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ISPA – METODOS DE AVALIAÇÃO II

2011/2012

OS TIPOS DE FUNCIONAMENTO

Há três grandes registos de funcionamento mental:

Registo Neurótico

Neurose Obsessiva
A neurose obsessiva caracteriza-se por um estilo rígido de conflito intrapsíquico (série A).
Predominam o controlo, a supressão do afecto, a rigidez e o conflito entre agressividade e
defesa. O objectivo e a representação calcam o subjectivo e o afecto (secura e tristeza).

Na neurose obsessiva pretende-se controlar a hostilidade e a agressividade. A obsessão


visa recobrir o medo de ser descoberto e o distanciamento visa evitar agredir e ser agredido
(superego sádico e paranóia). Há assim uma formação substitutiva do pensamento. O sujeito
recorre à racionalidade, à dúvida, à ruminação, escrúpulos, às hesitações, ao dogmatismo
e ao pensamento mágico. Há também uma firmeza das ideias persistentes e dos rituais: se
há luta contra alguns pensamentos há inibição e restrição do pensamento e da acção

As condutas adoptadas por estes sujeitos são a rigidez nas posturas, a exigência, o pavor face
ao imprevisto, a compulsão (sistematizar, ordenar, excluir a surpresa, falsificar e denegar). Os
temas dominantes são o trabalho, a moral, a religião e os conflitos (com a autoridade,
agredir/ ser agredido, submeter/ ser submisso, crueldade/ generosidade, obscenidade/
pureza, ordem/ desordem, amor/ ódio, bissexualidade/ homossexualidade).

Quanto à linguagem, predominam a sobriedade, precisão, neutralidade, rigor, lógica, recusa


afectiva, poucos verbos, poucos adjectivos, precauções verbais, e o uso do condicional.

No que se refere às defesas e tendo em conta que o recalcamento é insuficiente, são muitas as
defesas a que o obsessivo recorre. São elas o isolamento (realidade, objectivo, mudança de
tema), a intelectualização (conhecimento, distanciamento), a racionalização (afastamento do
afecto), a ruminação (dizer, redizer e nada dizer), o deslocamento (reduzir a intensidade
emocional), a anulação (substituir por contrários), a denegação (dizer e dizer que não disse) e
as formações reactivas (banalização ou irritabilidade ou obediência ou cortesia).

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Neurose Histérica
A neurose histérica é caracterizada por um estilo lábil de conflito inter-psíquico (série B).
Há aqui um acto de deixar ir, de invasão do afecto através da dramatização e adjectivação
excessiva e ainda um conflito entre o desejo e a defesa. Têm um desejo (incestuoso)
impossível (de querer e não poder), o que leva a fixações fálicas e a regressões à
oralidade. Há uma expressão edipiana clara com abaixamento do reconhecimento dos
interditos – sedução e avidez afectiva.

Na neurose histérica, os temas são essencialmente edipianos, com fantasmas sexuais e


teatralizações como necessidade de ser amado, protegido e de desespero pelo facto do
objecto de amor estar afastado.

As condutas adoptadas podem ser, ou de precipitação e encurtamento de distância, ou de


alheamento e distractibilidade.

Quanto aos modos de pensamento e linguagem, pode haver ou um fraco investimento e


vago das expressões, ou uma qualificação excessiva com adjectivos, comentários,
dramatização (intensa expressão emocional, labilidade, introdução de múltiplas
personagens com labilidade identificatória).

Relativamente às defesas, o recalcamento destaca-se. Outras das defesas a que o histérico


pode recorrer são a amnésia (ou falso esquecimento), a fuga (acção ou imobilidade) a
retirada histérica (desinteresse, silêncios, vivência subjectiva e experiencial

Neurose Fóbica (inibição, neurose de angústia)


A fobia caracteriza-se por um evitamento de um objecto ansiogénico (fóbico), que
substitui o objecto original (ex: do pai para o cavalo do Hans). As inquietações e angústias
são transpostas para o concreto, o factual ou corporal.

A neurose fóbica está relacionada com a restrição, com a redução na participação do


sujeito, com as recusas, bloqueios e rupturas associadas.

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Registo Limite
No registo limite a tónica é posta na dificuldade da relação eu/ outro ou interno/ externo.
Há uma precariedade do sentimento do eu. As condutas agidas e a procura do outro que
nunca aparece como suficientemente gratificante são as principais características. As
lógicas são dominantemente aconflituais visto que não existe a constituição do outro
diferente.

Há duas expressões para uma mesma problemática. Por um lado, há uma retirada
pulsional. O sujeito fecha-se a qualquer contacto (esta é uma retirada narcísica que nada
tem a ver com o autismo) e tem um sentimento de perda inultrapassável. Tem um
sentimento de vazio, onde domina a cor branca. Se, pelo contrário, dominar o negro, isso
significa que o sofrimento é muito maior. Esta lógica narcísica sustenta-se face à iminência
da invasão do objecto. Por outro lado, a segunda lógica é a da exposição depressiva. Neste
caso, os sujeitos são excessivamente apegados ao objecto mas também são sempre muito
modificados por qualquer movimentação do objecto que é vivida com muito sofrimento.
Há, simultaneamente, uma impossibilidade de se largar do objecto e uma impossibilidade
de obter uma gratificação deste.

No estilo narcísico há riscos de invasão, dissolução, ruptura dos limites, porosidade dos
envelopes sobre investimento dos limites, retorno a si, isolamento, desprezo ou
imobilização do outro.

No estilo depressivo, de perda do objecto, o outro é recusado, há uma deformação e


deturpação do real e o reforço das barreiras é feito por adesão, apoio e dependência.

Estilo Narcísico
No estilo narcísico há referências directas e claras a perdas importantes e precoces. Estes
são sujeitos com uma imensa solidão devido ao sofrimento e mal-estar com que falam do
outro. O máximo da manifestação de dor face à relação com o outro é a raiva narcísica e a
aproximação ao outro é sempre vivida com um sofrimento imenso.

Uma das características é a falha profunda do mundo psíquico que impõe uma
construção de funcionamento de prótese. O outro funciona na lógica de prótese. Estes
sujeitos necessitam de se sentir elogiados pelos outros. Dão-se a ver para serem
admirados e não amados. Já desistiram de ser amados.

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Oscilam entre dentro e fora. Fora falta sempre qualquer coisa, pelo que voltam para
dentro, voltam a procurar…

São sujeitos com falhas na elaboração psíquica. Há aqui dois tipos de expressão: uns não
conseguem fantasiar e para eles tudo é aterrador e outros partem para o agir. Estes
sujeitos apresentam também perturbações identitárias e identificatórias (eu – um –
único; outro (raiva, ódio, inveja).

A sua expressão dominante é uma ferida intolerável que leva à retirada, à centração e ao
desprezo. Em última instância, quando a ferida é muito grande e as defesas são poucas, há
imobilização e morte psíquica. Não há encenações mas sim pôr em quadro. Pelo temor
do sofrimento há retirada libidinal (polaridade narcísica da vida pulsional). Não há
sexualidade nem desejo (isto insere-se na lógica da imobilidade).

O Eu do sujeito é vacilante – inflação do Eu (Dd narcísicos, referências pessoais e


autobiográficas). Pode haver idealização ou desidealização com sobreinvestimento na
aparência e omnipotência do pensamento contra perda intolerável (na lógica da
racionalidade).

Na construção das narrativas há um vai e vem entre o investimento do objecto e


retraimento pela angústia que suscita. A fragilidade identitária e identificatória levam a
uma vigilância face ao externo e centração no Eu, na identidade e na unicidade; o branco e
o vazio levam ao recurso à realidade externa para assegurar as fronteiras entre o dentro e
o fora.

Há uma centração no Eu com exclusão do outro através do pôr em quadro, da vivência


subjectiva, das referências pessoais e autobiográficas e dos afectos intensos. Contudo, há
uma incapacidade do sujeito se diferenciar face ao outro, o que se expressa pelas
personagens vagas, indistintas ou grandiosas.

Os temas dominantes operam à volta do verbo olhar (ver e ser visto), tocar (calor e frio),
limites (contorno, sombreado, luzes, espaço) – investimento sensual e sensorial da
realidade. Há uma valorização dos contornos e envelopes e uma procura de pele
delimitante (Dd narcísicos, sensorialidade). Quanto aos afectos, o corpo é visto como uma
máquina a significar, sem desejo e sem sedução. Há uma postura significante de afectos

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com afectos título, sem qualquer cenário ou âmbito relacional) há também um apelo ao
olhar e espelho (onde nos vemos e perdemos).

Estilo Depressivo
O estilo depressivo caracteriza-se por abandono, rejeição, ausência de prazer, extenso e
interno sofrimento, incapacidade e impotência e mundo em perigo.

Os temas abordados são de perda, suporte, anáclise, ausência do outro (ou salvador, ou
perseguidor, ou rejeitante), nostalgia, desespero, doença, fraqueza, abandono, insucesso,
infelicidade, suicídio, morte (ou a excessiva felicidade e amor e finais felizes), chamadas à
paz e à calma, mania. Estes protocolos caracterizam-se pela restrição com clichés,
personagens tristes, passivas, dependentes, com empobrecimento, conformismo e miséria.

Há aqui uma instabilidade e precariedade. Amor e ódio são indissociáveis, há angústias


de aniquilamento, de desabamento mortífero, de vazio (negro), fantasmas destrutivos,
pulsões de morte sem para-excitação. A depressão e a mania estão também presentes
pela impotência, inferioridade, humor, recusa do mal e sofrimento, ilusão da falta, procura
de cumplicidade, sobrecarga megalomaníaca e idealizações (“tudo bem no melhor dos
mundos”).

O estilo depressivo está relacionado com perturbações do pensamento, embora haja


comunicação e até mesmo linguagem poética (telescopagem, perturbações da sintaxe).

As modalidades defensivas são as mais arcaicas: clivagem, idealização primitiva.

Registo Psicótico
A psicose expressa-se no TAT pelo predomínio de procedimentos de tipo E. as psicoses
implicam alterações na relação com o real (percepção) e nas modalidades do discurso. As
perturbações na relação com o real manifestam-se através dos Dd raros e bizarros, das
falsas percepções, percepções sensoriais, percepções de objectos fragmentados e mal
formados e da escotomia de objectos manifestos. As perturbações nas modalidades do
discurso expressam-se por falhas verbais, discurso vago e indeterminado (fragilidades
identificatórias e perturbações maciças do real, associações curtas, rupturas e falhas das
ligações, abstracções e simbolismo +/- hermético.

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Estes sujeitos têm falhas maciças da identidade: falhas da integridade, confusão de


identidade e instabilidade do objecto (o objecto não é captável porque não há apego à
realidade). Apresentam também confusões espaço-temporais.

As temáticas psicóticas giram à volta das representações e afectos crus e maciços (sexuais
ou agressivos). Há a perseveração dos temas, inadequação dos temas aos estímulos e
também arbitrariedade dos temas.

Uma das características fundamentais nas psicoses é a incompletude do Eu numa


problemática da identidade. Trata-se de limitações e frustrações muito importante que
ocorreram precocemente, impostas ao Eu e que ocorrem devido a regressões e fixações
arcaicas.

O conflito é com a realidade, onde há alterações profundas pela projecção e sobrecarga


fantasmática. Há uma desagregação corporal, perda da identidade e apagamento dos
limites (corporais, espaço-temporais, eu-outro e dentro-fora).

Os afectos e as representações têm um carácter de massividade, crueldade,


omnipotência, sem interditos, com incoerências e paradoxos. A angústia pode ser muito
intensa (angústia de fragmentação, destruição e morte), o que é sinal de desrealização e
depersonalização. As defesas são sádicas, com comprometimento do reconhecimento de
si e do outro, com recusa da separação, das diferenças e da alteridade. Implicam
desligação, desertificação e, em última instância, morte psíquica. As defesas típicas são a
projecção, a recusa da realidade e a clivagem do Eu.

O pensamento é marcado pelas rupturas, descontinuidade, dissociação e separação. A


factura pode ser mais expansiva ou mais inibida, mais paranóide (com apego, vigilância e
arbitrariedade face ao exterior) ou mais retirada da realidade. Há uma impossível
objectivação ou impossível subjectivação.

Há dois tipos de expressão na psicose: as manifestações exuberantes e as temáticas.

As psicoses são as estruturas de funcionamento mais arcaicas (oral e anal), onde se pode
verificar fixação ou regressão. As defesas são arcaicas: projecção (arbitrário), recusa
(ódio) da realidade. O ego é organizado devido a falhas primitivas na relação com o objecto
materno. O Eu – outro e o dentro – fora não estão separados nem ligados. No modelo

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relacional privilegia-se a relação eu/ outro e dentro/ fora, onde o sujeito está confundido
com o objecto porque a separação é impossível. Também é impossível uma ligação de boa
qualidade.

Em termos estruturais, há três formas de expressão das psicoses:

Esquizofrenia
Esta é a estrutura com fixação e/ ou regressão mais arcaicas, dominância oral receptiva
e passiva.

Há uma recusa primária da realidade, retirada da realidade, com sobrecompensação


eventual através da actividade delirante (sempre mal sistematizada). Quando se
aproxima da realidade surge a confusão e quando se afastam há uma recusa do sentido e
da alteridade.

Há impossibilidade de figurar, com falhas do continente e conteúdos bizarros. As


palavras são as coisas. As palavras e as ideias são insólitas, o discurso incompreensível e o
julgamento deficiente.

Melancolia
Nesta estrutura há uma fixação e/ ou regressão oral sádica (morder, devorar,
incorporação, introjecção). Há o primado da agressividade, que não é anal mas sim oral, de
destruição não só do objecto mas também do próprio sujeito.

A problemática melancólica é a introjecção dos aspectos frustrantes do materno. O mau


objecto é interiorizado. Há uma ausência do impulso vital, fragilidade e dependência
trágica face ao objecto.

Na melancolia há uma fusão com o mau objecto na morte. Por outro lado, na mania há
uma recusa desse mal e sofrimento, uma recompensa face à angústia dos fantasmas
sádicos destruidores que ameaçam o sujeito (sentimentos e descargas muito intensas).

Recorre-se ao arbitrário para preencher o vazio, os objectos não se fixam e há uma


pulverização e perda de sentido.

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Especificamente no TAT, a melancolia manifesta-se pela confusão entre o narrador e as


personagens dos cartões (confusão do tempo e do espaço). Os afectos e as
representações são massivos, com temas de sobrevivência, de falta de recursos, de
pobreza e miséria. As imagens são muito contrastadas num universo desertificado, onde
há pouco investimento da realidade e onde predomina a perda. A relação com a
realidade e a percepção caracteriza-se pela sensorialidade, separação de planos,
confusão identitária e a não procura de limites. Quanto à linguagem, as frases são
infinitas, sem verbos nem acção. Há o recurso a piruetas maciças, com ironia e desprezo,
que visa recusar o vazio.

Paranóia
Esta é a estrutura psicótica mais evoluída.

Há aqui uma fixação e/ ou regressão anal (retenção – expulsão – rejeição). É o pensamento


mágico que ordena estas lógicas violentas de retenção/ expulsão.

O Eu é mais distinto do Outro (apesar de haver uma maior distinção, esta é sempre
deficiente) e há uma dependência agressiva do outro.

A ameaça de penetração sádica e anal revela-se através da angústia de fragmentação. As


defesas usadas são a recusa (mais parcial) da realidade, ser destruído pelo objecto, a
vigilância e a intencionalidade projectiva. (omnipotência, megalomania).

O sujeito tem uma atitude crítica, vigilante, um estilo rebuscado, pretensioso com
afirmação de autonomia, não se deixa dominar e evita a inferioridade.

A relação de objecto é marcada pelo medo persecutório, daí a desconfiança, a


necessidade de controlo, o recurso a leis e lógicas aberrantes, o ódio à realidade e a
convicção inabalável. Há uma centração no perceptivo, embora arbitrário e temático
(recurso a Dd raros e insólitos, intencionalidade e arbitrário do pensamento, vigilância e
desconfiança). Os temas são crus: influência, poder e magia (espionagem, suspeita, ciúme,
homossexualidade, ataque ao próprio). As personagens são poderosas e com força e os
objectos são destrutivos.

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