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moe ofeg weg sit] soyonavaL, VAVINAWAY 4 VISIATE ORIYSUAAINY 9'SZ OG VALLVYONAINOD OVSIAA aLaV Vd SOGNNIN waoag “§ CAVMOH. ee He INDICE GERAL inde de Must9 864 ene : ct 1 Pri ® Eito Comemorntve do 25 Anerson as Preto 8 Pm Eg. a = Aras c : 2 ieee |. Munds da Arte e Actividad Coetva : Fa pa AS Convenes nn eee 38 ae 3.AMobilizgso dos Recursos... 0 eet 4. Aisi ds Obras de Ar. . » Caren 5. ABaies, os Estas 08 Cito. ‘ oa t : BAAR 0 E8860 : . 2 de aa 1 AW 2 Si eo Dev : m Seed 8. Poisons Integrados, Mave, Aris Populares ¢ Na. 196 aes 9. AME © AMESBIAIO nanan Beceeeeeeeee m9 cod 10.A Madang 20 Mido 8 Ase nc _ "e WA Rept as a See ier 12, Epilogo & Edigiio Comemorativa do 25." Aniversério ne 302, Bibog@fa nn : 33 face Remsen ea s INDICE DE ILUSTRAGOES | Pl de i de Sonne erp ein pe pe Edo, Jap; ans, poets caligrafo desconbtid0§ cn vo 2, Marcel Duchamp, £#.0.0.0..0nn . 3, cecummings, epophesseg-m 4, Tetsdesenos realists de uma S08 nnn 5. Jim Soh e Diana Weber cm Rome Justa de Prokefew pelo San Fransisco Balle, 6, Simbolo convencionss pra indicer as caas de bao de homens e mulheres 1 Iterpretagdo de Format I pelo Oberlin Dance Collective 8. Meste dos Pains Barberini, Amunclagb0: Refer 9. Pattura de Formar If de Randolph Coleman... 10. Robert Frank, Nowy Recruiting Staion, Pst Ofice ~ Bute, Montana. 1 Inerpretagao da pega Oedipus de Harry Patch 12. Cena do me Sob a Bandera da Coragem,realianéo por John Huston, 13, Programa de um coneerto dado por Ludvig van Beethoven a 2 de Abril de 1800. 14, Catz anuneiando «The Bus Show. 15, Bxposioto «The Bus Showy a 16, Marcel Duchamp, En avance di bras Cas. 17 Andy Watbol, rio 18, Marcel Duchamp, Fomine oe 19. ilo César de Shakespeare num encenasdo de Orson Welles, com um guarda-oupa modem. 6 8 6 31 6 6s 0 ” ” 8 2 ren ba wT 139 140 us 160 Mundos da Ae 20, Howard S. Becker, Te Blesing ofthe Fishing Flee in San Francisco, fotografia e provade contacto sn 21. A performance Cookie pelos membros do Tactile Art Group 22. Charles Ives 23. Conlon Nancarow ea instrument para cir as suas composes para piano 24, Pade de Col 25, Relusos cantando 26, Simon Rodi, 2s Totes Wats 27, James Hampton, Tone ofthe hid Heaven ofthe National Milenumn General “Assonbly 28, Robert Arneson Sinking Brot Plats. 29, Marilyn Levine, Brown Sahel 30, Robert meson, Typewriter. 31. Robert Ameson, 4 Tremendous Teapot 32. (8) Geraude Kasebier,fooprafa sem tla. (0) Robert Frank, Covered Car Lang Beach, Calf 53, James M, Davis, Te Ratoad, Ts Lite Life . 1M, Fabrico de exterensedpios na Underwood & Underwood. 135, Armazdns da Underwood & Underwood oe 36. Anincio deestreogramas no catilogo da cai ees Sea RoebtEk nn 37. A Buddy Petit Jaze Band de Nova Ore8¢5.n 38. A Jimmie Lueefor Orchestra. 39. Anénimm, A Deny Morning ~ The Farmer’ Suprise. 40. Estereoscépios na sala de ala... 41, Alife Stele, The Cp of Ambition 42, Walker Evans, Howes and Billboards, Atlanta, Georgia, 1936. Ms 12 202 210 as 218 ni mm 235 236 237 28 27 248 262 281 284 PREFACIO A EDICAO COMEMORATIVA DO 25.° ANIVERSARIO. AVANCAR A MEDIDA QUE SE FAZ: COMO EU ESCREVI MUNDOS DA ARTE -Mundos da Arte fi publicado em 1982, opis vitos anos de gestagf, letra © pesquiss. Néo era um eprojecto» na sua acepgao habitual. Nao me limita investigar ‘um grupo de artistas (os misieosdejaze de Chicago) ou una determinade comunidade antistica(o mundo do eto de do Francisco) ou uma forma especifica de rte paticnda num determinadocontexto. Part, pelo contro, de um conjunto de consieragdes dbase empitica sobre as véras questdes que nos podemos colcar eos tips de e3- tratégas a que recomeriamos se nos predispuséssemos a estudar qualquer um destes fendmenos. Portanto, pode-se dizer que Mundos da Arte é um modo de olhae pare as artes com o objetivo de crarproblemaics de investigado. O meu mentor, Everett Hughes, sempre me avsara para evitaroexcesso de teorizago algo que segundo ele seria coisa para realizarmos nofinel da carrera, eeu tomava-o a srio. Mas eu tina ‘tas ideias que se adaptavam melhor uma abordagem comparativa do qued obse- ‘ago minuciose de um easo isola, e assim que comecei a pensar seismente nelas ‘io tve outa alternativasendo procarr onde & que eas me levariam. ‘Visto de outa perspctiva, claro, Murdos da Arte 6investigagdo empirica, embora ‘muitos dos dados empiricos team sido eunidos ou eriados pr outras pessoas e com ‘uta inalidades,fendo-me eu limitado a tli-los. Também recor muito & minha experiéncia de vida como material brto. So ambas boas Fontes de dados ede ideias para qualquer trabalho de invetgagt. De qualquer modo, es como tudo aconteceu. Em finais dos anos sessenta tinks jf relizado virios grandes projectos sobre problemas de ensno centrados naquilo que exe os meus colegas chamavamos ecul- turaestudantly ~ es vies partlhadss que ajudavam os etudanes a ultrapassar as dificuldades que thes eram criadas pelos professres, directors deescols ¢ outros. ‘Mundas de Arte ‘Tinhamos estudedo a wculturaestudantib numa Faculdade de medicine (Becker ea, 1968), numa politéenica (Becker er a, 1968), em vérios estabelecimentos de ensino -vocacional(eseolas comerciis eprofssonas) (Becker, 1972) Eu tomart-me muito ‘bom aestes estos. Fcara coma sensepo—clar,ndo exacts, mas era o que sentiana altura ~ de que poderiaenceter qualquer nova pesquisa nesta res e, em poucos dis, over os resultados dequilo que podeiarepesentartrés anos de trabalho de campo. E por iso fquei aborecido, Tivea sorte de escapar esa situagoentediante em finais de 1970, quando inter- rompium eno deestudos na Northwestem University eetive no Centr for Advanced Study in Behavioral Sciences em Palo Alto, na Califia, Foial que comevetatrabalhar delberadamente em Mundos da Arte. Queia fazer algo diferente, abordsr uma nova fea deatividadeAchave que sociologi da arte eraum apo pouco desenvolvido. Havia poucas coisas, eo que havi, na minks jovem perspective arrogant, no era ‘muito bomna sua mora, como os ives dos pensedoreseuropeus que ent escrevim maior parte do que exsta sobre oassunto(p. ex, Goldmann, 1965) uma abordagera densamentefloséfica, ceatrada nos problemas cléssios da estétia, preocupada com {ulzos de valor artistic, e pr ai fora. Po outro lad, o reduzido volume de rabalhos realizado n0s Estados Unidos ere moiortariamente quantitative nko abordeva realmente a organizagdo da actvidade artistic (. ex, Mulls, 1951, uma questi interessante saber quando é que uma determinada investgagao tem realmente inicio. No caso de Minds da Arte poderia dizer que comegou antes de me tertornadosocilogo, quando comeceia toca piano (com ou 12 anos). Esta fi uma experigncia qu determinou e continua ¢determinar 2 minha vids e o meu trabalho como socidlogo. Facultou-me muito daquilo a qu, de certo modo, podemos chamat «adosy, observacio de acontecimentos, memérias de conversas, coisas qu sabia que poderia usar nas minhasreflexdes ‘Segui o procedimento de Hughes no que respeta a fazer pesquisa e pensar sobre 0s seus resultados, coisa que era muito intuitva El sabia como o fazer e, quando se esforgava, conseguia explicar como o fais, até certo ponto (ver os seus enstios reunidos em Hughes, 1984). Cres numa époce de autoconsigncis metodloyic e portnto fu levado a er reflectivo, mais do que ele alguma vez 0 fi, acerca do modo como faa o que estava a fazer. Comeyo sempre um pojeta como no caso de Mundos da Arte, muito consiente daquilo que nose. A minha ideia do tpico 6 cofusa, estou convencido de no estar a colocar as questes certs, e igualmente convencido de que; qualquer que seja 0 modo que a questo ou o problema vena aassumir, no sei quis os métodoscetos para.o seu estado, E sou sempre ~ndo me gabo dsto mas reconhego apenas que € 0 que fago~ suficientemente arrogente para ignorar@ maior parte dagulo que outosjé esereveram acerca daquilo que vou estudar Isto no significa que ndo tena qualquer ida. Nao concordo com aideiadaqueles «que areditam poder partir para o campo assumindo-0 como uma tabula rasa, espera que as ensas demerar Isto & gramaticalmenteerado. Os tpicos, as questes eos assuntos no cemergem». prefrivel dizer que, emboraseja uma palavraestranha, 10 Preficio 8 Bsiguo Comemorativa do 25° Aniverscio 16s 0s emergimos, os inventamos em resultado do que aprendemos quando encetamos ‘© nosso trabalho. Isto implica usar © que aprendemos diariamente,splicando todas 45 teorias que temos sobre essas descobertas dirias e depois, baseados nisso, gerat novos problemas perguntas, Fazemo-lo com & ajuda de ideia geradoras, aquilo aque Herbert Blumer (1969, pp. 147-52) chamou «conceitos sensibilizadores», A ligagdo entre teria cinvestigacdo,colocada de forma simples eabstracta 6 de que as teorias levantam questdes, sugerem coisas a observar, apontam para o que ainda nfo sabemos, ea investigacdo responde as questbes mas também nos alerta para o em que manca tinhamos pensado, e que por sua vez sugerem hipétesesterétices, Mais a frente darei cexemplos deste vai-e-vem entre teria e dados. Ene as ideas geradoras que me orientam mal comego a abordar algo, hi trés que so mais importantes: ‘A ideia de que esociologia estuda a forma como as pessoas fazem coisas em con- junto, aquilo que aprendi com Blumer (1969, pp. 70-77) quando se referiaa eacgio ‘onjuntan.(Prefiro dizer «aceao colectiva», mas atribuo-Ihe o mesmo significado.) Isto quer dizer que, em tudo 0 que abordo ou penso estudar, envolvo sempre todas as pessoas, incluindo em especial as convencionalmente tia como pouco importan- tes, E que, além disso, rato tudo o que est elacionado com o meu tpico—incluindo todos os ertefactos fsicos — como resultado da acgao de pessoas em conjunto. Uma importante questo de investigagdo ¢seber como ¢ que elas conseguem coordenar a sua actvidade a fim de produzirem um resultado, qualquer que ele seia. Adi de comparagao, de ue podemos descobrir coisas acerca de um caso obser- vvando outro que seja semethante sob virios aspectos mas que nfo é igual. Colocando dois ou mais desses casos lado a lado permite-nos ver como & que o mesmo fenémena as mesmas formas de actividade coletiva, os mesmos processos ~ adquire formas diferentes em lugares diferentes, de que dependem essas diferengas e como é que 0s seus resultados divergem. A ideia de processo, de que nada acontece de uma vez, de que tudo acontece por tapas, primero isto, depois aqui, ¢ que isso nunce pra, Que aqulo que tomamas ‘como um estado final ser explicado ¢ apenas um ponto que escalhemas para pararmos ‘10880 trabalho, nfo ¢ algo dado naturalmente (ver Becker, Faulkner e Kirschenblatt- -Gimblett, 2005). A andlise sociolégica consste em descobrir, passo-a-pass0, quem fez.0 qué, como é que coordenaram a actividade e quai os seus resultados. Utilize’ o meu ano de liberdade em Palo Alto para realizar muita da pesquisa-base para aquilo que veio a ser Mundos da Arte. Essa pesquisa tomou duas formas ~ leitura intensiva e experigncia pessoal - e consistiu numa combinaglo entre as coisas que aprendera acerca do modo como se realizavam os trabalhos de ate eas ideas que tina acerea do que essas observagessignificevam (& para isto que teora serve). Mais uma vez, as drectizes mais importantes ram as de que a are era de algum modo, vria a que as ouras, embora certs divisdes do trabalho sejem to tradcionsis ‘que fequentemente as consideramos inerentes discipline atstica. Tomemos como ‘exemplo as relagdes entre a composigio ea interpretacao da misia. Na misica sin nica ena misica de cimara clissica de meads do século XX, as das actividedes S30 ‘bastante ditintas, eeada qual é ida como um trabalho extremamenteespecializado, “Mas isto nem sempre fi assim. Beethoven, como a maioria dos compositor da sua época, também interpretava a sua misica ow ade outros, tal como podiadirigir uma orquestra ou improvisar ao piano, Hoje em diz, so ros os intxpetes que também sededicam composito, tl como ofaziam os Rachmaninoff Paderewski Quando os compositores dio concertos, ¢ porque a interpretacio é um desefio mais aliciante do que a composigfo. Por exemplo, Stravinsky escreven trés pegas para piano, duas com acompankamento orquesta, destinadas a pianstas com o seu nivel de virtwosismo, ¢ um concerto para dois pianos que ele podia interprear com o seu filho Soulima nas localidades mais pequenas onde no exstia uma orquesra sinfica. Ainterpretagdo dessas pega (cujaabsolutaexclusivdade he esteve reserva durante ‘ris anos) ea drecgo de orquestra para as suas propias obras permitram-lhe manter “ “Mundos de Aree Actividade Colctiva ‘nivel de vida que atngira, gragas &colaboracio com Diaghilev ¢ os Ballets Russes (ver White, 1966, pp. 65-66, 279-80 e 350), ‘A formagio dos misicos clissicos reforg esta divisto do trabalho, O compositor contemporineo Philip Glass expliou que a maioria dos alunos que se insereve na isciplina de composicdo da Julliard School of Musi jé possui uma boa técnica ‘num instrumento. Depois de entrarem na escola, eonsagram muito mais tempo & aprendizagem da composi¢ao do que go seu instrumento, enquanto os individuos que se especializam na interpretagto instrumental continuam a praticar a tempo inti. Passedo pouco tempo, os instrumentistas tocam muito melhor do que os aprendizes «de composi, tdo bem que estes acabam por abandoner 0 seu instrumento; as obras ‘que compoem s20féceis de interpreta pelos instrumentistas, embora os autores nfo as consigam executar (Ashley, 1978) [Na rea do azz, a composigéo ¢ bastante menos importante do qua interpetaglo. (0s grandes temas do repertiio (blues e velhas cangées populares) fomecem apenss ‘o enquadramento da verdadeira criagdo. Quando os misicosimprovisam,recorrem a «esse espio, mas poucos dees ou dos ouvints saberd realmente quem compos «Sty Side of the Streeby ou «Exactly Like You. Alguns dos temas de improvisagao mais ‘onhecidos no tém pura e simplesmente qualquer autoria. Podemos sfirmar que 0 ‘compositor éointxprete, ¢ que aimproviseglo equivale a uma composi. ‘Na misica rock, as duas actividades sto, em principio, desempenhades pela pessoa. Os intxpetes mais competentes compdem os seus originais. Alias, ‘0s grupos de rock que tocam a misiea dos outros néo passim de pélids imit- ores, ¢ um novo grupo nko se afrma sendo a partir do’ momento em que comega 1 interpretaras suas propria composigSes. As duas actividades sio dstntas —a inter pretagéo no ¢simultinea com a composigdo, como no jazz ~nmas aba fazem parte do fixe de taefas de um mesmo individuo (Bennett, 1980), A divisio do trabalho apresenta variantes da mesma ordem em todas as arts. ‘Alguns fotgrafos, como Edward Weston, ealizaram sempre as impresses das suas fotografias partndo do principio de que essa operaglo & parte integrante da eriago a fotografia; outros, como Henri Cartier-Bresson, nunca realizaram as suas proprias impresses, deixando essa tarefa a téeicos que conheciam perfeitamente as sues cexigencias. Na tradigo ocidental, os poetas nfo tm o habito de incorporar os ele- mentos manuscritos nas suas obras. Coniam os origins aos tipgrafos que se en- ‘carregam de converter aquete materiel numa forma level; 8 vernos os manuscritos das suas poesias quando estamos inteessados nas revises que fizeram pelas suas propras mos sobre os originas (ver, por exemplo, Eliot, 1971) ou no caso raro de Wiliam Bieke, que gravavae imprimia as suas proprias chaps, surgindo os poemas iretamente do seu punk e tomando-se a grafia, desse modo, pate integrate da ‘obra, Na poesia oriental, pelo contro, a caligrafia€ tio importante como o ‘do poeme (ver a figura 1); asus reprodugio em caracteres mecinicos iia pr algo de enuial. Para dar um exemplo mals prossico, os executantes de saxofone © ‘de-lrinete compram as palhetas para os seus instrumentos na lojas de misica, mas os ‘bosts ¢ os fagotists compram canas ¢ manufacturam as sues propiaspegas. 35 FFIGURA | Pisin de uma sce de Soknino (represent de vii coups), prod Edo (1615-1868), Jao, Na terse ociental apenas ae pelavas do poema st porate, mesma ‘mora aitratra octal a clita importantcom apalawat eaqule ques execu un, mt to importante como o pet. Tinta eagarel sobre papel. Arisa, poeta calla desconhe- ‘dos © poems di: wOs son do martelarcotinuam/No altos las lars As pesotsmavlades, suum.» (Asan Art Museum, So Francisco, Avery Brundage Colleton 36 “Mundos da Aree Acividade Coletva (Cada ndividuo que participa na realzagao de obras de arte tem, portato, de reazar um feixe de tarefas muito espectic. Apeser de a divsto das tarefas ser, em grande medida, arbitra — podia ser diferente e baseia-se no acordo tcio da toalidade ou da maioria dos participants ~ nto é,contudo, ci de muder. Geralmente, as pessoas emvolvidas encaram 8 diviso do trabalho como um facto adquirdo, um fendmeno quase sagrado que advém como que «naturalmente» do material utlizado e do meio de expresso, Blas adoptam a estratégia que Everett Hughes (1971, pp. 311-15) obser vou entre as enfermeias, que tentam livrar-se das tarefas que consideram enfadonhas, baixas ou indignas, em favor de novas tarefas mais interessantes, graiicantese pres tiiantes.Portanto, todas as artes se baseiam numa ample divsio do trabalho. Isto é brstante eviente no que diz respeito as artes do especticlo, Um fle, um concerto, uma pege de teatro ou uma Spera nfo podem ser obra de apenas uma pessoa que exe- cutaria todas as tres do principio ao fim. Mis ser que precisamos de evocara noc de divisio do trabalho para compreender a pintura, que parece uma ocupaco muito ‘mais slitéria? Claro que sim. A divisio do trabalho no implica que todas as pessoas associadas& produgio da obra trabalhem sob o mesmo tect, como os operas de uma linha de montagem, ou que vivam na mesma época. Ela significa apenas que & produgdo do objecto ou doespectéculo asenta no exercico de certs actividades, real- zadas por determinadas pessoas no momento desejado, Assim, os pinfores dependem dos fabricantes de teas, de molduas, de tints ede pinctis; dependem dos gelristas, sds coleccionadores ¢ dos conservadores dos museus para acederem aos espacos de ‘exposigioe 20 apoio financero;dependem dos eiticos «dos histrisdares de arte para «jusificago do seu trabalho, do Estado para as ajudas mateias, bem como das leis fiscais susceptiveis de encorajr os cleccionadoresaadquiriem obras depois a legs- -1as sciedade. Dependem do piblico pela respostas emocionais és suas obras e dos ‘outros pintores, tanto ds seus contempordneos como dos mais vlhos, que nstauraram 4 tradgdo pela qual as suas obras adquirem significado (Ver Kubler, 1962, e Danto, 1964, 1973 ¢ 1974 sobre traigio.) ‘O mesmo acontece coma poesia, que parece uma sctividede ainda mas solitri que 4 pintura, Para realizarem o seu trabalho os poetas nao necessitam de outro material sen aquele que a msioria das pessoas utiliza nos seus empregos. Lips, canetas, uma maquina de escrevere papel sto 0 sufciente; ese estes no estiverem disponiveis, sabemos que s poesia comegou por ser uma tradi¢ao oral e que uma grande parte da poesia popular ainda hoje se perpetua exclusivamente sob essa forma (até 20 mo- ‘mento em que alguns estudiosos das artes populares como Jackson, 1972 ¢ 1974, ou Abrahams, 1970, atrascreveram e pubicarerm) Mas esta apaéncia de autonomtia € iusri. Os poetas dependem tanto dos impressores e dos editores quanto os pintores dos galerista, 0 seu trabalho s6 adquire significado completo face a uma tradigio com a qual se possa conffontar. Mesmo uma poetise tio independente como Emily Dickinson wilizave uma métrieainsprade nos hinos potestantes que o piblico ame- ricano reconhecia e apreciava, Deste modo, todas as obras de arte, exceptuando as absolutementeindviualistes « inntligiveis produzidas por uma personalidade autista, implicam uma certa divisio a Mundas da Arte do trabalho entre um grande nimero de pessoas. (Ver esta questfo da divisdo do ‘trabalho em Freidson, 1976.) ARTE E 08 ARTISTAS ‘Todos aqueles que participam na criagto de obras de arte e, de um modo geral, a sociedade no seu conjunto, esto convencidos de que a arte exige talentos, dons ou aptides que poucas pessoas possuem. Algumas so mais dotadas do que outras e sio raras as que merecem o titulo honorifico de cartistay.E a ideia que Tom Stoppard ‘nos consegue transmiir em termos concisos através de uma das suas personagens em Travestes: «Um artista € alguém suficientemente dotado para fazer mais ou menos ‘bem aquilo que os outros, que nto possuem tais dotes, nfo conseguem de modo algum realizar ou que fazem mab» (Stoppard, 1975, p. 38). Reconhecemos os que possuem esses dons através das suas obras porque, e sempre segundo essa crenca comum, a obra de arte expresse e encarna os rarostalentos do seu autor. Através, do exame da obra apercebemo-nos de que ela s6 pode ter sido executada por um individuo especial. ‘Achamos importante saber quem possui ¢ quem € desprovido desses dons porque atribuimos direitos especiais e privilégios aqueles que os t&m, Num ex- remo, deparamos com 0 mito romantico que defende que pessoas possuidoras de tais dotes ndo podem estar sujetas aos eonstrangimentos normalmente impos- {os aos outros membros da sociedade; temos de as autorizar a violar a regras da convivénca, do decorae do senso comum que todos os outros individuos sao obriga- dos a respeitar sob pena de sangdes, Em troca, a sociedade receberé obras de carécter cexcepcional ede valor inestimével. Esta crenca ndo esti presente em todas as socieda- es, nem sequerna sua maioia;écaraceristia das sociedades ocidenais, bem como ddaquelas que foram alvo da sua influfneia desde o Renascimento. ‘Micha! Baxandall (1972 situa essa evolu das mentalidades europe no seulo xV « encontra uma prove disso na modificagio dos contratos entre os pintores e os seus clientes. Num dado momento, esses contrtos estipulavam o género da pintur, as rmodalidades de pagament e, sobretudo, a gama de cores a usar, fazendo-se men¢o expressa do dourado © dos azuis mais dispendiosos (alguns destes pigmentos eram bastante mais baratos do que outros). Assim, um contrato realizado em 1485 entre Domenico Ghirlandaio e um cliente (um homem da Igreja) especificava que, entre ‘utras coisas, o pintor devie: Piotr o quato a expensasprépris, com cores de boa qualidade c com pé de ou sobre os omnamentos, como ¢ de repr (..)¢o azul deve se lramatno, om o pepo de quatro Horns ‘song (.). (Ciao por Baxandl, 1972, p. 6) Isto assemelha-se a0 tipo de contrato que normalmente se estabelece com um empreiteiro, especificando com preciso a qualidade do ago e do betio a utilizar. 38 Mundos da Aree Actividade Coestiva [Na mesma época, ou mesmo antes, alguns clientes preocupavam-e menos com os mteriaise um pouco mais com a qualidade ds execucio. Um contrato de 1445 entre Piero della Francesca ¢ um cliente (outro homem da Igeja), embora nfo deixasse de mencionar 0 our e 0 azul-ultramarino, enatizava sobretudo certas exigencies face & competéncia do pintor,especificando que «neahum outro pintrsenloo prio Piero ‘poder executar a tareftn (citado por Baxandell 1972, p. 20). Bis outro contato ainda mais detalhado: (0 mension meste Luca obrignsee promete pinta (1) todas as pesonagens previss sobre ada abbas, « 2) especiaimente as faces e todos os pormenores da metade superior sas personages, e(3) que neuen patra sea executada sem a presen pssal do préeio Luca (2). Bea scordado() qu oda as mitre de cores eo tus pelo propio mest Luca.) (tad por Baxandsl, 1972, p.23) Este conrato ¢ completamente diferente. Aqui o cliente quer assegurar-se de que, pelo prego a pagar, serécontemplado com algo mais precioso do que o ulramarino a quatro florins a onga, Ele quer a mesra singular de um artista. «Parece que o cliente doséeulo xv pretendeu cada vez mais demonstrara sus opulénca através da qualidade espectica de comprador de talentos.» (Baxandell, 1972, p.23.) sin mudanga no era sendo uma primeira etapa no sentido da actual eareigada conviegio de que ums obra de are se distngue, antes de mais, pela expressio do talento e da imaginagdo de um grande artista. Naquele momento, a especial indivi- ualidade do artista jé era econhecida mas ainda ndo the confera os direitos que veio a adguirir mais tarde ‘Apesar de os artistas poderem demonstra a posse de dtes singular, de forecerem um trabalho consierado como particalarments importante pare sociedade e por sso cbterem privilégios exclusivos, € conveniente garantr que apenas aqueles que possuem realmente o talento requerido acedem a essa posigdoprivilegieda, Existem mecanismos ‘muito concretos para fazer essa triagem, que variam em fungéo das sociedadese des Aiscipinas artistcas. Num extremo, temos a corporago ou a academia (Pevsner, 1940) «que impdem ua longa aprendizagem e excluem aqueles que elas ndo aprovarem. Nos paises onde o Estado nfo concede grande atonomia rt, mas cntrola as insttuigdes que conferem 20s artistas formacéo e sada profissional, 0 acess & pita do oficio ¢ igualmente restringido. No plo oposto, temos paises como os Estados Unidos de América onde todos podem aprender; aqueles que participam na criagdo artistica submelem-seaos mecanismos do mercado live para que dsse modo sepossam dstinguir 0s verdadeiros talentos dos outros. Sob este sstems, as pessoas acitam aideia de que csartistas possuem um dom especial, mas defendem que pare as descobrirénecessrio conceder as mesmas oportunidades a cada individu eavaliar os resultados. Os eriadores de obras de arte, e de um modo mais geral todos os membros da sociedade,designam as actividades necessiias producto de ums forme de arte como «aristcas», porque estas exigem os dons ou uma sensibilidade que s6 0 auttico artista possu. Encaram-nas como actividades nucleares da are, pois permitem a uma 9 Mundos ds Arte ‘obra de arte distinguir-se de um produto industrial, de um artigo artesanal ou de um ‘object natural (ao caso de a obra ser um objeto). As outras actividades sto apenas casos de destreza manual, de jeito para 0 negécio ou de qualquer outra aptidao menos ‘ara, menos caracterstca da arte, menos necessria pare o éxito da obra, menos digna derespeito, Os que exercem essas actividades so relegedos para categoria de pessoal de apoio (assstentes ou ajudantes) c o titulo de eatista» apenas & atribuido aos que ‘executam as actividades nucleares. (Quer se trate de uma acividade muclear, com os seus obrigatérios ¢ exclusivos atributos artistic, ou de uma actividade de simples apoio ela pode sempre mudar de estatuto. Como vimos, a pintura era outroraconsiderada um trabalho qualificado, mas, no mais do que isso. Contudo comegou lentamente a conguistar um caricter mais ‘especial a partir do Renaseimento, Mais frente, noua capitulo, mestraremas como as actividades artesanais podem ver o seu estatutoredefindo como arte e vice-versa. Para, bastaré referiro exemplo do engeaheiro de som e misturador, que se ocupa dos aspect técnicos da gravago musical e da sua preparaedo para a difusdo comercial Edward Kealy (1979) desereve a evolugio do estatuto desse actvidade técnica. Até rmeatlos dos anos 40 do século xx: A perc do engenheiro de som consi em rar o melhor partido possve as craters cisions do esti, escoler a posigdo os microfonse corgi ou equlibrar os nves so ors drane a gravagio. As posibilidades de scertcs eran muito limitadas porque «msica tra registada directamente num disco ou em fia mandi. A questo esttica primordial ea de ordem pritcs: em que mea & que um registo reproduz com fdelidadeos sons de una execugdomusial(p.9) ta calta- Ap6s a Segunda Guerra Mundial os progressos ténicos tomaram po -fidelidaden eo erealismo das salas de concerto». ‘Um bom opcador de som esforar-e-ia por garantrque todo o tipo deruidosindeseives nto feassem gravads ou endo qu asun preseafoseminimizada, que o ons fossem gravados sem dstorloe devidamenteequlibrades. As propria ecnologias de gravacoe, portant, 0 trabalho do operador de som deveiam pasar despecebidos pra no qubrarnoouvintealusio ‘endo aa sla de estar da su a, (p. 11) Com o advento da misica rock, os miisicos cujos instrumentos incorporavam os ‘iimos desenvolvimento da tecnologia electrnica comegaram a utilizar de uma forma experimental as técnicas de gravaclo como parte integrante da criago musical. Como, ne maioria dos casos, tinham aprendido a tocar imitando gravagdesteenicamente muito trabalhadas (Bennet, 1980), quiseram muito naturalmenteintroduzir esses efeitos no seu trabalho. Os novos equipamentos, nomeadamente os gravadores multipistas, tor- nram possivel a montage e a combinagio de elementos pravados separadamente, ¢ permitiram menipulagieselectrdnieas dos sons produzidos pelos misicos. As estrelas ‘rock, relativamente independentes das regras corporativas, comesaram a reclamar © 40 Mundas da Arte Actividad Colectva irito do controto sobre gravago ea mistra das suas interpretages. sto teve duas consequéncias imediatas. Por um lado, o trabalho de mistura, agora assinalado mas ‘capas dos discos, comegou a ganbar reconhecimentoeimpés-se como uma actividade anistea que requeria um talento especial. Por outro ado, individu que se tinham firmado como misicns famosos comegaram a executar eles prépros ese tarefa ou reerutaram antigos misicos para a fezer. A misture ourora ume mera actividade tenia, tomou-se uma componente essencel do proceso atstco e ea ecoahecida como tl (Kealy, 1979, pp. 15-25). ‘Aieologia em vigor postu uma correlago perfeta entre exercer a actvidade rucleare ser um antsta. Se se tem essa actvidade, entio é-se forgosamente um artista. Ereciprocamente, sendo um artista, aquilo que se faz & forgosamente arte, Donde uma certa"confusdo quando, quer do ponto de vista do senso comum ou na perspectiva da tradiglo atistca, essa comelagdo ndo acontece. Por exemplo, se a jdeia de dom ou de talento implica (como é frequente) 8 ideia da esponteneidade de expressfo ou da inspiragdo sublime, os métodos profissiontis de trabalho de muitos artistas originsm uma curiosa incongruéncia. (Os compositores que eorever um determinado limero de compasos de mtsica por ia, os pitores qu pntam um determinado nimero de horas por dia quer estejam a «criro prazetdesse momento ou nfo» —despertam slgumasdivdas face as tlentos sobre-humanos ques esperava que demonstrassem. Trollope, que aordava bem cedo paca execer as sus irs horas de escrita antes de ir trabalhar como funconério dos corteosbrtinico, era quase ume caricatura dessa conduta profissional e metédia, cantata: Aqueles que vveram como esrtores ~rabathando todos os dias como opefros da iteratsa certamente concordardo que rs hors divas pemitem a um iniviuo produ tnto quanto se desu, Mas paraiso, deve exerts para abahar sem interupgbes durante esas és hors ~ te de educa o Seu est de tal forma que no necesste de mordiscar a pena ede

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