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SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
2.ª edição
2009
© 2003-2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autoriza-
ção por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
D449s
2.ed.
ISBN 978-85-387-0265-8
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Concepções de infância e juventude
Fala em paparicação (um sentimento superficial ligado à criança nos seus pri-
meiros anos de vida, quando ainda é “engraçadinha”) e a percepção da inocência
e fraqueza da infância.
Domínio público.
Ao longo de todo o seu texto, Ariès destaca que a infância era vista como um
período muito curto, durando apenas o tempo em que a criança era mais frágil.
Logo, era misturada aos adultos e passava a vivenciar as mesmas experiências que
eles. Toda a socialização da criança se dava dessa forma e a educação era garanti-
da pela aprendizagem na prática, isto é, a criança aprendia as coisas ajudando os
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Sociologia da Educação
adultos a fazê-las. O amor podia existir, mas não era determinante nas relações da
família com a criança. Não impedia, por exemplo, que ela fosse mandada embora
para viver longe dos pais, muitas vezes para aprender um ofício.
Domínio público.
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Concepções de infância e juventude
É nesse contexto que surgem os estudos de Henry Wallon, Jean Piaget ,Lev
Vygotsky e as teorias psicogenéticas. Apesar de explorarem o tema criança/in-
fância de maneiras diferentes, têm em comum o fato de chamarem a atenção
para a relação entre compreender o desenvolvimento da criança, como se dão
as mudanças biológicas e os processos mentais, e de que maneira tudo isso se
reflete na educação.
A busca da contensão dos impulsos e dos instintos por meio de uma rígida e,
por vezes, até cruel disciplina dá o tom do avanço do processo de escolarização.
Tem-se, também, uma nova percepção das idades, começando a haver então
uma separação das classes por faixa etária, procurando agrupar os alunos a partir
desse critério. Com um sistema disciplinar cada vez mais rigoroso, os colégios as-
sumem uma estrutura que em muito se aproxima da atual. Agora, a duração da
infância equivale à duração da escolaridade, que no fim do século XVIII chega a
quatro ou cinco anos. Os colégios passam a ser a moderna expressão de como se
deve tratar as crianças. Ao seu lado se tem os chamados manuais de boas maneiras
ou de civilidade, voltados para o público pueril, que visavam a apresentar as
normas de conduta que deveriam nortear os comportamentos das crianças no
mundo. Alguns desses manuais foram muito bem analisados, especialmente o de
Erasmo, por Norbert Elias em O Processo Civilizador, em que a história dos costu-
mes, focando seu interesse nas mudanças das regras sociais e no modo como o
indivíduo as percebia, gerando mudanças de comportamento e sentimentos. Uti-
lizando como fontes os livros de etiquetas e boas maneiras (editados entre o século
XIII até a década de 1930), o autor mostra que desde a Idade Média, quando o
controle das pulsões era bastante reduzido, até os nossos dias, as classes dirigen-
tes foram aos poucos sendo modeladas pela vida social e a espontaneidade deu
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Concepções de infância e juventude
Nicolau Carissimo.
Escola Superior de Agricultura e Veterinária em Viçosa.
Mas antes disso, tem-se a contribuição de Jean-Jacques Rousseau (1712-
1778) para a discussão das concepções de infância e o surgimento dos colégios.
Domínio público.
nistas do século XVI rejeitavam com vigor a alter-
nativa escolar. Acreditavam que não se conhecia
a criança direito, não se sabia exatamente como
ela era, o que pensava e quais eram os seus limi-
tes. Diante disso, consideravam quase que uma
violência impor-lhe qualquer tipo de educação
formal. Seria uma agressão à sua natureza pura e
àquilo que se comentou – a ideia de insuficiência
ou do caráter incompleto da criança.
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Sociologia da Educação
É necessário, contudo, prepará-la para o futuro. Isso porque ela tem uma enorme potencialidade,
não aproveitada imediatamente. A tarefa do educador consiste em reter pura e intacta essa
energia até o momento propício. Nesse sentido, é particularmente importante evitar a excitação
precoce da imaginação, porque esta pode tornar-se uma fonte de infelicidade futura. Outros
cuidados devem ser tomados com o mesmo objetivo e todos eles podem ser alcançados
ensinando-se a lição da utilidade das coisas, ou seja, desenvolvendo-se as faculdades da
criança. Apenas naquilo que possa depois ser-lhe útil.
A criança, de acordo com Rousseau, aprende por meio do exemplo, por pala-
vras e por práticas que observa nos adultos. Daí a necessidade dos pais se preo-
cuparem com as normas de civilidade e boas maneiras de seus filhos, que deve-
riam ser preparados para viver em sociedade e “ser civilizados”.
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Concepções de infância e juventude
Finalmente, o que não se pode esquecer é que a infância deve ser entendi-
da como um tempo social, construído historicamente, de acordo com as condi-
ções materiais e culturais que caracterizam determinado tempo e espaço. Desse
modo, é possível haver diferentes concepções de criança, infância e juventude.
De acordo com as estruturas econômicas e sociais da época, surge uma ideia de
criança e do papel da educação.
Texto complementar
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Concepções de infância e juventude
(ARIÈS, 1981; SNYDERS, 1984). [...] O que se passou historicamente para que
silenciassem as vozes das mulheres, das crianças, dos escravos, dos negros, da-
queles considerados loucos, das filósofas e poetas? Por que alguns textos são
reconhecidos e outros são desprezados? Falo não somente dos textos acadê-
micos, mas de outros textos expressos nas diferentes formas de linguagem.
[...] Será que eles têm relação com o que estamos vivendo, com a crise da
ciência moderna e pautada em uma razão universal, masculina e branca? Por
que tentamos resgatar essas vozes, seja nos escritos poéticos, na música, nas
pesquisas, nos espaços acadêmicos? Por que insistimos em ganhar tempo
num mundo que esfacelou nossas experiências e transformou nosso tempo
em coisa, em mercadoria? Por que hoje procuramos resgatar, em inúmeros
estudos, as culturas infantis, as concepções de infância, as vozes das crian-
ças, ou por que hoje falamos e escrevemos sobre pluralidades, relações de
gênero, em uma ciência menos andocêntrica? Essas, seguramente, são ques-
tões sem respostas definitivas. É tão somente nas caminhadas que vamos
construindo, nas pegadas que vamos deixando, nos rastros que assinalam
para novos horizontes que encontramos respostas, sem contudo tratarmos
de respostas homogeneizadoras.
[...] é possível recordar o que escreve Ariès (1981) acerca da Idade Média.
Os quadros e a iconografia da época demonstram que ser criança era algo
muito próximo e vinculado ao mundo dos adultos. Tratava-se de promis-
cuidade? Certamente que não. O que acontecia é que as noções de tempo
e espaço e as existências humanas se organizavam de formas distintas da
modernidade.
Na Europa (séculos XVI e XVII) e um ou dois séculos mais tarde (séculos
XIX e XX) na cidade do Rio de Janeiro (ABREU; MARTINEZ, 1997), as ruas
estavam povoadas de crianças abandonadas, escravos, imigrantes pobres,
enfim, de uma massa de excluídos perambulando pelas ruas, cujos valores,
hábitos e comportamentos eram estranhos ao ideal burguês de sociedade.
Isso provocava um sentimento, qual seja o de moralizar os costumes, confi-
nar, regular essa população e evitar possíveis revoltas. Assim, o sentimento
de infância também surge no Brasil, com a necessidade de instrução e am-
pliação da escola de massas (MARTINEZ, 1997). O ideal de moralização dos
costumes passava pela família burguesa e nuclear e centralizava na figura da
mãe e mulher a responsabilidade pela amamentação, pelos cuidados e edu-
cação das crianças. Nesse período, as condições de higiene eram péssimas e
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Concepções de infância e juventude
E nem mesmo as lições diárias que a vida nos ensina e que fragilizam uma a
uma das nossas certezas, como peças de um jogo de dominó que vão se suce-
dendo, nos fazem compreender que a realidade é dinâmica e ainda sabemos
pouco sobre as crianças e suas culturas. É provável que elas saibam bem mais
sobre nós adultos/as, sobre as instituições que ajudamos a construir, embora
ainda não tenhamos parado para escutá-las, para compreender suas ideias
acerca das nossas pedagogias, ou sobre o que elas pensam de nós, das esco-
las infantis, das creches e pré-escolas, que criamos pensando nelas e nas suas
necessidades.
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Utilizo a definição de ethos cultural, fundamentada em Bourdieu (1998), como um sistema de valores implícitos e interiorizados, que defi-
nem as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar.
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