Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
Marcelo Novelino
Direito Constitucional
Aula 03
ROTEIRO DE AULA
NORMAS CONSTITUCIONAIS
1. ESPÉCIES NORMATIVAS
- A doutrina tradicional sempre realizou uma distinção entre princípios e normas como se fossem
espécies distintas. Os princípios, geralmente, eram tratados como princípios gerais do direito,
diretrizes sem caráter vinculante, as quais não estabeleciam obrigações aos poderes públicos,
principalmente, no caso das declarações de direitos fundamentais, as quais não vinculavam o
legislador. Os princípios eram chamados de normas programáticas. E, embora carregassem esse
nome, os princípios eram vistos como destituídos de normatividade, sendo tratados apenas como
diretrizes morais e parâmetros para o interprete-aplicador. Ao lado dos princípios, existiam as normas,
que eram comandos obrigatórios (vinculantes).
- Esta distinção clássica, adotada pela maioria da doutrina até algumas décadas atrás, atualmente
encontra-se superada.
Distinção contemporânea: Normas = princípios e regras (Ronald Dworkin e Robert Alexy) (TJSP 2017).
1
www.g7juridico.com.br
- A distinção clássica foi superada, graças, sobretudo, ao trabalho de Ronald Dworkin e Robert Alexy.
A obra dos referidos autores foi fundamental para o reconhecimento de que todos os dispositivos da
Constituição possuem caráter normativo, sejam eles normas-princípio ou normas-regra.
- Fato é que a ideia de normas programáticas (que estabelecem diretrizes sem qualquer vinculação ou
obrigatoriedade) está totalmente superada, motivo pelo qual todas as normas contidas na
Constituição - com exceção de seu Preâmbulo - são normas do tipo princípio ou norma do tipo regra.
A diferença entre princípios e regras dependerá da teoria a ser adotada, conforme será estudado nesta
aula.
“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério
para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do
sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido humano” (Celso Antônio Bandeira de
Mello) (DPC/GO 2013).
Obs.: Nota-se que na definição acima, o que identifica um princípio é o seu caráter fundante dentro
do ordenamento jurídico, é o seu papel de norma basilar do sistema, tanto que, na visão do autor, a
violação a um princípio era muito mais grave do que a violação a uma regra, por se tratar de um
alicerce do sistema jurídico.
Obs.: A definição de princípio de Celso Antônio Bandeira de Mello orientou, por exemplo, a
denominação dada ao princípio da legalidade, já que esta norma basilar do ordenamento recebe o
nome de princípio - embora não possua estrutura de princípio, já que não é ponderada com outros
princípios para Robert Alexy, vez que para este autor se trata de uma regra.
Da mesma forma ocorre com o princípio da anterioridade eleitoral e da proporcionalidade, chamados
de princípios apenas em razão da importância que possuem no ordenamento jurídico, já que possuem
estrutura de regras. Desta forma, tem-se que o conceito trazido por Bandeira de Mello possui
determinada influência na doutrina brasileira, sendo a ideia da qual se parte para a denominação de
um princípio.
2
www.g7juridico.com.br
HUMBERTO ÁVILA
- Em seu livro, Teoria dos Princípios, Humberto Ávila trata de diferenciar aquilo que chama de normas
de primeiro e segundo grau, encaixando no primeiro grupo os princípios e regras e, no segundo, os
postulados hermenêuticos e os postulados normativo-aplicativos. O critério da classificação
empreendido por Ávila é o da natureza da conduta prescrita pela norma.
PRINCÍPIOS “são normas que estabelecem fins a serem buscados” (Humberto Ávila). Ou seja, uma
norma principiológica estabelece um objetivo ou uma meta que devem ser perseguidos pelo Poder
Público.
Ex.: Art. 3º da CF – “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil...”
POSTULADOS NORMATIVOS “são deveres de segundo grau que, situados no âmbito das metanormas,
estabelecem a estrutura de aplicação e prescrevem modos de raciocínio e argumentação no tocante
a outras normas”.
As metanormas são normas que tratam da aplicação de outras normas, de forma que determinado
princípio será aplicado de acordo com o critério estabelecido por outra norma, sendo esta última
denominada de metanorma.
Ex.: a rigor o postulado normativo da proporcionalidade não é um princípio, vez que composta por
diversas regras, como a regra da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido
estrito, motivo pelo qual é uma metanorma, já que os princípios são aplicados com a utilização da
estrutura formal do princípio proporcionalidade, que na verdade é um postulado.
HAGE E PECZENIK
PRINCÍPIOS “são normas que fornecem “razões contributivas” para a decisão;
REGRAS são normas que fornecem “razões definitivas” para a decisão;
3
www.g7juridico.com.br
A regra define uma conduta, contudo, não significa dizer que não seja necessário ser interpretada,
pois existem situações que mesmo não sendo abrangida por uma regra, caso esteja no âmbito de sua
aplicação, as razões por ele definidas. Por outro lado, os princípios fornecem para as decisões razões
contributivas, não sendo uma regra, ante a possibilidade de alteração mediante outro princípio.
Ex.: de acordo com o artigo 5º, inc. X, da CF, "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação”. Contudo é possível que a imagem de determinada pessoa seja divulgada por se tratar
de fugitivo, pois outro princípio justifica esta intervenção.
- Portanto, aquilo que está contido em um princípio jurídico vai contribuir para a decisão. O princípio
não define o resultado da decisão, apenas fornece razões favoráveis ou contrárias a determinados
sentidos.
RONALD DWORKIN
REGRAS são normas que obedecem à lógica do “tudo ou nada”.
- Quando uma regra trata de um determinado assunto, ou ela é aplicada ou não é aplicada.
PRINCÍPIOS são normas que trazem em si uma “exigência de justiça, de equidade ou alguma outra
dimensão de moralidade” (Ronald Dworkin);
- Para Dworkin, os princípios são aquelas normas que consagram opções ou valores político-morais
acolhidos por uma determinada comunidade em um dado momento histórico. São normas que
funcionam como instrumentos de limitação do Poder, constituindo os grandes fundamentos do
Direito vigente nesta comunidade. Segundo o autor, não existe uma diferença de estrutura entre os
princípios e as regras. Os princípios são aquelas normas que fundamentam o ordenamento jurídico,
não havendo que se falar em ponderação.
DIRETRIZES POLÍTICAS (POLICY) são standards que estabelecem um objetivo a ser alcançado.
Ex.: Art. 3º da Constituição Federal.
ROBERT ALEXY
PRINCÍPIOS são “normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das
possibilidades jurídicas e fáticas existentes” (Robert Alexy)
4
www.g7juridico.com.br
- O que determinará a maior medida possível serão as possibilidades jurídicas e fáticas existentes.
Possibilidades jurídicas são as outras normas envolvidas no caso específico, especialmente os
princípios que apontam em sentido oposto. Assim, em um primeiro momento, há que se verificar
quais são as normas envolvidas no caso específico, bem como as direções para as quais elas apontam.
As circunstâncias fáticas existentes são as peculiaridades do caso concreto.
Exemplo 1: Determinada matéria publicada por uma revista ofende a honra de alguém. Para saber se
há dever de indenizar, o juiz deverá analisar o confronto entre direito à privacidade e à liberdade de
informação, verificando se a informação é relevante; atual e verdadeira, bem como se a pessoa é uma
pessoa pública. Só considerando tais aspectos é que será possível determinar se a revista deve
indenizar ou não.
Exemplo 2: Os princípios descritos no artigo 3º da CF não devem obedecer a lógica do tudo ou nada,
devendo ser aplicados em diferentes medidas, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas
existentes.
5
www.g7juridico.com.br
✔ Prima facie
- Os princípios contêm um comando “prima facie”, ou seja, apontam para uma direção, mas o juiz só
terá certeza de que aquela direção apontada pelo princípio é a definitiva depois de analisar as
circunstâncias fáticas e jurídicas envolvidas (= ponderação). A solução dada pelo princípio é uma
solução apenas provisória. Trata-se de um comando que fornece uma razão contributiva para a
solução do caso em um primeiro momento, mas que, após a análise dos demais princípios envolvidos,
pode acabar sendo afastado.
Exemplo.: quando a Constituição estabelece a inviolabilidade do direito à privacidade ela não está
dizendo que qualquer tipo de intromissão é inconstitucional, mas sim que, em um primeiro momento,
deve-se respeitar a honra; a imagem e a vida privada das pessoas, o que não significa que a incidência
de outros princípios não possam determinar a relativização da privacidade e dada circunstância.
✔ Peso relativo
- O peso dos princípios depende das circunstâncias fáticas e jurídicas envolvidas, ou seja, do caso
concreto, motivo pelo qual, de acordo com esta teoria, não se pode ter uma hierarquização de
princípios. É por isso que quando a Constituição prevê que a privacidade é inviolável, ela não está a
dizer que tudo pode ser feito em nome dessa garantia, mas sim que ela será mais ou menos inviolável
de acordo com os outros princípios que conviverem com ela em dada circunstância fática. Ou seja,
pode a privacidade ter mais peso que o direito à informação em um caso, mas não em outro.
✔ Ponderação
- A ponderação nada mais é do que um método para tomar decisões complexas, levando-se em
consideração as várias razões envolvidas no caso.
A crítica dispensa a teoria de princípios encontra respaldo no fato de que os critérios utilizados para
definição de qual princípio possui maior peso no caso concreto variam de acordo com o subjetivismo
de cada intérprete. Conduto, é a argumentação jurídica dispensada pelo intérprete que justifica o
motivo de determinado princípio possuir maior peso quando comparado a outro, sendo ela a
responsável por controlar sua subjetividade.
O sopesamento pode ser realizado pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como pelo
Poder Originário, pois quando este último cria uma regra, na realidade está realizando a ponderação
de princípios superiores, que resulta uma norma mais concreta.
Em suma, toda regra resulta de uma ponderação de princípios, seja esta ponderação realizada pelo
Poder Constituinte Originário, pelo legislador ordinário ou pelo Poder Judiciário.
6
www.g7juridico.com.br
Exemplo: CRFB/88, Art. 5º, IX
CRFB/88, Art. 5º, IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença;
Lei 9.605/98, Art. 65. Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
- Lógica do “tudo ou nada” e subsunção: enquanto os princípios são objeto de ponderação, as regras
são aplicadas a subsunção. Ou seja, a partir do momento que extraímos uma regra da ponderação dos
princípios, ela funcionará como premissa maior do silogismo que utilizaremos para solucionar o caso
concreto. Vale anotar que a subsunção não é um procedimento simples, pois para chegarmos à
conclusão de que determina regra é aplicável ao caso concreto, é necessário interpretar o dispositivo
e, o processo de interpretação, é extremamente complexo na maioria das vezes.
Definição: consiste na não aplicação de regras válidas em razão da excepcionalidade do caso concreto,
cujas circunstâncias específicas não poderiam (ou não deveriam) ser ordinariamente previstas pelo
legislador ordinário.
- Quando o legislador cria uma lei, ele o faz pensando em uma situação de normalidade. Por isso,
quando surgem situações excepcionalíssimas, cabe ao aplicador do direito levar em consideração
7
www.g7juridico.com.br
outras normas igualmente consagradas pelo ordenamento para verificar se determinada regra deve
ser afastada ou não. Nota-se, portanto, que na derrotabilidade, há uma ponderação de princípios
subjacentes àquela regra.
Ponderação: Princípio da Justiça (PJ) + Princípios que Justificam o Afastamento da Regra (PJAR) x
Princípio da Segurança Jurídica (PSJ) + Princípios Subjacentes à regra que está sendo superada (PSR);
- Prevalecendo os dois primeiros princípios, haverá derrotabilidade. Do contrário, não poderemos falar
em derrotabilidade.
- Art. 2º Não se aplica o art. 16 da Constituição Federal ao disposto nesta Emenda Constitucional;
8
www.g7juridico.com.br
II) Inconstitucionalidade em concreto: a norma, em tese, é compatível com a Constituição, mas a sua
aplicação ao caso concreto pode gerar algum tipo de inconstitucionalidade.
STF - ADI 223 MC/DF: “[...] a solução estará no manejo do sistema difuso, porque nele, em cada caso
concreto, nenhuma medida provisória pode subtrair ao juiz da causa um exame da
constitucionalidade, inclusive sob o prisma da razoabilidade, das restrições impostas ao seu poder
cautelar, para se entender abusiva essa restrição, se a entender inconstitucional, conceder a liminar,
deixando de dar aplicação, no caso concreto, à medida provisória, na medida em que, em relação
àquele caso, a julgue inconstitucional”.
Exemplo¹.: na Alemanha nazista, havia vários dispositivos constitucionais que permitiam o confisco de
bens dos judeus. Após a segunda guerra mundial, embora esses dispositivos estivessem em leis
constitucionais, o Tribunal Constitucional Federal Alemão considerou que eram dispositivos
extremamente injustos e que, portanto, violavam normas de sobredireito.
Exemplo².: tempos atrás, uma determinada mãe havia entrado com ação de reconhecimento de
paternidade, mas não conseguiu comprovar a paternidade do filho pois o exame de DNA ainda não
era patrocinado pelo estado. Anos depois da decisão que não reconheceu a paternidade ter transitado
em julgado, o DF passou a fornecer esse tipo de exame. Diante disso, a Defensoria entrou com ação
pedindo a realização do exame de DNA mesmo havendo coisa julgada. Neste caso, o STF afastou a
aplicação de uma regra, relativizando a coisa julgada em homenagem ao direito fundamento à busca
da identidade genética.
STF – RE 393.889/DF: “[...] 2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de
investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo
genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que
pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. 3. Não devem ser impostos
óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética,
como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente
9
www.g7juridico.com.br
efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da
paternidade responsável.”
2. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À EFICÁCIA (TJPR 2017) (MP/CE 2020) (JOSÉ AFONSO DA SILVA no livro
“Aplicabilidade das Normas Constitucionais”)
EFICÁCIA é a aptidão da norma para produzir seus efeitos regulares. Toda norma constitucional tem
eficácia, ainda que negativa. O que as diferenciam é o grau de sua eficácia que possuem.
- Quando se diz que a norma tem aplicabilidade DIRETA, significa que ela pode ser aplicada ao caso
concreto independentemente de qualquer outra vontade. Não necessita de nenhuma intermediação.
Não é necessária a vontade do legislador criando uma lei para regulamentá-la, podendo ser
diretamente aplicada.
- Quando se fala em aplicabilidade IMEDIATA, significa que ela não depende de nenhuma condição
para ser aplicada ao caso concreto. Exemplo de condição é a condição temporal (como ocorre no caso
do art. 34 do ADCT – prazo previsto para que o novo sistema tributário entrasse em vigor).
- A norma de eficácia plena possui, ainda, aplicabilidade INTEGRAL. Ou seja, não se sujeita a nenhuma
restrição, embora possa ser objeto de regulamentação.
CRÍTICA (Virgílio Afonso da Silva): a crítica mais contundente à teoria de José Afonso da Silva é com
relação à impossibilidade de restrição da norma, pois a regulamentação implica em forçosa restrição
do conteúdo. Regulamentação e restrição possuem uma linha muito tênue, sendo difícil analisar, em
determinados casos, o que é regulamentação e o que é restrição.
- Se a lei restringir o âmbito de aplicação da norma, tal lei será considerada inconstitucional. São
exemplos nesse sentido: (i) normas que estabelecem proibições (Art. 145, §1º); (ii) normas que
estabelecem vedações (Art. 19); (iii) normas que estabelecem isenções (Art. 184, §5º); (iv) normas que
estabelecem imunidades (Art. 53 – Imunidade material dos parlamentares – Os deputados e
senadores são invioláveis civil e penalmente por suas opiniões, palavras e votos. As normas que
10
www.g7juridico.com.br
consagram imunidades como esta geralmente são de eficácia plena. Esta norma não depende de lei,
ela se aplica diretamente aos casos previstos por ela).
Exemplo: o legislador não pode dizer que os parlamentares tem imunidade apenas dentro do
Congresso Nacional, pois isso seria uma restrição indevida a imunidade material. Por outro lado,
poderia o mesmo legislador determinar que as manifestações fora do Congresso devem ter
pertinência com o mandado, pois aí haveria regulamentação e não restrição, conforme sustenta José
Afonso da Silva. Segundo o autor, neste último caso citado, seria possível extrair tal interpretação do
próprio conteúdo do dispositivo, como faz o próprio STF quando entende que nas manifestações
dentro do Congresso é dispensável a pertinência temática, pois dentro do Congresso a pertinência
temática é pressuposta. Daí concluirmos que tais normas podem ser regulamentadas, mas não
restringidas.
Exemplo: CRFB/88, Art. 230, §2º. Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos
transportes coletivos urbanos. => (TJ/SE 2014) – Trata-se de norma de eficácia plena, pois, segundo a
jurisprudência do Supremo, não necessita de lei regulamentadora.
A lei poderia estabelecer um número máximo e mínimo de assentos, como por exemplo 20% dos
assentos, já que estaria realizando uma regulamentação e não uma restrição, de acordo com o
entendimento de José Afonso da Silva,
CRFB/88, art. 5º, XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer. (MP/PR 2014)
11
www.g7juridico.com.br
– Nota-se que, se não existir lei estabelecendo qualificação profissional, a pessoa pode exercer
livremente aquela profissão, como os advogados, já que, hoje, a lei exige que sejam bachareis em
direito e que tenham sido aprovados no exame de ordem. Os corretores de imóveis também são
exemplo, pois não existia uma restrição ao exercício desta profissão. Atualmente, a lei restringe, pois
a pessoa tem que ter a inscrição no órgão de classe; caso contrário, não pode exercer a profissão,
assim como os dentistas.
Desta forma, existem profissões que dependem de requisitos determinados em lei; profissões que
não podem ter a exigência de diploma (ex.: jornalista - STF). Contudo, não significa dizer que o
exercício de uma profissão depende de lei, pois é possível o exercício de qualquer ofício ou profissão
desde que inexista restrição legal, ou seja, a lei pode apenas restringir o exercício profissional desde
que obedecido o princípio da proporcionalidade, não sendo possível o estabelecimento de requisitos
inadequados, abusivos e desproporcionais.
- A interpretação dada pelo Supremo é de que esta norma é de eficácia limitada, ou seja, depende de
uma outra vontade – a do legislador - para ser aplicada no caso concreto. Enquanto a lei não for criada,
esta norma só poderá ser aplicada ao caso concreto se impetrado um mandado de injunção. Neste
caso, quem suprirá a omissão será o Judiciário, ou seja, a norma continua dependendo de uma outra
vontade (intermediação).
12
www.g7juridico.com.br
Exemplo: CRFB/88, art. 102, § 1º (ADPF)
CRFB/88, art. 102, § 1º. A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta
Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.
OBS.: É a lei que deveria dar estrutura à ADPF. Por isso, somente após o advento da Lei nº 9.882/199
é que a ADPF passou a ser utilizada no caso concreto.
STF - Pet 1.365 QO/DF: “[...] 5. Natureza da argüição de descumprimento de preceito fundamental da
Constituição , prevista em seu art. 102, § 1º. 6. Enquanto não se editar lei estabelecendo a forma
pela qual será apreciada a argüição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da
Constituição’, o Supremo Tribunal Federal não poderá processá-la e julgá-la. Regra não auto-
aplicável. Precedentes do Plenário do STF...”.
- Da leitura do julgado anterior se extrai a classificação de normas auto-aplicáveis, que não depende
de intermediação, e norma não auto-aplicável, que depende de intermediação, assim como a
classificação realizada por Pontes de Miranda de norma bastante em si e não bastante em si, sendo o
disposto no art. 102, § 1º, CRFB/88, uma norma não bastante em si, vez que depende de uma
intermediação do legislador.
13
www.g7juridico.com.br
- O dispositivo acima é claramente uma norma de princípio programático, mas o Supremo, com o
intuito de conferir efetividade à Constituição, passou a interpretá-lo como norma de eficácia plena
por razões de política constitucional. Assim, com base neste dispositivo, vários deveres são impostos
ao Estado, como, por exemplo, fornecimento de medicamentos, internação de pessoas etc.
- O professor destaca que norma é o resultado da interpretação do texto, de forma que um mesmo
texto pode possuir diversas interpretações, podendo ser interpretado como norma de eficácia, plena,
contida ou limitada, como no caso do dispositivo da Constituição Federal que trata da limitação de
juros a 12% ao ano que, à época de sua vigência, as três possibilidades de eficácia eram sustentadas
por doutrinadores, sendo declarada pelo STF como norma de eficácia limitada e dependia de lei.
2.4.2. NORMAS DE EFICÁCIA EXAURÍVEL E DE EFICÁCIA EXAURIDA (OU ESVAÍDA) (UADI LAMMÊGO
BULOS)
- A norma de eficácia exaurida é a norma que, por já ter sido aplicada ao caso concreto, exauriu sua
eficácia.
- A norma de eficácia exaurível é aquela que terá sua eficácia extinta após ser aplicada ao caso
concreto.
14
www.g7juridico.com.br
- As normas do ADCT preveem uma hipótese e, quando esta hipótese ocorre, elas exaurem a sua
eficácia, pois completam a transição para a qual foram criadas. Daí se conclui que as normas do ADCT
são normas de eficácia exaurível enquanto não aplicadas ao caso previsto por elas, e de eficácia
exaurida depois de aplicadas ao caso concreto.
Obs.: até a revisão constitucional prevista no art. 3º do ADCT ocorrer, esta era uma norma de eficácia
exaurível, ou seja, a eficácia dela iria se exaurir quando aplicada. A partir do momento em que ocorreu
a revisão constitucional, esta norma passou a ser de eficácia exaurida (ou esvaída). Ela não tem mais
eficácia, isto é, não pode mais ser aplicada ao caso concreto, uma vez que a hipótese por ela prevista
já ocorreu.
- Desta forma, é possível a mudança de classificação de um dispositivo, o que ocorreu com todas as
normas do sistema tributário nacional, pois nos cinco primeiros meses da promulgação da
Constituição Federal possuíam eficácia limitada, vez que dependiam de uma condição temporal para
entrarem em vigor e produzirem efeitos. A partir do momento que entraram em vigor, deixaram de
ser normas de eficácia limitada e passaram a ser normas de eficácia plena, contudo, algumas
continuaram sendo de eficácia limitada.
- A diferença entre o preâmbulo e os demais dispositivos, segundo parte da doutrina, seria quanto à
eficácia e ao papel que desempenha.
15
www.g7juridico.com.br
TESES:
I) NATUREZA NORMATIVA (IDÊNTICA EFICÁCIA JURÍDICA): de acordo com esta tese, o preâmbulo
deve ser compreendido como um conjunto de preceitos jurídicos com eficácia jurídica idêntica a dos
demais. O preâmbulo teria força normativa, ou seja, seria uma norma jurídica, e, como tal, serviria
como parâmetro para o controle de constitucionalidade.
II) NATUREZA NÃO NORMATIVA: o preâmbulo não é conjunto de normas jurídicas e, por este motivo,
não pode ser adotado como parâmetro para o controle de constitucionalidade.
- De acordo com Supremo, o preâmbulo é destituído de valor normativo e de força cogente. Logo, não
pode ser invocado como parâmetro para o controle de constitucionalidade. Este entendimento foi
adotado em um caso envolvendo a Constituição do Acre, única constituição estadual no Brasil que não
prevê em seu preâmbulo “promulgamos sob a proteção de Deus”. Ajuizaram uma ADI questionando
sua constitucionalidade, sob o argumento de que ao não consagrar “promulgamos sob a proteção de
Deus”, tal preâmbulo estaria violando o preâmbulo da Constituição da República, por ser este uma
norma de observância obrigatória. O STF adotou o entendimento de que o preâmbulo não é norma,
razão pela qual não poderia ser invocado como parâmetro para o controle de constitucionalidade.
STF - ADI 2.076/AC: “Constituição do Acre. [...] II. - Preâmbulo da Constituição: não constitui norma
central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na
Constituição estadual, não tendo força normativa. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada
improcedente.”
16
www.g7juridico.com.br
- O preâmbulo pode ser considerado uma importante diretriz hermenêutica, pois nele estão
consagrados os valores supremos da sociedade, isto é, os fins últimos que a Constituição visa realizar.
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir
um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL.
I) A Constituição propriamente dita, que decorre de uma decisão política fundamental sobre as
matérias constitucionais (direitos e garantias fundamentais, estrutura do estado e organização dos
poderes), fica inteiramente revogada;
II) As leis constitucionais, cujo conteúdo for compatível com o da nova ordem constitucional, são
recepcionadas como normas infraconstitucionais, ocorrendo a chamada desconstitucionalização.
- Trata-se de norma que é apenas formalmente constitucional. Se uma nova Constituição for editada
em 2050 e não mencionar nada acerca do Colégio Pedro II, o dispositivo em questão seria
recepcionado por ela na qualidade de lei ordinária, operando-se a desconstitucionalização.
17
www.g7juridico.com.br
- Vale lembrar, porém, que, no Brasil, apenas em caso de previsão expressa por parte da nova
Constituição é que será possível falar sobre desconstitucionalização.
Exemplo².: CE/SP 1967, Art. 147: Consideram-se vigentes, com o caráter de lei ordinária, os artigos
da Constituição promulgada em 9 de julho de 1947 que não contrariem esta Constituição.
- O fundamento aqui é o princípio da unidade do ordenamento jurídico, que impede que normas
materialmente incompatíveis possam ter vigência simultânea, dado que o ordenamento deve
constituir-se em um conjunto de normas harmônicas e coerentes.
Regra: a incompatibilidade formal superveniente não impede a recepção da norma: a norma, contudo,
ganha uma nova roupagem.
Exemplo: CTN (Lei nº 5.172/1966). Esta lei, originariamente, é ordinária, até porque em 1966 estava
em vigor a Constituição de 1946 e ela não previa a lei complementar, que só surgiu, posteriormente,
na Constituição de 1967. Quando o CTN foi recepcionado pela Constituição de 1967, ele passou a ter
o status de lei complementar, porque a Emenda contida na Constituição de 1967 passou a exigir que
normas gerais de direito tributário fossem tratadas por lei complementar. Mas como a
18
www.g7juridico.com.br
incompatibilidade formal foi superveniente, ou seja, surgiu depois que o CTN já havia sido feito de
acordo com a Constituição de 1946, neste caso, ela não impediu a recepção. Foi recepcionado, mas
ganhou uma nova roupagem - o status de lei complementar -, o qual foi mantido na Constituição de
1988. Isso significa que, embora o CTN tenha sido feito como lei ordinária, seus dispositivos só podem
ser revogados por lei complementar.
Exceção: quando a nova Constituição passa a competência de um ente menor (Estado) para um ente
maior (União) não é possível a recepção. A título de exemplo, não há como a União recepcionar as leis
dos Estados-membros, porque temos 26 Estados na federação mais o DF. Não tem como a União
recepcionar 27 leis diferentes. Do mesmo modo, não tem como recepcionar as leis dos Municípios.
- Se a competência era de um ente maior e passa para um ente menor, o ente menor pode recepcionar
a lei que era do ente maior.
Recepção material de normas constitucionais: a recepção pode ocorrer também em relação a normas
constitucionais. Foi o que ocorreu, no Brasil, com relação ao art. 34 do ADCT: a Constituição de 1988
recepcionou temporariamente o sistema tributário nacional instituído pela Constituição de 1969, pelo
período de 5 meses, até o início da vigência do novo sistema tributário. Esta recepção só é possível se
houver previsão expressa, pois, caso contrário, ocorre a revogação por normação geral.
19
www.g7juridico.com.br
- Se for adotada a teoria de Hans Kelsen, segundo a qual a lei inconstitucional é apenas um ato
anulável, a constitucionalidade superveniente pode ser admitida.
Exemplo: foi feita uma lei incompatível com a constituição. Contudo, esta lei não foi declarada
inconstitucional pelo STF. Antes de ela ser declarada inconstitucional, houve uma mudança na
constituição e surgiu um novo parâmetro através da emenda. Como essa lei não foi declarada
inconstitucional, ela poderia ser constitucionalizada pelo novo parâmetro.
- Contudo, segundo a teoria adotada nos EUA, a lei inconstitucional não é apenas um ato anulável,
mas sim um ato nulo. Se ela é um ato nulo, significa que já nasceu morta, sendo que este vício de
origem não pode ser sanado.
- No Brasil, prevalece a tese de que a lei inconstitucional é um ato nulo, não se admitindo, por
conseguinte, a constitucionalidade superveniente. Nesse sentido: ADI nº 2.158 e ADI nº 2.189.
STF – ADI 2.158 e ADI 2.189: “Em nosso ordenamento jurídico, não se admite a figura da
constitucionalidade superveniente. [...] Lei estadual 12.398/1998, que criou a contribuição dos
inativos no Estado do Paraná, por ser inconstitucional ao tempo de sua edição, não poderia ser
convalidada pela EC 41/2003.”
- A EC 41/2003 trouxe a previsão da contribuição de inativos, que antes não era admitida no direito
constitucional brasileiro. Contudo, a Lei do Estado do Paraná é anterior (1998) à referida emenda
(2003). Quando esta ADI foi julgada, a Emenda 41 estava em vigor. A Lei 12.398/1998 ainda não havia
sido declarada inconstitucional.
- Se o Supremo adotasse a teoria do Hans Kelsen, poderia dizer que a lei 12.398/1998 era inválida até
o advento da Emenda 41/20013, mas que posteriormente foi constitucionalizada, podendo ser
aplicada dali em diante. Como o Supremo não admite essa tese, esta lei foi considerada
inconstitucional (nasceu morta) e o Estado do Paraná teve que fazer uma outra lei.
20
www.g7juridico.com.br
(≠ Repristinação tácita: consiste na restauração automática da vigência de uma norma efetivamente
revogada).
- O art. 2o, § 3º, da LINDB dispõe que “salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura
por ter a lei revogadora perdido a vigência”. Ou seja, no Direito brasileiro admite-se apenas a
repristinação expressa, e não a repristinação tácita.
- A lei “A” é revogada pela lei “B”. A lei “C” revoga a lei “B”. Na repristinação, com a revogação da lei
“B”, a lei “A” não volta a ter efeitos novamente, salvo se a lei “C” prever a repristinação da lei “A”
expressamente.
ATENÇÃO: embora a repristinação tácita não seja admitida, o efeito repristinatório tácito pode ocorrer
em alguns casos nos quais a revogação da norma é apenas aparente.
Exemplos:
I) Decisão de mérito proferida no controle abstrato com efeito “ex tunc”;
- Neste caso a inconstitucionalidade está sendo declarada desde a origem da lei.
Exemplo: uma lei A foi revogada, aparentemente, por uma lei B. Essa lei B foi objeto de uma ADI. O
STF declara a lei B inconstitucional com efeito ex tunc, ou seja, com efeito retroativo, sem modular os
efeitos temporais da decisão (vício de origem). Isto significa que a lei B é inconstitucional desde a sua
origem. Se ela é inconstitucional desde sua origem, ela não poderia ter revogado a lei A. Neste caso,
a revogação foi apenas aparente. A partir do momento em que o Supremo julgar procedente a ADI,
essa lei A volta a ser aplicada (efeito repristinatório tácito).
21
www.g7juridico.com.br
II) Lei nº 9.868/99, art. 11, § 2º - trata da concessão de medida cautelar na ADI.
Exemplo: uma lei “A” é aparentemente revogada por uma lei “B”. A lei “B” é objeto de uma ADI. Na
ADI, pede-se a concessão de uma medida cautelar. Ao conceder a medida cautelar, se o Supremo não
disser nada a respeito da legislação anterior (Lei “A”), esta medida cautelar suspenderá a vigência e
eficácia da lei “B”, e fará com que, automaticamente, a lei “A” volte a produzir efeitos.
Lei nº 9.868/99, art. 11, § 2º. “A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior
acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.”
3.5) MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL (TJ/MG 2012) (TJ/DFT 2014 E 2015) (TJ/SP 2017)
Definição: é um processo informal de alteração da Constituição sem modificação de seu texto. Ou
seja, o conteúdo da Constituição é alterado, mas o texto da Constituição permanece o mesmo.
- A mutação só é possível porque texto e norma são diferentes (a norma é produto da interpretação
do texto).
● MECANISMOS DE MUTAÇÃO:
Costume constitucional: norma constitucional não escrita.
Interpretação: quando o guardião da Constituição (no Brasil, o STF) confere uma interpretação
diferente ao dispositivo, há mutação.
● PRESSUPOSTOS DE LEGITIMIDADE
Para ser considerada legítima, a mutação deve atender a alguns pressupostos. Segundo Canotilho, são
dois os pressupostos:
(i) Respeito ao programa normativo (texto da norma): a mutação não pode extrapolar os limites do
texto.
Exemplo: no caso do Art. 52, X da CF o texto do dispositivo não comporta a interpretação de que o
senado deve dar maior publicidade às decisões do STF, tal como pretende o Ministro Gilmar Mendes.
22
www.g7juridico.com.br
(ii) Não violação de princípio estruturantes: princípio da separação dos poderes, princípio federativo
e outros que servem de alicerce ao ordenamento brasileiro.
Exemplo: STF – HC 82.959/SP: “Nova inteligência do princípio da individualização da pena (CF, art.
5º, XLVI), em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei
8.072/90.”
STF – HC 90.450: “A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder
Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da
Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria
Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora,
com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais,
econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade
contemporânea.”
23
www.g7juridico.com.br