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os PARADIGMAS DA CIÊNCIA:
A influência na sociedade e na educação

U m dos grandes méritos deste século, sem dúvida,


é o fato de os homens terem despertado para a cons-
ciência da importância da educação como necessidade
preeminente para viver com plenitude como pessoa e
como cidadão envolvido na sociedade. Pensar na E d u -
cação implica refletir sobre os paradigmas que carac-
terizaram o século X X e a projeção das mudanças pa-
radigmáticas no início do século X X I .
Para Tofler (1995), a i n d a que se tenha a c u m u l a -
do os frutos de séculos e milénios de desenvolvimen-
to cultural, a realidade hoje exige u m a reorganização
total sobre a produção e distribuição do conhecimento
e dos símbolos usados para sua comunicação.
O século X X manteve a tendência do século X I X ,
fortemente influenciado pelo método cartesiano - a
separação entre mente e matéria e a divisão do conhe-
cimento em campos especializados em busca de u m a
maior eficácia. Esta forma de organizar o pensamento
levou a comunidade científica a u m a mentalidade re-
ducionista na qual o homem adquire uma visão frag-
mentada não somente da verdade, mas de si mesmo,
dos seus valores e dos seus sentimentos.

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Acredita-se que o paradigma newtoniano cartesia- pôs O "Disci^;g£JojnétodQ" c o m OS seguintes pres-
no não se caracterizou como u m erro histórico, mas supostos{fjmnais acolher alguma coisa como verdade
como u m a trajetória necessária no processo evolutivo sem evidência concretsí^'^vidir cada u n i dos conceitos
do pensamento humano. Os avanços significativos de e m tantas parcelas quanto possível para resolvê-las;
ordem material firmados pela revolução industcial-é p a r t i r da ordem dos conceitc^iããis simples para os
tecnológica, fundamentadas n u m posicionamento po- mais complexos para conduzir degrau a degrau o co-
sitivista, não justificam o desencontro que o homem / nhecimento ^í)uscar e m toda parte enumerações tão
atingiu nestas últimas décadas. Cardoso (1995, p. 3 1 ) / conipletas e revisões tão gerais, que~prõvocasse a cer-
pfirma: " E m resumo, o paradigma cartesiano-newto- teza de nada omitir.
niano orienta o saber e a ação propriamente pelajrosão Esses referenciais alicerçam a verdade científica
íe pela eocperimentação, revelando assim o culto d o i n -
fno século X X e se, por u m ládõ^ possibilitaram a espe-
telecto e o exílio do coração".
cialização conduzindo às conquistas científicas e tec-
N a realidade, n a óptica mecanicista, o universo or- nológicas de envergadura, por outro levaram o homem
ganizou-se a partir d a linearidade determinista de cau- a separar ciência da ética e a razão do sentimento. Para
sa e efeito. E s s a p r e m i s s a l e v o u o h o m e m a separar Severino (1992, p. 125):
o racional do emocional, pois o pensamento newtonia- C o m esse método, a ciência teve pleno êxito na
no cartesiano apresenta u m a epistemologia reducio- era moderna. Esse sucesso explicativo foi re-
nista que fragmentou tanto a nossa realidade externa forçado pelo seu poder e m manipular o mundo
e interna, como a dimensão interpessoal e psíquica. mediante aíêcmècf, por cuja formação e desen-
volvimento ela é á responsável direta. A ciên-
" N o plano existencial, a ética individualista e os valo-
cia se legitimou assim por essa sua eficácia
res materiais cimentam a civilização do ter. O maravi- operatória, com a qual forneceu aos homens re-
lhoso progresso científico tecnológico é fruto deste_pa- cursos reais elaborados p ^ a sustentação de sua
radigma; todavia, nele residem também as causas d a existência material. A técnica serviu de base
crise multimensional que vivemos, d a depredação do para a indústria, para a revolução industrialTcr
que ampliou, sobremaneira, o poder do homem
ambiente físico, social e interior" (Cardoso, 1995, p. 31).
em manipular a natureza.
C o m essa influência, o século X X cín-iclcrizou-se por
u m a sociedade de produção de i n ; i s s ; i . Alicccçada nos A o mesmo tempo em que o mundo foi contempla--
pressupostos do pensamento i i c w t o i í i a i K í - c a r i o s i a n o a do pela técnica, angariando u m avanço material sig-
ciência contaminou a K d u c u . M o c o n i i i t n pensamento nificativo, esta racionalidade levou o h o m e m a ver o
jracional, fragmentado c i r d i i c i o n i ! ; ! ; ! . mundo de maneira compartimentalizada, separando a
jciência da ética, a razão do sentimento, a ciência da fé,
O paradigma cartesiano l e v e :iua ori/íem históri-
__e, em especial, separando mente e corpo. -
"^ca èm Galileu Galilei, ( p i e m l n u l n / í u ii desci ição ma-
"temática d a natunv.a i-econlieeendo ii relevAncia das A b a s e da cisão radical entre sujeito e objeto carac-
"^propriedades quantincr'iV('i;; i l;i n m ! i ' ' i i n (forma, tama- teriza j o d o o conhecimento científico proposto no sé^
nho, número, posição e ( i M . i i i l H lai te d l i nu iviiín*nto). Con- culo X I X ^ _ g r a n d e parte do do século X X . Nesse pro-
taminado por esses esl n t l o s . I )e-ient l e i M líilMI l(Í50)prO- cesso dualista e m que o sujeito é o cogito e o mundo

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seu objeto foi que o hoinerii p('i'(Ieu a referência do todo, va da natureza define u m modelo de interpretação do
injetando força na pcs(iuisa ([uc r<)nsiderassê~ãs par- mundo sustentado no modelo, expíicativo mecânico-
tes fragmentadas o nem seiíiprc tencJo consciência das causal. Segundo Fernandes (2001, p. 20), o paradig-
articulações destas partes e das consequências do ato m a educacional vigente (imidimensional, monocultural e
de separá-las do todo. compartimentado disciplinarmente) está articulado com o
Aliado ao pensamento cartesiano, a influência da paradigma científico dominante (fundado na especia-
proposição de Isaac Newton foi significativa na ciên- lização, na atomização, na compartimentação do conhe-
cia moderna, pois, com a obra Princípios matemáticos cimento e na racionalidade instrumental", e acrescen-
da filosofia natural, propôs a mais completa sistema- ' ta; "Ambos são co-responsáveis pelo modelo civiliza-
tização matemática da concepção m e c a n i c i s t a ^ a na- cional contemporâneo (globalização neoUberal) que tem
tureza. Newton apresentou o universo ê ò ser humano ampliado as desigualdades e exclusões sociais e agravado
como u m a máquina, dividindo e demonstrando o ser os desequilíbrios e problemas ecológicos".
humano e m compartimentos, o que só pode ser de-
C o m essa visão fragmentada, no século X I X , a u n i -
monstrado e compreendido pela razão.
versidade se reorganiza e com u m a forte influência
Sua grande síntese - baseada nas obras de Copér- positivista passa a credenciar como legítimo o conhe-
nico, Kepler, B a c o n , G a l i l e u e Descartes - concedeu cimento científico comprovável, racional e objetivo. A s
à mecânica-newtoniana u m a relevância significativa. universidades assumem e aceitam o paradigma meca-
F o i considerada ainda o pontõ'cúIminante da revolu- nicista e ocupam u m papel fundamental na reprodu-
ção científica e que serviu de alicerce científico a gran- ção da atividade científica.
de parte da produção do século X X .
Para G r i i n (1996, p. 43), o processo de objetivação
•/^'^ssa visão do mundo-máquina deu origem ao nie- da natureza, cristalizado nas estruturas conceituais dos
canicismo e à possibilidade de trabalhar o raciocínio currículos que caracterizaram as universidades, adqui-
pela indução e pela dedução. Neste contexto, cabe a r i u " u m a forma universal nas sociedades industriais
contribuição de Moraes (1997, p. 39) sobre a proposi-
ocidentais pela simples razão de que o próprio para-
ção de Newton: " A o trabalhar com os raciocínios i n d u -
digma industrial capitalista jamais teria se sustenta-
tivos e dedutivos, a ciência passou da observação dos
do, e mesmo iniciado, sem que a natureza tivesse sido
fatos à criação de leis universais mediante hipóteses
completamente objetivada". Neste contexto, as u n i -
(indução). Das leis, passou às teorias, ou destas aos fa-
versidades e as escolas e m geral produziram u m co-
tos (dedução)".
nhecimento científico capaz de proporcionar tal "de-
Esse conhecimento científico lógico-dedutivo ca- senvolvimento".
j;acteriza-se pelo mecanicismo e passa a ser a única for-
A tendência acentuada nas universidades passa a
ma legítima de fazer ciência. O modo reducionista e
_ser tecnicizante, com finalidade especMca de objeti-
atomísticò~GiUnfOU e passÕíTa ser u m a nova teoria, a
v o a natureza. C o m esse pensamento, caracteriza-se
própria visão da realidade. O conhecimento científico
por uma formação utilitarista, técnica e científica.
passa a ser sintetizado em manuais. A descrição objeti-

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A forte influônria do pensamento newtoniano-car- ... Nosso m u n d o está em crise, provocada por
tesiano fragmenion o saber, repartiu o todo, dividiu os lacunas e falhas do paradigma reinante e suas
extrapolações. A felicidade prometida pelas apli-
cursos em disciplinas es(aiu]ues, em períodos e em sé-
cações indiscriminadas da ciência moderna sob
ries. Levou as universidades a se organizarem dividin- forma de tecnologia está se transformando no
do a Ciência em centros, departamentos, divisões e se- seu contrário; de u m lado, temos a falta elemen-
ções. E com esse processo burocrático e robótico res- tar de alimento e conforto, que traz fome e misé-
' tringiu cada profissional a uma especialidade, i m p u l - ria física ao Terceiro M u n d o ; de outro lado, te-
mos a miséria psicológica que acompanha o
sionando a especiíicidade, perdendo a consciência glo-
excesso de alimento e conforto dos países de-
bal, e provocando o afastamento da realidade em toda senvolvidos, onde cresce a solidão, a indiferen-
sua plenitude. ça, a violência sob todas as formas; o confronto
não trouxe felicidade, qualquer que seja o regi-
^especialização apregoada pela visão cartesiana me reinante.
_yem sendo questionada com ênfase nas décadas de 1980
e 1990, pois o tecnicismo, com u m posicionamento A crise no mundo se estende em todas as dimen-
sitivista, levou ao desenvolvimento científico-tecno- sões, mas atinge a Educação de maneira acentuada.
lógico do mundo atual. Portanto, a abordagem técnica N a área educacional, o pensamento newtoniano-carte-
tem sua relevância, pois o sucesso do desenvolvimento siano ocasionou marcas relevantes e que podem afe-
da ciência moderna foi assentado no surgimento de no- tar significativamente as pessoas que frequentam a
vas técnicas eficazes. N o entanto, a abordagem técnica escola e m todos os níveis de ensino.
tem contemplado p n f a t i e a r n p n t p n g H p p p e t n g oytf^rn^s
j A visão fragmentada levou os professores e os alu-
das experiências (lucro, domínio, poder), ignorando q^
/ nos a processos que se restringem à reprodução do co-
iiidivíduo. O homem no século X X alienou-se da natu-
reza, do trabalho criativo, de si mesmo e dos outros. nhecimento. A s metodologias^utilizadas pelos docen-
tes têm estado assentadas na reprodução, na cópia e
I O conhecimento, ao ser dividido, ao ser fragmenta- na imitação. A ênfase do processo pedagógico recai no
ido, isolou o homem das emoções que a razão desconhe- produto, no resultado, na memorização do conteúdo,
I ce. Deixou de contemplar, em nome do racionalismo, sen- restringindo-se em cumprir tarefas repetitivas que,
timentos como: a solidariedade, a humanidade, a sensi- muitas vezes, não apresentam sentido ou significado
bilidade, o afeto, o amor e o espírito de ajuda mútua.
para quem as realiza.
Com esse vazio, acirrado pela competitividade, mes-
Os alunos permanecem organizados nas cartei-
mo tendo acesso ao mais alto grau de desenvolvimen-
to tecnológico, o homem passou a viver em crise, ali- ras, divididos por filas, de preferência em silêncio, sem
cerçando conflitos diários, administrando u m proces- questionar, sem expressar seu pensamento, aceitando
so de cobrança de eficiência e eficácia em favor de u m com passividade o autoritarismo e a impossibilidade
produto e de u m capital. A busca da riqueza t e m ge- de divergir. N a comunidade académica, especialmen-
rado processos de violência, depressão e até destruição te no início do século, tanto os professores como os alu-
do próprio homem. Para Weil (In: Brandão & Crema, nos aceitavam todas as coisas da escola como verda-
1991, p. 16): des absolutas e inquestionáveis.

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Segundo Moraes (1907, p. 51), o pensamento new- destruir, de derrubar, de anular, pois a história está
toniano-cartesiano submeteu a escola a u m controle sustentada e m pilares construídos u m a u m , n u m pro^
rígido, com u m sistema autoritário e dogmático, le- cesso contínuo e irreversível. O momento histórico exi-
vando a constituir: ge a busca da superação deste paradigma. Mas, a supe-
U m a escola que continua dividindo o conheci- ração, como propõe Cardoso (1995, p. 45), " n o senti-
mento c m assuntos, especiahdades, subespe- do dialético estabelecido por Hegel; para quem supe-
cialidados, fragmentando o todo em partes, se- rar não é fazer desaparecer, mas progredir qualitativa-
parando o corpo em cabeça, tronco e membros,
mente, conservando o que há de verdadeiro no momen-
as flores c m pétalas, a história em fatos isola-
dos, sem se preocupar com a integração, a inte- to anterior e levando-o a u m complemento, segundo as
ração, a continuidade e a síntese. É o professor novas exigências históricas".
o único responsável pela transmissão do con-
teúdo, e em nome da transmissão do conheci- Para propor u m a mudança paradigmática torna-se
mento, continua vendo o aprendiz como u m a necessário especificar o que se entende pelo conceito
tabula rasa produzindo seres subservientes, de paradigma. Weil (1991, p. 14-15) organiza u m estudo
obedientes, castrados e m sua capacidade cria- sobre o significado do termo "paradigma" e apresenta:
tiva, destituídos de outras formas de expres-
são e solidariedade.
" E m grego, paradigma significa exemplo ou, melhor
ainda, modelo ou padrão"; e acrescenta: " N a sua ori-
A fragmentação do ensino vai-se acentuando à me- gem o termo foi usado mais especialmente e m linguís-
dida que o aluno atinge os níveis superiores. A "separa- tica, para designar em gramática u m exemplo-tipo".
tividade" impregna a educação e propõe u m a ruptura
entre o ensinar e o formar. O intelecto é confiado às es- Diversos autores para definir paradigma apontam
colas; os valores e os sentimentos, reservados à forma- Thomas K h u n , filósofo e historiador da ciência, que
ção familiar. Essa ruptura tem possibilitado u m a visão em sua obra As estruturas das revoluções científicas
unilateral do mundo (Weil, 1991). A dimensão oferecida tem a preocupação de esclarecer o termo. S e g u n d q J ^ u n .i
na escola restringe-se ao plano intelectual e produtivo.'' (1994, p. 225), u m paradigma constitui-se: " a conste-
Apresentam-se desagregadas de u m a dimensão espiri- lação de crenças, valores e técnicas partilhados pelos
tual na qual deveriam ser contemplados a formação de membros de u m a comunidade científica". A o referen-
valores e sentimentos como: solidariedade, paz, confi- dar u m modelo, a força de u m paradigma está consti-
ança, religiosidade, alegria e fraternidade. A frieza da tuída no consenso de determinada comunidade cien-
racionalidade e da objetividade científica temsi^Lqués- tífica durante u m a certa época.
tionada nas últimas décadas por educadores como: Frei- Moraes (1997, p. 31) apresenta u m a contribuição
re (1992; 1997), Giroux (1997), Capra (1996), que se preo- significativa para o entendimento do que K u h n pro-
cupam com o futuro das gerações. põe em sua obra: "Paradigma, na ótica de K u h n , é u m a , /
realizaçãocientíficadê"grandeenvergadura,comBase ',/
Os fatores apontados levam a perceber que a edu-
l^n^^raj^jgpfnHnlpgipa m n v m r p n t p p sedutora, e que/
cação está em crise, a qual advém da própria ciência,
da crise de paradigma, pois o pensamento newtonia- passa a seracêit^ p<^l^ rnai(>nadoscientistas integran-
no-cartesiano precisa ser superado. Não se trata de tes de u m a comunidade".

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No sentido de levar adiante o conceito (1996, p. 25), A crise e a resistência fazem parte deste processo
se apropria da definição que K h u n propõe para o para- de transposição: por u m lado provocam u m mal-estar
digma científico e define paradigma social como " u m a na comunidade científica, derrubando alguns pilares
constelação de concepções, valores, de percepções e de sustentação dos pensamentos, conceitos e ações, e,
de práticas compartilhadas por u m a comunidade c i - por outro, instiga cientistas e intelectuais para reve-
entífica, que dá forma a u m a visão particular da reali- rem suas teorias e buscarem u m a profunda renovação
dade, a qual constitui a base da maneira como a comu- de suas concepções.
nidade se organiza".
Referendando o conceito de K h u n de que o para- A crise do paradigma newtoniano-cartesiano
digma é u m a constelação de crenças e valores_que de-
termina o modo de pensar e agir do homem em u m a Os últimos cinquenta anos têm-se caracterizado por
determinada época, Cardoso (1995, p. 17) propõe: " O u m progresso científico-tecnológico sem precedentes
conceito de paradigma é entendido por m i m como u m na história da humanidade. Esse progresso leva ao de-
modelo de pensar e ser capaz de engendrar determi- senvolvimento e à revolução que se acentuam dia a dia,
nadas teorias e linhas de pensamento dando certa ho- influenciados pelos efeitos da tecnologia que são absor-
mogeneidade a u m modo de o homem ser no mundo, vidos pela comunidade com muita rapidez. Os avanços
nos diversos momentos históricos". advindos da microeletrônica são inegáveis, pois impul-
sionam a computação, as telecomunicações, a ciberné-
C o m a contribuição destes autores para o entendi-
mento do termo paradigma cabe esclarecer que_ a su- tica, a robótica e as redes eletrònicas.
peração de u m paradigma científico não o invalida, A revolução tecnológica atingiu o povo em geral,
não o torna errado ou nulo, mas evidencia que seus não foi u m a reestruturação só da comunidade científi-
pressupostos e determinantes não correspondem mais ca, mas do universo como u m todo. N a realidade, os
às novas exigências históricas. A passagem para u m satélites permitem que se perceba imagens de todos
novo paradigma não é abrupta e n e m radical. É u m os países simultaneamente nas televisões instaladas
processo que v a i crescendo, se construído e se legi-
nas casas de muitas famílias, e alguns eletrodomésti-
timado. N a reahdade o novo paradigma incorpora al-
cos de uso diário já incorporam tecnologia desenvolvi-
guns referenciais significativos do velho paradigma e
da para microcomputadores.
que ainda atende aos anseios históricos da época. Nes-
se processo de transição, os cientistas passam a desa- O mundo eletrônico facilitou a comunicação e en-
fiar os pressupostos do velho paradigma, embora ao curtou distâncias. A geração de novos conhecimentos
anunciar u m mundo novo ainda se assentem em bases passou a ser produzida c o m tal velocidade e volume
mais utópicas do que concretas. Cardoso (1995, p. 17) que se torna impensável u m único ser humano absor-
contribui para clarificar essa passagem, afirmando: '\ ver e assimilar esta torrente de informações. A explo-
formação de u m novo paradigma ocorre nas entranhas
são dos conhecimentos e m todas as áreas e o bombar-
dõ^ anterior. E este, por sua vez, n u n c a desaparecerá
deio de informações afetam profundamente as bases
totalmente".
culturais da humanidade.

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* ,f\s os avanços técnicos, científicos e eíetrônico^^ N a verdade, a sociedade tem-se caracterizado pe-
^ ^ / não trouxeram a vida e m plenitude para os homens. las desigualdades e desrespeito ao ser humano. Todas
^ A o contrário, vieram desaâá-los e angustiá-los, levan- essas posições têm sido denunciadas e m eventos na-
^ do ao estresse, à competitividade exacerbada, a u m cionais e internacionais de grande envergadura. Mo-
^ pensamento isolado e fragmentado, impedindo de ver ' vimentos sociais no combate à fome e à pobreza nos
o todo e retirando responsabilidade dos atos isolados/ países subdesenvolvidos levam a pensar numa revi-
dos homens perante a sociedade. / são radical das proposições do paradigma vigente.
Nesse processo, seduzido pela tecnologia, o homem
passou a destruir a Terra e, e m especial, a si mesmo e A ruptura do paradigma newtoniano-cartesiano
aos seus semelhantes.
A transmissão paradigmática gerada pela crise leva
Segundo Capra (1988), a miopia ecológica e a ga- u m número expressivo de cientistas e intelectuais de
nância empresarial decorrentes do consumismo gera- várias áreas do conhecimento a buscarem referenciais
do pelo sistema económico cegaram os homens em que possam romper com a visão racionalista-mecani-
nome da busca do capital, do crescimento e da expan- cista de mundo que dominou a cultura ocidental nos
são que continuam a intensificar a produção tecnoló- últimos trezentos anos.
gica. O avanço da ciência criou a possibilidade de pro- A ruptura de u m paradigma decorre da existência
duzir clonagens, que podem levar à destruição da h u - de u m conjunto de problemas, para os quais os pressu-
manidade ou à manipulação, causando sério risco de postos vigentes na ciência não conseguem soluções.
destruição do próprio homem. É u m a crise de dimen- Para Prigogine (1986) e Moraes (1997), o pensamen-
sões planetárias, advinda de u m paradigma que per- to newtoniano-cartesiano começa a perder força a par-
m i t i u a separação, a divisão e a fragmentação, levando tir de estudos da ciência que passaram a propor u m sis-
a u m a visão mecanicista do mundo. Neste contexto, tema em evolução. Isso aconteceu, inicialmente, com
Capra (1996, p. 25) afirma: os estudos de Lamarck, no limiar do século X I X , apre-
O paradigma que está agora retrocedendo do- goando que os seres vivos teriam evoluído a partir de
minou a nossa cultura por várias centenas de formas mais primitivas e mais simples sob a influên-
anos, durante os quais modelou nossa moder- cia do meio ambiente. Esse pensamento foi corrobora-
na sociedade ocidental e influenciou significa- do por Charles Darwin, para quem o universo pode ser
tivamente o restante do mundo. Esse paradig-
descrito como u m sistema em evolução, e m permanen-
m a consiste em várias ideias e valores entrin-
cheirados, entre os quais a visão de universo te estado de mudança, no qual, as formas mais simples
como u m sistema mecânico composto de blo- se desenvolviam para estruturas mais complexas. E a
cos de construção elementares, a visáo do cor- denominada teoria evolucionista da espécie.
po humano como u m a máquina, a visão da vida
em sociedade como u m a luta competitiva pela Esta descoberta associa-se à teoria da relatividade,
existência, e a crença no progresso material i l i - proposta a partir de 1905 por Einstein, e à teoria quân-
mitado, a ser obtido por intermédio de cresci- tica, introduzida a partir de M a x P l a n c k e m 1900, que
mento económico e tecnológico.
provocou u m grande impacto na ciência.

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-• de coisas, mas sim, probabilidade de interco-
N a teoria da relatividade, Einstein mostrou que
nexóes. É dessa maneira que a física quântica
massa e energia são termos permutáveis e não distin- mostra que não podemos decompor o mundo
tos. E os conceitos tradicionais de espaço e tempo ab- e m unidades elementares que existem de ma-
solutos passam a ser contestados, pois para ele não há neira independente. Quando desviamos nos-
espaço e tempo absolutos, mas sim medidas de distâiv sa atenção dos objetos macroscópicos para os
cia e tempo que dependem, díxmovimento-da observa^ átomos e as partículas subatómicas, a nature-
za não nos mostra blocos de construção isola-
dor. O fato de dependerem d e u m sistema e de coorde- dos, mas em vez disso aparece como u m a com-
nadaiTõmaTõ éspãçp_ e p tempo relativos. Nesse con- plexa teia de relações entre as várias partes de
texto, Moraes (1997, p. 59) acrescenta: u m todo unificado.
O mundo passou a ser concebido e m termos N a física quântica, para Bohn, o universo é u m a to-
de movimento, fluxo de energia e processo de
talidade indivisa, e m holomovimentos, e as entidades
mudança. A s partículas passaram a ser vistas
como feixes dinâmicos de energia, o que reve- são eventos ligados de maneira implícita. Nessa teia
lou a natureza dinâmica da matéria. N o u n i - de conexões, interconexões e relações, Heisenberg, u m
verso, tudo passou a ser composto de espaço e dos fundadores da teoria quântica, esclarece: " O m u n -
energia, considerados indissociáveis. E os fe-
do aparece assim como u m complicado tecido de even-
nómenos da natureza passaram a ser expres-
sos e m termos de processos e eventos. tos, no qual conexões de diferentes tipos se alternam,
se sobrepõem ou se combinam e, por meio disso, deter-
C o m explicações e proposições baseadas n a física,
minam a textura do todo" (In: Capra, 1996, p. 42). Para a
u m novo paradigma para a ciência é proposto e, a prin-
nova cosmovisão: " O universo não é u m a máquina
cípio, surgem teorias que fazem desmoronar a racio-
composta por u m a infinidade de objetos, mas u m todo
nalidade do pensamento newtoniano-cartesiano.
dinâmico indivisível. Suas partes são eventos interco-
Cabe destacar algumas contribuições dafísicaquân- nectados que só podem ser compreendidos profunda-
tica sem esgotá-la e nem explicá-la na dimensão da fí- mente levando e m conta o movimento cósmico como
sica, mas apontar a influência desses estudos para a
u m todo" (Cardoso, 1995, p. 35).
construção do novo paradigma no que concerne à nova
visão de mundo, de homem e de educação, buscando as Aliada à teoria evolucionista de Darwin, à teoria da
inferências, os pressupostos e os pensamentos que pos- relatividade de^instein, à teoria da física quâníicãinici-
sam auxiliar no entendimento da ruptura e na busca de ada por Planck, encontra-se a contribuição de Prigogi-
paradigmas inovadores na prática pedagógica. ne, que, em 1977, propõe a "teoria das estruturas dissi-
Capra (1996, p. 41) comenta o impacto dos físicos e pativas e pelo princípio da ordem por meio das flutua-
intelectuais sobre os avanços da física quântica: ções". Suas proposições contemplam a inclusão da "pro-
N o entanto, na década de 20, a teoria quântica babilidade" e "irreversibilidade" nas leis da natureza.
forçou-os a aceitar o fato de que os objetos ma-
teriais sólidos da física clássica se dissolvem,
N a concepção de Moraes (1997, p. 68) a influência
no nível subatômico, em padrões de probabi- da proposta de Prigogine poderia resumir-se da seguin-
lidade semelhantes a ondas. Além disso, es- te maneira:
ses padrões não representam probabilidade

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' . • Além de pluralista, a teoria de Prigogine nos ção. N u m a operação em movimento, o montar e des-
. induz a u m a percepção de que, em vez de eter-
montar, a ordem e a desordem geram novos fatos. Nela,
nidade, temos a história, no lugar do mecanis-
mo, temos a interpenetração, a interconexão, a a evolução explica-se por flutuações de energia que
espontaneidade e a auto-organização. D a re- em determinados momentos prováveis, mas não pre-
versibilidade, passamos para irreversibilidade visíveis, desencadeiam espontaneamente reações que,
e evolução. E m vez da " o r d e m " no universo te-
por mecanismos não lineares, pressionam o sistema co-
mos a "desordem" crescente, a criatividade e o
acidente. N o lugar da estabilidade e do deter- mo u m todo e ultrapassam u m a ordem que se caracte-
minismo, encontramos a instabilidade, as flu- riza como estática, reprodutiva e permanente.
tuações e as bifurcações, levando-nos a com-
preender a existência de u m a mudança de pers- A entropia (desordem), a insegurança e o desafio
pectiva como característica da segunda meta- que revestem os momentos de transição acabam ex-
de do século X X . pressando momentos de^reorganização, de criação e de
N a realidade, essa nova concepção apregoa u m uni- produção.
verso não linear, composto por sistemas desordenados Outra contribuição significativa da física quântica
é fora do equilíbrio. Esse processo de desequilíbrio é a que Capra (1996, p. 40-41) apresenta em sua obra: A
gera a instabilidade e a derrubada da organização le- teia da vida. U m a nova compreensão científica dos
vando a u m a nova ordem. Portanto, o processo permi- sistemas vivos, denominada como concepção de rede.
te a autonomia para se criar, e a convivência com o Com forte influência dos pressupostos da física quân-
pluralismo de ideias. Para Prigogine, u m a mudança tica, a concepção de redes contempla o pensamento sis-
fundamental na visão proposta pela teoria das estru- témico. Segundo o autor:
turas dissipativas mostra "que e m sistemas vivos, que
A s ideias anunciadas pelos biólogos organísmi-
operam afastados do equilíbrio, os processos irreversí- y-cos durante a primeira metade do século ajuda-
veis desempenham u m papei construtivo e indispen- i /s ram a dar à luz u m novo modo de pensar - em
sável... A irreversibilidade é o mecanismo que produz ír*^ * termos de conexidade, de relações, de contexto.
r De acordo com a visáo sistémica, as proprie-
ordem a partir do caos" (Capra, 1996, p. 152).
dades essenciais são propriedades do todo, que
C o m o trabalho de Prigogine sobre as reações quí- nenhuma das partes possui. Elas surgem das in-
teraçóes e das relações entre as partes.
micas oscilantes, autocatalíticas, instáveis, aparece o
(...) Embora possamos discernir partes indivi-
conceito da auto-organização. Como conceito, a auto- duais em qualquer sistema, essas partes não
organização que caracteriza o princípio de ordem por são isoladas, e a natureza do todo é sempre di-
meio de flutuações, e m movimentos de ordem e desor- ferente da mera soma de suas partes.
d e m (entropia), revela u m a nova concepção de maté- O grande impacto do pensamento sistémico foi o
ria, que se contrapõe à herdada da física clássica. Nes- de que as propriedades das partes podem ser entendi-
ta nova visão da matéria, destaca-se a história, a i m - das apenas a partir da organização do todo. Essa v i -
previsibilidade, a interpretação, a espontaneidade, a de- são apresenta-se e m oposição ao pensamento analíti-
sordem, a criatividade, o acidente e a auto-organiza- co, pois o pensamento sistémico é contextual e só per-

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mite a análise das partes colocando-as no contexto de e conteúdo em perpétua mudança. O ponto principal é
u m todo mais amplo (Capra, 1996). compreender que o processo não tem n e n h u m aspec-
A teoria sistémica foi apoiada pelas descobertas re- to definível absolutamente fixo". C o m essa visão de
volucionárias da física quântica. O enfoque da teoria transformação a proposta de Moraes na recente obra
sistémica é a mudança das partes para o todo. Portan- Pensamento eco-sistêmico (2004, p. 28) se torna perti-
to, no novo paradigma a relação entre as partes e o nente:
todo é invertida. Para Cardoso (1995, p. 49), "o todo Hoje, a partir das descobertas da Física Quân-
está em cada u m a das partes". tica, da Nova Biologia e da Cibernética, a ciên-
cia v e m sinalizando o surgimento de novos re-
No novo paradigma, o universo passaria a caracte- ferenciais teóricos que expressam novas confi-
rizar-se pela percepção do mundo vivo como u m a rede guraçóes epistêmicas a partir dessas teorias.
Esses referenciais vêm consolidando u m a base
de relações. Essas redes conectadas encontram-se ani- conceituai sólida caracterizada por princípios
nhadas e m sistemas dentro de outros sistemas. A no- a macroconceitos capazes de fundamentarem
ção do conhecimento científico como u m a rede de con- os processos interativos, interpretativos, re-cons-
cepções e modelos desafia a comunidade científica, trutivos, reflexivos e cooperativos que surgem nos
ambientes de aprendizagem, presenciais ou vir-
mas tem encontrado crescente aceitação a ideia de que tuais, sob a ótica da construção do conhecimen-
o pensamento sistémico é sempre pensamento pro- to a partir dessas teorias.
cessual. Para Capra (1996, p. 48); " O universo material
Nesse processo de mudança, de provisoriedade, de
é visto como u m a teia dinâmica de eventos inter-re-
transformação, o pensamento sistémico contempla u m
lacionados. N e n h u m a das propriedades de qualquer
conhecimento construído, metaforicamente, como uma
parte dessa teia é fundamental; todas elas resultam
rede. O conhecimento de rede desafia a estruturação
das propriedades das outras partes, e a consistência glo-
estática e permanente, para u m a produção do conhe-
bal das suas inter-relações determinam a estrutura de
cimento intermitente, que evolui, que acrescenta, que
toda a teia".
transforma, que cria e recria. U m processo de interde-
Portanto, o mundo é concebido e m termos de cone- pendência no q u a l todos os componentes estão inter-
xão, inter-relações, teias, movimentos, fluxo de ener- ligados. Para Moraes (1997, p. 76), nessa teoria "o u n i -
gia, em redes interconectadas, e e m constante proces- verso material é visto como uma teia dinâmica de even-
so de mudança e de transformação. tos inter-relacionados e nenhuma das propriedades de
qualquer parte dessa teia é fundamental. Todas resul-
Acompanhando a transformação, o pensamento está
tam das propriedades das outras partes, e a consistên-
sempre em processo, portanto, por ser provisório, não
cia global de suas inter-relações determina a estrutura
é estável e nem fixo. Para Moraes (1997, p. 74) o pensa-
de toda a teia".
mento e m termos de processo contempla que: " N a d a
é definitivo. D a mesma maneira, não pode haver u m a N a Educação, a visão global, sistémica e transdis-
forma definitiva de determinado pensamento. Este tem ciplinar mais significativa e relevante neste momen-
que ser visto como estando em processo, c o m forma to histórico, precisa com urgência ultrapassar a visão

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comportamentalizada, disciplinar, única e isolada. Essa sentam. Elas têm em comum o pressuposto da supera-
nova ótica para a educação leva a defender que, nos ção do pensamento mecanicista e a busca de u m pensa-
4 cursos como u m todo, deve haver u m esforçapara rea- mento sistémico e contextualizado que priorize o todo.
I í proximar as disciplinas que devem se desencadear e se
O processo de transformação nessa passagem pa-
r < interconectar como u m a rede, como u m a teia interh-
radigmática tem influenciado, de maneira significati-
gada e interdependente.
va, os profissionais de todas as áreas do conhecimen-
y Essas teorias inovadoras, entre outras, desenvol- to. O desafio que se impõe é buscar a influência desse
vidas pelos cientistas e intelectuais desde o início do novo paradigma no processo educativo, nas propostas
século X X , provocaram u m a grande guinada na ciên- pedagógicas e no fazer docente.
cia, desacreditando verdades tidas como absolutas e
inquestionáveis. O desafio e o desequilíbrio impos-
tos à teoria newtoniana-cartesiana levam à proposi-
ção de teorias que se complementam, se interpene-
tram, como u m a colcha de retalhos ainda por costu-
rar, mas já influenciam o compartilhamento de conhe-
cimentos e ideias.
Tendo presente essa proposição, Santos (1989, p.
134) afirma:
O novo paradigma redefine os problemas e as
incongruências até então insolúveis e dá-lhes
uma solução convincente; é nessa base que se
vai impondo à comunidade científica. M a s a
substituição do paradigma não é rápida. O pe-
ríodo de crise revolucionária em que o velho e
o novo paradigma se defrontam e entram e m
concordância pode ser bastante longo.

Nesse processo de mudança, transcendendo as con-


tribuições da área da física, da matemática, da quími-
ca e da biologia, que não são objetos deste estudo, to-
mam-se emprestados os avanços da ciência alicerça-
dos pela teoria evolucionista, da teoria da relatividade,
da teoria quântica e da teoria das estruturas dissipati-
vas, para investigar a influência desse novo paradig-
m a na educação.
Cada uma dessas teorias, dentre outras, foram apon-
tadas em função do significado e relevância que apre-


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