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Faculdade de Educação
da USP
MARLON GRANDO
E-mail: marlon_bgs@usp.br
Nº USP: 11253880
Professor Dr. Paulo Henrique Fernandes Silveira
São Paulo
2022
Professor, a partir da conversa que tivemos no penúltimo dia da aula, considerei pertinente
alterar meu texto original, que era apenas titulado e não escrito em blocos de temas
individuais muito bem delineados entre si, e discriminar o que está por ser feito em cada bloco
de texto ‒ para facilitar a correção. Alguns itens, como o senhor poderá ver, repetem-se
porque a exposição dos elementos do curso retoma e aprofunda a todo momento o que fora
dito anteriormente no texto. Um abraço e boas férias!
II
Filosofia ela mesma e Literatura
A. Proposta – fundamentação e apresentação daquilo que será feito.
O ato de escrever um curso de filosofia para o ensino médio costuma suscitar no bom
professor perguntas como esta: “o que pode um professor de filosofia fazer de melhor para
seus alunos do ensino médio?” O instaurar desse problema carrega uma certeza tão basilar
que quase a podemos tomar como autoevidente: “não há uma única resposta correta para essa
questão”. Todavia, se, na busca por uma entre as respostas mais adequadas para esse
problema, forcarmos nossa análise na figura do aluno, podemos depreender daí um método
que há de nos auxiliar no processo de escrita de nosso curso, pois, na medida em que
partirmos da análise das possíveis carências do corpo discente, tendemos a tornar claro quais
características são necessárias ao curso e ao docente para lidar com tais urgências, tornando
assim as aulas mais acessíveis e, por conseguinte, democratizando ao máximo o curso
proposto. Isto posto, o ponto de partida desse curso não poderia deixar de considerar o
desnivelamento entre as bagagens culturais como pressuposto teórico-prático de necessária
assunção enquanto fundamento da proposta a ser gerada. Trata-se de um problema de
primeira grandeza que será enfrentado enquanto fomentador dos princípios da conduta do
professor, da estruturação das aulas – suas didáticas e metodologias –, do objetivo do curso e
da escolha do conteúdo a ser ministrado.
I. O método
A. Introdução para o diagnóstico da situação atual dos jovens do EM.
Bourdieu nos ensina o cultivo do cuidado com os pressupostos que uma aula pode vir
a ter1. Quanto mais pressupostos, mais alunos serão excluídos do ensino, ainda que
estejam dentro da escola – temos de levar em consideração o processo de exclusão
interna daqueles alunos que, mesmo sem terem o conhecimento suficiente exigido
para estarem em suas determinadas turmas, são “passados de ano” e acabam por não
conseguirem acompanhar as aulas junto aos seus colegas de classe. Evidentemente, é
também necessário admitir que a natureza desse problema não se encerra dentro dos
portões da escola e que, sendo assim, o desnivelamento entre os alunos fará parte de
toda e qualquer aula.
Como então dar vida a uma aula não excludente? A ingenuidade e o idealismo
costumam andar juntos e poderiam levar um professor de primeira viagem, versado na Escola
1
BOURDIEU, Pierre, “L’école conservatrice. Les inégalités devant l’école et l aculture”, publicado
originalmente in Revue française de sociologie. – Paris, 7{3}. 1966, p. 325-347.
III
Conservadora, ainda com as fraldas sujas da graduação a lhe apertar as ancas, olhar para isso
e desejar uma aula sem pressupostos, porém não demoraria muito para descobrir que isso é
impossível. Talvez todos tenhamos sido, em maior ou menor medida, esse professor, nem
que por meio segundo. Se nos permitirmos, apesar disso, antes de descartar totalmente tal
utopia, radicalizar esse idealismo e, portanto, nos opormos aos pressupostos a gosto do limite
de nossas capacidades de abstração, poderemos, não raro, chegar à conclusão de que é
impossível se ensinar filosofia, mesmo num mundo ideal sem pressupostos.
É bem verdade que Sócrates disse nunca ter sido professor de ninguém2 e isso costuma
chocar os alunos. “Mas como?! Logo ele?!” e as cabeças se coçam, os olhos se cerram e um
ou outro aluno tenta haurir a suposta mentira do rosto do professor. É nesse instante que
conseguimos vislumbrar a filosofia acontecer diante de nossos olhos: trinta, quarenta cabeças
perscrutando seus preconceitos, conceitos e saberes das mais diversas naturezas em busca de
uma boa razão que decifre o enigma de tal espanto. Quando convidados a conjecturarem a
respeito desse não-ofício de Sócrates é comum que se embaracem ou nada digam. Aqueles
que arriscam alguma justificativa costumam recair em respostas que acusam um suposto
sofisma ou charada por parte do ateniense ou encontram na velha, e já conhecida por eles,
ironia socrática um berço manso onde pode uma mentira repousar – será? Ali Sócrates deitara
as palavras do Oráculo de Delfos e delas duvidou, pois não parecia verídico, num primeiro
momento, o fato de aquele que sabia que nada sabia era, na verdade, o homem mais sábio de
Atenas. Os alunos, ao saberem das palavras do Deus, inquietam-se – eles ainda não sabem,
mas a comichão que estão por sentir é uma das maiores preciosidades entre aqueles que
desejam filosofar.
3
RANCIÈRE, Jacques, “O mestre ignorante – cinco lições sobre a emancipação intelectual”. Tradução de Lílian
do Valle. Belo Horizonte, Autêntica, 2007.
4
CERLETTI, Alejandro. O ensino de filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. Pg.
83-84.
V
professor de filosofia considerar razoável uma composição curricular na qual o
pensamento crítico não esteja em primeiro lugar. Temos, nós professores, de munir os
alunos com a boa, velha e atualíssima filosofia prática para que seja possível, uma vez
mais, que os alunos venham a dar seus passos em direção à emancipação. Dar
prioridade a conceitos e à história da filosofia em detrimento do desenvolvimento do
pensamento crítico é cometer o crime de ser o mais ferrenho entre os estruturalistas –
ou melhor: um mau estruturalista.
B. Metodologia Socrática, recorte: qual será o conteúdo das aulas.
Tendo isso em vista, nada mais natural do que ter o socratismo como guia das aulas.
Por exemplo: uma aula expositiva sobre o processo de formação da personalidade de
um preconceituoso, muito bem fundamentada, é claro, na teoria adorniana –
conhecimento e autoinspeção estariam aqui lado a lado –, nunca deixando de respeitar
a necessidade e importância da tradição. O conteúdo das aulas, nesse sentido, deve
apontar em direção ao autoconhecimento. “Esqueça o decoreba” – como disse o
sumido Ciro Gomes em seus debates presidenciais. É a hora de descobrir qual é o
papel da escola, qual o percurso histórico os levou a estarem ali sentados naquelas
cadeiras, o porquê de pertencerem à determinada classe e não outra, como identificar
relacionamentos abusivos e violências psicológicas dentro de casa – fazer ruir a
sacralização da imagem da mãe e do pai amorosos, mostrando aos alunos, por
exemplo, quais são os perfis de pais narcisistas, quais são os estágios psicopatológicos
da violência doméstica nas relações amorosas, familiares e profissionais; falar sobre
drogas de maneira pormenorizada, sem moralismos ou vultosa parcialidade –
especialmente sobre a maconha, a queridinha entre os jovens do ensino médio.
Discutir sobre conteúdos caros à vida cotidiana, sempre tendo em mente a formação de
um espaço de experiência no qual o aluno pode vir a trilhar por conta própria o
caminho da emancipação.
C. Diagnóstico da situação atual dos jovens do ensino médio e fundamentação da
metodologia socrática.
O fato de considerável parcela dos alunos do ensino médio de escolas públicas estarem
tendo, provavelmente, seu último contato da vida com uma instituição de ensino é de
gigantesca importância, pois, na medida em que não retornarão à escola, torna-se
urgente neles o cultivo do espírito filosófico. É por isso que esse curso terá como um
de seus objetivos estreitar a relação entre os alunos e a arte – especificamente, a
VI
literatura, por seu fácil acesso pela internet, portanto, pelo seu baixo custo, por ela não
requerer deslocamento para museus ou galerias como é o caso das pinturas e tampouco
o frequentar de salas de cinema e casas de teatro, economicamente menos afáveis. A
literatura cabe no bolso, na tela do celular. Se confiarmos no caráter emancipatório da
arte e tivermos êxito em a inserir, não forçosamente, na vida dos alunos nos
asseguraremos do não arrefecimento ou esvanecimento do pensamento filosófico em
seus dias dali em diante. Sendo assim, fica-se visto que a conceituação não será o foco
do curso proposto, todavia não deixará de estar presente quando necessária. E,
antevendo possíveis críticas, já me adianto fazendo um elogio àquela rica memória que
se tem mão da filosofia socrática enquanto prática de extermínio de preconceitos, pois
tal exercício da alma é condição de possibilidade para nos furtarmos da mentira, da
perfídia, dos preconceitos e das ilusões e imprecisões conceituais.
D. Apresentação de uma das metodologias utilizadas no curso, a partir de um
diálogo entre Silveira, Lipmann e Bolzani.
Há um porém: a crítica que Renê Silveira faz à Escola Nova e ao Programa de
Lipmann nos levanta um ponto de cautela importante. Diz Silveira que,
“negligenciando a transmissão de conteúdos” a Escola Nova e o Programa de
Lipmann impossibilitaria que os alunos viessem a se apropriar como deveriam do
conhecido e que, por isso, ficariam eles impedidos de “incursionar no desconhecido5”.
Isso não é bem uma verdade, ao menos não do ponto de vista teórico, pois nos
Aspectos Cognitivos propostos por Lipmann6 podemos encontrar a importância dada à
identificação de conceitos e construção de argumentos, posição essa reiterada por sua
concepção de filosofia como “mina” de conceitos que diz respeito ao bem viver numa
democracia – justiça, verdade, liberdade7são citados pelo autor como exemplo.
A crítica de Silveira, ao que parece, tenta temperar o choro e acaba salgando o pranto
– um olhar mais amargo à então crítica poderia afirmar que seu incômodo, na realidade,
parece ser com a primazia dada ao livre pensamento e não ao poder instituído. Porém, vale
5
SILVEIRA, Renê. “A filosofia vai à escola?”. Campinas, Autores Associados, 2014. Pg. 80.
6
(Lorieri, Filosofia: fundamentos e métodos, p. 84-85)
7
LIPMAN, Matthew, “A Filosofia e o desenvolvimento do raciocínio”. In: LIPMAN, M &
VII
pontuar, como aponta Bolzani8, mui bem temperadamente e referindo-se à filosofia socrática,
que “a filosofia é sobretudo uma atitude9” e, não só isso, Bolzani também nos lembra de que
“a história da filosofia nos mostra que filosofar pode ser uma forma de viver” e, mais ainda,
diz ele que “a verdadeira educação é essencialmente formadora e que o ensino de filosofia
deve nortear-se por isso. Para tanto, deve transmiti-la, ensiná-la, não como um conjunto de
conteúdos prontos para uso, mas sobretudo como atitude investigante, como postura crítica,
que só se desenvolve com o tempo10”.
Nem tudo está perdido para Silveira: o princípio de boa-fé nos leva a considerar sua
crítica doutro modo do que o até então sugerido por minhas palavras. O sentido das palavras
de Silveira, essas tais que deveriam ser mais amigáveis ao que propôs Lipmann, pode ser
aproximado do respeito que Bolzani apresenta pela história da filosofia, pois é bem verdade
que não podemos ignorar nossa herança, a história da filosofia é também, não há por que
duvidar disso, constitutiva da reflexão filosófica de nosso presente 11. Todavia, embora
tenhamos aprendido com Sócrates, em Crítão, que não devemos responder a uma injustiça
com outra, acredito fazer parte do princípio de boa-fé puxar as orelhas de quem parece
cabular o seu uso – como aparenta ter sido o caso de Silveira. É tendo isso como ensejo que
proponho tal motor como princípio de conduta docente em sala de aula e que incentivo os
professores a convidarem os alunos a fazerem o mesmo. O espaço para o preciosismo
linguístico e para o culto da precisão conceitual em sala de aula deve existir, porém sempre
respeitando e aceitando toda e qualquer eventual dificuldade de expressão que o aluno possa
vir a ter.
8
BOLZANI Filho, R., discurso (35), 2005: pg. 29-59.
9
Ibidem, pg.34
10
Ibidem, pg.45
11
Ibidem, pg.48
VIII
qualquer coisa, desde que não suprima o acontecimento da filosofia na sala de aula e
seja capaz de, em alguma medida, igualar os alunos.
Talvez o leitor atento tenha estranhado o caráter expositivo das aulas propostas – e não
são elas escritas tendo em conta as experiências de Jacotot? Sobre isso, é preciso que façamos
algumas considerações: dado a cultura do embrutecimento perpetrada tradicionalmente pelo
sistema educacional e o método de radicalização do pessimismo, a escrita de um curso de
filosofia dessa natureza deve pressupor que lidará com alunos que recriminam a própria
ignorância e a dos outros. Isso provoca um silêncio hesitante, um medo de errar que tende a
calar os estudantes, pois aquele que fala e erra costuma se sentir tremendamente embaraçado e
pode mesmo ser motivo de troça de seus colegas de sala. A aula expositiva, nesse sentido, é
uma vantagem, pois equaliza os alunos não numa posição de aprendizes, mas numa
experiência de aprendizado em conjunto, pois, dado a natureza incipiente do curso, tudo, ou
quase tudo, ali será novo e tenderá a despertar a curiosidade dos alunos. O incendiar de um
espírito filosófico dorminhoco há de afoguear outros e mais outros, até que a exposição da
aula se torne um meio comum para o acontecimento da filosofia – dessa forma soarão os
silentes. E assim uma dúvida que irromper de repente será partilhada por vários e, ao quedar
dos dias, o asco da ignorância tenderá a arrefecer. Para isso, contudo, é necessário que tenha
início a participação dos alunos. As primeiras aulas podem contornar o esperado receio de
duvidar em público por parte deles, convidando-os a especular sobre o assunto então
apresentado. O momento de sensibilização12 deve fazer parte da construção daquele lugar
comum que tanto queremos. É por isso que seu acontecimento ao início das aulas deve ser um
costume e, invariavelmente, um exercício de livre pensamento.
É preciso também que as aulas se encerrem com questões em aberto, sempre que
possível, para semear o cultivo de um caráter ruminativo entre os alunos – disposição essa
comum no enfrentamento de problemas filosóficos. O contato direto com o texto não será
priorizado, pois, na medida em que pressupomos o pior dos casos, ou o aluno será averso à
leitura, ou terá uma dificuldade extrema em decorrência da exclusão interna, ou ambas
possibilidades. Por isso o professor terá de fazer uma curadoria minuciosa dos livros, da
bibliografia do curso e dos textos que irá utilizar e recomendar em sala de aula. Por exemplo:
os ganhadores do Prêmio Jabuti, historicamente, são livros de alta qualidade literária, de
12
GALLO, Sílvio. Metodologia do ensino da filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas/SP: Papirus,
2012.
IX
linguagem acessível e de conteúdo caro, principalmente, ao cotidiano das minorias. Há
também grandes autores, como Ernest Hemingway, Platão, Ariano Suassuna, Lygia Fagundes
Telles, e outros, que possuem obras importantíssimas, profundas, bem estruturadas e que
podem ser capazes de despertar em novos leitores o gosto pela literatura. Aqui também se
abre espaço para algo curioso, pois é romancista aquele que lhe escreve, leitor, e, com muita
honra, felicidade e expectativa, presentearia os alunos interessados com minhas obras. Não se
trata de ludibriar os alunos com artimanhas persuasivas. A indicação de um livro, por mais
romanesco que possa parecer dizer uma coisa como essa, é um ato de amor, zelo e cuidado
para com os alunos; é algo próprio da profissão docente.
IV. Avaliação.
Há de haver alguém que se pergunte: “Mas como esse aluno que supostamente
foge de leitura aceitará ler uma obra inteira?”. Pois bem, se considerarmos ser
este o único trabalho pedido no decorrer de dois bimestres 13 – que implica a
exclusão do método tradicional hierarquizante –, a liberdade de escolha
individual – que se opõe à tradicional imposição de obras literárias –, os
métodos alternativos de avaliação que serão disponibilizados – que lhes
assegurará tempo suficiente para se preparem e conforto para com a avaliação
escolhida –, as discussões feitas em aulas a partir de obras de linguajar
acessível, de enredos sedutores e de conteúdo caro à realidade dos alunos; e
também o culto à boa literatura no decorrer das aulas, a opção de não se expor
ao juízo alheio, que descarta a possibilidade tradicional de se envergonhar por
uma má nota e o, talvez inédito, privilegiar da autonomia de seus pensamentos,
os alunos tenderão a aceitar o desafio. “Mas e se não aceitarem?” – o método
nos obriga a duvidar, porém, ainda que estejamos pressupondo o pior dos
casos, digamos que, nesse caso, mais vale a fé do que optar por uma possível
coação daquele que se pretende educar.
V. Metodologia e didática: a filosofia enquanto acontecimento – contribuição
de Fabbrini, Favaretto, Hadot, Kohan, Wozniak e Larrosa.
À guisa dos exercícios espirituais, objeto de análise de Kohan e Wozniak14, o
curso de filosofia aqui proposto não tem o intuito primeiro – e nesse grifo se
13
É preciso esclarecer que o trabalho substituirá a tradicional prova e será diferente das atividades
complementares que serão pedidas no decorrer das aulas, pois essas não serão de feitura obrigatória.
14
KOHAN, W. and WOZNIAK, J. “Philosophy as Spiritual Exercise in an Adult Literacy Course, Thinking”, in
The Journal of Philosophy for Children, 2010.
X
encerra a sutil diferença entre o aqui proposto e o que nos propõe Hadot – de
transmitir um conhecimento predeterminado ou de guiar os alunos a algum
objetivo epistemológico. Entretanto, isso não quer dizer que as aulas furtar-se-
ão de uma circunstancial, e até mesmo recorrente, transmissão de
conhecimento – o fazer seria negligenciar a importância da tradição para o
filosofar. Isso dito, fica aqui atestada a primazia da prática filosófica reflexiva,
inerente à realização dos exercícios espirituais que, vale mencionar uma vez
mais, diz respeito ao que Hadot nos propõe15 – alguns exemplos daquilo que
seria então bem-vindo: prezar por dinâmicas em que os alunos possam
aprender uns com os outros, por aulas que enriqueçam o convívio social, por
reflexões críticas individuais, pelo exercício da escuta (muito querido e
defendido pelo Professor Fabbrini16 e pelo Professor Favaretto17), pelo gesto de
interrupção requerido à experiência18 e toda e qualquer outra coisa que possa
fazer parte do que chamamos de cuidado da alma.
V. Possibilidades dos Cadernos do Estado.
Os PCNs e OCN, sem sombra de dúvidas, não podem ser ignorados como se
não existissem – por mais que possa parecer tentador para alguns professores o
fazer, isso não seria justo para com os alunos e nem respeitoso para com o
Estado. O grande problema atual dos Cadernos do Estado, do PNLD, com a
proposta/imposição do Novo Ensino Médio, e do que uma leitura enviesada
daqueles parâmetros e orientações costuma sugerir é que as aulas que os
consideram em sua feitura tendem a serem permissivas com práticas e
ideologias neoliberais que, supostamente, já não têm em conta como
importante o pensamento crítico e são cobiçosas pela criação de um repertório
conceitual acrítico, conforme requer à instrumentalização das razões
individuais. O método até então aqui utilizado nos sugere que deveríamos
tomar isso como verdade, mas isso não implica a necessidade de uma completa
exclusão de tais diretrizes para a prática docente. Há pontos lá e cá que podem
15
HADOT, Pierre. Exercícios espirituais e filosofia antiga. São Paulo: É realizações, 2014.
16
FABBRINI, R. N. “The teaching of philosophy: the reading, the interpretation and
the event. Transformação”, São Paulo, v.28(1), 2005, p.7-27.
17
FAVARETTO, Celso Fernando. Anexo: notas sobre o ensino de filosofia. Novas tendências para o ensino de
filosofia: campo histórico-concentual, didático e metodológico. v. 1. Tradução. Curitiba: CRV, 2017
18
BONDIA, Jorge Larrosa. “Notas sobre a experiência e o saber de experiência.” Revista Brasileira de
Educação, Rio de Janeiro, ANPEd, n. 19, p. 20-28, Abr. 2002.
XI
ser pinçados por nosso intento emancipatório e que podem vir a agregar de
maneira positiva a feitura de nosso curso.
Repare que nosso objetivo converge, por exemplo, com o Inciso III do §1° do Artigo
36 da Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394 de 20/12/1996) que aparece tanto no PCN+ de
2002 quanto no OCN de 2006. O inciso afirma que o educando ao final do ensino médio deve
demonstrar o “domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao
exercício da cidadania”. Essa convergência se justifica na medida em que o objetivo primeiro
de nossas aulas é auxiliar os alunos para que eles exerçam o livre pensamento de modo tal que
a pressuposição do caráter alienatório da máquina pública não os venha corromper – isso é
condição de possibilidade para o exercício pleno de uma cidadania.
A segunda avaliação será proposta já na primeira aula do primeiro bimestre, mas sua
data de entrega será a da última aula do segundo bimestre – a décima sexta aula do curso.
Consistirá na leitura de um livro escolhido pelo aluno que deverá associar elementos da
XII
narrativa à pelo menos três ideias ou conceitos vistos em aula e à alguma questão do presente
que ele julgar importante. Por exemplo: ler O avesso da pele, associá-lo à violência policial
tendo como causa o racismo – ter mão do preconceito analisado nas aulas dois e três sobre o
conceito de personalidade autoritária descrito por Adorno e fazer uma análise crítica de um
eventual, mais do que certo – dado o método –, aumento da violência policial em São Paulo
em decorrência do novo governo de Tarcísio. Haverá a recomendação de que proponham uma
solução ao problema que escolherem ou uma maneira de o mitigar, mas o aluno poderá optar
também “apenas” pela análise do presente a partir da narrativa e das aulas. Esse método
avaliativo é individual, mas não será possível sua feitura caso o aluno não venha a compor o
debate e a escuta que ocorrerá nas aulas. A avaliação implica necessariamente o exercício do
filosofar consigo e com os outros, portanto, terá em maior conta a prática do pensamento
crítico e o desenvolvimento do aluno ao longo do curso.
Os métodos avaliativos alternativos serão propostos pelos alunos e todos serão aceitos
desde que estejam de acordo com o bom-senso, levando sempre em consideração as eventuais
dificuldades que um aluno possa vir a ter.
As atividades complementares não serão obrigatórias, mas nunca serão feitas em vão.
Toda e qualquer atividade feita irá, de alguma maneira ou de outra, compor o acontecimento
das aulas.
Não há exceção: a compreensão de uma aula não poderá depender da de uma outra,
com isso nos furtamos de excluir eventuais faltantes. Nesse sentido, aulas com duas partes ou
com elementos de aulas anteriores deverão, sempre que possível, retomar um a um, todos os
elementos necessários para sua inteligibilidade. Por isso, a ordem das aulas poderá, sempre
que necessário, ser trocada. Porém, é claro que a organização prévia pode talvez tornar a
disposição em sequência mais vantajosa – a escolha da aula a ser dada poderá ser do professor
XIII
ou até mesmo ofertada aos alunos. Isso confere um grau elevado de resiliência à prática
docente e possibilita que acontecimentos inesperados do mundo afora possam vir a fazer parte
da “aula de hoje” – o bom professor de filosofia é oportunista, exerce, através de sua escuta,
quase psicanalítica, a capacidade de minerar aquilo que dizem os alunos e, junto a eles,
lapidar falas aparentemente simplistas e torná-las riquissimamente filosóficas; também o
mundo, os jornais, o agora, não poderiam ficar de fora desse refinamento em conjunto: não há
aula que não tenha espaço para a novidade – a escolha de algumas e o descarte de possíveis
outras estarão a gosto do juízo do professor e até mesmo dos alunos, quando convir.
Não podemos sofrer, portanto, com uma maior ou menor obsessão por cumprir
programas, sem desvios ou imprevistos. A aula que “o faz”, aquela que encerra o evento no
cumprimento de uma tarefa e enxerga os alunos como depositários carentes de acúmulo de
conteúdos e instruções, nunca pôde nem poderá existir enquanto aula: será, no máximo, uma
vivência de um autoritarismo em conjunto. É sempre bom lembrar que a verdade não tem
sobrenome e que as coisas não devem ser – elas são. Por isso o docente leitor há de considerar
outra metáfora – vizinha àquela: o mau docente anda sob a chuva desejoso de escolher quais
pingos d’água irão lhe molhar.
M.G
XV
PLANO DE CURSO BIMESTRAL DE FILOSOFIA
Primeira aula
Objetivo específico:
Competências e conteúdos:
Estratégias didáticas:
1- Tornar claro aos alunos que eles estão aprendendo em grupo e não individualmente.
Firmar um compromisso com a turma de que caberá a eles, enquanto grupo, prezar
pelo bom comportamento de todos.
2- Avisá-los a respeito da avaliação conjunta do primeiro bimestre e seus pormenores.
3- Criar um lugar comum no início da aula para que ela venha a ocorrer com o mínimo
de pressupostos possíveis – por exemplo: possível início da aula um: “os portugueses
XVI
chegaram ao Brasil em 22 de abril de 1500”. Possível início da aula dois: perguntar à
turma quais desenhos eles assistem ou assistiam.
4- Explicar o processo de formação da sociedade brasileira, apoiando-se na obra de
Machado de Assis.
5- Desmistificar a obra de tal autor, através de uma aventura intelectual pelas raízes de
nosso passado escravista.
6- Possibilitar que o aluno se identifique dentro da obra do Bruxo do Cosme Velho – por
exemplo: desenhar a pirâmide social correspondente à época machadiana (1839 –
1908) e pontuar, aqui e ali, uma ou outra personagem do romancista – por exemplo:
base da pirâmide = escravos. Topo da pirâmide = brancos donos de terra. E os brancos
pobres no interstício entre os dois extremos. Daí fica a gosto do docente – uma opção
seria ter mão do conto Pai contra Mãe e colocar Arminda na base, Cândido Neves
acima e o dono de Arminda no topo.
7- Não se esquecer de enfatizar e reiterar o fato de o branco pobre estar muito mais
próximo de se tornar um escravo do que de ser um dono de terra.
8- A aqueles que dizem não gostar de Machado: apresentar alternativas de leituras:
contos, crônicas, poemas e até mesmo romances de outros autores, de boa qualidade e
linguagem mais acessível. Por exemplo: Torto Arado, ganhador do prêmio Jabuti de
2019, é um livro que pode ser lido visando contextualizar o tempo histórico da última
obra de Machado – Memorial de Aires (1908) – e é também um bom exemplo das
consequências da não distribuição de terras, após o término legal da escravidão, como
que paradigmático no que diz respeito ao trabalho escravo posterior ao ano de 1888.
Avaliação formativa:
1- Informá-los sobre a prova a ser entregue no fim do segundo bimestre. Pedir para que
os alunos escolham algum livro que nunca leram para ler. Disponibilizar uma lista
com diversas obras de cunho didático e conteúdo efetivo relevantes, caros a nosso
intento emancipatório, e permitir que, se necessário, os alunos possam recorrer a ela.
Informar os alunos que o trabalho final pedirá que o aluno exponha, da maneira que
preferir, uma associação entre a obra lida, algum ou alguns elementos vistos em sala
de aula e elementos de seu cotidiano (pedir pelo menos três, mas atestar uma futura, se
necessária, flexibilidade quanto a isso). Disponibilizar sites nos quais os alunos
poderão encontrar tais obras online – como é crime incentivar a pirataria, ainda mais
XVII
enquanto docente, faça como o fazem os professores da USP: cochiche e deixe que as
paredes conversem.
2- Solicitar que os alunos que tenham dificuldade em desempenhar a tarefa proposta se
manifestem – agora ou no decorrer das aulas.
3- É importante estar aberto a ajustar as exigências avaliativas de modo tal que nenhum
aluno venha a ser prejudicado. Por exemplo: trocar o romance por um conto (s) ou por
um poema (s) ou por uma música (s) ou por outra e qualquer obra (s) de arte – permitir
que o aluno tenha um contato direto com a arte de maneira não impositiva.
4- Se possível, já na primeira aula, disponibilize uma lista de livros: por exemplo
imprima numa folha o nome das obras e de seus autores e faça breves comentários a
respeito deles no papel e no decorrer do bimestre – tendo sempre o cuidado de dizer o
mínimo possível a respeito do conteúdo do texto.
5- Deixo aqui uma lista, como exemplo e, talvez, ajuda ao professor que tiver dificuldade
de montá-la (porém, não preciso dizer que esse curso requer uma intimidade acentuada
para com a literatura e que melhor seria que cada professor fizesse uma lista
individualmente: Platão: Apologia de Sócrates – um texto tranquilo de se ler, com
poucas palavras inusuais, importantíssimo, pois se trata de uma narrativa em que
conhecemos o suposto surgimento da Filosofia. Seu conteúdo aparecerá, de um jeito
ou de outro, em todas as aulas de nosso curso; Ernest Hemingway: O Velho e o Mar –
uma curta novela que pode até mesmo ser lida num dia só, de linguagem tranquila,
uma narrativa suave e instigante, Hemingway chegou a ser caçoado por outros
escritores do século XX, pois eles achavam que seu estilo de escrita era “simples
demais”; essa obra, no entanto, considerada a obra mais bem acabada desse autor pela
crítica, está intimamente associada ao Nobel de Literatura, que foi ganho no ano
seguinte de sua publicação; esse é o maior prêmio que um escritor pode ganhar em
vida e diz respeito ao conjunto de suas obras. Hemingway serviu na primeira guerra
mundial, foi motorista de ambulância e carregava os corpos feridos para os hospitais,
ficou traumatizado com o que viu, era bipolar e sua depressão foi acentuada por seu
alcoolismo. Morreu tirando a própria vida, assim como seu pai o havia feito. José
Mauro de Vasconcelos: Meu Pé de Laranja Lima – as escolas costumam ter esse livro
e, dada sua qualidade, não há razão para que não o indiquemos. Interromperei a escrita
dos textos de cortejo aqui, deixarei apenas listado algumas obras que creio serem bem-
vindas ao curso: Torto Arado; O Avesso da Pele; Madalena, Alice; a máquina de
XVIII
fazer espanhóis; O ar que me falta; Admirável mundo novo; Capitães de areia;
Revolução dos bichos; Um conto de natal – Dickens; A visita cruel do tempo; Um
homem só – esse, em especial, tem como protagonista um LGBT, talvez possa
agradar, pela representatividade, algum aluno; De mim já nem se lembra; Sem
gentileza – nesse há uma adolescente que engravida muito cedo e que contrai HIV
também cedo, penso também numa possível representatividade; Ciranda de Pedra; O
avesso das coisas – perfeito para aquele aluno “sem tempo”, trata-se de aforismos de
Drummond; Contos plausíveis; O último dia de um condenado; Auto da
Compadecida; São Bernardo; Ideias do canário; Pai contra mãe; O empréstimo;
Dom Casmurro; Ruído de passos; Perdoando Deus; O demônio do meio-dia – sobre
depressão; O mito de Sísifo; Biografias de grandes personalidades; Educação após
Auschwitz; Filosofia e filosofar; e também não deixarei de oferecer meus livros: Do
erro ao limbo – foi bem recebido pelo público jovem e pode ser chamativo para alunos
que consomem maconha, os leitores costumam relatar uma certa obsessão pelo
desfecho, uma curiosidade é que ninguém, até hoje, conseguiu adivinhar o final, o que
pode eventualmente instigar os alunos; Maré Mario e Maria – não indicado para
pessoas sensíveis, demasiado trágico, trata-se de uma homenagem a Machado e à
Literatura ela mesma, muito bem avaliado pela crítica, adequado para os leitores
apressados, pois a divisão de capítulos considerou possíveis problemas dos leitores
neoliberais, inadequado para leitores de primeira viagem, tende a agradar pelo humor
ácido, recorrente ironia e crítica política, versa sobre a história de vida de um casal –
Moacir e Talita: um homem negro e uma mulher branca –; e se trata de um diálogo
direto com Dom Casmurro e Otelo.
Segunda aula
Competências e conteúdos:
Avaliação formativa:
Apresentar brevemente algumas das obras listadas para os alunos na aula anterior e
verificar se entre eles houve dificuldade em encontrar os textos.
Terceira aula
XX
Objetivo específico: impedir a repetição de Auschwitz – parte 2: entender o processo que
leva o indivíduo à Personalização.
Competências e conteúdos:
Estratégias didáticas:
1- Iniciar a aula retomando, através de um breve resumo, conceitos chave da aula anterior
– estereotipização e pensamento de ticket.
2- Convidar os próprios alunos a darem vida a essa retomada.
3- Reiterar o compromisso da aula anterior que incumbiu os alunos de serem os
responsáveis pelo bom comportamento em sala de aula – é comum que, com o passar
das aulas, os alunos venham a prezar pelo bom convívio sem a necessidade de que o
professor os lembre sobre o acordo.
4- Criar outro lugar comum no início da aula para que ela venha a ocorrer com o mínimo
de pressupostos possíveis –por exemplo: essa aula começa com imagens de Lula e de
Bolsonaro lado a lado enquanto são observados por um grupo de pessoas.
5- Explicar sumariamente o que é Personalização.
6- Ter mão das peculiaridades de um papagaio como metáfora desse mecanismo
psicológico.
7- Ler ou pedir que um aluno leia um curto trecho do Tratado Teológico Político de
Espinosa para então comentar o papel da dúvida no medo.
8- Mostrar como a atitude socrática de autoinspeção pode combater os preconceitos.
9- Mostrar, através de exemplos, que também os alunos são preconceituosos e atuantes
em processos de personalização – e, claro, admitir-se também preconceituoso.
10- Encerrar aula num jogo de pergunta e resposta com conceitos comumente
personalizados – por exemplo: perguntar aos alunos quem dentre eles se diz defensor
da democracia e em seguida pedir que eles expliquem o que é democracia – caso não
houver êxito dos alunos, explicar brevemente o conceito de democracia e partir para o
próximo conceito e assim por diante.
XXI
Avaliação formativa:
Quarta aula
Competências e conteúdos:
Estratégias didáticas:
1- Ler um breve trecho de “Educação após Auschwitz” no qual Adorno afirma que o
indivíduo de caráter manipulador é incapaz de amar.
2- Perguntar à turma: que amor é esse?
3- Convidar os alunos a arriscarem respostas.
4- Inverter a pergunta: o que não é o amor? Ou melhor: quais sentimentos são
confundidos com o amor?
5- Convidar os alunos a responderem.
6- Apresentar a Paixão do ponto de vista médico: qual é o principal hormônio liberado,
quais são os sintomas, quanto tempo pode durar, sua origem etimológica e seu
possível caráter patológico – este último é de elevada importância, pois desembocará
na caracterização de relacionamentos abusivos (quinta aula).
7- Apresentar o Amor do ponto de vista médico: qual é o principal hormônio liberado,
quais são os sintomas e em quais situações tal hormônio é liberado.
8- Deixar claro para os alunos o que é um conceito e explicar a polissemia característica
do sentimento em questão.
XXII
9- Ler alguns trechos de “Educação após Auschwitz” nos quais Adorno grafa mais
pormenorizadamente tal incapacidade de amar.
10- Apresentar Larrosa brevemente para os alunos.
11- Explicar o conceito de periodismo, sua ligação com o neoliberalismo e seus efeitos no
sujeito neoliberal.
12- Explicar o que é experiência para o autor, quando ela ocorre e qual é a natureza do
sujeito da experiência.
13- Deixar claro para os alunos que é no campo da experiência que o amor pode ocorrer.
14- Ler um breve trecho de um conto de Clarice Lispector chamado “Perdoando Deus”.
15- A partir do trecho lido, diferenciar o que então seria paixão e o que seria esse amor
emancipado.
16- Evidenciar o vínculo que a frase de cunho socrático “Só sei que nada sei” tem com
esse conceito de amor.
17- E mais, fazendo menção às aulas anteriores, pedir para que os alunos respondam se
um preconceituoso é ou não é capaz de amar e o porquê de suas respostas.
Avaliação formativa:
1- Perguntar se algum dos alunos, depois de ter lido o texto de sua dupla, tem interesse
em trocar o texto que está lendo por outro.
2- Anotar as trocar (se houver).
3- Solicitar aos alunos que insiram em suas análises de texto a identificação de três
sentimentos presentes na obra e pedir para que eles deem exemplos de em quais
situações eles acontecem – com um detalhe: ao menos um dos sentimentos tem de ser
desgostoso de sentir.
Quinta aula
XXIII
Estratégias didáticas:
Avaliação formativa:
XXIV
Relembrar os alunos sobre a leitura dos livros.
Sexta aula
Estratégias didáticas:
Avaliação formativa:
Sétima aula
Estratégias didáticas:
Avaliação formativa:
1- Pedir para os alunos trazerem os livros na próxima aula e para que anotem no caderno
pelo menos cinco características de suas personagens principais.
Oitava aula
Estratégias didáticas:
1- Pedir para que os alunos que estão por ler a mesma obra reúnam-se.
2- Pedir para que os grupos formados nos diga quais características mais apareceram
entre seus escritos.
3- Anotar na lousa as características que implicam mudança e aquelas que implicam
fixidez.
4- Retomar, a partir das características anotadas, a distinção entre personagens planas e
redondas, feita na aula dois.
5- Retomando elementos das aulas sobre Adorno e Sócrates, identificar aquilo que é
próprio da arte – por exemplo: o Enigma humano.
6- A partir do texto “Imagem-enigma” e “O olho e o espírito”, caracterizar aquilo que é
próprio da arte e, ao falar sobre a “educação dos sentidos”, associar a experiência
artística de fruidor à emancipação – ainda não explicar tal associação.
7- Retomar algumas considerações de Larrosa da quarta aula, especialmente aquelas que
dizem respeito ao que é necessário para o acontecimento do campo da experiência
(onde a arte acontece).
8- Retomar os efeitos psicopatológicos do avanço do neoliberalismo (aula quarto) e
associá-los à não fruição artística na medida em que ele tende a impossibilitar o
acontecimento do campo da experiência.
9- Explicar para os alunos de que maneira a experiência de leitura da literatura nos provê
a possibilidade de emancipação a partir da educação dos sentidos.
10- Associar tal explicação às características das personagens redondas, retomando,
portanto, elementos da aula dois.
Avaliação formativa:
Oitava aula
XXVII
Objetivo específico: 1° Combater a Psicofobia, isto é, o preconceito contra doentes mentais.
2° Possibilitar que os alunos reconheçam indícios de tais doenças em si mesmos.
Estratégias didáticas:
1- Ser franco e direto com os alunos a respeito do fato de as doenças mentais costumarem
aparecer no fim da adolescência e início da vida adulta.
2- Expor de maneira breve e simplificada as doenças mentais mais comuns entre os
brasileiros, privilegiando à sintomatologia, tendo em vista a identificação de sinais de
alerta para a procura por ajuda e desestigmatização das doenças mentais e do uso de
medicamentos. As doenças são: ansiedade, depressão, transtornos alimentares,
transtorno bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo, esquizofrenia, estresse pós-
traumático e transtorno de personalidade borderline – a depender da disponibilidade de
tempo, o professor pode optar por apresentar menos doenças e pedir para que os
alunos pesquisem a respeito das faltantes em casa.
3- Apresentar uma lista de grandes personalidades da arte que tinham algum transtorno
mental – por exemplo: Virginia Woolf, Fernando Pessoa, Van Gogh, Rita Lee, Demi
Lovato, Ernest Hemingway, Agatha Christie, Edvard Munch, Kanye West, Frank
Sinatra, Jean-Claude Van Damme, Jimi Hendrix, Chris Brown, Mariah Carey, Kurt
Cobain, Mel Gibson, Selena Gomes, David Harbour, Edgar Allan Poe, Charlie Sheen,
Amy Winehouse, XXXTentacion – todos esses eram ou ainda são bipolares.
4- Informar os alunos a respeito de onde e como procurarem por ajuda.
Avaliação formativa:
1- Pedir aos alunos que eles se disponham a ler, observar, escutar, assistir as
performances artísticas de algumas dessas pessoas.
Nona aula (primeira do segundo Bimestre, mas será grafada como uma continuidade do
bimestre anterior)
Estratégias didáticas:
1- Em referência à atividade proposta da aula anterior: perguntar quem dos alunos a fez e
convidá-los a especular sobre a comum associação feita entre problemas psicológicos
e genialidade artística. Por exemplo: Van Gogh, quando pintou “A noite estrelada”,
estava internado num manicômio devido suas crises maníaco-depressivas. Seria ele
um grande artista se tivesse abandonado o alcoolismo e optado por drogas
medicamentosas? Para o azar de Van Gogh, o lítio, equilibrador de humor necessário
ao tratamento da bipolaridade, só passou a fazer parte da indústria farmacêutica a
partir de 1949, porém, fosse outro o caso, e ele se medicasse, teríamos mais grandes
obras de arte ou menos?
2- Na medida do possível, tentar conduzir o debate em direção ao uso de drogas
medicamentosas.
3- Revelar aos alunos que o tema da aula do dia é “maconha”
4- Convidá-los a responder à questão: “o que é importante saber sobre essa droga?”
5- Retomar elementos da quinta aula sobre narcisismo e traçar o perfil paradigmático do
aluno narcisista.
6- Associar o uso de drogas ao narcisismo.
7- Perguntar a eles que outras causas levam o aluno a usar tal droga.
8- Fazer uma análise das relações socioeconômicas entre as classes associando-as a uma
maior ou menor propensão ao uso de drogas.
9- Perguntar para a turma quem é a favor da legalização e convidá-los a defender suas
posições.
10- Explicar à turma quais são as implicações políticas, sociais, culturais e médicas de
uma eventual legalização – o fazer tendo em vista também a eliminação de
preconceitos a respeito da droga, tanto por parte daqueles que a defendem quanto por
parte daqueles que a reprovam. Por exemplo: maconha medicinal diz respeito a
medicamentos produzidos em laboratórios e não ao uso recreativo – são coisas
distintas.
XXIX
11- É necessário ser o mais imparcial possível na exposição de argumentos contra e a
favor da legalização e do uso recreativo.
Avaliação formativa:
Décima aula
Estratégias didáticas:
Avaliação formativa:
1- Pedir para que os alunos escrevam um breve excerto dizendo quais são suas posições e
por que escolheram essa e não outra. Avisá-los para trazer tal texto na próxima aula.
Estratégias didáticas:
1- Pedir para que alguns alunos leiam o texto pedido na última aula.
2- Pedir para que os alunos que defendem a democracia brasileira ergam um dos braços.
Dada as respostas, convidar os alunos a responder à questão: “o que é uma
democracia?” E, em seguida, “Qual é o tipo de democracia brasileira?” – Essas
questões costumam evidenciar o ato de personalização de muitos dos alunos.
3- Retomar o conceito adorniano de personalização e identificar a prática de
autoinspeção socrática como resposta possível a tal preconceito – cultivar a ausência
de desprezo pela ignorância.
4- Refazer as perguntas anteriores e, claro, não recriminar os alunos pelo ocorrido.
5- Explicar em linhas gerais o que é uma democracia, através de uma retomada daquilo
que foi a democracia grega.
6- Explicar o que é uma democracia representativa.
7- Explicar o que é uma democracia liberal, dando ênfase ao papel dos direitos humanos
em nossa constituição.
8- Vale frisar que o direito à vida antecede o direito à liberdade e que, portanto, defender
que pessoas saiam de casa em meio a uma pandemia, tendo como argumento o
exercício do direito de ir e vir, é logicamente inválido e constitucionalmente
reprimível.
9- Pedir para que os alunos que mudaram de posição, após a exposição, por exemplo,
aqueles que deixaram de defender os contratualistas para defender Rancière, e vice-
versa... pedir para que esses partilhem o porquê dessa mudança.
Avaliação formativa:
XXXI
1- Relembrar os alunos da proximidade da data de entrega dos trabalhos. Perguntar se há
alguém entre eles que não teve tempo de redigir o trabalho fora da escola. Se for o
caso, conversar com a turma para que façamos uma aula apenas para fazer o trabalho
proposto e para tirar dúvidas.
Estratégias didáticas:
1- Perguntar aos alunos se eles gostaram ou não das mudanças no ensino médio e qual é
a razão de seus posicionamentos.
2- Perguntar aos alunos se eles consideram a matéria “projeto de vida” uma boa matéria
para eles enquanto estudantes – essa pergunta é capiciosa; explico: a apostila dessa
matéria é pequenina, tem poucas páginas e apresenta em seu conteúdo proposto uma
gigantesca barbaridade – aqui, de fato, acontece uma convergência entre a realidade e
a pressuposição do método. A apostila, escrita tendo como base a utopia meritocrática,
pode, sem nenhum esforço para enviesar a leitura, ser compreendida como defensora
de que os alunos se resignem e acomodem-se em sua posição social desprivilegiada e
também tende a levá-los a se culparem por seu suposto e predeterminado futuro: o
fracasso. Dito isso e, levando em consideração as implicações trabalhistas em criticar
a apostila do Estado dentro de sala de aula e a necessidade iminente de se opor a tal
barbaridade, torna-se evidente a necessidade de propor um outro “projeto de vida”.
3- Retomar Bourdieu quanto à crítica aos pressupostos exclusivistas e, a partir disso,
desmistificar a utopia meritocrática.
4- Retomar elementos da aula um e identificar, com auxílio dos alunos, a continuidade do
Brasil escravista na atualidade.
5- A não distribuição de terras é importantíssima e, tendo isso em mente, vale a pena
recomendar novamente a leitura de “Torto Arado” para os alunos.
XXXII
6- O debate, mediado pelo professor, nesse caso, seria talvez de maior riqueza se
privilegiasse questões pessoais dos alunos – e, claro, nenhum aluno deve ser
pressionado a expor sua vida privada, apenas os que quiserem partilhar o farão.
Avaliação formativa:
Estratégias didáticas:
1- Perguntar à turma quem ali deseja fazer faculdade e deixar que eles partilhem a
respeito disso.
2- Perguntar à turma se algum aluno entre eles deseja cursar filosofia.
3- Apresentar os cursos conforme às ambições manifestas dos alunos.
4- Pontuar as notas de corte dos vestibulares, a demanda de tempo do curso – se é meio
período ou integral; as dificuldades comuns dentro do curso; o valor gasto caso o
aluno optar pelas faculdades privadas; a valorização da profissão no mercado de
trabalho e as condições de trabalhos esperadas.
5- Explicar a herança escravista presente nos títulos de “doutor” para graduados em
medicina e direito.
6- Desmistificar a suposta superioridade e maior dificuldade dos cursos mais bem
remunerados.
7- Convidar os alunos a dar razões e defenderem suas escolhas para o futuro.
XXXIII
8- Ouvir as propostas dos alunos solicitadas na aula anterior.
Avaliação formativa:
1- Pedir aos alunos que escrevam um pequeno excerto a respeito de quais são as “perdas”
envolvidas em suas escolhas, arbitrárias ou não, para o futuro.
Estratégias didáticas:
Avaliação formativa:
1- Pedir aos alunos que escrevam um curto texto para a próxima aula, respondendo a
seguinte questão: “pode a religião se misturar à política de nosso país? Por quê?”
Estratégias didáticas:
1- Convidar os alunos a partilharem a respeito das respostas que deram à tarefa da última
aula.
2- Pedir para que os alunos ergam os braços de acordo com suas posições e anotar no
quadro os números totais – por exemplo: “Religião e Estado: 22 SIM X 13 NÃO”
3- Retomar brevemente a décima aula, especificamente as posições dos contratualistas
em relação às condições naturais dos homens.
4- Apresentar a posição de Espinosa no tocante a essa questão.
5- Deduzir a origem da vida política a partir de sua relação com o medo – explicando a
relação entre os afetos medo e esperança, o que é o conatus e a relação do imaginário
com a contingência na origem do Estado Civil.
6- Aprofundar-se na inerência da irracionalidade à vida política – especialmente no
conceito de Superstição e em sua relação com a concepção de Deus entre os homens.
7- Aprofundar-se na união entre Política e Religião e, portanto, no conceito de Tirania.
8- Apresentar o desejo comum entre os homens de governar e não ser governado e
associá-lo à instabilidade de um governo tirânico.
9- Apresentar a solução espinosana: a Democracia.
10- Pedir para que os alunos que mudaram de posição durante a aula para erguerem os
braços e, se lhes apetecer, para partilharem com a turma o porquê de tal mudança.
Avaliação formativa:
1- Informar os alunos que a última aula será para a entrega dos trabalhos e apresentações
daqueles que optaram por métodos de avaliação alternativos.
Décima sexta
Estratégias didáticas:
Avaliação formativa:
1- Propor para que os alunos troquem livros entre si, que conversem sobre eles e sobre
tudo e que, se possível, pedir para que tentem sempre se lembrar da filosofia socrática
e sua relação com a ignorância e do valor emancipatório da Literatura.
XXXVI
BIBLIOGRAFIA COMENTADA e OBSERVAÇÕES GERAIS:
ASPIS, Renata Lima; GALLO, Silvio. “Ensinar filosofia: um livro para professores.” São
Paulo: Atta Mídia e Educação, 2009.
BOLZANI FILHO, R. Sobre filosofia e filosofar. Discurso, [S. l.], n. 35, p. 29-60, 2005. DOI:
10.11606/issn.2318-8863.discurso.2005.62569. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/discurso/article/view/62569.
Bibliografia DIRETA – Comentário: esse texto foi utilizado nas aulas em que fora preciso
caracterizar alguns aspectos das filosofias dos contratualistas, mas é quase como uma “bíblia”
a qual posso recorrer, se necessário, para procurar a resposta de uma pergunta feita por um
aluno sobre um filósofo ou filosofia que desconheço.
ESPINOZA, Baruch de. “Tratado Teológico Político”, ed. Martins Fontes, São Paulo, 2003.
XXXVIII
Bibliografia DIRETA – Comentário: ser uspiano e escrever sobre arte sem recorrer ao
Fabbrini é um paradoxo que preferi evitar. Esse texto, particularmente, tem como foco aquilo
que há de artístico na arte. Esse enigma, zona de indiscernibilidade, púnctum etc., se encontra
ao nosso alcance quando temos uma disposição de fruidor aberta à nossa própria ignorância.
Portanto, para ser um bom fruidor, é necessário que estejamos com a autoinspeção em dia e é
dessa maneira que esse texto se imbrica com tantos outros do curso. A aula que busca mostrar
para os alunos onde está o enigma na literatura foi pensada tendo como ponto de partida esse
texto.
FABBRINI, R. N. “The teaching of philosophy: the reading, the interpretation and the event.
Transformação”, São Paulo, v.28(1), pg. 7-27, 2005.
FAVARETTO, Celso Fernando. Anexo: notas sobre o ensino de filosofia. Novas tendências
para o ensino de filosofia: campo histórico-concentual, didático e metodológico. v. 1.
Tradução. Curitiba: CRV, 2017.
GALLO, Sílvio. Metodologia do ensino da filosofia: uma didática para o ensino médio.
Campinas/SP: Papirus, 2012.
XXXIX
há aulas em que suas diretrizes acontecem naturalmente e esse caráter metódico de “passo a
passo” não me convém. Acredito que cada professor deve, a partir daquilo que aprende com
outros autores, escrever um curso próprio. No caso do Gallo, os outros três passos são
entendidos por mim, num curso como aquele que eu estou por propor, como um
engessamento desnecessário – mas é até mesmo talvez maldoso e pouco razoável atribuir tal
suposta intransigência à proposta de Gallo, porém, mesmo assim, os passos excedentes podem
levar a aula a momentos de inflexão que, supondo o pior dos casos, coloca em risco a
primazia do pensamento crítico.
HADOT, Pierre. “Exercícios espirituais e filosofia antiga”. São Paulo: É realizações, 2014.
Bibliografia INDIRETA – Comentário: é quase pleno o abraço entre o que propõe Hadot, a
filosofia socrática e o curso aqui escrito. Os exercícios espirituais privilegiam o pensamento
crítico e prezam não apenas pelo pensamento individual, mas pela experiência de pensar em
conjunto – aqui a filosofia é majoritariamente uma maneira de se viver, o que é ótimo, porém
o fazem em detrimento de uma necessária conceituação. Esquecem-se que é necessário
filosofia para filosofar – e se não esquecem, erram. É curioso... escrever um curso de filosofia
é como catar feijões.
OCN, “Orientações curriculares para o ensino médio. Ciências humanas e suas tecnologias”.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006.
XLI
processo educacional que vivi em escolas públicas. Se as diretrizes propostas, na teoria, não
defendem essa barbaridade, seus efeitos práticos têm sido esses.
Bibliografia DIRETA – Comentário: esse texto é de uma imensa riqueza filosófica para o
ensino de filosofia na medida em que o desentendimento está na origem da política e,
diferente de um comum acordo entre os homens – como queriam os contratualistas –, lida
melhor com a concepção de verdade fora do senso comum, pois ela não se trata de uma posse
ou diz respeito a princípios de conduta mais vantajosos, previamente acordados entre os
homens; ao que me parece, a política nesse texto de Rancière alcança um estatuto filosófico,
digamos que, mais genuíno do que aquelas propostas por Hobbes, Locke e Rousseau. O
contraste entre esses e o argelino possibilita trabalhar a noção de verdade na política de modo
que possamos, junto dos alunos, superar a ideia de verdade como posse, como única e
absoluta.
XLII
RANCIÈRE, Jacques, “O mestre ignorante – cinco lições sobre a emancipação intelectual”.
Tradução de Lílian do Valle. Belo Horizonte, Autêntica, 2007.
M.G
XLIII