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UNIVERSIDADE PAULISTA

Práticas Sociais e Subjetivas – 2021


Registro de Observação
N° 1

Nome: Victória Pinho de Queiróz

RA: F121IF-3

Data:10/09/2021
Total de Horas: 5 Horas

Tema: Trabalho
Local: Andanças pelo bairro.

Descrição:
São 06:50 e meu despertador toca, abro os olhos, sinto
aquela leva preguiça habitual. Luto contra ela, me dirijo ao
banheiro, faço minhas necessidades, escovo meus dentes,
coloco um short, uma camiseta e meu tênis de correr. Mais
um dia se inicia e com ela minha rotina.
A rua – como quase todas as vezes – está vazia, com
exceção do cantar dos pássaros. Viro o quarteirão e me dirijo
a avenida, onde toda a movimentação acontece. Inúmeras
pessoas correndo, caminhando, andando de bicicleta, o vai
e vem de carros, motos, caminhões, ônibus etc.

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Paro na faixa de pedestre esperando que o sinal feche,
observo o céu e a vista da represa. Acho curioso o tanto de
pessoas que passam por aqui sem observar a vista. Estão
elas focados demais em seus afazeres? Ou simplesmente
se esqueceram do quão bom é olhar o céu? O sinal abre,
começo a atravessar a avenida, do outro lado outras quatro
pessoas fazem o mesmo.
Umas com uma vestimenta mais sport, outras casuais.
Avanço e um pouco a frente há um ponto de ônibus - esta
avenida está lotada deles – inúmeras pessoas aglomeradas.
Há feições de todos os tipos, serias, preocupadas, irritadas,
distraídas... difícil distinguir quais delas estão a caminho do
trabalho.
Continuo seguindo meu caminho, há duas faixas. Uma
para bicicleta, outra para quem caminha. Posso ver que
algumas pessoas não respeitam a “regra” e caminham pela
ciclo faixas tranquilamente, por algumas vezes ciclistas
precisam fazer manobras para desviar das pessoas, me
pergunto, é falta de noção? Ou as condições da pista para
bicicletas é de fato mais favorável para corrida? Não sei,
talvez seja. Ou talvez estejam tão imensas em seu mundo
particular, incapaz de ser empáticas ou observar a sua volta.
Só sei que não importa o horário ou dia que eu realize minha
corrida, há sempre pessoas fazendo o mesmo. Começo a

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transpirar, sinto o suar descer pelas minhas costas, é hora
de diminuir o ritmo.
A parte de sair para correr que mais odeio é o assédio
sexual por parte dos homens que passam em seus carros
ou motos. Apesar de cruzar com diversas pessoas que
aparentemente fazem o mesmo que eu - exercícios matinais
– todas elas se vestem de uma forma completamente
particular, roupas de academias ou roupas largas. Uma
única atividade, milhares de formas ao se vestir e portar.
Atrelado a essas pessoas que se exercitam. Comércios
começam a abrir. Uns trabalhando intensamente. Outros
parecem calmos e observam a rua. Passo por um bicicletário
que há uma mulher escorada na porta, com os braços
cruzados apenas observando a rua e trocando “bom dia”
com quem passa. Soa até como se tivesse gozo neste feito.
É curioso como cada um possui um ritmo. Seja andando de
bicicleta, correndo ou iniciando seu trabalho.
Por muitas vezes troco olhares com pessoas que
desconheço. Me pergunto se havia estas impressões antes
ou se estou de fato notando estes comportamentos por estar
observando? Sinto que sim, me vem um sentimento de que
a quarentena trouxe isso, estar conecta com o presente e
atenta aos detalhes.

Percepções do Observador/Análise Teórica:

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O processo de observação sempre traz o rotineiro
sentimento - estamos evoluindo como humanos ou
regredindo? - Estaríamos nos usando nosso livre arbitro da
forma correta?
Em Modernidade Liquida, Bauman cita:

“Libertar-se” significa literalmente libertar-se de algum tipo de grilhão que obstrui ou impede
os movimentos; começar a sentir-se livre para se mover ou agir. “Sentir-se livre” significa não
experimentar dificuldade, obstáculo, resistência ou qualquer outro impedimento aos
movimentos pretendidos ou concebíveis. Como observou Arthur Schopenhauer, a “realidade” é
criada pelo ato de querer; é a teimosa indiferença do mundo em relação à minha intenção, a
relutância do mundo em se submeter à minha vontade, que resulta na percepção do mundo
como “real”, constrangedor, limitante e desobediente. (BAUMAN 2001, pág.19)

Estariam nós vivendo um sonho que não é nosso? Uma


falsa liberdade onde temos o poder de escolha para infinitas
coisas, mas raramente nos sentimos complemente e
satisfeitos. Vivemos uma realidade onde somos aquilo que
temos e nossa vivência é baseada em dar check em uma
lista de afazeres preestabelecido para o decorrer do ano. É
importante dizer que estas metas só podem ser reais para
aqueles que possuem uma estrutura para realizar tal jeito.
Pessoa que moram em comunidades, situação de rua, ex
presidiários etc., raramente podem sonhar e ter o poder de
realizar feitos espontâneos. O capitalismo nos trouxe a
sensação de que para ser é preciso ter. Para se ter liberdade
há um preço a se pegar.

Uma dessas questões é a possibilidade de que o que se sente como liberdade não seja
de fato liberdade; que as pessoas poderem estar satisfeitas com o que lhes cabe mesmo
que o que lhes cabe esteja longe de ser “objetivamente” satisfatório; que, vivendo na

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escravidão, se sintam livres e, portanto, não experimentem a necessidade de se libertar,
e assim percam a chance de se tornar genuinamente livres (...) (BAUMAN 2001, pág.
20)

Pessoas que vivem em situação de pobreza aprendem


desde muito novas que a única forma de terem dignidade é
sendo bons trabalhadores. A ideia vendida de que “O
trabalho dignifica o homem” faz com que haja uma certeza
inconsciente de que não há outra forma de viver, outros
parâmetros para se aproveitar a vida e a liberdade.

Referências Bibliográficas:

Observação – Bairro Interlagos – Avenida Atlântica (das


06h50 às 08:30).

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução:


Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

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