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Gilson Santos
“É talvez desejável que cada igreja e cada indivíduo tenham, cuidadosamente desenvolvido e
escrito, em concisa e expressiva linguagem, o que entendem que as Escrituras lhes ensinam.”
(Edward T. Hiscox, The Baptist Church Directory)
1
Betty Antunes de Oliveira é a historiadora que levantou o melhor acervo documental acerca das Igrejas de
Santa Bárbara e Estação de Santa Bárbara, tendo realizado profundo, abrangente e competente trabalho de
pesquisa historiográfica. Seu cuidadoso e metódico trabalho reuniu um número abundante de fontes primárias.
Cf. OLIVEIRA, Betty Antunes de Oliveira. Centelha em Restolho Seco; Uma contribuição para a História dos
Primórdios do Trabalho Batista no Brasil. São Paulo: Edições Vida Nova, 2005, 768 p. Questionada acerca da
Confissão de Fé adotada pelos batistas em Santa Bárbara, Betty Oliveira escreveu ao autor deste artigo em 29
de janeiro de 2005: “Respondo à sua pergunta sobre Confissão de Fé: não encontrei nada, nem mesmo em
mala velha em sótão de casa antiga, como não localizei pedaços de livros de Atas das duas igrejas de Santa
Bárbara, SP; nem no arquivo da Junta [de Richmond], nos EUA. (...) O tempo e buscas poderão ainda trazer
documentos que estão guardados em algum lugar”.
2
Cf. Livro do Centenário da Primeira Igreja Batista do Brasil (1882 – 1982). Salvador: Primeira Igreja Batista, 81
p. Itálicos nossos. Cf. ainda OLIVEIRA, op. cit., pp. 282-284.
3
Cf. AZEVEDO Israel Belo de. “Coluna e Firmeza da Verdade”; História da Primeira Igreja Batista do Rio de
Janeiro (1884-1984). Rio de Janeiro: Primeira Igreja Batista, p. 140.
4
Idem, p. 141.
5
Edward T. Hiscox apensou a Confissão de Fé de New Hampshire em seu Standard Manual e em seu New
Directory, fazendo ampliações em cada tempo. De fato, o inteiro capítulo de Hiscox sobre as “Doutrinas” da
igreja serviu de base para o trabalho de tradução da Confissão de Fé de New Hampshire, que foi empreendido
especialmente por Zachary C. Taylor (1850-1919).
6
Conforme fac-símile da ata fornecido ao autor deste artigo pela Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro.
Fizemos apenas a atualização ortográfica, embora mantendo a original estrutura de linguagem. O texto
consiste da tradução literal dos três primeiros parágrafos do capítulo XVI do livro de Hiscox. Cf. HISCOX, Edward
T. The Baptist Church Directory; A guide to the doctrines and practice of Baptist Churches. New York: Sheldon
and Company, 1870, pp. 152-153. Livro originalmente publicado em 1859.
7
NESS, I. J. Van. Treinamento dos Membros da Igreja. 6. ed. Trad. Almir S. Gonçalves. Rio de Janeiro: Casa
Publicadora Batista, 1959, p. 17.
A Confissão de New Hampshire é curta, não curta demais, nem tão longa demais
para ser estudada e conhecida pelos batistas (...). A Confissão de Filadélfia, por
outro lado (...) é demasiadamente longa para uso conveniente entre as igrejas”.9
8
Cf. FAIRCLOTH, Samuel D. Esboço da História dos Baptistas; Súmula do livro A History of the Baptists, por
Torbet. Leiria, Portugal: Edições Vida Nova, 1959, p. 220.
9
BRATCHER, Robert. “Declaração de Fé dos Batistas Brasileiros”. O JORNAL BATISTA, Rio de Janeiro,
11/dez./1952, p. 2.
10
Cf. SCHAFF, P. The Creeds of Christendom, with a History and Critical notes. Volume I. Londres, 1877.
11 A Fórmula de Concórdia foi elaborada por uma equipe de teólogos luteranos em 1577, e finalmente, em 25
de junho de 1580, cinqüenta anos após o dia da leitura de Confissão de Augsburg diante de Carlos V, o Livro de
Concórdia completo, com todos os manuais e documentos, foi colocado em circulação. É aceito pelos
Luteranos como exposição correta das Sagradas Escrituras. Cf. LIVRO DE CONCÓRDIA, As Confissões da Igreja
Evangélica Luterana. 4. ed. Tradução e notas de ARNALDO SCHÜLER. São Leopoldo: SINODAL / CONCÓRDIA,
1993, 686 p.
12
LUMPKIM, William L. "Baptist Confessions of Faith". In: Encyclopedia of Southern Baptists; A comprehensive
Supplement Updating. Nashville: Broadman Press, 1958, vol. I, pp. 305-306.
conformes com este Pacto e os Artigos de Fé transcritos e fixados neste livro passamos a
(sic) assiná-los”.13
A Confissão de Fé é a transposição para o papel das convicções bíblicas; reflete uma
honestidade e determinação em confessar e expor firmemente nossas doutrinas. A
Confissão de Fé é fruto de uma Bíblia aberta, lida e explicada! A leitura da Escritura requer
uma interpretação. Quando a lemos, naturalmente, interpretamos. Uma igreja não pode
seguir cegamente a interpretação particular de nenhum erudito (mesmo o mais preparado),
nem mesmo entregar-se à confusão individualista de múltiplas interpretações particulares,
porém conscientemente seguir o consenso. As figuras bíblicas de Igreja, tais como “corpo”,
“família” e “edifício” requerem isto.
As Confissões de Fé, naturalmente, são composições humanas e, portanto, de
autoridade limitada e relativa. Elas não se coordenam com a Escritura, mas sempre se
subordinam a ela. A Bíblia é sempre a regra infalível de fé e prática, e o “último tribunal de
recursos”. E o valor da Confissão de Fé dependerá da medida de sua concordância com as
Escrituras. No melhor dos casos, o credo humano é apenas uma aproximada e relativamente
correta exposição da verdade revelada, e pode ser proveitoso para o progressivo
conhecimento da Igreja, enquanto a Bíblia permanece perfeita e infalível. “A Bíblia é de
Deus; a Confissão é a resposta do homem à palavra de Deus”, diz Schaff.14
Finalmente, embora amparado num raciocínio não muito claro, pode-se ver que o uso
prático das Declarações de Fé entre os batistas no Brasil será mais no campo apologético.
Pensa-se na Confissão como um recurso para a expressão da identidade. Porém, uma
identidade que se firma a partir da distinção. Por que uma Confissão de Fé? A resposta:
"porque diferentes pessoas entendem e interpretam diferentemente a Bíblia, e
desenvolvem doutrinas contraditórias das mesmas Escrituras". E ainda mais: "são
importantes como um estandarte de referência e informação". E finalmente: "são também
um método conveniente de determinar, quer a fé de outros concorde com a sua, quer seja
contrária". Primariamente (embora não exclusivamente), pensa-se entre os batistas no Brasil
que a Confissão de Fé presta-se para estabelecer a nossa distinção dos demais.16
Desenvolveu-se aqui uma concepção de uso da Confissão de Fé, não tanto como um
instrumento de edificação, didático, catequético, ou um guia para a ministração pastoral,
mas um recurso para o tempo da polêmica. Uma ferramenta eventual, e não para o dia-a-
2. DESFAZENDO UM EQUÍVOCO
Cinco dias após a organização da Igreja no Rio, W. B. Bagby (1855-1939) escreveu uma
carta à Junta de Richmond:
Batista (The Baptist Church Manual), livro largamente divulgado nos Estados Unidos. Portanto, de Filadélfia,
onde estava sediada a Sociedade Publicadora, esta Declaração de Fé foi amplamente disseminada, tornando-se
nacionalmente conhecida. Posteriormente foi publicada em várias outras obras.
19
CRABTREE, A . R. História dos Baptistas do Brasil até o ano de 1906. Vol. I. Rio de Janeiro: Casa Publicadora
Batista, 1937, p. 75. O historiador menciona que três novos convertidos uniram-se ao rebanho no Rio,
"animando e fortalecendo a pequena igreja que adotara os artigos de fé de Filadélfia e nutria a esperança de
crescer como crescera a igreja da Bahia" (itálicos nossos).
20
Cf. GINSBURG, Salomão. Um Judeu Errante no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1970, p.
72. Obra escrita em inglês em 1921, e traduzida para o português em 1931 por Manuel Avelino de Souza
(1886-1962). Original: A Wandering Jew in Brazil: An Autobiography of Solomon L. Ginsburg. Nashville: Sunday
School Board, Southern Baptist Convention, 1922.
21
Ao referir-se a Confissão de Fé prevista nos estatutos da igreja, foram registradas informações mal
relacionadas: "Trata-se da Confissão de Fé de New Hampshire, como declarado nos mesmos Estatutos, e que
foi promulgada nos Estados Unidos, em 1832, pelas Igrejas Batistas do estado de Filadélfia (sic)." Cf. AZEVEDO,
op. cit., nota 1, capítulo 4, p. 118.
Contudo, este último equívoco – supor que a Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro
subscrevia uma Confissão de Fé que não a mesma adotada pela Convenção – trazia
subjacente o assentimento com uma verdade: uma igreja local, ainda que cooperante com a
Convenção, poderia adotar para si mesma uma outra Confissão de Fé Batista que não
exatamente aquela subscrita pelo corpo convencional (no caso, a Confissão de New
Hampshire). Para aqueles que cometeram o equívoco supracitado, o fato de uma Igreja
cooperante com a Convenção adotar a Confissão de Filadélfia não era algo incompatível.
Bratcher, Reis Pereira e os demais que assim se equivocaram, parecem pressupor esta
legitimidade, embora soubessem dos tons fortemente calvinistas da Confissão de Filadélfia.
Conquanto considerassem tal fato "interessante", sustentaram a liberdade da Igreja local em
“aceitar” uma outra Confissão de Fé Batista. E ainda mais: isto nos sugere sua pressuposição
de que as duas Confissões (Confissão de Filadélfia e Confissão de New Hampshire) tinham
um núcleo comum básico que satisfazia à Convenção, e que uma não estaria em desacordo
essencial com a outra.
22
BRATCHER, op. cit., p. 1, mantida a ortografia original.
23
Reis Pereira pensou assim durante algum tempo, inclusive quando exercia a cátedra de História Eclesiástica
no Seminário Batista do Sul do Brasil. Como exemplo, estas palavras proferidas em 1963, aos alunos da 3.a
série, quando ministrava uma aula sobre a história dos batistas. O fato é que Reis Pereira persistiu nesse
equívoco, embora W. C. Taylor (1886-1971) já houvesse esclarecido anteriormente, em publicação n´O Jornal
Batista, que a Confissão de Fé da Primeira Igreja Batista do Rio era a Confissão de New Hampshire. Escreveu
Taylor: “Pedi o privilégio de ver a Confissão de Fé adotada na organização da Primeira Igreja Batista desta
cidade, de que faço parte. Está ali no primeiro livro de atas, elegantemente impressa e grudada nas páginas,
desde o princípio. É a segunda igreja organizada no Brasil e sem dúvida a primeira começou assim também, e
centenas de outras. É a forma antiga desta Confissão de Fé no Brasil...”. Cf. TAYLOR, W. C. “Nossa Confissão de
Fé”. O JORNAL BATISTA, Rio de Janeiro, 13/jan./1955.
práticas católicas, imprimiam catecismos batistas, publicavam livros que narram a história,
expõem princípios distintivos e a eclesiologia batista. Também, sempre que possível,
escreviam artigos nos jornais da época. Zachary Taylor impressiona como o pioneiro no uso
da página impressa; usou-a com grande vantagem para o
estabelecimento das bases futuras do trabalho. Hoje talvez seja
impossível dar a lista completa de livros e folhetos que ele publicou.
Cabe a ele o ter editado o que se supõe ser o primeiro livro dos
batistas brasileiros, isto é, Origem e História dos Batistas.24 Este livro,
escrito em inglês pelo Dr. Samuel Howard Ford (1819-1905), foi
traduzido por Taylor para o português em 1886. Ford defende nesta
obra a mesma tese esposada pelo opúsculo Rastro de Sangue25, a
saber, que os batistas podem traçar historicamente a sucessão de
igrejas e doutrinas batistas até os tempos neotestamentários.
Na tradução que fez do livro de Ford, Taylor incluiu como
apêndices um resumo de Regras Parlamentares (“Ordem do Governo
das Igrejas Batistas”) e sua tradução da Confissão de New Hampshire, sob o título
"DECLARAÇÃO DE FÉ DAS IGREJAS BATISTAS NO BRASIL. E comumente adotadas pelas Igrejas
da mesma fé e ordem pelo mundo." É bom ter em mente que quando Taylor refere-se às
"Igrejas Batistas do Brasil" estas não eram mais do que meia dezena até então organizadas.
O livro de Ford foi largamente usado e difundido entre os batistas naqueles
primórdios. Foi ainda um dos instrumentos responsáveis pela divulgação da Confissão de
New Hampshire entre os batistas brasileiros. Acerca deste livro, escreveu Ginsburg:
Depois da Bíblia, este livro tem sido um esteio principal na maioria das igrejas
batistas brasileiras. A tradução não é das melhores, o argumento histórico pode
não ser o mais moderno, mas o livro tem sido um meio de edificar as jovens
igrejas na "fé que uma vez foi dada aos santos", e tem desenvolvido uma
irmandade batista que pode se orgulhar de sua história e que está ciosa de seus
privilégios e feitos.26
24
Dr. S. H. Ford (1819-1905) escreveu este livro em 1860. Ford foi um scholar entre os Batistas do Sul,
representante de um landmarquismo posterior, um pouco mais moderado, embora ele mesmo tenha negado
que fosse landmarquista. Além do pastorado em igrejas locais, ele exerceu a função de redator do Christian
Repository por mais de 60 anos. O líder landmarquista J. R. Graves escreveu a introdução do livro. FORD, S. H.
Origem e História dos Batistas. 2. ed. revisada. Filadélfia. Para uma versão atual online, consulte:
http://www.reformedreader.org/history/ford/toc.htm [capturado em outubro/2004].
25
The Trail of Blood, título original da obra do pastor batista J. M. Carrol (1858-1931). Para uma versão atual
online: http://www.acts2.com/thebibletruth/Online%20Books/Trail-of-Blood.PDF [capturado em
outubro/2004]. Uma versão online em português pode ser obtida em: http://www.solascriptura-
tt.org/EclesiologiaEBatistas/ [capturado em novembro de 2004].
26
GINSBURG, op. cit., pp. 72-73.
27
Cf. PEREIRA, José dos Reis. História dos Batistas no Brasil (1882-1982). Rio de Janeiro: JUERP, 1982, p. 65.
CRONOLOGIA
1853: J. N. Brown publica a Confissão de Fé Batista de New Hampshire no The Baptist Church
Manual
1861-65: EUA – Guerra Civil
1871: Colonos norte-americanos organizam a Igreja Batista em Santa Bárbara, São Paulo
1882: Organização da Igreja Batista em Salvador
1884: Organização da Igreja Batista no Rio de Janeiro
1886: Taylor publica uma tradução em português da Confissão de Fé de New Hampshire
como apêndice do livro de Ford