ao nível do sistema imunológico e de defesa do organismo.

2.3.1.1. Estrutura da membrana (modelo de mosaico fluido)


Apesar das membranas biológicas apresentarem funções bem distintas, a sua arquitetura básica é feita
através da organização das moléculas lipídicas. As membranas são dinâmicas, fluidas e a maioria dos seus
constituintes conseguem movimentar-se no mesmo plano da membrana.
Os lípidos da membrana dispõem-se em dupla camada contínua, que fornece a estrutura básica das
membranas. Este facto foi conhecido em 1925, através de uma experiência desenvolvida por E. Gorter e F.
Grandel: usaram fosfolípidos de eritrócitos, os quais foram adicionados à água dissolvidos em benzeno, um
solvente orgânico. Quando este solvente evaporou, as moléculas de fosfolípidos dispuseram-se à superfície
da água em camada simples. Verificou-se que estas moléculas assim dispostas artificialmente, em camada
única à superfície da água, vão ocupar o dobro da área superficial dos eritrócitos de onde os fosfolípidos
foram inicialmente retirados. Desta experiência pode concluir-se que os fosfolípidos não se dissolvem em
água - são insolúveis - e que os fosfolípidos se dispõem em camada bimolecular.

Fig. 2.30 – Empacotamento de lípidos em


meio aquoso: (A) moléculas em forma de
cunha, formam espontaneamente micelas;
(B) moléculas cilíndricas formam
bicamadas também de forma espontânea.

A insolubilidade na água e a formação espontânea de bicamadas são características que derivam do facto
dos lípidos da membrana serem constituídos sobretudo por fosfolípidos, que são moléculas anfipáticas –
isto é contêm uma extremidade hidrofílica (ou polar) e uma extremidade hidrofóbica (ou apolar). Cria-se
assim um espaço interior à bicamada ou à micela que é hidrofóbico e se furta ao contacto com a água.
Contribuem para a formação da bicamada o facto de as moléculas de água tenderem organizar-se numa
estrutura em forma de jaula (rede de clatrata) em torno dos fosfolípidos, muito pouco favorável. A formação
da bicamada diminui este efeito, aumentando a estabilidade da estrutura. As forças de van der Waals e

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hidrofóbicas que se formam entre as porções hidrofóbicas também contribuem, assim como a estabilização
por pontes de hidrogénio.
A componente estrutural fundamental são, de facto, os fosfolípidos, mas existem também proteínas, as quais
demoraram mais algum tempo a conhecer-se a localização.
Em 1935 é proposto o modelo Davson e Danielli no qual a bicamada fosfolipídica se situava entre duas
camadas de proteínas. Este modelo aparentemente era confirmado pela fotografia em microscópio
eletrónico, na qual surgiam duas barras escuras, electrodensas (proteínas) a rodear uma barra clara interior,
electrotranslúcida (lípidos).
Este modelo foi aceite durante muito tempo, mas no final da década de 60 colocavam-se duas grandes
objeções:
o Nem todas as membranas são iguais, mesmo ao microscópio eletrónico, variando, nomeadamente, a
espessura da membrana. Assim, por exemplo, a membrana plasmática tem 7-8 nm e três camadas; a
membrana interna da mitocôndria tem 6 nm e uma única camada, que parecem contas. Contudo, a
membrana interna da mitocôndria tem uma percentagem particularmente elevada de proteínas,
portanto devendo, por isso, ser mais larga e as proteínas deveriam visualizar-se melhor.
o Ao contrário das proteínas dissolvidas no citosol, as proteínas membranares não são muito solúveis.
Estas proteínas são também anfipáticas, com uma parte hidrofóbica que, se estivesse à superfície da
bicamada se encontraria em contacto direto com um ambiente aquoso.

Assim, em 1972, J. Singer e G. Nicolson elaboraram um novo modelo – modelo de mosaico fluído – com base
na técnica do freeze-etching (dissociação da membrana em dois folhetos por criofractura). Estes
investigadores verificaram que as proteínas estavam no meio dos fosfolípidos: o plano hidrofóbico da
bicamada fosfolipídica é atravessado por um número significativo de proteínas membranares, que
desempenham praticamente todas as funções da membrana.
Tal como nos lípidos, a parte hidrofóbica das proteínas não contacta com a água e a parte hidrofílica fica em
contacto com o meio aquoso.

Fig. 2.31 – Membrana


plasmática segundo o
modelo de mosaico
fluído

As proteínas estabelecem, portanto, uma continuidade uni molecular entre o espaço extracelular e o
citoplasmático, deste modo oferecendo um argumento fundamental para o papel desempenhado pelas
proteínas na comunicação entre o meio intracelular e o espaço exterior à célula.

O modelo diz-se fluido porque a membrana não é uma estrutura rígida. Tanto os lípidos como as proteínas
podem fluir através da membrana, o que confere uma grande dinâmica às membranas biológicas.

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2.3.1.1.1. Lípidos da membrana


Os lípidos são os responsáveis pela formação de bicamadas que delimitam compartimentos separando os
meios intracelular/extracelular ou, dentro da célula, organelos/citoplasma. A diferença de composição
destes compartimentos pode ser mantida devido à relativa impermeabilidade destas barreiras lipídicas.
A flexibilidade da bicamada lipídica permite que as células se adaptem a vários ambientes, modificando a
sua forma.
No total os lípidos representam cerca de 50% do total das membranas biológicas. Destes, os mais abundantes
são os fosfolípidos (glicerofosfolípidos e esfingolípidos) com 70 a 95% do total (fosfatidilcolina,
fosfatidilserina, fosfatidiletanolamina e esfingomielinas). Outros lípidos existentes na membrana são os
esteróides, nomeadamente o colesterol na célula animal e o ergosterol no fungo, e os glicolípidos.
Os lípidos estão ligados entre si por forças não covalentes. Isto é, as ligações que se formam entre os
fosfolípidos devem-se à sua natureza apolar (insolúvel) as cadeias de hidrocarboneto que os compõem.
Assim os fosfolípidos tendem a furtar-se ao contacto com a água e a produzir interações hidrofóbicas entre
si, como vimos, estas ligações são muito mais fracas que as ligações covalentes. Por isso, as ligações
existentes devem-se à presença de água – se esta for substituída por álcool ou éter a membrana desagrega-
se, uma vez que os fosfolípidos são solúveis nestes solventes orgânicos – a estrutura da membrana é
precária; alterações de pH, iónicas ou temperatura facilmente originam a rutura da membrana.
A porção hidrofílica (polar) dos fosfolípidos estabelece pontes de hidrogénio com as moléculas do água do
meio.
A mobilidade dos lípidos é muito grande: têm grande capacidade de difusão no plano da membrana.

Fig. 2.32– Tipos de movimento exibidos pelos


fosfolípidos inseridos nas membranas
biológicas.

A velocidade de difusão é muito elevada – cerca de m por segundo. Em relação ao interior e ao exterior
da célula a orientação mantém-se. A permuta entre os dois folhetos da membrana, contudo, é muito rara
(flip-flop), uma vez que a parte hidrofílica terá que atravessar a barreira hidrofóbica.

A bicamada fosfolipídica encontra-se num estado fluído, ou seja, acima do ponto de fusão. Este ponto de
fusão é diferente para cada um dos fosfolípidos e, portanto, diferentes membranas dos vários organelos de
uma mesma célula têm pontos de fusão distintos. Portanto, a fluidez depende da natureza química dos
componentes da membrana. Por exemplo a maior concentração de fosfolípidos insaturados aumenta a
fluidez da membrana – porque a sua conformação mais aberta, que se deve às ligações duplas cis carbono-
carbono, aumenta o espaço entre as moléculas e, portanto, o empacotamento não é tão grande.

À medida que desce a temperatura a membrana mantém-se fluida até que começam a gelificar formando
agregados cristalinos, situação em que a membrana perde a mobilidade lateral. A esta momento de
gelificação chama-se transição de fase; a partir deste momento a membrana perde a fluidez, ocorrem
alterações de permeabilidade e as proteínas enzimáticas podem desnaturar. Por essa razão, a fluidez da
membrana é controlada de forma rigorosa.
A fluidez da membrana depende, para além da temperatura, da sua composição química. Assim, fosfolípidos
de cadeia mais curta tendem a interagir menos entre si, permitindo maior fluidez da membrana a baixas
temperaturas; já vimos também que as ligações duplas cis favorecem a fluidez da membrana. Por isso, a
membrana pode sofrer alterações da sua composição em fosfolípidos para fazer face à alteração de
temperatura. Por exemplo algumas plantas, características de climas frios, aumentam a percentagem de
fosfolípidos insaturados durante o outono para suportar as baixas temperaturas de inverno.
Para além dos fosfolípidos, a membrana da célula possui também esteróides. Na célula animal existe
colesterol o qual é uma molécula lipídica muito hidrofóbica, exceto pela presença de um grupo hidroxilo
terminal. A molécula situa-se, pois, quase exclusivamente nas zonas hidrofóbicas da membrana, com um
grupo OH numa extremidade hidrofílica.

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À temperatura ambiente o colesterol adere aos fosfolípidos, pelo que diminui a fluidez da membrana,
tornando-a menos deformável, diminuindo também a permeabilidade da membrana a moléculas pequenas.
Quando a temperatura diminui, contudo, ao interpor-se entre os fosfolípidos e diminuindo o
empacotamento entre eles, o colesterol faz baixar a temperatura de congelamento, ocorrendo a transição
de fase a temperaturas mais baixas.
Por isso, o colesterol por um lado mantém a consistência, mas por outro evita que a membrana mude do
estado líquido para o estado de gel com facilidade, ou seja, mantém a membrana fluida durante uma gama
de temperaturas maior (efeito estabilizador da fase em que a membrana se encontra).

(D)
Fig. 2.33 – Estrutura do colesterol (A) fórmula estrutural; (B) esquema; (C) modelo globular; (D) inserção da molécula de
colesterol nas membranas biológicas.

A distribuição dos diferentes fosfolípidos na membrana é desigual – a membrana é assimétrica (por exemplo,
num eritrócito, a concentração de fosfatidilcolina e de esfingomielina é muitíssimo mais elevada no folheto
externo, enquanto que a fosfatidilserina e a fosfatidiletanolamina se encontram quase toda no folheto
interno). É também distinta a distribuição de carga elétrica, sendo o folheto citoplasmático de maior carga
negativa.
Esta assimetria é funcionalmente importante. Por exemplo, nos processos de apoptose (morte celular
programada), a assimetria da membrana serve para distinguir entre células vivas ou mortas; de facto,
durante a apoptose, a fosfatidilserina que normalmente está confinada ao folheto interno, sofre
translocação para o folheto externo. Esta alteração serve de sinal que induz as células vizinhas, como os
macrófagos a fagocitarem a célula morta.

Uma pequena percentagem de lípidos da membrana (5 a 10%) contém oligossacarídeos formando


glicolípidos. Estes estão orientados exclusivamente para o exterior da membrana e funcionando como
recetores para moléculas presentes no meio extracelular. São moléculas muito diversificadas, formadas por
duas caudas hidrofóbicas e uma porção polar, constituída por açúcares, habitualmente um oligossacarídeo,
mais ou menos ramificado.
Os oligossacarídeos variam de espécie para espécie, de organismo para organismo ou mesmo entre tipos de
células diferentes; esta propriedade é fundamental para os organismos – do reconhecimento celular
dependem nomeadamente a diferenciação de tecidos e órgãos no embrião ou o sistema imunitário. A
maioria, de facto, tem função de reconhecimento celular, como é o caso dos recetores do sangue tipo A, B e
0 (zero).

Os esfingolípidos constituem um grupo de lípidos complexos que possuem uma estrutura geral baseada
num álcool aminado (esfingósido), e um ácido gordo de cadeia longa. A diversidade dos esfingolípidos
depende do grupo que constitui a cabeça polar. Estas moléculas são formadas por ácidos gordos saturados,
mais compridos do que os fosfolípidos, pelo que interagem entre si de forma mais intensa. Desempenham
funções estruturais na membrana dos mamíferos, servindo de local de adesão de proteínas extracelulares,
desempenham um papel importante na transmissão do sinal e no reconhecimento celular.
A interação entre as caudas hidrofóbicas determina a formação de micro-domínios designados jangadas
lipídicas.

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Figura 2.34 - Modelo das jangadas lipídicas. Pode-se observar a membrana biológica constituída por uma bicamada de
glicerofosfolípidos e esfingolípidos.

Estas jangadas lipídicas são domínios pequenos (10-200 nm), dinâmicos, heterogéneos, ricos em colesterol,
esfingolípidos, proteínas específicas e glicolípidos que compartimentalizam processos celulares. São mais
espessas e empacotadas que acomodam proteínas específicas. As jangadas lipídicas podem muitas vezes ser
estabilizadas, formando grandes plataformas através de interações proteína-proteína e proteína-lípido. Uma
vez que são mais compridos que as caudas dos fosfolípidos, os esfingolípidos de uma face interagem com os
esfingolípidos da outra face, formando uma estrutura móvel e com comunicação entre as duas faces da
membrana. Os esfingolípidos são cruciais para a regulação de muitos processos celulares, como polaridade
celular, no tráfico intracelular, proliferação e diferenciação celular, transporte transmembranar, organização
do citoesqueleto, receção de sinais, assim como a resposta imunitária. Funcionam, ainda, como mediadores
lipídicos bioativos na resposta celular, como iremos abordar no terceiro capítulo (transdução de sinais).

2.3.1.1.2. Proteínas membranares

Apesar da estrutura básica das membranas biológicas ser da responsabilidade dos fosfolípidos, as proteínas
membranares desempenham a maioria das funções específicas das membranas. São, por isso, as proteínas
que conferem as funções específicas que cada tipo membranar desempenha.
A quantidade de proteínas existentes numa membrana é muitíssimo variável, por exemplo, na bainha de
mielina que rodeia um axónio, uma vez que a função principal se cinge à condução do impulso nervoso, a
percentagem de proteínas é menor que 25%; em contrapartida, em membranas envolvidas na produção de
ATP, como a membrana interna da mitocôndria, tem 76% de proteínas, como vimos. Uma membrana
plasmática clássica tem cerca de 50% de proteínas e 50% de lípidos.
É frequente a presença de oligossacarídeos, na face externa da membrana, ligados a proteínas membranares,
formando glicoproteínas. Nas membranas biológicas existe, portanto, grande quantidade de hidratos de
carbono, formando uma proteção – glicocálice.
Podemos classificar as proteínas membranares como:
• Proteínas integrais ou intrínsecas, que atravessam o plano hidrofóbico (transmembranares ou não);
estas reagem extensivamente com os hidrocarbonetos dos lípidos, pelo que a sua remoção é muito
difícil. Isto significa também que as proteínas intrínsecas só mantêm esta conformação específica
quando se encontram na membrana – caso contrário desenrolam-se e perdem a sua atividade
biológica. São também insolúveis em água.
• Proteínas periféricas ou extrínsecas que não atravessam o plano hidrofóbico. Ao contrário das
anteriores, estas proteínas mantêm a atividade fora da membrana, dissociam-se rapidamente dos
lípidos membranares e são solúveis em água.

Na figura seguinte podem observar-se diferentes formas de associação das proteínas membranares com a
membrana.

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Fig. 2.35 – Formas de associação de proteínas à bicamada lipídica: as proteínas transmembranares atravessam
completamente a bicamada como (1) uma hélice , (2) hélices  múltiplas, ou (3) folhas pregueadas  enroladas em anel.
Outras proteínas ligam-se apenas a um dos lados da bicamada (4) através da ancoragem à bicamada por uma hélice 
hidrofóbica; (5) outras proteínas ligam-se por cadeias de ácidos gordos ou (6) ligação de oligossacarídeos a fosfolípidos da
membrana. (7, 8) Finalmente, muitas proteínas ligam-se por interações não covalentes com outros proteínas membranares.

Tal como os lípidos, as proteínas transmembranares são anfipáticas, possuindo regiões hidrofóbicas e regiões
hidrofílicas. A parte hidrofóbica das proteínas embebidas na membrana é constituída por partes de
polipeptídeo de aminoácidos apolares, enroladas em folha pregueada ou em hélice  (fig. 2.35). Estas
porções hidrofóbicas interagem com as caudas hidrofóbicas dos fosfolípidos, no interior da dupla camada (1,
2 e 3). A hidrofobicidade de algumas destas proteínas é aumentada pela ligação covalente de um ácido gordo
ao lado citosólico da bicamada lipídica (1). As porções hidrofílicas das proteínas estão expostas à água.
Proteínas integrais não transmembranares podem inserir-se na bicamada (no lado citosólico) através de uma
hélice  ()
As proteínas extrínsecas exibem ligações fracas à superfície da membrana; estas ligações podem ocorrer
através de um ácido gordo que efetua uma ligação covalente aos fosfolípidos (5), quer através da ligação dos
oligossacarídeos existentes na face extracelular (6) quer à porção hidrofílica de outras proteínas intrínsecas
(7 e 8).

Do lado citoplasmático, as proteínas estão frequentemente ancoradas a elementos do citoesqueleto. Do lado


exterior, algumas proteínas intrínsecas estão ligadas às fibras da matriz extracelular. Estas ligações conferem
uma rigidez adicional que a membrana só por si não conseguiria providenciar.

Cada proteína tem uma orientação determinada na membrana – esta assimetria da membrana (tanto das
proteínas, como dos lípidos e dos hidratos de carbono que a compõem) é determinada já no Retículo
Endoplasmático, durante a sua síntese: a membrana luminar do RE equivale ao folheto exterior da
membrana plasmática e a síntese das proteínas membranares é rigorosamente orientada.

As proteínas podem apresentar também difusão rotacional e difusão lateral ainda que esta seja mais lenta
que nos lípidos; mas nem todas as proteínas difundem, uma vez que algumas estão fortemente ligadas ao
citoesqueleto. Não ocorre nunca difusão transversal porque a região polar e apolar das proteínas é
demasiado extensa.
Finalmente, verifica-se que as proteínas não se distribuem de forma uniforme na membrana da célula; pelo
contrário, existem domínios dentro da membrana aos quais as proteínas se encontram confinados.
De referir, ainda, que algumas proteínas membranares exibem uma porção oligossacarídica, sendo,
portanto, glicoproteínas, Esta porção, sempre no folheto externo, desempenha funções importante ao nível
do reconhecimento ceular

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As proteínas membranares podem desempenhar muitas tarefas, de entre as quais salientam-se as seguintes:
o Transporte – As proteínas transmembranares são responsáveis pelo transporte através da
membrana de numerosos iões e moléculas, quer através de permeases, quer através de
transportadores que requerem o consumo de energia.
o Atividade enzimática – Uma proteína intrínseca pode ter atividade enzimática, encontrando-se o
centro ativo exposto ao exterior da membrana (um dos dois folhetos). Podem existir também
complexos enzimáticos, compostos por várias enzimas.
o Recetores – são proteínas intrínsecas que não atravessam a membrana na sua totalidade (estão
do lado exterior). Quando se ligam a um mensageiro específico, alteram de conformação
transmitindo a mensagem para o interior da célula; direta ou indiretamente, regulam a atividade
de enzimas intracelulares. É o caso do recetor de PRS, na hipótese do sinal, já estudada.
o Junção celular – As proteínas membranares de diferentes células podem estar unidas de várias
formas, intervindo mesmo na comunicação intercelular.
o Reconhecimento celular – Algumas glicoproteínas funcionam como zonas de reconhecimento
celular específico para serem identificadas por outras células.
o Ligação ao citoesqueleto e à matriz extracelular – Os microfilamentos ou outros elementos do
citoesqueleto podem ligar-se às proteínas membranares, o que permite a manutenção do formato
da célula e impede o movimento das proteínas.

2.3.1.2. Superfície celular - matriz extracelular (MEC) ou glicocálice


As células animais não possuem parede celular para suportar a célula. Por isso a célula segrega a matriz
extracelular, constituída fundamentalmente por glicoproteínas e por colagénio (proteína com estrutura
quaternária formada pelo enrolamento em hélice de três polipeptídeos) que forma fibras no exterior da
célula. O colagénio associa-se às glicoproteínas, como o proteoglicano – glicoproteína transmembranar
complexa muito ricas em hidratos de carbono altamente ramificados, as fibronectinas (glicoproteína adesiva)
que ficam aderentes à membrana celular através de proteínas transmembranares chamadas integrinas. Do
lado citoplasmático as integrinas ligam-se aos elementos do citoesqueleto, por isso estas proteínas estão em
posição para transmitir informações mecânicas para o interior da célula e vice-versa.
Esta camada tem importância fundamental no reconhecimento celular, tendo também funções de suporte,
adesão, movimento, proteção e regulação.

Fig. 2.36 – elementos do glicocálice: as proteíns integrais “integrinas” ligam-se, no citoplasma, aos elementos do
citoesqueleto, no meio extracelular, às fibronectinas. Estas, por sua vez fazem a ligação às proteínas fibrosas de colagénio.
Estas proteínas fibrosas estão ainda ligadas a proteoglicanos (não exibidos na imagem).

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2.4. TRANSPORTE MEMBRANAR

A célula, como sistema aberto que é, necessita de absorver nutrientes diversos do meio exterior, para o seu
normal funcionamento e reprodução. As células animais estão permanentemente a incorporar açúcares,
aminoácidos e oxigénio para a respiração, enquanto existe uma saída contínua de dióxido de carbono. Estes
deverão obviamente transpor a membrana, barreira física que limita, protege a célula e tem a capacidade
de regular o transporte transmembranar.

A membrana regula a entrada e saída de todas os átomos e moléculas orgânicos ou inorgânicos, bem como
a concentração interna de iões inorgânicos: Na+, K+, Ca2+, Cl-, etc.
Apesar do volume de trocas ser extenso, a membrana tem uma permeabilidade seletiva, e as substâncias
não a atravessam indiscriminadamente.

Figura 2.37 – permeabilidade seletiva da bicamada fosfolipídica a iões e moléculas de diferentes naturezas
e tamanhos

O tipo e taxa de entrada das substâncias são muito variáveis e controlados rigorosamente pela membrana.
Alguns nutrientes são absorvidos sob a forma pequenas moléculas, sendo a sua dimensão compatível com a
arquitetura molecular da membrana pelo que o transporte se dá dissolvendo-se nos lípidos. Outros
nutrientes, contudo, necessitam de sistemas de transporte molecular inseridos na membrana formados por
complexos proteicos, como sejam canais hidrofílicos ou transportadores específicos.
Para estes, identificam-se diversas vias ou mecanismos de transporte membranar diferentes. Importa
salientar desde já que estes mecanismos são diferentes, quer se trate de não eletrólitos ou de eletrólitos, se
o transporte se efetua “a favor” dos gradientes de potenciais químicos ou eletroquímicos ou se, pelo
contrário, se processa “em contra corrente”.
Por sua vez, outros nutrientes há que são captados sob a forma de macromoléculas ou partículas volumosas.
Para estes, a célula recorre a sistemas de transporte em massa, que têm por base o mecanismo da
endocitose, como vimos.

2.4.1.1. Princípios de transporte membranar

Qualquer molécula consegue, potencialmente, atravessar uma bicamada lipídica, a favor do gradiente de
concentração. A maior ou menor facilidade com que uma molécula atravessa a membrana, isto é, o seu
coeficiente de permeabilidade, todavia, varia muitíssimo, dependendo essencialmente de três fatores: a
dimensão da molécula, o seu estado de ionização e a sua afinidade para com os lípidos.
Em geral, quanto menor a molécula e quanto maior a sua solubilidade em substâncias apolares, maior será
o seu coeficiente de permeabilidade.

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O interior hidrofóbico da membrana impede a passagem de substâncias hidrofílicas, mas há numerosas


substâncias que podem atravessar a membrana rapidamente, por difusão:

• Moléculas pequenas hidrofóbicas apolares (azoto, oxigénio, CO2);


• Solventes orgânicos (éter, clorofórmio, benzeno);
• Substâncias lipossolúveis (esteroides);
• Pequenas moléculas não carregadas (H2O, glicerol, ureia) suficientemente pequenas para atravessar
a dupla camada lipídica.

A via lipídica é, contudo, praticamente impermeável a todos os iões de vital importância para a vida das
células tais como Na+, K+, Ca2+ e Cl-, as bases conjugadas dos aminoácidos (aniões) e todas as bases orgânicas.
Mesmo moléculas neutras como a glicose e lactose não são suficientemente permeáveis para assegurar um
fluxo compatível com as necessidades metabólicas.

Proteínas transportadoras

Moléculas de maiores dimensões e iões requerem, portanto, transportadores específicos; estes são
constituídos por proteínas transmembranares que atravessam a membrana várias vezes existindo
segmentos hidrofílicos de ambos os lados e segmentos hidrofóbicos transmembranares. Podem ser
constituídas por uma única unidade proteica (bomba K+/Na+) ou várias subunidades (acetilcolina – 5
subunidades).

Existem fundamentalmente três tipos de proteínas transportadoras:


a) Permeases ou transportadores – ligam-se ao soluto e sofrem um conjunto de alterações
conformacionais para efetuar a transferência do soluto através da membrana;
b) Canais proteicos interagem com o soluto de forma muito mais ténue, formam apenas poros aquosos
para permitir a passagem passiva dos solutos; este tipo de transporte é muito mais rápido.
c) Bombas ou ATPases – efetuam o transporte mediante consumo de ATP, pelo que faz transporte
ativo.

Figura 2.38 – Tipos de transportadores transmembranares: à esquerda ATPase, ao centro, canal proteico e
à direita, permease.

A velocidade do transporte é uma característica do transportador.


Cada proteína é responsável pelo transporte de uma única molécula ou de um grupo de moléculas
aparentadas. De facto, os transportadores são altamente específicos; por exemplo, a proteína que efetua o
transporte do isómero D-glicose, não transporta o isómero L-glicose, que assim tem que entrar através da
bicamada lipídica.

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2.4.1.2. Tipos de transporte transmembranar

Dependendo do tipo de ião/molécula, do tipo de transportador e da regulação efetuada pela célula, podem
existir os seguintes tipos de transportes:
• Difusão simples, através da bicamada, passiva, sem consumo de energia e a favor do gradiente.
• Difusão de água através de canais aquosos (aquaporinas), passiva, sem consumo de energia e a favor
do gradiente.
• Difusão facilitada através de proteínas transportadoras (permeases ou canais proteicos), passiva, sem
consumo de energia, a favor do gradiente.
• Transporte ativo, usando proteínas transportadoras específicas, contra gradiente e com consumo de
energia.

Figura 2.39 – Tipos de transporte transmembranares: o oxigénio é transportado por difusão simples, o ião
sódio e a glicose por difusão facilitada; o sódio e o potássio, à direita, usam um ATPase que executa
transporte ativo primário.

2.4.1.2.1. Transporte passivo

Designam-se genericamente por transportes passivos, todos aqueles que não impliquem, por parte da célula,
dispêndio de energia. Há, porém, que distinguir duas situações, decorrentes da natureza das moléculas e das
suas permeabilidades: ou se trata de entidades que podem atravessar a membrana por simples difusão ou,
pelo contrário, de moléculas que o não podem e, para as quais, a célula dispõe de mecanismos que facilitam
o respetivo tráfego.
Os transportes passivos ocorrem, nas moléculas não carregadas, a favor do gradiente de concentração, isto
é, a direção do transporte passivo é determinado apenas pela diferença de concentração do soluto dos dois
lados da membrana. Contudo, se o soluto está carregado (tem carga positiva ou negativa), tanto o gradiente
de concentração como o gradiente elétrico influenciam o movimento através da membrana.
Existe assim, um gradiente eletroquímico que é o responsável pelo transporte.

2.4.1.2.1.1. Difusão
A difusão é a tendência que as moléculas apresentam para se espalharem por todo o espaço disponível,
como resultado da energia cinética intrínseca. O fluxo de difusão é função da diferença de concentrações
entre dois lados de uma membrana permeável.
Quando temos, num compartimento, uma substância em meio aquoso, separada por uma membrana que
lhe é permeável, de um outro compartimento com água pura, estabelece-se um gradiente de energia livre
que determina um fluxo de difusão da substância do primeiro compartimento para o segundo até que a
concentração seja igual nos dois compartimentos. Quando tal se verifica, atinge-se o equilíbrio no qual o
gradiente de energia livre é zero e portanto, o fluxo global de difusão é nulo; este é um equilíbrio dinâmico,
e não estático, pois as moléculas continuam a atravessar a membrana, mas agora a uma taxa igual nos dois
sentidos.

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Figura 2.40 – A difusão de uma substância corante em água, ocorre a favor do seu gradiente de
concentração até se estabelecer um equilíbrio dinâmico.

O mesmo se passa se tivermos duas soluções, A e B, de concentrações diferentes, separadas por uma
membrana permeável. Num dado instante, a probabilidade de que uma molécula da solução A possa chocar
com a membrana sendo portadora de energia cinética suficiente para a transpor, é idêntica a probabilidade
que assiste às moléculas da solução B, em sentido inverso. Porém, se a concentração de A for superior à
concentração de B, o número de moléculas que transita de A para B será superior ao número das moléculas
que efetuam a difusão em sentido inverso. Dito de outro modo, a intensidade dos fluxos é diferentes, mas
estes tendem a igualar-se quando as concentrações de ambos os lados da membrana também o forem. Ou
seja, cada substância difunde a favor do seu próprio gradiente de concentração, independentemente das
concentrações de outras substâncias.
De igual forma, atinge-se o equilíbrio dinâmico. Ou seja, na ausência de outras forças externas, uma
substância difunde espontaneamente, a favor do gradiente de concentração.
A difusão através da membrana é um tipo de transporte passivo porque a célula não precisa de consumir
energia. Pelo contrário, o gradiente de difusão representa energia potencial e ele próprio favorece a difusão.

2.4.1.2.2. Osmose

Suponhamos agora, que temos duas soluções com concentrações de soluto diferentes, em contacto através
de uma membrana que é permeável apenas à água.
A solução onde o soluto se encontra em maior concentração (hipertónica) possui uma menor concentração
de água. Uma vez mais se estabelece um gradiente de energia livre, e a água flui através de uma membrana,
do lado onde o soluto se encontra menos concentrado (hipotónico) para o lado hipertónico. Se a
concentração de soluto for igual dos dois lados (isotónico) não ocorre osmose.
A osmose é, assim, um caso particular de transporte passivo.
A direção da osmose dá-se em função da diferença de concentração dos dois solutos; a água move-se da
solução hipotónica para a solução hipertónica, mesmo que esta apresente maior variedade de solutos (por
exemplo, a água do mar que apresenta diferentes tipos de sais dissolvido, para além do cloreto de sódio,
difunde para uma solução muito concentrada de açúcar porque aquela é hipotónica em relação a esta).
Também aqui se estabelece um equilíbrio dinâmico quando o gradiente de energia livre for igual a zero.
A sobrevivência da célula depende do balanço entre a quantidade de água que entra na célula e a que sai:
As células desprovidas de parede celular são isotónicas com o exterior ou então necessitam de recorrer a
mecanismos de osmorregulação. Caso contrário, quando a célula é hipotónica em relação ao exterior perde
água, entra em plasmólise e morre; se a célula é hipertónica, a água entra rapidamente na célula, sofrendo
lise (rebenta).
As plantas, os procariontes, os fungos e alguns protistas têm paredes celulares elásticas que permitem não
rebentar em ambientes hipotónicos; a célula absorve água até ficar túrgida, então a parede exerce uma
pressão tal sobre a célula que esta não absorve mais água do que aquela que sai. Em meios hipertónicos,
contudo a parede não oferece proteção, uma vez que a água sai, a membrana plasmática descola-se da

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parede (plasmolisa) e morre. Em situações de desequilíbrio osmótico, nas células vegetais, normalmente
intervém o vacúolo que perde ou acumula água, consoante o meio exterior é hipertónico ou hipotónico,
respetivamente.

Fig. 2. 41a –osmose em célula animal: glóbulo vermelho (g.v.) Fig. 2.41b – osmose em célula vegetal: célula submetida a
submetido a diferentes concentrações de sais. À esquerda: diferentes concentrações de sais. esquerda: célula em meio
perfil habitual de um g.v.; centro: hemólise em consequência da isotónico; centro: célula túrgida sujeita um meio
hipotonicidade do meio; esquerda; g.v. crenado fruto do meio hipotónico; direita: célula plasmolisada em meio
hipertónico. hipertónico.

2.4.1.2.3. Difusão facilitada

O modelo da via lipídica não pode explicar a velocidade de difusão de algumas moléculas e iões.
Nomeadamente a D-glicose atravessa a membrana a uma velocidade 105 vezes maior do que a taxa calculada
para o fluxo de difusão através da camada lipídica (Fig. 2.42). De facto, a D-glicose é transportada através da
membrana através de um sistema de transporte designado por difusão facilitada (uma proteína
transportadora acelera o movimento de determinados solutos através da membrana, a favor do gradiente
de concentração).
A difusão facilitada só se pode explicar se na membrana houver estruturas especializadas que rodeiam as
moléculas hidrofóbicas formando canais hidrofílicos. Uma vez que efetuam o transporte a favor do gradiente
de concentração, não ocorre consumo de energia.
Todos estes canais têm a capacidade de gerar correntes transmembranares e, por seu intermédio,
originarem alterações no potencial de membrana.
Estas proteínas transmembranares podem ser de duas naturezas: simples canais proteicos, que formam um
canal hidrofílico que atravessa completamente a bicamada fosfolipídica.

Fig. 2.42 – Fluxos de transporte da glicose em


função do tipo de transporte: transporte
facilitado de D-glicose e transporte passivo via
lipídica de L-glicose.

Frequentemente são translocadores ou permeases que efetuam transporte seletivo de muitas moléculas ou
iões, para as quais exibem um centro ativo específico.

Muitas das permeases têm as características de uma enzima:


1. Estas proteínas exibem graus de especificidade distintos, para um tipo de substrato ou para uma
classe de substâncias aparentadas.
2. Podem ainda ser inibidas por moléculas semelhantes ao substrato.
3. Exibem fenómenos de competição – em certos sistemas, duas moléculas semelhantes, duas oses
por exemplo, podem usar o mesmo transportador;

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4. Grande sensibilidade à temperatura.


5. Algumas exibem centros alostéricos, podendo assumir configurações alternativas de “aberto” ou
“fechado”. Essas alternativas alostéricas são determinadas por fatores externos, como a ligação
de uma das proteínas constitutivas do canal, a uma outra molécula, ou a existência de um
determinado potencial de membrana.
6. Atingem a Vmax, no ponto de saturação (velocidade máxima de transporte). Neste ponto cada
molécula transportadora atinge o limite de moléculas de soluto ao qual o centro ativo se pode ligar
para efetuar o transporte.
7. A metade da Vmax, define-se a constante de ligação entre o soluto e o transportador (KM).

Ao contrário das enzimas, contudo, estes translocadores não alteram o soluto, mas fazem a sua transferência
através da membrana.
Fig. 2.43 – Modelo de permease transportadora com duas
conformações A e B; quando na conformação A, está aberta
para o lado extracelular, ligando-se ao soluto; quando B, os
mesmos centros ativos estão expostos ao citosol. A ligação
ao substrato é aleatória, assim como a conformação. A
permease é completamente reversível, e não depende do
facto do local de ligação ao substrato estar ocupado. Por isso,
se a concentração é maior no exterior, maior concentração
de soluto se liga a este lado na conformação A do que na
conformação B, ocorrendo um transporte global maior a
favor do gradiente de concentração.

São objeto de transporte facilitado, entre outras moléculas, os monossacarídeos, como a glicose, e os
aminoácidos. Mas também, em certas circunstâncias, os iões são beneficiários destes sistemas de transporte.

2.4.1.2.4. Ionóforos
A difusão referida nos pontos anteriores diz respeito a substâncias neutras e a difusão dá-se apenas em
função da concentração. A difusão de iões é mais complexa e faz-se em função das diferenças de potencial
eletroquímico das substâncias envolvidas. Portanto, para os iões as condições de equilíbrio podem
compreender uma desigualdade de concentrações, desde que seja contrabalançada por uma diferença de
potencial elétrico entre os dois compartimentos.
Ainda que a barreira fosfolipídica seja praticamente impermeável aos iões, estes atravessam a membrana
graças aos ionóforos. Estes são constituídos por proteínas intrínsecas hidrofóbicas que se dissolvem na
bicamada lipídica e que aumentam a permeabilidade desta aos iões inorgânicos.
Estes ionóforos podem ser, também, de duas naturezas distintas:
• Permesases ou translocadores móveis de iões, isto é, captam um ião de um lado da membrana,
rodeiam-no formando um “escudo”, difundem através da bicamada, e libertam o ião do outro lado.
Ex. A valinomicina é um transportador móvel de iões K+.
• Canais iónicos, como por exemplo a Gramicidina, que é um composto dimérico constituído por 2
polipeptídeos lineares, que se enrolam um no outro, formando uma dupla hélice. Transporta catiões
monovalentes a favor do gradiente eletroquímico.

Figura 2.44 – Ionóforo: à esquerda translocador; à direita canal.

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Além das permeases e dos canais iónicos existem, ainda, aquaporinas. Estas são proteínas
transmembranares especializadas no transporte de água por difusão facilitada. Todos os seres vivos exibem
aquaporinas de diferentes naturezas, consoante o tipo celular e a espécie de organismo.

2.4.1.2.5. Transporte ativo

A produção de um gradiente iónico através da membrana permite armazenar energia potencial na forma de
gradiente eletroquímico que pode ser usada para várias necessidades metabólicas da célula, por exemplo,
para produzir ATP.
Assi, em alternativa aos diferentes tipos de transporte que se referiram e que têm entre si a característica
comum de promoverem o tráfego molecular “a favor” dos gradientes, quer de concentrações, quer
eletroquímicos, sem consumo energético, há transporte que atua “contra” os gradientes. Este transporte
consome energia; designa-se por isso transporte ativo.
Este transporte é efetuado por bombas iónicas que geram um gradiente elétrico através da membrana.
O interior da célula tem uma carga negativa superior ao meio extracelular dado que existe uma distribuição
desigual de aniões e catiões dos dois lados da membrana – gera-se um potencial de membrana. Este
potencial de membrana é mantido à custa de energia.

Ocorre transporte ativo quando algumas bombas transportadoras fazem transporte eletrogénico, isto é,
contribuem para o gradiente eletroquímico; ou seja, há transporte de iões através da membrana, contra o
gradiente elétrico e/ou químico, com o auxílio de um transportador e com o consumo de energia.
A necessidade da existência de bombas iónicas decorre do facto de, por exigências funcionais, deverem
manter-se elevados desníveis dos teores relativos a diferentes iões, entre o interior da célula e o exterior.
No quadro II.I revelam-se alguns valores típicos das células de mamíferos.

Quadro II.I– Concentração intra e extracelular de alguns iões


Concentração Concentração
Iões
Intracelular (mM) Extracelular (mM)
Na+ 5-15 145
K+ 140 5
Mg2+ 30 1-2
Cl- 4 110

O transporte ativo pode ser ocorrer de três formas distintas:


• Transporte acoplado ou cotransporte, transporta um soluto contra o gradiente de concentração,
associado a outro soluto que é transportado a favor desse gradiente (Transporte ativo secundário).
• Transporte com consumo de ATP, efetuado por ATPases, o transporte é efetuado com a hidrólise do
ATP (Transporte ativo primário);
• Transporte acionado por fotões, ocorre fundamentalmente nas bactérias e o transporte depende da
energia da luz, ex. bacteriorodopsina5.

5A bacteriorodopsina é uma proteína transmembranar que surge nalgumas Arquaea halófitas. É um pigmento que
captura luz solar. Ao absorver luz, a molécula usa essa energia para bombear protões para o exterior da célula. O
gradiente de protões é, então, usado para sintetizar ATP.

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Fig. 2.45 – Tipos de transporte ativo


amarelo – molécula transportada
ativamente; a vermelho energia
usada no transporte).

2.4.1.2.6. Transporte ativo primário

O transporte ativo primário é um transporte efetuado com o recurso a um transportador – uma ATPase –
que efetua o transporte contra o gradiente eletroquímico e que consome diretamente energia, pela hidrólise
de ATP.
São exemplos de transporte ativo primário as bombas de Na+/ K+, nos animais, e a bomba de protões nas
plantas e nas bactérias.

• ATPases tipo P (auto-Phosforilação)

Pelo Quadro II.I, podemos ver que a concentração de K+ no interior da célula é 10 a 20 vezes maior do que
no exterior; o contrário sucede à concentração de Na+. Na ausência de mecanismos de bombeamento de
iões que contrariem o gradiente, seria de esperar que rapidamente se atingisse o equilíbrio, graças à simples
difusão dos iões através dos respetivos canais. Porém as bombas de sódio/potássio contrariam os fluxos
passivos de saída do K+ e de entrada do Na+. Assim se mantêm os desníveis de teor destes dois iões.
Os movimentos de sódio contra gradiente eletroquímico e de potássio contra o gradiente químico através
da membrana são acoplados entre si e acoplados à hidrólise de ATP; o transporte é feito através de uma
proteína transportadora, a bomba de Na+/K+.
A bomba de Na+/K+ é, pois, uma ATPase, isto é, o transporte de sódio para o exterior da célula e de potássio
para o interior é feita à custa da fosforilação do ATP.

Fig. 2.46 - Bomba de Na+/K+ - transporta


ativamente Na+ para o exterior da célula
e K+ para o interior, contra o gradiente
eletroquímico. Por cada molécula de
ATP hidrolisada, saem 3 iões Na+ e
entram 2 iões de K+. O inibidor específico
ouabaina e o K+ competem pelo mesmo
local de ligação ao transportador, do
lado extracelular.

Uma característica fundamental da bomba de Na+/K+ é o facto de o transporte depender da auto fosforilação
da proteína. O grupo fosfato terminal do ATP é transferido para um resíduo de ácido aspártico da bomba e
é subsequentemente removido. Distinguem-se, pois, diferentes conformações da molécula transportadora,
dependendo da presença ou ausência do grupo fosfato. As moléculas transportadoras que são fosforiladas
desta forma designam-se ATPases transportadoras tipo P.
As ATPases tipo P constituem uma família de proteínas estrutural e funcionalmente relacionadas, incluindo
várias bombas de Ca2+ e bombas H+.

Tal como qualquer enzima, a bomba Na+/K+ pode funcionar em sentido inverso, produzindo, neste caso, ATP
e transportando os iões a favor do gradiente eletroquímico. De facto, se experimentalmente se induzir o
aumento da concentração dos iões até que a energia acumulada na forma de gradiente eletroquímico seja
superior à energia química da hidrólise do ATP, os iões começam a ser transportados a favor do gradiente
eletroquímico e ocorre síntese de ATP a partir de ADP.

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Esta bomba faz transporte eletrogénico porque por cada 3 catiões que saem só entram dois, então por cada
vez que a bomba funciona, há transferência de uma carga positiva para o exterior, contribuindo para o
potencial de membrana e armazenando energia na forma de voltagem.

• ATPases tipo F (Fosfohidrolase) e tipo V (bomba protões Vacuolar ou Vesicular)6

A membrana plasmática das bactérias, a membrana interna das mitocôndrias e a membrana dos tilacoides
têm também ATPases, mas estas pertencem a uma família distinta de ATPases, sendo também
estruturalmente muito distintas das ATPases tipo P.
As bombas tipo V fazem o transporte ativo primário de iões com consumo de ATP; um exemplo é a enzima
responsável pela acidificação dos lisossomas que efetua o transporte ativo de protões com consumo de
energia.
Muitas destas bombas, as ATPases tipo F, funcionam invertidas; em vez da hidrólise de ATP para efetuar o
transporte de iões, a ATPase usa o gradiente de portões que se estabelece através da membrana, para
sintetizar ATP.
Nas bactérias aeróbias e nas mitocôndrias, o gradiente de protões é gerado durante a cadeia transportadora
de eletrões da fosforilação oxidativa; nos cloroplastos este gradiente é gerado durante a fotossíntese; pode
ainda ser gerado através da bomba de H+ ativada pela luz (bacteriorodopsina) em Halobacterium.
Pelo facto de sintetizarem ATP, as ATPases tipo F são muitas vezes designadas ATP sintases. Podem, contudo,
hidrolisar ATP e transportar ativamente protões, dependendo das condições a que a enzima se encontra
exposta.

Fig. 2.47 – Bombas tipo F (E. coli) e tipo V (mamífero) – domínios membranares F0 e V0; F1 e V1 domínios
citoplasmáticos. As setas vermelhas representam o movimento destes domínios. Na bomba tipo V indicam-se os
organelos onde surge este tipo de bomba.

Estas ATPases tipo F são estruturas proteicas complexas, construídas a partir de múltiplas subunidades.
Delimitam um espaço, ao longo da membrana interna da mitocôndria, que permite a passagem dos protões
a favor do gradiente eletroquímico. À medida que os protões atravessam a ATP sintase, fazem rodar um anel
constituído por várias subunidades proteicas, sendo assim convertida a energia eletroquímica em energia
mecânica. A rotação destas subunidades determina alterações de conformação de outras subunidades, que
possuem locais de ligação a ADP e a Pi. À medida que a energia mecânica vai sendo convertida em energia
química (alterações de conformação) vão-se formando ligações químicas que geram a síntese de ATP.

• Transportadores ABC (ATP Binding Cassetes)

Cada ATPases deste tipo apresenta dois domínios de ligação ao ATP. A ligação do ATP a estes domínios
conduz à dimerização da estrutura, enquanto a hidrólise do ATP conduz a sua dissociação. Estas alterações
estruturais que ocorrem no citosol são transmitidas aos segmentos transmembranares, determinando ciclos

6As ATPases tipo V e tipo F têm arquitetura semelhante; as ATPases tipo V surgem nos vacúolos dos eucariotas e nas
bactérias e fazem, frequentemente, o transporte ativo de protões; as tipo F surgem nas mitocôndrias e nos cloroplastos
dos organismos eucariotas, e produzem ATP. Ambas parecem derivar de uma forma ancestral, atualmente existente nas
Archaea, ATPase tipo A.

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de alterações conformacionais, que, de forma alternada, expõem os locais de ligação ao substrato de um


lado e do outro da membrana.
Assim, os transportadores ABC usam tanto a ligação do ATP como a hidrólise para transportar moléculas
através da bicamada.

Fig. 2.48 – Transportador ABC típico – (A) diagrama; (B) Arranjo


hipotético da cadeia polipeptídica na membrana. O transportador
tem 4 domínios: dois altamente hidrofóbicos (a verde), imersos
bicamada, e dois domínios de ligação ao ATP (a vermelho).

2.4.1.2.7. Transporte ativo secundário

Alguns transportadores, como vimos, efetuam o transporte passivo de solutos, a favor do gradiente de
concentração; são designados uniportes. Outros, todavia funcionam como transportadores acoplados, nos
quais a transferência de um soluto depende do transporte de um outro. Nestes casos, substâncias não
carregadas, como a glicose, podem ser ativamente transportadas graças à energia potencial subjacente a
gradientes iónicos, em lugar do dispêndio direto de ATP.
Este transporte designa-se por cotransporte; neste tipo de transporte a energia produzida e armazenada na
forma de voltagem ou química, através do transporte ativo de uma substância, que consumiu energia, pode
ativar o transporte ativo de outras substâncias de forma indireta, pelo mecanismo de cotransporte. Este é
um mecanismo de transporte ativo secundário, porque a energia necessária provém de um gradiente
químico ou elétrico formado previamente pelo transporte ativo de outro ião. O cotransporte envolve tanto
o transporte dos dois solutos no mesmo sentido (simporte) ou o movimento dos dois solutos em sentidos
opostos (antiporte).

Fig. 2.49 – Esquema ilustrando o


transporte acoplado (simporte
e antiporte).

Nas células vegetais o gradiente de protões gerado pela bomba de protões é usado para efetuar o transporte
ativo de açúcares, aminoácidos e outros nutrientes para o interior da célula. Por exemplo, o transporte
acoplado de H+ e sacarose: a bomba de hidrogénio é uma ATPase que armazena energia aumentando a
concentração exterior de iões hidrogénio (estabelecendo, portanto, um gradiente eletroquímico), à custa da
fosforilação de uma molécula de ATP. À medida que estes iões difundem de forma passiva para o interior da
célula, através de proteínas específicas, vão sendo transportadas simultaneamente moléculas de sacarose
para o citoplasma célula. Assim, as moléculas de sacarose só podem entrar na célula se entrarem
simultaneamente iões H+.
Nas células animais, o ião cotransportador é geralmente o Na+. Por exemplo, o transporte ativo de alguns
açúcares e aminoácidos nas células animais é usualmente potenciado pelo gradiente eletroquímico do ião
Na+ efetuado pela bomba de Na+/ K +; quando os iões de sódio difundem para o citoplasma, através de um
transportador, esta difusão é acompanhada do transporte, contra o gradiente de concentração, de glicose
também para o interior da célula.

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Fig. 2.501 – Cotransporte de Na+ e glicose – o transportado pode ter 2 conformações A e B; Quando se encontra no
estado A, a proteína abre para o lado extracelular; no estado B, abre para o citosol. A ligação do Na+ e da glicose é
corporativa, isto é, a ligação de um dos solutos induz uma alteração de conformação tal que aumenta muitíssimo a
afinidade da proteína pelo outro soluto. Uma vez que a concentração de Na+ é muito maior do lado extracelular, a
probabilidade da glicose se ligar ao transportador é, também, muito superior deste lado. Assim, tanto o Na + como a
glicose entram na célula (via transição A B) muito mais frequentemente do que saem (via transição B A). O
resultado final é uma entrada de Na+ e de glicose na célula.

A célula usa habitualmente todos estes mecanismos em simultâneo, nos diferentes compartimentos, criando
gradientes de iões, armazenando nutrientes, expelindo resíduos, difundindo gases, etc.
Assim, por exemplo, a secreção de ácido clorídrico, que permite a acidificação do estômago, depende de
vários mecanismos em simultâneo:
1. Difusão simples de CO2 para o citoplasma do epitélio;
2. A enzima anidrase carbónica combina o CO2 com água e produz ácido carbónico, o qual se dissocia
em H+ e ião bicarbonato;
3. Os protões produzidos sofrem transporte ativo primário para o lúmen do estômago.
4. Porém, criou-se um gradiente de bicarbonato;
5. Ocorre, então, antiporte de bicarbonato e ião Cloro.
6. Criação de gradiente de Cl- no interior da célula devido ao antiporte.
7. Pelo facto do ião Cl ser muito abundante dentro da célula, este sofre difusão facilitada de Cl- para
ao estômago.
Desta forma existem protões e iões cloro no lúmen do estômago, pelo que existe ácido clorídrico, sendo,
portanto, o pH é ácido.

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3. COMUNICAÇÃO CELULAR

3.1. Comunicação celular – princípios gerais

A comunicação celular constitui, como já abordámos, um mecanismo fundamental para a regulação das
células e dos organismos. Questões como o desenvolvimento embrionário, a ação hormonal, o
desenvolvimento de cancro e a resposta a toxinas, dependem da forma como a comunicação entre as células
ocorre.
Os sinais recebidos são muito diversificados, podendo ser emitidos pelo próprio organismo ou serem de
natureza externa, como seja a radiação eletromagnética, como a luz, ou mecânica, como o toque. A maioria
dos sinais, porém, são de natureza química, determinando uma resposta por parte da célula. Por exemplo, a
deteção da existência de lactose num meio de cultura bacteriano.
O estímulo pode ser externo ao organismo - deteção de um organismo feminino por parte de um organismo
masculino para ocorrência de reprodução sexuada; o estímulo pode ser interno a um organismo pluricelular,
contração do músculo cardíaco em uníssono, isto é, de forma sincronizada.
A presença de um estímulo não significa obrigatoriamente a existência de uma resposta celular, tal como um
humano não responde a todos os estímulos ambientais existentes. Para que uma célula possa responder a
um estímulo externo, a célula tem que conseguir detetar esse estímulo, através de um recetor específico. As
células recebem sinais tanto do meio ambiente, como de outras células.

3.1.1. Evolução da comunicação celular

Um dos mecanismos primordiais de comunicação intercelular diz respeito à comunicação entre células
complementares, para permitir a conjugação e, portanto, a reprodução sexuada. Um dos exemplos mais
antigos, e também um dos melhor estudados, é a conjugação entre as células tipo a e tipo  da levedura de
cerveja Saccharomyces cerevisiae: cada um dos tipos celulares segrega um sinal químico designado fator a e
fator , respetivamente, os quais se ligam a proteínas membranares específicas, designadas recetor de fator
 e recetor de fator a das células complementares.
Sem entrarem nas células os fatores determinam a aproximação das células complementares e a sua fusão
(ou conjugação – reprodução sexuada). Isto é, cada célula produz uma molécula que induz uma resposta
específica por parte de outra célula, neste caso alterações celulares que permitem a conjugação. A nova
célula a/ contém todo o material genético das duas células.
O processo a partir do qual um sinal externo é convertido numa resposta intracelular específica –
habitualmente uma cascata de reações, em série – designa-se via da transdução do sinal. Estas vias são
muito diversificadas, mas envolvem sempre um sinal, um recetor membranar e uma resposta intracelular.
Aparentemente estes mecanismos evoluíram há muito tempo, muito antes da diferenciação dos organismos
multicelulares. Assim, os primeiros mecanismos terão surgidos nos organismos procariotas e nos eucariotas
unicelulares, tendo sido posteriormente adotados pelos organismos multicelulares.
Estes mecanismos continuam a existir nos organismos procariotas, permitindo, por exemplo, a partilha de
informação entre bactérias da mesma população relativamente ao ambiente externo.

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3.1.1.1. Mediadores químicos locais e hormonas


O ambiente onde cada organismo vivo se encontra está cheio de sinais, sejam estes físicos (luz), mecânicos
(toque) ou químicos (odores). Os organismos unicelulares respondem a sinais químicos diminutos que
alteram o seu ambiente. Muitas células dos organismos pluricelular, porém, encontram-se distantes da
superfície dos organismos, não recebendo diretamente os estímulos ambientais. Estas células recebem os
sinais químicos a partir das células adjacentes, as quais exibem junções comunicantes e plasmodesmos que
permitem a ligação direta citoplasma-citoplasma, como abordámos.
Nestes organismos as células comunicam entre si também através da libertação de sinais químicos, dirigidos
a células mais ou menos distantes.
Em muitos outros casos, estes sinais viajam a curtas distâncias; nestes casos a célula transmissora segrega
uma molécula de um regulador local, uma substância que influencia localmente outras células que lhe estão
próximas. Uma classe de reguladores locais nos animais, os fatores de crescimento, é composta por químicos
que estimulam o crescimento e multiplicação de células alvo adjacentes. Muitas células podem receber
simultaneamente o sinal e responder ao mesmo tempo à produção do fator de crescimento por parte de
uma única célula produtora do regulador local – este tipo de sinalização designa-se parácrina.
Outro tipo mais especializado de sinalização local ocorre no sistema nervoso animal – sinalização sináptica.
Neste caso, a célula nervosa produz um sinal químico – o neurotransmissor – o qual difunde para uma única
célula alvo, a qual quase toca na célula emissora, muitas vezes outra célula nervosa, formando uma sinapse.
Como sabemos, a transmissão do impulso nervoso ocorre através de alterações do potencial de membrana,
ao longo do neurónio, constituindo, portanto, um sinal elétrico. Ao chegar ao axónio da célula nervosa
emissora, o sinal elétrico determina a libertação do neurotransmissor para a sinapse, o qual é recebido pela
célula recetora, sem interferir com outras células.
A sinalização autócrina, ainda, é uma forma de sinalização celular na qual uma célula segrega uma hormona
ou um químico que se liga aos recetores da mesma célula determinado alterações nessa célula. Este tipo de
sinalização, de autoestimulação, surge por exemplo em linfócitos T e em células tumorais.

As hormonas interatuam com as células-alvo em zonas remotas dos organismos, sendo, portanto,
transportados na corrente sanguínea no caso dos animais. Nestes, as glândulas endócrinas produzem as
hormonas, as quais podem ser, como vimos, proteínas (ex. insulina), lípidos esteroides (ex. testosterona),
derivados de aminoácidos (ex. adrenalina), entre outras. Este tipo de sinalização designa-se endócrina.
Nas plantas o transporte das hormonas faz-se através de transportadores transmembranares célula a célula,
através dos vasos condutores ou pelo ar, no caso dos químicos gasosos.
As hormonas variam muito no tamanho e no tipo, desde o gás etileno (um alceno com 2 carbonos), existente
nas plantas, o qual promove o amadurecimento dos frutos e auxilia na regulação do crescimento, até à
insulina a qual é constituída por milhares de aminoácidos, a hormona que regula o nível de glicose no sangue.

Fig. 3.1 - Tipos de sinalização, local (parácrina e sináptica) e a longa distância (endócrina).

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3.1.1.2. Mecanismo de sinalização celular


O processo foi descoberto por Sutherland e a sua equipa, quando estudavam o efeito da adrenalina na
libertação de glicose para o sangue. Em altura de stress, as glândulas suprarrenais segregam adrenalina, a
qual determina, entre outros efeitos, a despolimerização do glicogénio em glicose-1-fosfato, o qual é
convertido em glicose-6-fosfato nas células do fígado. A enzima glicogénio-fosforilase remove então o
fosfato, permitindo a mobilização da glicose para o sangue. A ativação da glicogénio-fosforilase é da
responsabilidade da adrenalina. Porém, Sutherland não conseguiu reproduzir o processo num tubo de
ensaio, tendo concluído que a presença da membrana plasmática, intacta, é fundamental para a transmissão
do sinal.

Atualmente conhecem-se os vários estádios envolvidos neste processo:


• Receção – a célula recetora exibe uma proteína transmembranar, a qual exibe um local de ligação
específico ao sinal químico, no lado extracelular.
• Transdução – a ligação do sinal químico altera o recetor proteico, o qual desencadeia uma série de
eventos em resposta à ligação hormona-recetor. Este estádio converte o sinal químico numa
resposta celular específica. Esta resposta pode ocorrer num único passo, mas habitualmente requer
uma sequência de alterações numa série de moléculas distintas – uma via (ou cascata) de
transdução do sinal.
• Resposta - Finalmente, o sinal é traduzido numa resposta específica, a qual pode ser de natureza
muitíssimo variada: a catálise por uma enzima, o rearranjo do citoesqueleto, a ativação de genes
específicos, …

Este processo de sinalização celular permite controlar rigorosamente os processos celulares que ocorrem
em resposta a estímulos externos à célula. Estes processos ocorrem na célula devida, na altura certa e em
coordenação com processos de outras células. Apenas a célula possuidora do recetor específico para um
sinal químico, consegue emitir uma resposta celular a esse sinal.

3.2. Receção do sinal e transdução

A receção do sinal é um mecanismo altamente específico; o reconhecimento de um sinal é semelhante ao


reconhecimento de um substrato por uma enzima – o recetor exibe um local de ligação, o qual se liga ao
sinal, de forma a garantir que cada recetor responde apenas aquele sinal; raramente um sinal emitido por
um recetor específico é recebido por outra célula que não a célula-alvo. Assim, por ex. a adrenalina, é
libertada para a circulação sanguínea, mas é detetada por células específicas, as quais emitem então uma
resposta.
Tal ocorre porque a célula-alvo possui proteínas recetoras específicas que reconhecem o sinal químico. Este
exibe uma conformação (formato) complementar do local de ligação do recetor, ligando-se a ele como uma
chave é específica para uma fechadura, tal como ocorre com o centro catalítico das enzimas ou com o centro
de transporte de um transportador proteico.
O sinal químico funciona, assim, como um ligando – o termo que designa uma molécula de pequenas
dimensões que se liga especificamente a outra molécula maior.
A ligação do ligando ao recetor é reversível, desligando-se rapidamente, o que permite, por um lado, que
rapidamente ambas as moléculas fiquem disponíveis para transmitir novo estímulo; por outro, se a ligação
ligando/recetor fosse permanente, a célula emitiria continuamente uma resposta ao estímulo.
A farmacologia dedica-se a este estudo: os químicos usados como medicamentos funcionam como ligandos,
que se ligam a recetores específicos, desencadeando a resposta desejada.
Um antagonista (ou inibidor) pode também ligar-se a um recetor, em vez do ligando próprio. Existem tanto
antagonistas naturais como químicos, alguns dos quais são responsáveis pela alteração de comportamento
no homem, por induzirem alterações no cérebro. Um exemplo é a cafeína, a qual constitui o estimulante
mais consumido no mundo. No cérebro, a adenosina funciona como ligando de um recetor das células

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nervosas, iniciando uma via de transdução do sinal que reduz a atividade cerebral, em especial a excitação.
A cafeína exibe uma molécula semelhante, pelo que esta se liga ao mesmo recetor, de forma contínua,
impedindo a ligação da adenosina. A cafeína induz, assim, atividade cerebral e excitação contínua no
organismo.
A ligação do ligando determina alteração na conformação da molécula recetora, isto é, a molécula altera o
seu formato. Em muitos casos, esta alteração ativa o recetor o qual então interage com outra molécula,
habitualmente no citoplasma da célula. Noutros casos, a alteração de conformação promove a agregação de
outras moléculas recetoras.

3.2.1.1. Proteínas recetoras


Os ligandos são muito diversificados: alguns podem difundir através da membrana, mas a maioria das
moléculas é solúvel em água e é demasiado grande para conseguirem atravessar a membrana plasmática.
Estas moléculas solúveis interagem com recetores proteicos. Estas moléculas, ao interagirem com o ligando,
alteram o seu formato ou agregam-se, transmitindo o sinal para o interior da célula.
Os recetores proteicos podem classificar-se como ligandos membranares, constituídos por moléculas
grandes ou polares que não atravessam a membrana plasmática pelo que existe um recetor membranar,
com um local de ligação do lado extracelular; os 3 primeiros tipos de recetores abaixo descritos são deste
tipo.
Existem ainda os ligandos intracelulares e são sinais pequenos ou apolares, os quais difundem através da
membrana plasmática, ligando-se a um recetor no citosol. Um exemplo deste tipo é a luz, a qual atravessa a
célula sendo captada por fotorrecetores intracelulares. O último tipo de recetor abaixo descrito é um recetor
intracelular.

3.2.1.1.1. Recetores acoplados a proteína G

O recetor acoplado a proteína G é uma proteína transmembranar, formada por sete segmentos em hélice-
. Estes possuem um sítio de reconhecimento externo ao ligando, sete segmentos transmembranares
helicoidais, e um sítio de reconhecimento interno de proteínas G.
Assim, estes recetores funcionam, em conjunto com uma proteína G, intracelular, a qual está ligada de forma
ténue à membrana. A maioria destas proteínas exibe 3 subunidades polipeptídicas, determinando a
formação de 3 domínios distintos de ligação:
a. Ao recetor
b. GDP e GTP
c. Proteína efetora
A proteína G funciona como um interruptor, que está ligado ou desligado, consoante está ligado a GDP ou a
GTP (guanina trifosfato, um nucleótido semelhante ao ATP). Assim, quando a proteína G está ligada a GDP a
molécula está inativa; quando a proteína G está ligada a GTP a molécula está ativa. Quando um ligando faz
a ligação ao centro ativo do recetor acoplado a proteína G, do lado extracelular, esta molécula é ativada
mudando de conformação. Esta alteração promove a ligação à proteína G, ativando-a: o recetor faz a ligação
a uma zona específica da proteína G inativa, determinando a substituição do GDP por GTP. A proteína G
ativada liga-se então a outra proteína, habitualmente uma enzima (proteína efetora), determinando a sua
ativação, a qual, por sua vez, determina uma resposta.
Estas alterações são temporárias, pelo que a proteína G funciona também como GTPase, transformando GTP
em GDP; isto é, a própria proteína G converte-se em proteína inativa, libertando-se da enzima. A função de
GTPase da proteína G permite a rápida finalização da transdução, assim que o ligando é libertado pelo
recetor.
Estes sistemas são muito comuns na natureza e exercem funções diversificadas: no desenvolvimento
embrionário, receção sensorial (no homem, por ex. a visão e o olfato dependem de proteínas G), regulação
do comportamento e do humor. Por exemplo os recetores de oxitocina (hormona do “amor”) são deste tipo.

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Muitas doenças são causadas por infeções bacterianas que produzem toxinas que interferem com proteínas
G, ex. botulismo e cólera.
Por exemplo, os recetores de proteína-cinases ligam-se frequentemente a fatores de crescimento que
estimulam o crescimento celular em células animais e vegetais. Muitos cancros da bexiga contêm uma forma
anormal de uma proteína (Ras), que é uma proteína G que faz uma ligação permanente a GTP, a qual,
portanto, determina crescimento celular contínuo. A inibição da proteína Ras determina a cessação do
crescimento celular, pelo que estudos têm vindo a ser desenvolvidos por forma a desenvolver inibidores de
células Ras, impedindo assim a proliferação do cancro.

3.2.1.1.2. Recetores com atividade proteína cinase

Um dos sinais químicos mais comuns e mais importantes nos animais são os fatores de crescimento, os
reguladores locais que promovem o crescimento e a reprodução. Como é sabido, a reprodução envolve um
conjunto de atividades como a síntese de citoplasma e de organelos, a duplicação de cromossomas e o
rearranjo dos elementos do citoesqueleto. A regulação celular destes processos é coordenada por um
recetor capaz de desencadear várias respostas simultaneamente. O recetor proteína cinase, possui vários
domínios distintos: um sítio de reconhecimento do ligando, extracelular, um domínio transmembranar
formado por uma hélice-, e um domínio catalítico, do lado citoplasmático, formado por várias enzimas
(proteína-cinases ou tirosina cinases). Cada uma destas enzimas catalisa a transferência de grupos fosfato
do ATP para o aminoácido tirosina da proteína recetora. Estas, por sua vez fosforilam várias proteínas
sinalizadoras simultaneamente, o que determina a ativação, ao mesmo tempo, destas proteínas,
desencadeando portanto várias respostas celulares.

Fig. 3.2 - Funcionamento do recetor de proteína-


cinase (ou tirosina cinase).

O recetor proteína-cinase inativo encontra-se individualizado; porém, após a ligação do sinal químico,
ocorrem 3 passos:
a) Agregação de dois polipeptídeos de recetor, formando um dímero (a proteína ativada é
formada por dois polipeptídeos);
b) A agregação ativa as porções de tirosina cinase existentes nos dois polipeptídeos;
c) Cada polipeptídeo fosforila os aminoácidos tirosina existentes no outro polipeptídeo
(fosforilação cruzada).

Resumindo, a ativação ocorre através da polimerização e fosforilação do recetor.


Após a ativação, a proteína recetora é reconhecida por outras proteínas-alvo, as quais se ligam às tirosinas
fosforiladas, sendo elas próprias ativadas por sofrerem uma alteração de conformação. Cada dímero recetor
pode ativar dez ou mais proteínas, cada uma das quais pode desencadear uma via de transdução de sinal
própria e portanto, desencadear uma resposta celular própria.

Os recetores mais comuns são o recetor de insulina e recetores de fatores de crescimento. Alterações nos
recetores de proteína cinase, os quais se agregam na ausência de ligando determinam o aparecimento de
diversas formas de cancro.

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3.2.1.1.3. Recetores ionóforos (canais iónicos)

São recetores transmembranares ou “canais operados por recetores”. Integram um canal iónico ou ionóforo,
aberto por ligação a um ligando.
São, assim, poros proteicos que abrem ou fecham em resposta a um sinal químico, permitindo ou inibindo o
fluxo de iões específicos como o Ca2+ ou o Na+. Tal como os restantes recetores, também estes exibem um
local específico de ligação ao ligando, do lado extracelular. Esta ligação promove uma alteração de
conformação do canal determinando a sua abertura e portanto alterando a concentração intracelular de um
determinado ião. Cada tipo de ionóforo responde a um sinal específico, incluindo estímulos sensoriais, como
a luz, o som e a corrente elétrica, bem como hormonas ou neurotransmissores.
Este tipo de canal é particularmente importante no sistema nervoso, já que alterações da concentração de
iões são determinantes para a condução do impulso nervoso.
O recetor de acetilcolina, existente na membrana plasmática das células musculares (na junção
neuromuscular), é um exemplo deste tipo de recetor. Este é um canal de sódio, que se liga a acetilcolina
(neurotransmissor), um químico libertado pelos neurónios. A ligação do canal a duas moléculas de
acetilcolina abre o canal por um período curto (um milionésimo de segundo). Tal permite a entrada de sódio
na célula alterando a concentração intracelular e o potencial elétrico. A elevada concentração intracelular
de sódio inicial a sequência de reações que desencadeiam a contração muscular.

3.2.1.1.4. Recetores intracelulares

Alguns recetores celulares são proteínas intracelulares localizados no núcleo ou no citoplasma da célula-alvo.
Para atingir o recetor o ligando precisa atravessar a membrana plasmática, o que pode acorrer por se
tratarem de moléculas pequenas, ou porque são lípidos solúveis na membrana plasmática.
Sinais químicos que possuem recetores intracelulares incluem as hormonas esteroides e as hormonas da
tiroide, nos animais, as quais são lípidos.
Muitos recetores intracelulares são fatores de transcrição. Alguns localizam-se no citoplasma até serem
ativados; após a ligação ao ligando, estes fatores deslocam-se para o núcleo onde se ligam ao DNA e alteram
a expressão de genes específicos.
Por exemplo, a testosterona é segregada nos testículos, entra na circulação sanguínea, sendo transportada
para todas as partes do corpo. As células-alvo possuem recetores intracelulares específicos, pelo que a
hormona atravessa a membrana plasmática, ligando-se ao recetor. A ativação do recetor determina a
ativação de genes específicos no núcleo, os quais promovem o desenvolvimento das caracteres sexuais
secundários masculinos. Com estes recetores, a transdução é realizada diretamente pelo complexo ligando-
recetor.
Com os recetores membranares, que vimos anteriormente, a transdução é constituída por vários passos que
veremos de seguida.

3.2.1.2. Vias da transdução do sinal – cascata de interações moleculares


Existem muitos ligandos distintos e diferentes tipos de recetores. As vias de transdução de sinal são também
muito diversas, algumas relativamente simples, emitindo uma resposta celular simples, outras são muito
mais complexas.
Uma das características da transdução do sinal é que este é feito em passos sucessivos permitindo a
amplificação do sinal. Ou seja, um único ligando pode ser transmitido para múltiplas moléculas, em vários
passos, determinando uma resposta celular muito maior.

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A existência de passos múltiplos permite, ainda, várias oportunidades de coordenação e de regulação da


resposta celular.

A ligação da molécula sinal ao recetor é a primeira reação que desencadeia uma cascata de reações em série
durante a qual as proteínas interagem umas com as outras até, finalmente, ativar a proteína que produz a
resposta celular desejada. Habitualmente são proteínas que se ativam sucessivamente. O genoma dos
organismos complexos, como o homem, codifica centenas de proteína-cinases, as quais regulam
externamente a atividade celular.
É importante recordar que o sinal inicial muitas vezes não entra na célula, mas desencadeia a interação entre
várias proteínas, sendo, portanto, responsável pela emissão de uma determinada resposta celular (ou várias
respostas). Muitas vezes esta interação induz alterações de conformação nas proteínas, as quais ocorrem
por fosforilação.
Desta forma a “informação” é passada para o interior da célula.

3.2.1.3. Fosforilação e desfosforilação de proteínas


A fosforilação de proteínas constitui uma forma muito comum de regulação da atividade proteica. Uma
enzima responsável pela transferência de grupos fosfato do ATP para uma proteína designa genericamente
proteína cinase. Ao contrário do recetor de tirosina cinase, que se fosforila a si próprio, a proteína-cinase
promove, no citoplasma, a fosforilação de proteínas-alvo de dois aminoácidos específicos, serina e treonina.
Existem numerosas proteína-cinases nos animais, plantas e fungos. Muitas delas estão envolvidas nas
cascatas de transdução de sinal e ativam-se sucessivamente.
A cascata de transdução é formada por várias proteínas sinalizadoras, muitas delas proteínas cinases, cada
uma delas fosforilando a seguinte, o que induz uma alteração de conformação determinada por alterações
nos grupos polares ou carregados dos aminoácidos que constituem a proteína. A fosforilação usualmente
ativa a proteína-cinase seguinte a qual fosforila outra proteína-cinase, e assim sucessivamente, até à ativação
final da proteína-alvo (proteína efetora) a qual, ao ser fosforilada, fica ativada promovendo uma resposta
celular.

Cerca de 1% dos genes dos animais codificam proteína-cinases; cada célula possui centenas de tipos
diferentes, cada um atuando especificamente sobre uma proteína diferente. Em conjunto, as proteína-
cinases regulam milhares de proteínas nas células. De entre elas, destacam-se as proteínas que regulam a
divisão celular.
O mau funcionamento destas proteínas desencadeia crescimento celular anormal contribuindo para o
desenvolvimento de cancros.

Para que uma célula responda de forma eficaz a um sinal extracelular, precisa também de possuir
mecanismos para “desligar” a via de transdução do sinal quando o ligando já não está presente. Assim, os
efeitos das proteína-cinases são rapidamente revertidos na célula através de proteína fosfatases, enzimas
que removem grupos fosfato de proteínas. A atividade de uma proteína dependente de fosfato é regulada
pela quantidade de proteína-cinases e de proteína fosfatases que existe na célula, em cada momento.
Quando não existe ligando extracelular, predominam as fosfatases; e então a via de transdução e a resposta
celular terminam.

3.2.1.4. Mensageiros secundários


Nem todas as moléculas envolvidas nas vias de transdução do sinal são proteínas. Algumas moléculas ou iões
pequenos e solúveis, intracelulares, podem estar também envolvidos. Dado que o sinal químico extracelular
(ligando) constitui o mensageiro primário, estes outros sinais químicos intracelulares designam-se

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mensageiros secundários e difundem-se facilmente pela célula já que são pequenos e solúveis. Dois dos
mensageiros secundários mais comuns nos processos de comunicação celular são o AMP cíclico (cAMP) e o
ião cálcio (Ca2+).

3.2.1.4.1. Adenosina monofosfato cíclica - AMP cíclico


Sutherland percebeu que o facto de a adrenalina não entrar na célula para desencadear diretamente a
despolimerização do glicogénio, obriga à presença de uma molécula intracelular que transmita o sinal
(mensageiro secundário) desde a membrana plasmática até à maquinaria metabólica do citosol. Sutherland
percebeu, também, que a libertação de adrenalina aumenta a concentração intracelular de cAMP. Uma
enzima membranar é responsável pela conversão de ATP em cAMP (adenil ciclase) em resposta à produção
do ligando (adrenalina, neste caso). A Adenil ciclase é ativada apenas após a ligação ligando/recetor; assim,
o mensageiro primário (a hormona) causa a ativação de uma enzima membranar (a Adenil ciclase) a qual
sintetiza uma molécula intracelular (o mensageiro secundário – cAMP) que transporta o sinal para o interior
da célula. O cAMP não persiste muito tempo no citoplasma, na ausência da hormona, dado que outra enzima
(fosfodiesterase) converte o cAMP numa molécula inativa (AMP). Para que a concentração de cAMP volte a
aumentar é necessário novo estímulo externo.
O cAMP é, portanto, uma das moléculas envolvidas na via de transdução do sinal; esta molécula
frequentemente, ativa uma proteína-cinase A, uma cinase serina/treonina. A cinase ativada, então, fosforila
outras proteínas, diversas, dependendo da célula em questão.
Além da adrenalina, muitas outras moléculas externas, incluindo hormonas, conseguem ativar o cAMP.
De forma a controlar rigorosamente o metabolismo celular existem, ainda, moléculas inibidoras da adenil
ciclase. Um outro ligando (inibidor) ativa um recetor inibidor, o qual ativa uma proteína G inibidora.

Figura 3.3 – AMP cíclico: é formado a partir de ATP através da ação da adenil ciclase, uma enzima membranar. Esta
enzima é ativada pela ligação do ligando ao recetor membranar. O cAMP exibe apenas um grupo fosfato e atua
como mensageiro secundário que transporta o sinal desde a membrana até ao citoplasma. O cAMP é desativado
através da enzina fosfodiesterase, a qual converte a molécula ativa (cíclica) em molécula inativa (5’-AMP).

Por exemplo, a infeção provocada pela bactéria Vibrio cholerae, atua sobre estes mecanismos provocando
cólera. A infeção dá-se através do consumo de água contaminada. A bactéria instala-se no intestino delgado
e produz uma toxina, a qual modifica quimicamente a proteína G envolvida na regulação da secreção de sais
e de água. Uma vez que esta proteína G modificada não hidrolisa GTP em GDP, permanece na forma ativada,
estimulando de forma contínua a produção de cAMP. A elevada concentração do mensageiro secundário na
célula do intestino determina a secreção de elevadas concentrações de sais e de água para o lúmen do
intestino. A pessoa infetada desenvolve, portanto, uma forte diarreia e pode morrer rapidamente, na
ausência de tratamento, por desidratação e escassez de sais.

3.2.1.4.2. Iões cálcio e mensageiros secundários derivados de lípidos


Muitos sinais externos, incluindo neurotransmissores, fatores de crescimento e algumas hormonas, induzem
respostas celulares na via de transdução do sinal que aumenta a concentração citosólica de iões cálcio. De
facto, este ião é ainda mais comum, enquanto mensageiro secundário, do que o cAMP.
Nas células animais, o aumento da concentração de Ca2+ no citosol induz muitas respostas celulares,
incluindo a contração muscular, a secreção de substâncias e a divisão celular. Nas células vegetais, o Ca2+ é

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usado como mensageiro secundário nas vias de transdução do sinal relacionadas com a reação ao stress
ambiental, como o frio e a seca.
As células usam o Ca2+ como mensageiro secundário tanto de proteínas G como de recetores tirosina.
O Ca2+ funciona como mensageiro secundário porque, apesar de existir sempre uma pequena concentração
deste ião no citosol, a sua concentração é muito inferior à existente no meio extracelular. De facto, a
concentração do Ca2+ no sangue e no meio extracelular pode ser 10.000 vezes superior à concentração
intracelular. Os iões Ca2+são transportados para o exterior e também para o retículo endoplasmático, como
vimos, para a mitocôndria e o plastídeo, por transporte ativo. Dada a baixíssima concentração de Ca2+ no
citosol alterações pequenas na sua concentração alteram significativamente a sua percentagem.
Como resposta a um sinal externo desencadeia-se uma via de transdução de sinal que promove o aumento
da concertação de Ca2+ intracelular, geralmente a partir do retículo endoplasmático.
Esta via de transdução do sinal envolve duas outras moléculas derivadas de lípidos: diacilglicerol (DAG) e
inositol trifosfato (IP3). Estes dois mensageiros são também mensageiros secundários, produzidos a partir
da clivagem de um tipo de fosfolípido da membrana plasmática. Uma vez que o DAG atua antes do Ca2+, este
deveria, na verdade, ser um mensageiro terciário. Porém, usa-se a classificação mensageiro secundário para
todas as moléculas intracelulares não proteicas envolvidas no processo.

O processo inicia-se pela ligação de um mensageiro primário a um recetor de proteína G ou a um recetor de


tirosina cinase. A ligação do ligando ao recetor desencadeia a ativação de uma enzima específica designada
fosfolipase, a qual cliva o fosfolípido (fosfatidilinositol difosfato – PIP2). O fosfolípido, como todos os
fosfolípidos exibe uma porção apolar, formada por duas caudas hidrofóbicas, as quais formam o diacilglicerol
(DAG); a porção hidrofílica do fosfolípido origina o inositol trifosfato (IP3).

Ambos podem funcionar como mensageiros secundários e ativam, de forma própria, proteína-cinases C
(PKC), uma família de proteínas que fosforilam uma grande variedade de moléculas. A molécula IP3 difunde
rapidamente no citosol, ligando-se a um canal de cálcio que exibe um centro ativo para esta molécula. Esta
ligação ativa o canal de Ca2+, o qual entra no citosol por difusão facilitada, aumentando a concentração do
ião no citosol.
No passo seguinte, o Ca2+ ativa vários tipos de proteínas, por vezes via calmodulina, uma proteína ubíqua
que exibe 4 centros ativos de ligação ao Ca2+. A calmodulina pode representar 1% da proteína total nos
eucariotas e medeia muitos processos regulados pelo Ca2+. A ligação da proteína ao ião ativa-a, promovendo
a ativação ou inativação de outras proteínas, especialmente proteína-cinases e fosfatases.

3.2.1.5. Resposta celular


O objetivo da via de transdução do sinal é, evidentemente, promover a regulação de uma ou mais atividades
celulares. Estas podem ocorrer no citosol, como o rearranjo dos elementos do citoesqueleto, a abertura ou
encerramento de ionóforos, ou outros aspetos do metabolismo celular.
No caso da adrenalina, a resposta final é a despolimerização do glicogénio em glicose-1-fosfato.
Muitas outras vias de transdução de sinal, porém, regulam não a atividade de uma enzima, mas a síntese de
enzimas ou de outras proteínas, através da ativação ou desativação de genes específicos. Proteínas especiais,
designadas fatores de transcrição controlam quais os genes que são ativados e portanto, aqueles genes que
serão transcritos em mRNA, numa determinada célula num dado momento.

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A atividade do fator de transcrição é regulado por uma via de transdução do sinal que termina no núcleo. As
moléculas envolvidas são as mesmas proteínas ativadoras, proteínas cinases, etc., utilizadas nas restantes
vias de transcrição do sinal.
O mau funcionamento destas vias de fatores de transcrição pode desencadear cancros.

3.2.1.5.1. Amplificação do sinal


Em cada passo catalítico da via de transcrição do sinal, o número de produtos ativados é muito superior ao
do passo precedente. Por exemplo uma molécula de adrenalina ativa 100 proteínas G. Cada proteína G ativa
uma Adenil ciclase, a qual produz 100 moléculas de cAMP. Assim, uma molécula de adrenalina determina a
produção de 10.000 moléculas de cAMP. Por seu lado cada cAMP produz 10 fosfolipase cinase que, cada
uma das quais por seu lado produz 10 glicogénio fosforilase. No final são produzidas 108 moléculas de glicose-
1-fosfato, para cada molécula de adrenalina.
Através deste processo, portanto, uma única molécula de ligando permite ativar respostas celulares muito
mais abundantes.

3.2.1.5.2. Especificidade do sinal


Um organismo pluricelular, como um animal, exibe diferentes tipos celulares, todos eles em contacto com a
circulação sanguínea. As células estão expostas a muitas hormonas e outros sinais distintos. A resposta a
cada uma destas moléculas não é, porém, idêntica para todos os tipos celulares. Alguns tipos celulares
ignoram determinados sinais e respondem a outros. Dois tipos celulares distintos podem também reagir ao
mesmo sinal químico emitindo respostas diferentes. Por exemplo, uma célula do fígado reage à adrenalina
promovendo a libertação da glicose, mas uma célula do coração contrai-se para aumentar o batimento
cardíaco.
Isto acontece, uma vez mais, porque cada tipo celular exibe proteínas próprias. A resposta de uma célula a
um sinal depende de possuir o conjunto adequado de recetores, proteínas-alvo, e outras proteínas
necessárias para promover uma determinada resposta. Portanto, se dois tipos celulares emitem uma
resposta distinta ao mesmo ligando, significa que, mesmo que algumas proteínas sejam idênticas, cada tipo
celular exibe um conjunto diferente de proteínas envolvidas no processo.

Este processo pode ser complicado dado que, além de proteínas distintas, poderem ocorrer processos de
ramificação de vias metabólicas, processos de interferência entre vias de transdução distintas ou ainda
processos de inativação.
A possibilidade de utilizar as mesmas moléculas permite a economia de moléculas. A ramificação de vias
metabólicas, porém, por vezes determina que alterações na proteína específica tenha efeitos múltiplos na
célula. Por exemplo, uma doença designada síndrome de Wiskott-Aldrich que se deve à ausência de uma
proteína-alvo específica, tem efeitos como leucemia, predisposição para sofrer infeções, eczema,
sangramento, etc. A proteína-alvo ausente desempenha várias funções na célula, desde interação com
elementos do citoesqueleto, até interação com vários componentes de diferentes vias de transdução. A
proteína é tanto uma zona de ramificação de vias de transdução como um ponto de interceção de uma
complexa rede de vias de transdução que controlam o comportamento imunocelular.

3.2.1.5.3. Comunicação do sinal ao núcleo


O objetivo da via de transdução do sinal é, frequentemente, a transmissão do estímulo externo até ao núcleo,
promovendo a ativação de genes específicos, e, portanto, a produção proteica, de forma a promover uma
resposta adequada e específica a esse estímulo.

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3.2.1.6. Regulação da via de transcrição do sinal

Existem várias formas de regulação da atividade de uma molécula envolvida num processo de transdução. A
maioria das moléculas é controlada pela concentração de cálcio ou de outros iões, como vimos. Existem,
ainda, mecanismos de inativação molecular, os quais são fundamentais para a regulação da célula. Por
exemplo, as proteína-cinases, as proteínas G e o cAMP possuem enzimas que os inativam.
Para que um organismo seja capaz de responder eficazmente, os sinais e moléculas envolvidas nestes
mecanismos precisam estar ativados apenas um curto período de tempo. Para que a célula continue a
receber sinais externos e a regular os processos de forma eficaz, precisa de ser reversível, isto é, as moléculas
ativadas regressam ao seu estado inativo rapidamente, ficando de novo disponíveis para nova via de
transdução do sinal. O balanço entre as enzimas ativadoras e as enzimas inativadoras determina a resposta
da célula.

Estes processos são fundamentais para, por exemplo, a regulação da reprodução vegetativa e da divisão
celular.

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Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.

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