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Romanos Exposigéo sobre Capitulo 6 O NOVO HOMEM D. M. Lloyd-Jones Fes PUBLICAGOES EVANGELICAS SELECIONADAS Caixa Postal 1287 01059-970 — Sao Paulo —- SP Titulo original: The New Man Editora: The Banner of Truth Trust Primeira edigdo em inglés: 1972 Copyright: D. M. Lloyd-Jones Traducdo do inglés: Odayr Olivetti Revisao: Antonio Poccinelli Capa: Sergio Luiz Menga Permissao gentilmente concedida pela Banner of Truth Trust para usar a sobrecapa da edicdo inglesa Primeira edigao em portugués: 2001 Impressao: Imprensa da Fé 9 ll Andlise introdutéria — capitulo 6, um paréntese — exposto o problema do antinomianismo ~o “perigo” da doutrina da justificagao pela fé - a correta tradugdo do versiculo 2. 26. » 26 Dando-nos conta da nossa situacao - consideradas varias interpretagdes da frase chave — morte para 0 dominio do pecado ~ a impossibilidade de continuar no pecado. Unido com Cristo — a espécie de batismo ao qual se faz referéncia - 0 conhecimento comum desta doutrina ~ a posigaéo de todos os cristéos -— batismo no Cristo completo. 4.. 62 As implicagées da nossa uniéo com Cristo - uniéo em Sua morte, sepultamento e ressurrei¢ao — fatos objetivos passados, nao exortagées — 0 glorioso poder de Deus —a vida no novo dominio. 5 ssecoee + 78 Asemelhanga da ressurreigéo de Cristo, agora e no futuro -o0 velho homem e sua crucifixdo — 0 conhecimento da fé levando a experiéncias gloriosas. 6 wees 7 sseasses 95 As conseqiténcias negativas da nossa crucifixio com Cristo — distingao entre “o velho homem” e “o corpo do pecado” — abolido o pecado no corpo — liberdade da escravidao do pecado. 5 7 ove 111 A reconciliagao de que falam Romanos 6:6 e Efésios 4:22-24 - encorajamento pratico — defendida a traducio de “libertados” — liberdade da tirania do pecado —a seguranca do crente, 8 sssveessessseeeanveesseenee 127 O aspecto positivo ~ 0 uso que Paulo faz do futuro no versiculo 8 — a relagao de Cristo com o pecado ~ o significado da Sua ressurreigdo — a morte de Cristo para 0 pecado. 9 .. 143 O viver de Cristo para Deus - contraste com a Sua humilhacao - tirando as conclusées certas a respeito de nés mesmos — 0 que Paulo nao esté dizendo. 10.. 7 A morte de Cristo para o dominio do pecado — a fii dominio da morte, a condenacao da lei e a escravidao do pecado — 0 apéstata. ll. 176 Ocristdo sob o dominio da graga— uma nova relagéo com Deus —0 propésito divino de santidade para nés — seu cumprimento certo e seguro — as conseqiléncias praticas de uma “avaliacao” apropriada. 12... wee 196 “Portanto” ea necessidade de aplicacao do ensino — 0 método pelo qual o Novo Testamento ensina a santidade— “nao reine 0 pecado em vosso corpo mortal” — motivos e incentivos para a santificagao. 13... Uma exortagio dirigida 4 nossa vontade — 0 pecado, o inimigo ~ nossos membros — apresentagéo de nés mesmos a Deus - 0 clinico e o campo de exercicios. 14. Uma lembranga da nossa capacidade dada por Deus ~ glorificando a Deus— versiculo 14, um incentivo a obediéncia — a lei e a graga ~ a nova alianga. 6 250 Anflise da segunda metade do capitulo - explicada a préxima objecdo ~ escravos do pecado ou da obediéncia - propriedade demonstrada pela vida. 16... + 269 A grande mudanga: mente, coragio e vontade — 0 padrao de obediéncia-a fé ca obediéncia. 17 . 290 Liberdade do pecado — escravizago sob a justiga - 0 princfpio da nova vida - o humanismo e o farisaismo ~ sangées religiosas — a redengio e a moralidade. 18... O uso da analogia - escravidéo voluntéria - a fraqueza da carne — discernimento espiritual — crescimento na compreensao. 1D sssesscrsecesseseseceen 331 Variedades de personalidade — exortagao, nao uma segunda experiéncia -— as razodveis exigéncias de Deus — 0 que éramos e 0 que somos. 20 351 Argumentos em apoio do viver santo —a velha vida — liberdade em relagio a justica ~ falta de frutos, vergonhae morte. 21... wee 370 “Mas agora” — anova vida —a liberdade cristé— a escravidao crista—o fruto cristo. 22. sraeerseere Sumario e conclusao — duas possibilidades contrastantes para os homens — o Senhor a quem servimos — as condigées do servigo — 0 fim supremo ~ tudo mediante Jesus Cristo, o nosso Senhor. PREFACIO Num domingo 4 noite, no fim de um culto realizado na Capela de Westminster, 14 pelo ano de 1943, um certo pregador conhecido procurou-me no gabinete e me perguntou: “Quando vocé vai pregar uma série de sermées expositivos sobre a Epistola aos Romanos?” Respondi imediatamente: “Quando eu tiver entendido de fato o capitulo 6”. Como muitos outros, eu tinha pelejado com este capitulo durante alguns anos, e tinha lido, nao somente os comentarios conhecidos, mas também muitos sermées e discursos sobre ele. No entanto, nenhum deles me satisfez; antes, todos me deixaram a impressfo de que estavam em dificuldade a respeito. Alguns passaram ligeiramente por sobre a superficie, usando o capitulo para provar a sua teoria particular sobre a santidade. Os comentarios mais sélidos pareciam contraditérios entre si. Em 1954, quando eu estava pregando uma série de sermées sobre a Depressdo Espiritual, e estudando de novo este capitulo, de repente senti que havia chegado a um entendi- mento satisfatério, e preguei dois sermées nos domingos de manhi, fazendo o que nessa ocasiao considerei como a fiel exposicao do principal argumento desse capitulo. Tendo feito isso, achei que agora estava em condig6es de pregar uma extensa série sobre toda a Epistola; e comecei a fazer isso em outubro de 1955. Este volume é dedicado inteiramente ao capitulo seis. A argumentagao do apéstolo é estreitamente entretecida,e é vitalmente importante que tenhamos em mente tudo o que ele j4 dissera quando abordarmos cada novo ponto. Embora isto envolva muita repeticao, é essencial para que haja um verdadeiro entendimento. A questao é altamente controvertida, em boa parte por sua grande importancia. Minha esperanga é que estes sermées, em alguma medida, levem os leitores a voltarem ao capitulo para examind-lo de maneira completa, cuidadosa e paciente. Pessoalmente, minha nova compreensdo deste capitulo foi uma das experiéncias mais libertadoras da minha vida crista. Espero que isso se repita na vida de outros. Estes sermées foram pregados nas noites de sexta-feira na Capela de Westminster, de outubro de 1958 até abril de 1959. Mais uma vez estou profundamente agradecido a Sra. E. Burney, ao Sr. S. M. Houghton e @ minha esposa por sua incalculavel ajuda. Setembro de 1972. D. M. Lloyd-Jones 1 “Que diremos pois? Permaneceremos no pecado, para que a graca abunde? De modo nenhum. Nés, que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele?” — Romanos 6:1,2 Na Epistola aos Romanos, a importante seco que comeca com o capitulo seis, é, suponho, a secéo mais conhecida de toda a Epistola. E a parte a respeito da qual se fala mais freqitentemente, e provavelmente seja certo acrescentar que é a mais freqiientemente mal entendida e mal interpretada. E passagem bem conhecida porque é tratada, citada e exposta com muita freqiiéncia em conex4o com o ensino sobre santificacéo e santidade. Em geral é considerada como a passagem e exposicao cldssica em todo 0 Novo Testamento sobre esse tema particular. Mostrarei, contudo, que é justa- mente nesse ponto que toda esta segao muitas vezes tem sido mal interpretada e mal entendida. Uma maneira muito comum e popular de dividir a mensagem desta Epistola é a seguinte: Capitulos | a 5, justifi- cacao. Capitulos 6 a 8, santificagéo. Capitulos 9, 10 e 11, 0 problema dos judeus e das coisas derradeiras e finais. Capitulos 12 a 16, exortagdes e aplicagdes praticas. Esse tipo de divisao mostra-se muito interessante e atrativa; parece tornar simples o ensino da Epistola; mas eu vou empenhar-me em demonstrar que é completamente errada, nado somente porque é totalmente mec4nica, mas também porque impée a Epistola algo que ela nao diz. Certas pessoas gostam de ter tudo classificado desta maneira bem feita e sob titulos; elas acham que isso torna tudo nl O Novo Homem muito mais simples; porém, sugiro-lhes, sempre torna as coisas muito mais complicadas. De qualquer forma, deve ser uma invaridvel regra de interpretac4o das Escrituras deixar-nos guiar pelas palavras que temos diante de nds, e nao Ihes impor um esquema que pode estar em nossa mente, mas nao nas palavras propriamente ditas. E boa coisa ter tudo bem arranjado na mente, e se vocé puder fazer certo niimero de divisées, todas comegando com a mesma letra do alfabeto, isso pode ser um bom auxilio para a memoria. Entretanto nunca devemos fazer isso em detrimento das palavras das Escrituras. Tenho a impressao de que, em geral, o problema com esta segao € que, para termos em nossa mente uma divisdo bem arranjada, somos culpados de forcar as palavras e impor ao texto algo que realmente no esta ali. E importante, pois, examinar primeiramente esta secao de maneira geral, antes de nos aplicarmos a uma detalhada andlise e exposicdo. Ao fazé-lo, comego declarando que aqui, obviamente, nao estamos iniciando uma nova sec4o, num sentido fundamental. O que quero dizer é que 0 apdstolo nao tinha concluido um assunto no fim do capitulo 5, iniciando agora algo inteiramente novo. Isto seria comegar uma nova secio num sentido fundamental. Eu argumento que o apéstolo nao esta fazendo isso aqui; e € nesse ponto que a superficial e facil classificacao ec subdivisdo da Epistola erra. Essa forma de ver insiste em comecar uma nova secao aqui, dizendo: até aqui Paulo tratou da justificagaéo; agora ele passa a ocupar-se do tema da santificacdo. Alguns colocam o in{cio da nova segao aqui — capitulo 6, versiculo primeiro; outros 0 colocam no capitulo 5, versiculo 12. Quando tratei daquele versiculo, procurei indicar que nao via nada que sugerisse que o apéstolo estava comecando a tratar da santificagéo ali. Agora digo a mesma coisa a respeito deste primeiro versiculo do capitulo seis. Nao temos aqui uma seco inteiramente nova. Com que base digo isso? As préprias palavras que temos diante de nés. 12 Romanos 6:1,2 “Que diremos pois?” Sobre o qué? Sobre o que ele tinha acabado de dizer; ele vai dar continuidade a isso. O que ele vai dizer agora é algo que, direta e evidentemente, vem do que ele ja estava dizendo. Esta claro, pois, que estamos vendo uma coisa que tem direta e imediata relagéo com o capitulo ante- rior, uma coisa que se levanta diretamente dele. Que sera? Nesta altura devemos lembrar-nos do tema geral do capitulo 5. Qual é 0 ensino do apostolo ali? De pouco vale passar ao capitulo 6, se esquecemos 0 que o apéstolo estivera dizendo no capitulo 5. Nao nos esquecamos nunca de que quando Paulo escreveu esta Epistola, ela nao estava dividida em capitulos. Isso s6 foi feito por volta do século 16, e em certos pontos nao foi um trabalho acurado. Mas foi feito para conveniéncia dos leitores. Na verdade a carta era um texto continuado. Qual tera sido, entao, 0 tema do capitulo 5? Eo tema da seguranga e certeza da salvacao. Nosso argumento ali foi que, tendo desenvolvido a sua grande doutrina da justificagdo somente pela fé nos quatro primeiros capitulos, e tendo tratado de varios argumentos apresentados contra ela, 0 apdéstolo comegou ent&o a deduzir as coisas resultantes da justificagdo. “Sendo pois” ~ tendo sido ~ “justificados pela fé, temos paz com Deus, temos entrada pela f€ a esta graca, na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperanga da gloria de Deus”. Esse é 0 tema de todo o capitulo 5. Paulo esta asseverando que a nossa justificagéo garante a nossa plena redencao no sentido mais completo; que, se o homem for justificado pela fé, poderd sentir-se feliz acerca de sua salvacao final. Se vocé tiver sido justificado, poderé estar certo e seguro de que vai ser santificado e glorificado. Se nés fomos justificados pela fé, “nos gloriamos na esperanca da gléria de Deus”. Ou, como temos indicado, vemos o mesmo salto da justificacéo para a glorificacéo que se vé no capitulo 8, versiculo 30: “E aos que predestinou a estes também chamou: € aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou”. O Novo Homem Esse € 0 tema, e 0 argumento, do capitulo 5 - que, se fomos justificados, estamos em condicdes de saber que teremos a redengao total e completa. Seu desejo é que estes romanos compreendam isso, pelo que ele 0 desenvolve e mostra que nada pode estar entre cles ¢ este final garantido. As tribulagées n&o podem impedi-lo; nada o pode fazer; na verdade, todas essas coisas fortalecem a certeza. Temos uma prova absoluta disso, diz ele, no fato de que, se Deus deu Seu Filho para morrer por nés quando éramos inimigos, “muito mais, estando j4 reconciliados, seremos salvos pela sua vida” (5:10). Isso, por sua vez, leva-nos 4 maravilhosa passagem que vai do versiculo 12 ao fim do capitulo, na qual o apédstolo apresenta 0 tema mais maravilhoso de todos, a nossa uniao com o Senhor Jesus Cristo. Estévamos ligados a Addo; agora estamos ligados ao Senhor Jesus Cristo. Paulo afirma que a nossa salvacdo é tao certa como essas ligacdes. Estamos em Cristo, e, devido estarmos em Cristo, tudo quanto Lhe pertence ser nosso, como tudo quanto pertencia a Ado ja se tornou nosso. Por causa daquele tinico pecado de Ado, colhemos as suas pavorosas conseqiténcias. Mas, por causa deste tinico ato do Filho de Deus, vamos colher todos os beneficios da salvacao. No fim do capitulo (5) o argumento do apéstolo chega ao seu tremendo climax: “Veio, porém, a lei para que a ofensa abundasse; mas, onde o pecado abundou, superabundou a graca; para que, assim como 0 pecado reinou na morte, também a graca reinasse pela justica para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor”. Em Cristo estamos sob 0 reinado da graca, nosso futuro esté garantido, temos certeza. Essa é a tese geral do apéstolo, que este maravilhoso ato de justificagao é uma agéo inicial que leva a todas as demais béngos e as garante todas. Ele deduz todas elas da justificagéo. Esse é 0 tema que ele desenvolve até chegar ao emocionante climax do fim do capitulo 5. Mas o apéstolo nao tinha terminado 0 assunto, e nao o terminara enquanto nao chegar ao fim do capitulo 8. No 14 Romanos 6:1,2 momento, porém, ele faz uma pausa. Nao conclufra o grande tema do capitulo 5, porém acha necessdrio parar um pouco e fazer um aparte para tratar de uma questo extremamente importante. No fim do capitulo 5 ele tinha feito uma momentosa declarag4o; tinha dito que “a lei veio para que a ofensa abundasse”, mas acrescentara que, embora a ofensa abundasse “a graca superabundou”. Depois fora feita a declaracao adicional, que, como estamos sob o poder, o dominio e o reinado da graca, nada poder4 impedir a nossa salvacao final. Mas aqui Paulo antecipa a dificuldade, e ele deseja deixar bem claro o que esta querendo dizer. Ele aca- bara de dizer uma coisa que poderia ser facilmente mal entendida; de fato, havia muitos naquele tempo que a estavam entendendo mal, especialmente os judeus. E nao somente os judeus incrédulos, mas também muitos judeus que haviam sido convertidos ¢ tornados cristaos estavam em dificuldade sobre esse ponto. O apéstolo, como sempre, estava desejoso de ajudar os seus leitores a entenderem bem a sua mensagem. Por isso, para impedir que fossem tiradas falsas dedugdes do seu ensino, ele trata de cuidar imediatamente desta questao, a fim de esclarecé-la uma vez por todas. Noutras palavras, as declarag6es registradas nos versiculos 20 e 21 do capitulo 5 levantam dois problemas especiais ao mesmo tempo, e ambos esto ligados 4 questao da Lei. Eis a primeira dificuldade: esta avassaladora declaragao sobre a graca, com 0 aparente abandono da Lei, nao incentivaria 0 povo a pecar, e a pecar até mais do que antes? Noutras palavras, e introduzindo a expressao técnica, esse tipo de ensino nao teria a probabilidade de levar ao chamado antinomianismo, isto é, 4 anomia, ao desprezo da Lei? As pessoas nao estarao inclinadas a dizer: “Muito bem, se vocé me afirma que onde o pecado abunda a graca é muito mais abundante, n4o se seguiria que quanto mais eu pecar, mais experimentarei da graga de Deus? Dai, quanto mais eu pecar, mais feliz serei, e mais entendi- mento terei destas questées; o que eu fago ou deixe de fazer 15 O Novo Homem nao importa. Esse ensino nao iria induzir 0 povo a pecar?” Essa idéia surge imediatamente na mente das pessoas. Mas ha ainda uma segunda questao. Se o apéstolo fala dessa maneira da Lei, entao a Lei teria sido totalmente inttil e sem valor? Por que Deus deu a Lei aos filhos de Israel? O que estava destinada a fazer? Qual era o seu lugare fungao no grande plano e esquema da redengao? Ora, um judeu pensante e inteligente, convertido ou nao, estaria muito inclinado a pensar nesse rumo ao ouvir o climax do fim do capitulo 5. Por isso o apéstolo faz uma pausa repentina em sua tremenda argumentagao sobre a seguranca e sobre o carater final e definitivo da justificagéo, para tratar destas duas) possiveis dificuldades. 6 precisamente o que faz nos capitulos 6 e 7. Podemos ier, pois, que estes dois versiculos formam um paréntese entre os capitulos 5 e 8. O tema dos capitulos 5 e 8 € 0 mesmo, é uno e continuo. O capitulo 8, vocés se lembram, comega com as palavras: “Portanto agora nenhuma condenac4o ha para os que estao em Cristo Jesus”. Este é um elo que se liga ao fim do capitulo 5, nao ao fim do capitulo 7. O capitulo 8 comega onde o capitulo 5 termina. Os capitulos 6 e 7 entram entre eles. Nao constituem uma digressao; constituem um paréntese; sao uma interrupgéo do argumento principal a fim de esclarecer dificuldades subsididrias surgidas em conex4o com declara- g6es particulares. O capitulo 6 trata da primeira questo, se este tipo de ensino nao leva ao antinomianismo, se esta tremenda declaragdo sobre a graca “muito mais abundante” nao vai incitar as pessoas a um viver relaxado e ao pecado. A incumbéncia do capitulo 6 é tratar dessa dificuldade. Depois, o capitulo 7 trata da segunda questao, e é uma exposigao e uma explicagao do lugar, da fungao e do propésito da Lei na economia divina da redengao. A seguir, depois que 0 apdstolo tratou destas duas questées, ele esta em condigdes de retomar o grande tema do carter final de justificagao; e ele o faz, como eu disse, no principio do capitulo 8, continuando com ele até 16 Romanos 6:1,2 0 fim do capitulo. E por isso que eu afirmo que é inteiramente err6neo pensar que uma nova secdo importante comega no versiculo primeiro do capitulo 6. Nao é esse 0 caso, absolutamente; e faz violéncia ao argumento do apéstolo sugerir que é. Noutras palavras, eu rejeito inteiramente a idéia de que 0 que esté acontecendo nos capitulos 6 e7 é que o apéstolo trata ali unicamente da questéo do método da santificagéo. Conforme um ensino popular, afirma-se que ele abre esse assunto no capitulo 6 e, depois, no capitulo 7, passa a contar-nos sua experiéncia anterior, quando ele era um crist&o derrotado; e, depois, no capitulo 8, conta como veio a ser um cristao vitorioso. Estou simplesmente sugerindo que nao ha prova alguma a favor desse tipo de divisao, e que faz violéncia ao ensino do apéstolo interpretar 0 texto dessa maneira. Os capitulos 6 e 7 sio um paréntese que trata de duas dificuldades especiais ligadas ao que 0 apéstolo dissera no fim do capitulo 5. As propria palavras, “Que diremos pois? Permaneceremos no pecado para que a graga abunde?” compelem-nos necessariamente a perceber que aqui temos uma explicacéo, uma exposicéo, do que ele vinha dizendo nos versiculos anteriores. Mas vamos olhar isso um pouco mais de perto. No capitulo 6 o apéstolo esta tratando do perigo do antinomianismo, 0 perigo que tantas vezes surgiu na histéria da Igreja, de as pes- soas dizerem: “Ah, esta é uma doutrina maravilhosa, esta doutrina da salvacéo; € 0 dom gratuito, a livre graga de Deus. Realmente significa que no importa absolutamente o que vocé faga, vocé est4 salvo para sempre”. Essa doutrina tem sido mal empregada dessa maneira pelas razdes que 0 apdstolo vai explicar. E disso que ele trata no capitulo 6. Podemos subdividir o capitulo em duas partes. Isto deveria ser Sbvio, porque no versiculo 15 0 apéstolo virtualmente repete o que diz no versiculo primeiro, onde temos: “Que diremos pois? Permaneceremos no pecado para que a graca 17 O Novo Homem abunde?” E ele responde: “De modo nenhum”. No versiculo 15 esta: “Pois qué? Pecaremos porque nao estamos debaixo da lei, mas debaixo da graga?” E de novo: “De modo nenhum”. Portanto, é 6bvio que a divisao é: a primeira parte, versiculos 1a 14; a segunda, versiculos 15 a 23. De que trata ele nestas duas partes? Na primeira, da questéo geral do perigo do antinomianismo de um modo mais ou menos puramente doutrindrio; e é na verdade doutrina magnifica. E um desenvolvimento da doutrina da nossa uniao com Cristo que ele j4 apresentara no capitulo 5. E pura doutrina, com ocasional exortagao introduzida, especialmente nos versiculos 12, 13 e 14. A segunda parte, do versiculo 15 ao fim do capitulo, é mais pratica e mais experimental. Tendo demonstrado de maneira doutrin4éria a loucura dessa dedugao errada que leva ao antinomianismo, ele agora demonstra, de maneira experimen- tal e pratica, que € uma concluséo completamente tola e nada razodvel. Em ambas ele mostra o completo absurdo de se dizer, “A luz do seu ensino, pequemos, pois”. Mas ele prefere fazé-lo destas duas maneiras particulares. Tivemos, assim, uma visio compreensiva e bastante geral do argumento deste capitulo 6. Isso nos habilita a examinar agora a primeira parte. Aqui ainda podemos subdividir a matéria. Os dois primeiros versiculos nao fazem mais que levantar a questao e dar uma resposta geral. Nos versiculos 3 a 11 0 apéstolo dé uma resposta mais detalhada, e faz uma exposi¢ao da doutrina da nossa uniao com Cristo. Depois, nos versiculos 12, 13 e 14, ele nos dirige um apelo a luz disso tudo. Essa € uma elementar divisao dessa primeira parte; e isso nos capacita a passar a uma exposi¢éo minuciosa. Examinamos a matéria dessa maneira geral porque, como vimos muitas vezes antes, se nao tivermos claro entendimento da tendéncia ou impacto geral do argumento, certamente erraremos na exposigao detalhada das proposigées particulares. Na interpretagéo das Escrituras é sempre bom ter 0 todo na mente antes de passar as partes; e nunca devemos interpretar 18 Romanos 6:1,2 as partes de modo que nao correspondam 4 nossa concep¢ao do todo. Assim, tendo partido do todo, voltemo-nos agora para os versiculos | e 2. No versiculo primeiro Paulo estabelece a questao: “Que diremos pois? Permaneceremos no pecado, para que a graca abunde?” A pergunta é simples. Nao vou cansar vocés com um assunto que ja foi discutido e debatido pelos comenta- ristas, a saber, se essa pergunta é puramente retérica ou se havia alguém que tinha feito essa objegéo. Nao sabemos. Esta € uma boa maneira de lidar com as dificuldades. Um profes- sor sAbio sempre antecipa as dificuldades; e 0 apéstolo era um mestre muito sabio e experiente. Ele sabia, e ja tivera experiéncia disso em seu ministério, que certas pessoas costumavam tirar dedugoes erradas do que ele dizia; por isso se antecipa a eles. Pode muito bem ser, pois, que ele tenha introduzido essa pergunta retérica a fim de resolver a dificuldade que poderia surgir na mente das pessoas. Mas, como eu disse, bem pode ter acontecido que havia pessoas caindo nesse erro em Roma; é certamente claro que muitos haviam feito isso em diversos lugares na Igreja Primitiva. Contudo, aqui est4 a pergunta: “Permaneceremos no pecado, para que a graca abunde?” Se é verdade que onde o pecado foi abundante a graca foi muito mais abundante, bem, entio, “Permaneceremos no pecado, para que a graca abunde ainda mais?” Antes de mais nada, permitam-me fazer um comentario, para mim muito importante. A fiel pregacéo do evangelho da salvagéo somente pela graca sempre leva 4 possibilidade desta acusagao ser levantada contra ela. Nao ha melhor ma- neira de testar se um homem est4 realmente pregando o evangelho da salvacaéo conforme fala o Novo Testamento do que esta, que algumas pessoas 0 entendam male o interpretem erroneamente querendo dizer que a sua pregac¢do na verdade chega a isto — que, uma vez que vocé é salvo unicamente pela graca, o que vocé faca ou deixe de fazer nao tem a minima 19 O Novo Homem importancia; vocé pode pecar quanto quiser, porque isso redundaré em muito maior gléria da graca. Esse € um teste muito bom para verificar a pregacdo do evangelho. Sea minha pregagao e apresentacdo do evangelho da salvacgéo nao denunciar esse entendimento erréneo, nado é o evangelho. Deixem que lhes mostre 0 que estou querendo dizer. Se alguém pregar a justificagdo pelas obras, ninguém jamais levantard essa questao. Se a pregacéo de um homem for, “Se vocés quiserem ser cristéos e quiserem ir para 0 céu, deverdo parar de cometer pecados e deverao praticar boas obras; se fizerem isso com regularidade e constancia, e nao deixarem de perseverar nisso, vocés se fardo cristaos, se reconciliaréo com Deus e irao para 0 céu” - é dbvio que o homem que pregar nessa linha nunca estard sujeito a ser mal compreendido. Ninguém diré a tal homem: “Permanecere- mos no pecado, para que a graca abunde?”, porque toda a énfase desse homem é que, se vocés continuarem pecando, certamente . eréo condenados, e sé poderdo salvar-se se pararem de pecar. De modo que jamais poderia haver mal entendido. E vocés podem aplicar o mesmo teste a qualquer outro tipo ou espécie de pregacéo. Se alguém pregar que vocés sao salvos pela igreja, ou pelos sacramentos, e assim por diante, esta espécie de argumento nao surgira. Esta particular incompreensdo s6 pode surgir quando a doutrina da justificagéo somente pela fé é apresentada. Permitam que eu diga isso doutra maneira. Por certo vocés lembram do que o apéstolo diz no capitulo 4, versiculo 5: “Mas aquele que nao pratica, mas cré naquele que justifica o impio, a sua fé Ihe €é imputada como justiga”. E quando alguém diz uma coisa dessas — que Deus justifica 0 impio — que 0 entendimento erréneo tem possibilidade de surgir. Ou quando alguém diz o que vemos no capitulo 5, versiculos 9 e 10: “Logo muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira. Porque se nés, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, 20 Romanos 6:1,2 estando ja reconciliados, seremos salvos pela sua vida”. E quando pregamos coisas como esta que aquele entendimento err6neo tende a ocorrer. Portanto, este é um teste muito bom para verificar a pregacao de uma pessoa. H4 um sentido em quea doutrina da justificagéo somente pela fé € uma doutrina muito perigosa; perigosa, digo, no sentido de que pode ser mal entendida. Ela expde o homem a esta acusa¢ao particular. Os que o ouvem prega-la podem dizer: “Ah, af esté um homem que nao nos incentiva a viver uma vida virtuosa; ele parece dizer que nao ha valor nenhum em nossas obras, e que “todas as nossas justigas (sio) como trapo da imundicia” (Isafas 64:6). Logo, ele esté dizendo que, nao importa o que vocé faca, peque quanto quiser”. Dessa maneira, ha, evidentemente, um sentido em que a mensagem da “justi- ficagéo somente pela fé” pode ser perigosa, e a mesma coisa com a mensagem da salvacao inteiramente de graca. Digo, pois, que se a nossa pregacao nao nos expuser a essa acusacao € a esse entendimento erréneo, é porque nao estamos realmente pregando o evangelho. Ninguém jamais fez essa acusacao con- tra a igreja de Roma, mas muitas vezes ela foi feita contra Martinho Lutero; de fato foi o que a igreja de Roma disse acerca da pregacéo de Martinho Lutero. Diziam dele: “Este homem, que era um sacerdote, mudou a doutrina para justificar o seu casamento e¢ a sua luxtiria”, e assim por diante. “Este homem”, diziam eles, “é um antinomianista; e isso é heresia.” Essa é justamente a acusacdo que faziam contra ele. Foi também feita contra George Whitefield ha duzentos e tantos anos. E a acusagdo que um cristianismo formal e morto — se é que existe tal coisa - sempre faz contra esta espantosa e estonteante mensagem: que Deus “justifica o impio”, e que somos salvos n4o por alguma coisa que fagamos, mas apesar disso, inteira e unicamente pela graca de Deus por meio de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Esse € 0 meu comentario; e € um comentario muito importante para os pregadores. Para todos os pregadores, eu 21 O Novo Homem diria: se a sua pregacao da salvacgao nao tem sido mal entendida desse modo, é melhor vocé examinar de novo os seus sermées, e é melhor certificar-se de que est4 realmente pregando a salvagao que é oferecida no Novo Testamento ao impio, ao pecador, aqueles que estio mortos em delitos e pecados, aqueles que sao inimigos de Deus. Hé esta espécie de elemento perigoso com relacao a fiel apresentagao da doutrina da salvagao. Vejamos agora a resposta que 0 apéstolo dé no versiculo 2: “De modo nenhum” (VA: “Nao o permita Deus”), diz ele. Ja encontramos essa expressdo no capitulo trés, e vimos que essa nao é uma tradugao estritamente literal. O apéstolo nao empregou a palavra “Deus”, mas os tradutores da Versio Autorizada (inglesa) quiseram dar forte énfase, pelo que disseram: “Nao o permita Deus”. O que a expressao do origi- nal quer de fato dizer é: “De modo nenhum” (como diz a Verséo de Almeida), “nada disso”, “é inimagindvel”; “que isso nem sequer seja sugerido, jamais”. E uma expressio forte, e em certo sentido os tradutores tinham justificativa para traduzirem “Nao o permita Deus”. Por que 0 apéstolo diz isso com termos tao fortes? Evidentemente por esta razio: fazer aquela pergunta, ou levantar aquela quest4o, simplesmente mostra uma completa incapacidade de entender 0 que ele estivera dizendo acerca da justificagéo somente pela fé. Se um homem levanta essa questo acerca da continuidade no pecado, significa que até entao ele nado compreendeu o que o apéstolo tinha dito nos capitulos 1 a 5. E por isso que é inimagindvel, é por isso que nao deve ser mencionada nem por um momento. Tal homem nao somente entendeu mal a justificagéo, mas também entendeu de maneira totalmente errada a doutrina da nossa unido com o Senhor Jesus Cristo. Se tivesse entendido isso, nunca levantaria uma questéo como essa. Permitam-me defender 0 mesmo ponto de outra maneira. Um homem pode me dizer: “Vocé ensina que onde o pecado foi abundante, a graga foi muito mais abundante? Entéo 22 Romanos 6:1,2 devemos continuar no pecado para que a graca seja abun- dante?” O que esse homem est realmente dizendo € que ele nado entendeu absolutamente nada do pleno significado e propésito da graca. E qual é esse significado e propésito? Poder- -se-ia pensar que o apéstolo tinha dito isso claramente no tiltimo versiculo do capitulo 5: “Para que, ASSIM COMO 0 pecado reinou na morte, TAMBEM a graca reinasse pela justica para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor”. O que compete 4 graca? Seria permitir que continuemos no pecado? Nao! E libertar- -nos da escravidao e do dominio do pecado e colocar-nos sob 0 dominio da graga. Portanto, quando alguém pergunta: “Permaneceremos no pecado, para que a graca abunde?”, est4 meramente mostrando que nao foi capaz de compreender nem a tirania do reinado do pecado, nem o pleno objetivo e propésito da graca e seu maravilhoso reinado sobre os que so salvos. Ou, para dizé-lo positivamente, o homem que realmente entende a justificagdo, seu significado e seu propésito, nunca pensar4 desse modo e nunca falaré desse jeito. Contudo, eu quero dizer isso com maior vigor ainda.O homem que foi justificado, e que esta sob o reinado da graca, nado pode pensar desse modo, e menos ainda agir desse modo. E exatamente isso que 0 apéstolo passa a dizer. “De modo nenhum”, diz ele. “N6és, que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele?” Aqui nos vemos face a face com uma das maiores e mais importantes declaragées desta Epistola. Desta ou daquela forma veremos que o apéstolo vai repetindo esta declaragaéo. Ocorre no versiculo 2. Vé-la-emos de novo nos versiculos 6, 7 e 8. Outra vez a temos no versiculo 10, e, num sentido, ela esta na exortagdo do versiculo 11. Portanto, nada é mais importante para nés do que entender o sentido exato desta declaragao: “Nés, que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele?” Aqui chegamos ao comego da nossa exposigao detalhada, versiculo por versiculo. Jé observamos 0 contexto, 0 cenarioe a maneira pela qual devemos abordar o capitulo. E agora, no 23 O Novo Homem inicio da nossa exposigéo minuciosa, devemos ter claro em nossa mente o significado desta grande frase. Desafortuna- damente, a Versio Autorizada, neste caso, tem uma tradugéo ruim (semelhante a Almeida, ERC). Diz ela: “Como nés, que estamos mortos para o pecado, continuaremos vivendo nele?” Mas deveria ser: “Como nés, que morremos para 0 pecado...”. E 0 que temos nas versdes mais modernas; e¢ nisso elas estéo certas, sem divida nenhuma. O apdéstolo empregou o tempo aoristo, e esse tempo verbal grego indica algo que aconteceu uma vez por todas, é uma referéncia a um fato definido que pertence ao passado. O apéstolo nao esté se referindo tanto a algo que diz respeito a nés agora. Diz ele: “Como nds, que morremos para o pecado”. E algo que aconteceu uma vez por todas, numa ou noutra ocasiéo, em nossa histéria passada como crentes. Morremos (pretérito) para o pecado. Portanto, nado significa, “estamos mortos para 0 pecado”. Se traduzissemos, “Como nés, que temos morrido para 0 pecado...?”, ainda poderia parecer um processo que tinha durado um certo perfodo de tempo, mas que agora podemos dizer que, afinal, chegamos ao término desse processo e temos morrido para 0 pecado. Nao € 0 que 0 apéstolo diz. Ele esta se referindo a um sé ato, a um sé evento, a algo que aconteceu num ponto tinico da nossa histéria. “Como nés, que morremos para o pecado...?” E 0 tempo aoristo. Precisamos ter 0 cuidado de observar isso quando chegarmos aos versiculos 6, 7, 8, 10 e 11, porque ele usa esse mesmo tempo verbal em todos esses casos também. Quando formos tratar do sentido desta doutrina chave, veremos quao vitalmente importante é ter em mente este texto. Eis aqui, Paulo diz, uma coisa que aconteceu com vocés uma vez por todas. Anteciparei a exposic¢ao detalhada até este ponto. Direi a vocés quando aconteceu. E algo que aconteceu quando deixamos de estar “em Addo” e comegamos a estar “em Cristo”. Paro por aqui, por ora. Aqui, entao, nos versiculos 1 e 2, 0 apéstolo esté introduzindo este possivel mal-entendido em 24 Romanos 6:1,2 termos do antinomianismo; e da sua resposta geral. Depois, tendo-a dado em termos gerais, ird lev4-la até 0 versiculo 3, e passar4 tudo em detalhe com o fim de mostrar-nos 0 completo absurdo de deduzir das gloriosas doutrinas da justificagao e da salvacio pela graca, que ja nado importa como vivamos como cristos, e que, num sentido, quanto mais pecarmos, mais gloria redundaré para o reino da graca. 25 2 “Que diremos pois? Permaneceremos no pecado, para que a graca abunde? De modo nenhum. Nés, que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele?” — Romanos 6:1,2 No versiculo dois temos uma das proposigdes funda- mentais do apéstolo. Afirmo que nesta resposta que ele dé a pergunta do versfculo primeiro ele esté realmente dando sua resposta completa. Depois ele vai da-la em detalhe no versiculo 3 e nos versiculos subseqiientes. Ao dizer isso estou ciente de que estou discordando do renomado e respeitdvel Charles Hodge em seu comentario sobre esta Epistola. Charles Hodge acha que no versiculo 2 0 apéstolo esta apenas fazendo uma declaragéo geral, mas que no versiculo 3 ele comega a sua argumentacao. Estou em total desacordo com ele, e antes opino que o apéstolo da o seu argumento completo no versiculo 2 e depois passa a dividi-lo em partes. Minha razdo para dizer isso € que o versiculo 3 comeca com as palavras, “Ou nao sabeis...2” Com efeito, ele esta dizendo: “Bem, eu fiz uma declaracéo compreensiva; deixem que agora eu a estabelega, que a comprove, que demonstre a minha alegagéo”. Nao somente isso; espero que, 4 medida que prosseguirmos, veremos que toda esta seco que vai até o fim do versiculo 14, nada mais é que um comentario expandido desta declaragio que o apéstolo faz aqui no versiculo 2. As outras declaragées s&o aspectos particulares dela, mas aqui temos 0 todo. Para provar 0 que afirmo, passemos agora a nossa exposi¢ao. Esta declaragao € uma das proposigées fundamentais do apéstolo; e, portanto, é uma das declaragées mais importantes 26 Romanos 6:1,2 da doutrina crista em toda a Epistola. Por isso 0 apéstolo a vai repetido em varias formas em quase cada um dos versiculos até ao versiculo 6. Diz ele aqui, no versiculo 2: “Nés, que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele?” No versiculo 3: “Ou nao sabeis que quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte?” Isso consti- tui uma parte dela. No versiculo 4 ha uma extensdo desse pensamento: “De modo que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo ressuscitou dos mortos, pela gléria do Pai, assim andemos nés também em novidade de vida”. Depois, no versiculo 5: “Porque, se fomos plantados juntamente com ele na semelhanga da sua morte”, etc. Versiculo 6: “Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado”. Na verdade Paulo vai além desse ponto, pois no versiculo 8 temos: “Ora, se j4 morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos”. E entéo, em sua exortagao no versiculo 11, ele diz: “Assim também vés considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor”. Pois bem, todas essas afirmagées séo variantes desta proposicéo fundamental; as vezes partes dela, 4s vezes toda ela. E evidentemente algo que na mente do apéstolo € de todo crucial, e, portanto, de vital importancia para nds. De fato nao hesito em dizer que compreender o significado desta frase é a chave para compreender toda a doutrina do apéstolo sobre a salvagdo — em seu sentido completo. E, pois, imperativo que saibamos exatamente o que ela significa. Estaremos inevitavelmente em dificuldade em todos os versiculos que citei, se nado tivermos claro entendimento deste versfculo; mas, uma vez esclarecidos sobre este, os restantes se seguirao de maneira relativamente facil. Que ser4, ent4o, que o apéstolo quer dizer? Principiemos com a pequena palavra “nds”. A nossa Versao Autorizada nao mostra o poder e a forca dada pelo apéstolo a essa palavra. Diz ela: “Comonés, que estamos mortos para 0 pecado, viveremos 27 O Novo Homem ainda nele?”;* mas o que Paulo escreveu foi: “Nés - como viveremos...?” Ele comega com a palavra “Nés”; da-lhe énfase. Isso é vital. Por qué? Porque 0 que ele esté realmente dizendo € isto: “N6és — sendo 0 que somos — como € possivel conceber que continuemos no pecado para que a graca seja abundante?” “Nés, sendo tais como somos — poderiamos nds, que estamos mortos para o pecado, continuar vivendo nele?” Essa é a 6nfase, e imediatamente nos é dada a chave para a interpretagao. Toda a énfase é & nossa singularidade, a nossa posigao especial, nds “sendo o que somos”. E isso que torna inimagin4vel a questao posta no versiculo primeiro. Diz Paulo: “Se vocés compreen- derem verdadeiramente 0 que sido e qual é a posigdo de vocés, essa questaéo que foi levantada desaparecerd automatica- mente”. Noutras palavras, a real dificuldade dos cristaos que ndo entendem a doutrina da justificagao pela graca mediante a f€ € que eles nao se d&éo conta de quem e do que sao; nao se apercebem da sua posicao. Sendo nés o que somos e quem somos, como podem pessoas como nés continuar vivendo no pecado? Essa é a forga do argumento, e é importante que nos apercebamos da énfase dada a esta pequena palavra “nds”. O apéstolo est4 dizendo que as pessoas que levantam 0 tipo de questéo que se acha no versiculo primeiro sao pessoas que simplesmente n4o foram capazes de seguir a sua argumentagao no capitulo 5, versiculos 12 a 21. Se tao-somente a tivessem seguido, ¢ tivessem compreendido quem elas sao e que posicéo ocupam, e o que elas sdo 4 luz dessa doutrina, veriam quéo monstruoso e ridiculo é levantar essa questéo. Ai esté a primeira parte da exposi¢o; e, na verdade, como eu disse, a propria proeminéncia que o apéstolo da 4 palavra “nés”, virtualmente diz tudo. Afortunadamente, porém, ele pros- segue e expde mais completamente a matéria. Vamos dar atengao agora ao que chamei declaracgdo *No original inglés: “How shall we that are dead to sin live...?” 28 Romanos 6:1,2 “chave”, frase “chave”: “Nés, que estamos mortos para 0 pecado”. Vimos que a tradugao correta é: “N6s, que (ja) morremos para o pecado”, e de imediato vemos a diferenca que isso faz. Se vocés lessem, “Nés, que estamos mortos para © pecado”, poderiam dizer: bem, ai esta uma descrigéo do nosso estado e condigao atual. Agora estamos mortos para o pecado, esse é 0 nosso atual estado e condigaéo. Mas 0 apdstolo nao estava interessado em dizer isso. Tampouco ele diz: “Nés temos morrido para o pecado”, porque ai também se poderia sugerir um processo, entendendo que outrora estavamos bem vivos para o pecado mas gradativamente fomos ficando cada vez mais mortos para ele, até chegarmos ao ponto no qual podemos dizer que, apés todo o nosso esforgo e luta e empenho, temos morrido para o pecado. No entanto, nem isso foi que o apéstolo disse. Ele empregou o tempo aoristo, ¢ 0 tempo aoristo sempre aponta para um evento ou ato que aconteceu uma vez e foi concluido. Portanto devemos traduzi-lo — e todos estéo realmente de acordo nisto; € por isso que a Versao Autorizada foi muito infeliz nesse ponto. ~ “Nés, que morremos para 0 pecado, como...?”. Aponta para tras, para algo que esta no passado, um fato, um ato, um evento que aconteceu uma vez, nao um processo. O apéstolo nao estd descrevendo um processo, nao esta descrevendo uma posigao ou condigio atual; esta descrevendo algo que aconteceu conosco como um fato, como um ato em nossa experiéncia passada. Pois bem, isso é de crucial importancia; téo crucial que veremos que ele emprega precisamente 0 mesmo tempo verbal nos versiculos 6, 7, 8, 10 11. Terei que ficar repetindo isso e assinalando o mesmo ponto com a mesma énfase, que em todos estes exemplos é 0 tempo aoristo. “N6és — que morremos para 0 pecado, como viveremos ainda nele?” Que € que significa isso? Que é que, exatamente, Paulo esta dizendo? Aqui, de novo, devo colocar diante de vocés diversas possibilidades, porque os comentaristas apresentam varias explicagGes e respostas para a questao. Ha alguns que 29 O Nove Homem nao hesitam em dizer que significa simplesmente isto, que, como cristaos, estamos completamente mortos para a influéncia, o poder e o amor do pecado, Sao eles os chamados “perfeccionistas”. Eles ensinam que deram cabal fim ao pecado nesse sentido, que estéo inteiramente mortos para a sua influéncia, para o seu poder e para o amor ao pecado. N4o ha necessidade de demorar-nos nisso porque s6 ha uma resposta a esse ensino, ea resposta é que € um ensino falso. Tal pessoa nao existe. Nado somente isso; todo o argumento do apéstolo torna essa explicag&o impossivel. Se fosse verdade, ele nunca teria escrito os versiculos 11, 12 e 13: “Assim também vés considerai-vos como mortos para 0 pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor”. Ele jamais teria escrito: “Nao reine portanto 0 pecado em vosso corpo mortal”. Nao é preciso dizer isso a um homem que esta completa- mente morto para todo o poder e influéncia e amor do pecado. Isso faria da subseqiiente exposigao e apelo do apéstolo uma exortacaéo completamente ociosa e, na verdade, ridicula. Assim rejeitamos isso imediatamente. Mas hé outros que dizem que significa que o apdéstolo ensina que “deverfamos” estar mortos para 0 pecado. Ele nao esta dizendo que estamos mortos para 0 pecado, mas que, se féssemos cristaos dignos do nome e realmente tivéssemos entendimento, deveriamos estar mortos para o pecado. “Como pode vocé, que deveria estar morto para o pecado, continuar vivendo nele?” Também h4 sé uma resposta para isso. O apéstolo nao diz que deveriamos estar mortos para o pecado; ele diz, no tempo aoristo, que “nés (j4) morremos para o pecado”. Nao hd nenhum “deverfamos” aqui; ele nos est4 falando de algo que ja é um fato quanto a nds. HA ainda outros que dizem que significa: “Como vivere- mos nés ainda nele, nés que estamos morrendo cada vez mais para o pecado?” Como podemos nés, que estamos morrendo mais e mais para o pecado, dizer: “Continuaremos vivendo no pecado, para que a graca seja abundante?” Isso, dizem eles, 30 Romanos 6:1,2 seria contraditério e ridiculo. De novo ha somente uma resposta. O apéstolo nao diz no “presente continuo” que estamos morrendo cada vez mais para o pecado. As pessoas que apresentam essa explicacao tomam a Versio Autorizada como correta e deixam de perceber que 0 tempo empregado foi o aoristo. Nao estamos morrendo cada vez mais para o pecado; nao é 0 que Paulo diz. Ele diz: “Nés morremos para o pecado”; morremos para o pecado naquele ato, naquele fato, naquele evento do passado. Portanto, devemos rejeitar essas trés possiveis explicagdes. Passamos agora a outro ponto, e também aqui eu confesso abertamente que me sinto infeliz, porque mais uma vez me aventuro a expressar uma critica ao grande Charles Hodge. Nao se deve fazer isso levianamente. Mas devemos lembrar- -nos de que ninguém é infalivel; nao acreditamos em papas. Temos o direito de examinar a exposicdo feita por qualquer pessoa, por mais admiravel e culto que tenha sido. Charles Hodge nos diz que esta declaragao significa: “Como nés, que temos renunciado ao pecado, viveremos ainda nele?” Diz ele: ora, 0 cristao, pelo simples fato de que se diz cristao esté dizendo que renunciou ao pecado. Por que diz ele que cré no Senhor Jesus Cristo? Ele o diz porque veio a compreender que é pecador e que isso leva a castigo, ao castigo eterno; portanto, sente necessidade de ser libertado. Ele cré no evangelho concernente ao Senhor Jesus Cristo como Aquele que pode libertd-lo do pecado; por isso, quando diz: “Eu creio no Senhor Jesus Cristo”, diz Hodge que esse homem esta dizendo: “Quero ser libertado do pecado. Devido eu ter chegado a ver quéo terrivel é 0 pecado, quero ficar livre dele; renuncio ao pecado ea todos os seus caminhos”. Muito bem, pois, diz Hodge, se um homem diz isso, se ele renunciou ao pecado, como tera alguma possibilidade de dizer: “Continuaremos no pecado, para que a graca seja abundante?” Dizer isso é contradizer-se; num momento o homem clama que quer ser libertado do pecado, mas depois diz: “Ah, bem; esta maravilhosa graca 31 O Novo Homem permite que eu continue no pecado”, e, com isso, ele esta se contradizendo, diz Charles Hodge. Por que eu nao aceito essa interpretagao? Primeiramente e acima de tudo, entendo que Hodge nao esté atribuindo o devido peso a esta palavra “Nés”; nao est4 dando suficiente énfase a singularidade da nossa posicao. De conformidade com Paulo, é isso que torna essa idéia impossivel e inimagin4vel. “Nos, sendo 0 que somos” — nao algo que tenhamos feito, mas o fato de sermos 0 que somos; esse é 0 ponto vital. Natural- mente, quando um homem afirma que cré em Cristo, ele renuncia ao pecado, mas nao € isso que o apéstolo esté dizendo aqui. Ele nao esté falando sobre algo que fazemos; est4 falando sobre algo que aconteceu conosco. Nao esta dizendo que nés renunciamos ao pecado; est dizendo que nés morremos para o pecado. E essencial que rejeitemos a exposigéo de Hodge, e, de fato, que vamos além disso e digamos que nesse ponto por pouco ele nao entra em direta contradigéo com todo o argumento do apéstolo nesta segao. Charles Hodge deixa tudo conosco ~ nés temos renunciado ao pecado. Diz ele que Paulo estava dizendo a estes romanos: “Quando vocés se submeteram ao batismo, quando se apresentaram como candidatos ao batismo, que é que vocés estavam fazendo? Bem, vocés estavam dizendo: “Quero acabar com essa velha vida no pecado; por isso pedi o batismo. Quero estar morto para o pecado, nao quero mais nada com ele, renuncio ao pecado”. Mas isso coloca toda a énfase em nés, em nossa atividade, em nossa acao, no que fazemos; ao passo que, como espero demonstrar, a énfase do apéstolo é no que foi feito para nds, em nossa posi¢ao, em nossa condigéo. Nao o que nés fizemos, mas 0 que foi feito para nés ~ aquela realizagéo grandiosa sobre a qual ele escrevera no capitulo 5, do versiculo doze até o fim. Penso que entendo por que Charles Hodge apresentou essa interpretacao particular. Charles Hodge, creio eu, temia que, se interpretasse como eu estou propondo, ficaria exposto a acusagao de antinomianismo. Mas, como assinalei, se nao 32 Romanos 6:1,2 expusermos esta frase de molde a expor-nos a essa acusacao, nao a estaremos expondo corretamente. Devemos ter muito cuidado para nfo deixar que nos domine um espirito de temor quando procurarmos expor a verdade. Por isso cu rejeito a explicagaéo de Hodge. E agora, se posso apropriar-me de uma afirmacaio que uma vez Davi fez 4 sua mulher Mical — “E ainda mais do que isto me envilecerei” (2 Samuel 6:22). Nesta ocasiao tenho que discordar um pouco de Robert Haldane também. Nao é pequena coisa discordar destes dois gigantes de uma s6 vez! Qual é a exposig&o feita por Haldane? Ele vé claramente que aquilo que acabei de considerar é obviamente inadequado, e rejeita as outras exposigdes que eu rejeitei. Ele vé que Paulo nao esta falando de algo que estamos fazendo, mas de algo que aconteceu conosco. Ele se dé conta de que aqui se fala de morte deveras real. Diz o apéstolo: “Morremos para 0 pecado”. Muito bem, diz corretamente Haldane; h4 um sentido em que devemos ter morrido. Qual é? E ele diz: “O apéstolo quer dizer que temos morrido para a culpa do pecado”. E para ai. “Temos morrido para a culpa do pecado.” “O que significa”, diz Haldane, “é que, no que se refere a culpa e 4 punigao do pecado, temos terminado com ele; a lei nado nos pode tocar.” Ele diz virtualmente o que esta expresso nas palavras de Augustus Toplady - Os terrores da lei e de Deus Mal nenhum poderdo me causar; A obediéncia de Cristo e Seu sangue Minhas transgress6es cobrem e ocultam. Estamos mortos no que se refere 4 culpa do pecado; isso néo nos pode tocar. “Portanto agora nenhuma condenagio ha para os que esto em Cristo Jesus” — e ele para ai. Naturalmente, eu concordo inteiramente que a declaracao em foco significa que estamos mortos para a culpa do pecado; porém afirmo que 33 O Novo Homem ficar nisso é fazer uma exposicgdo decepcionantemente inadequada. O argumento de Paulo vai muito mais longe. Preciso rejeitar a exposicéo de Haldane por esta razao: ela nao faz justiga ao que o apéstolo dissera no fim do capitulo 5, como também nao faz justiga ao que Paulo diré neste capitulo seis, do versiculo 3 em diante. O que foi que dominou a exposigao de Haldane? Estou certo de que foi a mesma coisa © que aconteceu com Charles Hodge, o temor de ser mal entendido, o temor de dizer algo que poderia levar algumas pessoas a dizerem: “Muito bem, sendo assim, 0 que eu fago nao importa, estou salvo”. Assim € que Haldane delimita 0 ponto unicamente 4 culpa do pecado. Diz ele que o poder do pecado continua ali; eo apéstolo nao diz que estamos mortos para isso. Mas quero dar o parecer de que o apéstolo diz isso sim, e que a verdadeira interpretagao, como eu a vejo, e a qual agora passo, nao se limita meramente a dizer que estamos mortos para a culpa do pecado. Eu creio que o apéstolo esta dizendo aqui algo que é infinitamente mais grandioso e mais emocionante, algo espantoso. E, todavia, isso nao deveria causar surpresa aos que acompanharam esta exposi¢ao até aqui. Sugiro-Ihes que, se apenas deixarmos que o contexto determine a nossa exposicéo, nao haver4 nenhum problema. Em que sentido 0 crente, 0 cristéo, morreu para o pecado? A resposta encontra-se no versiculo 21 do capitulo 5: “Para que, assim como 0 pecado reinou na morte, também a graca reinasse pela justiga para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor”. Em que sentido eu morri, como cristéo, para 0 pecado? Respondo: “Morri para o dominio do pecado”. Nao somente paraa culpa do pecado; morri para o dominio e para o governo do pecado. Essa é a tese defendida pelo apéstolo. Ele contrasta o dominio do pecado com o da graga, e 0 que ele vem dizendo € que a morte e a ressurreig¢éo do nosso Senhor deu cabo do dominio do pecado, no caso dos crentes. E isso que 0 apéstolo quer dizer quando declara: “Onde o pecado abundou, superabundou a graga”. Ele estivera 34 Romanos 6:1,2 considerando isso em detalhe. “Assim como por uma s6 ofensa veio 0 juizo sobre todos os homens para condenacdo” — esse é o dominio do pecado-“assim também por um sé ato de justiga veio a graca sobre todos os homens para justificacéo de vida.” Esse é 0 dominio da graga. “Porque como pela desobediéncia de um sé homem, muitos foram feitos pecadores” — esse 6 0 dominio do pecado ~ “assim pela desobediéncia de um muitos serdo feitos justos.” Esse é 0 dominio da graca. Mas ele o tinha exposto em detalhe. Diz ele: “Porque, se pela ofensa de um s6, a morte reinou por esse, muito mais os que recebem a abundancia da graca, e do dom da justica, reinarao em vida por um s6 — Jesus Cristo”. Na verdade ele ja tinha dito isso tudo no versiculo doze do capitulo 5: “Pelo que, como por um homem entrou 0 pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram”. Esse é 0 dominio do pecado. Mas a tese geral do apéstolo consiste simplesmente em dizer que, se vocé é crente no Senhor Jesus Cristo, se vocé foi justificado pela f€, vocé esta “em Cristo”, vocé pds um fim nisso, vocé esté morto para 0 dominio do pecado, vocé esté sob 0 dominio da graga. E é isso que ele esta dizendo aqui. Por isso lemos: “N6s, que (j4) morremos para 0 pecado, como viveremos ainda nele?” No nos esquegamos de que 0 dominio do pecado significa 0 seu governo, 0 seu poder, a sua esfera de agdo. E o dominio da graca significa exatamente a mesma coisa — o poder, a influéncia, a forga, o poderio, a dinamica da graca. O que 0 apéstolo est4 dizendo é, entdo, que, no momento em que fomos regenerados, no momento da nossa justificagaéo — porque é quando esse ato se torna um fato em nossa experiéncia ~ no momento em que nos tornamos cristaos, ficamos mortos, completamente mortos, para o dominio do pecado. Ficamos inteiramente fora do territério do pecado. Isso, sugiro, € 0 que 0 apdstolo esté dizendo neste versiculo dois; no versiculo seguinte ele o desenvolve e 0 explica 35 O Novo Homem minuciosamente; ele nos mostra como isso acontece. Mas aqui nos temos a declaracdo e a proposicao geral de que, devido sermos 0 que somos em Cristo, sendo 0 que somos como resultado do que aconteceu conosco, estamos mortos para 0 dominio e para o governo do pecado. Mas agora imagino alguém fazendo esta objecao: “Como vocé pode dizer uma coisa dessas? Nés ainda pecamos, ainda sentimos a forca da tentagao e a forca do pecado; como, pois, vocé pode dizer com sinceridade que vocé est4 morto para 0 governo, para o dominio e para o império do pecado?” Respondo desta maneira: devemos diferenciar entre a reali- dade da nossa posigao como fato, e a nossa experiéncia. Existe toda a diferenca do mundo entre a condigao ea posigaéo de um homem, por um lado, e sua experiéncia, por outro. Pois bem, na passagem em foco o apdstolo esté pensando em nossa Pposig&o; e o que ele diz é que cada pessoa do mundo, neste minuto, esté sob o dominio e 0 governo do pecado, ou sob o dom{inio e 0 governo da graca. O que ele diz acerca do cristo € que, ao passo que outrora ele estava sob o governo co dominio do pecado, agora esta sob o governo e o dominio da graca. E uma coisa ou outra; nao pode ter um pé em cada posigao. Ou est4 debaixo do pecado, ou esté debaixo da graca. Reitero que o que Paulo diz a nosso respeito, como crist4os, € que estamos completamente mortos para o governo e 0 dominio do pecado e do mal. Esse dominio ja nao nos diz respeito; fomos tirados dessa posigdéo uma vez por todas. Permitam-me agora consubstanciar a minha exposigao citando passagens paralelas que se acham em toda parte nas Escrituras. Tenham em mente o que estou comprovando — que na passagem que estamos estudando 0 apéstolo esta dizendo que fomos retirados inteiramente da esfera do governo, do dominio e do reino do pecado, e fomos trazidos para este outro reino, para o reino da graga, e postos sob o seu dominio. Vejamos Colossenses 1:13: “O qual nos tirou da potestade das trevas”. Notem o que ele diz! “O qual nos tirou da potestade 36 Romanos 6:1,2 das atrevas, e nos transportou para o reino do Filho do seu amor.” O apéstolo esta dizendo aos colossenses que eles, que uma vez haviam pertencido ao poder e ao reino das trevas, do diabo e do inferno, foram transportados, foram transferidos de um deles, e nao estéo mais naquele dominio; estdo neste outro dominio. “Transportados.” Nao nos surpreende que o apéstolo insista em dizer tais coisas. Nao teria sido justamente essa a comisséo que o nosso Senhor lhe havia confiado quando o encontrou no caminho de Damasco? Leiam a narrativa em Atos, capitulo 26, versiculo 18. O Senhor ressurreto entrega Sua comissdo ao apdstolo como discipulo e pregador, e lhe diz o que lhe cabe fazer. Diz Ele: “Para lhes abrires os olhos, e das trevas os converteres 4 luz, e do poder de satands a Deus”. As pessoas as quais vocé vai pregar, diz o nosso Senhor, estdo sob o poder de satands. Ele é 0 “valente” que “guarda, armado, a sua casa” e “em seguranga est4 tudo quanto tem” (Lucas 11:21). Eles estéo no reino dele, estéo sob o seu poder; ele os tiranizae domina sobre eles. Eu estou enviando vocé com esta mensagem para que os liberte do poder de satands para o poder de Deus. Ha uma transferéncia, um transporte, uma mudanga. De igual modo o apéstolo, em Filipenses, capitulo 3, versiculo 20, fala a respeito dos cristdos: “A nossa cidadania esta no céu” (VA). Ele nao esté dizendo que a nossa cidadania vai estar 14, mas sim, que a nossa cidadania esté no céu agora. Estamos vivendo na terra, porém a nossa cidadania esta 14. “Ora”, vocés dirdo, “mas como pode alguém afirmar que a nossa cidadania est4 no céu, quando ainda estamos na terra, e somos cidadaos da Gra-Bretanha?” Todavia esse € 0 tipo de coisa que as Escrituras dizem — que, se vocé é cristo, j4 é, de fato e agora, um cidadao do céu. Somos “uma colénia do céu” neste mundo, a nossa cidadania esté 14, nao aqui; esta trans- feréncia de cidadania ocorreu. Em Efésios, capitulo 2, versiculo 19, vocés véem exatamente a mesma coisa. “J4 nao sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadaos dos santos, e 37

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