Você está na página 1de 17

MAGISTRATURA E MINISTÉRIO PÚBLICO

Renato Brasileiro
Direito Processual Penal
Aula 02

ROTEIRO DE AULA

Tema: Investigação Preliminar

1. Conceito de Inquérito Policial


É o procedimento administrativo inquisitório e preparatório, presidido pela autoridade policial, com o objetivo
de identificar fontes de prova e colher elementos de informação quanto à autoria e a materialidade da infração
penal, a fim de permitir que o titular da ação penal possa ingressar em juízo.

- Procedimento administrativo: o inquérito policial possui natureza de procedimento administrativo, não se


tratando de processo, pois dele não resulta imposição de sanções.

- Inquisitivo e preparatório: é um procedimento inquisitivo por não ser de observância obrigatória os princípios
do contraditório e ampla defesa (embora exista corrente minoritária que afirme o contrário). O professor
destaca que o elemento surpresa é importante para o próprio desenrolar do procedimento.

- Presidido pela autoridade policial: é presidido pelo delegado de polícia, conforme Lei 12.830/13.

- Objetivo: identificar fonte de prova para que o titular da ação penal (MP ou Querelante) ingresse em juízo.
Contudo, fonte de prova não se confunde com meios de prova. Fonte de prova são pessoas ou coisas capazes

1
www.g7juridico.com.br
de ministrar algum conhecimento sobre o fato delituoso, sendo extraprocessual, ou seja, sua existência
independe do processo. O meio de prova, por sua vez, é endoprocessual. Exemplo: crime no estúdio de
gravação, onde são meios de prova a arma deixada; impressões digitais, marcas de sague, gravação do corredor
que registrou a saída etc.

- Justa causa: lastro probatório mínimo necessário à instauração do processo pelo titular da ação penal (MP ou
Querelante). Sua ausência gera a rejeição da peça acusatória, motivo pelo qual se faz necessário o procedimento
investigatório prévio.

2. Natureza jurídica do inquérito policial


O inquérito policial é um procedimento administrativo.
A relevância de sua natureza jurídica de procedimento administrativo, como os demais procedimentos
investigativos, se encontra no fato de que eventuais vícios cometidos no seu desenrolar não terão o condão de
contaminar a fase judicial, exceto no caso de provas ilícitas.
Entretanto, as provas ilícitas apenas poderão contaminar o processo judicial caso reste comprovado o nexo de
causalidade entre elas e as demais provas obtidas.

STF: “(...) Os vícios existentes no inquérito policial não repercutem na ação penal, que tem instrução probatória
própria. Decisão fundada em outras provas constantes dos autos, e não somente na prova que se alega obtida
por meio ilícito”. (STF, 2ª Turma, HC 85.286, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 29/11/2005, DJ 24/03/2006).
STJ: “(...) No caso em exame, é inquestionável o prejuízo acarretado pelas investigações realizadas em
desconformidade com as normas legais, e não convalescem, sob qualquer ângulo que seja analisada a questão,
porquanto é manifesta a nulidade das diligências perpetradas pelos agentes da ABIN e um ex-agente do SNI, ao
arrepio da lei. Insta assinalar, por oportuno, que o juiz deve estrita fidelidade à lei penal, dela não podendo se
afastar a não ser que imprudentemente se arrisque a percorrer, de forma isolada, o caminho tortuoso da
subjetividade que, não poucas vezes, desemboca na odiosa perda da imparcialidade. Ele não deve, jamais,
perder de vista a importância da democracia e do Estado Democrático de Direito. Portanto, inexistem dúvidas
de que tais provas estão irremediavelmente maculadas, devendo ser consideradas ilícitas e inadmissíveis,
circunstâncias que as tornam destituídas de qualquer eficácia jurídica, consoante entendimento já cristalizado
pela doutrina pacífica e lastreado na torrencial jurisprudência dos nossos tribunais”. (STJ, 5ª Turma, HC
149.250/SP, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu, j. 07/06/2011, DJe 05/09/2011).

2
www.g7juridico.com.br
3. Finalidade do inquérito policial.
- Identificar fontes de prova;
- Colheita de elementos informativos acerca da materialidade e autoria da infração penal;
- Inibir a instauração de um processo penal temerário;

3.1. Distinção entre elementos informativos e provas.


O professor observa ser comum encontrar em manuais que o inquérito visa a colheita de prova, o que é
equivocado. A terminologia “elementos informativos” já era utilizada pela doutrina, passando a ser positivada
no CPP com a edição da Lei 11.690/08, que alterou seu art. 155.

CPP, art. 155. “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial,
não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,
ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”

Da leitura da nova redação do artigo 155 do CPP, resta claro a diferença entre prova e elementos informativos,
de forma que a primeira é aquela produzida na fase judicial, com a presença do contraditório e ampla defesa,
sendo a segunda colhido na fase investigativa, não podendo, por este motivo, ser utilizada de forma exclusiva
para fundamentar decisões judiciais. A exceção versa sobre as provas cautelares, as provas não repetíveis e as
provas antecipadas.

Elementos informativos
- Colhidos na fase investigatória: não necessariamente no inquérito, já que pode ser realizado no Procedimento
Investigatório Criminal pelo MP, ou no Termo Circunstanciado (TC);
- Não é obrigatória a observância do contraditório e da ampla defesa: o contraditório na fase investigativa é
diferido;
- O juiz deve intervir apenas quando necessário, e desde que seja provocado nesse sentido: o juiz não pode agir
de ofício, sob pena de infringência ao princípio da imparcialidade;

- Finalidade:
a) úteis para a decretação de medidas cautelares: para decretar medidas cautelares, sejam reais, pessoais ou
probatórias, há a necessidade de comprovação, por meio dos elementos informativos,do fumus comissi delicti
e do periculum libertatis;

3
www.g7juridico.com.br
b) auxiliam na formação da opinio delicti: para formar a convicção do titular da ação penal;
Os elementos informativos podem ser utilizados para formar a convicção do juiz?
Alguns doutrinadores afirmam pela impossibilidade, sob o argumento de que o juiz estaria fundamentando sua
decisão em elementos colhidos ao arrepio da lei, já que a observância do contraditório e da ampla defesa não é
obrigatória na fase investigativa.
Contudo, os Tribunais Superiores autorizam que elementos informativos sejam utilizados para formar a
convicção do juiz desde que não o seja com exclusividade.

“Exclusivamente”: elementos informativos, isoladamente considerados, não podem fundamentar uma


sentença. Porém, tais elementos não devem ser desprezados durante a fase judicial, podendo se somar à prova
produzida em juízo para auxiliar na formação da convicção do magistrado.
STF: “(...) Padece de falta de justa causa a condenação que se funde exclusivamente em elementos informativos
do inquérito policial. Garantia do contraditório: inteligência. Ofende a garantia constitucional do contraditório
fundar-se a condenação exclusivamente em testemunhos prestados no inquérito policial, sob o pretexto de não
se haver provado, em juízo, que tivessem sido obtidos mediante coação”. (STF, 1ª Turma, RE 287.658/MG, Rel.
Min. Sepúlveda Pertence, DJ 03/10/2003).

Provas
- Em regra, produzidas na fase judicial: sendo exceção as provas cautelares, as provas não repetíveis e as provas
antecipadas (artigo 155, CPP).
Obs.: As provas cautelares, as provas não repetíveis e as provas antecipadas podem ser produzidas tanto na fase
investigativa quanto na judicial e, por necessitarem da observância do contraditório e da ampla defesa, a decisão
judicial pode utilizá-las de forma exclusiva.
- É obrigatória a observância do contraditório e da ampla defesa;
- A prova deve ser produzida na presença do juiz (princípio da identidade física do juiz);
- Durante o curso do processo, ao juiz também não é dada nenhuma iniciativa probatória (CPP, art. 3º-A);
- Finalidade: auxiliar na formação da convicção do juiz.

Conceitos de provas cautelares, provas não repetíveis e provas antecipadas:


• Provas cautelares: São aquelas em que há um risco de desaparecimento do objeto da prova em razão do decurso
do tempo. Podem ser produzidas na fase investigatória e na fase judicial. Dependem de autorização judicial,
sendo que o contraditório será diferido (postergado). Exemplo: interceptação telefônica ou ambiental.

4
www.g7juridico.com.br
• Provas não repetíveis:
É aquela que uma vez produzida não tem como ser novamente coletada em razão do desaparecimento da fonte
probatória. Podem ser produzidas na fase investigatória e na fase judicial. Não dependem de autorização
judicial, sendo que o contraditório será diferido.
Em regra, é o que ocorre com os exames de corpo de delito (vestígio deixado pela infração penal), que depois
de algum lapso tempo não podem ser repetido – por isso não dependem de autorização judicial. A exceção seria
o exame de corpo de delito que pode ser realizado posteriormente (ex. em celulares, armas, etc).

• Provas antecipadas: São aquelas produzidas com a observância do contraditório real em momento processual
distinto daquele legalmente previsto, ou até mesmo antes do início do processo, em virtude de situação de
urgência e relevância. Podem ser produzidas na fase investigatória e na fase judicial. Dependem de autorização
judicial, sendo que o contraditório será real (contraditório para a prova).
O que a diferencia das anteriores é o fato de ser obrigatória a observância do contraditório.

- Exemplo 01: a testemunha do crime de homicídio qualificado está internada com Covi-19 em estado grave. Se
o delegado for até o hospital realizar sua oitiva, o depoimento será considerado elemento de prova e,
consequentemente, não poderá fundamentar de forma exclusiva a decisão judicial. Por este motivo,
comprovados os requisitos legais (fumus comissi delicti e periculum libertatis), a pedido do delegado, o juiz pode
determinar sua oitiva antecipada, de forma que serão designados os servidores competentes (juiz, MP,
escrevente, etc.) e poderá ser utilizada como única e exclusiva prova a fundamentar a decisão judicial.
-Exemplo 021: Depoimento especial, também chamado de depoimento sem dano, já que em algumas ocasiões
o depoimento pode representar prejuízo emocional a própria vítima. O professor cita um caso em que atuou

1
Lei n. 13.431, de 4 de abril de 2017
(vigência 1 ano após a publicação oficial)
Art. 8o Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de
violência perante autoridade policial ou judiciária.
Lei n. 13.431, de 4 de abril de 2017
Art. 11. O depoimento especial reger-se-á por protocolos e, sempre que possível, será realizado uma única vez,
em sede de produção antecipada de prova judicial, garantida a ampla defesa do investigado.
§ 1o O depoimento especial seguirá o rito cautelar de antecipação de prova:

5
www.g7juridico.com.br
onde uma criança de seis anos foi vítima de estupro. Anteriormente a lei 13.431/17 não era obrigatório a
“proteção” a vítima, pois, o a produção da prova judicial era tida como mais importante, já que neste caso, antes
de sua publicação, seria conceituada como elemento de prova – não podendo ser utilizada para fundamentar a
decisão do juiz exclusivamente.

4. Atribuição para a presidência do Inquérito Policial.


A atribuição de presidir o inquérito policial é do delegado de polícia, conforme Lei 12.830/13. Até o advento
desta lei discutia-se a natureza jurídica das funções do delegado de polícia, que sanou eventuais dúvidas.

Lei n. 12.830/13, Art. 2o: “As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo
delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
§ 1o: Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por
meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das
circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
§ 2o Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações,
documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.”
(Pela leitura do texto legal do §2°, pode ser interpretada a possibilidade de requisição, pelo delegado, de
qualquer perícia, informação ou documento. Contudo, deve-se realiza leitura cuidadosa deste dispositivo, vez
que somente será possível a requisição de tais dados quando não houver necessidade de autorização judicial.)
§ 4o “O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou
redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou
nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a
eficácia da investigação.”

I - quando a criança ou o adolescente tiver menos de 7 (sete) anos;


II - em caso de violência sexual.
§ 2o Não será admitida a tomada de novo depoimento especial, salvo quando justificada a sua
imprescindibilidade pela autoridade competente e houver a concordância da vítima ou da testemunha, ou de
seu representante legal.

6
www.g7juridico.com.br
(O delegado de polícia não é dotado da garantia da inamovibilidade, embora tramite no Congresso Nacional PEC
com essa previsão. Este artigo protege a avocação ou redistribuição sem justificativa plausível, devendo ser
fundamentada em interesse pública ou inobservância a procedimentos)
§ 5o A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado.
(Por não possuir a garantia da inamovibilidade, a remoção é possível, desde que seja feita mediante ato
fundamentado, inclusive conforme art. 2º, § 5º, da Lei 12.830/2013.)

- Em relação aos guardas municipais, o STJ se posicionou no sentido de não possuírem atribuição de polícia
judiciária:
“Às Guardas Municipais não é outorgada nenhuma atribuição para investigar a prática de delitos. Afinal,
consoante disposto na própria Constituição Federal (art. 144, §8º), a elas compete exclusivamente a proteção
de bens, serviços e instalações dos Municípios. Não detêm, portanto, nenhuma atribuição de Polícia Judiciária.
Não por outro motivo, em caso concreto em que guardas municipais realizaram uma busca pessoal em
determinado indivíduo sem que este estivesse em situação de flagrância, dias após a prática do crime,
abordando-o sem fundadas razões, apenas por reconhecer sua foto em postagens na rede social comunitária,
realizando, pois, verdadeira atividade de investigação, a 6ª Turma do STJ (HC 561.329-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro,
j. 16.06.2020, DJe 29.06.2020) reconheceu haver manifesta ilicitude das provas obtidas, dada a ausência de
atribuição investigatória de tais agentes.”

4.1. Natureza do crime e atribuição para as investigações.


É a natureza do delito que define quem possui a atribuição de realizar a investigação:
a) Crime militar da competência da Justiça Militar da União: um oficial das Forças Armadas será designado como
encarregado de IPM – Inquérito Policial Militar, exercendo as funções de polícia judiciária;

b) Crime militar da competência da Justiça Militar Estadual: um oficial da Polícia Militar Estadual ou do Corpo de
Bombeiros será designado como encarregado de IPM – Inquérito Policial Militar, exercendo as funções de polícia
judiciária;

c) Crime eleitoral: em regra, será investigado pela Polícia Federal, sendo julgado pela Polícia Civil nas cidades
que não possuam sede da Polícia Federal;

7
www.g7juridico.com.br
d) Crime “federal”: será investigado pela Polícia Federal;

e) Crime comum da competência da Justiça Estadual: em regra, cabe à Polícia Civil. Contudo, a Polícia Federal
também pode investigar crimes comuns da competência da Justiça Estadual, caso o (i) o crime seja dotado de
repercussão interestadual ou internacional (que exija repressão uniforme) e (ii) exista previsão legal neste
sentido.

Constituição Federal: Art. 144. §1. “A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e
mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I – apurar infrações penais contra a ordem política
e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas
públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija
repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;”
- O dispositivo acima mencionado se refere tanto à Lei n. 10.446/2002 - que trata de crimes que podem ser
investigados pela Polícia Federal, quanto à Lei de Terrorismo (Art. 11 da Lei n. 13.260/2016):

Rol exemplificativo:
Lei n. 10.446/02: Art. 1o.“Na forma do inciso I do §1 do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão
interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do
Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144
da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à investigação, dentre
outras, das seguintes infrações penais:
I – sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro (arts. 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi
impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima;
II – formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4º da Lei n. 8.137/90); e
III – relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em
decorrência de tratados internacionais de que seja parte; e
IV - furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou
internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação.
V - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e
venda, inclusive pela internet, depósito ou distribuição do produto falsificado, corrompido, adulterado ou
alterado (art. 273 do CP). (inciso V acrescentado pela Lei n. 12.894/13).

8
www.g7juridico.com.br
VI – furto, roubo ou dano contra instituições financeiras, incluindo agências bancárias ou caixas eletrônicos,
quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação (inciso VI
acrescentado pela Lei n. 13.124/15, com vigência em 22/05/2015).
Parágrafo único. Atendidos os pressupostos do caput, o Departamento de Polícia Federal procederá à apuração
de outros casos, desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça.”

Lei n. 13.260/16, Art. 11. “Para todos os efeitos legais, considera-se que os crimes previstos nesta Lei são
praticados contra o interesse da União, cabendo à Polícia Federal a investigação criminal, em sede de inquérito
policial, e à Justiça Federal o seu processamento e julgamento, nos termos do inciso IV do art. 109 da
Constituição Federal. “

- De todo modo, ainda que determinada investigação tenha início perante a Polícia Federal, de modo a investigar
suposta prática de crimes afetos à competência da Justiça Federal, ulterior remessa dos autos à Polícia Civil e,
na sequência, à Justiça Comum Estadual, em virtude do reconhecimento, respectivamente, da inexistência de
quaisquer das hipóteses previstas na Lei n. 10.446/02, e da presença de indícios da prática de delitos da
competência da Justiça Estadual, não se pode arguir a nulidade do feito com suposta repercussão na validade
jurídica dos elementos informativos e das provas até então obtidas. O art. 5º, LIII, da Constituição da República,
ao dispor que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente, contempla o
princípio do juiz natural. Não se estende, portanto, às autoridades policiais, porquanto não investidas de
competência para julgar. Surge inadequado, pois, pretender-se a anulação de provas ou de processos em
tramitação com base na ausência de atribuição da Polícia Federal para conduzir os inquéritos. A
desconformidade da atuação da Polícia Federal com as disposições da Lei 10.446/2002 e eventuais abusos
cometidos por autoridade policial deverão implicar tão somente responsabilidade no âmbito administrativo ou
criminal dos agentes. Com esse entendimento: STF, 1ª Turma, HC 169.348/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, j.
17/12/2019.

5. Características do inquérito policial.


5.1. Procedimento escrito.
Em regra, o inquérito é um procedimento escrito.
Exceção: gravação.

9
www.g7juridico.com.br
A doutrina entende que não há óbice à aplicabilidade do art. 405, § 1º, do CPP na fase investigativa, sendo até
mesmo recomendável, pois garante maior fidelidade do depoimento, viabilizando, inclusive, sua lisura (como
nos casos em que o acusado diz ter confessado por ter sido torturado – com a gravação, a apuração do fato
torna-se mais viável.

CPP, Art. 9º: “Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou
datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.”
CPP. Art. 405. § 1°: “Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e
testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar,
inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. (Incluído pela Lei n. 11.719/08).”

5.2. Procedimento dispensável.


O inquérito policial é um procedimento dispensável desde que a justa causa seja ministrada em outra peça de
informação
CPP. Art. 39, § 5o: “O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem
oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de
quinze dias.”

5.3. Procedimento sigiloso.


O elemento surpresa é essencial às investigações, pois a publicidade pode inviabilizá-las.
Na fase investigativa o sigilo é a regra, sendo a publicidade exceção, autorizada apenas nos casos em que atenda
ao interesse público (ex.: retrato falado, já que viabiliza a localização ou a qualificação do acusado).
Na fase judicial, por sua vez, a publicidade é a regra, ora de maneira plena, ora de maneira rescrita – como nos
crimes sexuais, onde apenas as partes e seus procuradores podem ter acesso.

CPP, Art. 20. “A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo
interesse da sociedade.”

5.3.1. Acesso do advogado aos autos do procedimento investigatório.


O acesso do advogado ao procedimento investigatório é assegurado pela Constituição Federal e pelo Estatuto
da OAB – Lei 8.906/94.

10
www.g7juridico.com.br
Constituição Federal, Art. 5, LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer
calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

Lei n. 8.906/94 Lei n. 8.906/94


(redação antiga) (redação dada pela Lei n. 13.245/16)
Art. 7º São direitos do advogado: (...) XIV - Art. 7º São direitos do advogado:
examinar em qualquer repartição policial, (...) XIV - examinar, em qualquer instituição
mesmo sem procuração, autos de flagrante e responsável por conduzir investigação,
de inquérito, findos ou em andamento, ainda mesmo sem procuração, autos de flagrante e
que conclusos à autoridade, podendo copiar de investigações de qualquer natureza,
peças e tomar apontamentos; findos ou em andamento, ainda que
conclusos à autoridade, podendo copiar
peças e tomar apontamentos, em meio físico
ou digital;

- Amplitude do acesso do advogado aos autos da investigação preliminar;


O acesso do advogado aos autos da investigação já foi objeto de pronunciamento do STF, entendendo ser
assegurado quanto às diligências já documentadas, mas não em relação àquelas em andamento.
Desta forma, o acesso do advogado é devido apenas em relação às diligências já concluídas e documentadas nos
autos. Se houver diligência em andamento, cujo acesso possa comprometer o andamento da investigação, esta
não poderá ser apresentada por inviabilizar sua eficácia.
Exemplo: depoimento de testemunha já documentada, cujo conteúdo seja o local de armazenagem da droga,
ainda não tendo sido realizada a busca/averiguação necessária. Por se tratar de diligência em andamento, o
acesso a íntegra do depoimento prejudicaria sua eficácia, motivo pelo qual não será disponibilizado.

Súmula vinculante n. 14 do STF: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos
elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com
competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

(Des) necessidade de procuração:

11
www.g7juridico.com.br
Em regra: não há necessidade.
Exceção: autos em segredo de justiça (ex.: crimes sexuais; investigações com interceptação telefônica ou quebra
do sigilo bancário).

Lei n. 8.906/94 (redação dada pela Lei n. 13.245/16)


Art. 7º. “São direitos do advogado: (...)
§10. Nos autos sujeitos a sigilo, deve o advogado apresentar procuração para o exercício dos direitos de que
trata o inciso XIV. “

Consequências decorrentes da negativa de acesso aos autos da investigação preliminar e instrumentos


processuais a serem utilizados pelo defensor:
Se o delegado ou promotor se negarem a liberar o acesso sem justo motivo, há abuso de autoridade nos termos
do art. 32 da Lei 13.869/19.

Lei n. 8.906/94 (redação dada pela Lei n. 13.245/16)


Art. 7º, §12. “A inobservância dos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento incompleto de autos ou
o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo implicará
responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do
advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de
requerer acesso aos autos ao juiz competente.”
Lei n. 13869/19
Art. 32. “Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo
circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou
administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em
curso, ou que indiquem a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.”

(Des) necessidade de autorização judicial para o acesso do advogado aos autos do inquérito policial:
Em regra, não há necessidade de autorização judicial para que o advogado tenha acesso aos autos do inquérito
ou a qualquer outro procedimento investigatório.

12
www.g7juridico.com.br
Exceção: No caso de sigilo decorrente do artigo 23 da Lei das Organizações Criminosas.

Lei n. 12.850/13
(Nova Lei das Organizações Criminosas)
Art. 23. O sigilo da investigação poderá ser decretado pela autoridade judicial competente, para garantia da
celeridade e da eficácia das diligências investigatórias, assegurando-se ao defensor, no interesse do
representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa,
devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.

5.4. Procedimento inquisitivo.


1ª Corrente (minoritária): o inquérito policial deve respeitar o contraditório, ainda que diferido e a ampla defesa.

2ª Corrente (majoritária): não é obrigatória a observância do contraditório e da ampla defesa por se tratar de
procedimento administrativo inquisitório, vez que a CF determina a observância destes direitos apenas no
processo penal ao acusado.

- Lei n. 13.245/16 e a não alteração da natureza inquisitorial da investigação preliminar.


A Lei n. 13.245/16 não alterou a natureza inquisitorial da investigação preliminar, mesmo alterando/positivando
prerrogativas dos advogados.

Lei n. 8.906/94 (redação dada pela Lei n. 13.245/16)


Art. 7º. “São direitos do advogado:
(...)
§11. No caso previsto no inciso XIV, a autoridade competente poderá delimitar o acesso do advogado aos
elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando
houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências.”

(Im) possibilidade de requisição de diligências pelo advogado no curso da investigação preliminar;


De acordo com o artigo 7°, XXI, do EOAB, durante as investigações, o advogado passou a ter o direito de
apresentar razões (para tentar convencer o delegado da desnecessidade de indiciamento ou para tentar
convencer o delegado da desnecessidade da adoção de medidas cautelares) e quesitos.

13
www.g7juridico.com.br
Lei n. 8.906/94 (redação dada pela Lei n. 13.245/16)
Art. 7º. São direitos do advogado:
(...)
XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do
respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e
probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva
apuração:
a) apresentar razões e quesitos;
b) (VETADO).

Razões do veto – alínea “a”, inciso XXI, artigo 7°, do EOAB


“Da forma como redigido, o dispositivo poderia levar à interpretação equivocada de que a requisição a que faz
referência seria mandatória, resultando em embaraços no âmbito de investigações e consequentes prejuízos à
administração da justiça. Interpretação semelhante já foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal - STF, em sede
de Ação Direita de Inconstitucionalidade de dispositivos da própria Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994 - Estatuto
da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (ADI 1127/DF). Além disso, resta, de qualquer forma,
assegurado o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de
poder, nos termos da alínea ‘a’, do inciso XXXIV, do art. 5o, da Constituição.”

Instauração de inquéritos policiais em face de servidores vinculados aos órgãos de segurança pública (CF, art.
144) para fins de investigação de fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício funcional e
assistência jurídica.
CPP, Art. 14-A. “Nos casos em que servidores vinculados às instituições dispostas no art. 144 da Constituição
Federal figurarem como investigados em inquéritos policiais, inquéritos policiais militares e demais
procedimentos extrajudiciais, cujo objeto for a investigação de fatos relacionados ao uso da força letal
praticados no exercício profissional, de forma consumada ou tentada, incluindo as situações dispostas no art.
23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), o indiciado poderá constituir defensor.
§ 1º Para os casos previstos no caput deste artigo, o investigado deverá ser citado da instauração do
procedimento investigatório, podendo constituir defensor no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a contar
do recebimento da citação.

14
www.g7juridico.com.br
§ 2º Esgotado o prazo disposto no § 1º deste artigo com ausência de nomeação de defensor pelo investigado, a
autoridade responsável pela investigação deverá intimar a instituição a que estava vinculado o investigado à
época da ocorrência dos fatos, para que essa, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, indique defensor para a
representação do investigado.
§ 3º (VETADO).
§ 4º (VETADO).
§ 5º (VETADO).
§ 6º As disposições constantes deste artigo se aplicam aos servidores militares vinculados às instituições
dispostas no art. 142 da Constituição Federal, desde que os fatos investigados digam respeito a missões para a
Garantia da Lei e da Ordem.”

- O §2° do artigo 14-A do CPP garante aos servidores a nomeação de defensor, sendo afirmado, por parcela da
doutrina, se tratar de infringência ao princípio da igualdade. Contudo, referida garantia decorre das atividades
que exercem.
- Além disto, não se trata de Defensor Público (já que a CF garante assistência gratuita apenas aos
hipossuficientes), mas sim de Advogado da União no caso de servidor federal ou Procurador de Estado no caso
de funcionário estadual.
- A ausência de indicação de defensor nos termos de referido artigo não pode acarretar a paralisação do
inquérito, que deve seguir seu curso. Contudo, no Estado de São Paulo os processos que envolvem resistência
seguida de morte estão sendo paralisados diante da inobservância deste artigo.

• O professor observa que a inercia da instituição em indicar este defensor não pode ser óbice ao prosseguimento
de quaisquer das investigações.

5.5. Procedimento discricionário.


A discricionariedade significa liberdade de atuação dentro dos limites da legais, não se confundindo, portanto,
com arbitrariedade.
Por sua natureza, o delegado de polícia necessita agir com discricionariedade na condução do inquérito policial.
Os artigos 6° e 7° do CPP não retiram este caráter, servindo como roteiro de quais as diligências aplicáveis ao
caso e a ordem de sua realização, da mesma forma que ocorre com o disposto no artigo 129, inciso XVIII, CF.

15
www.g7juridico.com.br
CPP, Art. 14. “O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que
será realizada, ou não, a juízo da autoridade.
Lei n. 12.830/13
Art. 2, § 2o “Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações,
documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.”
Constituição Federal
Art. 129. “São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos
jurídicos de suas manifestações processuais;”

Lei n. 12.830/13
Art. 2, “§ 3º O delegado de polícia conduzirá a investigação criminal de acordo com seu livre convencimento
técnico-jurídico, com isenção e imparcialidade.” (VETADO)
Razões do veto do art. 2, § 3º, Lei n. 12.830/13
“Da forma como o dispositivo foi redigido, a referência ao convencimento técnico-jurídico poderia sugerir um
conflito com as atribuições investigativas de outras instituições, previstas na Constituição Federal e no Código
de Processo Penal. Desta forma, é preciso buscar uma solução redacional que assegure as prerrogativas
funcionais dos delegados de polícias e a convivência harmoniosa entre as instituições responsáveis pela
persecução penal”

5.6. Procedimento indisponível.


O inquérito não pode ser arquivado pelo próprio delegado de polícia, sendo necessário a sua remessa ao Poder
Judiciário para que o MP a requeira.
CPP, Art. 17. “A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.”

5.8. Procedimento temporário.


O inquérito tem uma natureza temporária.

✓ Investigado preso: o prazo de 10 dias, prorrogável de acordo e nos limites legais.


✓ Investigado solto: o prazo de 30 dias, sendo admitida prorrogações, sem limite legal.

16
www.g7juridico.com.br
O grande problema da prorrogação de inquérito de investigado solto reside no fato da legislação estabelecer
consequência prática para o descumprimento do prazo, o que acaba se tornando prejudicial ao indivíduo
investigado, motivo pelo qual a doutrina sustenta ser aplicável a todo procedimento investigatório a garantia da
razoável duração do processo. Neste sentido:

STJ: “(...) No caso, passados mais de 7 anos desde a instauração do Inquérito pela Polícia Federal do Maranhão,
não houve o oferecimento de denúncia contra os pacientes. É certo que existe jurisprudência, inclusive desta
Corte, que afirma inexistir constrangimento ilegal pela simples instauração de Inquérito Policial, mormente
quando o investigado está solto, diante da ausência de constrição em sua liberdade de locomoção (HC
44.649/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJU 08.10.07); entretanto, não se pode admitir que alguém seja objeto de
investigação eterna, porque essa situação, por si só, enseja evidente constrangimento, abalo moral e, muitas
vezes, econômico e financeiro, principalmente quando se trata de grandes empresas e empresários e os fatos
já foram objeto de Inquérito Policial arquivado a pedido do Parquet Federal. Ordem concedida, para determinar
o trancamento do Inquérito Policial 2001.37.00.005023-0 (IPL 521/2001), em que pese o parecer ministerial em
sentido contrário. (STJ, 5ª Turma, HC 96.666/MA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 04/09/2008, DJe
22/09/2008). “

Em outro precedente, atinente à investigação da prática de crime de peculato que se arrastava por quase 6 (seis)
anos, sem que tivesse sido formada a opinio delicti e sem que houvesse quaisquer notícias concretas de que os
procedimentos estivessem próximos do fim, a 6ª Turma do STJ (RHC 106.041-TO, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,
j. 16.06.2020, DJe 10.08.2020) concedeu a ordem para fins de determinar o trancamento dos inquéritos policiais,
porquanto configurada patente ineficiência estatal.

Nova Lei de Abuso de Autoridade


Art. 31. “Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.”

17
www.g7juridico.com.br

Você também pode gostar