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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA – 2º PERÍODO

Atividade: resenha sobre elementos da unidade 3 “Humanidade e Animalidade”


Nome: Glaiscy Felix da Silva
Matrícula: 2020076319

1. Definição de Cultura e o Início do Evolucionismo Cultural

No princípio das pesquisas antropológicas, em um momento em que diversos choques


culturais ocorreram e continuam a ocorrer, devido ao progresso dos processos coloniais
e expansão marítima, há várias tentativas de classificar a ideia de cultura, e nesse contexto
Edward Burnett Tylor (1832-1917) é considerado por muitos o pai da antropologia ao
defini-la como “todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume
e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro
da sociedade”, usando cultura e civilização como sinônimos, e por isso se afastando das
definições atuais para ambos os termos, que serão citadas mais a frente. Além disso, em
algumas de suas pesquisas, Tylor tinha como foco as “antiguidades” do período pré-
colombiano, e já demonstrava a natureza de suas ideias evolucionistas ao considerar que
as pessoas daquele país eram “totalmente incapazes de governar a si próprios”.

É por essa perspectiva que surge a linha de pensamento sobre o evolucionismo cultural,
que, a partir de uma interpretação das ideias darwinianas, acredita que a humanidade
“teria se desenvolvido em estágios sucessivos e obrigatórios, numa trajetória basicamente
unilinear e ascendente” (CASTRO, 2005), de forma necessária e natural segundo Lewis
Henry Morgan (1818-1881), que a partir de suas pesquisas conclui que as civilizações
avançam de forma uniforme em todos os continentes e de forma semelhante entre tribos
e nações que se encontram em um mesmo estágio de desenvolvimento.

Para a maior parte dos evolucionistas vitorianos, “a humanidade consistia em grupos que
eram aculturados em vários graus e distribuídos nos degraus de uma escada de evolução
cultural” (ERIKSEN & NIELSEN, 2007). Essa visão, por acreditar em um único caminho
evolutivo humano, via os povos “não ocidentais” como um exemplo atual de povos
primitivos, um “museu vivo” da humanidade, “representantes de etapas anteriores da
trajetória universal do homem rumo à condição dos povos mais ‘avançados’” (CASTRO,
2005), e que, por isso, não teriam se desenvolvido e avançado como civilização. Logo,
tento como perspectiva se tratar de um período ainda muito coberto de preconceitos, com
contínuos conflitos culturais que continuariam existindo e causando diversos debates
sobre cultura, humanidade e direitos, a antropologia, mesmo com o avanço de pesquisas
e aumento de estudos, ainda reflete e produz pensamentos que colocam o outro em um
nível inferior. Para Frazer, o último grande evolucionista vitoriano, um selvagem estaria
para um homem civilizado assim como uma criança estaria para um adulto, definindo a
selvageria como a condição primitiva da humanidade.

Sabemos que os antropólogos “primitivos”, isto é, os primeiros da história da


antropologia, apesar de terem pensamento crítico e analítico em sua maioria, saem de uma
vivência dentro de estruturas de poder que constroem e são favoráveis a esta
hierarquização, porém tais estudos foram importantes inclusive para que essa perspectiva
fosse superada, mesmo que não por completo. Ainda sobre isso, no próximo tópico
pretendo abordar mais sobre as consequências dessa interpretação evolucionista sobre a
cultura.

2. Bases do Evolucionismo Darwiniano e suas Consequências Sociais

Em 1859, Darwin publica “A origem das espécies”, revolucionando a ciência que até
então estava firmada em uma compreensão criacionista sobre as espécies. Nesta obra, fica
claro que todas “as espécies existentes haviam se desenvolvido lentamente a partir de
formas de vida anteriores” (CASTRO, 2005), através da teoria de seleção natural, que
define que a partir de qualquer tipo de mudanças nas condições de vida em um
determinado lugar, aqueles que de alguma forma se adaptaram teriam perpetuado a
espécie, enquanto aqueles que não conseguissem se adaptar, acabariam por se extinguir.

Apesar de ser uma descoberta muito proveitosa para o avanço da ciência, sua
compreensão foi por vezes muito vaga e superficial quando foi utilizada para reforçar
discursos preconceituosos, fortalecidos após a teoria de darwinismo social que tinha
Herbert Spencer como seu principal mentor. Segundo Castro (2005), as ideias filosóficas
de Spencer definiam a escala evolutiva da humanidade de forma ascendente e linear
através de vários estágios, e se constituiu como o fundamento do período clássico do
evolucionismo na antropologia como já foi dito, mesmo não sendo este o teor da teoria
darwiniana.
Desta mesma interpretação deturpada, surgiram movimentos racistas de eugenia que
acabariam por aumentar ainda mais o extermínio sobretudo do povo negro, que mesmo
após a abolição da escravatura ainda eram vistos como inferiores, comparados aos
animais. Sobre isso, a psicanálise freudiana vai dizer que essa tendência de enquadrar
grupos de homens no campo da animalidade provém da visão de que o animal serviria
como um objeto de tentação para satisfazer tendência agressiva do indivíduo, uma vez
que o animal também é definido como inferior diante de uma visão antropocêntrica em
que o homem é o ápice do processo evolutivo. Logo, assim como o animal, certos povos
colocados no campo da animalidade, tendo seus processos de dominação e extermínio
justificados.

3. Difusionismo e outras linhas

Na antropologia, a tradição evolucionista é rompida com a publicação em 1922 de


Argonautas do Pacífico Ocidental de Malinowski que mostra uma longa pesquisa de
campo com os nativos das ilhas Trobriand (CASTRO, 2005), a partir de então, o
difusionismo ganha força entre os antropólogos diferindo do evolucionismo cultural ao
estudar a origem e a disseminação de traços culturais distribuídos geograficamente a
partir da migração. De acordo com essa linha de pesquisa, as culturas teriam trações de
diversos tipos de origem e história, funcionando como um mosaico, ou melhor, “a história
cultural seria uma narrativa fragmentada de encontros culturais, migrações e influências,
cada instância da qual era única.” (ERIKSEN & NIELSEN, 2007). Ademais, o esforço
comparativo feito de forma sistemática e a ênfase dada ao conhecimento empírico
tornavam o difusionismo algo novo no ramo antropológico, mesmo que seus seguidores
ainda acreditassem que a mudança social levaria à um progresso mais sofisticado.

Outros pensadores também refletiram sobre a ideia de cultura e sociedade, estruturando


novas teorias. Dentre eles, David Émile Durkheim (1858-1917) aparece definindo a
sociedade como um organismo social disposta em uma divisão dicotômica de tipos
sociais, onde operam em sistemas lógicos, integrados e dependentes entre si, de forma
com que todas as partes operem para manter o todo. Este pensador, não só traz em suas
obras a ideia de que as sociedades poderiam ser divididas em sociedade mecânica ( que
representam as primeiras sociedades, onde as pessoas se percebem como semelhantes e
realizam as mesmas tarefas) ou sociedade orgânica (que mantém o compromisso mútuo,
porém com uma percepção de que as pessoas são diferentes e que por isso tem papeis
complementares para o bem estar do todo), sem a ideia de progressão unilinear dos
evolucionistas, sendo as civilizações apenas organismos sociais que mereciam ser
estudados por seu valor único, como também acrescenta à sua teoria a ideia de
representações sociais como “imagens” e modelos simbólicos que geram a solidariedade
na sociedade, e se desenvolvem através de relações interpessoais até adquirirem um valor
supraindividual. Logo, o “exótico” para Durkheim, poderia ser compreendido
simplesmente como um conjunto de representações coletivas que criariam solidariedade
social (ERIKSEN & NIELSEN, 2007).

Além disso, outro autor interessante de ser tratado é Clifford Geertz, que em sua obra “O
impacto do conceito de cultura sobre o conceito de homem” (1989) conclui que a cultura
é “melhor vista não como complexos padrões concretos de comportamento [...], mas
como um conjunto de mecanismos de controle – planos, receitas, regras, instruções – para
governar o comportamento” (p. 32). Segundo Geertz, o indivíduo precisa de fontes
simbólicas que criem apoios na sua visão de mundo e norteiem sua vivência, onde sem
elas seu comportamento seria ingovernável e sem forma. Nesta perspectiva, esse
antropólogo irá dizer que no desenvolvimento da humanidade, o corpo e o cérebro foram
criados em “um sistema de realimentação (feedback) positiva, no qual cada uma
modelava o progresso do outro, um sistema no qual a interação entre o uso crescente das
ferramentas, a mudança da anatomia da mão e a representação expandida do polegar no
córtex é apenas um dos exemplos mais gráficos.” (p. 35). Este apoio nos sistemas de
símbolos significantes (linguagem, arte etc.), oferece ao sujeito um ambiente em que ele
é obrigado a se adaptar, utilizando-os como forma de orientação e comunicação.

Por fim, Durkheim e Geertz me parecem ter vários pontos em comum de acordo com o
que foi exposto no texto, e trazem uma perspectiva mais próxima do que estudamos
atualmente sobre esta temática. Todavia, é necessário continuarmos refletindo sobre essas
definições, pois elas acabam por se constituir como símbolos significantes que nos guiam
em outros temas. Precisamos saber refletir sobre quem somos, e como nos tornamos, para
que não perpetuemos, sem perceber, uma opressão que apaga nossa existência, e para
que, além de nosso grito não ser calado, que nossos ouvidos estejam prontos para nos
ouvir.
REFERÊNCIAS

CASTRO, Celso. 2005. “Apresentação”. In: Evolucionismo cultural: textos de Morgan,


Tylor e Frazer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, pp. 07-40 [33 pp.].
ERIKSEN, Thomas e NIELSEN, Finn. 2007. “Vitorianos, alemães e um francês”.
História da Antropologia. Petrópolis: Vozes, pp. 27-49. [22 pp.].
GEERTZ, Clifford. 1989. “O impacto do conceito de cultura sobre o conceito de homem”.
In: A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, pp. 25-39. [14 pp.].
BBC. 2007. Racismo científico, darwinismo social e eugenia. Documentário, 57’.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hPYZi_AlTh4

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