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Orlando Grossegesse (Universidade do Minho)

Amamos odiar os alemães – Antigermanismos 1914 / 2014

“Amamos odiar os alemães” é um título emprestado. É com esta afirmação que o jornalista
Pedro Santos Guerreiro (2011) sintetiza a dinâmica de um antigermanismo português
indelével, ao comentar uma tese de José Viriato Soromenho-Marques proferida numa
conferência em Lisboa, em junho de 2011 (no ano da intervenção do FMI em Portugal).
Este filósofo e comentador político conclui que a Alemanha demonstrou a sua
incompetência para liderar a Europa e relembra o que levou à primeira e posteriormente, à
segunda Guerra Mundial. A continuidade transhistórica subentendida desemboca
facilmente num lugar comum que, de forma persistente, atravessa a comunicação social
portuguesa dos últimos anos, em parte em sintonia com a francesa e, mais ainda, com a
britânica.1 Tal lugar comum pode ser reduzido às seguintes afirmações:
- a política económica atual da República Federal da Alemanha representa a
reedição de pretensões imperialistas germânicas desmedidas e, assim sendo, desastrosas;
- ou, numa versão de discurso mais essencialista: esta política económica é
expressão de um inato furor teutonicus.
A interpretação daí implícita da chanceler Angela Merkel como pós-figuração
feminina do imperador Guilherme II e até do Führer Adolf Hitler – vejam-se a respeito de
este último os graffitis e pinturas murais, não só na Grécia como também em Portugal –
vaticina uma futura derrota ou, no tom desafiante do discurso antigermânico: os alemães
também não conseguirão desta vez subjugar os restantes países da Europa.
Contudo, devemos frisar que o próprio Soromenho-Marques não partilha este
antigermanismo redutor. A sua reflexão sobre as metamorfoses históricas da Alemanha é
diferente e mais complexa, tal como explica num artigo de opinião publicado precisamente
um dia após a referida conferência:

Nos últimos cento e quarenta anos, a Alemanha passou por três metamorfoses
fundamentais na afirmação da sua identidade. Em duas delas, uma Alemanha
desmesurada conduziu o mundo a duas guerras mundiais. Hoje, a destruição da
Europa pode ter origem no contrário. Numa Alemanha, sem memória, que pensa
pequenino, e que recusa ser aquilo que é: um país excepcional com

1 Vd. a análise da comunicação social britânica feita por Tony Corn (2011).
2

responsabilidades maiores do que qualquer outro país do Velho Continente.


(Soromenho-Marques, 2011)

Portanto, Soromenho-Marques quer uma Alemanha grande, com poder de liderança no seu
pensamento e na sua atuação, já que tem uma responsabilidade europeia maior2, em vez de
uma Alemanha presa a questões de política interna. Neste sentido, até o argumento de uma
‘falta de liderança’, resumido no discurso quotidiano ao simples apelo de que os alemães
resolvam a crise, alimenta tendências antigermânicas. A obrigação da Alemanha ter que
continuar a pensar ‘em grande’ para salvar a Europa é um entendimento contrário ao dos
políticos e intelectuais pró-europeus alemães, que consideram que a missão ‘redentora’ da
República Federal no seio da União Europeia serve como uma espécie de expiação dos
pecados do nacionalismo anterior. Segundo esta visão, os alemães provam assim a
capacidade de mudar o seu “habitus nacional” (Elias, 1989), abdicando, após uma nova
compreensão de si mesmos, de pretensões imperialistas – visão esta criticada por Ralf
Dahrendorf como ingénua numa entrevista com Der Spiegel, já em dezembro de 1995,
publicada em El País sob o título profético “Contra una Europa alemana”.
Esta auto-projecção de uma “hegemonia contra vontade” (Schönberger, 2012) não
chega a convencer boa parte da opinião pública nos países do Sul da Europa afogados na
crise económica, tratados pela Alemanha – segundo Soromenho-Marques (2011) – como
“vencidos de uma guerra económica não declarada”. Já no ano 2000, Karl-Heinz Bohrer
tinha criticado a miopia dos intelectuais pró-europeus (Bohrer, 2000, p. 995) e analisado a
diferença da “deutschen Europa-Idee”, nascida, por um lado, da desconfiança da própria
nação (e dos nacionalismos, em geral) – já mencionada por Dahrendorf (1995) – e, por
outro, do entusiasmo (no fundo, romântico) de atingir uma unidade. Segundo Bohrer,
ambas as fontes são alheias à realidade e carecem de um conhecimento profundo das
diversas mentalidades e condições políticas nos países europeus, tornando assim ilusória ou
até perigosa a ideia alemã sobre a Europa.3 Tal análise coincide com uma fracção da
opinião externa acerca do “império de Merkel” (Oliveira, 2011), visto como continuidade
de pretensões ‘maiores’, e não como a sua negação.

2 “Sem a liderança da Alemanha, a União Europeia perderá a energia que garante a


possibilidade de manter um rumo e uma finalidade estratégicas, garantindo a procura da sustentabilidade
numa atmosfera de paz e cooperação mútua.” (Soromenho-Marques, 2011)
3 “Die beiden Quellen der deutschen Europa-Idee, das Mißtrauen gegen die Nation und
die Ganzheitsschwärmerei, haben eine zentrale Gemeinsamkeit: Sie sind realitätsabgewandt und ohne
wirkliche Kenntnisse der politischen Bedingungen und Mentalitäten in Europa. Und das macht sie am
Ende illusionär oder sogar gefährlich.” (Bohrer, 2000, p. 993)
3

Esta discrepância de visões levou a revista Der Spiegel a editar um número temático
sob o título “Wie die Europäer auf die Deutschen blicken: The German Übermacht”,
focando nomeadamente o caso da Grécia, que não só sofreu a ocupação nazi nos últimos
anos da guerra, mas foi também obrigada a ‘emprestar’ quantias avultadas ao regime
hitleriano. Este empréstimo não foi porém até hoje devolvido pela República Federal,
considerada como estado sucessor, que volta a impor o seu poder, desta feita pela via
económica (vd. Ertel et al., 2015). Segundo Der Spiegel, fala-se no Sul da Europa de um
Quarto Império, insinuando assim a continuação de um messianismo germânico que se
prolonga para além do Drittes Reich, na perceção dos ‘outros’ (Blome et al., 2015, p. 20).
Apesar do termo ‘império’, como sistema político, não se aplicar à democracia bem
sucedida da República Federal, este não deixa de fazer um certo sentido quando designa
um poder central que governa muitos povos – neste caso, a Alemanha como “potência
ocupante” do Sul da Europa, mesmo só economicamente (idem, p. 22).
Concluindo, Der Spiegel aproxima-se da tese de Hans Kundnani (2015) do “Paradox
of German Power”, apelando a um exercício do poder económico responsável e generoso.
Como tal, a Alemanha deveria assumir a sua liderança em vez de pensar ‘em pequeno’,
posição esta que já encontrámos em Soromenho-Marques (2011). Em dezembro de 2012,
num comentário sobre a atribuição do Prémio Nobel da Paz à União Europeia, o mesmo
filósofo português alerta para o perigo de que a atual “crise sistémica europeia sem resposta
europeia” e “agravada por respostas eivadas de miopia nacional” possa despertar os
fantasmas do passado:

Dentro em pouco evocaremos os 10 milhões de jovens europeus sacrificados na Guerra de


14-18. É impossível não estremecer perante as semelhanças entre a Europa de 2012 e a de
1912. (…). Quando as hostilidades rebentaram, milhões de jovens alistaram-se,
alegremente, como se partissem para uma caçada de verão. (Soromenho-Marques, 2012)

É sob este signo do centenário do início da Primeira Guerra Mundial, invocado por
Soromenho-Marques perante a crise surgida um século depois4, que analisaremos o

4 Precisamente em 2014, Tony Corn falaria de “similitudes troublantes” entre a política


externa alemã de 1911 a 1914 e o presente, temendo uma “nouvelle ‘guerre des illusions’”, aludindo à
análise de Fischer (1969): “Certes, de nos jours, les batailles ne sont plus militaires mais monétaires. La
Bundesbank a pris la place du Generalstab, et la méthode Monnet a pris la relève de la méthode Moltke.
Reste qui si les moyens ont changé, les fins, elles, semblent être restées les mêmes – avec les mêmes
incohérences que dans le passé” (Corn, 2014, p. 105).
A mesma comparação já se encontra na mencionada entrevista com Ralf Dahrendorf,
quando responde à pergunta de Der Spiegel: “Also ist Deutschland doch versucht, eine Art wohlwollende
4

antigermanismo em Portugal, chamando – desde já – a atenção para a diferença do olhar


retrospetivo: comparando com a Grécia, Portugal não foi ocupado pelas tropas hitlerianas.
No entanto, sofreu a confrontação militar com o Império Guilhermino, iniciada no
Sudoeste Africano (Naulila, 18 de dezembro de 1914). Foi este primeiro conflito com a
colónia alemã que fez surgir a grande onda de antigermanismo em Portugal, a qual foi
crescendo em fases sucessivas até 1918. A sua memória pública, suscitada – não por acaso
um século depois – por artigos jornalísticos (p.ex.: Castro, 2014; Pacheco, 2014; Villalobos,
2014), entra assim em diálogo com um antigermanismo renovado. Esta germanofobia
promovida pelos media é oriunda da rejeição à política económica da República Federal,
sendo-lhe atribuída não só culpas na atual situação de austeridade, como também o “prazer
pelo sofrimento ou infelicidade dos outros”, segundo Pedro Sousa Carvalho, subdirector
do Diário Económico. Trata-se dum artigo publicado em fevereiro de 2012 sob o título
alemão “Schadenfreude”, coroado por uma fotografia de Angela Merkel escondendo o seu
riso5:

Pedir à Alemanha que resolva a crise na Europa é a mesma coisa que pedir a uma empresa
de venda de armamento para servir de mediadora num processo de negociação de paz.
Porque, quer se goste, quer não se goste, a Alemanha está a ganhar com a crise. (Carvalho,
2012)

O facto de “Schadenfreude” ser classificada como “uma palavra que só existe na língua
alemã” (ibidem) demonstra o renascer de um entendimento essencialista do ‘ser alemão’ a
nível económico. São precisamente tais tendências que servem de pano de fundo para o
artigo inicialmente referido, “Amamos odiar os alemães” (Guerreiro, 2011), em relação à
continuidade aparentemente inabalável deste sentimento coletivo ou à respetiva construção
do mesmo, preocupando-se com a sua funcionalização no âmbito da atual crise europeia.6
Para desfazermos a subjacente construção transhistórica, seria mais correto falar de
antigermanismos (no plural), tendo em conta os contextos, e até as identidades,
radicalmente diferentes (Império Guilhermino; Terceiro Reich; República Federal).

Hegemonie auszuüben?”, dizendo: “Das ist ein sehr guter Ausdruck. Natürlich ist es ein Fortschritt, mit
der Bundesbank statt mit dem wilhelminischen Generalstab zu tun zu haben.” (Dahrendorf, 1995, p. 28)
5 Fotografia de Fabrizio Bensch, Reuters.
6 “O anti-germanismo está a crescer e não é só em Portugal e na Grécia. A própria
União Europeia está hoje subjugada a Angela Merkel. Tentou evitá-lo no Tratado de Lisboa, com uma
orgânica diferente. Mas os seus três líderes são fracos: Durão Barroso tem pouco peso, Herman Van
Rompuy não existe e a baronesa Astohn é ninguém.” (Guerreiro, 2011)
5

A posição de superioridade económica da República Federal face ao endividamento


e à crise financeira dos países do Sul da Europa no início do século XXI desenterra os
fantasmas de um antigermanismo, que já tinha sido declarado extinto ou, no mínimo,
retrógrado, com a reconciliação franco-alemã no pós-guerra (celebrada simbolicamente na
catedral de Reims, em julho de 1962, por Charles de Gaulle e Konrad Adenauer), seguida
do processo de unificação europeia. No entanto, é com a reunificação alemã em 1990, que
surgem os primeiros receios, nomeadamente na França, quando Georges Valance (1990),
entre outros, vaticina o regresso de Bismarck e do Império Guilhermino. Tendo tido ainda
pouca repercussão em Portugal nesta altura, estes receios ouvir-se-iam cada vez mais a
partir de 2009 perante o agravamento da crise económica e, nomeadamente, com a entrada
do FMI na Grécia e em Portugal, em 2011. Em lugar da “obsessão antiamericana” (Revel,
2002) instalada nas últimas décadas do fim do século XX, surge um antigermanismo que,
aliado a uma “nefasta mentalidade eurocética”, ameaça “levar ao fim do sonho de unidade
institucional europeia” (Ferrão, 2012).
De facto, observa-se uma ressignificação da imagem secular do furor teutonicus7,
agora funcionalizada no âmbito de uma ‘guerra económica’, justamente cem anos após
Perpétuo António Cabreira ter lançado, em 4 de outubro de 1914, o Protesto de Portugal contra
os vandalismos alemães, reagindo desta forma à destruição da biblioteca de Louvaina e ao
bombardeamento da catedral de Reims: “A Alemanha constitui um caso típico de loucura
moral, caracterizado pela megalomania e pelas tendências criminosas, (…). Já Tácito dizia
que os germanos se esfaqueavam sem motivo” (Braga et al., 1914, p. 1).
Estas afirmações iniciais espelham o estereótipo baseado em De Origine et Situ
Germanorum (98 d.C., Caio Cornélio Tácito) e popularizado na Europa do Sul a partir do
século XVIII. É uma imagem que segue a linha do antagonismo Norte / Sul da Europa,
atualmente ressignificado em termos de política económica. Persiste uma ‘competição das
nações’ e uma diabolização do respetivo adversário, na qual se refletem fobias ancestrais.
Tais atitudes baseiam-se na memória de acontecimentos mitificados e têm raizes mais
profundas que o nacionalismo surgido no século XVIII (vd. Hirschi, 2005): já no
Humanismo italiano nascera a tendência cultural da Antibarbaries despoletando uma outra,
oposta, da Antiromanitas, no âmbito da idealização de uma Patria Germania, que se foi
consolidando no Norte do Sacro Império Romano-Germânico. Com a Reforma Luterana,
este antagonismo é atravessado pela luta confessional entre a Antiromanitas protestante e a

7 com base na descrição dos teutões feita por Marco Aneu Lucano em De Bello Civili
(vd. Trzaska-Richter, 1991).
6

Antibarbaries católica, que transfere ao protestantismo, considerado ‘sem piedade cristã’, a


imagem do paganismo (idem, pp. 428-440). Saltando para o século XIX, observamos, por
um lado, a crítica feita aos países do Sul por não cumprirem as expectativas de
produtividade e honestidade – no fundo, virtudes da mentalidade protestante – e, por outro
lado, o discurso contra os países do Norte, o qual denuncia a insensibilidade dos antigos
bárbaros, acusando-os de pensar e atuar sem compaixão.8
Sem pretender aprofundar mais esta contextualização geral, olhemos agora para a
recente história do antigermanismo em Portugal. Não havendo uma fronteira comum,
nem um conflito direto com a Alemanha antes da Grande Guerra de 1914-18, a opinião
pública portuguesa aderiu ao longo do século XIX a um antigermanismo de segunda mão,
adotado sobretudo da França, e intensificado devido à guerra franco-prussiana (1870-71),
tendo este vindo a confundir-se com o antiprussianismo. A orientação pangermânica, tanto
de Guilherme II como posteriormente de Hitler, considerando ambos serem – numa
construção mais ou menos milenarista – sucessores da dinastia dos Staufer do Sacro
Império Romano-Germânico9, provoca as maiores ondas de sentimento hostil.
Principalmente no âmbito da propaganda bélica, é espalhado um ódio profundo contra
essa identidade de ‘germânico’ sensu lato, manipulada pelos ideólogos ao serviço do
imperialismo e, posteriormente, totalitarismo, para definirem um messianismo secularizado
de nação e raça superiores. Basta relembrar as já citadas frases iniciais do Protesto de Portugal
contra os vandalismos alemães, publicado a 4 de outubro de 1914, da autoria de Perpétuo
António Cabreira, secretário da Liga Anti-Germânica. Vinte dias mais tarde – agora em nome
da Academia de Sciencias de Portugal – , o mesmo responde ao manifesto dos 93 intelectuais
alemães, que se declararam solidários com a política beligerante de Guilherme II (“An die
Kulturwelt. Ein Aufruf”, outubro de 1914). Cabreira “apresenta um violento Manifesto

8 Um exemplo, no âmbito da crise atual: “What we have really witnessed is not genuine
compassion but German triumphalism in a new form” (Mc Kinstry, 2015). Este exemplo também pode
ser entendido no âmbito de uma renovação do discurso britânico sobre os “ugly Germans” que se iniciou
em 29 de agosto de 1914 com uma reportagem do Times sobre a ocupação alemã de Lovaina e que teve
posteriormente maior fortuna na reflexão autocrítica dos alemães (vd. Breitenstein, 1968; no contexto
atual: Kurbjuweit, 2012, entre outros) do que a tradição secular do furor teutonicus, na qual se baseia a
presente abordagem do antigermanismo.
9 Segundo a análise crítica de Vogel (2000), observa-se nos monumentos da ‘época dos
fundadores’ (Gründerzeit) uma transformação milenarista da tradição do Sacro Império Romano-
Germânico levada a cabo pelo protestantismo nacional-conservador prussiano, destacando-se o
Kyffhäuser-Denkmal (1890-96), com a composição em pedra de Frederico ‘Barbarossa’, o qual acorda do
seu sono milenar e se encontra sentado sob Guilherme I ‘Barbablanca’, montado a cavalo, numa escultura
em ferro.
7

antigermânico” (Delille, 2013, p. 316), novamente subscrito, entre outros, por Teófilo
Braga, dirigindo-se Às Academias e Universidades das Nações Civilisadas.10
Após o conflito militar com a colónia alemã de Naulila (18 de dezembro de 1914), a
imprensa portuguesa refere-se continuamente à “invasão teutónica”, a qual ocupa
territórios da Bélgica, Rússia e França, nações estas que tratam de “defender a própria
cultura” contra o “furor teutonicus de que tanto se orgulham” (A Capital, nº 1603, 19 de
janeiro de 1915, p. 1), criando assim uma opinião pública favorável à entrada de Portugal
na guerra. No entanto, o Integralismo Lusitano, que assume até posições abertamente
germanófilas (Alfredo Pimenta, por exemplo), bem como vozes moderadas anti-
intervencionistas, sabem que a maioria da população portuguesa não compreende o
sacrifício de ter que acudir aos campos de batalha. Com isto incrementa-se um
posicionamento antigermânico, não só por parte de muitos jornais, como também de
políticos como, por exemplo, Norton de Matos (Torgal & Silva, 1996, p. 102), o que leva a
uma maior propaganda em prol de uma participação do país na luta contra o império
germânico.
É o caso do panfleto Portugal perante a Guerra. Subsídios para uma página da história
nacional, lançado em abril de 1915 por João Chagas.11 A militância antigermânica deste
político republicano atiçou-se na altura em que o mesmo foi representante diplomático em
Paris, facto que ficou testemunhado por Aquilino Ribeiro numa perspetiva anti-
intervencionista, portanto contrária.12 Perante a sua oposição, João Chagas desafia-o,
exacerbando assim a posição pacifista de Ribeiro13, com a pergunta “Deixou-se
germanizar?”, anunciando-lhe, de seguida, em jeito triunfal, a sua campanha em prol da
entrada de Portugal na guerra14, o que leva o diarista a proferir o seguinte comentário: “Em
nome de que justa, necessária causa, se podem despachar para o matadoiro os meus
pobres, ignorantes, pacíficos labregos?” (Ribeiro, 1934, p.70). Em 1914, Aquilino Ribeiro

10 Publicado em 23 de outubro de 1914. O linguista Hugo Schuchardt (1914) responde


com uma ‘saudação alemã do Ano Novo’ [1915], ridicularizando a subserviência portuguesa à Inglaterra,
seguida pela publicação de uma tradução comentada do texto de Cabreira, chamado “calunioso”
(Schuchardt, 1915). Este é de imediato exonerado de sócio correspondente da Academia de Ciências de
Portugal. Solidária, Carolina Michaëlis de Vasconcelos pede a sua saída (Delille, 2013, p. 318).
11 Vd. Novais (2013, p. 247), no contexto da imprensa portuguesa dividida entre jornais
intervencionistas e anti-intervencionistas.
12 No seu diário de Paris, de 1 de agosto a 26 de setembro 1914 que, em 1934, ficou
publicado em livro sob o título É a guerra.
13 “(…) sou contra o chauvinismo, todos os chauvinismos, contra a guerra, tôdas as
guerras, mais nada!” (apontamento de 3 de agosto de 1914; Ribeiro, 1934, p. 68)
14 “De hoje em diante tomo a peito levar o meu país à guerra; vou pregar a cruzada; (…)
Tôdas as razões e mais uma nos aconselham a entrar em guerra. O próprio interesse da humanidade!”
(Ribeiro, 1934, p. 69). “Esta guerra será a última. Por isso mesmo, não há o direito de lhe fugir.” (idem, p.
70)
8

questionou o binómio antigermanismo / entrada em guerra, ao qual equivale, um século


mais tarde, a junção de antigermanismo e ‘luta’ contra o sistema económico comunitário,
representado pela chanceler Angela Merkel. Ocorrendo em ambos os casos uma
manipulação da população por parte dos media, as estruturas do poder e as ideologias ficam,
de um modo mais ou menos simplista, associadas a mentalidades nacionais.
Aquilino Ribeiro, que criticou inicialmente a imprensa francesa por semear o ódio
aos boches15 com invenções de crueldades, exemplifica bem o dilema do germanófilo perante
a guerra. Tornava-se cada vez mais difícil manter a definição antagónica de ‘duas
Alemanhas’16, isto é, de preservar, a partir da definição idealizada romântica, a imagem de
uma Kulturnation como pátria de filósofos, músicos e poetas, tal como foi defendida no
século XIX pela Geração de Coimbra, sobretudo inspirada em Heinrich Heine (vd. Delille,
1992), e, ao mesmo tempo, diferenciá-la da política imperialista prussiana e da ideologia
pan-germânica. Mesmo ao comentar o bombardeamento da catedral de Reims (que
motivou o Protesto de Portugal contra os vandalismos alemães), Aquilino Ribeiro não atribui
“semelhante enormidade” ao “gôsto sádico de vandalizar” dos alemães (Ribeiro, 1934, p.
294), culpabilizando – sem olhar para mentalidades nacionais – unicamente o “espírito
imundo que gerou a guerra” (idem, p. 295).
Perante a execução de Edith Cavell, em 12 de outubro de 1915, Guerra Junqueiro
fala da “crise delirante da ferocidade teutónica e demoníaca” que “fez da luminosa pátria de
Goethe e de Beethoven a caserna ciclópica e sinistra do Kaiser, de Krupp e de Bismarck”
(Junqueiro, 1916, p. 3), profetizando num texto posterior, de março de 1918, intitulado
O Monstro Alemão, a aniquilação da Alemanha, desumanizada pelo prussianismo e pela
ideologia do pangermanismo de Fichte e do Super-Homem de Nietzsche.
Na tarde do dia 23 de fevereiro de 1916, Portugal deu um passo decisivo para a sua
participação na guerra – não sem receios por parte do gabinete de guerra britânico – ao
tomar posse dos 38 navios alemães ancorados em Lisboa (vd. Villalobos, 2014). Após a
previsível declaração de guerra do Império Alemão, entregue a 9 de março de 1916 pelo
ministro plenipotenciário Friedrich Rosen, a imprensa portuguesa prepara o terreno para

15 O insulto boche tem pouca probabilidade de advir do francês caboche, mas antes da
abreviação de alboche ‘alemão’, allemand com substituição de uma parte da palavra pelo chamado sufixo
parasita. A história deste termo remonta ao século XIX (a 1887, segundo o dicionário Lexis). Mais tarde,
surgiram em França outros insultos para ofender alemães: fridolin, fritz, chleuh, precisamente em 1914,
no entanto sem grande eco em Portugal.
16 Definição popularizada por Elme-Marie Caro na Revue des Deux Mondes (1870-71).
Tal como na França (Renan, Quinet, Taine), não faltam em Portugal intelectuais (Antero de Quental), que
procuram salvar a imagem da ‘boa Alemanha’ perante a campanha militar de Bismarck, a qual leva à
derrota do Império de Napoleão III na batalha de Sédan (1870) e à sucessiva proclamação do rei da
Prússia como Imperador Guilherme I, em Versalhes (1871).
9

medidas legais – nomeadamente, ao atribuir o incêndio que em 18 abril de 1916 deflagrou


o edifício do Arsenal da Marinha à “ação criminosa dos alemães”.17 Poucos dias depois,
foram promulgados os decretos que mandaram expulsar do território nacional os súbditos
alemães, “os quais deverão sair pela fronteira terrestre, (…), no prazo de cinco dias” 18, que
anularam as naturalizações concedidas a súbditos da Alemanha e que possibilitaram a
“pronta liquidação dos bens de subditos inimigos” (Decreto nº 2355, 23 de abril de 2016).
Consequências imediatas são: a saída de comunidades alemãs, nomeadamente de Lisboa e
do Porto, o internamento de 724 alemães e germano-descendentes nos Açores19, a
passagem das empresas alemãs para proprietários portugueses, bem como a extinção de
quaisquer referências germânicas. A fábrica de cerveja Germania, por exemplo, é rebaptizada
de Portugália, tendo apenas sobrevivido até aos dias de hoje a palavra imperial como
denominação de uma cerveja de pressão servida em copo esguio.20
O ódio aos boches atingiu o seu apogeu a 9 de abril de 1918 com a derrota na batalha
de La Lys, que veio a causar o maior número de mortos e de prisioneiros entre os soldados
do Corpo Expedicionário Português (C.E.P.). As estatísticas referem cerca de 7.000 portugueses
internados nos 52 campos de concentração alemães, quase na sua totalidade (6.585) após
La Lys.21 Através da correspondência então publicada na imprensa, bem como das
memórias de alguns antigos prisioneiros, a população ficou a conhecer as condições sub-
humanas, em termos físicos e psicológicos (vd. Lourinho, 2006) e ainda ocorrências de
crueldade, consolidando assim a imagem popularizada dos alemães como seres incapazes
de nutrir sentimentos humanitários. Apesar de as “relações interindividuais, entre os
prisioneiros e os alemães”, maioritariamente, justificarem a imagem negativa, existem
também “casos de tolerância e benevolência e por vezes mesmo de cooperação e até
cumplicidade” (Teixeira, 1992, p. 110). O Tratado de Versalhes (1918), que declara a
Alemanha como “a única responsável da guerra” (art.º 231), obrigada a pagar ‘reparações’,
baseia-se num forte sentimento antigermânico, sobretudo na França, o qual é partilhado
pela opinião pública portuguesa. São poucos os que advertem, tal como Aquilino Ribeiro

17 Ilustração Portuguesa de 19 de abril de 1916, apud Ramos (2016a).


18 Decreto n.º 2350, Diário do Governo, 21 de abril de 1916, 1.ª série, n.º 78, p. 342.
19 Primeira embarcação no dia 25 de abril. A princípio internados em três campos nas
principais ilhas, acabaram por ser transferidos em junho de 1916 para o Castelo de S. João Baptista, em
Angra do Heroísmo (cf. Ramos, 2016b).
20 Definição do dicionário Priberam. Acerca do caso desta empresa veja-se o respetivo
capítulo da série RTP Postal da Grande Guerra: “O gerente técnico, Richard Eisen lá pode ficar em
Portugal para a tão nobre tarefa de fabricar a cerveja, o nome imperial manteve-se nas bocas do povo, que
o paladar já se habituara ao néctar, o nome Germânia é que não podia ser.” (Alves, 2016)
21 Discussão dos números em Teixeira (1992, p. 102) e Henriques & Leitão (2001, p.
79). Neste contexto, utiliza-se o termo “campo de concentração” sem pensar no significado posterior de
campo de extermínio sob o regime nazi.
10

no seu relato de viagem de 1920, publicado sob o título Alemanha Ensanguentada (1935), que
este tratado de paz levará novamente à guerra. Ao juízo negativo sobre os alemães, Ribeiro
“contrapõe as suas experiências em terras alheias”, numa “tentativa de oferecer ao público
português uma certa explicação para a tomada de poder de Hitler no ano anterior”, sem
“justificar ou desculpar o rumo que a Alemanha tomou” (Hanenberg, 2014, pp. 50-52).
Fenómenos como a benevolência testemunhada por prisoneiros em campos
alemães ou as experiências de viagem de Aquilino Ribeiro advertem-nos para o facto de a
questão expressa em ‘amamos odiar os alemães’ se cingir apenas a representações e
estratégias discursivas dos media, que se renovam em situações de crise. Desta forma,
constituem tradições imagológicas e narrativas, tal como no caso da reiterada evocação da
‘invasão espanhola’, a qual transcende o âmbito restrito do antihispanismo (vd.
Grossegesse, 1998). Indo além da diabolização do ‘outro’ e da persistência da imagem do
‘alemão’, inscrita na configuração antagónica Norte-Sul que alimenta o antigermanismo
surgido em 1914, interessa-nos analisar de que maneira a dimensão negativa do discurso da
identidade nacional se combina com o antigermanismo renascido um século depois.
Focaremos os elementos de ‘morte (coletiva) / apocalipse’ e de ‘servilismo’. Ambos são
propícios para reflexões autocríticas.
“O nosso maior inimigo não é a senhora Merkel, somos nós próprios” – assim
começa um artigo de opinião no Expresso de 12 de novembro de 2012, por ocasião da visita
da chanceler a Portugal, retomando nestas palavras expressamente22 a conhecida crítica de
Antero de Quental perante o Ultimato Britânico de 11 de janeiro de 1890. Em vez de
“declamar contra a Inglaterra”, o filósofo vê apenas a alternativa dicotómica entre uma
reforma “salvadora”, em termos políticos, morais e intelectuais, e o fim da nação. 23 O título
do artigo, “Contra Merkel, marchar, marchar” (Gaião, 2012), retoma o verso “Contra os
bretões marchar, marchar”, sem esquecer de mencionar o contributo de Alfredo Keil ao
compor o hino nacional, desfazendo assim qualquer germanofobia simplista.24 Paulo Gaião

22 “A frase podia ser de Antero de Quental, já que foi ele quem a escreveu com outro
alvo após a histeria colectiva contra o Ultimato Britânico de 11 de Janeiro de 1890 para que
abandonássemos as terras do interior entre Angola e Moçambique (o famoso Mapa Cor-de-Rosa do
ministro Barros Gomes).” (Gaião, 2012)
23 “O nosso maior inimigo não é o inglês, somos nós mesmos. (…) Declamar contra a
Inglaterra é fácil; emendarmos os defeitos gravíssimos da nossa vida nacional será mais difícil; mas só
essa reforma será honrosa, só ela salvadora. Portugal ou se reformará política, intelectual e moralmente,
ou deixará de existir.” (Quental, 1982, p. 447)
24 “Alfredo Keil, de origem alemã, e Henrique Lopes de Mendonça compuseram A
Portuguesa, futuro hino do país. Num dos versos lê-se: ‘Contra os bretões marchar, marchar’, mais tarde
substituído por ‘contra os canhões, marchar, marchar’.” (Gaião, 2012)
11

prefere ficar no campo da autocrítica, em vez de renovar o discurso finissecular da morte


da nação perante uma espécie de ‘Ultimato Germânico’25 quando diz:

Hoje, com a senhora Merkel em Portugal, os protestos e o luto nacional contra a


austeridade que nos é imposta (como o foi o Ultimato) também são o espelho dos nossos
descontentamentos por aquilo que não soubemos fazer: governarmo-nos bem a nós
próprios. (Gaião, 2012)

A incapacidade de se governar a si próprio significa ter que ser governado por outros. Já
em 2009, antes de se tornar Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso foi chamado
o ‘caniche’ de Angela Merkel – importando assim uma imagem já estabelecida na França
em relação a Nicolas Sarkozy. Depois, foi a vez de Sócrates herdar o simpático título de “O
mentiroso caniche da Srª. Merkel”, por ocasião da manifestação da CGTP, em março de
2011, denunciando o “Governo ao serviço do imperialismo alemão” (vd. Mendes, 2011a).
Em 2012, Passos Coelho sucedeu-lhe no mesmo papel de cão obediente26, tendo surgido
entretanto outra imagética: a da escola. Portugal aparece como o aluno exemplar (ou aluna,
focando a ministra Maria Luiz Albuquerque27) da política económica germânica,
nomeadamente do ‘professor’ Wolfgang Schäuble, designado por “Sr. Anti-Europa” na voz
do historiador e dirigente do Livre, Rui Tavares. No fim do mandato de Passos Coelho,
Nuno Saraiva – tentando centrar a sua crítica em Schäuble, em vez de diabolizar a
Alemanha ou os alemães28 – não só bate na mesma tecla da crítica ao servilismo, como
também utiliza a imagética de uma ‘morte coletiva’ quando escreve:

Que outro sentimento podemos ter que não seja de repulsa pela indignidade que significa
um governo vangloriar-se da sua obediência cega a Berlim, incapaz de reconhecer que o
‘austericídio’ deixou um rasto de 1,2 milhões de desempregados – (…). (Saraiva, 2015)

25 Cf. Mendes (2011 b), por ocasião da visita de Sócrates a Berlim, em março de 2011.
26 Vd. fotografia de Miguel Manso com a legenda: “Cartaz numa manifestação da CGTP
em Lisboa: o ressurgimento da ‘Europa alemã’ traz com ele o regresso do sentimento anti-alemão”, a
acompanhar uma recensão de Manuel Carvalho (2013) sobre o livro de Ulrich Beck (2012). Vd. infra.
27 “(…), toda contentinha e bem amestrada no papel de aluna exemplar, pelo seu chefe
alemão, Wolfgang Schäuble.” (Saraiva, 2015)
28 “Na verdade, esta gente só tem um propósito que é mostrar quem manda, que tem o
poder de vergar e pisar quem muito bem entende. Não se trata de diabolizar a Alemanha ou os alemães.
Até porque, certa e seguramente, nem todos serão capazes de ostentar um cartaz que diga ‘Ich bin
Schäuble!’.” (Saraiva, 2015)
12

A ameaça da destruição da Europa – incluindo a de Portugal – pela mão da Alemanha


(juntamente com vassalos doutros países, entre os quais o governo português29) é uma linha
de pensamento que favoreceu a ampla receção e discussão das teses de Ulrich Beck. O seu
livro Das deutsche Europa (2012) é traduzido logo no mesmo ano para português, sob o título
A Europa alemã – De Maquiavel a ‘Merkievel’: Estratégias de Poder na Crise do Euro (Lisboa,
Ediçoes 70). O ponto de partida do politólogo alemão, falecido em janeiro de 2015, é
apresentado sob a forma de drama: com as suas fronteiras abertas, a liberdade de expressão
e de imprensa, a relativa fluidez do mercado de emprego, a pátria Europa tomou-se de tal
forma uma segunda natureza para os europeus, que estes têm dificuldade em considerar
sequer a possibilidade de a perderem. No entanto, segundo Beck, esta perda já se encontra
em curso num cenário de incerteza e catástrofe previsível. No eixo deste processo, Beck
considera que existe um “monstro político” com a forma de uma “Europa alemã”, capaz
de terminar com a União Europeia. É fácil percebermos que este discurso, não só crítico
como em certa medida apocalíptico, tenha tido um acolhimento favorável por uma parte da
população portuguesa e por intelectuais, que chegaram depois a lançar propostas como a
da “desgermanização” (Ferreira, 2014, p. 228 seg.), considerada necessária para recuperar o
modelo europeu original.
Numa abordagem comparativa do antigermanismo no eixo temporal de um século
observamos, por um lado, contextos, configurações e estratégias discursivas bastante
diferentes e, por outro, uma persistência de imagens e conceitos relativamente a um ‘ser
alemão’ ou ‘hábitus nacional’, mais ou menos conscientemente funcionalizados numa
tradição ‘acarinhada’ do ódio pelo alemão. Tal facto também repercute em criações
literárias, como já acontecera no âmbito da Grande Guerra. Nos textos de Guerra
Junqueiro acima citados ecoa o discurso finissecular do ‘fim da nação’, transpondo-se o
sentimento antibritânico para o antigermânico. Passado um século, a metamorfose da
União Europeia numa Europa alemã é o tema da discoperformance de Cláudia Lucas
Chéu, diretamente inspirada pela leitura de Beck (2012), como já indica a epígrafe.30 Sob o
título Europa, Ich Liebe Dich, projetado na parede de fundo, o performer está sentado em cima
de um touro mecânico, parodiando claramente o mito da Europa. A sessão de rodeo, ao som
de hardcore music, é acompanhada por estrofes, cujo refrão consiste em repetir seis vezes a
palavra “wunderbar” – também projetada na parede. Seguem-se a própria narrativa do mito

29 Vd. Oliveira (2011).


30 “A Europa é alemã. A Alemanha decide, hoje, o to be or not to be da Europa e passou
de discípulo a mestre, em apenas setenta anos.” (Chéu, 2013, p.77).
13

e afirmações acerca da Europa alemã e do modelo merkievel retiradas do livro de Beck31,


para culminar na primeira estrofe do Hino da Europa, numa buzina final e em silêncio. Já
no conto “Ulisseia / Azul escuro” (2014), Raquel Freire desenvolve mais uma visão
apocalíptica, ao transformar o controlo económico da Alemanha sob Angela Merkel num
controlo totalitário32 (contando para tal com a colaboração dos ‘donos’ de Portugal), contra
o qual só resta a hipótese de uma resistência guerrilheira nas montanhas do interior do país.
Tal como há um século atrás, a presente renovação de um antigermanismo de caraterísticas
específicas não levará a criações que ficarão no cânone literário. Contudo, no âmbito da
abordagem escolhida neste estudo, estas repercussões não deixam de ser significativas.33

31
O subtítulo da tradução portuguesa é precisamente De Maquiavel a ‘Merkievel’.
32
“Um guarda azul abre a porta e dá-me ordens em alemão” (Freire, 2014, p. 143).
33
Cf. também a presença persistente do elemento germânico nos romances de José
Saramago, analisada por Grossegesse (1998) na tradição do “ugly German” (vd. nota 8).
O presente estudo deriva da génese do artigo “Antigermanismo” destinado ao
Dicionário dos antis. Após apresentação no âmbito do Congresso Internacional Culturas em Negativo —
Mitos negros, Antis e Mudança Social (1 a 3 de outubro de 2015), passou por uma fase de profunda
transformação (revisão: Ana Paula Correia).
14

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