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A problemática da con�guração de possível tipo penal, perante investidas sexuais em


face de adolescente, através dos meios digitais e virtuais, diante da ausência de norma
penal em algumas situações

Na última década, a sociedade vem passando por intensa evolução dos meios digitais e
tecnológicos, com a consequente substituição de sistemas tradicionais até então já
consagrados, por outros informatizados.

Tal narrativa é facilmente vislumbrada, quando se faz uma análise comparativa entre
alguns ramos comerciais há alguns anos e seu contexto atual, assim como os meios
interpessoais de interações entre as pessoas.

Classi�cados em jornais de grande circulação era o meio mais comum de


comercialização de bens móveis e imóveis na sociedade, sendo substituídos por
plataformas de comércio virtual.  Da mesma forma, o transporte urbano para que não
possuía meios próprios e optava por algo mais cômodo, era realizado pelo lendário Taxi,
sendo praticamente extinto com o advento de aplicativos de transporte particular.

Nesse viés, os diálogos que ocorriam na maioria das vezes de maneira pessoal e por
meio de ligações telefônicas quando existia a barreira da distância entre interlocutores,
atualmente deram lugar aos aplicativos de conversas instantâneas criptografadas ou
não, a depender do aplicativo.

Toda evolução digital até então vislumbrada, vem sendo aplicada de maneira a trazer
maior comodidade aos seus usuários, que passaram a dominar praticamente todas as
nuances do mundo moderno, do conforto de suas residências, através de um único
clique em seu aparelho smartfone.

Noutro giro, as facilidades dos meios digitais, aliadas a seu acesso indiscriminado a
todas as faixas etárias, representam um vasto espaço para prática das mais diversas
modalidades criminosas existentes no nosso ordenamento jurídico.

Adolescentes, por passarem a maioria do tempo conectados e “online”, se tornam alvos


fáceis para cibercriminosos, que detém nas redes sociais, o seu campo de atuação para
prática de crimes, principalmente os de conotação sexual.

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Atento a tais mudanças de comportamento social, o legislador tipi�cou o ato de


aliciamento de crianças por qualquer meio de comunicação no Estatuto da Criança e do
Adolescente em seu art. 241-D, nos seguintes termos:

Art. 241-D.  Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de


comunicação, criança, com o �m de com ela praticar ato libidinoso: (Incluído
pela Lei nº 11.829, de 2008)

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº


11.829, de 2008)

Ao proceder a análise detida da referida norma, o operador jurídico se depara com o


tipo penal que descreve a conduta tendo como vítima criança, contudo, deixando
omisso a �gura da vítima adolescente.

Nota-se que por lapso legislativo o legislador reformista do ECA, no ano de 2008, ao
acrescentar o tipo penal transcrito no artigo 241-D ao estatuto, não abarcou a �gura do
adolescente como vítima de tal conduta criminosa.

Em análise global do ordenamento jurídico pátrio, não se vislumbra qualquer tipo penal
narrando em seu preceito primário a conduta de [css3_tooltip content=’Além das
condutas de instigar ou constranger.’ position=’top’ tag=’a’ width=’180px’ style=’style_1′
delay=’0′ cursor=’pointer’ event=’hover’ ]aliciar ou assediar[/css3_tooltip], adolescente,
por meio de comunicação, para �ns de prática de atos libidinosos.

Ao que parece, estamos diante do fenômeno da anomia legislativa, que ocorre em caso
de ausência de norma regulamentadora de determinada situação fática.

Nesse sentido a doutrina de Lélio Braga Calhau:

A anomia é uma situação social em que falta coesão e ordem,


especialmente no tocante a normas e valores. Se as normas são de�nidas
de forma albígua, por exemplo, ou são implementadas de maneira causal e
arbitrária; se uma calamidade como a guerra subverte o padrão habitual da
vida social e cria uma situação em que se torna obscuro quais normais têm
aplicação; ou se um sistema é organizado de tal forma que promove o
isolamento e a autonomia do indivíduo a ponto das pessoas se
identi�carem muito mais com seus próprios interesses do que com os do
grupo ou da comunidade como um todo – o resultado poderá ser a anomia,
ou falta de normas. (CALHAU, Lélio Braga. Resumo de Criminologia. 4. ed.

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revista ampliada e atualizada. Niteroi, RJ. Impetus, 2012.)

    Como saída jurídica para tal lapso legislativo, num primeiro momento, poderíamos
pensar em aplicar a norma descrita no art. 241-D do ECA, também ao adolescente vítima
do crime, utilizando-se do instituto da analogia. Porém, nos deparamos com grave
entrave jurídico, sendo impossível a utilização da analogia in malam parten no direito
penal pátrio.

Como bem ressalta Cleber Masson:

Analogia in malan partem, é aquela pela qual aplica-se ao caso omisso uma
lei malé�ca ao réu, disciplinador de caso semelhante. Não é admitida, como
já dito, em homenagem ao princípio da reserva legal. (MASSON, Cleber
Rogério. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral – vol 1 7ª edição Rio
de Janeiro: Forense; São Paulo Método, 2013, p. 112).

     No mesmo sentido, a doutrina de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar
dispõem que:

Assim, em face da omissão involuntária da lei, aplicamos norma que


disciplina fato análogo. Ao contrário do que acontece no direito penal, no
âmbito do qual a analogia não pode ser utilizada em prejuízo do réu, na
esfera processual ela goza de ampla aplicação. Todavia deve-se interpreta
com reservas a admissibilidade da analogia quando se trata da restrição
cautelar da liberdade ou quando importe em �exibilização de garantias, o
que seria intolerável à luz da Constituição Federal. (TÁVORA; ALENCAR,
2015, p.41)

    É também o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a analogia in malan


partem:

No crime de dano, a inclusão da Caixa Econômica Federal na quali�cadora


relativa à conduta cometida contra o patrimônio da União, Estado,
Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de
economia mista é analogia in malam partem, pois o Código Penal não faz
menção a dano cometido contra empresa pública: “Ainda que com a
previsão da forma quali�cada do dano o legislador tenha pretendido
proteger o patrimônio público de forma geral, e mesmo que a destruição ou
a inutilização de bens de empresas públicas seja tão prejudicial quanto as
cometidas em face das demais pessoas jurídicas mencionadas na normal

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penal incriminadora em exame, o certo é que, como visto, não se admite


analogia in malam partem no Direito Penal, de modo que não é possível
incluir a Caixa Econômica Federal no rol constante do dispositivo em apreço.
Precedente do STJ” (RHC 57.544/SP, j. 06/08/2015).

   Em avanço das exposições e em nosso sentir também, as condutas de aliciar, assediar,
instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, o adolescente com o �m de
com ela praticar ato libidinoso não se enquadra em regra, nas subsunções do
[css3_tooltip content=’DA EXPOSIÇÃO DA INTIMIDADE SEXUAL Registro não autorizado
da intimidade sexual Art. 216-B.  Produzir, fotografar, �lmar ou registrar, por qualquer
meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e
privado sem autorização dos participantes:  (Incluído pela Lei nº 13.772, de 2018) Pena –
detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa. Parágrafo único.  Na mesma pena
incorre quem realiza montagem em fotogra�a, vídeo, áudio ou qualquer outro registro
com o �m de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter
íntimo.   (Incluído pela Lei nº 13.772, de 2018)’ position=’bottom’ tag=’a’ width=’180px’
style=’style_1′ delay=’0′ cursor=’pointer’ event=’hover’ ]art. 216-B[/css3_tooltip],
[css3_tooltip content=’Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze)
anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a �m de
satisfazer lascívia própria ou de outrem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.’
position=’top’ tag=’a’ width=’180px’ style=’style_1′ delay=’0′ cursor=’pointer’ event=’hover’
]art. 218-A[/css3_tooltip], [css3_tooltip content=’Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à
prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou
que, por enfermidade ou de�ciência mental, não tem o necessário discernimento para a
prática do ato, facilitá-la, impedir ou di�cultar que a abandone: Pena – reclusão, de 4
(quatro) a 10 (dez) anos. § 1 º Se o crime é praticado com o �m de obter vantagem
econômica, aplica-se também multa. § 2 º Incorre nas mesmas penas: I – quem pratica
conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de
14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;  II – o proprietário, o
gerente ou o responsável pelo local em que se veri�quem as práticas referidas no caput
deste artigo. § 3 º Na hipótese do inciso II do § 2 º, constitui efeito obrigatório da
condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do
estabelecimento.’ position=’top’ tag=’a’ width=’180px’ style=’style_1′ delay=’0′
cursor=’pointer’ event=’hover’ ]art. 218-B[/css3_tooltip] e [css3_tooltip
content=’Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena
de sexo ou de pornogra�a  (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018) Art. 218-C.  Oferecer,
trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou

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divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema
de informática ou telemática -, fotogra�a, vídeo ou outro registro audiovisual que
contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a
sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou
pornogra�a:  (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018) Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco)
anos, se o fato não constitui crime mais grave.   (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Aumento de pena   (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018) § 1º  A pena é aumentada de
1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou
tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o �m de vingança ou
humilhação.   (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018) Exclusão de ilicitude   (Incluído pela
Lei nº 13.718, de 2018) § 2º  Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas
no caput deste artigo em publicação de natureza jornalística, cientí�ca, cultural ou
acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identi�cação da vítima,
ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos.  (Incluído pela
Lei nº 13.718, de 2018)’ position=’top’ tag=’a’ width=’180px’ style=’style_1′ delay=’0′
cursor=’pointer’ event=’hover’ ]art. 218-C[/css3_tooltip] todos do Código Penal Brasileiro.
Repita: em regra, pois a depender dos ingredientes fáticos pode ser que os tipos penais
citados se ajustem na tipi�cação do caso concreto.

Das considerações �nais

Isto posto, de maneira a evitar a impunidade dessa conduta grave que na maioria das
vezes deixa marcas psicológicas irreparáveis em suas vítimas adolescentes, a solução
legal vislumbrada para enquadrar a prática do crime de aliciar e assediar adolescente,
por meios de comunicação, para prática de atos libidinosos, seria uma alteração
legislativa no art. 241-D do ECA, fazendo incluir o termo “adolescente” ao preceito
primário da referida norma. Em outras palavras, apenas por lege ferenda se corrigiria
esta falha legislativa.

Caso contrário, tal conduta praticada em desfavor daquele que tem entre doze anos
completos e dezoito incompletos (adolescente) seria atípica, trazendo enorme prejuízo
na proteção a ser despendida pelo Estado e principalmente as vítimas, ao verem
criminosos dessa jaez livres e impunes, o que é de todo inaceitável.

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