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E’ por isto quo não raro ideas elevadas, <fho ta da mediocridade abala todos os ossos, e des­ Deus do padre Malebranohe! Pois bem. Ha
só poderam brotar do cerebro daa porções perta todas as ambições; onde tudo*está gelado, poesias de Magalháes nas quaes 6 prosaico e
mais culminantes d’cssa raça, são facilmente excepto o egoísmo." Mais definido e absoluto a impertinente até o enfado, quando passa para
acceitas por suas familias mais subalternas. respeito 6 o seu introductor e companheiro de 0 verso o seu systema. E’ um homem sera es­
O principio da assimilação ahí está para sig­ viagem o Sr. Torres Homem. N’uma pagina tylo, ura artista infimo. Não tem os segredos
nificar o facto, e a historia para pro val-o. O banal espalha expressões que frisão fortemen­ da palavra qnc os românticos franceses possuí­
christianismo olTerece um vivo exemplo. Sabe- te o disparate de que fallo. ram em gráo prodigioso. E todavia, é d^sta
se que elle teiri mais de aryano quo de semítico, “ Os homens que dirigem os destinos do Bra­ falta que nasoe sua melhor qualidade:— um cer­
e um dos indicios d’ossa verdade é a protnpti- zil, sem comprehender as condições de sua mis­ to comedimento ora arrojar-se a isso que cha­
dão com qnc o receberam os povos gregos e são, parecem ter dado as mãos a todas as in­ mam o infinito, grande mania da escola, em que
latinos, logo que appareceu. fluencias do mal, para aggravar o estado da os mais proeminentes empregaram uma elo-
E' que elle “ era uma herança coinmain de triste epocha cm que vivemos.............. .......... quencia tão brilhante quanto inutil. Magalhães
toda a raça arj/ana" (2 )—Nós pertoncemos a não fez uma obra durável. Sou nome enche
mesma civilisação e á inesma raça, que gerara Por detraz dos homens actuaes não estão es­ toda a historia do romantismo brasileiro, na
o romantismo, ai tida que grande parte nossa condidos outros homens; o que hojo fere as poesia, no theatro, na philosophia e na celebre
seja de pretos e vermelhos, cortamente os mais vistas do Brasil não 6 uma excepção, ê porem lueta do indianismo, por que os seus compa­
descidos na escala ethnographica. O Brazil da sim 0 estado geral das idéas, proveniente do nheiros e competidores são do seu tamanho,
Regencia estava, sein duvida, n’um gráo de es­ scepticismo moral, da indiíferença para o bem senão menores do que elle.
pantoso atraso scientiíico. e para o mal, da nullidade dos caracteres estra­
Em comparação com a França de Luiz Phi- nhos a todos os nobres sentimentos, e votados 14 de Março de 1873.
lippe distava dous scculos. Mas comprehende- a um duro egoísmo, e alfim, da extineção dos
se quo podesse tomar para si o romantismo sentimentos religiosos, que são o contrapezo das S y l v io da S il v e ir a R am os.
francez, sobretudo se attender-se ao espirito va­ humanas loucuras. Ha alguns annos, bem dif-
go deste ultimo. Continúa.
ficies erão as circunstancias do Brasil, e da
Disposta assim a verdade, sente-se que mil­ sua mocidade; mas do proprio excesso dos ma­
los, insignificativos, eram os tentamens de ver­ les a esperança renascia; o presente era então
bos románticos anteriores aos Suspiros Poéticos sem alegrias, mas contava-se sobre um melhor A POESIA POPULAR B R A SILE IR A
de Magalhães, apparecidos cm 1830. futuro. O estado actual pesa sem esperanças c o ­
A grande verdade da poesia p o­
Esta obra marca a primeira pilase da emi­ mo uma massa de ferro sobre todos os bons es­ pular está cm ser profundamente
gração romantica para o Brazil. Tem pouco va­ píritos; tanto é elle pouco unisono com as cou­ sentida.
lor comtudo. Foi escripta 11a Europa cm sua sas, que se vão arrastando a nossos olhos.
quasi totalidade. O auctor tomou por lá conhe­ Desgraçada mocidade!” Tn. B ràqa . Cancionoiro T . I
cimento de Lamartine, buscou despir sua cros­ Nem ao menos depara-se n’esta lauda frivola
ta classica c trajar-se á nova escola. a eloquencia magnífica de um Hugo ou de um Escrever um livro que historiasse todas as
A tentativa foi bastante infeliz. Lamartine. Como se enganavam os dous tou- phases porque tem passado a poesia popular
Si o 6eu typo foi chamado por outro um pou­ rises\ (4) brasileira, que lhe notasse a accentuação ver­
co cioso, (3) !!um clássico entre os românticos” A mocidade brasileira de então, como a de dadeira, a sua originalidade, fazendo, ao inesrao
o pobre imitador 6 bem pouco desfarçado clás­ hoje, era uma mocidade moralisada e religiosa,tempo, resaltar as partes em que cila foi beber
sico. Suas Poesias Avulsas e sua Urania são educada pelo regimen catholico, e a que se ve­nas tradições extranhas, a assimilação em ■
do um clasicism o que bem se podera chamar dava toda possibilidade de um desvario no sen­pregada era sua elaboração, os romances her­
nojento. Os Suspiros, esse evangelho do pedan­ tido que chamão livre. Os moços do Brazil en­ dados da metropole, ura livro finalmente do
tismo romântico brasileiro, são certamente a tão, com o hoje, não commetteram nenhum qual se concluísse quaes os elementos que pro­
melhor obra do poeta, apezar de serem quasi duziram e presidiram á formação d’essa poesia
grande crime, d’ esses que são oriundos do abai­
um complexo de ladainhas. Não importa que xamento do nivel moral das sociedades. Os popular, escrever um livro assim, seria tarefa
um conego-doutor do Rio de Janeiro dissesse moços de então, como os de hoje, tinhão ura sópor demais pesada, senão uma impossibilidade.
uma vez que os Mijsterios e Cantos Fúnebres, grande defeito:— erào uma mocidade— medío­ Um trabalho inglorio é o que bavia de 6cr com
livro sem philosophia e sem estylo, choradeira cre! A o lado deste defeito do auctor dos Mys­certeza.
do poeta com visos de metaphysica, são o que teriös, que lhe ó commum com os da escola, A extensão deste nosso iinperio, os dispen­
de melhor se tem escripto em Portugal e no tem elle alguns que lhe são peculiares. diosos e difficeis meios de transporte de uma á
Brasil e superiores ás Contemplações do “ exul Não e o menor sua mesma opinião sobre a outra província, a falta completa de documen­
dj e r s e y 0 1. . . doctrina:—<:ue o romantismo deve ser uma tos em nossas bibliothecas e archivos, arná
B contemplações, onde ha poemas como prece ao Creador, deve ser uma oraçíio. Este vontade dos guardas desses pacíficos reman­
• LeSmages c Magnitudo par vi1 . . sos de traças, tudo isso mette medo á quem qui-
opinar, aliás já velho, tomou nas obras do poe­
Oomo nào tem o gosto horaciano apurado o ta fluminense proporções assustadoras. Elle zer se dar ao trabalho de estudar, colleccionar
celebre rhetorico! tem poesias como a Religião Ohristã) que são e beber na tradição oral do povo os fragmen­
Quando digo quo os Suspiros c Saudades de verdadeiras resas. Nada do inspirações, nada tos de todos esses romances, xacaras, prophe-
Magalhães notão 0 primeiro momento da emi­ cias e cantigas que formam o corpo do R o ­
de força. O poeta, crente e piedoso, metrificou
gração romantica entre nós, quero fallar do ro­ paginas da cartilha. Admira que não tenha tam­manceiro Brasileiro. Esta é uma das razões
mán tiamo poético, porque o político já antes bora explicado em versos a Trindade! que impossibilitam a tentativa de um livro no
nos invadira. genero em que falíamos.
Sua philosophia espalha em alguns escriptos
Benjamín Constant fôra, com rasão, conheci­ seus, como os Mysteriös, uma geral physiono- Ha, porém, outra razão mais forte, e vem a
do antes n’esta parte da America do que os mia de erro. E* a doctrina que foi condemnada ser que nós somos um povo de 3 séculos e meio
poetas da Restauração. em um livro intitulado— Factos do Espirito de idade, e este espaço é muito curto para qne
Suas idéas passarn por se haverem encarna­ Humano—que poucos leitores tem contado en­ dentro delle, se tenha podido formar cousa que
do na Constituição Politica. Para muita gente valha a pena de ser colleccionada, attenta a
tre a classe mais adiantada do paiz, e nenhuns
boa é isto um motivo do elogio para Constant— pouca virilidade e accentuação da raça d’onde
entre os moços que se preparam, o que é sensí­
e para o 1* Pedro, para a Politica Constitucio­ vel, porque, pelo menos, estes últimos pode­ descendemos. A maior parte do nosso R o ­
nal e para o codigo político. . . Deixo aos es­ riam mais lucrar do que lendo um mesquinho manceiro, si não a sua quasi totalidade, não 6
tadistas do senado o decidir o pleito. compendio de Frei M ont’ Alverne sobre a ma­ mais do que uma copia do Portuguez, que basea-
Desde agora cumpre mostrar um dos prejuí­ se por sua vez, nas tradições celticas e dos
teria. Duo-dynamista excede-se o poeta, tira a
zos trasidc8 pelo romantismo: uma falsa vista sensibilidade d’alma, e entrega-a com a vida povos do Norte da Europa, levadas e espalha­
do poeta sobre a sociedade, filha de outra e- á força vital. Deixa aquella somente o pensa­das pelos Crusados, quando, de passagem pela
gualmente errônea sobre o alcance social e mo­ mento e a vontade. Por uma combinação de Península Ibérica, procuravam o santo ciborio.
ral da poesia. idéas, sem caracter scientifico, tomadas a Cou -D’aqui a consequencia de que escrever um
Este desatino, apontado pelos competentes livro com o dissemos era apenas fazer a histo­
sin e mais eclecticos, que não vera ao caso ex-
nos graades do tempo, patentea-se aqui repug­ pôr, chega á conclusão de que o universo só ria da transplantação do Romancoiro Portu­
nante e mesquinho. existe na mente de Deus, que n’ ella vemol-o,guez para o nosso paiz. Isto seria de inte­
Sente-se amargamente a distaucia immensa, como o magnetisado as idéas do magnetisador! resse mediocre. Nem ao menos temos bases
que vae dos sonhadores utopistas, como Byron, para a invenção de um facto, como o do mosa-
•Eis, bera mediocremente, resuscitada a visão em
aos versejadores pygmeus, como Magíilhães. rabismo de Th. Braga que nos desse um oollo-
Np prologo de seu livro leem-se phrases d’es- (4) Havia um terceiro, o sr. Porto Alegre. rido artificial de originalidade.
tas4 “ Tu vais, oh Livro, ao meio do turbilhão —Aquelle viajar de dilettantes produsiò versos A 1 vista, pois, destes factos, é quasi uma
em que ae debate nossa Patria, onde a trombe- d’este esplendor: impossibilidade, seria de nenhum interesse^es-
crever um livro em semelhantes condiçoes.
, (2) Burnouf— (Emilio) — La sc>ence des Re- “ Sabes com que pezar te deixo, oh Sales; Levado por um patriotismo impensado, ou
*• licxons— pag. 270.— E’ tempo, ó Araújo, é tempo, varaos.” por outra qualquer razão, já alimentamos a
(3) V. Hugo. Litterature et Philosophie—ar- idéa de escrever um. livro assim. Depois aban­
ti go sobre Chenier. São soberbos! . . donamos essa idéja( quando nos vimos diante
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4 A

das (liíTiculdadcs, e quando reconhecem os a que olles estilo sc . para não m or­ no*Brazil um lugar elevado o distinelo, um de­
pobreza d o nosso R om anceiro rer do fome, per .ao . ,.u i> enthusiasmo, senvolvim ento consentâneo com a força e gran­
T en d o n ós colligido, porém , alguns roman­ que é a m aior das forças moraes. deza nacional.
ces c uma infinidade do cantigas soltas, tendo le m havido entro nós quem se arrojasse a Ninguém por certo chamará aos nossos c o n ­
notado um elem ento original, em bora fraquís­ dem onstrar sonao em Lhesu, ao m onos na pra­ terrâneos da A m erica do N orte idealistas e x a ­
simo, nosso, puramente brasileiro, não nos p o­ tica, que as bellas-artes não passam de um ac- gerados o hypcrbolieoti. .Ninguém ousará dizer
demos ter m ão ao desejo d cfa zei-os conhecidos cessorio, im portante embora, m ai não essencial quo os roteadores ousados das florestas virgens
e de m ostrar qual esse elem ento gerador do da civilisação. Eis a razão <1o abandono de seu do novo m undo sacrificaram nunca o util ao
nosso R om anceiro. ensino o do desanim o das m elhores vocações, agradavcl. Entretanto que clitíorença profunda
Este artigo, pois, ó um estudo incom pleto, da inacção forçada dos mais bellu> ¡ -U ¡itos que vai do nosso ao seu progresso!
dofieituoso o que apenas podo provar a bôa ousam a despeito do* tudo afironln» .i indiUe- Nação quo não conta ainda um seeulo de
vontade quo a ello preside o a probidade littc- rença geral. existencia, o já iguala, si não avantaja e supe­
raria quo o acompanha. V illem ain n o seu admirável ensaio sobre a ra, em grandeza e força, ás velhas nações da
A conclusão que se poderá tirar delle nao poesia lf/rica, lançando o seu olhar de aguia s o ­ Europa.
será m uito lisongeira para nós, porém e llc p ro­ bre o futuro, pergunta “ si a e p o c a d o enthusias­ Que im m enso estadio percorrido desde I do
vará quo ha alguém quo estuda o que tem de- m o e da im aginação passou para os povos, ou ju lh o de 1776!
zejos de aprender. se já está e x haurida para o hom em ; si a E uro­ Atirado por im pulso sobrenatural em verti­
D eclaram os ainda mais que todos os ruman- pa onj cujo horisonto fulgura ha cin co séculos ginosa carreira pela estrada do progresso, pare­
resy xacaras, cantigas e etc. que so citem aqui, o astro das artes, está ameaçada de perder essa ceu o parece intelizmente ainda a m uitos, que
ou quo so tenham do publicar, (oram bebidas luz divina; si lho resta apenas esperar por uma o gigante A m erica n o do N orte só tem por alvo,
na tradição oral do p o v o , o apresentam-se dessas opocas já assignaladas no m undo, em em seus irnmensos ex forços, a conquista m ate­
ex tremes de com posição ou correcção nossus, que a sciencia das cousas matoriaes tem de des­ rial do tem po e do espaço.
não toem arrebiques nem postiços, os quaes truir o sentim ento do ideal, em que a força e o O bserve-se a sua industria, as suas m anufac­
distruiriam a sua originalidade. trabalho devem encadear irum gozo vulgar m i­ turas, os seus estabelecim entos littorarios e
A p rovin cia quo mais elem entos forneceu lhões de intolligoncias, mortas para o am or da sei en tifíeos, as suas obras d’artc e as suas
para este estudo foi a do Maranhão, cu jo in­ liberdade e das artes; si será preciso adm ittir construcçoes de tod o o gen ero, e ver-sc-ha, quo
terior é m uito con h ecid o do autor. Depois que a Europa, m etropole poderosa d o universo, um pensamento grandioso dom ina aquello povo,
delia P ern am bu co, principalm ente nas canti­ e q u e o cobre com suas colonias, m andou-lhes c que um cunho do poderosa individualidade
gas politicas o finalmente a Bahia. A ’ estas, com o seu sangue antecipada velhice, o si nes­ marca cada um de seus passos. Que admiravel
pois, som ente dizem respeito as proposições ses territorios da America, nessas cidades quo progresso nas bellas-artes o espeeialmente na
que aqui so avançarem. surgem tão depressa, a civilisação ouropoa não architectura desde o cxp lcn d id o B roadw ay do
P edim os, cm ultim o lugar, ú aquelles quo lançou por toda a parte com sua experienoia N e w -Y o rk até o capitolio do "Washington, des­
.se dam a esto genero do estudo, que nos façam do séculos, e suas mais recentes invenções, se­ de as easas volantes dos colon os da California
notar as laltas em quo incorrerm os, ou que nos não o bom senso pratico, a intelligonte avidez o Texas até esses hoteis gigantescos em quo so
proporcionem m eios de emendal-as. d o lucro, c essa activa distribuição d o trabalho, hospedam simultaneamente centenas de viajan­
• M odesto, com o nos apresentamos, acceita­ esse em prego tcclm ieo o apressurado da vida, tes, desdo o sim ples tem plo do quaker até a
remos todas as correcções sensatas quo quo tão pouco tempo deixa aos delicados pra- m agnifica cathcdral gothica de G racc ChurcU!
apparecercm , e buscarem os corrigil-as, si al­ zoros da alma. Não, diz ellc, não será assim! A llí a população duplicou, triplicou, dcclupou
gum dia d erm os mais extensão a este estudo, T u d o o que auginenta exteriorm ente as forças na plena liberdade de suas crenças o de sua
quer nas ideas, quer na collecçã o a que nos d o hom em , tudo o que a principio lhe duplica força.
dedicamos. o tem po o lhe abrevia o espaço, deve pela con­ A dm irando a industria o o progresso ameri­
tinuação aproveitar á concentração da alma em cano, e c o n s c io s d o que é pelas bellas-artes que
Conlináu si mesma, pois que o homem, em ultim a ana- a industria de um p ov o progride e so avantaja,
C ki .s o d e M a g a l h ã e s . lyse, só é grande pelo quo con cebe p elo pensa­ não podem os com prohender eom o tem deixado
m ento e sente polo coração.” estas de m erecer a sollicitu d e constante dc todo
Sim , a primeira, a m aior das forças moraes o cidadão verdadeiram ente amigo de seu paiz.
é o enthusiasmo, e sem ellc não p od o haver Porque é quo a nossa industria não tem a bel­
11ELLAS-ARTES verdadeiro artista. leza suprema do estylo, p or que não tem for­
A nim ar, activar, vigorar o desenvolver essa mas agradaveis, por que não tem desenho, p or
grande faculdade é ao mesmo tempo despren­ que finalmente a arte ainda so não incarnou nas
O bello é o infmito repre­ der o vôo ao genio nacional de um povo, e produ cções do artífice? _
sentado uo finito; a arte, eham al-o á mais ampla consciência de si mes­ E’ por que entre nós é considerado o ^ P o ­
represcntaçfto das idóus,
ò uma revelação de Doo* mo. nho com o um a arte dc m ero luxo, ou i'Wsa-
uo espirito humano. A im aginação de um povo dotado de extrem a tom po unicamente agradavel, ao passo que nos
delicadeza de orgãos poderá p or ventura ina­ paizes verdadeiramente civilisados é elle co n ­
(SoHELLING) ni r-sc, ou ficar ociosa em um paiz d otado do siderado co m o uma necessidade para a civilisa-
quadros tão variados de tão cxp lcn d id o e vigo­ çu o, pois é uma revelação d o pensamento, e a
Com quanto a palavra— arte— na nossa lin- roso colorido on d e os sitios a cada passo pare­ escripta universal da linguagem das lbrmas.
gua seja derivada bem com o a latina ars d o cem tomar mais bello aspecto pelo citei to dos A yhes G a m a .
grego a r e t è quo significa virtude, merito cuja contrastes? A proxim idade do mar que nos de­
raiz licllcuica 6 o verbo arcscot agradar, tornar senham na vasta extensão dc n ove contas loguas
tavoravel etc, o por eonseguinte só devçsso de costa, pontos de vista tão novos e ricam ente OS A M O R E S D E UM G R IL L O E D E
applicar-sc ás artes quo so dirijein ao bello o variados, tão inagestosos e explendentes, a UM A SC EN T E L IIA
que por isso são chamadas bellas-artes, com tudo m ultiplicidade do collinas sem pre verdejantes
t> uso tom feito com prohender sob a donoini- e risonhas, as nossas florestas imponentes e DALLADA
}< artes em geral as industrias ou artes som brias, os valles o os innumoros rios cujos
ii.as (jue dependem mais do trabalho das cu rsos ora caudalosos ora sinuosos desenham por H en ry M u r yo r.
mãos lio «jiio ilos cx fo rço s d o espirito. necessariam ente novos horisont.es e enthusias-
H oje que o espirito do hom em , ávido de in­ ticas paisagens aos olhos do mais atrasado es­
vestiga»; õex o di* progresso, tem dado um n ovo pectador, apresentando perspectivas sem pre n o­
desenvolvim ento ás artes e oflicios, dosiguam -so vas e sem pre pittorescas, são outros tantos obs­ Em uin cam po de trigo d o paiz <VÂllemanha.
pelo nom e d o— bellas-artes— uma parto delias, táculos invenciveis para o em botam ento da um escaravelho da Italia e um grillo viviam in­
isto ó, as quo, actuando sobro o nosso espirito, mais nobre e rica das faculdades, o enthusias­ timamente ligados pela amizade. 0 escaravelho
suscitam na nossa alma, ao m esm o tempo, sen­ mo. C om o explicar então a nossa esterilidade quo tinha vivido, possuia esta segunda vista que
sações, sentim entos e ideias agradaveis, doces artistica, que assignala o presente c parece en­ se chama exporieneia, o que, ao p rim eiro volVer
o generosas. l i do sentim ento e da expressão v o lv e r igualm ente o futuro? d’ olhos, permitte ver claram ente o fu n d o das
do bello quo ellas vivem, im itando a natureza, N a d a mais simples, é porquo o nosso pro­ cousas, isto é, o vaso atravez d'agoa liinpid , a
que copiam , para revelai-a, segundo a phrase gresso tem um caracter tod o material. Não realidade atravez daillusâo. . i
(lo Rapluiel, não com o a natureza é, mas com o quer isso dizer que tenlião rasão os que mal Demais o Italiano era um ousado recVutador
devera ser. dizem do progresso material. N ão p or certo, dc aventuras galantes,e p oucos dias so passavam,
Assim pois entende-se geralm ente com p rc- co m o m eio 6 elle o mais solido alicerce do sem que tivesse a registrar alguma novaVcon-
hendidas sob a denom inação de artes tucehani- progresso das nações; com o fim, c a desastrosa quista. Quanto á circum stancia que dera lu g a r ao
cas ou industriaes aquellas que se dirigem mais tendcncia dos governos estacionarios que, si seo exilio, eis aqui pou co m ais ou meu os co n lo
im m ediatam ento á m anutenção da vida do ho­ nao receiam a marcha ascendente do espirito elle acou tava á seo am igo o grilo nos primei­
mem e ás necessidades matoriaes dn sociedade. hum ano, pelo m enos não sabem com prohender ros tempos de sua ligação.
N ão se p o d e negar que estamos atravessan­ o alcance da missão que lhes 6 confiada. “ Uma noite,em quo eu era favorecido por uma
do uma época de verdadeira criso artistica, não Quizeramos, porem , que a par das emprozas das flores mais encantadoras do jardim , desper­
por que faltem talentos, p elo contrario; mas por gigantescas, se desse ao culto das bellas-artes tei sorprehendido p ela , estrepitosa harmonia c
12 0 TRABALHO
mo troxera ao Rio do Janeiro dez annos mais incompleto, enfermo, ferido nas fontes da vida, qtus presidiram ao crusamento e ao desenvol­
tardo ( 1846), não experimentou algmn pro­ que poderá exhalar queixas eloquentes, mas vimento dessa raça, e concluir-se a sua pouca
gresso neste paiz das palmeiras, dos rios gigan­ que nunca attingirá á grando arte. O verda­ vitalidade, em razão dc deífeitos hereditarios,
tes, das florestas seculares ? Que eu saiba, não. deiro artista, o que domina a natureza c o ho­ do clima, da nutrição, da fecundação c de mui­
Diz-se que uma doutrina progride, quando mem, quo os reproduz n'uma concepção impes­ tos outros principios qnc regem « formação
elementos novos se lhe agglomeram, novas soal, um Schakspoaro, um Gcetlio, uni Walthcr das raças, desde (pio se reconhecer isto, dizía­
operações adiantam-na, e a levam ás suas ul­ Scott, esse 6 um homem são. mos, a conclusão não se fará esperar por muito
timas coiisequencias. A doutrina ficou esta­ Não sabe o que é palpar o pulso. A paz de tempo. Seremos obrigados, em que nos pese
cionaria, sinão voltou atraz. Consignei duas seu espirito não e stia mercò do tempo que faz. muito embora, á reconhecer tambem a pouca
datas que podem orientar. — 1S3G e 1840 — . Oontcmpla a vida com serenidade. A melan­ importancia ou nenhuma dos productos intel-
Ninguém ignora que no tempo da primeira— cholia resulta de uma organisação nervosa, lectuaes desse povo, a sua fraqueza, as suas fri­
o romantismo allcmão já estava sepultado com impressionável, delicada, oxquisita, porem in- volidades e o seu nenhum valor.
Uoôthc, seu maior coryphcu, e no tempo da se­ compativel com a harmonia das forças o a elas­ Será uma raça quo se desenvolve e um povo
gunda o irancez já havia dado os seus melho­ ticidade de um temperamento robusto* (0) que se desmorona.
res fruetos com Stoel, Constant, Cliatoaubriand, — A doutiina não progredio. Nas mãos de Porque é preciso, urna vez por todas, que se
cujas obras já eram velhas, e com Lamartine, Azevedo adquirio somento mais algum cstylo. convençam os caturras, os carolas, os espiritua­
Hugo, Dumas, Bouve, Balsac, Q u in e t.... que Não 6 que o moço paulista soja um cscriptor, listas atrasados e os escrupulosos racionalistas,
pertencem á mocidade da Restauração du par­ no sentido artistico da palavra. dc que nós nào somos mais do (pie um ani­
ceria com os Guizot, Thiers, Oousin, Jouftroy... Sua prosa e mais que muito orronea, mas mal aperfeiçoado cuja selecção tem-se opera­
Então já tiuha entrado em via dc transforma­ seus versos, apar de iueorrccta metrificação,tom do mais forte e rapidamente. A nossa struetu-
ção o dccadoncia, com os velhos, que se fize­ vislumbres de bellczas que não se mostram ra guarda uniformidade com a do macaco, por
ram socialistas, o que deu 48, o com os moços nos antecedentes. Gloria Moribunda pode of- exemplo.
que começavam a trilhar outro obminho. ferecer o exemplo. Bradem muito embora contra a materia os
A prova ó que não criou em França desde Ató aqui os trez unicos a que o romantismo discursadores e sermónistas crentes, em uma
ahi nem mais um vulto distincto. Morto, já brasileiro deve sua fraca força na poesia. Vi- ladainha monotona c soporífera; fallcm dos
frio, foi quando chegou ató nós. O Brasil tem mol-o ahi. gosos do paraíso os mystieos e ascetas, esbo-
um privilegio funerário nas lettras. Estamos Nào mostrarei na philosophia e na politica. fein-so no ensinamento os professores pedan­
n’um ccmiterio, andamos de luto, nossa littera- Para que V Escusado. tes o papa-missas, querendo provar a verdade
tura ó gelida, nossos filhos são cadavcres. Não temos philosophos de sorte alguma. da legenda adamica, do idéal messiânico e de
A poesia mais san de G. Dias foi continuada Quaes são ? Frei Monte Alverne V Eduardo outras mil babuzeiras balofas o maléficas j rujam
pela mais doentia do Azevedo. Vira-se o con­ França ? Magalhães ? Padre Patricio Jtuni/. V embora todos: — a materia foi, ó c ha de ser
trario na Europa— a Byron seguir-se Hugo. Frei Itapariea V Não. Nem são philosophos, o grande principio dc vidae actividade, o facto
Cá foi outra a marcha. nem alimentados pelo espirito romântico, ex­ sensível e palpavel no qual a scicncia ha de
Fali ei em Azevedo, uma criança___ Sei que cepto Magalhães, o unico legivel de quo fallei. apoiar-se para caminhar.
ahi ha homens (jue se chamam Porto-Alegrc, Os escriptos políticos são todos românticos, Nós, que reconhecemol-a e acceitamol-a
Teixeira c Souza, Norberto da Silva, mas não desde a Constituição do Império. como esse principio, partimos delia tambem
são lidos, o tenho somento de dar conta dos para o estudo da questão etimológica.
livros quo tiveram ócho. Continua
Estes senhores teem cscrípto, talvez para a S v l v io da S il v e ir a R am os .
geração futura, ninguém hoje os le.
Fallar assim ó dizer que nulla, completa­ (9) Ed Schcrer. — Noucelles Mudes sur la Seria interessante indagar a razão porque a
mente nulla ha sido a influencia por clica exer­ Litterature contemporaine, pag. 244 e 45 toma­ raça indiana, a raça primitiva e ante-historica
cida. O moço estudante de S. Paulo, cujas das a Constant, ató os discursos dos senadores que habitava o Brasil, solfrcu uma dissolução
obras appareceram cm 1853 teve outro impé­ que só o looni, e quo o imitão. Deixo a um cão rapida depois da conquista.
rio sobre as attençoes. Sua L yra dos Vinte serio talento que ora os está esmagando a tare­ Varnhagen (1), «Toão Lisboa (2) c Gonçalves
annos soube despertar o cnthusiasmo em al­ fa dc proseguir. Passo ao romance c ao dra­ Dias (3), entro outros, trataram da questão, mas
guns corações e ajudar livros, fracos, porem ma, quo com a poesia são suas melhores ma­ debaixo dc um outro ponto de vista; á saber, si
sentidos, coiuo as Primaveras c as Inspirações nifestações. se devia censurar ou justificar os colonisadores.
do Claustro. Azevedo, tão simples como ó, O primeiro justificou-os e absolveu os ; o se­
pareco 6 muita gente um grande enigma. Òs gundo, que com o seu grande senso philoso-
velhos o não gostam, por ser impio, dizem: os phico c historieo podia entrar cui mais suceu-
moços o amão, por ser livre, assoalhão. Nem A POESIA POPÜLAR B R A SIL E IR A lentas explanações, bateu Varnhagen e collo-
uma, nem outra cousa é. Occupava-se pouco cou-sc i^uin meio termo ; o terceiro, finalmen­
ilas idóas. Era um scidinadòr morbido, uma I te, com o seu amor pelo indianismo, fez um
construção nervosa, sem grande fundo mental, panegyrico á raça india, apostrophou os in­
que teve a immensa vantagem eaimincnsa Desde que se começou á encarar a poesia vasores c poetisou os costumes, a theogonia, a
desdita do ter vivido entre tolos. Provo. — A como uma manifestação necessária e fatal do lingua c tudo o mais da eaboclagem vadia e
mocidade do tempo, sobretudo a de S. Paulo, gonio de um povo, como a definição de sua indolente.
andava em estado lamentável de anemia de imtylc, do seu caracter, como um documento Mas a questão não 6 esta. Houve a dissolu­
idóas. Eis quo appareco o moço Azevedo, de sua vida passada, da sua vitalidade, como ção, o acabamento quasi total de raça. Pois bem
rapaz do vinte annos, sabendo inglez, fallando uma necessidade finalmente, desde então pro­ quaes as razões que actuaram sobre esse facto?
em Byron, maniaco pelo poeta, e, incontesta- curou-se ostudar com affinco c conscienciosa­ E ’ uma lei histórica que, nas raças puras, ó
vclmcnto, superior a todos os camaradas ; ini- mente todos os produetos da inspiração ano- necessário o crusameuto de uma oiltra raça,
menso ó o sobresalto. Morto o joven, o en- nyma de que o povo vae-se apropriando pouco para que aquella se possa consolidar. N ão é
thusiasmo recrudccc ; surgem suas obras ; são e pouco, o d’ahi partio-so para marcarem-se só isto uma lei histórica, é uma lei de historia
quasi decoradas ! A noite da Taverna faz as leis c princípios, sobro os quaes funda-sc a for­ natural. (4)
delicias de mais um de leitor pouco adiantado. mação poética do povo, sob cuja iufluencia a Como 6 que a raça india, que se podia con­
E ’ este o segredo da vantagem quo adquirio poesia popular nasce, cresce e se desenvolve. siderar como vigorosa, (5) degenerou com o
seu nome, quo podera ser outro, si outro fora Não ó nosso propósito fazer aqui a exposição
o meio em que viveu. A isto deve o ir deca- completa e a demonstração d’essas Jeis. Elias (1) Historia Geral do Brasil T. f.
hindo, jíí não é tão exaltado, e vai sendo me­ andam explicadas e analysadas em muitos li­ (2) Obras—T. 3. Nota C. pag. 462 e segs.
nos lido. vros inanuacs e do facil leitura. Algumas delias, (3) Introducçâo aos Annaes IHstoricos de
Fora o primeiro romântico de valor, que era, no correr deste escripto, serão notadas c os Berredo—Brasil e Oceania, no 6.° volume das
por issitn dizer, indigena no paiz. Nunca sa- factos virão comproval-as á seu tempo. Obras Postliumas.
hira. Era filho de uma academia brasileira. (4) E. Ferriòre — Le Darioinisnie, 1. parte.
Sua poesia foi considerada uma espccie de pa­ (5) Para provar esta asserção, que poderia
trimónio commum pelos moços que o estima­ passar como contradictoria, attento o quo acima
vam. E ’ toda piegas e dioramiiujus, como cos­ Para nós, cm litteratura como em politica, a dissemos, 6 necessário lembrar ao leitor uma
tumam dizer os criticos portuguezes. Não ha questão de raça 6 dc grando importancia, e é cousa. Quando consideramos a raça india co ­
nella um só principio novo, uma só gotta de ella o principio fundamental, a origem de toda mo vigorosa, tendo-a chamado indolente, cn-
originalidade. a historia litteraria de um povo, o criterio que caramol-a somente pelo lado de suas leudas o
Byron e sobretudo Musset foram passados deve presidir ao estudo dessa mesma historia. de sua theogonia principalmente. Era ma­
para a nossa lingua. O moço só produzio Pensando assim, já se vó que, estabelecidos draça phisicamcute, porem no conjuncto, em­
queixumes, era tambem melancolico, era im­ os principios, as consequencias e as conclusões bora pequeno dc suas tradições, encontra-se
perfeito. “ N o intimo da melancholia encon- devem ser fataes. muita cousa interessante e original, que de -
trar-se-ha talvez sempre uma falta de equilibrio Assim, desde que se reconhecer, quer phisio- baixo de outras circumstancias, poderia vir.um
das faculdades, e, como causa final, algum des­ logica, quer psychologicamente, a fraqueza dc dia talvez a crear uma fonte tradicional para
arranjo orgauico. O melancholico é um ser uma raça ; desde que se examinarem as leis a poesia popular brasileira. Vejam os curioso»
0 TRABALHO 13
crnsamcnto dos invasores c extinguio-sc quasi ¿vem os occasião do ver, o indio leva a mesma vrado liberalismo : a igreja livre no estado li­
totalmente? vida e tem os mesmos costumes que antiga­ vre.
Como é que o clejncnto maravilhoso c ca­ mente. A sua arma é ainda o arco, a flecha, a E’ verdade que esta doutrina é mais geral­
valheiresco do indio, porque ello o tinha, per­ taquara o o tacape. mente acceita, e sabemos que uma grande par­
deu-se c desvaneceu-se completamente ? S ic s in d io s mansos andam meio vestidos, te da cschola liberal a sustenta de coração,
Como é quo o ideal messiânico da raça con­ os bravos conservam-so completamente nús, demonstra sua necessidade c diz que aquilio a
quistada cedeu o passo ao da raça conquista­ somente com a tanga ou tacankóba, e enfeitam- que chamamos estado não conhece a igreja.
dora ? 10 note-se que o ideal messiânico 6 se de pennas e cordas tecidas de tocum, pinta­ Seus orgãos mais avançados em idéas a pro­
uma das leis sobre que sc apoia a formação da das de encarnado e preto. Usam os cabellos clamam o homens eminentes pelo saber e eru-
poesia popular, na hora das grandes aíUicçõcs cortados na frente, com o resto crescido, cncai- dicção illucidam a questão com sua palavra
«lo povo. xilhaudo-lhes o rosto. Alguns vimos com os autorisada; e ultimamente foi magistralmente
Onde o heróe indiano ? Onde o seu semi­ lobulos furados, quasi a encostarem-lhes nos sustentada por um illustre publicista, que do
deus V Onde o caapôra '( (G) Onde o Jeropary? houbros. As suas danças sam ainda as mes­ além mar nos deu um abraço fraternal.
Onde a lenda de Somé ? Onde o theogonia mas, com o maraeá o o canto guttural e inouo- A leitura reflectida do opusculo do que tra­
de Thevet? Onde Tamc.ndonarc (Tamandaré)? tono. Sam sempre os mesmos no m oral: — tamos nos encheu cm grande parte de satisfa­
Tudo isso só conhecem hoje os curiosos. desconfiados c vingativos. ção ; e ombora não concordemos com tudo
Tudo perdeu-se, tudo se disfez. Não ha dous annos, uma tribu assassinou quanto nelle está dito, ó dc nosso dever agra­
Martins ( 7 ) parece ter encontrado a razno um escravo na comarca do Vianna (Maranhão), decer do seio dc nossa obscuridade ao ancião
deste facto, e eis o que escrevo ello, tratando tendo tentado assassinar o senhor, porque este verdadeiramente amante dc sua patria adoptiva
do caracter da raça americana. mandára o dito escravo derribar um páu-d'ar­ o serviço relevante que ácaba do prestar-nos.
“ Quero lallar desse grande lacto que já pre­ co cm terras, que os iudios diziam pertence­ Concordamos de sobejo com a inór parte de
cedentemente tive occasião de assignalar da rem-lhes. sutis locubraçõcs, admiramos cm tudo a lógica
extranha divisão da população americana em Ainda ha o iácto da lingua indigena, rudo- c convicção de sua argumentação, mas isto não
uma infinidade de grupos, grandes e pequenos, mentaria, incomplela, infante ainda, para ex­ impedo «pie nos manifestemos claramente acer­
grupos isolados e sem ne>^ que mutuamente plicar essa especie de calmaria na civilisação ca dos pontos de quo discordamos.
se repellem e nos apparecem como fragmentos indiana, apesar das coininunicações dos iiulios Amantes tambem, eom todas as forças do
de urna vasta ruína. A historia das outras na­ com os Europeus. nossa alma, do paiz em que vimos a luz, o
ções do globo nada nos olíerece <pie tenha a Disto decorre que o indio não podia crusar- amantíssimos da liberdade, única que o poderá
minima relação com semelhante estado. se, o fazia difiicilmente, o por isso licou sempre fazer feliz, ousamos aventurar algumas pro­
“ Não sê pode duvidar quo desde os mais estacionário c extingue-se aos poucos. posições contra a theoria da igreja livre no es­
remotos tempos aAmeriea não tenha sido quasi Parecerá talvez um pouco desconncxo o tado livre, seus effoitos práticos, quer com ap-
sem interrupção o theatro de emigrações, que virmos aqui com ostas reflexões acerca dos ín­ plicação ao nosso paiz, que pelo seu atrazo
tem agitado os difterentes pontos do sua su­ dios. A nossa idóa, porem, será comprehcn- moral e intcllectual a não podo admittir, quer
perfície e tudo nos faz ver nestas deslocações dida, desde que a explicarmos cabalmente. com applicação ao paiz cm que geralmente se
violentas uma das causas principacs do desmo­ O (pio queremos tirar á limpo ó, por ora, o diz ser aceito este principio.
ronamento das antigas sociedades, da corrup­ facto de que na nossa poesia popular não existe Os Estados-Unidos 6 sempre apontado
ção das línguas, da degradação dos costumos, um só resquício da população indigena, e que como o paiz que com severa lógica tem realiza­
consequeneiu quasi inevitável da miséria pro por consequencia, cila deveu a sua tormação á do o principio da igreja livre no estado livre.
duzida por qualquer grande catastrophe. elementos novos, á leis excepcionais c quasi Instituição americana com relação á igreja,
“ . . . Devemos crer que alguma grando somente de transplantação. é, entretanto, a expressão que mais quadra á
com moção da natureza, algum temeroso tre­ Que o indio nenhuma tradição nos legou é fallada independencia, autonomia, igreja livre,
mor de terra, tal como aquollo a que out’ora facto sabido e não carece de prova. Ninguém ou qualquer nome que lhe queiram dar os ultra­
se attribuia a submersão da formosa Atlantido o lamenta, á esse facto, e só um ou outro pro­ montanos o ultra-liberaos.
tinha involvido em seu circulo destruidor os cura fazer renascer esse anachronismo.
habitantes do novo continente V „ Nas lendas hoje ainda repetidas pelo povo E’ verdade que a situação momentanca e p o­
Isto, apesar de não ser escripto directamente existem, que saibamos, somente a do caipóra sição actual da existencia e relações da igreja
em referencia á questão que nos oceupa, pare­ o do cornpim de origem indiana. Isto para o com o estado, é dc lacto para uós differente
ce-nos poder se applicar á ello. Essas catas­ maravilhoso. do que se observa na Europa e em paizes cul­
trophes, de que falia Martins, sum as mesmas Do elemento cavalheiresco nada conhece­ tos, mas não ha differença quanto aos princi­
reconhecidas por Darwin, que concorrem para mos. pios estabelecidos pelo direito publico mo­
Não originando-se o nosso Romanceiro da derno.
a extineçao de uma raça.
Assim, diz E. Forriére(8)*; uma praga subita­ raça que habitou primittivamento o Brasil, E’ um grande erro julgar-se que na União
mente desencadeada, ou uma mudança não ex­ segue-se que elle basea-se nas tradições da raça Americana não seriam possíveis leis reguladoras
plicada de temperatura geral, como houvesse conquistadora. da existencia de qualquer sociedade religiosa,
talvez nos tempos pre-historicos, poderá só Isto so provará, não só com a citação dos quando o legislador civil as achasse necessa-
causar a destruição de uma especie. „ romances herdados, mas tambem com a sua con­ rias e convenientes. Toda a diflerença entre
Mas isto não deixa ainda de ser uma hypo- frontação com os portuguezes, as suas varian­ os Estados-Unidos e os paizes que teem leis
these, e, com o tal, necessitaria de demonstra­ tes etc. reguladoras das sociedades religiosas, é de
ção. facto, não de principios. A grande Republica,
A razão principal da dissolução indigena foi, Continua. nosso ideal, ignora e desconhece a existencia
nada mais nada menos, que o principio de se­ da igreja, porque ató agora não foi ameaçada,
lecção natural o struggle f o r life. A raça com- C elso de M acalh aeb. nem atacada por ella, nem pensa que o possa
quistadora era mais robusta, o indigena tovo ¿er; mas nenhum americano negará, que, no
de ceder. N o combate entre duas raças que sc caso de apparecer qualquer ameaça ou ataque
disputam o mesmo alimento (9), o mesmo meio, á Republica, esteja esta no pleno direito, de­
a victoria será da mais forte. A IGREJA LIVRE fendendo-se por um acto legislativo o por me­
Alfan disso, occorre outra razão : — a in- didas preventivas, até mesmo com a força po­
comn.anicabiíidade do indio, que pouco lugar A PKOPOSITO DE UM OrU8CUI.O DO DR. J. licial, pondo assim barreiras ao ataque pertur­
dava ao crusamento. J. DE MORAES SARMENTO. bador da paz e ordem publica. Si os ultra­
O indio nunca passou de caçador. Ainda montanos ousassem ameaçal-a, como estam fa­
hoje, nas poucas tribus e colonnias que se en­ I zendo na Italia, Suissa, AUemanha, Espanha,
contram no interior do Maranhão, o as quaes França, Brasil e outros paizes; si elles se allias-
A historia dos últimos vinte xc cinco annos sem, com uma autoridade estrangeira, e com
:'i este respeito a Chronica da Gompanlda de tem dado á cschola liberal algumas lições do­ todos os meios do pasto espiritual e educação
Jesusy pelo padre Simão de Vasconccllos, o lorosas que a obrigaram a restringir c modifi­ tentüssom abalar o capitolio de Washington,
Novo Orbe Seraphico do padre Jaboatão e o G.° car alguns dc seus axiomas. então haviam do ver esses que parecem des­
volume das Obras Posthumaà de Gonçalves Ein 1848 não merecia o nome de liberal conhecer os verdadeiros soutimentos o princi­
Dias, onde sc poderá encontrar a descripção dos quem não acceitava coino dogma liberal o pios do livre americano, como o congresso lan­
costumes indianos. Posta de parte a teiulen- sufíragio universal. Vimos depois que os mais çaria, contra aquellos por turbad ores da ordem
cia de Gr. Dias para o indianismo, o leitor po­ íigadaes inimigos do liberalismo, o cesarismo e o paz publica, leis penaes draconianas; c pouco
derá ajuizar por esse estudo do poeta ( Brasil o socialismo, inscreveram nas suas bandeiras o se lho daria de pôr peias á igreja livre, quando,
t: Oceania ) o que tinha de bom o máu a raça pretendido dogma e nollc acharam o meio mais se tratasse de salvar o estado livre.
india. eíficaz do despotismo. Os americanos que não respeitaram a auto­
(6) Hoje diz-se caipora. Os jesuítas tambem não antipathisarara com nomia dos Estados esoravocratas, quando estes
(7) Cit. por G. Dias no — Brasil c Oceania o sufTragio universal. Hoje, porem, vemos que tentaram collocar-se acima da União,, d i f í c i l ­
pag. 244 o seg. poucos sam os verdadeiros amigos das praticas mente seriam mais cerimoniosos- com a auto­
(8) Obra citada, pag. 38. da liberdade que nelle creem. nomia da igreja, si esta tentasse collocar-se-
(9) F' Ferrière — L. cit. pag. 39. Assim tambem succede com a celebre pala- acima da União, ou procurasso fazer- pratica-
O TRABALH O 19

".ativo na historia littoraria, qualquer que possa n’esse seculo que principiou a sua decadencin, Reparai para a sua architectura — enormes
ser. a sua importunei a no mundo oílicial. Ca coin Alcacer-quibir, e o dominio Hespanhol . . . amontoados de pedra o cal,quadrados,sera ar,sem
seus dramas estão ainda abaixo dos seus roman­ (1580). luz, de grossas paredes o corredores estreitos,
ce*. O drama quando é tecido por míios taes E,ainda mais,a vitalidade momentanea do P or­ sem condições hygienicas, húmidos, frios, feios,
c nullo. O gênero é um tanto d iffic il; só para tuguez nada poderia provar contra a proposição com azulejos representando sem pre os m ila­
outros obreiros. Venha a França ainda á scc- quo allegamos, pois quo a hypotheso avançada gres, e columnas que só elles, os Jesuitas, sa­
na já que softromos franco-mani em litteratura, acima tem com o razão explicativa um facto bem á que ordem pertencem. N as obras dc
com o anglo-mania oin politioa. completamente provado — a degeneração da talha encontra-so um acervo tal d e folhas, flo­
AUi o genero, de que fallo, foi certamentc raça latina. res, sereias, griphos c quanto absurdo ha, que
a expressão mais fraca do romantismo, tam Si outra fosso a nação quo descobrisso o Bra­ olhal-as mette medo.
cheio de abundancia n’outros sentidos. IL r- sil, uma nação da raça germanica, da anglo-sa- Escutai-lhes a musica — é vulgarissima,esga­
nuni, Mnrion de Lormc o Antony, tão significa­ xonica, por exemplo, cremos que seria outra a niçada por vezes, monotoria sem pre, n’ um an­
tivos com o obras litterarias, com o peças drama- nossa politica, a nossa arte, a nossa litteratura damento invariável, chorada, m ortificante,cha­
ticas não sam primores. O que não se dera en­ c a nossa religião. ta. Ainda hoje a sua com prehensão musical
tro nós? E' facil ajuizal-o. Mãe e Lusbella, por Todos sabem, a não ser um pequeno numero nao vai muito longe. Quem quizer certificar-se
exemplo, estam abaixo de máos. O reperto- do teimosos que tem a pretenção de reconstruir disto, visite o collegio de S. Francisco X avier
rio de nossos theatros fez a justiça que devia a raça latina, com o se uma raça que tende n’ esta cidade, c vá ouvir lá a musica que os
á esses embriões sem forma nem vigôr. Quasi a dissolver-se podesse ser restaurada, todos sa­ Jesuitas ensinam aos meninos, cu ja educação
nunca vam á seena. O povo, mal educado e fa­ bem que, dos ramos da grande familia aryana, lhes está confiada.
lho de senso csthctioo, é divertido por alguns a raça latina é a mais fraca, a mais pesada e A poesia — elles não a possuíram.
saltimbaucos, de esphera baixissima que mu­ concentrada, a menos activa. E ’ amiga da Vêde os Indices Expurgatorios, onde todas
tilam o estragam más peças estrangeiras. conquista e do mando, tem o caracter sacerdo­ as composições d e mérito estão, ou prohibidas,
Pode-se aquilatar a força espiritual do um tal c falta-lhe o espirito emprehendedor da ra­ ou cortadas, ou castradas.
povo pelos espectáculos que lhe sam predilectos. ça germanica o a infelicidade poética da cel- Pois bem,uma educação feita por gente d ’esta
Entre nós os mais apreciados sam os Milagres tica. ordem não podia dar bons fruetos e não deu.
dc Santo Antonio e S. Bcnedicto. V ò-se por ahi que ella nunca poderia con­ Havia, ainda mais, o genio do povo conquis­
E ’ dizer tudo. Adiante. correr para o progresso do paiz que povoou, tador, para obstar a que a corrente progressiva,
.. Os deus dramaturgos conheceram que davam antes concorreria para a sua má educação, com que se espalhava pela Europa, chegasse até o
'Viouco para o mister. Atiraram-se á comedia. as suas idéas atrazadas, as suas superstições, a Brasil.
Não tinham a vis cômica ; não foram mais feli­ sua philosophia, a sua litteratura, reflexo das O Portuguez era, quando conquistava, quan­
zes. — Obras, com o o Demomo Familiar e a estrangeiras c das antigas, os seus guerreiros e do mandava, mais selvagem que um botocudo.
Torre em concurso, não acreditam ninguém. navegadores ignorantes e os seus frades. Acontecia isto porque era ignorante.
Neste modo de julgar sou de extrema raodera- Caíiio a palavra da penna, e aproveitamos a No Brasil, com o na índia, sam sabidos os
<jüo. Foi o proprio Alencar que julgou-se inca­ occasião para fallar na influencia quo teve a actos de selvageria e barbaridade praticados
paz para a comedia. (10). E o que não 6 para o Companhia de Jesus sobre a educação, e por pelos Portugueze8 nos indios e em seus pro-
drama? consequcncia sobre o futuro do Brasil. Para prios compatriotas.
Continúa. nós, foi uma das causas mais fortes que actua­ Oliveira Martins (2).reconhece isto,e cita mes­
ram sobre nós,para o estado de esphacelamento mo alguns factos relativos á índia, e attenua
S y l v io da . S i l v e i r a R am o s . á que hoje chegamos, e no qual nos conserva­ dizendo que disto originava-se a tradicção
mos, com uma paciência o uma paz de espirito para o cavplheiresco. P ód e ser uma verdade,
(10) Carta que acompanha a Iracema. admiraveis. mas n ã oó uma justificação.
A Companhia de Jesus, log o depois de co­ A explicação que poderia justificar o P ortu­
meçarem as emigrações para ó Brazil, e apenas guez, e da qual estamos convencido, está na
nove annos depois do sua creação definitiva gente que para cá vinha, comppsta quasi toda
A P O E S IA POPU LAR B R A S IL E IR A (1540), com eçou á mandar seus membros para da escoria portugueza, dos criminosos, dos ga­
a torra que se mostrava nlera-mar, rica de ouro lés. dos vadios.
II o pedras fina«, de ingenuidade e credulidade, Pois bem, por todos esses factos agglomera-
terreno em que a Compainha podia plantar, dos, em primeiro lugar a fraqueza da raça con ­
A epoca do descobrimento do Brasil, c, mais com certeza de uma florescencia robusta, e por quistadora, em segundo a educação fradesca,
quo tudo, a epoca de sua colonisação, foi uma conseguinte de um auginento de riquezas, de era terceira a má qualidade da gente que P or­
das mais accentuadas na historia do espirito adeptos, de authomatos para a consecução de tugal exportava, por tudo isso o Brasil ficou
humano, e dentro da qual a nação descoberta seus fins. estacionario, sera ter noticia do movimento da
poderia ganhar muita fortaleza, si outras fos­ Com aquella tenacidade que caracterisou Renascença e da Reforma, os dois maiores
sem as condições quo presidissem ao facto da sempre a Ordcra, principiaram os frades as suas acontecimentos do seculo X V I.
descoberta e á emigração da raça invasora. predicas o os seus trabalhos. Ainda ha um facto que influio muito sobro
Com eficito o seculo X V I, principalmente nas Onde quer que pisasse um Jesuita, erguia-se o povoaraeuto do Brasil — a introducção do
suas tres ultimas partes, tempo em que no uma cruz, depois uma capella, uma igreja, um elemento africano.
Brasil com eçou a colonisação (1530), cora o convento e finalmente uma cidade. Todas as Si ha na raça humana alguma cousa de bes­
facto de sua divisão em capitanias, em que ella nossas capitaes quasi que originam-se d’elles. tial — o africano a possue.
desenvolveu-se e começaram as lutas com os Não tlcava só nisso. Nas egrejas agglorae- Entretanto elle entrou, cruzando-se, na for­
Hollandezes e Francezes (1581), o seculo 16, rava-se o povo, ouvia as historias milagrentas mação de nossa população, e com elle entra­
diziamos nós, assistia á evolução brilhante da c resava o terço. N o confessionário prepa- ram também os seus costumes, as suas festas,
Renascença, á Reform a de Luthero, ás grandes parava-se os animos pelo tomôr, devassava-so os seus instrumentos, o seu fetichismo e até a
navegações e conquistas portuguezas, á toda a segredo das familiase lançava-se-lhes no meio sua lingoa.
esta vasta ofFervesccncia de idéas novas que se a discórdia. Nas escolas c lycêos ensinava-se a Este crusamento não nos podia trazer bem
chocavam no seu seio, c que o fez conhecido cartilha e a theologia. algum. Trouxe mal. Deturpou a poesia,a dança
cora o nome de grande seculo. Com uma educação d ’estas póde-se fazer e a musica.
Camões, Gil Vicente, Sá de Miranda, Sha- idéa, e hoje vê-se. claramente a consequencia Na Bahia, onde temos visto predominar mais
fcespeare, Miguel A ngelo, Cervantes, Bernard fatal que d’ ella resultou. o elemento africano, tivemos occasião de re­
de Palissy, o trabalhador paciente e tenaz, Quanto á arte, nada ha de mais chato, de parar n’isto. Os bailados, os bandos de S.
toda essa constellação que acclarava a Europa mais commum, de mais oflicial do que ¿a arte Gonçalo, os sambas, os maracalús, as cantigas,
não lançou sobre o Brazil nenhuma faisca, ne­ dos Jesuitas. tudo é um aggregado de saltos e pulos, tregei-
nhuma semente que ahi brotasse e crescesse,e o Reparai para as s u j i s pinturas — grandes te ­ tos e macaquices, gritos roucos e vozes asperas,
rico império não conheceu sinao a ganancia dos las sera vida, sem sombras, sem perspectiva, um espectáculo de causar vergonha aos habi­
seus governadores, a carniça e a caça ao indio sem expressão, sem anathomia, sem critica, tantes de uma cidade civilisada.
e as missões da Companhia do Jesus. onde se representam milagres e retratos do A Lavagem do Borafim descáhe para a sa­
Si por ventura outra fosse a nação que des­ santos, com grandes medalhões explicativos, turnal. Note-se que a Lavagem é ahi uma
cobrisse o Brasil, talvez que elle sentisse mais em linguagem arrastada e classicamente m ono- festa tradicional e eminentemente popular. (3)
fortemente o influxo da evolução que opera- tona.
va-se no seculo X V I. Aqui póde-se visitar o convento de S. Fran­
N os corredores e sachristias das igrejas, prin­
Podem nos fazer notar que o povo portu- cipalmente nas da Bahia, encontram-se ainda cisco, onde a collecção é digna de ver-se, e re-
guez estava, n’essa epocha, no apogêo de sua muitos desses painéis, que só a curiosidade coramendainos sobre tudo um grande painel
gloria, que as suas conquistas davam-lhe lus­ póde fazer cora que se olhe para elles. (1) que existe n’ uma das salas superiores, repre­
tre e brilho ao nome, e quo, p or isso, um povo sentando S. Francisco no tôpo de duas fileiras
n’estas condições podia cooperar lortemente (l) Em Maranhão ha uma collecção d’estes de frades, cada qual mais feio.
para o progresso do paiz quo povoasse. quadros, doada por Gonçalves Dias á ex-biblio- (2) Estudo sobre os Lusiadas.
E’ certo que o povo portuguez era forte theca da capital, que póde servir para ex em ­ (3) Para quem não sabe o que é a Lavagem,
n’osc tempo, mas ó innegavel tarabem quo foi plo. Sara retratos de frades, na maior parte. dá-se a explicação. N a festa do Borafim ha o
20 O TRABALHO

O elemento africano acabou a obra que o A IG R E J A LIV R E que para nós tem o Estado de não conhecer a
P ortu gu és e a Com panhia tinham começado. ígreja como poder, embora reconheça sua exis­
Os trovadores populares limitaram-se única­ II tência com o sociedade, nem dc lhe conceder
mente á repetir o que lhes estava na memoria, por leis fundamentaes ou espeeiacs, privilégios
lem brando-se da m etropolo, e os nación aes ar- .Em nosso p ieccd cn te artigo mostramos o c regalias, que só teem trazido com o corollario
rcmedarara-n’os mais ou monos infelizmente, modo polo qual se entendo ua União America­ a desharmonia c desordem, c algumas vezo*
intromettendo nos romanees os barbarismos e na a liberdade de acção da igroja, acção esta o tem feito perecer.
as corrupções que o m eio africano fazia desen­ limitada pela lei do listado o bem geral. Em nosso paiz reconhece o poder Estado um
volver. Este modo do proceder tem por base, não o outro poder Igreja ; ainda mais, impõe seus
Algnns romances portuguezes cstam com ple­ desconhecim ento da Igreja, mas sim o do seu princípios, cerca-o de privilégios e regalias.
tamente truncados, confundidos uns com os poder absoluto; c é justamente pelo desconheci­ Esta doutrina, acceita no nosso pacto funda­
outros o quasi inintolligiveis. Ha de so mos­ m ento dessa autoridade, resultante de um sup- mental, tem produzido os males quo a todos
trar isto á sen tempo. posto poder, que ahi se movem todas as socie­ estão patentes.
De todas estas considerações resulta urna dades religiosas e acham seguro asylo e campo O poder da religião catholioa apostolica ro ­
cou sa: — que a transplantação do romanceiro fértil para a propaganda. Qualquer sociedade mana, ou o poder do papado, tracta com os p o ­
portuguez, desdo a sua origem, encontrou con­ religiosa tem o direito de existir livremente, deres do Estado Brasileiro em pé de igualdade,
dições pessiinas, e deu-se debaixo de circum - sem que o Estado indague de seus principios senão de superioridade. A confusão, que d ’ahi
staucias fatalmente corruptoras. * Isto na época e lhe tolha os passos, salvóse praticar qualquer resulta c de facto existe, hoje mais do que nun­
cm que ello podia soífrer uma assimilação mais acto contra a lei, ou attentatorio das liberdades ca exige uma solução, quo provavelmente será
ou m enos interessante; porque, para adianto, us publicas, do mesmo m odo que se cream c fun­ a de se declarar por uma lei até que ponto
circunstancias foram aínda peioros. dam e existem sociedades commerciaes, bene­ chegam os direitos do poder Igreja. Mas esta
Assim 6 quo, no seculo X V II, o Jesuitismo ficentes, litterarias, seientificas e humanitarias, solução e illusoria. V ed o o que se está passan­
e o Santo Oüicio mandavam em Portugal com o ou quaesquer outras, seja qual for a denomi­ do na Suissa, Allemanha o ltalia, onde a p ro­
senhores. As Trugi-comedias em latim e os nação que se lhes queira dar. tecção que concede o Estado á Igreja não tom
Indices foram as armas mais potentes de que Emquanto prevalecer este principio, unico paridade co?n a que lho deu o nosso pacto fun­
se serviram elles para combater o elemento na­ compatível com a liberdade moderna, ordem e damental.
cional na litteratura. (4) paz social, do desconhecim ento da igreja com o Esta limitação de poderes nunca será regn- a
L og o que na m etropole havia esta persegui­ poder c da autoridade c supremacia que ella a lada por lei alguma,emquanto a Igreja lbr c o n - í
ção, a colonia havia (le resentir-se. todo transe quer exercer nas relações civis, po­ siderada poder. "
N ’este seculo houve utn homem poeta e na­ derão viver, prosperar e florescer todas as so­ O christianisino. sociodado religiosa, que
cional — foi Gregorio do Mattos. ciedades religiosas, sem haver a confusão, lueta, nunca foi poder, dividio-so depois em outras
Quanto ao seculo X V III, o classismo ma­ c chaos que observamos nos paizes em que o sociedades, as quaes estão quasi todas no gozo
tou o elemento popular, assim como a opera poder Estado reconhece o poder Igreja. do poder. Analisaremos sómente uma das sub­
matón a comedia nacional. E’ necessário dizermos boin alto, que nen­ divisões, conhecida p or catholica apostolica ro­
O Brasil, q u e já ia tendo vida sua, resentio-so huma sociedade religiosa tem poder ou autori­ mana,a qual hoje perdeu osdous primeiros qua­
«la ovolução elassica e don Santa Rita Durao, dade em setitido positivo, pois se admittirmos lificativos o chama-se simplesmente a Igreja
Basilio da Gama, Souza Caldas o outros segui­ por um momento sequer semelhante poder, a romana ou o papado.
dores do molde Grego e das regras Aristoté­ que conclusões incompatíveis com a ideia da O poder da Igreja romana, ou o poder do
licas. justiça suprema não chegaríamos, ao contem­ papa, que dc novamente tanto tem perturbado
D o fim do seculo X V I I para o X V I I I houvo plarmos o doloroso c pungonte espectáculo que a paz publica é filho, não da missão que a si to­
outro homem eminentemente popular, talen­ nos ollereee a historia desta alluvião de preton- mou seu fundador e que devia ser continuada
toso e comprehensivo, e,por isso mesino, perse­ didos enviados c representantes d o ser increa­ pelos que nelle cressem, mas sim dos manejos
guido pelo Santo Ofticio — foi o Dr. J’udeu. do, cuja divisa tem sido a guerra, fulminação e políticos e ambição mundana dc seus chefes.
A lem d’estos dois, G. de Mattos e A ntonio exterminio do proxim o, apregoando todos a A primeira alliança com o imperador Con-
.Tose, não conhecem os outros que mais honra sua infallibilidade c legitimidade exclusiva ? stantino foi o primeiro passo que deu o papado
laçam ao Brazil de entíio, á nao ser Gonzaga, Nada temos que ver com a preferencia que para estabelecer o poder até então desconhe­
aquella grande alma amorosa, que sabia tão beiu por ventura mereçam, e sim com o reconheci­ cido : La R ocho resumio este acontecimento
fazer o lyrismo. m ento do poder do que se dizem revestidos e nestes bellissimos-termos: “ Ochristianisnio cá-
N o seculo X I X as lutas da Independa pode­ em virtude do qual pretendem exercer sua au­ hio quando subio ao tJirono com Constantino.”
riam ter fornecido m uito material para a poe­ toridade além dos limites do toro interno. Este poder foi tomando proporções agiganta­
sia popular, mas assim não aconteceu. O povo O pretendido poder e direitos que estas so­ das e era maior ou menor, segundo a habilidade
ia com eçando a ser pratico, ia sahindo da ciedades se arrogam, conseguiram-nos pelo fal­ politica de que dispunham seus chefes. G re -
vida épica e romanesca, o entrava na drama- seamento de sua missão, formando e exploran­ gorio V I I foi o seu mais denodado campeão ;
tica c burgueza. O m eio historico não oflbre- do alliauças p olítica s; e só politicamente se e, depois deste, foi o poder thcocratico susten­
cia elementos para a poesia popular. explica o enfraquecimento visivel de tal poder, tado e augmentado por seus successores até In-
Depois da Independencia veio o romantismo em virtude do progresso que tem feito a razão nocencio III. Com Bonifácio V I I I já pricipia
— uma evolução, — q u e já não entra no nosso social tornando díflicil ou impratieavel a rcali- o poder a rolar no plano inclinado.
programma. saçào de semelhantes allianças que na idade- A idade media nos legou portanto opoder pa­
D aqui, couclue-se, debaixo das circunstan­ média fizeram as delicias da theocracia. pal e este estava tão enraizado em todos os
cias apontadas, o que se deu havia de aconte­ Explicadas as razões e princípios que prevale­ animos, que Luthero julgou não podor prescin­
cer, era fatal: — a transplantação não podia cem na republica da America do Norte; reconhe­ dir d ’algum que lhe oppuzesse; é preciso que
ser vigorosa, teve de corromper-so o morrer. cida a paz,concordia e tolerancia que alli, com o as gerações modernas por meio da politica des-
A p ó s isto, temos de entrar na comparação em paiz algum, reinam, julgamos ter dem on­ thronem esse poder que politicamente foi con ­
dos romances herdados e deturpados, a fim de, strado, não só quo a excellcncia desses princí­ seguido.
com os faet03, provarmos o que ah i tica dito. pios está provada pela pratica, com o também O papa não póde ser considerado sómente
E ' o que faremos no capitulo seguinte. que são elles espccialissimos e peculiares com o sacerdote e representante da Igreja. O
áquelle paiz c não podem ser considerados e papado foi c ó, depois de sua referida primeira
Oontiuúa. apreciados com o fez o illustre ancião,em o opus- alliança, um poder eminentemente político e,
culo que nos moveu as presentes considerações. com o tal, tem iuvadido com toda a energia c
C e l so de M a c a l o a k s . Contemplado esse bellissimo quadro e conhe­ alcançado grandes triumphos no terreno das
cidos os resultados práticos da bonefica Insti­ relações temporaes, e feito destas invasões um
eos turne antigo de irem as devotas lavar o cor­ tuição Americana com relação á Igreja, 6 dever programma bem delineado.
po o o pateo da igreja na Quinta feira prece­ de todo homem amante de seu paiz concorrer O que serve unicamente de guia ao papado
dente ao dia da festa. Isto tornou-sc tradicio­ de conformidade com suas forças e luzes para 6 a realisaçâo desse programma, isto é, o re­
nal e popular. H oje o que acontece 6 que ha realisaçâo dos principios que toem garantido a stabelecimento do antigo poder e supremacia
uma romaria numerosa n’esse dia. Reunem-se concordia o paz religiosa á primeira nação do temporal e subjugação do Estado á Igreja ;
as crioulas, os negros, tudo promiscuamente, e mundo. portanto um programma exclusivamente polí­
entre cantigas e esgares, u;oio-nuas, com as ca­ P ou co somos, nada valemos, mas julgam os tico.
beças esquentadas pelo alchool das barracas vi- que nos será perinittido concorrer com o sim­ N ão nos admiramos que tenham existido e
sinhas, com os seios á mostra, lubricas,com essa ples operario para a eoustrucção do grande existam homens que julguem saber melhor
lubricidade nojenta da creoula, entre risadas e templo da liberdade, onde outros trabalharão do que o proxim o qual seja a vontade de Deus.
ditos obcenos, com eçam todos a lavagem. com o mestres. Esta supposiçào não oflénde a sociedade em
Isto enjoa e envergonha. N ào será em vão repetir quo a questão de geral,e é generoso que lhes deixemos esta doce
(4) Th. Braga. Historia da Litteratura P or- que nos occupamos não tem character theolo- iilusão, se isto póde concorrer para a felicidade
tuyueza. — Reculos X V I e X V I I . gico, nem vem ao caso patentearmos a prefe­ delles ; mas confundir a missão que, segundo
rencia que possamos dar aos principios estabe­ dizem, lhes foi directa e exclusivamente con ­
lecidos por qualquer sociedade religiosa. fiada, com o podei'q\\e adquiriram politicamente,
Occupámo-nos uuicamente da necessidade é no que nào podem os nem devemos consentir.
O TRABALHO 27
forneccrá ole raen tos solidos ás leU da inducção
ultimo período, e que, naquelle em quo falla­ Mas, que importa, que uma das solnções d o
simultaneamonto experimental c racional. dnos, harmonisa-so com a natureza simples­ problema, a mais importante sem duvida, seja
E ' d’csta altura que o leitor tem o direito de
mente phenomenal da experiencia, foi atroz­ contradictoria, se á custa de uma contradicçuo
fazor a mais rigorosa aproe iação que a critica
mente desconhecida pelo autor (la Philosoahia pode-se obter espaço para a acqnisição de urn
aconselha. E’, cm vista da positividad© promet-
da rasão pura — novo principio, e de extenção mais vasta, sobre
tida, antinómica á menor sombra de supposta e Foi, por um extranho equivoco á respeito o qual miiito se pode dizer, escrever, publicar
hypotlietica realidade, que se pode pedir contas
de cousas do cujo valor já não é licito duvidar, livros!
«la emancipadora theoria em que o seu autor que o autor 6 reflexão, concebida com o forma Seja qual fôr a verdade, — quer os objectos
lmvia fondado as su as e as nossas esperanças.
do movimento proprio do pensamento, juntou a mudera por mudar, ou obedeçam á um certo
Infelizmente, porém, bem analysada toda idéa de uma causa de todo pensamento, de um fim,— 6 sempre certo que a mudança é um effeito.
esta tirada de palavras inuteis, vasias o logo-
pensamento prim eiro com o nom e de — refle­ “ Que ha de mais certo na sciencia, que o es­
maohicas, nada resta que de va occupar a grave
ctor ! tado á que chega um objecto tem sempre o ri­
austeridade do pensamento, que não costuma Si, de accordo com os dados puramente gem n ’um estado que é p or elle abandonado ? ”
perder tempo com o ridiculo de pretenciosa sciontificos, inquerimos dos motivos que justifi­ E, por este modo, firmada a idéa de causa, a
verbosidade. quem a concepção de um pensamento prim eiro, lei do movimento continúa sempre, ao mesmo
E’ certamente curioso, quando se tem diante
d ’onde nasce o pensamento derivado} este agen­ tempo visivel e invisível, negra e deslum­
dos olhos a estatística dos systemas de philoso-
te secundario, que, com o todas as cousas, não brante, animadora no principio do systema,
phia transcendental, ver-se a facilidade comsoffre reticencias em sua eterna evolução, a res­ contristadora no fim, contradictoria, absurda,
que o espirito de novidade,{3) alma do charlata­
posta será uma simples repetição das theorias sem que deixe de ser o fundamento da nova
nismo de todas as epochas, descoberta a pri­de P orto-R ayal o de sua escola. — A conce­ sciencia, porque de sacrificios em sacrificios ella
meira idéa, ou melhor, a primeira imagem, fir­
pção — platonico-aristotelica, da meia idade, o conseguirá mais tarde reivindicar as verdades
mado o ponto inicial, bem ou mal, desenvol­ racionalismo germânico, transportados para o perdidas ante o imperio da lógica. — 0 que
ve o longo fio arbitrariamente ligado, e em periodo da restauração om França, seriam os deve occupar-nos primeiro é saber — de que
cujos oíos repetcm-se, por urna lei constante,
elem entos implícitos da solução pedida. — A natureza 6 a verdade novamente obtida, reve­
todos os absurdos da concepção fundamental. idéa de causa, com o seu acompanhamento fa­ lada por uma horrivel desgraça; mas, muito fe­
N ão é menos curioso assistir ás torturas a
tal, de necessidade, absoluto, infinito, eterno, cunda, c não menos attrahente. — A idéa de
que podo conduzir uma falsa observação, quan­— eis o criterium em que afinal se resolveria a causa, indefinita com o o proprio movimento,
do de um facto verdadeiro, nos limites assigna-
bella concepção da theoria de uma certeza que mas superior porque o involve e o produz, é o
lados pela experiencia, pretende-se extrahir se annuncia apoiada sobre bases certas e posi­ antecedente de si m esm a!
oonsequencias de amplitude vasta, exorbitante tivas. A n tes de tudo, saibamos que a grande causa
do plano conhecido, — repeli idas pela lógica N ão quer dizer, entretanto, que, em sua quase devide-se em tantas pequenas causas quantos
do bom senso, c apenas justificadas pelo des­ enigmatica exposição de uma theoria nova, o são os pequenos objectos em que se devide o
vario allucinante de uma intelligencia mal edu­
seu autor se desenvolva n’ um plano sempre grande objecto — natureza.
cada e mal dirigida. com m odo, e de facil accesso. Algumas vezes, O que resta é determinar o m odo de existir
O movimento, no momento em que falla­ pela força do proprio absurdo dos seus princi­ do cada uma, particular e individualmente con ­
mos, não suscitará,estamos certos, a m enor fra­
pios, a nullidade,a brutalidade da consequencia, siderada.
queza do system a; ninguém ousará contestal-o.
trazem-lhe serio embaraço. C om o e e lla ? — Existe formal ou virtual­
Todavia é mister que o seu ámbito circurascre- O movimento indefinito, applicado ao pensa­ mente ?— São successivos ou simultâneos — a
va-se ás provas da experiencia, c não exceda mento, exige-lhe uma existencia indefinita. — causa e o effeito ? — São idênticos ou distin-
as leis da inducção. Seria loucura, imbecilidade, suppór indefinito o ctos ? — Tudo isto ao mesmo tempo.
E ' pela impossibilidade absoluta de uma de­
movimento de uma cousa, cuja existencia ter­ A causa e o effeito confundem-se e vivem se­
monstração completa e capaz de satisfazer as minasse n’ um periodo sensivelmente certo com parados, apparecem simultanea e successiva-
necessidades do pensamento, que os fuudado- o da duração da vida de um homem. mente, porque, nada existe no efíbito que já
res de systemas, sempre occupados com o que Eis o momento appropriado para pôr-se á não existisse na causa, — embora virtualmente;
costumam chamar a sua idea, seguem folia d a ­
prova os recursos de uma intelligencia notável o nada é mais distincto da causa do que o seu
mente um caminho que vao terminar p or al­ E’ sabido, e o proprio autor o reconhece : — effeito, precisamente porque a identidade que
gum terrível labyrintho, onde irremediavel­ todos os objectos passam por tres phases: o os conservava unidos, era apenas virtual, — o
mente ficam sepultados. nascimento, o desenvolvimento, a m orte; pela que os separa form alm ente!
Considerada a lei do m ovimento indefinito,
morte, continuam, de um outro modo, uma exis­
com o a unica dotada de proporções ¡Ilimitadas,
tencia que percorre as mesmas phases, e assim L a g o s J ü n io r .
neuhuma difiiculdadc se oppunha ao sacrificioindefinidamente. C on tin ú a
do pensamento. Mas, ainda aqui, o absurdo O nascimento é um mysterio, a morte é ou­
não se revela em toda a sua nudez, precisa­ tro mysterio ; só o desenvolvimento é conhe­
mente porque não nos foi dito o que se devo cid o — A philosophia indiana havia dito : Os A P O E SIA P O P U L A R B R A S IL E IR A
entender por esta força. — O que deverá ser o seres tem o com eço invisível, visivel o meio,
pensamento, em que se desenvolve a lei d o mo­
e invisível — o fim — (4) — Será isto uma e x ­ m o)
vim ento, sob a form a de reflexão ?— Será sub­
plicação da indefinitude do movimento refle­
stancia ou modo, monada ou phenomeno ? — x iv o do pensamento ? N o trabalho comparativo que fizemos entre
Entretanto, sem uma determinação exacta de 0 celebre philosopho, fatalmente precipitado os romances populares portuguezes e os nossos
uma concepção verdadeira do modo de existir á uma conclusão insensata, recuou para a re­ havidos por herança, reconhecem os um princi­
do pensamento, qualquer explicação nada e x ­gião das trevas impenetráveis. N ’estes limites, pio : — em todos elles, apezar das corrupções,
devem os deixal-o entregue aos phantasmas de córtes, confusões de uns com outros, existe
plica, e a confusão, arrastará fatalmente a ne­
cessidade de mctaphoras obscuras, e o seu au- sua imaginação poética, — perante a qual, es­ sempre o mesmo fundo maravilhoso ou cava­
i.or, do mesmo m odo que o leitor, terminará curecidas todas as realidades da vida material, lheiresco, conforme o estylo a que pertençam.
por não entender siquer o seu proprio pensa­ trausformam-se as excitações nervosas em ima- E ’ que, na poesia popular, esses dous elemen­
mento. gons do chimeras visiveis, e a lógica, deprimida tos são os mais communs, e sobre eile tece o
N ã o é tudo.— A s concepções scientificas, de­
entre dous movimentos contrarios, precipita-se p ovo as suas lendas, as suas tradicções o os
vem, bem como todas as producções intelle- na impetuosa corrente dos desvarios febris, das seus contos.
ctuaes, estar subordinadas ao estado dos espiri-
decepções esmagadoras, pera dissolver-se em Seguimos,neste trabalho,a collecção de Theo-
io3, ix’ uma epocha determinada. consequencias disparatadas e repugnantes. philo Braga, com o a mais completa e extreme
. A tendencia final, a ultima aspiração, deve A própria lei d o m ovimento indefinito, ori­ de qualquer com posição própria, o que não
sem pre exprimir um protesto vivo contra as gem e base de uma theoria de largas ambições, acontece com a de Garret, que ás mais das ve­
aspirações anteriores. A linguagem de que se foi o pelago seductor em que se devia aniquilar zes ó emendada e aperfeiçoada, ficando d ’esse
serve o poeta, o philosopLo, o homem de lel- todo o systema. m odo defeituosa. Garret muitas vezes troca
tras, o jurisconsulto, o político, o sabio, deveTudo muda, transforma-se; — e o axioma — palavras e mesmo ideias, com o elle mesmo con ­
significar o estado em que vivem os costumes,o mesmo ó o mesmo — nada vale nc^s dominios fessa, quando acha que os ouvidos melindrosos
da vida concreta. Mas, com o mudam as cousas, podem chocar-se com os dizeres simples e rús­
as consciencias, a moral, e as transformações,
as rectificações scientificas. e porque mudam ellas? ticos do povo, com as palavras e phrases mais
O que podem significar actualmente as pala­ Mudam por mudar apenas ou obedecera a ou m enos obscenas.
vras, — substancia, m odo, causa, effeito, phe­
ura fim determinado ? Si fizessemos um trabalho de recreio e mera
nom eno, sinão outras tantas syntheses, mais ou O autor não sabe, nem o pode saber — por­ diversão, adoptaríamos o m ethodo e as recom-
menos circumscriptas, dos factos percebidos eque o fim das cousas, segundo affirma a philo­ mendações de G arret; porém, com o assim nào
suas leis ? — A necessidade de uma technolo- sophia do Bhagavad — Gitã, escapa-nos com o acontece, como este estado tem por fim mos­
gia perfeitamente adequada ao pensamento do seu com eço. trar o que é verdadeiro, o que é peculiar ao
Sabedoria indiana! povo, o que lhe é congénito, desprezamol-as
(3) A extravagante theoria que nos occupa
não tem este mérito, se não por uma especie (4 ) Bahgavad — Gitã — I I — 38 — cit. ( l ) V eja-se o 3.° vol. do Cancioneiro e Ro­
de illusão do seu autor. pelo autor da Phü. de la ftaison p ure — manceiro Portuguez de Th. Braga.
0 TRABALHO

de boa vontade, essas recom posições, tornando Dô-nie cá as suas botas. i ^macaco, puramente brazileira, no sentido de as-
delias sóraente o que nos 6 necessário. tuto, fino. E’ costum o dizer-se entro o p ovo—
Declaramos que temos unicamente colligi- A expressão — passe p'ra cá —O muito nossa, fino como 'macaco velho.
•los por escripto os romances d o — Dernal francez e usada no interior das províncias, onde íbram Em segundo lugar ha a substituição do erra­
— Náo Catherineta e d. liarão, o que os outros, colligidos estes romances. do portuguez pelo moleque, que só se encontra
«lue houverm os de comparar, foram ouvidos, 6 Logo adiante, na mesma variante da Foz. ha entre nós. Já C o elemento negro tomando
vordade, mas não podámos lel-os por escripto, estes v e rso s: conta da poesia, com o adiante verem os que to­
por causa da grande difficuldade que encontrá­ ma em maior escala (3).
mos nas pessoas que os sabiam, as quacs só- — Tendes os peitos mui altos, O fim do romance é o mesmo que na varian­
mente podiam repetil-os cantando, o, quando lilha, conhceer-voe-hão. te da F o z :
paravam, não lhes era possivel continuar sem Iueolhorei os meus peitos
recomeçar. dentro do mou coração. — Que foi isso dom Barão,
— S ó oncarrilhado — dizia-nos a este res­ quem vos vem acompanhar ?
peito uma benta alma. os quaes, na variante maranhense, adquirem “ Uin genro do vocomecô,
Além disso, encontramo-nos com a má von­ uma còr local extraordinaría, a qual faremos Si o quizer acceitar.
tade de muitos, a grosseria de outros, o os me­ notar griphando as palavras donde julgamos
dos da maior parte. vòl-a resaltar. O romance de Gerinaldo não anda tão espa­
No meio de tudo isto, havia um novo cle- lhado entre nós com o o precedente, mas ouvi-
meuto com que lutar,— forte, invencivel e des- — Tendes os peitos crescidos, m ol-o diversas vozes, com o mesmo fundo, as
auimador: — era a estupidez do nosso povo. filha, conhecer-vos-hâo. mesmas ideias, quasi a mesma fórma que o
Muitas vezes não entendíamos parte dos ro­ 4‘ Apertarei-os c'um panno, portuguez, até o lugar cm que o rei vai encon­
mances cantados, por causados iniiumcros bar- por baixo do cabeção. trar Gerinaldo nos braços da filha, c diz :
barismos nclles introduzidos, o si pedíam os ex­
plicações sobre alguma palavra inintelligivcl, Vê-se, por esta variante, que o povo foi p ro­ Eu si mato Gerinaldo
não nol-as sabiam dar.— Do sorte que, sóinente curando substituir cousas que elle não con h e­ erici-o de pcquechinho !
confrontando com as versões portuguezas, po­ cia, com o o justilho, de quo falia a versão da Eu si mato a d. Iufanta
demos chegar ao fim desejado. Beira-Baixa, lica o reinado perdido.
Em geral, os romances são cantados na parte
dramatica e, nas transições, o cantor pára, e x ­ “ Mande fazer um justilho não tendo a variante maranhense os dons ver­
plica em prosa o que falta, .comm entando mui- Quo mo aperto o coração. sos últimos da falia do r e i:
tas vezes por sua conta, introduzindo anachro-
uismos e tudo quanto o meio cm que vive lhe por outras usadas no meio em quo elle vive. Metto-lhe a espada no meio
disperta. O cabeção, usado pelas mulheres do inte­ para que sirva do aviso.
As versões que aqui apontamos foram todas rior das províncias, foi escolhido para substituir
rolligidas no Maranhão, onde parece-nos que o justilho, embora so note a contradicção pal- A sccn a do despertar do Gerinaldo, tio dia­
s.; tem conservado por mais tempo os luibitos pavcl de ver uma mulher que quer disfarçar-se, logo delle com a Infanta c depois com o rei,
portuguezes, as festas, as tradicções o as len­ continuar a usar do cabeção, vestimenta só tudo falta na variante maranhense.
das. Voltaremos a este assumpto (*2). própria do mulheres. Quem cantava este romance explicava cm
V6-SC por estas declarações, que usamos do Os versos prosa que o roi atinai, por pedido da filha, per­
toda a probidade. Nem julguem por cilas que doava a Gerinaldo, casando-os depois, o no
nosso trabalho tornar-sc-ha menos docum en­ — Oh mi padre, oh mi madre, lim então é quo repetia os dons últimos versos
tado, pois, si nos faltam as collecções escriptas grande dôr de coração. com quo aeaba o romance portuguez:
•los outros romances, que não os apontados aci­
ma, Lcinol-os ouvido tantas vezes c por tantas estavam na variante maranhense assim : Pois toma-a por tua mulher,
pessoas, que alguns até trazemos de cór, po­ e ella a ti por marido.
dando ussim fazer as comparações promettidas — Oh meu pae, minha màisinha,
••om lod o o critério. que dor no meu coração. O sijmbolo da espada colioeada entre os dons
Dos onze primeiros romances da collecçâo do nfio conservou-se, cremos que pela razão de
ri*. Braga,c que trazem a inscripção— Romances dondo se concluo, não só pela ausência dos vo ­ não ser coniprohendido, ’ nem ter outro que o
rommuns aos povos do Meio-dia da E uropa—, cábulos hespanhóes— e padre— , com o substituísse, e d’ahi o esquecimento do resto do
sómento encontrámos um, cuja lícçào mara­ pelo diminutivo —mãisinha—, a accentuação romance, com excep ção dos dous versos linaes.
nhense possuímos escripta, que anda m uito es­ naciòual. O Romance da Noiva Roubada não existe
palhado e cantado entro nós, e é quasi com ­ Km geral nós, os brazileiros, somos muito entre nós como está na versão de Alm eida.
posto. E’ o de — d. Martinho de Avisado. propensos aos diminutivos, com o signal do a- Conhecem os-lhe sómente o fundo, que é
O que temos aproxima-se mais da variante grado c carinho. Assim é que geralmente diz- muito vulgar ontro as historias do nosso povo,
•la Foz o traz o mesmo nome d e — d. liarão — se — meu santinho, meu bemsinho, meu am or- a esta quadra, da qual não podemos explicar a
que nella se encontra. O principio siuho etc., quando se quer mostrar atlecto a existencia, si não co m o lembrança vaga de se
alguém. Nota-se isto principalmente no trata­ ter ouvidò aqui o dito romance :
•lá começam as guerras mento das mãis para com os filhos. Na vari­
no campo de dom liarão : ante da Foz, logo abaixo, dom Barão usa do Eu não pertendo da boda.
mesmo diminutivo para com sua mãi. nem tão pouco do jantar ;
ó lal qual, assim com o o dialogo entro o pai e a A mudança maior quo existe neste romanr.e, pertendo fallar á noiva,
li lha, que so segue logo depois, som ente com e que faz bem frisante a influencia do meio que é minha prima carnal.
:\s seguintes diífercnças. Estes versos actual em que elle vive, é a seguinte:
Dos Romances do Alferes Matador c da llo-
— Tendes o pó pequenino, VARIANTE L)A FOZ m eirinha não temos absolutamente noticia de
filha, conhecer-vos-hâo. variante alguma brasileira.
“ Mettel-os-hei numas botas, .Dom Barão com o discreto Já não acontece assim com o Romance, da
Nunca delias sahirão. de nada se receiou ; Encantada (variante da Foz), que é o mesmo
I)ai-me armas e cavallo, chamou polo seu criado, que na versão do Covilhã traz o nome d e — Ro­
serei sou li lho varão. uma carta lhe entregou : mance da Infanta de França.
O qu e nos lembramos ter ouvido no Mara­
na variante que possuímos foram trocados por “ Novas ine chegam agora, nhão aproxima-se mais da variante da Foz.
eslws: novas de grande pezar, etc. lia a mesma scena da caça, da donzella no
arvoredo, mas o dialogo que se segue não 6
— Tendes o pé pequenino, /VARIANTE MARANHENSE tão longo. O final é o mesmo.
lilha, conhocer-vos-hão. A tradição dos encantamentos foi muito
Passe p’ra cá essas botas Dom Barão que era macaco guardada entre nós, e raro 6 o con to popular
encherei-as de algodão. ” de nada se arreceiou ; onde ella não entre. Estas historias então do
chamou pelo seu moleque, donzellas encantadas, que são salvas por prín­
Esta cstrophc é da versão da Beira-Baixa, nmu carta lhe entregou : cipes, são-nos muito communs.
com uma ligeira differença no terceiro verso, Tendo comparado os romances d’esta priinei-
que na dita versão é “ Novas me chegam agora, etc.

í‘J ) Em Pernambuco somente alcançamos Por esta apropriação, feita pelo nosso povo, (3; E ’ innegavcl, porém, que o elemento
um romance — Juliana— , que é com certeza /è-sc claramente a influencia dos seus eostu- chulo introduzido neste romance, apezar de
herdado, porém que não encontram os em nen­ nos e dizeres sobre o romance portuguez. brazileiro, torna-o destoante e fal-o menos no­
huma das collecções que lemos. Km primeiro lugar temos a locução— <jne era bre.
O TRABALH O

ra paru- «lo Homanetiro (vol. 8.°), passaremos que substituísse o clero decadente e desacre­ p ra cip it ipsius Dei pmceplu/n ac vuluatatem.
â segunda, que se inscreve — Romances de sup ditado; e ra o u n ico meio de salvação para a Si quid, quod oeulis nostris apparet album.
posla origem porlugncza. náu pontifícia, que ameaçava proxim o e me­ nigrum definierit ecclesiu, debemus ilidem qaod
donho naufragio no meio da corrupção, vicios, nigrum sit pronunciar e.
C ontinua. incapacidade e ignorância das devassas e avi- Querendo poupar trabalho aos nossos leito­
(Jkuso dk M a g a m í a k s . das ordens religiosas, que então a tripulavam. res, aqui damos a traducção lei ta por Timon.
Loyola o seus sectários impunhafam o leme, não o mysanthropo filho de Athenas, mas o
o os acontecimentos mudaram de rumo, visto querido e sempre chorado lilho do Maranhão.
nenhum obstáculo, nem o mar nem a terra, “ Não devem os ver na pessoa do superior
OS JE S U ÍT A S NO B U A SIL nem o logo nem o ferro, ser capaz de suspen­ um homem' ordinário, sujeito aos erros e misé­
der a vontade destes distimidos nautas, l i ’ rias communs, senão o< proprio Jesns-Christo—
( a o a m i g o c k j .s o d b u a g a m i ã e s ) hoje geralmente reconhecido que ellcs nâo tre­ A voz e as ordens do superior, tomai-as com q
pidam em saltar por cim a do que ha de mais de Jesus-Christo. — Assentai cornvosco que
I sagrado, com tanto que consigam o seu lim, tudo o que o superior preceitúa, 6 vontade e
soja elle qual fòr, justo ou injusto, honesto ou preceito do proprio Deus. — Se a igreja disser
Antes de entrarmos em matéria, devemos fa­ deshonesto ; só desejam e ambicionam a g lo ­ de algum objecto que é negro, e os vossos olhos
zer nina ligeira obsorvayão: ria o a prosperidade do seu instituto, empre­ virem que é brauco, repeti todavia que é ne-
Não acreditamos na seieiicia innata ; não gando todos os meios, mesmo os mais severa­ gro - „ (3)
nos julgamos, pobre peecador. dignos de mere- mente prohibidos pela moral eterna. 0 grande Edgard Quiuet, contemplando taes
<;er algum milagre em lavor da nossa intelli- A companhia de Jesus não foi considerada idéas, exclama cheio de uma justa indigna­
g e n cia ; não temos a honra de ser inspirado util para a prosperidade da igreja, mas apenas ção — : A religião de Loyola não é a religião
por algum dos numerosos santos ou santas da neeessaria para a sua consolidação e defesa ; de Christo — porque este arraucava os Láza­
esplcdida eòrtc celeste; por isso declaramos que podemos mesmo reputal-a um composto de ros do sepulchro, e os resuscitava à vida ; —
o utiico merito deste trabalho (se é que o tem) soldados mercenários, que olfereceram a sua Loyola quer fazer de todos os seus adeptos
é ter demandado estudo da parte de seu auctor. espada á Paulo III, tendo em vista um fim oc- outros tantos Lazaros, mudos e immoveis no
A verdade da fumosa e antiga sentença — cirtto — o dominio absoluto do universo ; era sepulcliro que lhes ca v a — ,, (4).
niUii sub sole novum — é geralmente conhe­ o exercito permanente do papado, não do pa­ Poderíamos citar muitas outras obras dos
cida, e, segundo uni dos nossos mais distinctos pado considerado com o instituição christã, Jesuitas, mas não o fazemos para não abusar
litteratos, a unica invenção h oje possivel con ­ mas do papado considerado com o soberania da preciosa attenção do benovolo leitor, e
siste toda na felicidade da applícação ; e ainda absoluta. mais quo tudo para não merecermos o odio, o
isto mesmo, continúa elle, não é dado (\ todos. A s duvidas, que o pontiíice romano tevo as pragas de alguma de nossas velhas e encar­
Compulsámos muitos escriptores, o delles em reconhecer a companhia, induzem-nos a niçadas beatas.
aproveitámos as idéas e Tactos, que mais nos crer que, logo que os seus serviços se tomas­ Quem porventura nào conhece as celebres
convinham ; desde já repellimos a pecha do sem desnecessários, o proprio Paulo III a fa­ Cartas Provinciaes, e as suns insólitas cita­
copista ou plagiario, que por isso nos qnize- ria retrogradar ao immenso cahos do nada; ções ?
rem imputar. assim procedem todos os soberanos, quando a l- Tal é o acervo de monstruosidades alli con ­
O nosso trabalho não será por certo perfeito, lugani os serviços o a espada de soldados ex- tido, quo muito tempo desconíiou-se que o odio
mas terá com certeza o cunho da verdade, li- trangeiros. votado por Pascal aos Jesuitas tinha alterado
lho de uma consciencui pura c de convicções Não achamos, na verdade, semelhante papel c envenenado as maximas tiradas dos livros de
lirmes e inabalaveis, já robustecidas no pacifico muito honroso para um homem da inteUigcncia seus adversarios.
remanso do nosso gabinete de estudo. e conhecim entos do Loyola. Era, porém, pre­ Na verdade, é bem difficil de acreditar quo
ciso subir, o resto seria depois. Isto era do ministros de Deus ousassem publicamente am­
II sobra com prehendido pelo homem, que, com o nistiar om certos casos a calumnia, o roubo e
diz Orlando em sua historia apologética dos o assassinato. Era, porém, a dura realidade :
A organisação da Companhia de Jesus, eom- Jesuitas, não podia com prehender eoino se o a verificação auttentica, feita pelos curas de
jtosto form id á vel de vida e de morte, de luz e de pode viver sem uma grande ambição, e ser fe­ Ituão, provou quo os originaes foram copiados
sombra (1), a qual domina, assombra o pertur­ liz sem ura grande amor. verbum ad verbum.
ba o mundo, lòi concebida depois do cerco de As maximas de Suarez, um dos mais dis­
i/amploua pelo obscuro'lidalgo hespanhol l>. * tinctos theologos da companhia, fizeram dizer
* *
Inigo Lopes de Rectiide, posteriormente Igua- a Bossuct — “ E u nada conheço tão pernicioso
c.io de Loyola, que teve a felicidade de ver em O lim constante dos Jesuitas é, com o todos como a opinião deste jesuita. „
pouco tempo realisada a sua idéa. A sua or­ sabem, subjugar o universo, não pela força, Eis uma poquena prova :
dem , creada em 1534, só foi, com difliculdades mas pela astúcia e dissimulação, aílectando *' D igo em primeiro lugar que não ha
e trabalho, formalmente reconhecida e approva- humildade e abnegeção, p prao que concorrem intrinsecamente mal em usar de equivoco,
.la por Paulo III com a promulgação da celebre poderosam ente as tres magnificas armas de mesmo dando um juramento........ Se alguém
bulia, que c o m e ç a : — Para regimen da igreja que dispõem — o palpito, o confessionário e o prometteu ou fez contracto exteriormente,
militante, etc. ( Regimini militantes ecclesice ensino. sem intenção de prometter, interrogado pe­
e/r ) — a 27 de Sotem bro de 1(540. O principio característico desta seita 6 a lo ju iz e intimado para declarar, sob fé
O procedim ento do pontiíice, que com *ad- obediencia illimitada, céga epassiva, que trans­ de juram ento, se prometteu ou contractou,
miravel instincto o sagacidade presentiu im- forma o homem em eadaver (vt cadaver), ou pode simplesmente dizer que não, porque isto
mediatamente os embaraços e perturbações, no bordão de um velho ( senis bacnlus), tiran- podo ter um sentido legitimo, a saber, eu não
que esta ordem traria para o futuro á Igreja do-lhe a mais preciosa c sublime de suas fa­ p rom etti___ com promessa que me ob rigu e____
Catholica, está justificado pela urgente neces­ culdades — a liberdade —, não só a liberdade Se alguém pedio dinheiro emprestado, que de­
sidade, que o governo do Vaticano, a curia ro­ de acção, mas até, oh vergonhoso fanatismo ! pois pagou, e quo com tudo lhe tornam a pedir
mana. emfim, tinha de solilados dedicados, que a liberdade de pensar. Aléin disto — a pro­ em juizo, sem que elle possa provar haver pago.
podessem. sob um chefe intelligente e experi­ fundeza, a reflexão, a observação, a dissimu­ neste caso, interrogado pelo juiz, pode negar
mentado fazer face á correu te possante, ener- lação, a astúcia, a sagacidade, a paciência, a que tenha pedido esse dinheiro emprestado ;
giea e esmagadora do protestantismo crescente fraude, o embuste, e mesmo a exploração dos elle fará subentender (pie não pediu tal dinhei­
•* victorioso. A eloquencia fogosa e brilhante proprios vicios, eram c são cuidadosamente ro em prestado.. . . uma segunda vez, depois de
d»* Luthero, de Melanchton c de Oalvino, com- rccommendados e explorados em toda a sua haver pago a primeira. „ (ò)
batia com energia a3 doutrinas catholieas, e a nudez. So encararmos am oral dos Jesuitas, veremos
Igreja ameaçava desabar com semelhante ata­ Sam estes os fruetos, que colhemos da lei­ que a verdade pura e a justiça absoluta sam
que. tura conscienciosa e desapaixonada de alguns de pouca importancia a seus o lh o s; veremos que
“ A apparição de um novo Brermo contra a topicos do — Ükercitia xpiritualia, obra prima mandam a mulher faltar ao dever imposto pela
Roma dos papas necessitava, diz Macaulay, a de Loyola, e qua lhe fo r a dictada pela virgem honra, logo que seja para salvar a vida, porque,
de um Camillo para defendel-a ; sendo o grito santíssima (2), o do Dirrctorium . cseripto por dizem olles, a vida é mais preciosa tio que a
de. guerra dos sitiantes a isempçào do pensa­ um dos seus discípulos, o lamoso Aquaviva. honra.
mento. a senha dos sitiados foi a submissão es­ Não declamamos; e, para prova do que aca­ Não continuaremos cm semelhante exame
piritual, céga e sem liinites.3 bamos de asseverar, aqui trasnerevemos alguns por amor á desecncia c ao pudor.
Longe de sensurarmos, louvamos e admira­ dos preceitos da ordem.
*
mos a fina politica de Paulo III, que em mo- N on inlu eam ini in persona superior L homi- * *
nicnto azado soube approveitar os serviços dos ■7iem obnoxiam erroribus a tqu e miseríis, sed
operários da nova companhia, poucos ainda, Christum ipsum. Os grandes e profundos conhecimentos que
mas moços, vigorosos, enthusiastas. e mais que Superioris voccm a eju ssa non secus ac Chrixti
tudo intelligentes e illustrados. A igreja de vocem accipite. (3) J. F. Lisbòa, loc. cit.
3. Pedro precisava de uma poderosa milicia, Ut sUduatis vobiscum qwidquid superior (4) Edgard Quinet— Les Jesuites
(5) Block — Diccionaire Poliliqv.e. — Vcb*
d ) J. F. Lisbòa— Obras T. 2. {2) .r. F. Lisbòa— Obras T. v2. compagnie de Jesus.
0 TRABALHO

Abro um livro dc estrangeiro e leio estas pa­ do progresso ; não poderá, porém,- merecer a a mais falsa fd ou ignorancia, c que bastariam,
lavras: Nós vim os que o seuti mento nacio­ approvação dos sectarios da egreja dominante, em outro meio social que não fosse o supersti­
nal. tímido ainda no tempo da colonia, ou mais nem satisfazer as aspirações dos verdadeiros cioso, hypocrita e ignaro em que vivemos, para
ou menos revolucionario quando ousava se mos­ amantes da liberdade. condcm nal-os ao publico desprezo. H om ens que
trar. só pronunciou-se de um m odo franco e Para chegarmos a uma solução lógica, 6 pre­ se intitulam de independentes e incorruptíveis,
decidido depois dc proclamada a independen- ciso romper, uma vez por todas, com as tradi­ nâo se pejam de atacarem com vehem encia <>
«Ma. . . . Km quanto anteriormente se fazia luz ções funestas. O svstema proposto,por motivos direito indiscutível do livre arbitrio, declaran­
na litteratura, de um modoinferm ittente o sub­ de conveniencia, póde ser um palliativo do m o­ do, portautoj perante o paiz attonito, que não
jectivo, poude entilo penetral-a, tornar-se obje­ mento; não resolve,por<Sm,satisfactoriamente'os teem consciencia individual e arrancam applau-
ctivo, assimilhar-se-lh'ao desenvolvel-a em to­ embaraços das relações com as orthodoxias. sos indecorosos, em vez do serora accusados
das as direcções, conforme ao espirito do sé­ Não se invoque em apoio de taes ideias o perante o mundo civilisado p or crime de lesa-
culo " (1) Oxalá que assini fora! O escriptor atrazo do paiz, nem oi rcu Distancias locaos,quan­ humanidade.
austríaco illudiu-se. A consciência nacional do -este atrazo o circumstancias, em que nos Semelhantes aberrações do espirito sâo en­
não foi tão vivaz, com o suppoz, nesse tempo da achamos, são devidas ás imperfeitas instituições tretanto próprias de homens qice a si 7ne$/ncs se
independencia. que nos regem. bastam e e aos que equiparam a representação
Som recorrer aos factos políticos e sociacs, A subvenção dos mombros ignorantes do nacional — a uma confraria de. pedintes, e que
que o asserto provam do sobejo, dentro da or­ uma seita fanatica e retrógrada, não concorre­ só invocam a palavra sacrosanta da liberdade
bita Htteraria existe um desmentido ás palavras rá para levantar esto paiz do abatimento moral para profanal-a, confundindo-a hypocritamentc
do supposto historiador. Ksse indianismo, que o intellectual em que jaz. com os sentimentos do vaidade, orgulho, odio e
* tanto admira na sua qualidade de estrangeiro, Que resultados de interesse moral c intelle­ vingança, de que se acham possuidòs.
sequioso de sentir um mundo diftorento do seu, ctual tem trazido a egreja privilegiada e sub­ Cegos que não veem que são impotentes para
é a prova mais vivida e exultan^ do títubia- vencionada para nossa sociedade ? opporem barreiras indestruetiveis contra o mo­
hiento de nosso sentir de nação. A superstição, o fetichismo e o fanatismo ? vimento, lei eterna do progresso que rege a
Foi justamente este grande estranho que con­ Que resultados bcncficos so esperam da egre­ natureza.
te r vou-nos bem longe das direcções do espirito ja, não privilegiada, mas unicamente subven­ A estatística da sociedade brasileira reduz-se
do secuio! cionada ? com pequenas excepções ao seguinte quadro
Diz ainda catbegoricamente o escriptor : “ o Os fruetos não poderão ser outros. desolador : a escravidão, com ausoncia abso­
romantismo contractou n’este paiz o mais es­ Si este paiz é eminentemente catholico, como luta de todo c qualquer sentimento dc direito ;
treito laço com o nativismo, que tornara-se um vemos apregoar em todas as occasiões, em que a plebe, envolvida no manto hediondo da igno­
poder. Este tinha necessidade da união para se avohta a questão-religiosa, não será do corto rancia e brutalidade.
ger um elemento poético e fornecer uma base com a simples abolição do art. 5 # da Constitui­ O povo, supersticioso, indifíerente e sern
positiva.’ ’ ção que desapparecerão crenças tão profunda­ consciencia do que póde.
K' pouco edificante o modo por que nesse.me­ mente enraizadas A burguezia, gasta, sem estímulos, sacrili-
díocre livro provam -se aflirmações tâo pronun­ A s únicas instituições, que teem o cunho da cando tudo ás conveniencias e tractando so­
ciadas. 0 author encontra a mais forte justifi­ legitimidade, são aquellas que estão gravadas mente da propriedade.’
cativa de seu leviarço tallar nos Suspirou Poéti­ no coração do povo; inútil é que a lettra morta A nata mtellectual, os que dirigem os desti­
cox c na Confederação dos Tamoyos. E' adini- venha declarar o que é por todos sentido. Não nos da nação e fazem parte dos poderes con­
ra v cl! Haverá livros que menos denunciem será tam pouco com a abolição da subvenção stituidos, negando a lei eterna do movimento e
esta nação do que os dois ennunciados? pelos cofres públicos que se extinguirá o culto tendo por divisa o absoluto ou o absolutismo.
•STào o creio. O primeiro, traduzido em italia­ externo de milhares de homens. E com o agente poderoso para instruir-nos,
no, pode passar, com a mais inteira ‘ confiança, Si, porém, da abolição dos privilegios e da moralisar-nos, elevar-nos, ennobrecer-nos e en­
por obra de um capuchinko napolitano, que lôra subvenção,resultar o desapparecimanto da egre­ grandecer-nos em todos os sentidos, se nos
Lamartine, tendo sido exaggerado clássico, o ja dominante, provará este acontecimento que aconselha que sustentemos. os membros de uma
publicara seu livro em Roma com todas as li­ semelhante orthodoxia não satisfaz as aspira­ sociedade religiosa que só pode coexistir com
cenças da Santa Congregação do índice !. . . ções idéaes da nossa sociedade, e que só se a ignorancia, tem por mais forte esteio o fana­
O outro 6 um producto morto, falsa opopóa mantinha pelo sustentáculo do braço secular. tismo e o absolutismo,e por lei a immutabilida-
de uma época sem alto valor,cscripta m ediocre­ E não se tema que por este facto pereça ou de,portanto a negação da lei natural do movi -
mente n’ um tempo desalijado desses tremendos se corrompa ainda mais nessa sociedade ; te­ mento.
cartapacios cm 12 cantos, enfadonhos, soporífe­ mos chegado a um tal gráò de corrupção e D óe-nos profundamente delongar-nos por
ros com o paginas dc metrificado Mos sancto- aviltamento que a decomposição social chegará mais tempo na contemplação desse horrendo,
ru m ! em breve, si continuarmos regidos pelos ac- porém fiel quadro social, e só nos mitiga a
E ’ tanto do Brasil como do Paraguay, deste tuaes principios. dôr a esperança de vermos em breve operada
com o da Patagônia. Nem retracta urn facto N ão se tema que pereça a sociedade, si cahi- uma transformação pacifica e radical consignan­
épico ile nossa historia, nem encanta-nos por rem por terra os pulpitos mercenarios defendi­ do-se no nosso pacto político principios mais
uma pintura elevada a poética dos selvagens. dos pela força publica. condignos do homem livre.
Parece-me, de passagem, d efin itivo:— este Abram -se as escolas c teremos o antidoto, o A unica solução compatível com o progresso
genero de poemas selvático—coloniaes nascera balsamo regenerador do sangue que gyra cor­ e desenvolvimento pacifico de nossa sociedade,
o morrera com o poemeto de Bazilio. P o r seu rompido em nossas veias. é a abolição do artigo 5* da Constituição brasi­
cstylo mais vivido do que o dos poetas de seu Adm ira que se venha dizer em 'pleno secuio leira, sendo substituido em essencia pele artigo
tempo, por sua metrificação harinouica e imi­ dezenove que a nossa sociedade sera incapaz do primeiro de additamento á Constituição Am eri­
tativa, o velho m ineiro parece ter fechado para retemperar-se o está condemnada á destruição, cana, que tem, além da vantagem de resolver
sempre as maravilhas do genero. si os cofres da communidade politica não sus­ o que toca ás relações entre o estado e a egre­
Tinha a immensa vantagem de fallar do um tentarem o culto externo. ja, a de fixar direitos que teem sido conculca­
assumpto selvático e virgem no meio do mais Os principios de equidade e justiça não se dos pelos poderes públicos.
insupportavel e tyranuico classicismo. conciliarão com doutrinas que consagram o di­ Art. 5* § r — A representação nacional nüo
N ’ aquelle tempo, no fim de. um romántico reito da violação da consciência humana ; por­ poderá fazer lei alguma com relação ao esta­
episodio, era preciso muito talento para dizer de quanto o culto externo não póde ser conside­ belecimento ou proliibição de qualquer socie­
uma pallida e triste moça que morrera e que rado de utilidade publica e geral, mas tâo só- dade religiosa.
era linda. mente de beheficio relativo e individual. § 2*— A liberdade da palavra e da imprensa
0 caracter repugnante,que a questão religio­ não póde ser restringida.
“ Tanto era bella no seu rosto a morte ! ” sa tem tomado entre nós, prova de sobejo não § 8*— 0 direito de* reunião e de associação
só a imperfeição de nossas leis, com o tambem não póde ser atacado.
Nada se encontra em nossas falladas epopéas o profundo atrazo intellectual em quê vivemos. Eis a substituição que almejamos e deve ser
dos últimos tempos que se levante a aquella al­ De. umá parte, vem os a idolatria das conve­ uma questão capital para todos os homens de
tura. niencias, filha do receio de se abalar a tradic- bôa fé, e temos a convicção profunda de que es­
Cinco ou seis não podoram dar vida ao corpo ção e de se chocarem opiniões admittidas sem tes principios serão em epocha não remota
do indianismo já cadaver. critério nem reflexão ; de outra, um apego ba­ consagrados no nosso pacto fundamental.
S y l v io da S il v e ir a R am os.
nal e incomprehensivel ao nom e de uma seita,
C on tinúft cujos principios se condemna, com o si o nome A . C. F e r r e i r a da S il v a .
valesse mais do que as crenças e convicções ;
finalmente, o fanatismo e obscurantismo er-
A IG R E J A L IV R E erguendo-se magestoso e arvorando a bandeira
da intolerancia, coadjuvado pela força creada A P O E S IA PO P U L A R B R A S IL E IR A
A 1‘ ROPOSITO DE UM OPUSCULO DO SR. DR. péla nação parã salvaguarda de suas liberdades,
SARMENTO honra e independencia. ' .V ,
Homens que passam, não se sabe porque,
• ' IIT 0 primeiro romance d’esta segunda parte do
A substituição proposta ao artigo 5. da Con­ por eminentes, vem dizer perante o mundo ci-
stituirão e de certo um passo dado na estrada vilisado absurdos c inexactidões que revelam Romanceiro de Th. Braga, e que tem por titulo
O TRABALHO

Sylyana, é o mesmo quo servio a Garrett do téla Segue, pouco mais ou menos, como o roman­ inais ou menos imaginosas, motaphoricas, def-
para bordar a sua Adozinda. Esto tambem o ce portuguez, até o lugar cm que o pae de Syl­ feUuosas e que de populares só tinham o nome;
trascrcvo no seu Romanceiro (t. 2* pag. 115), vana vai ter com sua m ulher á meia-noite jul­ (4) com o facto que se devia dar então de de­
i;om o dim inutivo de Sylvaninha, c o dá com o gando ser ellp a filha. O dialogo entro elle e a corarem-se esses romances aperfeiçoados c in­
originário portuguez; mas Tl». Braga diz que mulher não existe na licçâo Maranhense. ventados; com isso tudo, dizíamos nós, ó pro­
elle se encontra tambem nas Asturias, com o A 8ccna do encerramento na torre, o espaço vável que o jBernal-Franccz fosse decorado, re­
nome de Lelgadina,* transcreve a licção publi­ de sete annos e um dia, commum om outros ro­ petido o cantado. Como, porém, elle já estives­
cada por Amador de los Rios. mances, a comida p o r onça e a agoa p or medida,» se espalhado de lfa muito entre nós, aconteceu
Si 'é portuguez ou hespanhol, não seremos quo davam a Sylvana, o pedido d'ella nas ven­ que a nova licção somente introduzio na velha
nós que irem os destrinchar o caso. Comtudo tanas a mãe, aos irmãos e ao pae, tudo isso ha os versos que transcrevemos, que aliás nos lem­
«liremos que, nestes romances populares, as tra­ na variante que ouvimos. bramos ter ouvido em outro romance, com pou­
dições sam muitas vezes communs a diversas A cstrophe ca differença.
nações, sem que houvesse para isso se dado o Seja com o fôr, o B ernal-F r ancez é um dos
tacto da herança ou da implantação. E ’ assim Alevantem-se meus pagons, romances mais sabidos o cantados no Maranhão,
que, por algum tempo, ventilou-se a questão criados da minha casa, o tambem no Espirito Santo, segundo nos in ­
de indagar si o romance franccz pertencia ás uns venham com jarros de ouro, forma um amigo.
tradições Celticas, ou ás Germânicas e Scan- outros com jarros de prata ; Os romances do Conde-Niho, da Promessa de
dinavas. o primeiro quo chegar Noivado e dc D. Aleixo (õ) sam-nos desconheci­
M. Gisli Brynjulfsson, (1) depois de ter susten- tem a com enda ganhada, dos, excepçào feita do quo observamos na nota.
t ado a segunda opinião, reform a-a no fim do o segundo que chegar D o romance de D . Pedro conhecemos somen­
seu estudo, levado pola leitura do Manbinogion tem a cabeça cortada. te o fundo, e temos lembrança vaga dos versos
de Lady Guost o dos Bardos BretOcs de V illc- que p r in c ip ia i:
marqué, e recouhece francamente que não ex­ é completa cutre nós, assim com o as duas ulti­
iste parentesco entre as tradições Celticas e os mas cstrophcs do romance. O Bernal Franccz é Olha para traz, D. Pedro,
monumentos litterarios dos Scandinavos, de um dos romances mais cantados e conhecidos olha se queres olhar,
m odo a considerar quo os últimos fossem ori­ entre nós, mais (1o que o dc D. B arão, porém o teu cavallo é branco,
gem dos monumentos litterarios dos Celtas. meuos do que o da Náo Cathc^incta. veio já'do meu signal.
“ Fortifico com isto a minha opinião, diz elle, A variante Maranhense que possuímos dal-o
(2) de que todos os m ythos c antigas tradições, quasi completo, com o vem na licção da Foz col- Os romances da Filha do Imperador de Roma
pelo menos de todos os povos civilisados da leccionada por Th. Braga, com um enxerto da c de D. Agueda de Mescia sam-nos tambem
Europa, comprehendidos n’esse numero tanto variante dada por Garrett, da qual tambem é o desconhecidos.
os Celtas com o os Germanos, fundam -se essen­ c o m e ç o : O romance do Casamento e a Mortalha é nos­
cialmente sobre uma nnica e mesma base, que se so conhecido em parte, isso mesmo no fundo
não deve considerar histórica, mas que provém — “ Quem bate á minha porta, somente. Este romance não foi encontrado na
ito uma percepção primitiva do universo commum quem bate, oh quem está ahi ? ” tradição oral por Th. Braga, que o extrahio
a todos estes jiovos e talvez a toda a humanida­ — “ Sou Bernal-Francez, senhora, da collecção de Garrett. E lle não se encontra
de. ” vossa porta, amor, abri. ” nos Romanceiros Ecspanhóes.
Citando estes palavras, e chamando a atton- Som ente temos lembrança completa da ulti­
cão do leitor para o que vai em itálico, temos Em tudo o mais segue tal como na alludida ma quadra, com o mesmo nome de D. J o ã o :
em vista fazer notar somente que a opinião de versão da Foz, apenas com estes versos de
Garrett não é destituída de fundamento, dando mais, no lugar em que o cavalleiro faz uma im ­ Pois' fique esta mão já fria
a Sylvana com o de origem portugueza. precação á tumba da amante, versos que, já dis­ na sua mão adorada;
Vem ainda confirmara opinião dc M. Gisli o semos, veem na licção dada por Garrett. de D. João é viuva,
lacto de que, em todos os romances populares, Os versos são os seguintes, logo após estes condessa será chamada.
encontram-se acções, scenas e ideias communs dois
a diversos, ás vezes de origem differente, c per­ Do fundo da sepultura Este facto do ser conhecido entre nós este
tencentes a cyclos distiuctos. E ’ assim que o uma triste voz ouvi: romance pela licção de Garrett prova ainda
nascimento dc duas arvores nas sepulturas de mais a nossa opinião sobre o B ernal Franccz,
dois amantes repete-se na Peregrina c na Ro- da versão da F o z : pela popularisação dos romances do mesmo
salinda, da colleeção de Garrett, no Conde Niílo, Garrett.
da collecçuo de Th. Braga, e no Ti'ista\i et — Vive, vive, cavalleiro,
Jsenet, romance m edieval; o pedido da cas- vive tu, que eu já m orri: 4 — Erri uma revista litteraria— Minerva Bra-
tellã ao paê, para dar pousada ao peregrino, os olhos com que te olhava siliense— , publicada no Rip em 1843-44, onde
repete-se na Santa Irxa a Fidalga e na Santa de terra já os cobri, escreviam Torres Homem, Magalhães, Porto
Helena, da collecçuo de Th. Braga; a scena do bocca com que te beijava Alegre, J. Norberto etc., revista que pode mar­
testamento no romance D. Aleixo açha sequasi já não tem sabor em si, car uma epocha— o desenvolvimento do roman­
toda na Juliana, quo colligim os era Pernambu­ o cabello que entrançavas tismo no Brasil, vé-se essa tendencia, pela quan­
co, c assim muitas passagens que seria enfado­ jaz cahido ao pé de mi, tidade de romances ahi publicados. Só do Sr. J.
nho citar. dos braços que te abraçavam (3) Norberto S. S ha sete balatas. 0 numero total’
Bem sabemos quo esta opinião de dar ao po­ as canas Êél-as a q u i! dc todos os romances da revista é 1G Em um
vo concepção idêntica e semelhante sobre cer­ Vive, vive, cavalleiro, Semanario, publicado em 1857 no Espirito San­
tos factos é hypothotica, mas é uma hypothese vive tu, que eu já vivi. to, a alluvião não é a mesma, mas ainda lá se
quo vai adquirindo grande força dc verdade, á encontram 5 ou C romances, além das transcrip-
vista dos factos com probatorios que todos os seguindo-se 0 final com o na versão da Foz. sões do B ernal-Fr ancez de Garrett e do A ca ­
dias açcumulam-se com o fim de dar-lhe o ca­ Note-se agora uma cousa:— o romance, com o lentar da N ela de Castilho. Ainda" em 1872
racter de uma lei. o dá Th. Braga, é «¿ais puro. Como se explica publicou o Sr. Juvenal Galleno nas suas Len­
Vamo-nos, porém, afastando do nosso as­ o enxêrto da imprecação do cavalleiro, onde se das uma bailada— Am or-Fatal, a qual, apezar
sumpto. encontra algum arrebique é correcção, e onde o de ter seu merito com o estudo, nada tem dc
Seja ou nao de origem portugueza, a Sylvana aperfeiçoamento tira-lhe a originalidade da ru­ popular, pelo figurado do estylo e metaplíorico
é um romance muito conhecido entre nós, sinâo deza da versão da Foz ? Como foi que a heran­ da linguagem. D c presente sam esses os ex­
com pleto, pelo menos semelhante em muitos ça deturpou-se d’esse modo, em um romance emplos que nos occorrem.
lugares aó que se canta no Maranhão. tão espalhado com o é o Bernal-Francez ? 5 — A Juliana (variante de Pernambuco) tom
Lembramos-nos d'elle somente do ponto ein Explicaremos esse facto da seguinte maneira, uma estrophe que d iz :
que principia.- v declarando comtudo que é uma simples hypo-
thòse, que não pode ir documentada, mas que A minha alma entregue a Deus,
— Atreves-te tu,’ Sylvana, apezar d ’ isso não deixa de ser acceitavel. o corpo á terra fria,
uma noite a seres,miuha ? hV provável que o B ernal-írancez fosse her­ a fazenda e o dinheiro
dado. na sua pureza original, e que fosse canta­ entregue á D. Maria. .
sendo o com eço explicado em prosa, antes dc do como vem na collecção de Th. Braga. Com
principiar o canto. a publicação, porém, quo d’elle fez Garret em a qual tem o mesmo sentido e semelhança com
1828; com a revolução operada pelo romantis­ estes versos do D. A le ix o :
1 — ])e VAncien Rom an Français et de Vinflu- mo ; pela especie de enthusiasmo que reinou de
cnce exercée sur son decçloppement p a r les Nor- então até certo tempo, enthusiasmo que se ma­ A minha alma dou a Deus,
m ands; trad. de L. S. Borring. V em este estu­ nifesta na nianomania de se escreverem xaca- e á Virgem Santa M aria;
do nos Annaes da Sociedade dos Antiquários do ras, romances e lòas populares, inventadas, o meu corpo tão valente
Norte, T. 1* (truncado), na Bibliotheca da Fa­ \I .• . •; ■ t '• ; , • , %• já o dou á terra fria,,
culdade de Direito d o Recife. 3 —Braços com que te abraçava— V ar.M ara-, coração á minha dama
‘ 2— Obr. cit. pag. £47. ranheose. discréta D. Maria.
0 TRABALHO 37

O ultimo romanee (Testa sogunda parto que mento, descredito e decadencia. Os seus mais ção pelo nosso paiz ; vejamos 0 m odo por que
comparamos é o (lruAfóo Cathcrincta. Insignificantes caprichos devem de ser realisa- coroam os seus desejos, e por m eio de cujos ef-
Nenhum é mais ^sabido, netn repetido com dos, ainda mesmo quo seja necessário conse- feit08 a religião devia desacreditar a mesma re­
ratita felicidade, tal com o veio de Portugal. O guil-os através de mil rodeios, captando a bene- ligião. . •
que possuimos (variante Maranhense) é com ­ volencia das familias,aíim de ganhar a confiança I II
pleto, com o vein em Th. Braga (versão de Lis­ dos povos e dominar os estados.
b oa ). Ignacio de Loyola fez de Roma a sédo dc sua Estudamos, despido de prevenções, e segui­
As poucas mudanças que tem sam de nenhu­ residencia, e cVahi dirigio com sumraa habilida­ mos a voz intima da nossa ainda honesta con­
ma im portancia:— transposição de palavras, de a conquista das nações, chegando a dom i­ sciencia. E ’ esta a razão, porque não sujeitare­
troca «le nomes por outros sy non irnos, porém nar no espiritual com o no temporal. mos facilmente a nossa intelligencia e a m a­
não transformam o pensamento. Rodrigues d’A zevedo parte para Portugal, c nifestação livre das nossas convicções á op i­
Lcmbramos-nos ter ouvido, mesmo 110 Mara­ torna-se o primeiro valido do roi, cuja mal diri­ nião alguma, por mais infallivel que pareça.
nhão, uma outra variante, que dava 0 fim como gida fé, diz Southey (2), fazia delle um escravo Exam ine o leitor com attenção as chronicas
traz Garrett, com o estouro do diabo c o salva­ de formulas absurdas,e tornava-o cruel e intole­ dosjesuitas, as paredes dos templos e casas por
mento da náo, inas não temol-a, essa variante, rante para os que seguiam outro credo ; A n to-' olles edificadas, e a própria areia que pisáram,
por escripto, por isso não podemos affiançar se nio Araosino para a Hespanha; Pasquicr Bruet e verão comnosco apparecer a verdade, denun­
«* tal qual traz o Romanceiro de Garrett. para a França; Laynez e Salmeron pura a Ita- ciando os seus negros projectos e pestilentos
Trataremos em seguida da terceira parte do lia, onde fazem parte do concilio de Trento; pensamentos. Não reputamos 0 instituto do
livro que nos serve ele paralello n’este estudo Francisco Xavier, o Alexandre dos missões, para Loyola, com o dizem uns, a idealisação do p o­
comparativo. o Oriente, onde merece o glorioso nome de der catholico, 0 typo mais perfeito do ministro
Essa parte se in scre v e :— Romances que se Apostolo das índias ; Lefôvre e Bobadella para do Evangelho, numa palavra a reunião dc ver­
w ò n tra m nas collccções hcspanholaa. 0 Epiro, Mayença, Colonia, Ratisbonnae Vien- dadeiros apostolos, com o em sua apparição, o
na, isto 6, para o centro das novas theorias cuja denom inou o povo ; e sim cremos, com o dizem
( Continúa) eschola tinha Luthero por chefe. outros, que ó elle a falsificação da fé, o relaxa­
C elso de M a g a l ii a k s . O N ovo-M undo não podia escapar ao espirito mento das maximas da moral christã, a corru­
explorador da ordem, e eil-a em 1549, nove pção da disciplina ecclesíastica, quando exi-
annos depois* de sua fundação, levantando os gem -110 os interesses de sua egoística poli-
seus abarracamentos 11a Bahia de Todos os tica (8).
OS JE SU ÍTA S N O B R A Z IL Santos. N ão acompanhamos F. Morin, que, negando
* aos filhos de L oyola até o ar para respirar, diz
* *
(a o am igo C e l s o dl M a g a lh a e s ) que nas almas baixas destes hom ens nunca
A mal entendida piedade de um príncipe cré­ abrigou-se sentimento algum nobre e aprovei-
* dulo introduzira em Portugal duas lepras so- ta v e l; mas reconhecem os que 110 primeiro pe­
* *
ciaes, vermes roedores da consciência das nações ríodo appareceram alguns padres, verdadeiros
O gentil cavalheiro, oriundo de Byscaia, que — a Inquisição e a Companhia de Jesus Foram cultores de todas as virtudes christàs e dignos
passara a mocidade nas dissipações e praze- estas sem duvida as causas de Portugal caliir de respeito e veneração. Taes foram entre nós
res mundanos, depois de haver tiriuado a sua em seu reinado da culminante grandeza, a que os padres N obrega e Anchieta.
«•ompanhia, nascida silenciosa e inysteriosa- havia sido levado no dom inio anterior. Em geral, porém, sentimos dizel-o, envoltos,
meiitc nas naves da igreja de Montemartre, A patria de Camões, tão mal vista e persegui­ com o diz 0 conego F. Pinheiro (4),no manto da
principiou a subjugar 0 mundo. da dosjesuitas, foi uma das primeiras nações, fé e da caridade, buscavam servir os seus inte­
O desejo de dissipar as trevas, que envolvi­ que hospedaram o enriqueceram os membro? resses particulares, e utilisarem-se da influencia
am a maior parte d o globo, e fazer apparecer a daquella sociedade. que tão bem souberam grangear, para accumu-
luz sobrenatural — da grandeza dc Deus, e da A hi muitos mancebos, sahidos do seio das lar riquezas que se tornaram proverbiaes, 011
salvação das almas, convertendo os idolatras 0 mais nobres e ¡Ilustres famílias, correram a en para darem aos negocios públicos a direcção
inlieis, serviu de m otivo á sua ardente sòde de grossar as phalanges do nascente instituto. Os que melhor lhes aprazia. Deste numero não
poder e riquezas. moços, alem de se deixarem facilmente illudir, exceptuamos 0 proprio padre Vieira, que, indi­
A idéa de Ignacio de Loyola eohoou no eora- teem 0 perigoso defeito de serem amigos das vidualmente tornado, offerecia 0 typo da abnega­
rão de seis jovens também ambiciosos, que en- novidades. ção e do desinteresse, como membro da companhia
«.•ontrou 110 collegio dc Santa Barbara em Paris, Estamos convencidos do seguiute : de Jesus era todo ambição e intolerancia. (5)
o que foram desde 0 principio o maior susten­ O primeiro entliusiasmo tirou a razão á m oci­
táculo de suas theorias, e os primeiros que ma­ dade, que, sem duvida,não monopolisa os senti­
maram o leite de suas doutrinas. (I) mentos generosos, mas em cujo seio elles se
Eram e lle s: acham mais solidamente gravados ; 6 sempre Convencido d. João III, rei do Portugal, da
lJedro Lefèvre, natural da S a b o y a : Afioiiso ella que está mais prompta para o sacrifício, que inetticacia do systema de capitanias heredita­
.Salmeron, nascido em Toledo, e que tendo dez­ não acarrete victimas, mas é necessurio que a rias empregado para colonisação do Brasil, re­
oito antios já fallava perfeitamente o latim, o causa tenha por móta os interesses vitaes da vogou em 1547 toda a autoridade conferida aos
grego e o hebreu ; Sitnão Rodrigues, fidalgo humanidade, e não, com o entre os jesuítas, um -divos capitães,ou donatarios, dando-as a um só,
portuguez; Francisco Xavier, descendente de egoisino sem limites. sob o titulo de Capitão-General ou Viso-Rei,
uma nobre fatnilia dos Pyrineus, e um dos ta­ A mocidade, ao primeiro aspecto, não perce­ com jurisdicção no cível e-no crime.
lentos reconhecidos da universidade ; e final­ beu as maquinações da ordem, verdadeira morte Inaugurou o supersticioso c fanatico rei a
mente Jacob Laynez, de Almazan na Ilespa- moral, opposta á Reforma, que é vida, m ovi­ mais despótica e esmagadora centraiisação,pois,
uha, mancebo dotado de rara eloquencia, e que, mento e luz ; não deu o verdadeiro valor ao com o diz o pai dxi 7iossa historia (6), a centrali-
tendo vinte e dous anuos, arrebatou e seduziu a m odo leal,philosophico,litterario e artístico, com sação administrativa, propriamente dita, era
juventude, leccionando uma cadeira do philoso- que os reformistas, desde Ulrich de Iiuntten e acompanhada da dos negocios da justiça e da
phia. O ultimo foi eleito posteriormente se­ Franz de Lickingeu até Luthero e Zwingli, rom - dos cia fazenda, sujeitos aos cargos de ouvidor-
gundo geral da companhia, que recebera como perkm corn os preconceitos theologicos e dog­ geral e de provedor- inór, que pela mesma oc-
legado "do solitário de Maurreza — 0 mando do máticos da idode média ; temeu,talvez,que este casião se instituíram. Este poder preponderan­
universo inteiro. brilhante raio da intelligencia humana acarre­ te, sangue-suga do. progresso, ainda predomi­
O projecto grandioso, gigantesco e sublime tasse a ruina da m undo; tudo recordop, menos na entre nós, e, o que é mais, tem. encarniçados
— dc ensinar aos pobres a palavra santa do que sobre os destroços dos antigos, princípios adeptos e acérrimos defensores!
Deus — foi concebido por aquelles denodados surgiria mais tarde um mundo novo. Thom é de Souza, oriundo* bastardo de uma
campeões ; mas não dignamente posto em pra­ A nova seita, que forma um verdadeiro Stalus nobre familia, mas notável pela sua prudencia
tica,* porque o sophisma, a fraude e .a hypocrisia, in Slatu, e que ainda hoje apresenta-se para e firmeza, nomeado para o novo cargo,, trouxe
germens poderosos da dissolução e morte, fal­ moralizar os paizes e instruil-os pela religião, com sigo a primeira cohorte destes novos vân­
searam o principio e denegriram a idéa. soífreu coml.udo em Portugal viva opposição de dalos— os jesuítas.—
Si a falsidade e a iniquidade não se introdu­ homens de estado conspícuos, da universidade Compunharse este destacamento- dos padres
zissem constantemente ein todas as acções da de Coimi-ra, e da parte mais illustrada da po­ João Aspilcueta Navarro, Antonio Peres, Leo­
companhia,seria este por certo o facto mais im­ pulação. nardo.Nunes, e os irmãos leigos Vicente R o­
portante da historia moderna. A companhia, porém, triumphou, miséria hu­ drigues e Diogo Jacome, sendo superior de to­
Os n o v o s propagadores do ehristianismo, po­ mana ! porque em. uma dps conchas da balança dos o padre Manoel, da. Nobrega, já vantajosa­
rém, dominados p ela cég a ambição de mando e estava a vontade absoluta do religioso rei, que, mente conhecido..
riquezas, tudo olvidam e desprezam, tudo sacri­ agradecido e alvoroçado, abraçou os recem-nas-
ficam e postergam:—-.vida, honra e liberdade— cidos operários, e permittiu : que. creassem elles
iõ tendo em vista aquelle infame e -reprovado profundas raízes naquella malfadada nação. (3) Conego Dr. F/Pínheiro, InU á chronica.•
rim, causa principal de seu rapido desfalleci- Deixemos,, porém, a metropole, e acom pa­ da companhia de S, de Vasconcellos.
nhemos os padres èin sua imuiensa peregrina- . (4) Lugar, oitado. *
(1) Padre S. de Vasconcellos.— Chrojiica.da * v . ' (j \-Jj ;' h '•• •*i * }/•1' *1** 1r'/P . (5) Lugar citado. ' ;
'.•ompanhia. liv; 1*») > (2) H istoriado Brasil, tom. 1/ (6). Varnhagen.—Hist. do Brasil, tom.. L*•
O TRABALHO

Os padres, atilados e perspicazes, viram de Prodigio milagroso l que, alem de ser 0 mais Foi este 0 centro das operações para as pri­
autc-m ão a intelligoncia dos devotos oflfuscada com pleto abuso da ignorancia e superstições da meiras catecheses dos livres habitantes de nos­
por tantos espectáculos espantosos c estupen­ epoca, ó para nós prova de falta de religião e sas incultas mattas ; d ’ahi partiram as prim ei­
dos ; sabiam tambem que o povo em geral dei­ completa auzcncia do principios. Os chronistas, ras ordens para a propagação da fé christã n’es-
xa-se com facilidade arrastar por tudo quanto zombando do que ha de mais sagrado, fizeram ta vasta região da A m erica M eridional. In fe­
ó maravilhoso. descer os pobres anjos do elevado pedestal em lizmente era por cobiça, diz 0 nosso melhor
Opposta ao protestantismo, que é a religião que haviam sido collocados pela justiça divina poeta lyrico, (6) que os missionários deixara.n
do invisível, o culto da abstracção, a escola do ao nivel despresivel de m oços do cosin h a ! a frisa e a orla dos roupetas nesta* florestas sem
absoluto, esta ordem nomade o cosmopolita d i­ Deixamos a apreciação destes e outros mila- caminho, por que tantas privações passaram,
rige-se aos sen tid os; e com um profundo c o ­ Çres de quo estam cheias as chronicas da ordem por que soífreram tantos martyrios.
nhecimento das fraquezas do coração, põe a á razão justa, esclarecida do leitor sensato, que
a sensação em logar da meditação, e substituo lhes dará o dovido aproço.
o pensamento c mesmo a fé pela allucinação e Quanto á nós abraçamos in limine a opi­
extasis do sentimento. Ocrtas maximas que o nião do Dr.* A ntonio llen rique Leal,(3) que,tra­ A propaganda religiosa dos jesuitas entre o
christianismo adorava, o jesuitismo corrom po; tando da matéria, nos d iz : gontilismo merecc toda a nossa attenção. A ta­
certas doutrinas de que a religião de Jesus ju l­ “ Sam tantos, tão maravilhosos, occorrem refa, porém , já se nos aflfigura superior ás nos­
gava viver, elle as reduz a pô. Sam, porém, com tanta frcquoncia, a proposito do circum- sas forças, não só porquo exige ella um a penna
baldados todos os seus esforços para impedir a stancias tão ligeiras, o por meio de todos, ainda mais douta 0 oleganto que a nossa, mas tambern
marcha das idéas civilisadoras do secu lo; o ca ­ dos meninos mais somenos da companhia de J e ­ porque todas as lanças 0 espadas dos gladiado­
lifa Omar tambem tentou,incendiando a biblio- sus, que a sua narração se nos antolha como res do ultramontanismo poderão de um só ja cto
theca de Alexandria, impedir o progresso das originada do pura credulidade, com o filha do aniquilar o misero escriptor destas linhas.
sciencias. desejo do encarecer o merecimento dos servos Nada nos afílige.
A ’ vista disto, porém, o que não podem os de Deus e da santidade do instituto, por inter­ S ó tememos 0 anathema} não destes que hoje
com prehender ó a razão porque esses mesmos venção do cujos filhos, Deus se servia de prati­ pululam por todos os cantos do orbe ca th olico;
padres condenmam tão acremente a imponente car cousas tão extraordinarias, estupendas e iu- não destes de quo tem lançado mão os bispos
enargucia, que o Alcorão faz do paraizo à fa - criveis. Mas nisto mesmo se funda meu reparo, de nossas dioceses até coutra os jornaes, e que
homet. quo se ha milagres, com o diz a religião e eu parece ser — a ultima ratio— da theocracia des­
Tanto esta discripção com o todas as que adu­ piamente creio, não me parece por outro lado enfreada e ao mesmo tempo decadente; mas,
bam, o vasto bojo das chronicas do instituto de que Deus haja do derrogar a todo o momento confessando com sinceridade, receamos e muito
s. Ignacio, sam concebidas com o mesmo fim e as leis eternas da natureza para fins talvez, ou que o raio da excommunhão seja fulminado
presididas pela mesma idéa — prender a atten- antes quasi sempre inferiores aos meios empre­ contra nossa cabeça pelas delicadas mãos de
<;ão publica e conquistar adeptos. gados. alguma engraçada 0 seduetora partidaria dos
Já é, porém, tempo de embarcarmos e acom ­ “ Um milagre, que bastaria para a conver­ filhos de S. Ignacio.
panharmos os jesuítas para o Brazil. são do universo a fé christã, me parece mal ca­ Affrontamos tambem de viseira alçada a pró­
bido, quando dello não resulta mais quo a cano- pria critica ; porque, com o já temos dito diffe-
* nisaçào de ura sa n to; e assim tambem anjos,que rentes vezes, estamos intimamente convencido
* *
descessem dos céos, teriam mais que fazer na de tudo quanto avançamos.
A expedição composta de tres galeões, duas torra do quo cortar a cabeça á um peixe, só A critica bem fundada e justa faz apparecer
caravelas e um bergantim partiu de Lisbôa no para que os companheiros de Nobrega tivessem a verdade, e a injusta, gratuita e oflensiva, só
dia Io. do fevereiro de 1549 e aportou ao seu mais entrada no animo do governador d o Brazil. desacredita a quem a faz e fica sempre abaixo
destino a 29 de março. (1) Nobrega, porém, nenhuma parte teria na pro- do desprezo do criticado.
O novo governador-"oral trouxe com sigo. palação deste facto, quo se diz referido pelo Procurem os apreciar, com sangue frio e ver­
alem dos seis jesuitas já mencionados,-"muitas proprio governador, c que só foi publicado um dadeiro critério, não só este ponto com o todos
familias, que vinham estabelecer-se na colonia, seculo depois do acontecido. ” os outros d o programma dos jesuitas, os quaes,
seiscentos homens d ’armas, e quatrocentos d e­ Depois do sessenta e seis dias de viagem lan­ com o Alexandre, rei da Macedonia, achavam e
gradados. çaram os nossos padres ferro “ na formoza 0 acham a terra demasiadamente pequena para
Os últimos sam provavelmente o nobre tron­ espaçosa Bahia de Todos os S antos; assim cha­ conter a sua enorme ambição.
co de muitos enfatuados, que conhecemos, o mada, ou porque parece ura paraizo. onde ha­ Para bem comprehendermos esta ordem, a
que havendo hoje pago o imposto á vaidade, 119 bitam todos os Santos; ou porquo parece que mais figadal e rancorosa inimiga da liberdade,
phrase do conselheiro Zacarias, figuram nos todos os Santos do Paraizo influem nella algu­ não é bastante vel-a triuraphante associada aos
nossos almancks 0 folhinhas com os nomes bur­ ma parto de suas qualidades. ” (4). negocios humanos, desnorteando ao mesmo
lescos de — Barões, commendadores ot reliqua. tempo o espirito e a vontade dos principes
Ourvem-se estes, bem com o a maioria da nossa e dos povos. E’ preciso mais que tudo estu*
podre aristocracia, ante as cinzas respeitáveis dal-a, cstudal-a nos pensamentos e palavras de
d e seus probos e distinctos antepassados. Emquanto 0 primeiro governador com o con ­ seus tribunos, escriptores e confessores.
Os filhos do capitão das guerras de Navarra curso dos seus e dos gentios lançava em uma Fareraos pois algumas considerações geraes
começaram a sua missão ainda a bordo, c bre­ altura pouco distante da praia, 0 não muito af- sobre o pomposo e arrogante programma da
vemente poude experimentar o governador, diz fastado da antiga Villa Velha,os alicerces da no­ congregação de Jesus — propagar a fé, con v er- "
Simão de Vasconcellos, o que dellcs ouvia só va cidade, levantavam os jesuitas com as pró­ ter os here ticos e infiéis, e instruir a mocidade.
por fama, porque não aquietaram seus espiritos, prias mãos a sua primeira igreja. Começaremos pelas missões ou propagandas
pregando, praticando, fazendo procissões, pro- Querendo a companhia dispôr de. um forte religiosas.
liibindo jogos, juramentos,fazendo amizades,tra­ elemento com que podesso resistir ás exigen­
zendo aos Sacramentos, e extranhando sobre cias dos governadores e fazer face aos colonos, C l e m e n t in o L is b ô a .
m odo abusos. ( 2 ) tratou immediatamente do ganhar a aíFeição
Thom é de Souza mesmo experimentou a se­ dos selvagens por meio da caridade, simulada ( 6) Dr. A . G. Dias Ini. aos annaes de Ber-
veridade do n ovo reformador, e teve de rom ­ ou verdadeira, que mostravam para com os reda.
per com um preconceito antigo perante a ló ­ doentes desprezados,á quem iam visitar, levan­
gica convincente do sant6 padre; foi ella um do-lhes pequenos mais apetecidos presentes.
milagre, que á tòdos admirou e submetteu os Buscaram tambem os jesuitas attrahir a si A P O E S IA P O P U L A R B R A S IL E IR A
mais incrédulos. as crianças por meio de brinquedos, quo muito
Eis o caso que citamos por nos haver pare­ apreciavam, cuidando logo de ensinar-lhes a V
cid o curioso e digno de m ençüo: lingua portuguesa á fira de poderem contar mais
Tinha o governador por costume não comer longe cora bons e dedicados interpretes, prezos Dos cinco romances d’esta parte (1) só o pri-
cabeça de peixe ou de qualquer outra alimaria pela a amizade e gratidão. Quem tem por si a meiro\do Conde Preso) não é nosso conhecido.
por devoção á S. João Baptista, cuja cabeça mocidade tem o futuro, e a improvidencia é pa­ Os outros quatro ouvimol-os bastantes vezes e
fora cortada por defensão da castidade. Repre- lavra que não existe nos dicionários da com ­ o fundo é o mesmo das versões portuguezas.
hendeu-o Nobreça, e mandando lançar a linha panhia. Apontarem os as semelhanças, seguindo sempre
ao mar, veio nella cora geral espanto uma ca­ Em breve entregaram os padres a igreja, que a classificação de Th. Braga, entre os romances
beça de peixe sem o resto do corpo, a qual, com tanto suor tinham edificado, á um vigário, portuguezes e os nossos herdados, o que faze­
segundo os chronistas, linhào os anjos cortado e Manoel Leitão, vindo de Lisbôa,.e foram con­ mos de memória em toda esta parte.
preparado para aquelle milagre ! struir outra fóra da cidade, em uma elevação Romance da Conde Alberto. — D ’este romance.
(Monte Oalvario) cercada de selvagens em tanta o que mais nos ficou em lembrança foi o adeus
(1) A lguns historiadores dizem que a esqua­ quantidade que podia duvidar-se, quaes eram
dra sahio de Portugal no dia 2 de fevereiro e mais, se elles, ou as folhas das arvores I (5) ( 1 ) O uumero dos romances d ’esta parte ter­
chegou ao Brasil em principios do mez de abril; ceira ó de onse, mas é porque ha dous e tres
mas não vem a proposito procurar aqui qual (3) A rtigo publicado no Paiz. romances ás vezes sobre a mesma tradicção,
das opiniões é a ipais exacta. (4) Vid. a nota segunda. por isso damos 0 numero de cinco, que tantas
( 2 ) S. de Vasconcellos— Ohr.da Comp. Mv 1. (5) Idem. sam as tradicções sobre que elles se fundara.
u 0 TRABALHO

de Silvaninha, que, na versão do Porto, com eça a variante que ouvimos, e 6 igual á esta da CARIDADE
assim : Beira Baixa, menos as transições explicadas
por estes versos: Amai-vos une ao6 outro«.
— A deus moças, adeus aias^
com quem eu m e divertia; Chegou á uma janella
adeus espelho real mui triste do coração, A ordem social constitue-sc em tres cama­
onde me via e vestia. & das quo se tocam o se communicam. N a pri­
e por e ste s: meira estão a opulencia e a hypocrisia, na se­
assim com o esta cstrophe,da variante daB eira- gunda a indigencia, a ignorancia, c o vicio, na
Baixa, que temos de có r, por a termos ouvido Appareceu-lhe um menino terceira a paz de consciencia.
muitas vezes: - de setto annos e mais não. Vivem na primeira as entidades fartas,quen­
tes, sadias c alegres. Para elles a vida 6 um
F oi-se d ’ali o bom coudc, A variante de Coimbra tem uma ideia, que cco aberto. Uns nascem em berços aristocráti­
cheio de m elancholia; vim os reproduzir-so n'um romance obscôno cos, cujos pergaminhos não contem ua impure­
mandou fechar suas portas, colligido em Pernambuco, que julgam os ser zas da linhagem. Crescem o so educam n’aquella
cousa que nunca fa zia ! Brasileiro não pelo elemento chuto quo n’cllc distinção fidalga que lhes dá a consciencia da
mandou pôr a sua meza, predomina, proveniente do meio cm quo nas- sua superioridade. Tem casas nobres, grandes,
nem um, nem outro comia] coo, mas tarnbem pela historia que d’elle nos archi te tônicas; tem leitos largos o cosinhas pan­
as lagrimas eram tantas contou a lavadeira que nol-o disse. Essa histo­ tagruélicas. Candelabros c estofos nas sallas;
que pela meza corria. ria referia-se directamente á uma mulher de­ penctrács propicios a todos o s amores e acepi­
terminada, com quem se havia dado o facto, e. pes propicios a todos os gostos. Junto dellcs
Romance do Conde de Allemanha. — Rcmi- quo era conhecida, dizia a lavadeira, do sun de- Lucidlo niio passaria de um idiota. Bebem
uiscencia vaga, excepção feita dos seguintes 1une ta avó. oiro liquido, em quanto que ha miseráveis que
versos quo temos quasi d c c ó r : A ideia do quo falíamos ó a da feitiçaria das morrem a sôde. U m a folha de rosa faz-lhes in­
hervas magicas, manifestada na D. A reria (va­ somnio, ura adulterio traz sonhos paradisiacos.
— Minha mão, minha mãesinha, riante de Coimbra) nestes versos : Os fámulos têm gravata branca c luvas dc
venha á janella do canto, pellica, os amos não tem luvas de pellica nem
venha ver o senhor conde A cidade de Coimbra gravata branca: — caprichos da suraptuosidade.
Lodo vestido de brauco. tem uma fonto de agoa cla ra ; Irritam-so quando ouvem a legitimação do
Venha ver, oh minha mãe, as moças que bebem n’clla furto, e roubara, delirara contra o atheismo, e
á jancllinha do paço. logo so veem pejadas. vendem-se ao diabo.
Venha ver o senhor conde D. Areria bebeu nelln, O mendigo que apella para a sua caridade,
com uma corda ao pescoço. logo so vio occupada. & & recebe o que escapou aos cães.
Pagam uma bofetada cora ura sorriso de c o ­
Romance de D. Carios de Montealbar — E ’ e na Mulher do nosso Mestre (romance obscéno vardia, e respondem com o tiro a reacção justa,
este o romance de que nos lembramos mais c de que atrás falíamos) nos seguintes: mas imbelle. Todas as ignorancias nodôam os
foi lambem um dos mais populares em Portu­ seus arminhos.
gal, o que explica a sua popularisaçuo entro A mulher do nosso mostre Nas com m oçõcs sociacs ou fogem ou arreba­
nós. Th. Braga diz d ’e lle : (2) — “ Eis um foi se lavar na enxurrada; tara nas garras os despojos dc um conflicto em
d aqucllcs romances de que o povo tanto se que não tora a rara parte.
apossou, que o inverte e borda á capricho, to­ pegou no peixe espada. Entro uraa taça d c qualquer cousa c uma tor­
mando a acção com o typo de novas situa­ A o cabo dc novo mezes peza suprema cali iriam na ficção de Buridan.
ções ’’ — manda chamar a parteira: Seos al liados suo os hypocritas — os homens
Na variante Maranhense quo ouvimos, havia — Venha cá, sinhá com adre &&. do dogma c do breviario. Amparam-se recipro­
quasi uma reconstrucção do romance, com as camente. Uns c outros tem medo do livro,
ires versões do P orto e Bcira-Àlta (commum), O resto do romance c inqualiíicavel c repul­ porque o livro desentranha-lhes as perversida­
Beira-Baixa e Ooimbra. sivo de torpeza. des que os devoram.
Na vorsão commum ao P orto o Beira-Alta, Mas vê-so o elemento da feitiçaria commum Ai do quera llies cai no desagrado, porque
desde o lugar que principia: na formação da poezia popular dos dois paizes, cai entre o sicario assalariado o o fanatismo
si 6 que a idéa do romauco Pernambucano não que tresvaria.
A os sette para oito mezes 6 mais obscéna ainda do que julgamos. O statu quo (i a única situação social que co-
seu pae que estava a mirar; Romance do Passo de Ronccsval. — Não 6 nhecom, porque esta conserva-lhes os gosos,
muito conhecido aqui, e apenas para o fim ha os privilegios, as sinecuras, a obesidade, os ma­
até a parte em que D. Carlos recebe a carta le­ dois lugares, dos quaes tomos lembrança com ­ gníficos divans e as amantes.
vada pelo pagemsito, e que acaba pleta. Um d’elles 6 quando o mouro dá os si- Tera raedo das revoluções porque ellas des­
gnaes de D. Beltrão, ao velho pae que o bus­ locam os homens e os repartem.
Jornada de trinta legoas cava : O fulalgo fustiga o proletario com a chíbate
temol-as nós para andar, nha, o ultramontano as consciencias cora o ab­
|. — Setto feridas no peito surdo : parccem -se
é quasi completa a .licção que ouvimos. a qual será mais m ortal: Nunca se os viu corarem, nunca , — d esco­
Ha a scena dos alfaiates, assiín como, para o por uma lhe entra o sol, nhecera essa nobre manifestação do pudor.
fim, a do disfarce de D. Carlos cm frade para por outra lho entra o luar, Quereis vfcl-os infinitamente pequenos — lison-
salvar a amante. pela mais pequena d’ellas geai-os.
A variante da Beira-Baixa, porém, parece- um gavião á voar. Estão sempre mascarados. Se soi.-* capaz ti­
nos que foi a mais cantada entre nós, pois é rai-lhes as mascaras — recuais fulminados. V e ­
d’ella que conhecem os podaços mais completos O outro lugar é quando o cavallo levanta-sc, reis a personnalisação de todas as paixões
e iguaes aos nossos. N ’ esta variante (D. Lisar- para se defender da accusação que lhe dirige o ruins. P or traz da mansidão lia trinta e dois
tta) o nom e do condc ó o mesmo que aqui ou­ pao de D. Beltrão. dentes, por traz da hypocrisia ha garras, e por
vimos (.Monialvào), mas não o é o da amante, Este facto da conservação completa entre traz dé tudo — a cobiça raivosa e insaciavel.
do qual não temos lembrança. nós d’esto pedaço é muito caractoristico, para C uidado! si lhe rompeis a mascara,- porque
Logo no com eço do romance ha semelhança acentuar a tendencia da poesia popular Brasi­ abris uma jaula, e precisais ter um ferro em
com o que ouvimos : leira. Faremos notar essa tendencia era tempo, braza para domestical-os.
e então fallaremos mais largamente sobre este Aproveitam -se dos que têm sôde e dos que
— Tenho feito um juramento fragmento do Romance do Passo de Ronccsval. têm fome, para abrir-lhes fontes de veneno e
na folhinha do Missal, Dos romancas mouriscos e contos de capti- dar-lhes a nutrição de utn fanatismo de muitos
menina com quem dormir vos nada tem os; nem nos lembramos ter ou­ séculos.
de eu a não ir difiamar. vido cousa que se parecesso com as quo vêm . A hypocrisia luxuosa, insolente e inexorável
no livro de Th.Braga que nos sorve do parallelo. cobre tudo isso. — Sepultura, de que falla a pa-
Desde o lugar que com eça : Esta falta de popularisação d ’estes romances rabola: por fóra a alvura,a podridão por dentro.
o contos, julgamos explicar por algumas razões Vem agora a segunda camada, tão escura
— N ão sc me dá que me queimem, # que, por serem de mais longo desenvolvimento, c tão feia,como essa. Difiere da primeira em
nem que me mande queim ar; faremos d’ ellas objecto do capitulo seguinte. sor magra, aneuiica,faminta, maltrapilha, perse­
dá-se-m e d’oste meu ventre Continua guida pela policia e dizimada na escuridão. — A
que leva sangue real; historia conhece essa massa com o si ella fosse
C e lso de M a g a l iia e s . compacta.
até a entrega da carta polo pagem, 6 completa E ’ um chúos em perenne fermentação. Só
conhece-sc o indivíduo, quando o podei’ social
(•2) Romanceiro — 5. 3\ Notas 31, 32, 33. o apprehendo e lança-o na penitenciaria.
50 O TRABALHO

F o i preciso que a lguns esp irito« a d m i­ ta con tra as a ccu sações q u e se lhe m ovem . lem b ra a n oite lu g u b re da m orte d o illus*
radores da sua m odéstia e d o seu d e sp re n ­ O seu v iv e r 6 o de um sa b io c d e um h o ­ tre e ca v a lh ciroso jorn a lista , o seu c s t y lo
d im en to d e to d a a a m b içã o, tratassem , m em de a n tig a tem pera. G ra v e, p ro b o , d e ord in á rio p reciso e frio eleva-se n ’ uma
sem que clle d o tal soubesse, d a sua e le içã o sim ples e tolerante, sorri para sua m ulher a rreb a ta d ora clocju en cia. D iz L ittró :
de representante d o p o v o de P a ris n o m ez c sua filha, que vão á m issa, em quanto elle “ O q u e p o d e r a co n fr a n g e r ta n to o c o ­
de F e v e re iro d e 1 8 /0 . A u sen te d a c id a d e , con tin ú a nos seus estu d os de p h y s ió lo g o . ra çã o c o m o essas horas, em que, no m eio
imo havia s o llicita d o o suflVagio e só so u b e E só responde a os ataques que lhe d irig em , d o silen cio d a noite, aos fr o ix o s , ra ios de
da sua can d id atu ra no d ia em que re ce b e u con tin u a n d o essa e x iste n cia de pensador u m a luz v a cilla n te, se o u v e som en te, já
a n om ea çã o d e depu tado. m o d e sto , que nunca an ciou p or tanta c e ­ sem esp era n ça algum a, essa resp ira çã o da
N ã o a con teceu o m esm o com a sua elei­ leb rid a d e, nem esperou dar causa para m orte, q u e nos a d v erte de que tu d o está
ção á A ca d e m ia . T inha-se a presen ta do ao tam anh o ruido. p restes a findar? N essa a ngustia ca h em os
H u f f r a g i o d o s im m ortaes em 18G3. P e lo p h y s ic o ó L ittró um velho d e es­ m in u tos g o t ta a g o tta : d ep ois cessa o
S en d o já m e m b ro d o In stitu to , queria tranha e in o lv id á v el physionom ia. E sta tu ­ resp ira r, e com eça a im m obilidade. E n tã o
ser d o n u m ero d os quarenta. & não c o m ­ ra m ediana, rosto e n c o lh id o , su lca do c in clin a m os a ca b eça , as lagrim as correm e
p le ta v a clle só com o seu Diccionario a trigu eiro. C aiem -lhe na nuca os ca b ellos am argu ra inunda o cora çã o . „
tarefa de seus futuros co lle g a s ? negros e lisos co m o a um clé r ig o . A fro n te E is o hom em con tra o qual m uita g en ­
N essa é p o ca , porem , o b isp o de O rleans la rg a e p od erosa franze-se nrum pensa­ te p arece d isp osta a p ron u n cia r e x o rcis­
tinha so lta d o altos b ra d o s na b ro ch u ra es- m ento unico. B rilham -lhe a tra vez d os ocu - m os ! C reio que 0 não tem lid o , nem sa­
crip ta co n tra L ittró, T a in c e os ou tros los dons olh os ca n ça d os p elos v e lh o ste x to s b e m que á sciencia p rofu n d a d o ph iloso­
ca n d id atos, a qual, segu n do o d ito de c pelos estudos p h ilolog icos. A v iv a ex­ p h o reune n ã o m en or som m a d e b on d a d e,
S a in tc -B c u v e , se cscOou p o r b a ix o da^por­ pressão d e seu sem blante está p rin cipal­ ca rid a d e e virtude.
ta d os A ca d ê m ico s na vespera d a eleiçã o. m ente no ia b io inferior, pron u n ciado e
L ittró foi d e rro ta d o . M on sen h or P u p a n - pendente, apartado das com m issuras d a
loup su sten tou que havia um p e r ig o s o ­ b o ce a p o r dous sulcos p rofu n d os, o n d e se
cial na n om ea çã o d o d iscíp u lo d e A u g u s ­ patenteia o d esp reso m ais com p leto e a A POESIA POPULAR B R A S IL E IR A
to C om te, n o acolhim ento d a d o ao p o siti­ mais p u n g en te ironia pelas futilidades
V
v ism o na pessoa de L ittró. F o i p o r essa m undanas ou pelas injurias que lh e são
occasião que S a in tc-B cu v e escreveu esses atiradas.
a rtig os vin ga dores, que foram o p rim eiro H a 110 m useo dos U ftizzi, em F lo re n ça , A transplantação da poesia popular, ou síqui-
trium pho d o p b ilosop h o calum niado. um b u sto de M a ch ia v elo, que apresenta zerem. das tradições que lhe servem de base,
O (pie o M on sen h or censurava so b re tu ­ esta mesma expressão am arga e desde­ está sujeita á certas regras, dedusidas da obser­
d o cm L ittró , era o m esm o, que censurava nhosa. Q uantas vezes não tenho pensado vação e da experiencia, sob asquaes esta se de­
n’ csse b u sto, n’ esse rictu s d o patriota flo­ senvolve, e sem as quacs ella c impossível.
M . L u iz Y e u illo t, isto ó , a p u b lica çã o do
Note-se quo se não trata da formação poéti­
D ic c io n a r io de M e d ic in a de X y s t e n , rentino, v en d o L ittró , d o qual essa ob ra ca do povo, que tem também as suas regras, e
obra prim a do eru d içã o c clareza, o n ­ da esculptura italiana 6 co m o que a im a­ sim da transplantação das lendas de uma nação
de o hom em , este b ip ed o im plu m e de gem p etrificada! conquistadora oti invasora para outra que lhe
P la tã o, é d e fin id o — oh cum ulo de h o r­ Q uem não con h ecer o tra d u ctor de sóffre a influencia.
ror !— : “ um m am ífero bim ano d a ord em Strauss ha de tom ai-o ao passar p or um No primeiro caso, no da formação poótiea, o
dos prim atas.” A sciencia tem dessas ru­ sabio clé rig o d o s velh os tem pos. A sua povo não vai buscar tradicções alheias, muitas
des franquezas: dá nom es b a rb aros ás flo ­ sobrecasaca preta lem b ra , p elo co m p ri­ vozes á sua indole, aos seus costumes, á sua re­
ligião,á sua mythologia 0 ásua lingoa; crêa, te­
res, e, co m o na poesia d e B oilea u , ch am a m ento, o s lo n g o s v estid os das persona­
ce a sua historia legendaria, que é a manifesta­
a um g a to p e lo seu p ro p rio nom e. M o n ­ gens de M asaccio. T ra z os bolsos co n s­ ção de sua própria personalidade, com essa in­
senhor D u p a n lou p não p ó d c o u v ir isto tantem ente, ch eios d e brochuras. P a re ce tenção, como que universal c commum á todas
com b o n s o u v id o s c nem acostum ar-se a es­ ler e estudar sem pre. as nações, de que fallamos já, citando o estudo
tas rudezas d e csty lo , m o stra -se p o rta n to Quem 0 visse na A ssem b léa nacional, de M. Gisli Bryonjulfsson sobre o romance fran-
intratavcl p ara com o “ bim auo,” q u e t o ­ cu rv a d o sob re qualquer revista ou tra ta d o cez. O maravilhoso, 0 cavalheiresco, 0 magico,
d av ia foi a d mi t tid o na A ca d e m ia , não de philosophia, diria qu e nenhum a atten- o inesperado, tudo isso concorre para 0 roman­
obstante as suas adm oestações episcopaes. Ção presta ao que o cerca. E n treg u e a ceiro popular, e sam factos esses que se encon­
tram no espirito dos romances e lendas popula­
Isto o levou a pedir a sua dem issão, a q u a l suas reflexões parece estar lo n g e d a rea­ res do qualquer nação.
p o r con selh o de M. G u izot, lhe fo i n e g a ­ lidad e presente. M as não ó assim: q u an d o Na transplantação, porem, não se dá isso.
da pela m esm a academ ia. d o alto da tribuna cai algu m a palavra Por lalta de originalidade, do mythologia, de
A c a s o estarem os ainda 110 te m p o em que d escon h ece ou fere o que elle desde lingoa desenvolvida, um povo acceita a influen­
que o astronom o não p odia d izer q u e o a m ocid ad e am a, ensina e d efende, o la b io cia de outro, a sua religião, o seu dircitp, a sua
accentúa a iron ia, a b o c c a a b re-se, e um lingoa c as suas tradicções.
sol era o cen tro d o system a planetario,
rir silen cioso esclarece de um m odo plian- Nós já mostramos ligeiramente as rasões da
p orq u e essa verd ad e ia contrariar a le g e n ­
nossa pobreza poótiea, e da pouca accentuação
da d e J osu ó ? ta stico o sem blante d o d o u to r hebreu,
que se lia de notar 110 nosso romanceiro, assim
O csca lp e llo antes de dissecar a m achi- que parece resp on d er com piedade, e d i­ como tambem as péssimas condições cm que se
11a hum ana terá necessidade de ca rta b ra n ­ zer b a ix in h o:— “ A que v e m isto ? ” deu a transplantação e, por consequcncia, a
ca ? E 0 a n th rop olog o será ainda o b r i­ E is o hom em . E ’ o littera to mais inti­ corrupção fatal á que chegou.
g a d o co m o ou tr’ ora a estudar as v icera s m am ente lig a d o ao seu m ister que j á pro- Por isso não entraremos cm explanações mais
11’ um a b o n e ca ou m anequim q u a lq u e r? duzio este secu lo de ru idosa charlatanico. largas sobre este ponto, e apenas nos contenta­
remos com procurar as rasões que actuaram, á
A scien cia, esta fo rça irresistível d o sé­ E* um lettrado que cu ida d os p obres, 11a nosso ver, sobre a não implantação dos roman­
cu lo em que vivem os, esta g ra n d eza a l­ qualidade de m ed ico, e pede esm ola para ces mouriscos e de captivos, investigação que,
gu m as vezes temerosa, e muitas outras clles. E ’ um p h ilosop h o que escreve a res­ dizemol-o de passagem, funda-se 11a applicação
sublim e, d o hom em cm busca d o p ro g re s­ peito da m orte as p agin as mais pungentes dos principios, reconhecidos e acceitos, sobre 0*
so, terá ainda de que arrecciar-se c d everá e mais sentim entaes. E ’ um p h y s ió ío g o quaes se dá a transplantação, mas que pode fa­
cu rv a r a fro n te com o o u tr’ ora ante o v eto que lalla co m o poeta d os m undos d e s co ­ lhar em relação á qualquer outra provincia que
nos 6 desconhecida, e onde seja repetido'o ro­
inquisitorial? G raças á esta intoleran cia, nhecidos, d o infinito c das estrellas, essas mance mourisco. Este facto, si elle se verificar,
a scien cia d o s Lam ark e dos G eoflVoy ilhas de f o g o , co m o lhes cham a B y ron . pode ser explicado então por outra qualquer ra-
S a in t-H ila ire em igraria inteiram ente pa­ E ’ um F on ten elle in sp irad o, q u e não tem são, que diga respeito á circumstancias parti­
ra o paiz d e D a n v in ou de W ir c h o w . O dois cerebros, co m o o a m ig o de M adam e culares de colonisação. (1)
sa b io que d e b oa fé e com to d a a sin ceri­ D effan d , m as um cereb ro e um coração.
d ade b u sca ardentem ente a verd ad e, in ­ N ã o co n h e ço tra b alh o litterario, que (1) Como prova citaríamos, por aualogia, o
te rro g a anciosaraente o destino hum ano, m ais me im pressionasse d o que a n oticia facto que deve se ter notado nos romances co­
lhidos no Maranhão, de que todas as suas vari­
terá a tem er que seja a p on ta d o c o m o cú m ­ de L ittró sobre A rm a n d o C arrel, inspira­
antes em geral approximam-se, ou então sam
p lice d o s incendiários, d o s m iseráveis, d os d a pela mais sincera adnr.ração e o m ais perfeitamente semelhantes ás versões e vanantes
lou cos ? A v id a inteira de L ittró p ro te s­ profu n d o sentim ento. Q u a n d o o escrip tor da Foz.— Não sabemos ainda qual a explicação
0 TRABALHO 51

.pela implantação das tradicções celtícas c nor- via oulros elementos, o maravilhoso, por exem­
mandas. plo, para que elles fossem acceitos, ao passo que
Na transplantação lm uma lei generica, que Foi com esto principio individual que se for­ n’estes, apezar do se encontrar o cavalheiresco,
se pódc synthctisar cVcstc modo:— O povo adop­ maram os grandes cyclos do romanceiro fran- ha o facto do captiveiro dos christáos que nos
ta de preferencia os romances tradicionaes que cez (cyclo Bretão e cyclo Franko e os romances não é conhecido com o caracter apresentado
não dizem respeito íí fiieto algum particular, e, normandos), doportuguez (cyclo do rei Arthur, nos romances em questão.
quando aceita as tradições de outro povo, vai Tavola Kcdonda etc., com substituição dos he­ Quanto aos romances de captivos, a questão
substituindo lentamente os seus heróes aos cx- róes extranhos), e os grandes poemas heroicos muda um pouco dc figura. Já não é a falta de
tranhos. (2) da TUiada. assumpto e de terreno proprio para a sua trans­
A explicação d’esta lei é íacil. A ’ vista do que vai dito, vô-so a verdade da plantação, mas sim mudança completa do fun­
A poesia popular não é um facto que decor­ primeira asserção da synthese atrás estabeleci­ do sobre quo elles se basêarn, isto é, o capti-
ra de uma méra diversão individual, como se dá da. Tudo quanto é genorico, geral, congénito veiro.
no lyrismo choramingas do poéta, que conta as ao pensamento do povo, elle acceita; o que é 0 captiveiro em Portugal, com as invasões
scenas de seus amores, passadas á beira do re­ particular é regeitado. barbaras e dos Mouros, dava para se tecer so­
gato e á luz da lua. Não é lambem o cíleito do Quanto á segunda parte — a substituição dos bre elle lendas e historias interessantes.
uma revolução erudita, que imponha suas regras, heróes, citaremos para exemplo, cm primeiro Era o captiveiro digno, procedente de uma
vusadas ás mais das vezes cm moldes acanha­ lugar, o cyclo do rei Arthur, acceito em Portu­ desgraça na guerra, em que o captivo compre-
dos (como o elassismo); nem tão pouco a accu- gal, o a substituição do rei Arthur por D. Se­ liendia a sua posição e trabalhava por conser-
inulação premeditada e rcgularisada de lendas bastião o Encoberto (3), c depois Magriço e var-so sempre na altura de seu nome e de sua
e tradições, apanhadas aqui c alli, somente com seus companheiros, em substituição á Carlos patria. Soffriam-se cstoicamcntc os castigos
o desejo de formar-se um romanceiro. Magno e os 1*2 Pares do cyclo da Tavola R e­ niHingidos, mas nunca vergava-se a cabeça.
Citam-se exemplos para provar esta asser­ donda. Bem se vê, por ahi, que era esta uma fonte
ção. 0 provençalismo, apesar da opinião de As tradicções do Norte da Europa, Scandi- inesgotável dc bcllezas para a formação poética
Fauricl, que sustenta ter sido clle a origem do navas sobretudo, deram por sua vez o simile do povo.
romantismo cavalheiresco da França, o proven­ para os romances carlovingios. Mas entre nós não se deu isso. Houve o fac­
çalismo, diziamos nós, nenhum eílbito fez á Assim é que as lendas do RoJ-ICrakc o seus to, que se chamou escravidão.
poesia popular franceza, porque clle se limitava heróes, do Rei IlaJlf e seus guerreiros c do typo Não era mais o consequente de uma desgra­
ás alambicadas imagens das córtes dc amor, inicial de todos elles — Odin c seus 12 compa­ ça, era o efteitode um contracto commercial.
«mervando antes o espirito popular, do que for­ nheiros, sam origem para as tradicções do oy- Aqui eram já as lévas do Africano embrute­
talecendo* o. clo Carlovingio. (4) cido, nos porões infectos e mi.«smaticos dos na­
A poesia lamartinc&na nada trouxe também Provada a asserção no seu todo, e cremos que vios negreiros; era a ignorancia do escravo, a
ó tradição popular e tende á morrer. Do que os exemplos dados bastarão para isso, passare­ falta de dignidade do negro, que sujcitava-s«\
Camões escreveu, foram os Lusíadas que lhe mos á fazer a applicação, quanto á questão dos com o um animal, ao serviço pesado dos enge­
deram iioirio, porque n'esse poema soube elle romances mouriscos e de captivos. nhos e das minas. A bestialisação inoculava-
apropriar-se do genio popular portuguez(a ma­ 0 gosto mourisco principiou á espalhar-se em se na população e o sentimento da personali­
rcação), e entresachou iVaquelle monumento Portugal no seculo 16, epocha do descobri­ dade perdia-se. O estado d’essa classe era re­
iiumorredouro as tradições mais atVagadas de seo mento e colomnisação do lirazil. pulsivo en tão.
paiz (o elemento cavalheiresco representado no Este fiicto, só por si, era bastante forte para Ora, um elemento corrupto d'cste modo nada
episódio do Magriço; o elemenjo maravilhoso não transplantar-se para o nosso romanceiro o podia produzir, ç não produzio.
no milagre de Ouriquo c etc). elemento mourisco, e a rasào é simples. Foi por isso que, com o facto da escravidão,
Os sonetos o as canções do Luiz de Camões Para accentnar-se perfeitamente uma ten­ nào se deu entre nós a implantação dos roman­
sam de merito, é verdade, mas dcsapparccem dência sobre a poesia do uma nação, 6 necessá­ ces de captivos.
junto aos Lusíadas. rio um espaço de tempo não pequeno, até quo Veremos mais tarde como o elemento negro
0 elassismo do scculo de Luiz X IV 6 hoje cila se solidifique como tradicção. Logo ao prin­ entrou na formação da nossa poesia, apresen­
apenas um documento, mas nunca poderia for- cipio o romance mourisco seria pouco cantado; tando exemplos.
mar uma tradição. Racine, Boiloau e Corneille, os colonisadores, por conseqncncia, não sabel-o- Cremos serem estas as razões pelas quaes
para nós o de mais merito dos tres, hoje sam Jiiam c, em conclusão, nào poderiam trazel-o não encontramos na tradicção lembrança d’esses
lidos por mero interesse historico. O elassismo para o Brasil. Depois a tendencia foi-sc m o­ romances.
do seculo X V III, cm Portugal, não conseguio dificando, outra evolução apparecou, c o ro­ Passaremos agora ás Lendas Piedosas, 5. par­
mais do que pôr uma mordaça ao genio popu- mance mourisco ficou completamente desco­ te do 3. T. do Romanceiro de Th. Braga.
lar, sem poder fazel-o acceitar as suas regras. nhecido para nós.
Tanto a Arcadia d’esse tempo, com o a mais re­ Os interesses mudaram, com o seguir dos sé­ Continua.
cente Nova Àrcadia, sam de enlandonha e so- culos, a indole tornou-se outra para o Brasil e C elso de M a o a i . iia e s .
porifera memória. o gosto mourisco feneceu.
As collecções de Macphcrson, finalmente, Accresce, cm segundo lugar, que, mesmo cm
jamais conseguiram passar por cousa melhor Portugal, a sua duração não foi longa, e o seu
do que ellas sam —bordados á capricho sobre cunho não foi verdadeiramente popular cm OS JESUÍTAS NO BRAZIL
lendas feitas por um estudioso. tudo. Abundam nos romances mouriscos dfesta
A poesia popular é um acto serio e fatal, que parte que analysamos (3) muitas descripções ( ao a m io o celso de m a g a l h a e s )
se originado vasto complexo de circumstancias, e narrativas, o que não é natural c coininum na
que presidem á civilisação e ao desenvolvimen­ poesia popular, c demonstra mais uma invenção :Jc
$
to de um povo. erudita.
Embora asna origem seja individual, cila não Excepção feita da versão dc Traz-os-Montes O homem, concebendo uma idéa ou adqui­
acceita do individuo sinão os traços geraes que do D. Òayfeiros, que tem toda a simplicidade rindo uma convicção firme e inabalavel, sente
podem ser ageitados á sua indole. Assim é que, dramatica do povo, os outros— Mclisendra (va­ em si mesmo indeclinável necessidade dç espa-
na edade media, a poesia jogralesca entra no riante de Traz-os-Montes de D. Gayfeiros), lhal-a e tornai-a conhecida. Esta livre mani­
processo da formação poética do cyclo de Brancajlor (Extremadura) c a Moira Encanta­ festação do pensamento humano existe desde
Oarlos Magno. da (Algarve)— , estam cheios de descripções, que o mundo 6 mundo, e oonstitue ha muito
Carlos Magno ora o heróe, em torno do qual principalmente nas licções de Garrctt. Sendo tempo um direito precioso, util e sagrado, que
se cruzavam e grupavam todas as aventuras ca­ assim, é facil coiYoiuir que, não sendo elles cor­ é garantido pela legislação de todos os povos
valheirescas de então. 0 jogral ia cantando de rentes em Portugal, c tendo esse lado duvidoso cultos.
eastcllo em castello, jornadeando sempre, pa­ sobre a sua origem, não fossem transplantados Uma religião é um systhema de verdades, ac-
gando a hospitalidade que lhe davam io m os para cá. O Romance de Meliscndra é o mesmo ceitas com o taes, que necessita ser propagado,
seus cantos. que vem, no L . Quijote, part. 2. cap. $6. porque, como diz Max Mnller (1), é um corpo
D’estcs cantos, ouvidos pelo povo, ia-se ori­ Em terceiro lugar, notaremos que nós não dc doutrinas transmittidas pela tradição ou por
ginando a tradição até a sua formação * oni- tinham os heuóes nenhuns que podessem oflfe- livros canonicos, c que contém tudo o que cons-
pleta. recer similes aos dos romances mouriscos, e que, titue a crença de um ou mais povòs.
Como o jogral, o homéride da Grecia pr.mi- por conscquenoia, ainda que elles chegassem Toda a religião, baseando-se na fé, segundo
tiva foi o elemento originário dos poemas homé­ até aqui, seriam por isso despresados c esque­ a definição do illustre professor da universida­
ricos. cidos. de de Oxford, é communicativa, e quer ser di­
O derramamento dos cruzados cm Portugal Poderão objectar-nos que não tinhamos tam­ vulgada e ensinada com cuidado para poder fa­
concorreu para a formação do seu romu. .. iro, bém heróes para os outros que herdamos, o que zer proselytos.
entre nós se conservam ainda. Mas á isso res­ A propaganda, pois, é o unico meio de que el­
ponderemos que, n’esses outros romances, ha- las, bôas ou más, divinas ou lmmanas, podem
d'isto, mas deve prevalecer ahi alguma rasào empregar para remover os obstáculos e impe-
particular que diga respeito aos primeii os co- (3) Th. Braga— R. Port. cilhos, que se oppõem á sua marcha; é o unico
!omnisadores daqucllaprovíncia. (4) M. Gisli. Bryonjulfnon — Estudo cit.
(2) Th. Braga— R. P ort: T. I Pags. 7 e S. Pags. 398—9. (1) La scicnce de la religion.
O TRABALHO
duvida a importância da ingtrucção para a com ­ Os jesuítas, porem, percebendo logo cm prin­ A companhia do Jesus, cereando-sc de uma
pleta quéda do instituto de Loyolla. cipio as vantagens, que podiam auferir «la ins­ aureola ticticia e torcendo as sciencias para af-
A historia de todos os paizcs da actualidade trucção do povo, vantagens estas que só muito feiçoal-as aos seus intentos, ensina para ter se­
prova que a instrucção bem dirigida 6 bastante mais tarde começaram a ser conhecidas por al­ gura a dedicação do povo. »as jesuitas sabem
para trazer a prosperidade dos povos, e descu­ gumas nações, como já mostramos; vendo logo perfeitamente que a perversão rio espirito, que
rada 6 signal precursor de grandes catastrophes. depois de sua fundação que era preciso dar um produz mais consequencias fataes, duradouras
Sirva-nos de exemplo duas potências de pri­ passo importante para a conquista, senão da e difiiceis de estirpar, é a nascida das primei­
meira ordem — a França e os Estados-Unidos. sociedade d’aquella epocha, ao menos da socie­ ras impressões, quo recebemos na instrucção.
Desprezada a instrueçáo popular na França dade futura; devendo alem do tudo combater Ensinar não quer dizer ensinar bem. As
pela aristocracia e clero da Restauração, mio e reformar, e procurar impedir a todo custo vantagens do ensino jesuitico podem ainda ser
teve ella alli realmente principio scnüo a 28 de a propagação das novas doutrinas allemãs, que inseridas como dogma cm algum cathecismo;
junho de 1833; o mesmo assim sou desenvol­ principiavam á movor-se, e quo trariam forço­ mas, não obstante tudo, iremos duvidando des­
vimento tem sido tâo rnoroso que Hippeau (3) samente a queda da influencia thcocratica; lan­ tas vantagens, que só teem produzido males,
lastima profundamente que se não tenha dado çaram mão do magistério como moio mais fá­ como os factos estam provando toilos os dias.
em seu paiz o devido impulso á obra grandiosa, cil, e que molhoros resultados promcttia,para a Confiemos o ensino ao jesuitismo, c veremos
que Carlos Magno tentou pôr em pratica no co ­ consecução de seus lins. como pensarão d’aqui á vinte annos as gerações
meço da barbaria do IX seculo. Um escriptor Fundaram, pois, escholas e principiaram a novas, e o que será feito, d'ahi á outros vinte,
contemporâneo attribue, e a nosso ver com mui­ ensinar,não tendo cm vista os preceitos do Evan­ da liberdade e do christianismo.
ta rasuo, as desgraças soífridas por aquclla na­ gelho, e sim realizar a maxima de Leihnítz: Os jesuitas tambem tem amoldado aos seus
ção no ultimo império A má direcção da ins- “ Tornai-me senhor do ensino que eu muda­ intentos o púlpito e o confessionário; inas niío
trucção nacional, pois que apenas um diminuto rei a faco do mundo. '* trataremos desta matena, porque a reputamos
numero de homens achava-se na altura do pe­ Se a instrucção pôde elevar a patria de "Was­ complemento ou corollario do ensino.
rigo quando a quéda do governo, que se julga­ hington ao apogôo da gloria, terá tambem for­ No proximo numero continuaremos a apre­
va inabalavel, poz o paiz na dura necessidade ças para regenerar o Brazil, c banir de seu seio ciar as obras dos jesuitas no Brazil, tarefa esta
de salvar-se por si mesmo. a abominavel seita, que deseja tudo absorver. já facilitada á vista do modo de pensar, quo
Os Estados-Unidos, esse paiz modelo, esse E’, porem, preciso educar o povo para que a emittimos, tratando da propaganda e da ins­
athleta c propugnador das itldas dcmocraticas, companhia receba o golpe do proprio principio trucção.
esse rei da civilisação moderna, cm cujo seio vital, que parece snstental-a — a instrucção. C l e m k n t in o L is b o a .
não se ouve o estalido do knout czariano, liga á Os apologistas da companhia decantam cner- Continua.
instrucção a maior parte do sua attenção. E' gicamcntc os benefícios do ensino jesuítico en­
ella a primeira e a mais considerável do suas tre nós. Felizmente a nossa historia litteraria,
despezas annuaes; pois, segundo llippeau, (4) política c social, durante trezentos anuo«, está
consomme uma verba superior a 450 milhões alii para responder que nullo é o resultado de A POESIA POPULAR BRASILEIRA
de francos, quantia cinco vezes mais forte do semelhante ensino. Debalde os defensores da
que a consagrada para o mesmo fim pelas na­ companhia dc Jesus escondem cuidadosamente V II
ções mais adiantadas do velho continente. Não os processos, as sentenças, as providencias e
ha, pois,duvida que a instrucção 6 a causa prin­ as leis, com que os tríbunaes catliolicos o os so­ Das lendas piedosas d’esta parte a mais cor­
cipal dasorprohendcntcgramiezu d’aquelle paiz, beranos da Europa fulminaram e aniquillaram rente entre nós, somente quanto ao fundo, é a
eujas esquadras sulcam as agoas de todos os a sociedade dos jesuítas, como um gremio de primeira, do Jesus 3fcndiyo. Mesmo a quo ou­
mares, e cujos canhões sam respeitados pelas homens corruptos e criminosos. vimos, em prosa, não era bem semelhante á es­
mais orgulhosas potências da Europa. Condemnamos, pois, o ensino que o instituto ta, mas o elemento predominante—a pobreza—
O Brazil acha-se n’este ponto, e por conse­ tem exercido em todos os tempos como contra­ era o mesmo, acompanhado dosôlo ccclesiastico
guinte cm tudo o mais, bem atrazado. Temos rio á moral religiosa c politica, como olVensivo da maldição, como se nota na—Jhllade dc Je­
10,580,000 habitantes; e, segundo, os dados es­ aos direitos dos estados e das familias. Real­ sus Chri&t, popular na Picardia o transcripta
tatísticos dc J870, possuímos só 3,378 escholas mente, o que poderemos esperar do ensino con­ por Th. Braga.
primarias com 100,024: discipulos, o 405 de gráo fiado á homens, (pio rendem culto aos volumes Eis como rosa a lenda que ouvimos por di­
superior com 8,000 discipulos, o (pie dá, diz E. pulverulentos de Bellarmino, deSuaroz, d’Es- versas vezes no Maranhão:
dc Laveleye, (5) 1 discípulo por 02 habitantes. cobar, de Molina, de Juvcnei, de l>u>ombáum, llavía n'uma cidade d*»is homens, um po­
•Só agora a magna questão da instrucção pu­ de Lacroix, de Mazatta, o dos outros escripto- bre c outro rico, muito religiosxs o amantes de
blica principia a ser tratada entre nós. Algu­ res dos bons tempos da companhia? Não va­ Deus. Jesus, querendo experimentar qual d*el-
mas assembléas provinciaes tem discutido a lerão por ventura nada os princípios,quando se les o amava verdadeiramente, annunciou-llies
matéria, c o Sr. Cunha Leitão apresentou a ca ­ trata do ensino? que em certo dia iria jantarem sua companhia.
mara dos deputados um projecto, tornando obri­ A congregação, que se organisou pelo ideal O homem rico mandou preparar mezas lautas e
gatório o ensino primário. (0) do despotismo, e que, regida por esse principio acepipes delicadas e abundantes, o as festas
tão odioso e brutal como energico, quer sem­ annunciadas eram do espantar. O pobre, que
(3) Inst.pub. aux Etuts-Uiris. pre apoderar-se da intclligencia do povo para apenas possuia uma gaUinhii, mandou matal-a
(4) Obra citada. penetrar no amago da sociedade, sabeudo e assal-a (sic). Preparou modestamente a sua
(5) Vinst/ruclion dupeuplc. que ás vezes 6 melhor ir de roda para chegar tneza e esperou o Christo. A ’ tarde apresen­
(6) E ’ muito natural que o projecto do Sr. mais depressa, quer monopolisar oensino para tou-se um mendigo a pedir esmola á porta do
C. Leitão vá servir dc pasto ás innumcras tra­ mais facilmente conseguir o fim, que tem em homem rico. Este despedio-o brutalmente, di­
ças da secretaria da camara dos deputados, e mira—plantar o domiuio da Thcara sobre o po­ zendo:— espero hoje N. S. Jesus Christo para
que nenhuma resolução seja tomada á respeito. der civil mesmo no quo é puramente temporal. jantar commigo, e não quero desmanchar a mi­
E ‘ de lastimar que tal succcda, pois á vista de nha uieza (sic.) O mendigo voltou ainda se­
um quadro, mostrando o estado da instrucção las, frequentadas por um habitante cm 55; a gunda e terceira vez, com outros trajes e fei­
primaria c secundaria nas vinte províncias do despeza com a instrucção 6 do 120,720$; ções, ^ foi despedido do mesmo modo. A ’ por­
Império, tivemos occasião de apreciar o nosso Sergipe, quo, com 300.000 habitantes e uma ta do homem pobre apparcce o mesmo mendi­
utrazo. rendado 505,519$, consomme 105,030$ com go. Ficou o pobre homem som saber o que fi­
As provincías, onde a instrucção acha-se mais 108 escholas,frequentadas por um indivíduo em zesse, c então a mulher lembrou-lhe que pode­
adiantada, sam: 02 ,2 ; riam tirar uma aza da gallinha e dal-a ao men­
Rio Grande do Sul, que, tende uma popula­ Maranhão, que tem 500,000 habitantcscuma digo, sem que o Christo reparasse n’aquolla fal­
ção dc 450,000 habitantes e uma renda d e ___ renda de 741,080$, despende 124,890$ com 108 ta, pois a gallinha seria collocada no prato, de
1,793,030$, desponde com a instrucção publica escholas, cursadas por um alumno em 00 habi­ modo que o lado da aza cortada ficasse para bai­
272,740$ e possne 385 escholas, frequentadas tantes; xo. Assim fizeram. Pouco depois, eis que appa­
por um alumno em 35,2 habitantes; Espirito Santo, que,com 100,000 almas e uma rcce outro mendigo. Novas duvidas, novos cál­
Ceará, cuja populaçuo 6 do 550,000 habitan­ ronda de 220,000$, gasta 43,334$ co.n 72 es­ culos e nova aza dc gallinha cortada. Terceiro
tes e a renda de 792,000$, gasta com a instruc- cholas, frequentadas por uma pessoa em 08; mendigo ainda. A duvida era maior. Já não
vão 15G,8iJ0$, c tem 237 escholas, frequentadas N.as demais províncias o numero de pessoas havia mais azas á cortar. Marido e mulher re­
por um indivíduo cm 48,9; do ambos os sexos, que froquoutam escholas, solveram cortar uma côxa da gallinha e dal-a
Saneia Catharina, que, com uma população diminue consideravelmente. ao pobre, que então deu-se a conhecer com o o
de 200,000 habitantes e uma renda de 267,418$, A Bahia, Rio dc Janeiro e Pernambuco, qu? proprio Christo.
sustenta 133 escholas,frequentadas por um alum­ cm razão dc sua crescida população o conside­ O homem pobre e sua mulher foram para o
no em 48,2; ráveis rendas, poderiam dar o.exemplo de amor paraiso, o rico para o inferno.”
Pará, que tem 350,000 habitantes e .......... á instrucção, mostram pelo contrario, c não sa- Com toda essa simplicidade ouviniol-a e re-
1.000,000$ de rendn, despende 242,100$, pos­ bomos a causa, verdadeira aversão ao estudo. produzimol-a. Falta nosso resumo a parte dia­
suindo 142 escholas, frequentadas por um indi­ Desculpem os bairristas, mas nós falíamos com logada entre o homem pobre e sua mulher,
víduo cm 51,4; a eloqucncia dos algarismos, e quem quizer ve­ afim de descobrirem o modo por que haviam de
Alagôas, cuja população 6 de 300,000 habi­ rificar o que dizemos poderá consultar o —Novo dar esmóla ao mendigo, parte dramatíca, onde
tantes c a renda 6 de 079,974$, tem 212 escho- Mundo, u. 25, de 23 de outubro dc 1S72. por vezes apparecem argumentos positivos e
O TRABALHO
pratico*; do um.i bòsi dona de eaVa, o q io d j io* cantadora, e nós ouvimos os seus estribilhos A mythologia e utn dos factos que mais for­
t:i agrando verdade do sentimento «tue presi­ cantados por creanças, muitas 0 diversas vo­ temente actuam sobre a poesia, mas não é uma
de á lenda. zes. Serve tambem frequentemente pata can­ mythologia official c «lo cartilha, como essa que
O povo tem d1estas parábolas, onde oucarna tiga de berço. os padres ensinam, (4) 6 a mythologia natura­
em factos materiacsos seussymbolos e abstrac­ EUc parece-nos portuguez, por causa da en­ lista, que nasce espontaneamente do espirito
ções. «letal modo, que parece á gente poder to­ tidade jardineiro que nos não é eommum, com do povo. que se formo com a sua lingua, que
car os personagens syir.b«>lisadps. N'esta lenda, essa denominação, nem frequento em os luga­ estabelece as bases de sua religião, que tom os
assim como em outras que qjljpitarào adiante, res onde o ouvimos nos costumes populares. seus heroes, os seus semi-deuzos, que 6 0 facto
esta verdade salta aos olhos. > Si, em lugar do jardineiro, fosse 0 feitâr, o es­ primitivo 0 talvez inicial do despertar intellec­
Os romances de Santo Antonio o a Princcza cravo, o moleque, então diríamos com certeza tual de 11111 povo.
e de Santa Iria a Fidalga, que vôm logo de- ser cllc brasileiro. Ha, porem, o capimzal, que Esta mythologia nós respeitamos, mas a ou­
pois do Jesus Mendigo, nos sam desconhecidos. não ô portuguoz. Portugal symoolisaria os ca­ tra.—desprezamol-a.
O Romance da Vevota da Ermida também bellos pelo trigo, pelo contcio, pela aveia, por Vamos-nos, porém, aftastando do assumpto
nos não é conhecido, mas ha n'elle um lugar outra qualquer planta, mas não pelo capim. (2) principal. Deixemos essas crenças supersticio­
que se baséa no mesmo elemento maravilhoso Mas este facto,talvez, seja explicado pela apro • sas 0 voltemos ás lendas.
(lo milagre, epie se encontra em um romance priação que se vai fazendo lentamente (1o ro­
muito corrente 110 Maranhão e 11a Bahia, e ao mance, e que não está ainda completa. E1 que
qual intitularemos da Madrasta, romance que o povo, no trabalho da transplantação, trans­
vem desenvolvido c aformoseado nos Cuentos forma primeiro aquillo que lho improssiona Como curiosidade daremos ao leitor o resumo
de C obr de Rtsa de L>. Antonio de Trueba, mais os sentidos, 0 a natureza que o coroa 6 a da lenda do Jaboty, quo resa assim:
somente quanto á feição anfipathica da madras­ primeira a fornecer-lhe similes para essa ela­ ‘ Havendo uma festa 110 céo, cm honra de
ta, e cremos que (citamos de memoria) ms borarão. N. Senhora, todos os animacs foram convida­
Contes Rlctt* de E. Laboulayo. *** dos. O jaboty, como o mais moroso (Volles, n lo
E' a mesma tradicçuo que se encontra no Ro­ tinha meios de transportar-se ao céo. (õ) Pcdio
mance do Conde Alberto, da lição de Garrott, A devoção da virgem tem sido umaíonte pc- então ao urubu (corvo) que 0 levasse. Accedou
quando uma cren<;a falia no seio de sua mão. renne de tradicções para estas lendas. este 0 deitou-o ás costas. Quando chegou á uma
Esse elemento, 110 Romance da Devota da Entre nós cilas formigam. Tomos algumas certa altura, para fazer mal ao jaboty, atirou-o
Ermida, está n'estes versos: verdadeiramente nossas, como a do Jaholy, de de cima de si, vindo 0 pobre animal quebrar 0
que diante se fallará. casco n'umos pedras sobre que cahio.
Prcnhadinha de oito mezes Um paradigma, por exemplo, da Oração do A virgem então desceo do céo, unio os pc-
para os nove corria; dia de Juizo (versão do Minlio) encontra-se en­ «l:i.v>s «lo casco «lo jaboty, deu-lhe vida, aben-
no cabo de nove mezes tre nós na lenda de uma mulher pobre e sel­ «;óòu-o o amaldiçóou 0 urubu.”
um lind«» cantar se ouvia. vagem, que só sabia dizer estas duas palavras D ahí, conclúc o povo, a rasão do jaboty ter
Abriram a sepultura — Avc-Maria, mas as dizia com tanta devoção, o casco cm mosaico, formado por polygonos
onde a encontraram parida, que salvou-se quando morreo. mais ou menos regulares, c poder-se guardar
com uma menina nos braços Esta lenda, seja dito de passagem, parece- preceito com a sua carne, e a rasão tambem do
* que se chamava Maria. nos comtudo invenção ecclesiastica, e, 0 que ó nrubú ser ave maldita.
mais, jesuítica. Nilo temos, porem, documento No interior das províncias é crença que não
0 romance brasileiro (?) é 0 seguinte: algum para provar esta asserção, que fica sendo se deve atirar cm um corvo, sob pena de que­
“ Um ffuvo tinha duas filhos, meninas'ainda, uma méra hypothese. brar-se a espingarda e nunca se poder ma tal- 0.
o casou-se com uma mulher má. Esta tomou A mesma crença so dá para coiu a oração de O facto de destelharem-se todas as arvores em
raiva ás pequenas, e mandava-as todos os dias N. S. do Muntserrato, de origem portugueza. que os corvos fazem pouso, cremos que devido
vigiar uma íigueira, para que os pássaros não Pelo interior das províncias, é raro encontrar- ás suas secreções, 6 tambem apontado o:>mo
comessem os figos. Castigava-as asperamente, se um homem 011 uma uullier, sem a sua ora­ oouscquencia de sua maldição. O corvo quando
quando acontecia faltar algum figo, e sempre ção do Montserrate a-> pescoço, cosida dentro morre, diz o povo ainda, secca ao tempo e nem
achava rasCes para dar-lhes pancadas. As me­ de uma bolsa -lo couro ou polimento. .as formigas 0 comem.
ninas pediam á Virgem que as piotegessc. A influencia das missões e dos missionários A maldição acha-se ainda manifestada na
Um diú,em que o marido foi fazer uma via­ sobre o povo é a rasao mais plausível para ex­ lenda das Siiúbas (grandes formigas), que tem
gem, a mulher manda enterrar vivas as peque­ plicar estas lendas modernas, e esta especio do plgnma cousa de eommum tambem com 0 As-
nas, e, quando o marido chega, ella as dá coino fetichismo creado pela ambição dos padres. hareras e com 0 Fausto.
tendo morrido naturalmente. No logar, onde E’ assim que as orações de S. Braz, de San­ l)al-a-hemos ao leitor, c faremos rosaltar es­
toram enterradas as meninas,nasceo um bonito ta Barbara e S. Seronymo, de Santa Ilelena, sa semelhança, para que elle não julgue ser in­
capinzal, (1) que, quando 0 vento soprava, re- de Santa Luzia, os leites de N. S. e outras frio- venção imaçinosa do nosso cercbro.
§oová cm um estribilho constante que dizia: leiras d’esta ordem,sam decoradas e trazidas ao Eis a lenda das Saúbas:— “ Uma saúba fez um
pescoço, para livrarem das moléstias de gar­ s,elli"izinlio de cèra e deitou-o sobre uma pedra.
X ô ! x ô ! xô ! passarinho, ganta, dos trovões e dos raios, para sonhar com Quando veio procural-o, achou-o dissolvido
não comas o íigo da minha íigueira. quem se quer e advinliar o que sO deseja saber, pelo calór do sói. Perguntou então á pedra:—
.¡1 para curar doenças de «»lhos e, finalmente, para ós tão valente que derretes o meu sellim de
Este era o estribilho .que as meninas canta­ impedir que o leite seque nos peitos. Devo-se côra? —A pedra respondeu’.— eu sou valente,
vam, quando, vivas ainda, iam vigiar a figueira. concordar que uma tradicção fundada n’estes mas 0 sol osquonta-me. Dirigio-so a saúba ao
O jardineiro da casa veio participar ao amo princípios é defeituosa forçosamente. sol:—és tão valente que esquentas a pedra, a
oquelle succosso e não foi acreditado. Finalmen­ Isto, porem, já não entra no nosso program- pedra que derréte o meu sellim de côra?— Sou
te, após muita tenacidade do jardineiro, con­ ma. Sam crendices impostas pelo interesse dos valente, mas a nuvem me encobre. A. mesma
senti o o amo em ir ouvir com seus proprios ou­ propagandistas da fé christl, que as mais das pergunta feita á nuvem, no mesmo estribilho
vidos o facto milagroso. Foi e ouviu.— Pois vezes, sinàc sempre, estragam 0 derrancam a sempre repetido.— Sou valente, mas 0 vento me
amanhã cortarás este capim todo, disse 0 amo inspiração popular, a comprehensHO da nature­ desmancha.— 0 vento diz que a parede 0 faz
oo jardineiro. No outro dia o jardineiro foi ao za, e matam a poesia ou a d^síiguram, que ó parar, a parede diz que o rato a fura, 0 rato
serviço, e, mal deu a primeira foiçada, eis que peior do que ifrataVa. (3)’ ff que o gato 0 come, o gato que 0 cão u
se levanta um novo cantar das profundezas da } ** mato, o cão quo a onça 0 devora, a onça
torra. Esso cantar dizia: (2) A o cantarem este romance, 0 nom ec qua­ que 0 homem a mata c o homem que Deus o
lidade do capim muitos vezes eram diios o ex­ aniquilla. A saúba vai ter com 0 Omnipotente
Jardineiro de meu pae, plicados. Algumas vezes e mais irequoutomen- e repete-lho 0 estribilho:— Pois, Deus, és tão
não me cortes meus cabellos l tc era o capim chamado de colonia, de outras valente que matas o homem, que mata a onça,
minha mãe os penteava, era a laboqainJui.
minha madrasta os enterrou! (3) Note-se,por exemplo, a diíForença que vai dro Joboatão. Encoiítramos cm Porto-Seguro
das lendas que aqui citamos, da frescura, e da a fonte de N. S. da Victoria, junto á igreja, quo
Corre 0 jardineiro a dar a noticia ao amo, que originalidade simples iVellas, para outras que . gosa dos predicados milagreiros, a do Morro de
vem ao eapinzal e ouve 0 mesmo cantai*. Man­ andam espalhadas tambem, é corto, mas que S. Paulo e a de uma fazenda— Outeiros—, que
ila cavar o lugar «e encontra suas fillias, vivas sam verdadeiros pastiches fradesccS. Assim é a tom a mesma fama.
ainda, por milagre de N. S-, de quem eram do S. José de Uiba-mar (do Maranhão), appro- (4) Pôde haver alguem que desconheça a pro­
devotas. Dcs cabellos das meninas havia nas­ veitada por Flavio Rcimar, c artisticamente priedade da qualificação—mythologia dada á
cido o capimzal. I)e volta á caza, encontrou-se contada, por elle no sou livro (citamos do me­ santaria do kalendario, mas quem reparar bem,
o marido com a mulher morta. Era o castigo moria) Entre 0 Céo e a Terra Como esta, com sem prevenção,' reconheccl-a-ha como verda­
dado por N. Senhora.” a mesma acção, as mesmas circnmstancias, ha deira. Falíamos principalmente com relação á
Esto romance tem uma frescura infantil en­ outras na Bahia. Veja-se a de N. S. da Graça mythologia grega.
(Bahia), N. S. de Nazareth (Pará), a de diver­ (5) A chronica não resa o com o se operou o
(1) Semelhança com os romances de Tristansas fontes milagrosas í^aquella provincia, e que transporte dos outros quadrúpedes, nem si elles
' ct Isult e do Concie Niflo. vôm narradas uo Novo Orbe Seruphico do pa- lá foram,
G2 O TRABALHO
que com c o cachorro, que mata o gato, que co- Nó* a com prebendemos n’csta parto, por cau­ aes viveriam essa vida agitada c laboriosa que
me o raio, que fura a parede, que faz parar o sa do sou caracter religioso, que está encarnado viveram os apostolos.
vento, que desmancha a nuvem, que encobre no castigo, o não por que a julgássemos pura Si os papas, esses vigários de Jesu-Christo,
0 sul, que esquenta r» pedra, que derréte o meu lenda piedosa, como a «lo Jaboij, por exemplo. modelassem sua vida pela «le seo mestre; si elles
sellim de cèra?— Sou valente, respondeu-lhe Uma ultima confissão antes de deixarmos se imposessem, por exemplo, sua pobreza, seos
Deus, e, para castigar a tua curiosidade, con- este assumpto. As lendas que aqui transcreve­ trabalhos, sua doutrida, seos solVrimentos, seo
demno-tc á carregar folhas por toda a tua vida mos não levam a verda«leira redacção popular, desapego ao mundo; si tomassem ao serio os ti-r
sem parar.” por não podermos havel-as por escripto, e ape­ tulos de pac c d^pantidade «pie se lhes dú; «pie
V eja o leitor agóra toda a philosophia quo nas conservam todo o sentido em sua inteireza, mortacs seriam mais dignos de lastima? Quem
resumbra d’ossa fabula. E’ o eterno facto da porque as sabemos de cór. quereria comprar a peso d’oiro semelhante posto?
curiosidade do saber, da indagação das causas A das saúbas poderíamos cscrevêl-a com a (¿uem quereria mantel-o pelo ferro, pelo veneno
primarias, da sublime tenacidade pesquisadora redacção popular, e lizsmos quasi assim, mas ou pela força? Ah! de que vantagens sc pri­
do sabio c do philosopho, do typo sempre novo deixamos de parte a repetição monotona da variam os pontilices, si adquirissem um dia a
do Famto encarnado n'um animalsinho que saúba em suas perguntas, por tornar-se aborri­ sabedoria, que digo, a sabedoria, mas um só
trabalha sempre, que carrega folhas, que edi­ do. grão desse sal d« sapiência, de que falia o Chris-
fica, que tem suas cidades subterrâneas, suas Passaremos áO* o ultima parte «lo ftoinanwi- to ? De «pie lhes sorveria c*nt o tudo que oscer-
divisões departamentacs, seu governo, seu mo- ru (T. ’>1") que cotejamos. ea, —as riquezas, as honras, o poder, os trium •
narcha, seua ministros, sua administrarão, sua plios, os benclieios, os reditos, os impostos, as
política, sua economia e que. finalmente, seja Contin tia. indulgências c os pruzeres de toda espeoic ?
dito cm honra da verdade, devasta uma plan­ O k í .S *) t)K M AU.U.lIAr.- Como vedes, u lUta ó breve, mas significativa.
tação qualquer com uma presteza aterradora. Tudo isto dosapparecoria para dar lugar ás vi -
A saúba 6 o terror dos lavradores. Hasta o es­ gilías, aos jejuns, ás lagrimas, ás orações, ás
paço de uma noite, para ellas darem conta de pre licas, aos estudos, á penitencia, a mil outras
uma horta inteira, do um fcijoal viçoso e que ERASMO E A EGREJA ROMANA mortificações «leste gonero. Mas, si tal aconte­
custou muitosdíasde trabalho,ou de umjar lim. cesse, sabeis acaso o que se pudoria fazer do
Os arbustos fica.ii somente c«mi os galhos, com­ ( k i .o g i o d a loucura) todos esses scribas, todos esses notários, todos
pletamente despidos, e d'ahi vain á morrer. esses advogadosjde «pie serviria «iste exercito do
Pois bem, n’esse animalsinho, dizíamos nós, . . . .O s príncipes não sam os unicos que le­ promotores, de secretários, de arrieiros, dc
está symbolisada toda uma philosophia, que vam vida alegre; seguindo a mesma trilha, os escudeiros, do banqueiros e de proxenetas ?— E
tem lá em cima Deus, para gastigar o arrojo «lo papas, os car«leaes e os bispos, se mostram seos poderia accroseentar ainda muito outros, si ivio
homem, com o castigou á Proinethco. dignos cm ilos, sinão c«>s superiores. receiasse ferir os vossos ouvidos. Em suinnia, es­
Na lenda ha o lado da curiosidade, que par­ Talveis (piizesseis também que toda essa ta multidão de funccionarios tão onerosa...tão
ticipa do Fausto, c ha o lado «lo castigo—o ca­ gente tivesse semp o em menoria «pie suas al­ vencravei, quero dizer, para a santa sé, seria
minhar continuo—, que acotovella o Asluivc- vas túnicas dc linho lhes aconselham que I vem coiidcmiKuht a morrer de fome. Seria uma cou­
rús. uma vida irreprohensivcl; que sua mitra de sa verdadeiramente abominavel c ímpia; mas
Chamem-nos embora de visionário, mas o d«ms cornos, ligados por um nó somente, sig­ não seria pcior querer reduzir ao bastão e á
quo c certo é cjíi c este 6 o nosso modo de pen­ nifica que elles «levem reunira sciencia do Novo saccola os chefes da egreja, esses verdadeiros
sar, c nós o dizemos franca c abertamente. c do Velho Testamento; que as luvas que prote­ tachos «lo mumlo? Nào temamos por elles taès
Bom como, nos lugares por onde passava o gem suas mãos sam o emblema do desinte­ desgraças; nos dias de hoje, elles «ieixarn a
Ashavdrus, ia ficando a morte, a peste, a de resse nas funcçòes sagradas de seo ministério. S. Pedro e a S. Paulo, que toem t.em^o dc s«>-
solaçío, assim, n’aquellcs lugares onde as saú­ Talvez quizesseis «pie tão altos dignitários bra, as fadigas e trabalhos de seo estado, con ­
bas 1‘azcm casas, nota-se o mesmo despovoa- pensassem nesse baculo «pie recorda o pastor tentam-se c.oni guardar para si as honras e os
mento. O aspecto «le um saúb.il tem toda a velando pelo seo rebanho; nessa cruz que elles prazores. Nfto temais nada, eu vélo pelos meos
tciçOo triste, melancholica c acabrunhadora «la trazem ao peito como symbol«> de sua renuncia papas, esmalto-lhes a vida do volupias, banin-
devastação. ús paixões! Mas, si taes fossem suas preocou- do-lhcs os cuidados. CJraças a miin, elles julgam
Sobre o terreno fóto e areiento, cíleito dos pM/õcs habitnaes, o que lhes seria a vida, mais ter amplamente satisfeito ao Christo,quando,de­
trabalhos subterrâneos que as saúbas fazem, do «pie uma longa serie de tristezas c cuidados? baixo de seos ornamentos mystieos, eu ia dizer
levantam-se os esqueletos dos arbust«>s, seccos, Muito teom o que fazer os nossos prcla«los de theatracs, em ccremonías cm que se lhes pro-
escuros, desfolhados, hirtos e como atbgados h«)je com apascentarem-se a si mesmos; quanto digalisa os titulos de santidade ede reverencia,
pelas ondulações artificiacs do terreno afôfado. á guarda de suas ovelhas, eonliain-na de representam o seo papel dc bispos com grande
Aqui e alli apparcccm grandes olhos redondos. boa vontade ao Ghristo, ou antes descarregam prodigalidade de anathcmas e dc bênçãos. Mui­
Sam os respiradouros que entram obliquameuto todos os seos cuidados sobre os monges que to mais do que isto poderiam elles fazer, pode­
pela terra adentro c vam ter ás casas das saúbas. chamam seos irmãos e seos vigários. Chegam riam talvez renovar os milagres dos apostolos,
0 terreno todo adquire uma còr avermelha­ até mesmo a es<pieeor o seo nome dc bispo que mas isto é muito velho c é preciso ser do seo
da, com o que ensanguentada. Os passaros, que quer dizer— trabalho, vigilância e solicitude. século; poderiam instruir o povo, mas isto é
alli não encontram sombra, fogem para longe e Que se trate, porem, «le arrebanhar escudos, tatígante; explicar as santas escripturas, rnas
nunca pousam nos galhos dos arbustos. A ve­ então sam bispos, tres vezes bispos. é pedantosco; orar, mas é perder tempo; chorar,
getação de derodór é toda fanada e rachitica, Com rela«;ão aos cardeaes, o caso não seria mas só diz bem nas mulheres; ser pobre, mas
em rasão do solapamento continuo e progressi­ ditferente, si rellectissem «pie, pretenden­ é viver miseravelmente! Teriam tambem que
vo das saúbas. do haver succedido aos apostolos, incontesta- ceder algumas vezes, mas como se resolveria
E' triste de vòr-sc! vel direito nos assisto do exigir delles tudo a tazel-o esse homem que admitte apenas os
Assim com o o Ashavérus, ver-se-ha ainda a quanto faziam seos predecessores, o sobre tudo mais poderosos, reis a beijar-lhe os pés? Res-
saúba sempre á caminhar, á trabalhar. Quer se­ se se considerassem, não como proprietá­ tar-lhos-hia ainda morrer, mas é pouco diverti­
ja de manhã, de noite, á tartle, ao meio «lia, á rios, mas somente com o administradores dos do; sollVero supplicio da cruz. mas é infamanto
qualquer hora, nas largas estradas, atravessan- bens da egreja, dos «pia.es entretanto sua avan­ hoje.
d«)-asde um lado á outro, enxergam-se grandes çada edailo lhes está quasi sempre a dizer que Restam, pois, aos santos padres por unicas ar­
listras vermelhas ou negras, com pequenos pon­ estam prestes a dar contas. Pois admitti tam­ mas essas bcn«;ãos de que falia S. Paulo, e das
tos verdes, á moverem->e regularmente sem bém que ss. eminências lancem um olhar philo- quaeSjCoui elfeito,uuosam avaros. E' mesmo um
parar. Sain as saúbas que trabalham. sophico sobro suas vestimentas,— ver-sc-hiatn gosto vel-os distribuir interdic«;õos, suspensões,
Chegando perto d’esses cordões, ha-de se ver forçados a confessar «pie o ro«iuoto lhcs]lbi dado censuras c anathemas, sem comptar os espan­
como umas vam e outras voltam, sempre atare­ para indicar a innocenoia de seos costumes, e talhos do diabo, de que elles abusam,e esse terr
fadas, encontram-se, tocam-sc, como «picsc fal­ a sotaina do purpura o seo ardente amor do rivel raio que, de um só golpe, precipita as al­
iam, mas não deixam nunca de caminhar para Deos; que o longo manto que se desdobra cm mas dos mor taes muito alem das profundas dos
frente. Os pedacinhos de folhas vam presos nos ondas até os pés do prelado occulta completa­ infernos. Este ultimo instrumento serve prin­
dentes c erguidos para o ar triumphalinente. mente sua mula c poderia tambem cobrir um cipalmente aos pontífices, esses muito santos
Se alguein com o pé desmancha a<iucllos camello, quero dizer,esta iramensn caridade que padres em Jesu-Christo, do quem elles sam os
cordões, ou collóca algum estorvo á marcha das de seo coração sc devo estender por todas as vigários, para ferir sem commiseração alguma
saúbas, ellas tornam á reunir-se do novo, obs­ necessidades, isto é, esta caridade «pic consiste todo aquolle que, a instigações de Bclzcbuth,
tinada o ordenadamente, sem que nenhuma so cm ensinar, exortar, consolar, advertir, termi­ tenta defraudar um pouco o patrimonio^do S.
transvie, ou então fazem uma curva para sal­ nar as guerras, resistir aos caprichos do prínci­ Pedro! Porque este apostolo que disse no Evan­
var o empecilho «jue collocaram *em sua passa­ pe, e derramar, si lór preciso, seo sangue pelo gelho: c%Tudo deixamos nós para vos seguir” ,
gem, si é que o não podem galgar facilmente. rebanho do Cliristo, e não se limitar a esbanjar possue hojo campos, cidades e vassallos, levan­
Em tudo o cunho da actividade, «pie desper- seos thesouros.—Thesouros, disso eu, mas por- ta impostos c vive como um nababo. E para
1ou a lenda que transcrevemos, que é nossa, que rasão hão de ter thesouros os succcssores conservar o seo patrimonio,os pontífices,deixan-
inteiramente brasileira, filha do meio onde uas- dos pobres apostolos ? —Com semelhantes re­ do-se tomar dc um estupendo amor por seo di­
eeo, participante de todos os caracteres d’essc flexões haveriam menos ambiciosos que aspi­ vino mestre,não teem o meuorescrupulo de usar
meio, crnbóra se possam encontrar cm outra rassem ao chapéo; dc boa vontade se subtrahi- do ferro o do fogo e de derramar o.sangue chrís-
parte paradigmas para ella. riam á unia tal honra, porque, então, os carde­ tão. Nào menos teem elles a audacía dc dizer
O TRABALHO
amiüht ;i tues horas so hado abrir sepultara na * * Um outro grupo pulava c saltava adiante de
Igreja e haveis do sor enterrado vivo.” (0) um boi, cujo arcabouço era de madeira, cober­
O pobre mestiço, obedecendo corno verdadei­ Desojaríamos comparar com as nossas, ponto to com pannos pintados (1).
ro automato, ciiiilossoii-.se, comm'ungou e pre- por ponto, as cantigas, os fados, as orações e as N o meio de tudo isso os fadistas, os trovado­
parou-.se para morrer. Terminadas as coi enlo­ cantiga» de Rei»,que vêm no 2. volume do R o­ res de rúa, com os violoo? culi talhados, á can­
mas religiosas, foi o condeinnado lançado na manceiro, já por vezes citado; mas não o faze­ tarem desentoada e lugubremente modinhas em
•jova. e ia deitar-se-lhe terra em cima, quando mos por uma rasão valiosa:— si escrcvessemos tons menóres. E’ o fundo do quadro.
o irmão Pedro Corróa, já ile antc-inão indus­ um livro,poderíamos trabalhar n'cssc sentido, já O variegado dos vestuarios ajudava a belleza
triado, poz-se de joelhos c pedia com lagriman pelo maior espaço que teríamos á disposição, do panorama. Os jaqués encarnados, os calções
nos olhou (a<sim rosa a Iradiçòo) o perdão do já por outras circumstancias de muita monta. de cores, os chapeos mais ou menos phantasio-
nceeador. Ceden Nobrega, o, simulando mise­ Ser-nos-hia preciso citar e transcrever esses sos, as fitas, os laços, os ramos de flóres, faziam
ricordia, deu-lhe liberdade e despediu-o da versos todos, o isto, para um jornal, não é de um conjuncto original.
companhia. muito interesse. Os assignantes cançar-se-hiam Foi onde já vimos o espirito popular rnais
Msta farç.a grosseira, intentada com o fim de e teriam grandes bocejos o pequenas maldições pu roe mais dcsprcoccupado. A razão d’ísso cre­
provar a justiça da ordem de Loyola, dá idea para o author d’esses dosenterramentos. mos encontral-a na posição em que se acha
do um Deus viugalivo e cruel, e pode tornal-o Entretanto, nada seria tão interessante. Vaiença.
timído e não amado e respeitado sobre todas Apczar d’ isso, faremos algumas ligeiras con­ H a alli’duas grandes fabricas de tecidos, que
as cousas. siderações acerca d’esscs costumes e festas po­ empregam de 300 á 400 operarios, entre homens
ICstas scenas seriam sufiicientcs para serení pulares, cuja herança nos ficou e continuamos á c mulheres, sondo maior (mais de duas terças
os padres recolhidos cm mu hospital de aliena- guardar. partes) o numero d’estas. Além d’cstas fabrica^
nados, si o governador não fosso fanatico apre­ As festas do Natal, do Anuo-Dom (Janeiras) ha oulros dc serrar madeira, de soccar arroz e
ciador da companhia, cujas acções nao onzava e de Reis sam as mais populares em nossas pro­ do tazer tijollos. De sorte que a população acha
coudcmnar. vincias, c cremos que muito semelhantes ás de campo para o desenvolvimonto de sua activida­
Afortunadamente, ha ainda mn bom sonso Portugal. Pelo menos o. sentido das cantigas de, e vive na paz e no agasalho, que provém
natural, que ri dessas phantasmagorias vãs, e que n’ellas se cantam é o mesmo que o das por- de uma educação feita no regimen do trabalho.
não se deixa facilmente illudir. tuguezas. O espirito não se deturpa, nãoé levado pela
Voltaremos ao assumpto. Nas provincias do Maranhão e da Bahia, on­ ociosidade ás consequencias dos trabalhos da
de nos parece ter encontrado mais puro o es­ imaginação, a moral não se mutila, e nos dias
t'l.K M K N T i.N O I.IS H Ó A . pirito popular n’cssas festas, ellas sam feitas de dc folga o operario expande-se francamente,
um modo que alegra o coração e faz bem á divertindo-se, cantando, dançando.
alma. Foi onde já encontramos menos desenvolvi­
Os bandos de pastores, uma lembrança tal­ da a prostituição. As casas publicas c as mu­
A POESIA POPULAR BRASILEÍRA vez do theatro hierático, o canto dos lieis, os lheres equivocas pouco so encontram alli.
bailes e bandos de S. Gonçalo, outro arremedo A s raparigas trabalham nos theares, á muda­
dos antigos Autos, as festas de arraial, do Es- rem as lançadeiras, á encherem as canellas; teem
VIII pirito-Santo, tudo isso é de um sabòr tão cam­ casa, comida, medico e ctc., mesmo no estabe­
pestre, tão do povo, que encanta. lecimento da fabrica, roupa do trabalho, e ga­
Das onze a'.acaras que formam osta 6* e ulti­ No Maranhão c na capital da Bahia a canti­ nham mcnsalmento dc 6:000 rs. a 15:000 rs.
ma parte do volume 3- do Romanceiro do Th. ga dos Reis já intrometteu-se pela sociedade (segundo nos informaram), conforme o trabalho
Braga, somente' uma nos é conhecida— a da abastada, e é uma diversão da alta burguezia. que fazem.— Aos domingos e dias santos ha
Moreninha. Não c raro ver-se, cm vespera de Reis, ban­ duas horas do dança nos salões da fabrica. A
Às outras sam-nos extranhas, a não sor uma dos de moços e raparigas que se reunem, com musica é mesmo composta do operarios. Prin­
ou outra rcminisccncia vaga de alguma co ­ uma orchestra mais ou menos completa, na cipiam ali os amôrcs, fazem-se ali òs casamen­
pla, isso mesmo truncado e indeciso. scintillação dasjoias o das ricas toilettes, no tos o formam-sc as familias.
A xacara da Moreninha, bm bram o-nos têl-a gorgeio das risadas chrystallinas, no tiroteio V e-se que uma populaçio educada n'um re­
ouvido, e ficou-nos lembrança completa, desde o dos bons ditos, no cruzar dos olhares, na fami­ gimen d’cstcs por força que lia-do ter alguma
lugar onde principia: liaridade franca c honesta do parentesco, da cousa dc bom.
amisade, da convivencia, não é raro ver-se essa Durante 5 dias do festas, quasi seguidos, que
Abre-me a porta, morena, sociedade parar á uma porta fechada, erguor as lá passamos, não nos consta que houvesse uma
inoreua da minha alma, vozos casadas, entoar n’ uma toada, monotona cabeça quebrada, uma facada, uma cacetada.
ás vezes, mas doco, saudosa, popular, os versos Notamos tainbem poucos homens embriagados.
até onde finda o dialogo entre marido e mu­ om se que festejam o nascimento do Christo e os Isto que dizemos, prova-se mais com o facto
lher: amôros maternos de Maria. A porta abre-se en­ que observamos para o Sul da Bahia, em Porto-
tão de par, em par e os cantores entram, n’uma íSeguro principalmente, onde a pobreza da po­
Que o melhor coelhinho pulação, a indolencia, a falta de trabalho dá-lhe
é o que sahe do madrugada. onda colorida e perfumosa, no meio de risos e
felicitações. Uma meza acha-se quasi sempre um tom melancholico o um genio taciturno.
profusamente servida. Os donos da casa O Natal, que vimos em Porto-Seguro era
O final tambom nos é conhecido e temol-o buscam por todos os meios agradar as visitas, o mais de entristecer que de alegrar. Cifrou-se
na memória, tal como vem na versão do Porto, a festa na missa do gallo.
estas saliom finalmente, para irem á outra casa,
sem o final que lhe dá Garrett, aliás bellissimo e assim correm tres ou quatro n’ uma noite. Na Nem um cahto, nem uma folia, nem um gru­
e de muito sentimento. ultima casa visitada acaba-se a festa com a po, nada. Apenas dois presepes acantonados
Os versos que conhecemos sam estes: tristemente ao fundo de duas salas.
dança.
N ’essas festas tem-se substituido os versos Porto-Seguro, pela sua posição á beira-mar,
“ Donde vindes, mulher minha, populares por outros mais correctos, porem pelo gonio aventureiro de seus {tascadores, quo
que vindes tão insentada? monos simples e bonitos. Gonçalves Días tem vam ao mar largo em procura da gorôpa, pelo
Ou tu me temes a morte, uns versos de Reís, que hoje se estam popula- genero de industria á que se dam os seus habi­
ou tu não és bem fadada!” risando no Maranhão. O author d’estas linhas tantes na construcçao de barcos (2), poderia
“ Eu a morte não a temo, já pagou também o seu tributo, fazendo uns ter alguma originalidade na sua poesia, nos seus
pois d’ella hei-de morrer; para serein cantados na Bahía. costumes; mas não tem. Porque ?
temo s6 os meus íilhinhos, Em Vaiença (Baliia) foi onde vimos fazerem- Algum dia talvez escrevamos alguma cousa
d’ outra mãe podiam ser.” se com mais variedade e mais cunho popular as (impressão de viagem) sobre a Bahia, e então
“ Confessa-te, mulher minha, Janeiras. entraremos em explorações que não cabem aqui.
faz acto de contricção, O aspecto da industrial cidade apresentava N o Maranhão as festas sam as mesmas, com
que te não tornas a ver então um aspecto maravilhoso o surprehen- pouca differença, que so fazem na Bahia, com
nos braços de frei João.” o mesmo cunho popular. A Chegança substitue
dente. . •
Pelas ruas formigava a população. Um gru­ o brinquedo dos marujos e o bumba-meu-boi ao
O final, da licção de Garrett, damol-o aqui aopo vestido á maruja conduzia u tl pequeno na­
leitor, somente por curiosidade, e não porque o vio armado de ponto em branco, com vélas de
tenhamos como genuinamente popular, visto sêda e cordame de linha, montado sobre quatro (1) Quando tratarmos dos romances de va­
a tendencia que tinha Garrett para os rifaci- i odas, embandeirado em arco e puchado por queiros, fallaremos do Bumba-meu-boi, como se
mentos. cordas. faz no Maranhão. Na Bahia elle nao tem his­
Cantavam versos daAfóo Catherineta, fado toria nenhuma nem symbolo á representar: é
Levaratn-n’a ao convento, do Marujo e lupas (cantiga de levantar ferro). apenas um motivo para beber-se e ganhar al­
N ’ uma tumba amortalhada: Outro grupo apparecia mascarado. Na fren­ guma cousa nas casas em que se dança.
Surria-se o frei João, te um individuo montava um cavallo de páo,
E o m arido.. . .é quem chorava. vistosamente ajaezado de galões falsos,e fazia-o (2) Quando lá estivemos havia 9 ou 10 bar­
dançar ao som dá musica e do canto áspero, cos nos diversos estaleiros. Note-se que a fre-
(6) S. de Vasconcellos. Obra cit.— li v. 2. acompanhado de pandeiros e pratos. guezia pode ter de 4 á 5 mil almas.
70 O TRABALHO
cavullinho. A caipora é outro divertimento po­ — Oh meu pao, senhora mãe, gens e explorações no norte do globo; visitan­
pular do Maranhão, que fazem por S. Jofío. A me bote sua benção, do quasi todos os lugares já visitados anterior­
policia tem ultimamente procurado acabar com abrace bem apertado mente pelos Scandinavos; compondo ambos
estas festas. • o meu maninho João. uma Carta e escrevendo uma Relação do suas
Em Pernambuco temos notado apenas o se­ Meu pae, senhora mào, viagens, posteriormente publicadas (em 1558)
guinte, durante os cinco annos aqui passados: me bote a sua benção; por Catharino Zeno, neto dc Antonio;.
—uma população activa, mas sinceramente in­ lembranças á D. Maria, Apezar das incorrecções e erros de copia
teresseira, commercial, ambiciosa, rusguenta, lambem á D. Merencia dos trabalhos dos irmãos Zeni, Maltc-Brunn re­
provocadora c cheia do si. O terceiro estado, A minha alma entrego á Deus, conhece quo elles tinham estado na Terra Nova.
onde se estuda e pode se encontrar o elemento o corpo á torra fria, a que chamaram Estotiland, palavra, que, se­
popular, é inteiramente chato e anthipatico. a fazenda e o dinheiro gundo o dito autor, parccc Scandínava, e equi­
O matuto 6 estúpido, mas não 6 muito bri­ entregue fí D. Maria. valente ás palavras inglezas—East-out-land—
gador. O capadocio 6 intolerável. Temos assis­ — Cala a bocca, meu D. Jóca. (terra á leale exterior), o que perfeitamente con­
tido á diversas festas de arraial, populares, a Ponde o coração cm Deus, vem, pela sua posição, á Terra Nova, a Helle-
presepes, sambas o ctc. Nunca nos aconteceu que este copo dc veneno land do Leif.
ser recebido franca e hospitaleiramente Ha quem te ha do vingar sou eu. Portanto os irmãos Zeni tinham também vin­
sempro desconfianças, meias palavras c olhares — Já acabou-se, já acabou-se, do á America.
provocadores. No fim contam-so algumas b o­ oh flor do Alexandria! Em 1480, segundo se lò na Corographia JJra-
fetadas, pucham-se por vezes as navalhas e Com quem casará agóra silica do Padre Casal, chegou á ilha da Madei­
perfuram-so não raras os ventres dos assisten­ aquclla Moça Maria? ra, uma caravella, completamente desarvorada,
tes. Já acabi>u-sc, já acabou-se, trazendo por toda equipagem o mestre, Fran-K
As cantigas sam obscenas. Eis uma d’ella8, já acabou-se, já deu fim. cisco Sanches,e quatro marinheiros, “ todos mais
unica talvez que possa ser publicada c aliás lin­ N. S. da Guia mortos do que vivos, pelas calamidades que
díssima: queira se lembrar dc mim. soífreram com uin temporal, que os levara a
♦ uma remotWnna longitude occidental, onde
Duas cousas mo contentam, Este romance é portuguez, é herdado, mas avistaram terra, que provavelmente ora alguma
e sam da minha paixão: nós o publicamos por uão termos encontrado das ilhas Carahybas” (as Antilhas).
perna grossa cabclluda, nas collccções que lemos. Esso Sanches, conforme diz o mesmo autor,
peito em pé no cabeção. foi hospedado cm casa do Colombo (que era re­
* sidente na cidade do Funchal, e casado com uma
* * senhora alii nascida), e lá pouco depois falleccu.
A briga do gallos 6 um dos divortimontos fa­
voritos da população aos domingos. Isto é ca­ Só a 12 de Outubro de 1492 Colombo desco-
A o obséquio *do nosso amigo Rangel de S.
racterístico. Na briga do gallos notam-se dois brio Guanahani, uma das ilhas de Bahama, dei­
Paio, moço que estuda, que trabalha o quo
factos:—olemento carniceiro, nas scenas san­ xando então bem demarcada a extensa vereda
produz, intelligencia penctranto o sectário de
guinolentas das brigas, c elemento interesseiro, ideias sans o adiantadas, devemos uma varian­ por onde se passou ao N ovo Mundo.
nas apostas que se fnzom. •. Quem era Colombo? A Europa, a Asia, todo
te dos estribilhos do romance—A madrasta,— ,
Estas considerações sam apenas traços ligei­ o mundo civilisado o sabe. Fernando Colombo,
que publicamos no numero 8 d’cste jornal.
ros para fazer conhecido o genoro de diverti­ filho do illustre nauta, Wliashington Irving, La­
A variante, que é do Rio de Janeiro, é a se­
mento da população d'essas províncias. A ra­ martine, Rosely do Lorgues, o incansavel phi-
guiu te:
zão histórica d’esscs factos caberia n’um estudo lomatico LuizFiguicr, entre outros muitos, têm
mais vasto, mais completo, que não aqui. levado a noticia dc seu nome c feitos a toda
Antônio de meu pae, parte, por isso, parodiando um orador consuma­
Por óra aponta-se o facto. Dar-se-hatn as não mo cortes meus cabellos;
provas, si forem precisas o exigidas, com dados do, julgo poder accrescentar, quo as florestas, os
minha mão me creou, lagos, os rios do novo continente, entoão din-
estatísticos.
minha madrasta me enterrou, tur namente hymnos em seu louvor.
* pelo íigo da figueira, V ir repetir, pois, a narração de sua vida,
* * que o passarinho picou. aqui ante uma geração agradecida o ¡Ilustrada,
Antes de entrarmos no estudo da nossa poe­ aqui onde tanto so tem escripto sobre Colom­
X ó! passarinho! bo, aqui onde um dos maiores epicos dos tem­
sia popular, purainento brasileira, daremos a Vai-te embora p ’ra tou ninho,
transcripção do romanco Juliana, colligido em pos modernos erigio-lho o mais portentoso c du­
vai crear o teu íilhinho. radouro monumento, seria ousadia a que, por
Pernambuco, tal qual o ouvimos.
mais ousado que eu seja, r.ão me attrovo a aba­
Nossos agradecimentos á esto nosso amigo. lançar.
JU L IA N A De novo pedimos aos poucos que se interessa­ Irei adiante.
rem por isto, que nos li.ijam de auxiliar n’estc Por mais que desejasse incluir nestas pagi­
— Deus vos salve, Juliana, trabalho. Receberemos agradecido as infor­ nas, linhas que pelo assumpto lhes desse o va­
no tou estrado assentada. mações quo nos remetterem.- lor que, pelo acanhado do cadinho donde são
— Deus vos salve, rei D. Jóca, vasadas, jamais poderão attingir, não ousarei ir
no teu cavallo montado. C e L S » D E M A C .A l.n A E S . alem do que me permittem minha reconhecida
—Rei D. Jóca, me contaram Contínua nihilidadc.
que tu estavas p’ra casar? Tratar dos grandes homens só pódem os
— Quem te disse^ Juliana, grandes homens.
fez bom cm te desenganar.
—Rei I). Jóca, se casais PESQUIZAS SOBRE OS PRIMITIVOS V II
tornai ao bem querer,
poderás enviuvar HABITANTES D A AMERICA
Sabida na Europa a noticia do achado de Co­
e tornar ao meu poder. lombo, como é de prever, todos aquelles que
— Eu ainda quo enviúve ( Tentativa cthnographica)
por seus conhecimentos scientificos e sua pro­
e que torne á enviuvar, fissão podiam sonhar com a aequisição das
acho mais facil morrer A J O S É ’ B A B T IS T A DE C A S T R O E S IL V A
glorias do Genovez entretiveram-se em-edifi­
do que comtigo casar. car esse c as tell o . '
, On deinnndcra ú quoi bon ce rccuell do fn ils cenl
fo l s c lt í i c t n u ’ on jujut llre n toutes lot pacres....«t ú Colombo do volta á Hespanha em 1493, para
qui c s t-c s q iro u pout Apprendre toutes ce» ch o se s . Je
—Espéra ahí, meu D. Jóca, repomlral q u e , «rins pretendro les npprondre íi per- tornar a novas descobertas, para accrescentar
deixa subir meu sobrado, sounc, J’ avnls bew ln d e le * rn pp clcr et do le* rasicm
blcr. • ao mappa mnndi alem de Guanahani (a primei­
vou ver um copo de vinho I I avkt. ra em que poz o pé), e Cuba, e Jamaica; o Ilaiti,
que p’ra ti tonho guardado. — a* Dominica, Maria Galante, Guadelupc e
— Juliana, eu te peço VI outras das Antilhas; ainda outra vez deixando
quo não faças falsidade. a America, forçado pelas picardias da inveja
Vejais que somos parentes, Em 1380 dous mancebos Venezianos, cujos apadrinhada pela ingratidão proverbial dos
prima minha da minha alma. nomes estavam registrados no TÀvro dc Ouro da principes, e regressando á ella para augmentar
Que me déste Juliana, Republica, Antonio o Nicoláo Zeno, mais dese­ seus louros, para recompensar com possessões
n’este copinho de vinho, josos de 'adquirir glorias nas grandes ex p e­ novas, os reis que sem pejo deixaram que o
que estou com a redea na mão, dições e descobertas do quo nas lutas, que, des­ prendessem, que o encadeassem, que cllo sof-
não conheço o meu caminho? de porto de um seculo, separavam as duas po­ fresse iome, que morresse a mingua; tendo re­
A minha mãe bem cuidava tências maritijnas de então— Genova c sua pa- gressado á Europa encontrou-se com o primeiro
quo tinha seu filho vivo. t.ria, partiram para o norte, e lá entraram no caixeiro de um importante ship-chandler (for­
— A minha também cuidava serviço de um principe das ilhas do Feroé o necedor de navios) estabelecido em Sevilha.
que tu casavas commigo. Shetland, e tornaram-se celebres com suas via­ O factor de Juanoto Berardi era mui versa-
0 TRABALHO 83

A respeito desta qualidade, diz Duflot do Todos os ofliciaes empregados no palacio riosa do desconhecido, tudo isso ia desenvolven­
Moiras: eram homens da primeira cathogoria. do no espirito do povo o desejo dc sondar os
“ Os Californcos, que nascem por assim dizer Além dos que residiam no recinto soberano, mares.
u cavallo, suo os mais intropidos cavalloiros seiscentos senhores feudatarios iam todas as Para além da linha indecisa do mar lmvia a l­
que se podo imaginar; elles amam com paixão manhãs receber as ordens do roi. guma cousa — era necessário ir vôl-a.
as corridas.. . As mulliercs manejam os ca- . Às damas dc honôr não eram menos nume­ D'alii a navegação, não a navegação de pe­
vallos o o laço com tanta destreza, como seus quena escala, do cabotagem, mas a grande na­
rosas e o roi,depois de escolher as que lhe agra­
maridos. ” davam,dava, como recompensa a seus favoritos, vegação polo mar alto, com as commoções das
Elles queimavam os cadaveres dos seus o rc- as excedentes. tormentas, com o maravilhoso das appnrições
colliiam cuidadosamente as cinzas; eram, como Ninguém entrava no palacio, quer em serviço marinhas, com o surprchendonte das novns des­
os nossos indígenas, habilissimos frecheiros. do monarcha, quer para conferenciar com elle, cobertas c o valoroso das conquistas.
Sua alimentação era o frueto de suas caça­ sem descalçar-se n porta. Egualmentc não era A pequena navegação era partilha da Gre­
das. Suas mulheres sabiam preparar farinha permettido apparecer diante do soberano, tra­ cia, da Italia, com as suas costas dentadas, as
e bolos do frueto verde de uma especie de car­ jando pomposas vestes : esse procedimento pa­ suas ilhas accumuladas, os seus golphos innú­
valho, servindo-se dc seixos para moerem a bo­ receria uma falta do respeito para a magestade meros : — d’ahi a pesca, as cañóos de velas
lota, como os brasis cevavam a mandioca, da do throno ; por isso, na entrada do palacio, os transparentes, a poesía dos con tos ao.luar, a
qual, como sabemos, faziam tambem farinha e senhores, excepto somente os proximos paren­ mole fluctuação nas ondas que apenas arfavam,
bolos: da gomma preparavam o leijii ou a ta­ tes do rei. mudavam vestes mais modestas. c todo csse tom que so nota na vida da popula­
pioca, da mandioca puba a car imã. Quando a ção italiana, quasi exclusivamente pescadora.
Antes de dirigireni-so ao soberano faziam tres
caça escasseava, os Californcos comiam— ratos, venias, pronunciando ao fazer a primeira, se­ Apesar da raça colonisadora do Brazil ter
insectos, reptis, raizes, tudo. nhor, a segunda , meu senhor, a terceira, gran­ cssa Índole que notamos, apesar d ’ella predo­
de senhor. minar muito no espirito brazileiro, de formar
X III Fallavam baixo ao rei, recebiam a resposta a maior parto da população do imperio, com-
de seu secretario, conservando uma attitudede tudo não transmittio-nos a mesma tendencia,vis­
Os Mexicanos, pelos traços physicos, pouco humilissima attenção. to a posição geographica do Brazil.
difleriam dos Californcos, assim como dos Pel- Quando despediam-se, não podiam voltar as Oom efíeito, em um paiz extenso, ^cuja su­
les-vermclhas.— Tinham a mesma fronte estrei­ costas para o tliroiio. perficie mede 256,880 legoas quadradas, que
ta, as maçãs salientes, a mesma côr do cabel­ Preparavam chocolate e outras* bebidas de conta de N. a S. 785 legoas e de L. a 0 . 727 de
lo, os labios cgualincnte grossos etc. e tc .; só cacíío em taças de ouro e preciosas conchas ma­ extonção, que offerccc á vista do espectador
na cór divergiam,— eram de um moreno —azei- rinhas. 0 sorviço era sumptuoso c abundante. vastas planicies, campos enormes e mattas de
tonado. Para distrahil-o nas horas de repasto, faziammuitas legoas de coftiprimento, em um paiz as­
Quanto aográo dccivilisação, sim, divergiam tocar alguns truòos da córte, escolhidos entre sim, por força que haviam dc naçccr e desen­
excessivamente. os homens contrafeitos que o rei pensionava. volver-so tendencias novas, inteiramente con­
Não ha quem ignore que os Mexicanos ou Depois do jantar, levavam-lhe um grande ca- trarias ás do povo conquistador.
antigos Toltecas, divididos em Chichimccas, ximbo de bambú, no qual punham o luino mis­ E assiin foi.
Zapotecas, Astecas, Tlascaltecas, Tapane- turado cóm ambar liquido. Parece-nos estar assistindo ao'deseuvolvi-
cas, Platelocas, Teo-üliicliimecas e outros, ti­ Depois seguia-se unia espocie de sesta o de­ mento progressivo d ’cssa nova Índole, íí trans­
nham uma historia, eram governados por um pois desta a audiência. formação rapida d ’esse genio predominante, á
rei electivo, que os havia submettido ao seu Quando o roi sahia, seus nobres o carregavam medida que a população ia sentindo os effeitos
dominio e lançava impostos regulares; conhe­ aos hoinbros sob um pequeno mas magnifico physicos do clima e da posiçfio geographica.
ciam as mathematicas,a mechanica c a astrono­ baldaquino. Todas as possoas que o encont.ra- Aqui estendia-se urna grande planicie, a per­
mia; sabiam construir pontes o calçadas; sa­ vam deviam parar e fechar os olhos. der dc vista, unida, sein uma ondulação, em­
biam architectura, csculptura, pintura, artes in­ Quando elle queria descer do sua liteira e pastada, verdo o resplandecente. Mattagaes
dustriaos etc. andar, estendiam pelo chão tapetes para que seusseculares espalhavam-so-lho em de redór. O
Ainda hoje existem bcllissimas e soberbas pés não tocassem a terra ! . . . ” individuo a encarava: havia alli lugar bastante
ruinas dc seus templos, entre outras a de Cu- Cousa singular ! diante de tão apurado luxo, para fazer trabalhar a sua actividade, para sa­
lhuacan, immenso templo, coroado no centro via-sc uma atrocidade excessiva quer no culto, tisfazer a sua curiosidade. A belleza do es­
com uma alta e cylindrica torre, que ostenta quer na guerra. pectáculo augmentava-lhe o prurido, a facilida­
maior belleza que a decantada pyramide de Milhares de victimas humanas eram sacrifi­ de da locom oção decidia a escolha. Havia o
Cheops; além disto rostos de cidades bem de­ cadas annualmonto a seus monstruosos deoses, mar dc um lado, do outro o campo. Para o
lineadas, um aquedueto dc quinze milhas de cujos idolos representavam uma mesclado tigre, mar era necessário o provimento preventivo de
comprimento, o canal de Tchuantepec, cuja do homem, do macaco, e do reptil. uma alimentação abundante, um barco com
dcscripção tanta sorpreza produzio na Europa, Assim, ao passo que por suas oppuloncias seus pertences, um compauheiro pelo menos.
pyramides, estatuas, palacios, jardins, baixos aproximavam-se dos sultões da Asia, e do im­ Vinham as difñculdades da costa emparcellada,
relevos etc., predominando entre estes o que perador da China, pela ferocidade punham-se as temerosas tempestades, a falta d^instrumen-
foi encontrado perto de Oaxaca, que represen­ lado a lado dos Peaux-Rougos. tos náuticos. A empreza desanimava.
tava um guerreiro depois do combate, ornado Para a térra precisava-se de um cavallo, como
com os despojos do inimigo e tendo a seus pés, R. de S. P a io . luxo, como commodidade somente, pois a via-
em diversas posições supplices, corto numero Continua. gom podía sor feita a pé. A fertilidade da térra
de escravos nús. dava o alimento ; as fructas sylvestres, a caça,
Era minha intenção estender-me sobre esse o cóco, o palmito, a agoa fresca dos regatos. A
admiravel povo, buscar nas óbras a meu alcan­ A POESIA POPU LAR BRASILEIRA copa das arvores fornecia o agasalho. Havia
ce tudo quanto sobre elles hão dito viajantes uma necessidade imprescindível : — a arma de
dignos de fé, mas o meu novo plano me inhibe IX fogo e a faca.
desse desejo; portanto passarei adiante, depois Podia acontecer que á noite, no galho de al­
que transcrever uma pagina da Voyage dam les Todos sabem da tendencia que tiveram os guma arvore ou no tyupaba abandonado por
deux Amengües, a respeito do ultimo impera portuíruezes para a marcação, do seu genio algum viajante, na tranquilidade de um som no
dor dos astecas: aventureiro maritimo, genio que deu-lhe uin reparador, appareccssc um animal feroz qual­
“ Na epocha da conquista, Montezuma (lo ) nome brilhante nos annáes das conquistas, que quer, ou um indio bravo, um inimigo finalmen­
habitava magnificas residencias, e nenhum mo- produzio grandes homens e que presidio á for­ te, e então tornava-se necessaria a defoza. Para
narcha do mundo cra rodeado de mais fausto mação do maior poema que jamais se escreveu isso a espingarda e a faca.
e de maior explendor do que esse monarcha cm lingoa portugueza. Os Luziadas e a Histo­ Accrescia mais a quantidade de rios que cor­
mexicano. ria Tragico-Maritima, disse Th. Braga, por si tam o Brazil. A s viagens tornavam-se alli mais
Elle mudava de fato quatro vezes ao dia e só bastariam para provar que o povo portuguez facéis, menos perigosas, mais poéticas, circum-
não tornava a vestir mais a roupa que uma vez teve uma litteratura sua, original, com o cunho stancia que influía em extremo na alma lyrica
tivesse i sado, fazendo presente delia ao» no­ da Índole do povo. do poVo.
bres o aos soldados, que bem se tinham com­ Essa tendencia explica se pela posição geo- Por outro lado asombra das fiorestas; o vago
portado na guerra; graphica de Portugal (1). mysterioso da sua luz soturna, dos seus zumbi­
Grande numero de operarios estava sempre A pouca extençào do paiz, separado da Es­ dos extranlios, a frescura alimentada pelas ar­
ao serviço da corte. Os armeiros preparavam panha polos odios políticos, pela diflferença de vores, continua, sempre a mesma, tudo convi­
para o musêo armas offensivas e defensivas; lingoa, pela dissimilhauça de costumes, a falta dava para que a gente a explorasse, de prefe­
pintoi es, ourives, esculptorcs, operarios em de terreno oude o povo desse largas á sua acti­ rencia a aventurar-se pelo mar alto.
mosaico, tambem constantemente trabalhavam vidade, a proximidade do oceano que se abria 0 terreno nunca faltava ao camiuheiro, ha­
para o principo e sous favoritos. diante d’elle, vasto, attrahente, no esverdeado via sempre o que ver, sempre o que descobrir
luzente da massa <ragoa, na seducção myste- ein terra firme ; para que ir procurar em q u a -.
(13) Alfred de Maury diz que esse nome, que tro taboas o que se offerecia, cora tantas ou
é Motcuhzona, em lingoa nahuatl, significa (1) Veja-se a Theoria sobre a Historiadamais seducções, mais tacilraente e menos dis­
sobwaiiamenie irado, irritado ou severo. Litteratura de Portugal por Th. Braga— 1872. pendiosamente ?
%
O TRABALHO
K que havia tie mais bello do que os panora­ Nas festas populares fazem-se brinquedos, os j e s u í t a s n o b r a z ií,
mas, as paysagcns que offerecia o pai'/, com a onde o cavallo é o principal figurante i — <>
sua vegetação robusta, os seus rios gigantescos, cavallo marinho de Pernambuco, o cavallinho ® ( a o AMIOO CEI.SO. d k M A G A L ItA K S )
as suas lagòas, os seus campos o suas flores­ da Bahia c etc.
tas? Quando tratámos do ro7nancc do ./’asso de *
♦*
O mar, bello, magestoso, sempre verde, na Uoncesval, dissemos que nelle havia um lugar,
monotonia de suas ondas vidradas V De certo que conservou-se na memória popular, por es­ O estabelecimento dos jesuitas foi um do-,
que não. O mar era bello, mas era sernpro o tar do aecordo com sen espirito. Esse lugar é factos mais notáveis do X V I sceulo, cpoeha ma-
mesmo, uma onda que segue atraz da outra ( quando o pao do D. Beltrão accusa o cavallo gestosamente fértil em grandes acontecimentos.
onda, um rumor continuo, uma queixa eterna. pela morte de seu filho, ) uquelle em que <> ca­ A o primeiro golpe de vista, o espirito humano
Pois bcin. diante disto, na alternativa, o que vallo levanta-se para deücn<icr-sc : pode perguntar a si mesmo : *— que haverá de
:ieonteceu ? O individuo despresou o mar e importante na formação de uma ordem religiosa,
procurou a floresta, largou o barco c rnontou o entre mais de cento e trinta, que tem existido?
oavallo, deixou o reino e empunhou as redeas. Milagre ! quem tal diria, Mas attendendo-so ás leis da instituição de
O oavallo tornou-se para o povo um ento quem tal podéra contar ? Loyola, estudando-se as suas obras e o seu modo
«iigno de respeito, util, bem tratado e figurou O cavallo meio morto de proceder, conhece-se immediatamente a
nas suas cantigas. a! li se poz a fali ar : influencia, que cila tem exercido e continúa a
— “ Não me tornes essa culpa, exercer sobre as acções do governo e a exis­
Fui velho, tive bom gosto, que m’a não podes tornar ; tência dos povos.
morro quando Deus quizer, tres vezes o retirei, A companhia de Jesus, cujo plano foi ein
a maior pena que eu levo tres vezes para o salvar ; 1537 reprovado como inut.il e perigoso por uma
— cavalio bom e mulher. tres me deu dc espora e redea, reunião dc eardeaes, nomeada por Paulo III,
Por cavallo fui perdido, co’a senha de pelejar. cresceu rapidamente, graças á habilidade dc sua
por mulher fui divertido. (2) Tres vezes me apertou silhas, constituição. Em pouco tempo o seu prestigio,
me alargou o peitoral___ nascido antes para a ruina do que para a edi­
Collooaram-n’o a par da mulher, amaram-n’o á terceira fui á terra ficação dos lieis, estendia-so por toda parte.
como á uma crcalura racional. d'esfca ferida mortal. Foi, pois, com razão que um dos successorcs de
Era cllequem levava o dono legoas c legoas, Aquaviva disse ao duque de Brissat — “ Vés
sem queixar-se, salvava-o da fadiga, praticava este aposento : daqui governo não somente a
autos de valor, servia para o trabalho das f a ­ França, mas a Italia : c não só a Italiasi-
zendas, fazia as vezes de barco A vapor para ven­ AUi está o cavallo assumindo proporções ma­ não a Alemanha : e não somente a Allem a-
cer as distancias. ravilhosas. K’ o amigo do domuo, (pie procu­ nlia, mas tambem a llespanha, as índias, o Pa-
ra salval-o, mas que morro afinal com elle e raguay, o não somente a estes alVastados paizes,
’Stava deitado na rede, explica o seu procedimento porante uma ac- mas ainda ao mundo inteiro ”
chorando meu coração, cusação. A missão de defender a autoridade dos papas
quando chegou meu vaqueiro Pois esse pedaço está completo na memória conduzio os jesuitas a desmandos, que tém sem­
com tres cavallos na mão : do povo, o que prova ainda mais o cunho que pre compromcttido os direitos c a segurança
o primeiro era melado, notamos na inspiração popular. das sociedades civis. Pretextando combater
o segundo era alazão, Para mostrar tainbem, por uma especie do príncipes, que cllcs reputavam inimigos da re­
o tcrcoiro era castanho amplificação, a força de um boi (outro assump­ ligião catliolica, entregaram-se brutalmente á
— cavallo do estimação ; to predilecto do povo ) o poeta serve-se do ca­ uma funesta exageração nos meios de existen-
d'onde o boi tirava o pé, vallo. cia. Sain tambem aceusados de so haverem
meu cavallo punha a mão, apegado a subtilezas indignas na apreciação da
na porteira onde ellc estava Tirou-se vinte cavallos, moralidade das acções.
não me espirrou barbatào. (3) escolhidos pela llôr, Será diíücil provar com factos as perturba­
para pegar surubim: ções, lutas e guerras, que os jesuitas teem todos
Quem viajar pelo interior das nossas provín­ — todos vinte elle deixou. (G) os dias lançado no seio das nações ? Será dif-
cias, pelos nossos sor toes, ha do encontrar bem íicíl indicar as acções torpes, praticadas por
saliente, em relevo bem pronunciado, este facto Deste romance dc vaqueiro fallaremos em ou­ esta ordem em diversos paizes ? Não, a histo­
que acabamos do notar. tro lugar. ria da humanidade ahi está para attestar o con­
O rocciro tem mais cuidado com o seu caval­ Quando o amante tem pressa dc reunir-se á trario.
lo do que comsigo proprio. A ’ noite, no pouso, sua amada, é ainda ao cavallo (pie elle recorre, Em 157S foram banidos de Antuérpia para
olle não se contenta somente com deixar a como (piem o pode conduzir mais depressa. serem excluídos da pacificação de Gand ; e em
guarda de seu cavallo ao pagem. Levanta-so, 1ÕS1 expulsos de Burges, de Ruão c de Tour-
vae á mangJlora,frcnova-lhc a comida, affaga-o, Meu cavallo russo pombo, non, completamente desacreditados em Mono-
ó elle proprio a laval-o c pcntcal-o, trata-o sereno, bom corredor, motapa, e seriamente anicçados em Londres por
com mimo, com luxo, faz-lhe cabrestos do li­ toca, toca, meu cavallo, causa (la execução de Champion, Oervin e
nha com côrcs vistosas, da-lhe arreios riquíssi­ vamos ver o 'meu amor. (7) Briant.
mos, expOe-n’o á admiração das visitas, dá-lhe Ein 15S4 Balthazar Gcrardo assassina em
nomes bonitos e symbolicos,alardêa as suas ha­ Nus anexins populares o cavallo tem seu lu­ D elfto príncipe de Orange, Guilherme dcN as-
bilidades, aposta a sou favor, e si o vende é gar: sau, e confessa ter ?ido ¡ovado ao crime a bem
obrigado pela ncccasidadc, ou então porque re­ do partido catholico, porque quatro jesuitas de
conhece que elle não é bom. E ’ uma especie Frente aberta e pé calçado, Trcvcres garantiram-lhe do ante-mão o titulo
de castigo. Um cavallo custa ás vezes uma ineia-marclia e baralhado. de martyr ; e ainda neste anno Guilherme Par-
quautia fabulosa (4). Lia cavallos tradicionaes, ri soflfre a pena de morte por haver tentado
cuja fama se conserva por muitos annos, cuja Cremos ter mostrado com bastantes exem­ contra os dias da rainha de Inglaterra, tendo
raça é conservada, cujas bondades satn decan­ plos a tendencia que quizemos marcar. sido o plano traçado pela companhia de Jesus,
tadas em prosa e verso (5). Essa tendencia, porém, não se dirigio somen­ e elle mero executor.
Nos versos do sr. Juvenal Galleno — Lendas Frustrada em 158G uma conspiração, que ti­
te ao cavallo, foi mais além, dispensou-se mais.
ti conçOcs populares — encontra-se essa acccn- O boi tem o seu lugar nella e não pequeno, nha por fim dòsthronar Izabel e entregar o po­
tuação da indole popular, principalmente no mas por óra não é occasião de fallar nelle : será der á Maria Stuart, em 1502 o jesuita Hote
Vaqueiro, uuico de que neste momento nos objecto dos artigos seguintes. envia Patrício Collen a Inglaterra para ferir a
recorda a memória. Por agora contentamos-nos com provar o fa­ rainha. Este ultimo projecto aborta, c a com­
O sr, J. de Alencar apontou por sua vez esse cto com exemplos, assim como fazemos no cor­ panhia, sem nunca desanimai, faz partir Squire,
facto no Gaúcho. rer deste trabalho, para depois indagarmos, que tembom nada consegue. Izabel vem a
além da razão physica, a lei histórica que a elle fulleccr em 1603, e James I, seu filho, sóbc ao
(2) Colligidos cm Pernambuco. presidio. A razão physica já atraz ficou apon­ throno ao mesmo tempo que os jesuitas Garnet
(3) Devemos estos versos, versão do Ceará, tada, a lei histórica virá a seu térnpo. e.Gcrard organisam a conspiração da jwlvora.
á bondade de um amigo. Em 1589, fanatisando um religioso domini­
(4) No Maranhão, onde ellos sain baratos, cano, Jacques Clement, matou em Saint-Cloud
um cavallo bom vonde-sc por 600 ft e COOft rs. Continúa
a Henrique III.
Os ha de l:000ft róis e mais. Em 1582 mandam João Barriòre tirar a vida
Um sendeiro' ( cavallo do carga) vende-se por O e l s o d e M a q a l h a e 8.
a Henrique IV . Sam expulsos da França em
lUOft réis Isto é arogra geral. 1594 como cúmplices de João Ohatcl, mas em
• {5) Na comarca de Viatina (Maranhão) ain­ 1610, empregando o habil punhal de Ravaillac,
da hoje se conhece por tradição o Campeão, (6) Do romance Surubim, versão de Per­ conseguem assassinar o rei, que lhes permittira
cavallo de um rico senhor de engenho, eque nambuco. voltar aos seus estados.
passou pelo melhor da comarca no seu tempo. (7) Colligida no Maranhão. No anno de 1598 a Hollanda’ os repelle como

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