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A “teoria das ondas” (Freston, 1993) é um recurso pedagógico que contribui com a compreensão deste
quadro. Porém, se inicialmente as ondas já eram difusas, na atualidade, o “caos teórico” ainda é mais
grave. Na “primeira onda”, que se deu nas quatro primeiras décadas do século XX, temos o chamado
“pentecostalismo clássico”; a “segunda onda” ocorreu nas décadas de 1940 a 1980; a “terceira onda”
ocorreu a partir dos anos 1980 com a predominância do que se denominou “neopentecostalismo”. Em um
país de maioria rural, semiletrado, como o Brasil do início do século XX, essas expressões religiosas
encontram um campo vasto para se desenvolver pois tem crenças próximas da religiosidade popular do
mundo espiritual.
As duas principais igrejas pentecostais no Brasil são Congregação Cristã no Brasil (CCB), fundada em
1910, e Assembleias de Deus (ADs), fundadas em 1911. Ambas têm similaridades, pois foram fundadas
por migrantes europeus pobres que conheceram a doutrina pentecostal nos EUA. Contudo, ironicamente,
são visceralmente distintas. São idênticas na pentecostalidade (ainda hoje), mas absolutamente
diferentes modelos dos pentecostalismos (muito mais hoje). (Ver Glossário Pentecostalismos)
A CCB nasceu no Sudeste, fundada por Louis Francescon (1866-1964). De origem presbiteriana, é uma
igreja étnica italiana, mantém ainda hoje as mesmas marcas estéticas na construção dos templos, liturgia
inalterada e absoluto apoliticismo. Não produz nenhum tipo de teologia escrita, publica apenas um livro
sobre a construção de templos e um hinário. Não tem editora, gravadora, não faz nenhum tipo de
proselitismo e sua estrutura eclesiástica se limita ao Conselho de Anciões e ao obreiro ou ancião local,
tudo a partir da “revelação divina”. A CCB é, ainda hoje, como gosta de se autodenominar, uma
“irmandade”.
As ADs, surgiram no Norte, fundadas por dois suecos, Gunnar Vingren (1879-1933) e Daniel Berg
(1884-1963). De origem batista, abrasileirada desde o início, se espalhou acompanhando a migração
interna. Praticamente passou despercebido das pesquisas o que Samuel Valério (2022) vai denominar de
“pentecostalismo étnico” – igrejas batistas suecas que formaram a Convenção Batista Independente
(CEBI), nascida em 1912. E isto por uma razão explícita: igreja pequena, de origem sueca, restrita ao sul e
que teve pouquíssimo crescimento. Semelhante situação ocorreu com a Igreja de Cristo, surgida em 1930,
no Nordeste, e com muitas outras que tiveram impacto apenas regional.
Se os pentecostalismos como expressões sociais são distintos, a pentecostalidade deles teve pouca
mudança. Houve pequena alteração na irmandade homogênea da CCB, mas há muita diversidade nos
assembleianismos heterogêneos. Ademais, a CCB, além de étnica é calvinista, baseada na doutrina que
entende que Deus já predestinou os salvos e os perdidos.
As ADs, por sua vez, são arminianas, doutrina que diverge do calviismo e entende que as pessoas podem
aceitar ou rejeitar a mensagem da salvação, por causa da herança sueca e sempre foram refratárias à
institucionalização. Assim, cresceram desordenadas, sem uma liderança unificada, e tem um nome único
para diversos grupos.
Diferentes das ADs no mundo, as do Brasil, além das Convenções Nacionais (distintas e divergentes) tem
nas lideranças carismáticas dos pastores presidentes seus centros de poder, sendo estes, absolutos e
vitalícios nas sedes dos Ministérios (conglomerado de igrejas com uma igreja sede). Nas ADs, então, há
diversos “assembleianismos” (Alencar, 2018) em aggiornamento (Costa, 2018) com “esgarçamento
ministerial” (Fajardo, 2018), lideradas por “dinastias assembleianas” (Correa, 2018).
Nessas décadas o Brasil se urbanizou, industrializou e iniciou a expansão dos meios de comunicação. As
três igrejas que se destacaram foram marcadas pela presença na mídia, como a Igreja Brasil para Cristo
(1955), Igreja Pentecostal Deus é Amor (1962), ambas brasileiras, e a Igreja do Evangelho Quadrangular
(1951), vinda dos EUA.
Não é possível delimitar, nesse período, o número de igrejas, suas características, se a heterogeneidade
dos pentecostalismos se acentuou ou se houve mudanças até na pentecostalidade. A glossolalia perdeu
sua importância, a cura tomou a prioridade e o exorcismo que sempre existiu (e ainda existe) – tornou-se
público e midiático, passando a ser uma nova marca.
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Pentecostalismos no Brasil - Religião e Poder https://religiaoepoder.org.br/artigo/pentecostalismos-...
Na década de 1960 nasceu, na Igreja Católica, a Renovação Carismática Católica (RCC). Também
aumentou a diversidade protestante, pois, em quase todas as denominações herdeiras da Reforma
surgiram “grupos renovados” que podem não ser pentecostais no sentido pleno, mas possuem marcas da
pentecostalidade: Igreja Presbiteriana Renovada (1975), Igreja Metodista Wesleyana (1967), a Convenção
Batista Nacional (1965) e muitas outras.
O prefixo neo não dá conta da complexidade que representa estas formas de pentecostalismo pois muito
do que apareceu não era novo, mas antigas práticas remodeladas. Se nas décadas anteriores foi difícil
delimitar, no Brasil urbano e pós-ditadura militar, é impossível saber quantos pentecostalismos ou
quantas igrejas pentecostais existem.
A pesquisa Novo Nascimento do ISER, do início dos anos 1980, indicava que a cada semana surgia uma
nova igreja pentecostal, mas nenhuma pesquisa, até o momento, conseguiu contabilizar quantas fecham,
mudam de nome ou alteram sua pentecostalidade. Nesse momento histórico, tanto pelo gigantismo
quantitativo, quanto pela complexidade teológica, não há teorização que consiga organizar o campo. No
entanto, em função da visibilidade midiática e presença quantitativa, indicamos as seguintes
representantes do neopentecostalismo: Igreja Nova Vida (1960), Igreja Universal do Reino de Deus
(1977), Igreja Internacional da Graça de Deus (1980), Igreja Apostólica Renascer em Cristo (1986) e
Comunidade Evangélica Sara a Nossa Terra (1992).
Além dessas foram criadas centenas ou milhares de outras igrejas: (1) algumas surgiram e fecharam em
pouco tempo; (2) algumas mudaram de nome; (3) algumas são apenas locais/regionais; (4) outras
mantém apenas alguns aspectos da pentecostalidade, mas ignoram ou excluem outros; (5) algumas são
pentecostais, mas não sabem; (6) algumas são pentecostais, mas não assumem; (7) algumas eram
pentecostais, deixaram de ser e depois retornaram a ser, mas continuam não sendo.
Desta forma, nesses “tempos líquidos” talvez identifiquemos algumas expressões de “pentecostalismos
líquidos”, não necessariamente como Bauman tematizou, mas exatamente como os estados da água: às
vezes são sólidos, às vezes líquidos, às vezes gasosos e alguns em evaporação.
Temas em curso
Hoje, nas periferias das cidades, grupos pentecostais crescem e disputam o campo religioso com as
religiões de matriz afro-brasileira. Apesar de os pentecostalismos terem nascido entre os negros nos EUA
e nas periferias marginas de migrantes europeus/nordestinos, o grupo PPPP, “pobres, pretos, periféricos
e pentecostais” (Alencar, 2017) sempre foi alvo de preconceitos e perseguição, mas deixou de ser
perseguido para ser tornarem perseguidores.
Pierucci (2006) fez uma provocação: religião não é um espaço de coesão, mas, ao contrário, é produtora
de divisão. Religião é solvente, não cimento; é dissenso, não consenso; traz tensão, não harmonia. Os
pentecostalismos celebram os rompimentos étnicos, matizados por novos agrupamentos, interesses e
sectarizações; é uma forma de “religião em movimento” (Léger, 2008) que desconsidera a “tradição
herdada” em benefício de novas experiências e valores. São expressões religiosas com pretensões
hegemônicas sendo, então, intolerantes e bélicas. Assim, parece, que chegamos à distopia de um “Brasil
terrivelmente evangélico”. Comprovadamente terrível, inexplicavelmente evangélico.
Gedeon Freire Alencar é mestre e doutor em Ciências da Religião e professor da Faculdade Teológica
Batista de São Paulo.
ALENCAR, Gedeon Freire.– Matriz Pentecostal Brasileira. Assembleias de Deus – 1911-2011. Rio de
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ALENCAR, Gedeon Freire. Reforma Protestante e Pentecostalismos no Brasil: Agora são outros 500?. In
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Pentecostalismos no Brasil - Religião e Poder https://religiaoepoder.org.br/artigo/pentecostalismos-...
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CARRANZA, Brenda – Renovação Carismática Católica. Origens, mudanças e tendencias, Aparecida, Ed.
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Disponível em: http://www.usp.br/revistasexta/files/n8-web_1.pdf
SITES
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Pentecostalismos no Brasil - Religião e Poder https://religiaoepoder.org.br/artigo/pentecostalismos-...
/ponitifical_councils/chrstuni/index.htm
http://storage.cloversites.com/societyforpentecostalstudies/documents/article_index.pdf
Para assistir
Filme: Santo Forte (1999). Direção: Eduardo Coutinho. Lançamento: 19 de novembro. Gênero:
Documentário. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bf9-GiJfwog
Filme: Híbridos (2018). Um projeto de Priscilla Telmon & Vincent Moon, produzido por Petites
Planètes. Gênero: Documentário https://hibridos.cc/po/themovie/
Filme: “Santa Cruz” (2000). Direção: João Moreira Salles. Gênero: Documentário.
https://www.youtube.com/watch?v=d-PjHpahJzY
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