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O Desertor - Poema Herói-Cômico
O Desertor - Poema Herói-Cômico
SILVA ALVARENGA
lírica retornou aos prelos, Quando a Verdade apare-
com os rondós e os madri- ce em sonhos ao preguiçoso
gais amorosos de Glaura. A “herói” de O desertor, começa
volta de O desertor – quase
MANUEL INÁCIO DA SILVA ALVARENGA a se esclarecer a postura de
150 anos depois da última Manuel Inácio da Silva Al-
edição integral – pode dar varenga, ao compor seu am-
início à redescoberta das bicioso poema satírico. “Eu
demais facetas do poeta. sou quem de intricados labi-
Neste caso, trata-se de
um poema herói-cômico, que
almeja provocar o riso ao
Que esperas tu dos livros?
Crês que ainda apareçam grandes homens
O DESERTOR rintos / Pôs em salvo a Ra-
zão ilesa, e pura” – diz ela,
mas sem ocultar seu estreito
Poema herói-cômico
dar tratamento épico a si- Por estas invenções, com que se apartam vínculo com o poder: “Se
tuações e personagens tidos são firmes por mim o Esta-
Da profunda ciência dos antigos?
O DESERTOR
como ridículos. Publicado do, a Igreja, / Se é no seio da
em 1774, tem como ponto Morreram as postilas, e os Cadernos: paz feliz o Povo, / Dizei-o
de partida a celebração da Caiu de todo a Ponte, e se acabaram vós, ó Ninfas do Parnaso”. A
reforma da Universidade pretendida pureza racional
de Coimbra empreendida
As distinções, que tudo defendiam, aparece diretamente ligada
com mão de ferro pelo mar- E o ergo, que fará saudade a muitos! à conservação das institui-
quês de Pombal. O protago- Noutro tempo dos Sábios era a língua ções político-religiosas, e
nista, Gonçalo, é o “desertor assim enfeixa de uma vez as
das letras”: dissoluto e mal-
Forma, e mais forma: tudo enfim se acaba, noções de bom senso, boa
acostumado com os “intri- Ou se muda em pior. conduta e bom governo.
cados labirintos” da velha Isso basta para reconhe-
escolástica, agora banida, o cermos em O desertor um dos
rapaz não tem outra escolha textos mais importantes
senão fugir das salas de aula. Edição preparada por para o estudo e o desvela-
Assim se iniciam as peri- RONALD POLITO mento das especificidades
pécias do poema, entre as da ilustração luso-america-
quais não será das menos na no século XVIII. Silva
curiosas o fazer a sátira dos Alvarenga, no entanto, é o
costumes se confundir com ISBN 852680621-1 menos conhecido e divulga-
o elogio do poder. do dos árcades “ultramari-
nos”. Em todo o século XX,
Sérgio Alcides 9 788526 806214
praticamente só a sua poesia
O DESERTOR
Conselho Editorial
Presidente
P AULO F RANCHETTI
A LCIR P ÉCORA – A RLEY R AMOS M ORENO
E DUARDO D ELGADO A SSAD – J OSÉ A. R. G ONTIJO
J OSÉ R OBERTO Z AN – M ARCELO K NOBEL
S EDI H IRANO – Y ARO B URIAN J UNIOR
O DESERTOR
Poema herói-cômico
Notas ao poema
Joaci Pereira Furtado
e Ronald Polito
CDD B869.126
e- ISBN 85-268-1198-3 B869.126
1a reimpressão, 2010
Editora da Unicamp
Rua Caio Graco Prado, 50 – Campus Unicamp
Caixa Postal 6074 – Barão Geraldo
CEP 13083-892 – Campinas – SP – Brasil
Tel./Fax: (19) 3521-7718/7728
www.editora.unicamp.br – vendas@editora.unicamp.br
Este trabalho seria irrealizável sem a ajuda de diversos
amigos, que de lugares os mais distantes se prontificaram ime-
diatamente a me auxiliar.
Quero agradecer em primeiro lugar a Carlos Fico por
sua plena disponibilidade diante de cada solicitação que lhe
fiz. E não foram poucas as minhas demandas. Em segundo, a
Joaci Pereira Furtado, que tão prontamente aceitou o meu
convite para que dividíssemos a autoria das notas ao poema,
bem como revisou partes deste trabalho.
Lembro ainda Júlio Castañon Guimarães, Luciana
Inhan, Duda Machado, Jardel Dias Cavalcanti e Marli Elias
Veisac, que pesquisaram textos, providenciaram e enviaram
fotocópias indispensáveis.
Sou grato também a Júlio César Vitorino, que localizou
em edições atuais as citações em latim do poema e as traduziu.
Igualmente colaboraram outros amigos, providencian-
do materiais, contactando instituições, sugerindo leituras, che-
cando dados e fornecendo informações valiosas: Sérgio Alcides,
Fabio Weintraub, Andréa Lisly Gonçalves, Marcelo Módolo,
Márcia Arruda Franco, Ana Jardim e Suely Maria Perucci
Esteves.
A todos, meus melhores agradecimentos.
Ronald Polito
Fuchuu-shi, 27 de novembro de 2002
APRESENTAÇÃO .............................................................................................................................. 9
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 15
SOBRE A PRESENTE EDIÇÃO ............................................................................................... 57
O DESERTOR
Canto I ............................................................................................................................................. 75
Canto II .......................................................................................................................................... 88
Canto III ........................................................................................................................................ 96
Canto IV .................................................................................................................................... 105
Canto V ....................................................................................................................................... 119
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1
Para a “fortuna crítica” de O desertor, ver o documentado estudo de Ronald
Polito, nesta edição.
2
Entre os panoramas históricos espanhóis que tratam da “épica burlesca”,
uma das raras exceções que define o gênero “herói-cômico” são os
Princcipios generales de literatura e historia de la literatura española, de
Manuel de la Revilla e Pedro Alcántara García (Madri: Librería de Fran-
cisco Iravedra, 1877). Ver também o que a respeito escreve Ronald Polito
em seu estudo preliminar a esta edição.
3
Cf. Homero Senna, República das letras. Rio de Janeiro: Civilização Bra-
sileira, 1996.
4
Machado de Assis, O Almada. Em Obra completa, vol. III. Rio de Janei-
ro: Nova Aguilar, 1994.
5
Como lembra Ronald Polito, Antonio Candido crê que Silva Alvarenga pôde
ter-se familiarizado com o poema herói-cômico de Boileau através de O hissope
de Antônio Diniz da Cruz e Silva. Ver adiante, nota 53, p. 54.
6
Ronald Polito, na “Introdução” a este volume, indica diversas coincidên-
cias textuais que poderiam apoiar esta hipótese.
7
Ver adiante, p. 27.
8
Roger Picard, El romanticismo social, 2 a ed. México: Fondo de Cultura
Económica, 1987.
9
Paul Hazzard, La crisis de la conciencia europea (1680-1715). Madri:
Pegaso, 1952.
10
George Steiner, La muerte de la tragedia. Caracas: Monte Ávila, 1991.
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1
Brasília: Coordenada, 1973, Coleção Antologia e Crítica, 2.
2
Nelson Werneck Sodré, História da literatura brasileira: seus fundamen-
tos econômicos, 4a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964, p. 116.
3
Guilhermino César, Historiadores e críticos do romantismo — 1: A con-
tribuição européia, crítica e história literária. Rio de Janeiro: Livros Téc-
nicos e Científicos, 1978, passim, Biblioteca Universitária de Literatu-
ra Brasileira, Série A: Ensaio, Crítica, História Literária, vol. 5.
4
Adrien Balbi, Essai statistique sur le royuame de Portugal et de l’Augarve.
Paris: s.ed., 1822, Appendix, p. 174, apud Joaquim Norberto de Sousa
Silva, “Introdução”, in Manuel Inácio da Silva Alvarenga, Obras poéti-
cas de... Rio de Janeiro: H. Garnier, 1864, t. I, p. 12, Biblioteca Brasília
dos Melhores Autores Nacionais Antigos e Modernos.
5
Idem, op. cit., respectivamente pp. 81-82 e 70.
6
Sílvio Romero, História da literatura brasileira. Tomo segundo: Formação
e desenvolvimento autonômico da literatura nacional, 3a ed. aum. Rio de
Janeiro: Livraria José Olympio, 1943, pp. 96-97 e 105.
7
José Veríssimo, História da literatura brasileira: de Bento Teixeira (1601)
a Machado de Assis (1908), 3a ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio,
1954, pp. 121-22.
8
António José Saraiva e Óscar Lopes, História da literatura portuguesa,
5 a ed. corrig. e aum. Porto: Porto, s.d., pp. 649-50.
9
Antônio Houaiss, “Sobre Silva Alvarenga”, in Seis poetas e um problema.
Rio de Janeiro: MEC, Serviço de Documentação, 1960, p. 13, Os Ca-
dernos de Cultura, 125.
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1
Note-se que no Dicionário bibliográfico brasileiro (sexto volume, p. 101),
de Sacramento Blake, certamente por um descuido tipográfico, consta
que esta edição tem 16 páginas. O Dicionário também informa que a
edição foi feita no Rio de Janeiro. Estes erros depois serão repetidos por
Artur Mota (História da literatura brasileira: época de transformação; sé-
culo XVIII. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1930, p. 304), de
onde deduzimos que Mota não chegou a ver um exemplar da edição.
2
Rubem Borba de Moraes, Bibliografia brasileira do período colonial: ca-
tálogo comentado das obras dos autores nascidos no Brasil e publicadas antes
de 1808. São Paulo: IEB–USP, 1969, p. 19, Publicações do Instituto
de Estudos Brasileiros, 9.
3
Heitor Martins, “A segunda edição de ‘O Desertor’. Silva Alvarenga e o
‘Malhão Velho’”, in Do barroco a Guimarães Rosa. Belo Horizonte: Itatiaia,
1983, pp. 67-72, Coleção Ensaios, vol. 12.
4
O poema Palito métrico, assinado por Antônio Duarte Ferrão, pseudô-
nimo do padre João da Silva Rebello, foi publicado pela primeira vez
em 1746 e teve diversas edições no século XVIII. Narra as aventuras do
novato João Fernandes, parodiando o registro épico. É um exemplo de
poema macarrônico sobre a vida estudantil.
5
Heitor Martins, op. cit., p. 71.
6
Ibidem.
7
Sacramento Blake (op. cit., p. 102) informa que estes volumes prepara-
dos por Joaquim Norberto tiveram ainda uma edição com o título Obras
completas de Manuel Inácio da Silva Alvarenga, que no entanto não con-
seguimos localizar em nenhum dos acervos pesquisados. Esta informa-
ção também será repetida por Artur Mota (op. cit., p. 304) e Afrânio
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Canto I
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E tanto pode a rústica progênie! Virg. En. l. I. ... Tantæ ne animis cœlestibus
iræ. M. Despreaux no Canto I do Lutrin.
Tant de fiel entre-t-il dans l’ame de Devots!
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Argos fingiu a fábula ser pastor de Tessália, que tinha cem olhos, a quem
Juno deu a guardar Jó, filha de Inacho, Rei dos Argivos.
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Canto II
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Qual o Tatu, que o destro Americano. Lin. Sist. nat. Zool. edição 10. tomo I.
pág. 50. Dasypus.
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Canto III
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Que o Zêzere veloz lavando insulta. Este pequeno, e arrebatado rio perde o
nome no Tejo, e faz a maior parte do seu curso por penhascos inacessíveis.
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Qual nos montes de Lerne o fero Alcides. Lerne, lago de Acaia, onde Hércules
matou a Hidra.
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Canto IV
O velho Chagas. Este famoso Índio foi dos que mais se assinalaram nas
ocasiões de ataques contra os escravos.
Pantera. Lin. Sist. nat. anim. edição 10. pág. 41. Pardus.
Jacaré. Crocodilo Brasiliense. Maregr. 242. Lin. Sist. nat. pág. 200.
Crocodilus.
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Em penetrar olhando para os dedos. Esta superstição tem tido grande uso,
vulgarmente dizer a buena dicha.
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Que em seus escritos prodigou Gerardo. Gerardo de Escobar fez uma obra,
que intitulou Cristais d’alma, cheia de ridículos hipérboles.
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Canto V
Não de outra sorte o toiro da Chamusca. Todos sabem, que desta Vila são
bravíssimos os toiros.
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Olhos de água. Obra que tem este título = Fluxo Breve, desengano pere-
ne, que o Pégaso da Morte abriu no monte da contemplação em nove
olhos de água para refrescar a alma das securas do espírito etc.
Todas as obras nomeadas neste lugar são conhecidas, e quando o não fos-
sem bastaria ver os títulos para julgar do seu merecimento, e da barbari-
dade do século, em que foram escritas. Talvez não sejam estas as mais ex-
travagantes à vista do Crisol Seráfico, da Tuba concionatória, Sintagma
comparístico, Primavera Sægrada, etc. Limoeiro. A cadeia pública da Corte.
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E. G. P.
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L. F. C. S.
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Canto I
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Canto II
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Canto III
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Canto IV
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Canto V
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Soneto
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SILVA ALVARENGA
lírica retornou aos prelos, Quando a Verdade apare-
com os rondós e os madri- ce em sonhos ao preguiçoso
gais amorosos de Glaura. A “herói” de O desertor, começa
volta de O desertor – quase
MANUEL INÁCIO DA SILVA ALVARENGA a se esclarecer a postura de
150 anos depois da última Manuel Inácio da Silva Al-
edição integral – pode dar varenga, ao compor seu am-
início à redescoberta das bicioso poema satírico. “Eu
demais facetas do poeta. sou quem de intricados labi-
Neste caso, trata-se de
um poema herói-cômico, que
almeja provocar o riso ao
Que esperas tu dos livros?
Crês que ainda apareçam grandes homens
O DESERTOR rintos / Pôs em salvo a Ra-
zão ilesa, e pura” – diz ela,
mas sem ocultar seu estreito
Poema herói-cômico
dar tratamento épico a si- Por estas invenções, com que se apartam vínculo com o poder: “Se
tuações e personagens tidos são firmes por mim o Esta-
Da profunda ciência dos antigos?
O DESERTOR
como ridículos. Publicado do, a Igreja, / Se é no seio da
em 1774, tem como ponto Morreram as postilas, e os Cadernos: paz feliz o Povo, / Dizei-o
de partida a celebração da Caiu de todo a Ponte, e se acabaram vós, ó Ninfas do Parnaso”. A
reforma da Universidade pretendida pureza racional
de Coimbra empreendida
As distinções, que tudo defendiam, aparece diretamente ligada
com mão de ferro pelo mar- E o ergo, que fará saudade a muitos! à conservação das institui-
quês de Pombal. O protago- Noutro tempo dos Sábios era a língua ções político-religiosas, e
nista, Gonçalo, é o “desertor assim enfeixa de uma vez as
das letras”: dissoluto e mal-
Forma, e mais forma: tudo enfim se acaba, noções de bom senso, boa
acostumado com os “intri- Ou se muda em pior. conduta e bom governo.
cados labirintos” da velha Isso basta para reconhe-
escolástica, agora banida, o cermos em O desertor um dos
rapaz não tem outra escolha textos mais importantes
senão fugir das salas de aula. Edição preparada por para o estudo e o desvela-
Assim se iniciam as peri- RONALD POLITO mento das especificidades
pécias do poema, entre as da ilustração luso-america-
quais não será das menos na no século XVIII. Silva
curiosas o fazer a sátira dos Alvarenga, no entanto, é o
costumes se confundir com ISBN 852680621-1 menos conhecido e divulga-
o elogio do poder. do dos árcades “ultramari-
nos”. Em todo o século XX,
Sérgio Alcides 9 788526 806214
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