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Tocqueville, a liberdade e o pensamento conservador

“Como é possível que a sociedade escape da destruição se o nó moral não


for fortalecido na mesma proporção em que o nó político é relaxado?”1

Classificar e vincular um pensador a uma determinada corrente de pensamento


raramente é uma tarefa grata. No caso de Alexis de Tocqueville (1805-1859) – o
proeminente autor francês conhecido por suas contribuições para a historiografia, a
sociologia e o pensamento político –, será que poderíamos dizer que ele foi apenas um
liberal puro e clássico, como creem alguns? Quiçá um revolucionário até simpático aos
jacobinos? Ou um conservador?

Apologista da democracia, Tocqueville admitia que os diversos partidos [ou as


disputas partidárias] são um “mal inerente” e necessário aos governos dos países livres.
Famoso pelas críticas que dirigiu tanto ao regime monárquico absolutista vigente na
França até 1789 quanto aos rumos despóticos tomados pelo regime republicano que se
instalou após a revolução – bem como pelos elogios que teceu ao modelo político
estadunidense –, o fato é que, exceto pelo epíteto de “democrático”, Tocqueville não é
um autor facilmente classificável, alguém em quem se possa colar um rótulo definitivo e
incontestável. Neste texto, contudo, apresentamos trechos de sua obra que deixam
entrever uma aproximação, em diversos pontos, entre o pensamento tocquevilleano e
certas propostas fundamentais do pensamento conservador.

O contato com as suas obras nos permite identificar um ardoroso defensor da


igualdade civil e das liberdades políticas e individuais que é, ao mesmo tempo, um
crítico honesto de certas concepções e práticas revolucionárias que historicamente se
mostraram de fato problemáticas. Não pretendemos aqui propor que Tocqueville era
simplesmente um conservador, mas sim que o seu pensamento foi permeado também
por considerações que não distam muito daquelas encontradas, por exemplo, nos textos
do “pai do conservadorismo moderno” Edmund Burke. Certo é que a noção
tocquevilleana de democracia não dispensava, antes reclamava, certos valores
tradicionais que seriam necessários à própria manutenção das instituições democráticas
e favoráveis ao exercício contínuo da justa liberdade.

- Revolução, Despotismo e Abolição da aristocracia

Em O Antigo Regime e a Revolução, Tocqueville não apenas denuncia o


despotismo do governo republicano pós-revolução e sugere, a modo burkeano, que as
reformas necessárias no Estado francês poderiam ter acontecido paulatinamente e
sem violência, como também adverte que aqueles países que suprimem rápido

1
Democracy in America. Trad. Henry Reeve. 2ª Ed. New York: G. Adlard, 1838, p. 288. (Tradução livre)
demais a sua aristocracia criam condições para o surgimento de um absolutismo
de caráter revolucionário tão ou mais violento que o absolutismo real. O pensador
francês entendia que, sem os antigos costumes, restariam apenas os interesses
particulares dos indivíduos, levando a um quadro de atomização social e desordem
política no qual o despotismo tornar-se-ia irresistível para os grupos detentores do
poder. Justamente neste tipo de sociedade – desprovida de valores e vínculos sociais
tradicionais – é que o autoritarismo revelar-se-ia mais nocivo.

TOCQUEVILLE, Alexis de. O Antigo Regime e a Revolução, 4ª ed., Ed. UnB, 1997:

“Ao acompanhar... como um governo mais forte e mais absoluto do que aquele que a
Revolução derrubou retoma e concentra todos os poderes, suprime todas estas
liberdades que tanto custaram e coloca em seu lugar suas vãs imagens, chamando de
soberania do povo o sufrágio de eleitores que não podem nem indagar, nem discutir,
nem decidir, nem escolher... um governo que ao tirar da nação a faculdade de
governar-se, as principais garantias do direito, a liberdade de pensar, falar e escrever,
quer dizer, do que houve de mais nobre e de mais precioso nas conquistas de 89, ainda
se enfeita com este grande nome.” (Prefácio, p. 45)

“No meio das trevas do futuro já podemos descobrir três verdades muito claras. A
primeira é que em nossos dias todos os homens estão sendo levados por uma força
desconhecida que temos a esperança de poder regular e abrandar, mas não de vencer,
e que os impele branda ou violentamente de destruir a aristocracia. A segunda é que,
em todas as sociedades do mundo, aquelas que sempre encontrarão as maiores
dificuldades em escapar por muito tempo ao governo absoluto serão precisamente
estas sociedades onde não há mais e não pode mais haver uma aristocracia. A terceira
é que em nenhum lugar o despotismo poderá produzir efeitos mais nocivos que neste
tipo de sociedade, porque mais de que qualquer outra espécie de governo favorece o
desenvolvimento de todos os vícios aos quais estas sociedades são especialmente
sujeitas e assim as empurra em uma direção à qual uma inclinação natural já as fazia
pender.” (Prefácio, p. 46)

“Comete-se um grande erro crendo que as sociedades democráticas são naturalmente


hostis à religião: nada no cristianismo nem até mesmo no catolicismo é absolutamente
contrário ao espírito destas sociedades e algumas coisas são-lhes muito favoráveis.”
(Livro I, Cap. 2, pág. 56).

“A Revolução resolveu repentinamente, por um esforço convulsivo e doloroso, sem


transição, sem precauções, sem deferências, o que ter-se-ia realizado sozinho, pouco a
pouco, com o tempo. Esta foi, portanto, a obra da Revolução.” (Livro I, Cap. 5, p. 68)

- Cristianismo, liberdade civil, virtudes familiares, coesão social e democracia

Em A Democracia na América, constata-se que, além da liberdade de iniciativa e


de associação, também o cristianismo norte-americano, em suas diferentes formas,
favorecia a democracia liberal naquele país, sobressaindo-se como um elemento cultural
propício à saúde do tecido social, um aliado da ordem pública e uma espécie de cimento
da coesão social. Pelo comprometimento com a moralidade cristã, os cidadãos seriam
estimulados à honestidade nos negócios e à conservação da harmonia entre eles. Neste
sentido, a religião cristã aparece na obra como um fator capaz de aperfeiçoar os
costumes, articular as diferentes partes do organismo social e inclinar os homens
ao cumprimento voluntário das leis.

Os “prazeres simples e naturais” da regrada família norte-americana são


igualmente aludidos como um componente político pacificador e ordenador da
sociedade. Convém notar que Tocqueville manifesta a convicção de que a liberdade
civil não pode durar muito numa sociedade na qual os costumes estejam
corrompidos, os cidadãos sejam desordeiros e as leis não sejam obedecidas. O autor
também parece sugerir que o protestantismo norte-americano – talvez por sobrelevar os
fiéis mais prósperos como os mais predestinados à salvação – seria menos favorável à
igualdade civil do que o catolicismo, não obstante a estrutura fortemente hierárquica da
Igreja Católica. A doutrina protestante, no seu parecer, inclinaria os fiéis mais à
independência individual do que à igualdade política.

TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América, vol I, São Paulo: Martins


Fontes, 2005:

“Eu já disse o bastante para revelar, tal como é, o caráter da civilização anglo-
americana. Ela é o produto (e esse ponto de partida deve estar constantemente
presente ao pensamento) de dois elementos perfeitamente distintos que, aliás, muitas
vezes fizeram-se guerra, mas que na América conseguiu-se incorporar de certa forma
um ao outro e combinar maravilhosamente. Estou me referindo ao espírito de religião
e ao espírito de liberdade. [...]

Longe de se prejudicarem, essas duas tendências, em aparência tão opostas, caminham


em concórdia e parecem prestar-se um apoio mútuo. A religião vê na liberdade civil
um nobre exercício das faculdades do homem; no mundo político, um campo
entregue pelo Criador aos esforços da inteligência. Livre e poderosa em sua esfera,
satisfeita com o lugar que lhe é reservado, ela sabe que seu império está ainda mais
bem estabelecido por ela reinar apenas graças às suas próprias forças e dominar sem
outro apoio os corações. A liberdade vê na religião a companheira de suas lutas e de
seus triunfos, o berço da sua infância, a fonte divina de seus direitos. Ela considera a
religião como a salvaguarda dos costumes; os costumes como a garantia das leis e
penhor de sua própria duração.” (Primeira parte, Cap. II, p. 51-52)

“...a America ainda é, porem, o lugar do mundo em que a religião cristã mais
conservou verdadeiros poderes sobre as almas, e nada mostra melhor quanto ela é útil
e natural ao homem, pois o país em que ela exerce em nossos dias maior império e ao
mesmo tempo o mais esclarecido e o mais livre.” (Segunda parte, Cap. IX, p. 342)

“... não se pode dizer que nos Estados Unidos a religião exerce uma influência sobre
as leis ou sobre o detalhe das opiniões políticas, senão que dirige os costumes, e é
regrando a família que trabalha para regrar o Estado. [...] A América é seguramente o
país do mundo em que o laço do matrimônio é mais respeitado e em que se concebeu a
ideia mais elevada e mais justa da felicidade conjugal. Na Europa, quase todas as
desordens da sociedade nascem em torno do fogo doméstico e não longe do leito
nupcial. E lá que os homens concebem o desprezo dos laços naturais e dos prazeres
permitidos, o gosto pela desordem, a inquietude do coração, a instabilidade dos
desejos. Agitado pelas paixões tumultuosas que perturbaram com frequência a sua
própria casa, o europeu tem dificuldade para submeter-se aos poderes legisladores do
Estado.

Quando, ao sair das agitações do mundo político, o americano volta ao seio da


família, logo encontra lá a imagem da ordem e da paz. Lá todos os seus prazeres são
simples e naturais, suas alegrias inocentes e tranquilas; e como ele alcança a
felicidade pela regularidade da vida, acostuma-se sem custo a regrar suas opiniões
tanto quanto seus gostos. Enquanto o europeu procura escapar de suas contrariedades
domésticas perturbando a sociedade, o americano haure em sua morada o amor à
ordem, que leva em seguida aos negócios do Estado.” (Segunda parte, Cap. IX, pp.
342-343)

“A natureza e as circunstâncias haviam feito do habitante dos Estados Unidos um


homem audacioso, o que e fácil deduzir, quando se vê de que maneira ele persegue a
fortuna. Se o espírito dos americanos fosse livre de todo e qualquer entrave, não se
tardaria a encontrar entre eles os mais ousados inovadores e os mais implacáveis
lógicos do mundo. Mas os revolucionários da América são obrigados a professar
ostensivamente um certo respeito pela moral e pela etiqueta cristãs, que não lhes
permite violar facilmente as leis destas quando elas se opõem à execução de seus
projetos; e, se pudessem elevar-se acima de seus escrúpulos, sentir-se-iam ainda
detidos pelos de seus partidários.

Até aqui não houve ninguém nos Estados Unidos que tenha ousado avançar a máxima
de que tudo é permitido no interesse da sociedade. Máxima ímpia, que parece ter sido
inventada num século de liberdade para legitimar todos os tiranos por vir. Assim,
pois, ao mesmo tempo que a lei permite ao povo americano fazer tudo, a religião
impede-o de conceber tudo e proíbe-lhe tudo ousar. A religião que, entre os
americanos, nunca se envolve diretamente no governo da sociedade, deve ser
considerada pois a primeira de suas instituições políticas, porque, conquanto não lhes
dê o gosto pela liberdade, facilita-lhes singularmente seu uso.

É também desse ponto de vista que os próprios habitantes dos Estados Unidos
consideram as crenças religiosas. Não sei se todos os americanos tem fé em sua
religião, pois quem pode ler no fundo dos corações? Mas tenho certeza de que a creem
necessária à manutenção das instituições republicanas. Essa opinião não pertence a
uma classe de cidadãos ou a um partido, mas a nação inteira: encontramo-la em todos
os níveis.” (Segunda parte, Cap. IX, p. 344)

“Há cerca de cinquenta anos a Irlanda começou a derramar no seio dos Estados
Unidos uma população católica. De seu lado, o catolicismo americano fez prosélitos:
encontramos hoje na União mais de um milhão de cristãos que professam as verdades
da Igreja romana. Esses católicos mostram uma grande fidelidade nas práticas de seu
culto e são cheios de ardor e de zelo por suas crenças; no entanto, formam a classe
mais republicana e mais democrática que existe nos Estados Unidos. Esse fato
surpreende à primeira vista, mas a reflexão descobre facilmente suas causas ocultas.
Acho que é um erro considerar a religião católica uma inimiga natural da
democracia. Entre as diferentes doutrinas cristãs, o catolicismo parece-me, ao
contrário, uma das mais favoráveis à igualdade das condições. Entre os católicos, a
sociedade religiosa compõe-se de apenas dois elementos: o padre e o povo. O padre se
eleva sozinho acima dos fiéis; abaixo dele tudo é igual. Em matéria de dogmas, o
catolicismo atribui o mesmo nível a todas as inteligências. Ele sujeita aos detalhes das
mesmas crenças tanto o sábio como o ignorante, tanto o homem de gênio como o
vulgar; ele impõe as mesmas práticas ao rico e ao pobre, inflige as mesmas
austeridades ao poderoso e ao fraco; não compõe com nenhum mortal e, aplicando a
cada um dos humanos a mesma medida, apraz-se a congregar todas as classes da
sociedade ao pé do mesmo altar, tal como elas são congregadas aos olhos de Deus. Se
o catolicismo dispõe os fiéis à obediência, não os prepara, pois, para a desigualdade.
Direi o contrário do protestantismo que, em geral, leva os homens muito menos para a
igualdade do que para a independência.” (Segunda parte, Cap. IX, pp. 338 – 339)

- Socialismo, caridade pública, servidão e liberdade individual

Por fim, seguem trechos do discurso proferido por Tocqueville na Assembleia


Constituinte de 12 de setembro de 1848, referente a certas reivindicações surgidas na
revolução ocorrida em fevereiro daquele ano que instaurou a Segunda República
francesa. Nele, cumprindo a função de “representante do povo”, o pensador explica suas
razões para considerar o ideário socialista como algo nocivo à liberdade democrática.

TOCQUEVILLE, Alexis de. Igualdade social e liberdade política. Trad. Cícero


Araújo. São Paulo: Nerman, 1988:

“...o Estado dar a todos os trabalhadores que lhe pedirem o emprego que carecem,
com o que se tornaria pouco a pouco empresário; e como é um empresário que está em
todas as partes, o único que não pode negar a dar trabalho e o que de ordinário
impõe menos tarefa, ver-se-á conduzido inevitavelmente a ser o principal e logo o
único empresário industrial. Uma vez que chegue a este ponto, os impostos deixam de
ser o meio de fazer funcionar a máquina do governo, senão o único meio de alimentar a
indústria. Acumulando assim em suas mãos todos os capitais dos particulares, o
Estado se converte no único proprietário de tudo. E isso é o comunismo. Se, pelo
contrário, o Estado quer escapar da necessidade fatal que acabo de mostrar; se não
quer dar trabalho por si mesmo e com seus próprios recursos a todos os operários que
lhe peçam, mas obrigar os particulares que lhe deem, então se vê fatalmente arrastado
a essa minuciosa regulamentação da indústria que, se não me equivoco, propiciava
em seu sistema meu honrado predecessor nesta tribuna. Ver-se-á obrigado a atuar de
tal forma que não exista o desemprego e isso o levará forçosamente a distribuir os
trabalhadores de tal maneira que não haja concorrência, a regulamentar os salários,
a moderar algumas vezes a produção e a acelerar outras... Em uma palavra: a ser o
único e poderoso organizador do trabalho.” (p. 155)

“Não é minha intenção examinar perante esta Assembleia os diferentes sistemas que
podem, todos, incluir-se na palavra socialismo. Tratarei unicamente de esboçar, em
poucas palavras, quais são os traços característicos que se encontram em todos eles,
para ver se é isso o que quis a revolução de fevereiro. Se não me equivoco, senhores, o
primeiro traço característico de todos os sistemas que se chamam socialistas é uma
convocação enérgica, contínua, imoderada, das paixões materiais do homem.

Assim, uns dizem que ‘se trata de reabilitar a carne’; outros que ‘é preciso que o
trabalho, inclusive o mais duro, não só seja útil, mas também agradável’; outros, que
se deve lograr que ‘os homens sejam retribuídos, não em proporção a seus méritos,
mas às suas necessidades’; finalmente, o último objetivo dos socialistas de que desejo
falar veio lhes dizer aqui que o objetivo do sistema socialista, segundo ele, e o objetivo
da revolução de fevereiro, era procurar garantir a todos um consumo ilimitado.
Portanto, senhores, tenho razão ao dizer que o primeiro traço característico do
socialismo é o chamamento enérgico e contínuo ao desenvolvimento das paixões
imateriais do homem.

O segundo é um ataque, às vezes direto, às vezes indireto, mas constante, aos próprios
fundamentos da propriedade individual. Desde o primeiro socialismo, que dizia há
cinquenta anos que ‘a propriedade é a origem de todos os males deste mundo’, até o
socialismo que foi exposto nesta tribuna e que, menos caridoso que o primeiro, diz-nos,
passando da propriedade ao proprietário, que ‘a propriedade é um roubo’, todos os
socialismos, todos, atrevo-me a dizê-lo, atacam, de maneira direta ou indireta, a
propriedade individual. Não digo que todos a ataquem da maneira aberta e, permiti-me
que o diga, um tanto quanto brutal, como o fez um de nossos colegas; o que digo é que
todos, por meios mais ou menos indiretos, se não a destroem por completo, a
transformam, a diminuem, a entorpecem, a limitam e fazem dela algo distinto dessa
propriedade individual que conhecemos e que se conhece desde que o mundo é mundo.

O terceiro e último traço, o que caracteriza sobretudo, a meus olhos, os socialistas de


todos os matizes, de todas as escolas, é uma profunda desconfiança na liberdade, na
razão humana; um profundo desprezo pelo indivíduo em si mesmo, como simples
homem; o que caracteriza a todos é um intento contínuo, variado, incessante, de
mutilar, de limitar, de obstaculizar a liberdade humana de todas as maneiras
possíveis; é a ideia de que o Estado não deve ser tão somente o dirigente da sociedade,
mas também, por assim dizer, o dono de cada homem. Que digo? Seu dono, seu
maestro, seu preceptor, seu pedagogo; que, por medo de desfalecer, deve se colocar
incessantemente a seu lado, acima dele, ao seu redor, para guiá-lo, preservá-lo, mantê-
lo, retê-lo; em uma palavra, é a confiscação, como dizia antes, em maior ou menor
grau, da liberdade humana. A tal ponto que se tivesse, definitivamente, que encontrar
uma fórmula geral para expressar o que me parece ser o socialismo em seu conjunto,
diria que é uma nova forma de servidão.”. (pp. 156-157)
“A América do Norte é, hoje em dia, o país onde a democracia se exerce mais
soberanamente, e é também aquele onde as doutrinas socialistas, que alguns pretendem
que estão de acordo com a democracia, têm menos êxito, o país onde os homens que
sustentam essas doutrinas teriam menos audiência. [...] Não, senhores, a democracia e
o socialismo não são mutuamente solidários; são duas coisas não apenas diferentes,
mas opostas. Por acaso a democracia consiste em criar um governo mais incômodo,
mais detalhista, mais restritivo que nenhum outro, com a única diferença de ser eleito
pelo povo e atuar em nome do povo?

Se assim fosse, não teríamos dado à tirania um aspecto de legitimidade que antes não
tinha, assegurando-lhe assim e a força e o poder que lhe faltavam? Não, senhores: a
democracia estende a esfera da independência individual, o socialismo a limita. A
democracia dá ao homem todo o seu valor, o socialismo faz de cada homem um agente,
um instrumento, uma cifra. A democracia e o socialismo só tem uma coisa em comum:
a igualdade; porém, com uma diferença: a democracia busca a igualdade na liberdade
e o socialismo quer a igualdade na privação e na servidão.”. (pp. 160-161)

“Isso [o socorro estatal aos pobres e aos ‘cidadãos que sofrem’] não é o socialismo, é
a caridade cristã aplicada à política. [...] Não há nada nisso que dê aos trabalhadores
um direito sobre o Estado; não há mais que a força do Estado colocando-se no lugar
da previsão individual, no lugar da economia, da honestidade individual; não há nada
nele que autorize o Estado a imiscuir-se nas indústrias, a impor-lhes regulamentos, a
tiranizar o indivíduo para melhor governar, ou, como se pretende com insolência,
para salvá-lo apesar dele; não há mais que o cristianismo aplicado à política. Sim, a
revolução de fevereiro deve ser cristã e democrática, mas não deve ser socialista.
Estas palavras resumem todo o meu pensamento e, pronunciando-as, termino.” (p. 165).

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