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iPAMELA: HovJl\JtD

(JC{!JE É
Cf: J ·A fl.A~
Neste livro, Pamela Howard desvenda os aspectos centrais que norteiam o traba-
lho cenográfico na montagem de uma peça teatral. Com uma linguagem simples,
fluida e despretensiosa, ela coloca em evidência seu talento inquestionável como
referência na cenografia mundial, fornecendo ao leitor , por meio de inúmeros
exemplos, um panorama das etapas e dos meandros que precisam ser percorridos
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para dar corpo a um trabalho artístico a ser encenado no palco .
ltl iiiiiiiiiiiiiii
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A partir de uma análise cuidadosa e com o apoio de primorosas ilustrações au- .n ~
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torais, a cenógrafa traça seu olhar sobre o espaço, o texto, a pesquisa , a cor e a J; -
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composição, a direção, os atores e os espectadores, expressando assim a multipli- 00 =
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cidade de perspectivas que compõem a riqueza estética da cenografia e tornando z=
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acessíveis o conhecimento e a experiência de uma grande artista . <;!2 -

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o QUE É CENOGRAFIA?
por J.G Serroni

Esta obra é uma das mais importantes no universo da cenografia, um livro funda-
mental para quem se cledica ao teatro e às artes em geral.

Além ele grande artista, com inúmeras montagens cenográficas para peças de
teatro e óperas em sua trajetória profissional, Pamela Howard é, atualmente, uma
das mais importantes teóricas e formadoras da cenografia mundial.

Em sua atividade pedagógica, já passou por vários países, inclusive o Brasil, onde
Pamela ministrou workshops em São Paulo e Salvador em 2007·

Neste livro, Pamcla discorre com muita propriedade sobre aspectos que envolvem
a cenografia e o teatro como um todo. Ela aborda o espaço, o texto, a pesquisa, a
cor e a composição, a direção, os atores, os espectadores etc., mostrando corno o
teatro é composto pela "perforrnatividade" e por uma diversidade ele linguagens
e questões.
Suas dezenas de ilustrações esclarecedoras apresentam traço firme, requintado e
quase lúdico, fruto talvez de suas lembranças dc infância, quando observava seu
tio Henry desenhar segurando réguas-tê.

Na primeira edição inglesa do livro, fui convidado por Pamela para escrever uma
definição de cenografia. Assim, tive a oportunidade de chcgar à minha mais sin-
tética concepção do assunto: "cenografia é a dramatização do espaço". Nesta se-
gunda edição, agora em português, temos ainda mais definições sobre o quc é a
cenografia, dadas por importantes cenógrafos e artistas. Essas explicações revelam
a variedade dc visões em diversas partes do globo e deixam evidente o tom apaixo-
nado de quem vive intensamente a atividade teatral.

Sobretudo, o livro dessa grande cenógrafa, diretora teatral e professora emérita da


University of the Arts London nos oferece um quadro rico e fascinante da ceno-
grafia e desnuda de modo generoso a maravilhosa vida no teatro.
(J ({!lI É
Cf OG AFIl\~
PAMELA HovlAI\.D
SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO
Administração Region al no Estado de São Paul o

Presidente do Conselho Regional


Abram Sza jman
Diretor Regional
Danil o Santos de Mi randa

Conselho Editorial
Ivan Giannini
[oel [ airnayer Padula
Lui z D eocl écio Massaro Calina
Sérgio José Battistelli

Edições Sesc São Paulo


Gerente Ma rcos Lep iscopo
Gerente adiunia Isabel M . M, Alexandre
Coordenação editorial C lfvia Rarn iro , Cristianne Larneiri nha, Francis Manzoni
Produção editorial Rafael Ferna ndes Cação, Simone O liveira
Coordenaçãográfzca Katia Verissimo
Produção gráfzca Fabio Pinotti
Coordenação de comunicação Bru na Zarnoviec Daniel
(J ({!lI t
Cf OG AFIl\~
PAMELA HovJI\I\,D

Tradução: Carlos Szlak


Tradução Carlos Szlak
Preparação Cisse la Mate
Revisão André ia Manfrin Alves, Heloisa Amorim
Capa, projeto gráfico e diagramação Lu iz Trigo
Imagens da capa ilustrações de Pam ela Howard

H8481q Howard , Pam ela

o que é cenogra fia? / Pam ela Howard; Tradução de Ca rlos


Szlak. - São Paul o: Edições Sesc São Paul o, 20 15. -

280 p.: il.

ISBN 978-85-799 5-169-5

1. Teatro. 2. Cenogra fia. 1.Título. 11. Szlak, Ca rlos

C 0 0792

Título original: What is scenography?


Tradução autorizada da edição em língua inglesa pub licada pela Routl ed ge,
um selo do Taylor & Francis Gro up.
© Pam ela Howard , 2009
© Routl edge, 2009
© Edições Sesc São Paul o, 2015
Todos os direitos reservados

Edições Sesc São Pa ulo


Rua Cantagalo, 74 - 13°114° andar
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sescsp.org .br/edicoes
11l':J &iJI ~ /edicoessescsp
-
NOTA A EDIÇAO
.....

BRASILEIRA

Uma pergunta em abe rto: esse é o cerne do livro de Pam ela Howard , um a artista
que compree nde o ca ráte r de in completude da ce nog rafia co mo a na tureza den sa
e cur iosa de algo qu e nã o se conc retiza isoladam ente, ma s vin cul a-se de m an eira
di ret a ao ou tro, representad o por aque les qu e se enco n tram nos palc os, bastid ores
e plat eias.

A co mp ree nsão desse vínc u lo perm ite à a u to ra co nstru ir u m texto fluid o, que
mescla im pressões, qu estionam entos e aná lises sob re o pap el do cenógrafo dentro
de uma perspect iva, ao m esmo tempo, hum ilde e gra ndiosa.

Hu milde , pois con hecedora do qua n to é n ecess ário dialogar , organizar-se, ed u-


car-se, isto é, jam ais sen tir-se pronto, ma s sem p re at ento ao qu e po ssa servir de
ele m en to para o pro cesso de criaç ão e sín tese próprio da cenografia .

Grandio sa, pois, ao equac iona r diferentes aspectos do trabalho cenográfico , sem, no
enta nto, hierarqui zá-los, a au tora nos dá a dim en são íntima da relação e ntre eleme n-
tos co mo espaço, texto, pesquisa, co r, direção, atores e espectado res, que permitem
ao ce nógra fo falar à ima gin ação, à sensibilidade e ao sentimento vivaz ou soturno ,
lumi no so ou melan cóli co, delicado ou agressivo, somados a tantas outras possibilida-
de s abertas a qu em vive o teatro. As escol has do ce nóg rafo trazem à ton a detalh es que
dão co rpo ao texto e à interpreta ção, potencializando a fruição do espe tácu lo.

o tea tro e sua s m ú ltiplas facet as são temas ca ros ao Sesc, se ja no ca mpo das ações
ar tísticas , se ja na área ed itor ial. Refer ên cia em design teatr al contem po râneo, O
que é cenografia? vem som ar-se a ou tros títulos publi cados pelas Edições Sesc na
área de artes cênica s, po ssib ilita ndo ao leit or , p rofission al ou não, o ac esso a um
reper tór io qu e envolve históri a e crítica teatral, dicionários, m ét od os de trabalho
e fot ografia de palco, alé m da cenografia em si.
PREFÁCIO À
-
SEGUNDA EDIÇAO

A segunda edição de O que é cenografia? examina, adicionalmente, um méto-


do holístico de criação teatral visual que é definido hoje como cenografia. Os
co nteúdos da edição anterior foram mantidos e se tornaram a primeira parte de
cada capítulo.

Embora o livro esteja claramente dividido em sete capítulos, todas as partes estão
en trelaçadas, e os enunciados e exemplos podem estar tanto em um capítulo
co mo em outro. Portanto, o leitor encontrará um mesmo evento sendo considera-
do a partir de perspectivas um pouco diferentes ao longo do livro. Tais eventos tea-
trais específicos foram escolhidos porque são bastante diferentes uns dos outros,
requerendo soluções fora do padrão, ainda que as mesmas teorias subjacentes
possam ser aplicadas. E esse é o ponto principal: observar os temas cenográficos
reco rrentes que sustentam nossa arte e como a teoria foi posta em prática.

O s exe mp los principais utili zados para ilustrar esta segu nda edição de O que é
cenografia? são:

The Greek Passion, ópera-drama de Bohuslav Martin ú, foi apresentada ao ar livre


na cidadela de Eptapirgio, em Salônica, na Grécia. Exemplo de ópera de grande
escala, é convencionalmente escrita e concebida como obra de site specific.

O casamento, ópera de câmara cômica de Bohuslav Martin ü, foi apresentada


numa galeria de arte/armazém como pertormance em instalação artística, explo-
rando maneiras de interpretar urna ópera de pequena escala.

Victor)', drama político de Howard Barker, foi apresentado em um palco italiano "
convencional no Teatr Wspólczesny, em Breslávia, na Polônia. Um exemplo de
• No original, end-stage iheaire: teatros nos quai s a plateia situa-se apenas de um lado em
relação ao palco. (N.T.)
colaboração entre diretor e cenógrafo que reorganizou o espaço teatral existente
para tornar o drama mais imediato.

Eddi af i\ lanhouJ EnJ. ópera-coral de grande escala. com grupos comunitários


e cantores profissionais, é baseada em um poema de Rudyard Kipling. Foi ence-
nada como um evento em tenda. ou seja, em um cspaço não preexistente, mas
especialmente criado pela produção. I~ um exemplo de invenção do ambiente
para adaptação da criação.

Entre outros exemplos qu e são me ncionados ocasionalmente, incl uem-se:

The Great Caine, apresen tada no Tricycle Theatre, em Londres, é composta de


doze peças curtas e novas a respe ito de diversos aspectos do Afega nis tão. Corres-
pende a um exe m plo de equ ipe co labo rativa, qu e in clu iu dir et or , artistas visuais
e esc ritores criando u m evento em corren te documental em um teatro do tipo
pá tio, torn an do a pesqui sa realid ad e e cria ndo um a lin guagem ce nográfica espe-
cia l para abranger diversos eve ntos.

At tlie End af the Eartli, de [ul ia Pascal , é u m exem plo de novo drama visua l
grande e imaginativo cr iado em um espaço muito pequeno, com palco ital iano
e baixo orça me n to, mas co m gra ndes ideias e efei tos.

"Text, Space and Vision" correspon de a diversos 1I'0rkshops de investigação, uti lizan-
do a m em ória e a narrativa para apura r as id éias presentes em O que é cenogra fia?

Na segunda parte de ca da u m dos sete ca pí tu los, há referê ncias consta ntes às


be las-artes em um co n texto hi stóri co e co n te m po râneo , trazend o à ton a os c res-
centes cruzamentos e as fusões do que eram d uas discipl inas distin tas e também
os in dícios para se ac ha r e usar a pesqu isa or igina l. Como a econo m ia mundial
afe ta a tod os e a mudan ça clim ática é eviden te, o cenógrafo, co mo tod as as ou -
tras pessoas, tem de considerar (ou recons iderar) sua próp ria p rát ica e a ma ne ira
de manter e até expa ndir de forma saudá vel a aleg ria da criação teatr al. ão
há soluções isolad as, mas diversas atitudes individuais que fazem a diferen ça. A
ca da quatro anos, em Praga, na exposição mun dial Pragu e Q uadre n n ial, novos
trab alh os em tod as as disciplinas da ce nografia são exibidos. It on de a mudan ça
se evidencia e os jovens podem ver os novos terri tórios de inves tigação.
/

SUMARIO

Int rodu ção . 15


Visão de mu ndo . 19

1 ESPAÇO

lEDIDA POR ;\IEDIDA: REPRESENTANDO NO ESPAÇO . 27


Ocupação artística . 34
Com unidade 34
Um jogo ele tamanho e esca la 35
História instan tânea ............... . 36
Uma pe rfeita peça de teat ro 37
Um a máquina neutra . 38
De screvendo o espaço 39

SITE SPECIFICS . . ... 43


Espaço e som ... 43
Usando o espaç o: lima advertê nc ia . 44
Reciclando um espaço . . 45
Maqu et es . 46
O efeito do espaço . . 47
Prestando assistên cia à performance 47
A hi stória ele um espaço . 48
Espaço enc ontrado 53
Pragrn ática . 55
Habitando o espaço 57
C riando o espaço 59
2 TEXTO

A HISTÓRIA OCULTA . . 61
Entende ndo a peça . . 62
Visuali zand o o dram a 63
Povoan do a peça . 66
O roteiro ce nog ráfico . . . . . . . . . .. . . . . . . . . 67
Histórias ocultas 68
Indícios visuais 69
Examine a planta .................................. . 71
Dr am aturgia ce nog ráfica ............. ........ . .. 75
Libertand o o texto . . ..... 76

ESPAÇO DA PALAVRA . .. 78
Repr esentando a h istória . . . ..... 78
A aparênc ia das palavras . ........ 79
Achando um caminho no texto . 80
Uma riqueza para os olhos do público 82
Espaço oculto no int erior das pala vras . .. . .. .. 83
Palavras e image ns . .. 84
A colisão entre o passado e o pre sente 86
Colaboraç ão . 88
A imagística da arte . .. 89

3 PESQ UISA

FAZENDO PERGUNTAS - ENCONTRANDO RESP O STAS .. 93


-lem órias esque cidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ......... . .. 93
Pesqui sa criativa . . . . . . . . . . . . ........... 94
O humor do momento 95
Um mus eu vivo 96
Observando a vida . ..................... ......... . . 98
Expressando o subtexto . . . . 100
E nc ontrar ima gen s e referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
Fazendo refer ências cruz adas e reciclando . . 104
Sab er quando parar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
o MISTÉRIO DAS COISAS (Fern and o Pessoa ) . 109
Pesquisa primária 109
Colchas de retalhos de memórias . 110
Pesquisa criativa 111
Materialidade . 112
Pesquisa colaborativa 115
Pensamento lateral 11 8
Criatividade e tecnologia 119
Ob jetos cotidianos . 11 9
Dramaturgia visual . . 121
O misté rio das coisas 121
Uma linguagem cenográfica 122

4 COR E COMPOSIÇÃO

O JOGO DE MALABARISMO 125


Uma esca la de cores . 126
Uma paleta emociona l . l _T I
Cor e textura . 128
Um pedaço de barbante verde 128
Compondo co m cor e form a 132
A beleza do co mum . 134
Consciência crítica . 135
Brin cando com tint a e cor 136
Menos é mais . 136
Um ca rrossel de memórias 137
Realismo poético . 139
Cor e com posição . 140
O din am ismo do espaço 141
Prática co nsta nte 141

A LÓGICA DA COR 142


Direciona ndo o olha r do espectador 144
Usando a cor para alca nç ar máxim o efeito 145
O rigor jama is é um esforço em vão . 147
O desen ho co mo emissário de um a ide ia 148
A emoção da co m posição 149
Superfícies flexíveis . 150
Concen trando a atenção 152
Espaços mágicos 153
Escala e im pac to . 154
Feito a mão . 155

5 DIREÇÃO

A CHANDO O CAM I N H O . 157


Fazendo o espaço falar . 160
Pragmát ica 161
O arqu iteto do espaço dram áti co . 162
Crédito a quem é devido . 162
De no mi nadar co mum . 163
Vita lizan do jun tos o espaço 164
M ise-en-scime 166
Entra ndo em ce na 167
Aprimorando o texto . 168
Texto e ação 169
Conta ndo a história co m figurino e texto 170
Avançando na mes ma direção 174

UM SENSO D E DIRE Ç i\O 176


A arte da direção 177
M ap eando a produ ção 178
Uma insta lação de objetos bizarros 180
A liberdade para ser in ventivo 181
Uma bela ca rtografia a juda . 183
Inven ção direciona l . 185
Pap éis permutáveis 186
A visão cria tiva . 187
Um tea tro para observar as coisas 188
Deixando o ines pe rado aco ntece r . 189
6 ATORES

o ATOR CENOGRÁF ICO . 191


O primeiro dia de ensa io . 192
Linguagem 194
Faça sua lição de casa 194
Observações da vida . 196
Trabalhando de forma int ercultural 196
O co rpo 198
A linguagem das roupas . . . . 198
Confeccionando o figurino . . 200
A marca do ator . . 201
Teci do . . 20 1
O ato r com figurino no espaço vazio ............................... 202
Práti co e poéti co . . . . 203
Usando o espaço ...... 204
O corpo em três dimensões . . 206

A MATÉRIA-PRIMA . . 208
A forma humana .................. . 21O
Enten de r os atores . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211
Um processo bidirecion al ..................... . .. 2 13
O mundo do personagem que se torn ou ma ni festo 2 14
Uma lin gu agem perforrnativa 216
Comu nicação visua l . . 2 16
Imagens sim ples .. ......... . 218
Âns ia pel o íntimo 2 19
O qu e um ator co nseg ue dar 2 19
A força do sentimento do ator ........ . 220
O ator é a ponte . 222

7 ESPECTAD O RES

O GRAND E MISTÉRIO . . 225


Estudando o públi co ..... 226
Ed uca ndo o públi co . . .... 226
Os espectadores podem chegar com preconceitos e emergir mudados 227
O elemento ausente 228
Criando as condições para a concentração . . 229
Tomando cuidado para a preparação . . 230
Uma aventura conjunta 232
Um narrador visual . . . . . . . . . . 233
Perigo . . .. .. . . . 234
Sem representação de papel . . 236
Espaço como metáfora . . ... 237
Invenção cênica . . 238
Um banquete de delícias 240
O elemento ativo . . 241

ENCENAÇi\O SUSTENTÁVEL 242


Forma e conteúdo em harmonia . . 242
"Vida real" refletida? 244
A imaginação do público 246
Memória e reconhecimento . . 247
Usando o realismo para criar mistério 248
Deixando espaço para o espectador 249
Deixando os espectadores entrarem 250
Espectador como participante 251

Epílogo - "Orgulhe-se de ser um problema! " 257


Pós-escrito 263
Agradecimentos 265
Lista de ilustrações 267
Índice remissivo . . 269
Sobre a autora 279
,..,

INTRODUÇAO

No início da Segunda G ue rra Mundial, no nort e da Inglaterra, em um a casa


mui to peq ue na e supe rlotada, um rapaz, bastante jovem para ser convocado para
o exérc ito, sonha em se tornar arquiteto. Ele tem um a mesa de desenh o no can to
de um cômo do que serve co mo sala de estar, sala de jantar e escritório para um a
grande fam ília. Sua coleçã o de réguas-tê pende dos ganc hos pintado s de verd e ao
redor do recinto, cria ndo u m friso angular castanho-escuro. O lugar está sempre
tomad o pelo ruído de pessoas co nversando em inglês capenga, com ninguém se
entendendo, acompan hado pelo som inesquecível do chá sendo toma do com
torrões de açúcar em xícaras sobre pires. À mesa de desenho, um a garotinha está
sentada sobre um banqu inh o coberto co m pan o observando a ce na e tendo o im-
portante traba lho de segurar as réguas-tê de u m jovem arquiteto, me u tio Hem)'.
No fim daquele dia de trabalh o, se não tivéssemos sido forçad os a correr para o
subterrâneo, para um abrigo antibombas, eu teria ficado de pé sobre o banquinh o,
olhado para o que ele desenh ara e feito todas as perguntas que quisesse. Nas bor-
das do pape l, meu tio costumava desenhar pequ en as casas e pessoas que pareciam
esta r com pressa, atravessando praças, em purrando car rinhos de be bê ou anda ndo
de bicicleta . Às vezes, ele desenh ava multidões olha ndo para algo que chama-
va a atenção, e todas aqu elas pessoas pareciam viver em espaços abe rtos muito
gran des . Sempre quis saber qu em eram elas, o qu e estavam fazendo e para onde
estavam indo, e a história que eu ouvia nunca era suficiente.

Freq uen teme nte, ouço perguntas sobre como me torn ei ce nóg rafa e como fiquei
sabe ndo da existênc ia da profissão. Desde muito jovem , ia soz inha assistir a co m-
panh ias visitantes de balé. Eu oc upava o assento mais barato, nas laterais do se-
gundo balcão do teatro. Gos tava muito de ver os bailarin os fumando nas coxias,
esperando , ou se preparand o para o mom ento em que entrariam em ce na e se tor-
nariam outra pessoa. Compree ndia que a ce na que eles dan çavam no palco tinh a
algo a ver com a história que estava sendo contada, e as cores em movimento dos

15
seus figur inos eram par te daquele qu adro geral. Conseg u ia ver como o cená rio
era co nstruído e, às vezes, consegu ia ver os assistentes de palco movendo ob je-
tos e murmurando entre si, enqua nto bailarin os e bailarinas dan çavam em outro
mundo de luz e som . Ficava fascinada com o mundo dos bastidores coexistindo
com o palco, am bos dependent es um do outro, mas invisíveis para o público, a
men os que este estivesse disposto a olha r para além dos etéreos bailarin os. Ouvia
a conversa na plateia e, ce rta vez, escutei um a discussão en tre dois hom en s ele-
ganteme nte trajados a respeito dos mérito s do ce ná rio. De forma indi gnada , um
homem falava sobre o cenógrafo: "Ele não prestou atenção a respeito do qu e é a
peça. Ele fez o qu e qu is, e é sem pre a mesma coisa". Ach ei aqu ilo um a maneira
int eressant e de viver a vida. Pou co tempo depois, na escola, em um a aul a, pedi-
ram para qu e escrevêssemos o qu e qu eríamos ser qu ando deixássemos a escola.
A maioria das meninas escre veu coisas como ser patinadora 110 gelo, bailarina,
aeromoça, cabeleireira. Eu escrev i cenógrafa . Pen sei: adoro leitura e história, e
uma ce nog rafia descreve isso; tam bém pen sei, erronea me nte, qu e poderia passar
o resto da minha vida fazendo exatame nte o qu e quisesse. Entrega mos as redações
e meu futuro estava decidido . ão havia entendido a atividade ape nas como um
qu estion ário . Ach ei que havia me comprome tido e qu e meu trab alho era sim ples-
men te seguir aquele cam inho e me torn ar um a ce nóg rafa.

Na verdade, essa avaliação ingê nua do trabalho não estava mui to lon ge da reali-
dad e. Um cenógrafo deve ter a cur iosidade insaciável de descobrir a respeito das
coisas, de saber de on de e por que elas vêm, de ver além da superfície e descobrir
a verdade. O maior dom do ce nóg rafo é possuir algo como a visão int eri or da
im agin ação, capaz de transfo rma r fatos em ficção. A ce nografia dá aos artistas
o praz er de ligar desenho e pintura àquilo qu e eles leem . Nã o é um a atividade
solitária; na verdad e, é impos sível ser ce nógrafo sozinho, pois o trabalho deve ser
feito com outras pessoas. Rapidamente, o cenógrafo descobre qu e precisa ter um
bom entendime nto de psicologia e ser capaz de motivar grandes gru pos: de atores
a velhos e teim osos ca rpin teiros. Um grande mom ento de descoberta é con stat ar
que , seja o proj eto bom ou não , se você nã o con seguir fazer qu e ele se ja bem
exec utado nas oficinas por falta de comunicação ou de clar eza , ele jamai s será
bom no palco . É essencia l en tende r como trabalh ar com os técnicos de modo
respeitoso e positivo a fim de convencê-los a escalar as alturas de sua am bição.
Um ce nóg rafo deve ser capaz de fazer ma labarismos co m os orçamentos, avaliar
prioridades, sabe r quand o e como brigar por mai s dinheiro ou concordar com cor-
tes inevitáveis. Embora os salários dos atores geralme nte consuma m a maior part e
do orça me nto da produção , o ce nóg rafo é frequ entem ente visto pelo públi co e
pelos críticos da mes ma man eira: o último dos grandes gastado res. Ca rtas fur iosas
para os jornais exigirão sabe r por qu e o dinh eiro públi co deve ser gasto em botas
de co uro de verdade , em figurinos de seda pura ou em pared es de met al. Em bora
a discussão possa ser tedio sa, todos os criadores, incluindo o ce nógrafo, devem
aceitar o fato de qu e têm respon sabi lidade pública e devem sabe r como lidar com
esses tipos de ac usações . Se a produ ção alcançou um a integração total entre suas
part es, é im provável qu e a atenção se concentre em um aspec to espec ífico.

Em relação a um pintor, um dipl om ata, um estrategista financ eiro ou um políti co,


sabe -se o que espe rar, mas, em relação a um ce nóg rafo, espe ra-se mais. A ce nogra -
fia - a criação do espaço cê nico - não existe co mo trabalh o artístico autôno mo.
Ainda qu e o ce nóg rafo possa ter estudado belas-artes e se ja, por instint o, pint or
ou esc ultor, a cen ografia é muito mais do que uma tela de fund o para os ator es,
como foi freque nteme nte utili zada na dan ça. A ce nografia é sem pre incom pleta
até o ator entrar no espaço de atuação e se envolver co m a plateia. Além disso, a
cenografia é um a manifestação co n junta do diretor e do artista visua l a respeito
da visão qu e têm sobre a peça , a ópe ra ou a dan ça , um a obra qu e está sendo apr e-
sentada ao público co mo um trabalh o em equ ipe. C omo qu alqu er co laboração,
o bom resu lta do final dep ende da qu alid ad e do relacion am ento no trabalh o, e,
como em qualqu er outro meio de co municação , algu mas expe riênc ias são mais
bem-s ucedidas do qu e outras. O ce nóg rafo tem a respon sabilidad e de fazer o má-
ximo para alcanç ar o m elhor en tendime nto no delicado e com plicado pro cesso
de faze r o teatro funcio na r envolvendo o diretor , os atores, os outros artistas visua is
e a equipe téc nica. Uma boa co laboração não se torn a realid ade a me nos que o
cenógrafo esteja preparad o para ir além da sim ples manifestação pessoal qu e reAi-
ta seu talento artístico - por mai s em polgante qu e essa manifestação possa ser. Ir
além do ponto de vista da ce nografia significa trabalhar seriame nte na observação
dos métodos do diretor, dos atores em ensa io, das impli cações do texto e, também ,
na utilização desse conheci men to para liberar a força visual da peça.

A ce nografia mod erna avanç ou a partir do décor e da orn am entação dos anos
posteriores à Segunda G ue rra Mundi al, e, dessa man eira , as respon sabilidad es
do ce nóg rafo mudara m. I-la je, ele pod e espe rar ser co nsultado desde o início do
plane jamento da prod ução, e as esco lhas devem ser feitas em um estágio inicial.
Assim, desde o primeiro minuto de sua formação , o ce nóg rafo precisa se inform ar
e se instruir a respeito das arte s teatrais, qu e são parte da criação de um a produção

17
integrada , e entende r qu e a ce nog rafia descre ve o ser co mo part e daqu ele todo, e
não um a arte decor ativa aplicada , co mo o design atua lme nte insinu a. O ce nógra -
fo deve trab alh ar para alcan çar uma síntese, sem eme ndas, entre toda s as partes
com pone ntes dc uma grande noit e no teatro.

O cntendime nto da ce nog rafia co meça no poten cial do espaço cê nico vazio. Em
segu ida, co nside ra-se a palavra pronunciada em voz alta, o texto ou a música,
qu e tran sformam um espaç o vazio em um auditório . Das dem andas do texto, o
contexto da produção pode ser pesqui sado para a seleç ão das forma s, da s cores ou
dos objetos apropriados, qu e são reunidos em uma co m posição espac ial e trazem
vida e visão diferentes ao texto. Um espaço está m orto até qu e os int érpretes o
habitem , torn em- se eleme nto m óvel do qu adro cê nico c contem a história qu e é
aprimorada em sua utili zação. O espaço é moldado e alterado pelos ator es com a
evolu ção da repr esentação. Assim , a colaboração entre os artistas teatrais se co n-
ce ntra por mei o da visão do diretor , e isso anima o espaço e o ada pta exatame nte
para satisfaze r as necessidades da produ ção. O s espec tadores são o ele me nto final
qu e fecha o círculo, ocupando o cspaç o comum do edifício teatr al c sendo a razão
para a obra ser criada. A cenografia conside ra todos os sete aspec tos - abordados
um a um nos capítulos deste livro - , c eles têm pcso e im portânc ia seme lha ntes
em um a produção teatral integrada, com cada aspec to emergindo e sendo mutua-
m ente dependente de man eira simultânea.

Frequ ent em ent e, desenho na s beiras e no s cantos do quadro, criando lu garcs


onde a ação pod e ocorre r de man eira inesper ada, como naqu eles desenhos ar-
quitetôni cos com suas multidões nas beiras do qu ad ro qu e tanto me fascinavam
quando crianç a. Sinto atra ção pelo ne gligcnciado, pel o ac ide nta l, pelo obj eto qu e
aparentemente pertenceria some nte a uma pilha de suc ata - o pequeno detalh e
qu e ca rrega em si a marca da personalidade e do uso antigo. Esses são ob jetos po-
dero sos qu e, à prim eira vista, dão a impressão de não ter algo a ver co m o assunto,
m as qu e, frequ ent em ente, se tornam fund am ent ais para a ce na . Acima de tudo,
a visão pessoal do ccnógrafo é a de um artista, por ém , sem dispor de seu próprio
território. Se um artista decidir trabalhar cm teatro com o cen ógrafo, diversos as-
pcctos serão abarcados. O ce nóg rafo deve ser um artista ca paz de entende r como
trabalhar as ideias do diretor e as incorp orar , entende r o texto co mo o autor, ser
sensível às nec essidades de um ator exposto ao público e criar cspaç os imaginati-
vos e apropriados à produ ção, como o arquiteto que cria suas perspectivas na me sa
dc desenho.
VISAO DE MUNDO

Se m p re qu c ccnógra fos se e nco n tra m pelo mundo , a di scussã o in evitavelm ente


ai nda se co nce n tra n a qu estão : "o qu e é cenog ra fia?". D eb at es a n imados flor es-
c e m , revel a nd o a var ie da de de visões e m tod as as part es d o mund o e a difi culda-
de de quant ific á-l as, A seg u ir, a presen ta mos um a seleção de novas resp ostas e la-
boradas por co legas aos qu ai s foi solicit ad o d efin ir, e m cerca de nove pal avras,
o que é cenogra fia. Es ta seg u nda ed ição in clui div er sas (n ovas) op in iõe s qu c sc
ju n ta ra m ao deb at e ao lon go do s últim os se te a nos. In fc lizm e n te , rcgistr am os
as mortes do gra n de e influcnt e [o sef Svobod a c de Lu ci ano Darniani , c u jos
lcgados, porém , ainda vivem .

EM 2009 , O Q U E É C E NOGRAFIA?

PETER COOKE (A USTl t,\LIA)


"Cenografia é o léxico visual da criação teatral."

LIDIA KOSOVSK I ( BRAS IL)


"U ma mat éria que amplia a poesia inscrita /10 gesto do ator."

JOS É CARLOS SERRON I ( BRAS IL)


"Ce nografia é a dramat ização do espaço."

I(,\TIlLEEN I RWIN (C ANAD.\)


"A cenografia considera as diversas man eiras pelas quais o espaço cênico gera
significados."

MICIlAEL LEVINE (CANADA)


"Cenografia é a maniiesta ç ão física do espaço imaginário. "
ANDY BARGILLY (C III P RE)
"Uma arte multin ivel que define o ambiente de um espetáculo, estimulando
a imaginação do espectador."

JAROSLAV MALINA (REP ÚBLICA TCHECA)


"A solução dramática do espaço."

TOMÁS ZIZEK (REPÚBLICA TCIIECA)


"Cenografia é um recorte do espaço social e n ão um monte de sucata sobre
o palco social."

CARSTEN KRISTENSEN (DINAMARCA)


"Trabalha para um agora 110 relacionamento palco/espectador."

NESREEN HUSS EIN (EGITO)


"O que é cenografia hoje? A mudança constante de percepção do corpo, do
espaço, do tempo e do significado."

LILJA BL Ul\I E FELD ( E ST ÔN IA)


"Cenografia é uma conspiração (espacial/visual/auditiva) em que o cenógrafo
atua como agente secreto."

RElIA HIRVIKOSKI (FINLÂNDIA)


"O mundo audiovisual das artes cênicas."

JEAN-GUY LECAT (FRANÇA)


"Oferta de beleza, novos limites e novos centros de gravidade para a peça
teatral."

FIONA SZE-LoRRAIN (FRANÇA/CINGAPURA)


"Reaproveitamento das energias novas e ocultas de um espaço."

GEORGI ALEXI-MESKIIISIIVILI (GEÓRGIA)


"Cenografia: na caixa mágica do palco, jogar o jogo com minhas próprias
regras."

HElNER GOEBBELS (A LE l\IA1"1I1A)


"Polifonia - não uma ordem hierárquica - de elementos teatrais distintos."

20
MA.X KELLER (A LEMAN HA)
"Um cenário interessante, engenhoso, é só uma luz inteligente; um evento."

UWE KÔHLE R (ALEMANHA)


"Uma cenografia titânica cria seu próprio mundo , para além da imaginação
das pessoas."

DIO~'YSIS FOTOPO ULOS (GRÉCIA)


"Um proieto autônomo que ultrapassa a palavra: uma imagem metalingu istica."

IOA1 NA MANOL ED ÁKI ( G RÉC IA)


"A transformação do drama em um sistema de signos visuais."

CHRYSSA MAN'li\KA (GRÉCIA)


"A marula la secreta de uma peça teatral."

SOF IA PANTOUVAKI (GRÉC IA)


"A poética visual do espetáculo."

YAl NIS THAVO RIS (G RÉC IA)


"A mediadora visual da troca entre intelecto, espetáculo e público."

H ENK VAN DER GE EST ( H OL \NDA)


"Ce nografia é uma uleia (e não coisas para carregar em um caminh ão}, que
é fonte de outras ideias (e não da evitação delas)."

ISSAR AU.A,"lA (ÍNDIA)


"A cenografia infunde um sopro viviiicante na periormance, para fazê-la florescer."

TAL! ITZHAKI (ISRAEL)


"Em essência: um ser hum ano em um espaço humano."

R ON I TOREN ( IS RAEL)
"As condições que mudam o que você vê no palco para aquilo que você pensa em
sua cadeira."

KAZUE H ATANO (JAPÃO)


"É a criação do cenógrafo, mas tamb ém as formas espaciais e os lares espirituais
dos criadores no teatro."

21
YOSIII 'C\NOKU RA (JAP,\O/ ESTADO S UNIDOS )
"Ce nografia é arte que respira 110 palco, ilumina ndo a beleza da vida."

MOHAM MED I-IA~I ZAH ' C\ III R (1\ IAL,\.SIA)


"Ce nografia : uma ilus ão artística do design do palco, com metáforas
visuais
e imagen s altam ente poéticas."

MONIC A R AYA ME JlA (MÉXIC O)


"U m recipiente multiiuncional de [ui ção e ação:"

D OR I'Ii\ H ANNAIl (NOVA Z E d.NDIA)


"Ptoieto como ação, e /1(10 como mero apêndice à visão do diretor!"

PA"'EL DO BRYCKI ( P O LÔN IA)


"Espaço pictórico sem limit es do 1I!lIIIdo metafórico da peça."

D ANI LA K OR OGO DS KY ( RÚSS IA)


"Construç ão de espaços poéticos onde as histórias podem acontecer da
man eira
mais relevant e."

ASTRID ALl\I KHLAAFY (C INGAPU RA)


"A invocaç ão de um espaço imersivo de experiências."

R AM O N I VARS (ESPAN HA)


"Ce nografia é o material tangível dos sonhos."

MARIAE LENA R OQ u É (ESPAN HA)


"É a constru ç ão visual do drama cênico a partir de diversos figurinos
fragmentado s em performance."

J UL LU'" CROUC H ( REI o UNIDO)


"Cenografia é a narrativa secreta, a iornada heroica das coisas."

B OB C RO"'LEY ( RE INO UN IDO)


"Ce nografia é a arte de criar um espaço dinâmi co para o espetác ulo."

D E C LAN D o 'N E LLAN E N ICK ORl\IER OD ( RE INO U


' ID O )
"A cenografia cria um espaço para uma experiéncia."

22
RI CII ARD H UDSO N ( RE li O U NIDO )
"A cenografia está contando histórias em quadros cênicos."

RALPII KOLTAI (Run O UN ID O)


"Aquilo que o ator nunca viu, que o diretor nun ca imaginou!"

E LEANOR MARGOLIES ( R EINO U NIDO )


"Você nomeia o espaço, nós observa mos o espaço."

V IC KI MORTI~IER ( R EIN O U NIDO )


"Ce nografia: uma conversa ilimita da entre design e representação."

C IN DY LL\IAURO (E STADOS U NIDOS )


"Narrativa visual e auditiva, mas frequentemente interpretada como cenário
e criação de figurinos."

BOB S CIIMIDT (E STADOS UNIDOS )


"A articulação do espaço e da iniormação visual em artes temporárias."

S USAN Tsu ( E STADOS UNIDOS )


"E ietvesc ência da imaginação experimentada na mente e 110S sentidos."

R AJESII \\'EST ERB ERG ( E STADOS U N ID OS)


"Cenografia é a alquimia dos elementos sensoriais para o espetáculo."

I-IAIHO Yu (ESTADOS U NIDOS )


"O projeto de todos os componentes visuais em um espaço cênico."

E DWIN E RM INY (V ENEZU ELA)


"O ferta de vida aos materiais 110 espaço, usando esse poder para contar uma
história valiosa com poucos recursos."

MIODRAG 'C\ BACKI ( IU GOSL\ VIA)


"O espaço visual modelado em um todo físico e arquitetônico."
E m apreço a Roger Planchon (1932-2° ° 9) , qu e m e ens ino u co mo
ser uma cria dora teatr al.

"Com que cuidado ele seleciona uma cadei ra, e com que atenção ele
a posicional E tudo isso ajuda a encenação...".

B ERT OLT BR EC HT,


em discur so a respeito do teatro cioce nóg rafo Caspa r j ehe r.
ESPAÇO

MED IDA POR ME D IDA: REPRESENTAND O NO ESPAÇO

o tea tro aco ntece sem pre qu and o existe um ponto de e nc ontro entre atores e
uma possível plateia. É no espaço medid o desse enco n tro e na geração dessa
int eração qu e o ce nóg rafo cria sua arte. O espaço está silenc ioso, vazio e inert e,
espera ndo a lib eração para a vida do dram a. Ind ep end ent em ente do tam anho,
da form a e da prop orção, o espaço tem de ser conquistado, aproveitado e modifi-
cado por seus animateu rs, antes qu e se torn e aqu ilo qu e N ) ing C ho Lee designou
como "uma arena onde as grandes ques tões - de valores, de ética, de coragem,
de int egridad e e de hum ani smo - são en contrad as e pcl ejada s'" .

A visão de mundo da ce nog rafia revela qu e o espaço é o prim eiro e o mais im-
port ante desafio de um ce nóg rafo. O espaço é parte do vocabul ário ce nográfi-
co. Falamos de trad uzi-lo e adap t á-lo, de cr iar um espaço suges tivo e uni-l o ao
tempo dram áti co. Pen sam os no espaç o em ação , em co mo pod em os co nseg ui r e
que bra r isso; pen sam os no qu e precisam os para criar o espaço ce rto e co mo ele
pode ser cons truí do co m forma e co r no sentido de aprimora r o ser hum an o e o
texto. Algun s prati cam jogos com o espaç o, procurando met áforas e significados
na busca por definição do espaço dramático, H á um a alquim ia co mp lexa entre
os espaços e as mon tagen s qu e instiga os criadores a su bjuga r um local desconhe-
cido em um qu e aca ba ra cai ndo co mo um a luva para a produ ção.

O espaço é descrit o por sua din âmi ca - geo me tria e carac te rísticas -, por sua
atmosfera. A geo me tria é um a ma ne ira de medir o espaço e descrevê-lo para qu e
outra pessoa possa visuali z á-lo, Ente nde r a din âm ica do espaço significa ide nti-
ficar , por meio da obse rvaçã o de sua geome tria, ond e resid e sua força: em sua
altura, seu co m prime n to, sua largura, sua profundidad e ou em suas diagon ais
hori zontal e vertical. Cada espaç o tem um a linh a de força qu e se este nde da

Do American Theatre louma l, 1990.

27
á rea de representação para o espec tado r, algo qu e o ce nóg rafo tem de reve lar
e explorar. Essa linha de força é sentida de maneira ativa pe los ato res no pa l-
co, qu ando eles olham para o auditório e avaliam onde estão locali zad os co m
mais int en sidade . A montagem pod e ser plan ejada pa ra explorar e se ben eficia r
dessas forças, a fim de qu e os atores possam ser vistos e ouvidos com mai or pro-
veito. A ca rac te rística de um espaço tem de ser levada em co nside ração desde o
primeiro mom en to do plan e jam ento. A at mos fera e a qua lida de afe tam profun-
dam ente tant o a plat eia co mo os atores. Um espaço é um a personalidade viva,
com passad o, presente e futuro. Ti jolos, trab alh os de serralhe ria, traves e estru-
turas de madeira, assentos vermelhos e balcões dourad os e decorados dão a um
edifício sua ca rac terística individual. O espaço obse rvado deve se r registrad o
por meio de plant as baixas e altas, fotografias e desenh os in loco; assim, ele pode
se r rec riado no ateliê co mo um a maqu ete co lor ida e texturi zad a. Deve sem pre
in cluir ao men os as prim eiras filas de polt ron as e ter po n tos de vista fixos a partir
de todas as posições extremas do tea tro. A maq uete vazia, que expõe o esque leto
do espaço, é muito importante, pois é o prim eiro meio de co m unicação diret a
e ntre o diret or e o ce nóg rafo qua ndo estes começam a trabalh ar juntos. O ilum i-
na da r cê nico e o diret or de movim ento tam bém pode m ver as possibilidad es de
suas contribu ições por meio da maqu ete pront a. C u idadosa me nte elabo radas,
as figuras em esca la adicio na m a dinâmica hu mana ao espaço vaz io (o que aju-
da qu and o elas não desm oron am , algo qu e aco ntece co m frequên cia), já qu e o
uso e a manipulação da esca la no palc o é um a arte ce nog ráfica qu e estende o
espaço do m ínim o ao máxim o. Essas ideias podem ser testadas na maqu ete e o
espaç o pod e ser expe rimentado mediante a alt eração do mobili ário, o au me nto
ou a redu ção do tam anh o de um a pared e ou por ta ou medi ante a criação de
u m espaço enga noso, qu e alte re a proporção da figur a hum an a. Por m eio desse
processo, a din âmi ca do ce ná rio pod e ser mold ad a e esc u lp ida até co meça r a
exp ressar a produção imagin ada.

A ce nog rafia e a arqu itetura estão intimam ente ligadas, e diversos arqu itetos
levaram seu entendime nto a respe ito do espaço pa ra o tea tro. Ado lp he Appia
(1862-1928) foi o prim eiro arqu iteto cê nico do séc ulo XX. Ele introduziu ab ertu-
ra e frescor arqu itetônico nos espaços teatrais em uma época em qu e o ce nár io
pint ado ilusionístico qu e oc upava o palc o era o arra n jo padr ão. Em 1911 , em
Hell erau , na Alema n ha, Appia cri ou o Espaço Rítmi co: um arra n jo de esca das
e plat afor mas qu e fornecia mó dulos mutáveis verticais e horizontais. A atuação
nesses n íveis distintos permitia qu e os atores ficassem isolados em feixes de lu z

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especialme n te focali zados, real çando sua pr esen ça no pal co em espaços se m
ce ná rios adic iona is. Isso deu início a um a bu sca por soluç ões cêni ca s m ai s esc u l-
turais. Frequentem ente, os arqu ite tos são vision ários e inovadores, abrangendo
filoso fia, arte, m úsica e políti ca , al ém de ter em um entendimento do s materi ai s
e da ca pacida de de son ha r alto. Eric h M endelsohn (1887-1953) na sceu na Prússia
O rien ta l, e alg u ns ed ifícios n a Alem anha , In glat erra , Estad os U n idos e Israel
testemu n ha m sua eloque n te im agin ação . D e 1912 a 1914, M endel sohn proj et ou
ce ná rios e figurinos para cort ejo s e procissõe s festivas, como parte do movim ento
exp ress io nista al emão . Ele refez o interior do Deutsch es Th eat er, m as consid e-
rou qu e fizer a um a escolha profi ssional se nsata ao optar pela arquitetura como
m eio de exp ressão . Su a inspiraç ão resultava da ob ser vação da natureza e das
paisagens e, ao mesmo tempo , da au dição da m úsica de Bach e dos son hos de
criar ed ifícios qu e exprim issem a é poca , vale n do -se de tod as as tecnol ogias e de
todos os materi ais rec ém-desenvolvid os. El e d esenhou croqu is a partir de sua
im agin ação em pro gramas de conce rtos e pedaço s de pap el , e capturou as ideia s
espo n tâ neas desses esboços rápidos e fluidos, tran sformando-as por m eio de m a-
quetes em edifícios co nc re tos' . Essas visões arro jadas de edifícios m ani festavam a
espera nça e o oti mis m o nos dias som b rios das gue rras mundiai s e sua própria fé
no fu turo. Como os cenógrafos, M end elsohn se m p re co meçava estim u lando -se
pel os desafios e possibilidades de rea gir a um espaç o, descr evendo se u pro cesso
co mo o de "obse rvar o lu gar c tomar po sse del e".

A busca de M endelsoh n no sen tido de co m bina r din âmica e fun ção e seu pro-
fundo amor e inspi ração em rel ação à ma temá tica das h armoni as e aos co n tra-
pontos da música de Bach são evide n tes nos primeiros edifícios exp ression istas.
Utilizando mat eri ais da época, cri ou estru turas exte rnas qu e alo javam os setores
in dus triais e administrati vos no interior de um volum e dramático . C riou um rela-
ciona me n to espac ial en tre o ator/ope rário da fábri ca e a plateia/c1iente qu e tinha
a mes ma int en sidad e das plateias e ato res integrados do s an tigos teatros barrocos
do início do séc u lo XVIII. Esses edifícios teatr ai s tinham int er iores de m ad eira,
eram compactos e organi zad os. Conceb iam o palco co mo um espaço ova l e o
auditó rio como uma en tida de ún ica em qu e os at ores atua vam para espectado res
qu e podiam ser vistos, e não para espectadores qu e eram ape nas sen tidos, qu e nã o
podi am ser ob servados e estavam ap en as sen tados no esc uro.

2 Erich Mendelsoh n, D )'ll am ics and F lIllctioll, O slfilde rn- Rui t (Aleman ha): Hatje
Cantz, 1999.
E m ge ral, os teatros barroco s e urope us e ra m cons tru ídos e m rel ação a um eixo
qu c parti a do ce n tro da área de atuaç ão e m urn a diagonal par a cima na dir eção
d o ce n tro do ca ma rote real , situa do n o prim ei ro bal c ão do a u d itó rio e m form a
de ferra d ura . Uma es tru tura do prosc êni o , co n tendo a co rtina fro ntal , m ar cava
a divisão de espaço, mas uma ribalta se pro jetava na direção da p la teia . onde
per sonage ns alegóricos po diam sauda r o ca marote real di reta me n te, na frente
da cortina, e também podi am se r vistos em tod as as part es do teat ro . A or questra,
fund amental par a tod os os es pe tác u los, era posicion ad a n o m esmo nível dos
especta do res. O even to espe tac u lar e ra o e rgu ime n to da co rtina, e m gera l a pós
um prólogo m usica l e falado. O espaço cê nico reve lava elaborados arran jos cên i-
cos totalmente simétricos em re lação às margens, assim como superfíc ies planas
pintadas em pe rspec tivas det alh adas que eram pe rfei tas em rel ação ao ce ntro
do camarote real e, ao m esm o tem po, ca da vez me nos pe rfei tas e m rel ação aos
asse n tos d e a m bas as later ais. D ep ois do e rgui m enta da co rtina , o es paço cê n ico
revelava velas c ga m b ia rfils, tudo en foca ndo a posição cen tra l e principa l d o
palco . A cortina jamais e ra aba ixada duran te o espe tác u lo; isso só acon tecia n o
fina l. As mudanças e as tra nsfor m aç ões cênicas programadas aconteciam total-
me nte à vista dos espectadores, e eram tão parte da re prese n tação como uma
mascarada o u uma ó pera sendo aprese n ta da s. Essas tra nsfor mações explo ravam
ao m áxim o tod os os pl an os do espaço cê n ico, usand o a altura vertica l desde o
alt o, par a indi car o espaço divin o, até o pi so do palc o, co mo o espaço dem onía-
co . Os alça pões existe n tes no palc o e os gui nc hos de iça m ento podi am fazer os
a tores e os ob jetos cênicos subi rem a pa rtir de uma pos ição in fer ior o u desce re m
do a lto, enq ua n to ca da lat eral do pa lco possu ía espaços encobertos ao menos tão
ex tensos qu ant o m et ad e d o pa lco visíve l, possibi lita ndo pe rspectivas d e c ida des,
pai sagens e edifícios qu e, por m eio de deslizam ento, apareciam e desap areciam,
e m movim ento paral elo . Exér citos de maquini stas in visíveis operava m a pesa-
da m aquinari a de m ad eir a deb aixo , ac ima e nas cox ias d o palco. Mu itos e ram
co ns tru tores de bar cos e oper ários nava is desempregados de Veneza e C ênova ,
que tro uxeram suas ha bi lidades e técnicas co ns trutivas pa ra as profundezas dos
palc os bar roc os. Cada centíme tro d o es paço tea tral era explorado ao m áxim o, e,
co mo os navios de gue rra , aque les teat ros era m m áquin as e m fun cion am ento.
Esse legad o perman ece em diver sos term os técni co s qu e ligam barcos a teatros,
co mo riggillg (cor da m e) , eplicing (e n tran çam e n to) , deck (co nvés, palc o ), sliachle
(m a n ilha) , winch (gu inc ho), plllle)' (polia) etc .
IH mu itos exem plos de teatros barrocos ainda existentes na Su écia, França, lt álin e
Repúb lica Tcheca , com toda a maquinaria origina l fun cion and o perfeitam ent e. O
be lo Esta tes Th eatre, em Praga, onde a ópera 0 011 C iovanui, de M ozart, foi apre-
sentada pela prime ira vez, é típico. Refinado, elega nte e sed utor, co m um a grande
intimidade criada pelo palco ligeiram ente incl inado, im pe lindo os intérpretes na
direção do auditório oval, seu propósito origi na l era o de qu e o espec tado r visse e
fosse visto. De fato, apenas um terço do públi co co nsegue ver o palc o, e é preciso
estar sentado na parte ce ntral do auditório oval; dois terços, sentados nas galerias
e nos cama rotes, ficam menos confort áveis à m edida que suas posições são mai s
altas, co nsegu indo some nte um a visão lateral do palco. Espelhos nas laterai s dos
camarotes a judam a refletir o qu e está ac ontece ndo no palc o, em bora o especta dor
tenha de desviar a visão do palc o e dirigi-Ia para os outros espec tado res para poder
vê-lo. Q uanto mais alto o assento, m en os visível se torn a a parte posterior do palco.
Qualquer cen ário posicion ado além do ponto mé dio do palco tem a prob abilidade
de ser visto somen te por aqueles sentados diretam ente em sua frent e. Nesse teatro
elega nte e bem proporcion ado, a localização dos assentos dos espectado res reflete
exata me nte a tradição e a estru tura de classe da sociedade qu e repr esentava. O espa-
ço do teatro barroco continuou existindo até meados do século XIX, desenvolv endo-
-se nos auditórios dourado s e orna dos das grandes casas de ópera, construí das com
base em prin cípi os sim ilares, ainda qu e fossem muito mai ores, para hospedar as
apresen tações qu e se torn aram parte dos repertórios nacion ais em todo o mundo.
Nessa época, as orque stras am pliadas, dirigidas por maestros, alo javam-se nos fossos
de orquest ra, situados entre a piateia e os intérpretes. Apesa r de seu crescime nto
arqui tetôn ico, o espaço cê nico pr ático rea l do palc o reduziu-se, pois os int érp retes
foram obriga dos a cantar árias o m ais na frente possível, a fim de co nseg uirem ver
o maestro e serem ouvidos. O s co m positore s co m pun ham para grandes coros, qu e
co nseg u iam criar um muro mu sical e ac ústico de ac om pan hame nto dos ca ntores.
O ce ná rio simé trico do teatro barro co deu lu gar a ilusionísticos panos pint ado s
que só eram vistos parcialm ente nos espaços cê nicos cavernosos dep ois de serem
ilum inados por luz oxíd rica , a g<Ís e, finalm ent e, elétrica .

O início do século XX revela um a multiplicidade de m odelos teatrais co nflitantes


que, assim como agora, procuravam pela definição elusiva do espaço teatral ideal.
Enqua nto as grandes casas de ópe ra continuava m a atrair parte da popul ação, mu sic
halls populares, mais íntimos, criavam suas própria s versões. Um desses é o I-I oxton
Music Hall , pequ eno espaço teatral do séc ulo XIX, na part e som bria de Londres.
o passado, era um espaço para ca ntores populares, com a fachada dando para
um a rua come rcial decadente. É um edifício alto,
estreito e retangular, com três balcões envolvendo
um pequ en o palco, no extremo do retângulo, pro-
du zind o o efeito de um teatro e1 isabetano ou de
um teatro do tipo corral do século XVIII. Embora
tenh a um enca nto desbotado e nostálgico , não
tem nada a oferecer ce nograficame nte, exceto a
si mesmo . Avaliando-se a dinâmi ca desse espaço e
sua linh a de força, constata-se qu e a altura verti-
cal existente entre os balcões e o pequ en o palco
/ constru ído sobre três níveis, com entradas em cada
LI - O desenho do Hoxton Music Hall um deles, são dime nsões a serem exploradas. Sua
característica é um interior longo e estreito, real-
çado por uma fileira de pilares finos de ferro, com capitéis dour ados em cada um
dos lados do pilar e apoiando balcões de ferro orna me nta l pintados de vermelho e
dourado que se estende m pela circunferênc ia do espaço. C omo muitas das casas de
espe táculo do período , o I-Ioxton Mu sic HaIl deve ter sido con struíd o por em preitei-
ros locais, provavelm ent e a olho - há um nítido desnivelam ento e usou-se madeira
barata, pesada e áspera que, atualmente, foi pint ada de cinza-escuro.

o palco de três níveis, com escadinhas e balaustradas levando de um nível a outro


(Figura 1.1), é um a versão proporcion alm ente redu zida e talvez desconh ecida do
Espaço Rítmico de Adolphe Appia. Ne le, quand o um a produ ção é cria da e int era-
ge com o espaço, usand o atores, movimentos, mob iliário, objetos cê nicos sim ples
e um a ence nação imaginativa, inicia-se um diálogo real com a plateia.

Inevitavelm ente, a intimidade desse espaço enfatiza o intérprete e o posicion a-


m ent o cê nico da ação. Para o ce nóg rafo, deve-se criar um espaço dramático
int ern o e, também , respond er ao espaço arqu itetônico externo. A capacidade de
criar imagens cê nicas poderosas, qu e descrevem o espaço dram ático, co meça co m
o ente ndime nto e a resposta aos textos que estão sendo encena dos. Ao lon go do
séc ulo XX, começando com o teatro íntimo de Strindberg, em 1906, houve um
movimento e um a pesquisa contínua por espaços e form as que aco lhesse m peças
de câ ma ra e, em escala menor, peças qu e oferecessem um a alterna tiva ao tea-
tro de espetác ulo grande e on eroso. Um espaço neutro, às vezes uma ca ixa-preta,
desenvol veu-se como espaço dram ático autônomo, que pod e ser igualmente uti-
lizado de man eira efetiva nos teatros tradicion ais com proscênio e nos edifícios
teatrai s mai s modernos. Se esses espaço s neutros possuírem inst ala ções técnicas
invisíveis, capazes de configurar e reconfigurar o volume interno do local para
satisfazer a ce na, a ca ixa-preta sim ples se tornar á um espaç o realm ente expres-
sivo, En tão, a ên fase se conce n tra no espaço dram ático criado en tre os atores e
o obj eto , e no mobiliário ou ce ná rio n ecess ário para contar a hi stória. O piso do
palco torna-se o foco visual mai s importante, sobretu do se o a uditório é elevado c
os espectado res olham para baixo, na dire ção do palco. Quando o piso do palco é
em declive ou inclinado, para co ntrabalanç ar a altura ascendente do auditório , o
nível do olhar do ator encontra a plateia de modo íntimo, direto e pod eroso , e uma
ligação int en sa é alcançada im ediatamente, da m esma form a que algu ém pod e se
sen tir qu ando está sobre os palcos vazios do s an tigos teatros barr ocos.

E m m eados do século XX, pequenos espa ços em forma de estúdio multiuso e


polivaleute se torn aram part e da mai oria do s edifícios teatrai s. Com a redução
dos orça me n tos para fins artísticos em tod o o mundo, esses pequenos estú dios,
co nce bidos originalmente como teatros para peças novas ou produçõ es baratas
(in felizm en te, postas na m esm a categoria ), tornaram-se os lugares favorito s para a
reali zação de produções novas e vib rantes; e eles são mai s popular es que os palcos
princip ais, tanto para os espectadores como para os criadores teatrais. H á uma
maior liberdade para organizar o espaço, c os or çamentos menores não parec em
ser u m obstáculo. Além disso, esses edifícios, diretos e íntimos, às vezes espec ial-
men te co nstru ídos e, em outras, con struídos em locai s improváveis - co mo a cú-
pula do Teatro Od éon, em Paris - , estão sem pre cheios. O s atores gostam de se
aprese n tar ne sses locai s, de leitando-se com o contato direto com os espectadores,
e diversos ce nó grafos foram ca pazes de criar e iniciar trabalhos origin ais nesses
espaços, m ontagen s qu e não pod eriam ser reali zada s sobre os palc os principais dos
gran des teatro s.

Ao m esmo tempo, o final do séc u lo XX troux e uma crescente consc iênc ia da im-
portân cia da conse rvaç ão, da restauração e da reciclagem . Isso levou à bu sca pela
criação de espaços teatrais em prisões, armazén s, co zinhas públicas ou fábri ca s
an tigas. Frequentemente, a mudança de uso do edifício é profundamente irônica .
Locais de penitên cia no passad o se tornam locai s de prazer , e som brias ca vernas
industriai s, falida s e su pé rfluas h<Í muito tempo, gan ham uma nova vida como
templos da arte. Em vez de ser ponto fixo, o palco pod e ser posicionado na part e
m ais ade qua da do espaço refeito do a uditório, a fim de proporcionar o m elh or
relacion am ento possível en tre os int érpretes e seus espectadores.

33
Em diversos casos, é a destrui ção pela gue rra ou pelo tempo que revela o poten-
cia l de um espaço. It co mo se a pe le de uma cidade rac hasse deixando suas veias
expostas e os criadores teatrais, sempre oportunistas, saltassem para preencher o
vaz io.

Ocupação artística
Na ant iga cida de por tuár ia de [ata, em Israel , o ex-qua rtel-general aban do nado
do mandato bri tânico está caindo aos pedaços. Seus degraus de concreto estão se
esfare lando, os tetos e as paredes aprese ntam buracos espantosos, e fios de eletrici-
dad e rudim ent ares se estende m lou cam ente através do edifício. Nesse ambi ent e
deses timulan te, sem sedução româ ntica ou pitoresca, o público comparece todas
as noites. Ingressam em um edifíc io provisór io, outrora proibido e agora deso-
lado. No enta nto, o local foi limpo e varrido. Há um café e um bar, as mesas
são sim plesme nte aprumadas por port a-cab os de mad eira e os ban cos são versões
menores. Em um imen so saguão vazio, um a expos ição de esc ulturas de madeira
pintadas com cor de concreto é iluminada por minúsculas lâmpadas halógen as,
en fileiradas em ca bos elétricos, cada um a perfeitam ente posicion ad a no espaço.
ão é u ma espe lunca . Tod o o espaço foi prep arad o co m cuidado e sim plicidade
para os espectadores, e a estética da companhia residente é visivelmente declara-
da para o público antes m esm o de ele alcançar o aud itór io im pro visado. No espa-
ço cê nico, os valores externos da com pan hia se reAetem em um a esca la m aior e
ma is in tensa: abrange atores, direção e todos os requisitos técni cos da produção. A
ironia dessa ocupação artística não passa despercebida pe lo públ ico .

Comunidade
It um desafio estimulante para o cenógrafo cons tru ir um espaço mágico a partir
de materiais não promi ssores ou liberar um espaço escavando e libert ando áreas
fechadas ou ociosas, tornan do-o habitável tanto para os atores como para os es-
pectadores. O teatro não é sim plesmente um lugar para onde você vai, mas um
lu gar em qu e você passa por um a expe riênc ia. A instalação/performance de Robert
Wil son , HK , criada in loco na antiga prisão vitorian a C link, em Londres, dem on stra
como a arqui tetura pode virar o pró prio espetáculo. Os espectado res -ou visitantes
movim entavam -se por um a série de espaços dinâ m icos, expandidos e co ntraídos,

34
qu e são, em si, a narrativa . O denominador comum en tre arquitetura, instala ção
e performance é um int ere sse cresce nte de muitos arqu itetos contem porâ neos qu e
enxergam o poten cial interior e exterior co mo parte da síntese do edifício.

O teatro é co mbustível, tumultuoso e, muitas vezes, perigoso. Ele precisa se apoiar


sobre o tipo co rreto de espaço, aque le qu e possibilit ar á a ma gia e a tran sform ação
que melh or ca rac ter izam os eve ntos teatrais. O teatro enco ntra um lar em igrejas
ou nas ruas, em pal ácios e ca fés, em sótãos ou estádios, em salas de expos ição,
hospit ais, salas de vistas ou prisões, em um a tenda ou no s fundo s de um bar. O
espaço teatral designad o permite qu e um a co ng regação anô nima se co nve rta em
uma co munidade e oferece um a plat aforma para a necessidad e de falar, ouvir e
se divertir. As cidad es são onde as plateias se congregam m ais naturalmente, e os
edifícios teatrai s espec ializados - frequentemente marcos dos ce ntros das cidades
e orgulhos urb an os - oferece m espaços form ais para esses encontros.

Em um a cidade, h á outros espaç os que também fazem part e da vida cu ltura l de


seus habitantes. Alguns deles são públicos, com o praças e ruas, e outros, menos
óbvios, são utili zad os para eventos espo rtivos, soc iais e religiosos, qu e ocorrem no
int erior de edifícios. Ao lad o de suas arenas públicas, as cidades também estão
che ias de espaços mar ginai s vazios, qu e repousam desprezado s, abandonados e
esquec idos e onde periormances e eventos estão espe rando para aco ntece r. De vez
em quand o, a cidade em si torn a-se um teatro, co m seus edifícios servindo de ce-
nário ou de fundo para projeções. Contra suas estru turas, as m em órias e aspiraç ões
co letivas da população são repr esentadas de man eira dram ática ou comemorativa.
O espaço é ingrediente fund am ental da ce nog rafia e da dram aturgia: corresponde
aos mod os pelos quais a expe riênc ia dram ática é vista e m old ada. Com a adição de
co res, imagen s e palavras, os espaç os ficam ca rregados de vida e ação , envolvendo-
-se diretam ent e com o público por meio do discur so e do dialo go.

Um jogo de tamanho e escala


Em Barcelon a, diante da antiga ca ted ral gótica, h á um a praça. No final de um dia
de trabalho, muitas pessoas, desconh ecidas umas das outras e no ca m in ho para
casa, passam por ali . M uita s param, formam círcu los, colocam suas sacolas de
co m pra no m eio e dan çam ao ritmo lento e desafiador da sardana, com o ac om-
panham ento de pequ en os grupos de músicos itin erantes. O públi co, enqua nto

35
int érprete, fica mudo. Quando a dan ça termina, as pessoas pegam suas saco las e
se afasta m. Em ou tra part e da praça, um velho usando um tern o preto m an ch ad o
e uma boina cr ia seu espaço teatr al. Convida os transeuntes a parar e ver o qu e ele
esco nde u em um a ca ixa de fósforos qu e man tém no bolso da ca lça . O velho fala
de m od o rápido e tranquilo, sem pau sas e, qu ando cada vez m ais pessoas se jun -
tam , ele alarga o círc ulo, cr iando u m grande espaço cên ico para um int érprete .
Sua ca minha da é veloz; ele chega tão perto dos espectado res qu e pod e vê-los em
seus olhos . Fin alm ente, qu and o o velh o tem bastant e públi co, talvez trezentas
pessoas, o espaço está ade quado . Ele peram bul a diversas vezes, vcri ficando se o
público está atento e, em seguida, tira u ma caixa de fósforos perfeitamen te comum
do bolso e a m ostra para tod a a multidão. O velho é um ator consu ma do, pois só
en trega a história pou co a pouco. Ele revela para o públi co em silê nc io qu e den-
tro da ca ixa de fósforos há um leão. Ele se ca la e espera o impacto. N ing uém se
m exe e ningu ém rejei ta a possib ilidade apresentada. O velho abre um pouqu inho
a caixa de fósforos e ped e para qu e as mulh eres co m med o não se m ovam nem
façam barulh o, pois o leão pod e ficar furio so, pular para fora da caixa e at acá-las.
Em seguida, ele co n ta a história de co mo o leão en trou na caixa, ab rindo-a bem
devagar. Dep ois de terminar a hi stória, ele su bita men te fecha a ca ixa, co loca-a no
bolso e, sem dizer seque r uma pala vra, desaparece no m eio das pessoas, qu e ficam
se en treo lha ndo co m espa n to e, em seguida , riem encabuladas, perguntando-se
co mo puderam ter sido captura das por algo tão rid ículo. C laro qu e não há na da
de origina l na criação de um cí rculo improvisad o de pessoas em um espaço pú-
bli co : esses eventos são enc on trados em todo o mundo, desde vilare jos africa nos
até shopping ceniers movimentad os. O original, nesse caso, foi a m anipulação
premeditada pelo int érprete da esca la re rsus o espaço. O velho desco brira que,
qu anto maior o cí rculo criado por ele, maior seria o impacto da minúscul a ca ixa
de fósforo s - e ainda mai or seria o impacto de fazer as pessoas ac reditarem qu e um
anima l eno rme estava preso dentro dela. Esse jogo de tam anh o e esca la dem on s-
tro u o uso magis tral e o entendime nto de seu espaço co m o mais sim ples dos
meios qu e ce nóg rafos e diretores son ham alca nça r.

H istária instantânea
A ce nogra fia urbana - a oc upação dos espaços cê nicos form ais e informais - es-
timula as reun iões públicas espo n tâneas e os eve n tos do teat ro de ru a. O edifício
se torn a o ce ná rio, e os int érpretes at ua m não só na frente das pared es, mas as
escalam, desafiando a gravidade e a segurança. Proporcio nam uma face humana
pa ra a face dc co nc reto. Essa é uma man eira por m eio da qua l a história instant â-
nea é cr iada e irá m arcar para sem pre eventos históricos decisivos, dando foco a
novas aspirações. A ligação está entre o espaço e os parti cip ant es, tant o in té rpretes
co m o espec tadores, e proporciona uma expe riênc ia valiosa para ce nóg rafos qu e
estão sem pre procurand o man eiras de vitalizar o espaç o e uti lizar tod as as suas
possibi lidades geo mé tricas.

Uma perfeita peça de teatro


No ce ntro de Belgrado, quatro largos bu levares converge m na pcqu ena Praça
da Repúbli ca. Seu ponto focal é a estátua da Vitória , c o fundo da paisagem é o
pórtico sustentado por pilares do Teatro Nacional, edifício de ped ra co m placas
qua dra das entrelaça das, record atórias de algo vagame nte grego c m onumental.
Eu visitei o prédi o no outono dc 20 0 0, no momento de libertação da cx-Iugos lávia
das garras de Sloboda n M ilosevi é: havia um palc o pequen o e m od esto erg u ido na
praça, com alguns refletores e u m sistema de som rudim entar. Vazio, esperava e
ag ua rdava ser preen ch ido: era um espaç o muito pcqucn o dentro de uma cercania
muito mai or. Haveria um grande com ício polít ico ali, para conce de r co nfian-
ça pública ao novo gm'crno tempor ário . A atmos fera era ten sa e espe rançosa.
Milhares de pessoas afluía m à praça c co nve rgiam para esse ponto, po is, sem ne-
nhu ma dú vida, era onde todo s nós deveríamos esta r. O povo espc rava co m bom
hu m or , mas nada aco ntec ia. Até aqu ele m om ent o, a ação dram áti ca era o ato de
fazer parte daq ue la enorme massa compacta, in capaz de se mover ou ver; todas
as pessoas, no enta nto, estava m tocadas pela expec tativa de qu e um d ram a ma ior
logo seria rcprescntado diante del as.

De repen te, todos levan tam os olhos na direção da pared e do Tea tro Naciona l.
O qu e vemos não é um a grande figur a fazendo uma aparição im por ta nte, m as
um garoto an ônimo escalando a face íngrem e do edifício a fim de co nseg u ir um a
mel hor visão da praça aba ixo. Ca utelosame nte, ele posicion a um pé sobre a beira
chanfrada entre as placas de pedra e se m ove para cima. Além do seu alca nce,
situa-se o parapeito de uma jan ela do primeiro anda r. Arriscadamente, o garo to
gira as pern as e qu ase perd e o equ ilíbrio. A mu ltidão abr e a boca em assom bro .
Ele tenta de novo c, dessa vez, co nseg ue aga rrar o parap eito, firm ando-se co m
um a das mãos enqua nto encontra outro apo io para os pés. A ten são é insup ortável

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e tod os os olh ares vão em direção ao garoto. Lent am ent e, ele se eleva e fica sobre
o parapeito. Quand o o garoto está de pé e abaixa os olhos na direção do palco,
a multidão u rra, em aprovação. Concretizan do seu feito, ele tira a jaqueta e a
agita no ar como um a band eira da vitória. O garoto escalou a pared e anô nima,
desafiand o a segura nça e a aut oridade, ac ho u seu ponto de apo io e triunfou . Das
alturas, ele é o conquistador do espaço, e o povo de Belgrado o acla ma. Ele é a
me táfora da nova Iugosl ávia. f=uma perfeita peça de teatro.

Uma máquina neutra


Tanto o contador de histórias de Barcelon a como o garoto de Belgrado explo-
raram e sen tiram o espaço co m os pés: um crio u um teatro de arena e o outro
levou o olha r da plateia para as extrem idades máximas do espaço vertical. Isso é
exata me nte o qu e um ce nóg rafo deve fazer quan do avalia inicialme nte as possi-
bilid ades oferec idas por um novo espaç o. Como um anima l explorando um novo
território, o ce nógra fo precisa che irar e sentir o pote nc ial, precisa im agin ar o que
pode ser criado a partir do in terior do próp rio espaço . A primeira vez qu e vai a
um local é um mom ent o privado glorioso, é um a opo rtunidade de perambular,
inspecion ar o espaço de todos os ângulos e co nsiderar qu ais são as posições domi-
nan tes dos atores em relação aos espectadores. A afirmação de Edward Gordon
Craig, de qu e um ce nógra fo deve projet ar tant o com os pés co mo co m as mãos ,
enfatiza a importân cia de se caminha r pel o espaço e sen ti-lo, sem pre observando
co mo pode ser modelado para que os atores sejam apresen tados de form a tão
clara como se fossem um ser humano jama is visto antes . As vezes , o espaço vazio
pode, sozin ho, suge rir um a form a para a produ ção, sobretudo se ele deve ser
int eiram ente proj etad o, incluindo o arran jo dos assentos para os espec tado res. lt
uma questão de olhar além do óbvio ou do imediato, levando em co nsideração a
intenção gera l do texto e da produ ção.

[osef Svoboda , ce nógra fo tch eco, definiu o espaço ideal co mo um a " m áqui na
neutra - uma ferrame nta de trabalh o, com bastan tes insta lações técni cas para po-
der mudar o volume e a forma do espaço de aco rdo com o progresso do dram a".

Diversos teatros foram cons truídos de modo be lo e elegante, co mo exem plos


arq uitetônicos admir áveis, mas não são ferramentas de traba lho. Geralme nte,
os ce nóg rafos, e as próprias pessoas qu e utilizam o espaço, só são co nsu ltados
qua ndo os últ im os reto ques estão sendo aplica dos na estru tura, u m momen to já
mu ito tardio pa ra apo nta r erros fu nda me n ta is. O resultad o leva a gastos co n tín uos
c re pe titivos, pois ca da produ ção recom e ça do ze ro. D e m od o ideal , uma md-
quina neutra pe rmite que os espectado res aba ixem os olhos na direção do pa lco,
para que seu p iso se torne a te la ou o fun do co n tra o qu al os a tores são vistos. O
piso e m si deve ser uma m áquina, como n os an tigos teatros barroco s, qu e era m
cheios de alçapões c aberturas sec retas que disfa rçavam uma in visível área téc ni-
ca no porão. Tanto o p iso como as par edes precisa m te r su perfícies de trabalho
quc pod e m ser pintad as, m art eladas o u este ndidas , ocultando e n tradas de palco
e camarins. Se for possíve l a existê nc ia de jane las co m gra ndes pe rsian as ou uma
área de carga que possa ser abe rta para a rua, isso serve co mo lem bre te d ramático
ú til a respeit o do pcquen o grau de sepa ração e n tre a vida real e o tempo dr am á-
tico. Finalmente, u m teto qu e conten ha o eq uipa me nto de lu z n ecessári o, mas
que seja também um céu, é importante para se co nectar com o espaço abaixo.
Nesses pontos prát icos de trab alh o, os mil agres c a m agia aco n tecem,

Esse espaço neutro era o local pa ra um grupo de ar tistas transatlânticos criar a


cenografia para uma peça de jornada - qu e se m ove rapidam ente por m eio do pas-
sado, presente e fut uro e a través de pa íses e contine n tes. Estáva mos trabalha ndo
em um salão grande, quadrado e vazio, discu tindo sobre como cr iar u m a forma
distin ta pa ra ca da ce na de m odo a indi car a mudan ça de locali zação. Estávamos
observando as formas co n flita n tes das p in turas co ns tru tivistas ru ssas e decidim os
traduzir isso no espaço, criando formatos de arenas circu la res. Ao ju lgar cuidado-
samen te as prop or ções das duas form as, a ideia do c írc ulo dentro do qu adrad o
cr iou uma te nsão din âm ica, e as lingu agens visua l e espacial se tornaram pa rte
da estrutura das cenas (F igur a 1.2). Esse foi u m exemplo sobre co mo responder à
arq uite tura exte rior e criar um espaço d ram ático interi or e n tre o posicion ame nt o
das figuras e d uas pcqucnas ca de iras, qu c serviram para indicar tod os os reci n tos
e casas requeridos.

Descrevendo o espaço
O uso de mob iliár io o u ob jetos e m um espaço dr amáti co e co m ato res é pa rte
fundamenta l da cenogra fia e é o modo pe lo qual o espaço cênico é descrito. O
ator constrói sua área po r m eio da pr ese n ça no palco . O mobiliár io co ntém e
man tém o espaço específico m en or dentro de um o u tro, ma ior e m ais abstra to.

39
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( F o '\.. -r "" G A l.. '" <lA -r?)

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-= ~ 1 ):.. ~o
(L tJ ~ ; ~.1 0:J

1.2 - Pequ eno s desenh os para o \l'orks!lojJ de /{olld ó I\ da(illa, apresentando detalhadarncnt e usos distint os do
teatro de arena
D a m esma man eira qu e, dizem , os navios são paredes de m ad eira dentro do m ar ,
a mobília (principalmente sofás e ca mas ) absorve um significado met afórico a
partir de sua presen ça e de seu posicion am ento no palc o. Esses espaços co ntidos
permi tem qu e os atores utili zem a realid ad e das peças do mobili ririo de modo
imagiuativo. Dessa forma, pod em liberar seus espaços ou atrair pessoas para eles,
trabalh and o em dois pontos sim ulta nea me n te. Um sofá se tom a um qu art o em
si quando oc upado pelo ado lesce nte pr íncip e Hal (Figura 1.3a ), ma s vira arma-
dilha para ca ptura r uma rival inocente qu ando usad o por I-I ed da C abl er (Figura
I. 3b). Em relaçã o ao sofá co m o qu arto na Figura I. 3a, o ator chí ao espaço um

sign ificado que os objetos com partilha m, e estes também criam espaços int ern os
em si. Um ce nóg rafo jam a is deve ficar desalentad o em rela çã o aos requisitos de
mobiliário do autor nas descri ções das ce nas (sem pre jur ei qu e jamai s faria peças
que exig issem ca dei ras, port as e sofás). Em vez disso, ele pod e co nside rar a real i-
dade do mobiliário como uma oportunidade estimulan te para criar outro tipo de
espaço. Da m esma form a qu e um espaço arqu i-
tetânico é avaliado por sua din âmi ca e ca rac te rís-
ticas, o mesm o oco rre em relação a um a pe ça de
mobília. A esca la e a form a assu me m sign ificado,
de m odo qu e um sofá curvilíneo em um recinto
retilín eo austero assume um a importân cia m onu-
men ta l, exp ressando silenc iosame nte sua história
para os espectadores. Um sofá com posto de espi-
rais e curvas e co m cores vibrantes, dentro de um
mu ndo fem inin o siciliano de sonhos e corações
partid os, torn a-se a m anifestação da mulh er em
si (Figura 1.3c). l.3a - Sofá como quarto

Em seu e rudito ensa io Plays and Plavwrights, Pictures and Painiers in the
Theatre , Edward Cordo n C ra ig ana lisa as diver sas peças qu e ce nogra fou e ob-
serva: "Se eu po ssuísse um teatro próprio, não expressaria no papel os proj eto s
que tenh o em m ent e, m as os coloca ria diret am ente no palc o". Por m ais bem
prep arad o qu e se ja na teori a, o trab alho do dir etor e do ce nóg rafo na m aqu et e é
distinto daqu ele co m seres human os de verdade; em um espaç o real , o trabalh o
pre parató rio vai para ou tra esfera. Na realid ad e, é ali qu e a lógica e a razão dos
intérpret es un em texto e espaço e qu e o traba lho com eça a assumir uma forma
real. A posse do espaço va i do dir etor , do ce nóg rafo, do dir etor de m ovim ento
e do ilurn ina do r cê nico para os atores qu e, noit e após noite, vão rea lme nte
ocupá-lo e utilizá-lo, tornando-o se u ponto vital. O espaç o é e lás tico, e m o cio nal
e m óvel, constantem ente alterado pelos pr ópri os intérpret es,

l-lá infinitas possibilidades cenogr áficas em rela ção a um espa ço vazio, se ja e m


um teatro tradicional espe cialme n te construído ou em um edifício restaurado qu e
renasce após uma mudança de uso , Cada cspa<,;o arquitetônico faz suas próprias
d emandas, m as nenhum dcl es pode alcançar se u pleno potencial sem uma ação
em seu int erior. Uma produção bem-elaborada ,
apreci ável e muito bem-apresentada pode abrir
caminho através d o arco do pr osc êni o e se r tão
dinâmica e em polgan te quanto qualquer produ-
ção em um espaço de site specific. Por o u tro lad o,
ap resen tar uma pe ça clássica e m um espaç o novo,
tirando proveito da s po ssibilidades a rqu ite tô n icas
oferec idas aos at or es em vez d e pr eenchê-lo com
cenário, pod e gerar toda uma nova dimensão na
produção, o qu e , frequentem ente , recaptura o
int er esse do s especta dores. A ce n og ra fia é a con-
U b - So fá co mo arma dilha cretização de uma imagem tridimensional da qual
faz parte a a rqu ite tura do espaço. A im agem in clui
o po sicionam ento e o espa çamento refer ente aos
se res humanos e ao s obj etos, e isso une a verdad e
da s palavras à resson ân cia d e outra história qu e está
por trás do texto . A imagem espacial sob re o palco
não é puram ente decorativa: é visua lme n te pode-
rosa e su ple rnen ta o mundo da pe ça qu e o dir etor
cria com os atores no espa ço . Saber como lib erar
o espaço demanda um profundo e n te ndime n to
por parte do cen ógrafo da s distintas disciplinas da
cri ação teatral , sob retudo direção e representa ção .
L3c - O sofá siciliano Planej ar a produção exige uma estratég ia - quase
uma gu erra de guerrilha - na qual texto e espa ço
pr ecisam se r infiltrados, ca ptur ad os e qu estionados, e as co nsequê nc ias devem se r
testadas e m rela ção à ética e à esté tica do s criad ores. Na seg u nda parte d e Henrique
IV, de Shakespeare, lorde Bardolpli, em uma confer ên cia d e gue rra em York, utili-
za a analog ia e n tre a co ns trução d e uma ca sa e uma estratég ia de gue rra:
Quando temos a intenção de construir
Examinamos primeiro o terreno, depois tlese-
[nhamos a planta;
E quando vemos a [otma da casa
Então calculamos o custo da construç ão -
E se descobrimos que excede nossos recursos,
O que fazemos, então? Reiazemos nosso
[projeto?

Nesse caso, ce nogra fia e espaço estão perfeit a-


m ente descritos. 1, 3d - Sof ácomo berço

SITE SPECIFICS

Espaço e som
Espa ço e som são parceiro s. O s ce n ógrafos precisam adotar o som com o eleme n to
visua l na avaliação da qualidade de um potencial espa ço cêni co. Isso não só pela
a udib ilida de , m as pela capacidade de c ria r uma paisagem sonora, um a informa-
ção con textual aos espectadores qu e não precise ser repetida visualmente. Som e
espaço sem pre foram sinô n im os. O s sinos da igrej a ressoam acima de uma cidade
ou vilar ejo, e o muezim uti liza o espaço vertical, que se estende ao céu , para
co nc lamar os mu çulmanos às ora ções. O som, humano ou plan ejado , é m óvel
e se espalha através do s espaç os, dir igindo o foco do espe ctador para o próximo
eve nto da h istória . Em um site epeciiic, com um público móvel, o so m pod e
assu m ir o lu gar das mudança s de ce na, movendo-se de modo flu ente e elega n te
e deixand o de se r uma trilh a so no ra ilu strativa para se r parte da pr ópria arqu itetu-
ra. O rela cionamento sim bó lico entre ce n ogra fia e som é um a área estim u la n te
e desafiadora ainda a se r plenam ente explo rada. E m ju lho de 2 0 0 8, o espaço
se tornou um parti cipante importante n a final do festival de música Sounding
[erusalem. Um con ce rto de in strumentos de sopro foi rea lizado sobre o topo do s
telhad os de qu atro edifícios da Cidade Velh a. 1\ Ode à alegria, de Beethoven ,
tocad a sim u lta neam e n te com as c ham adas do rnuez im, criou um espaço dram á-
tico unido no a r, discorrendo de form a eloque n tc so bre boa vontade e pa z. H á
muitos vínc u los en tre som e espaç o. Os planetas, su íte orquestral de Custav Holst

43
(1874-1934) com posta en tre 1914 e 1916" co n tinua a inspirar a m úsica eletrônica
e acústica co n tem porâ nea e bandas de rock e heavv metal cu jos sons via jam pelo
espaço. Iánnis Xen ákis (1922-2001), co m pos itor grego, era arqu ite to e enge n he iro
civil e torn ou-se co mpositor co m o part e de sua pr ática espac ial. Xen ákis também
exploro u espaços e esca las ce lestiais em Pléiades, sua co mposição pa ra percu ssão.
As batidas e os ritmos pul sam e an ima m o normalm ente sóbrio auditó rio de nuisi-
ca, carregan do os sons para tod as as superfícies e para tod os os cantos. Su as obras
criaram uma base para os qu e vieram posteri orm ente, pa ra segu ir e expa ndir o
vínc u lo en tre som , arqu itetura e ce nog rafia. As palavras também via jam at ravés
do espaço dr am ático .

Usando o espaço: uma advertência


Para o ce nógrafo qu e explora o uso do espaço visua lme n te, ca be aqui um a adver-
tên cia: não se deixe seduz ir por u m espaço. Procure vê-lo não co mo ele é, mas
co mo pod e ser qu ando a marca do seu trab alh o pcrme á-l o . Quan to mais enc an-
tad or ou pitoresco for um espaço à prim eira vista, m ais dificuldad es, restrições e
desvantagen s aparece rão. Acim a de tud o, você deve ser a au torida de do espaço.
Nã o se sub me ta a nin gu ém , exce to a normas de saú de e de seg ura nç a razo áveis.
Evite a todo custo pessoas qu e tenh am interesse pessoal no espaço - hi storia-
dor es, arqueólogos, guardiões reli giosos etc. - , pois, por mais qu e possam dizer
que qu erem ver o espaço deles sendo usad o, esses Caríbdis jama is qu erem ver o
espaç o deles ocupado por qu alquer outra pessoa, Posicione-se em cada can to do
lu gar, co ns ide re-o do ponto de vista dos espec tado res e pergunte-se se eles real-
men te serão ea pazes de ver e ouvir. Ind ep endentem ente do m eio , transfira o qu e
você vê para o pap el ou a câ me ra fotogrâfica, para qu e você possa levar isso para
casa, recon struir e, no ato da recon stru ção, chegar ao conhecimen to e à posse .
Observe prin cip alment e as linhas de visão e o qu e precisa ser feito para deixar os
atores visíveis. Se você co nstatar qu e os atores terão de andar co m pe rnas de pau
par a serem vistos, isso provavelm ente indi ca a inad equ ação daquele local (Figur a
1.4)' É muito m elh or utili zar um espaço neutro ou cria r um a obra brilhante em
um teat ro co nve nc iona l e bem equ ipa do do qu e se apa ixona r pel o enc anto de um
espaç o cheio de restrições.

3 Apresen tada pe la primeira vez no Queen 's Hall , em Londr es, em sete mbro de 1918.

44
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1. 4 - Desenh o de The Petiticm (Julia Pascal), para Bevis Marks, Londres, 2006

Recicla ndo um espaço


Um site specifzc não significa que tudo tenha de ser reali zado em um armazé m do
século XIX ou em um a fábrica abandonada; significa criar algo espec ificame nte
para aque le espaç o - qu e pod e bem ser um teatro propriam ente dito . H,I muito a
se recom endar no uso ou re úso de um espaç o teatral. É prov ável qu e tenha equi-
pam entos básicos e serviços necessários para o público, qu e está familiari zad o
com o cam inho para se chegar ali . Em geral, há eletricidade e alguma tecnologia
(m esmo inad equada ). O s teatro s estão repletos de espaço s desprezado s e esquec i-
dos em si mesmo s e, se com eçarmos a considerá-los um site specitic com o qual-
qu er outro, a ima gina ção pod er á muitas vezes enxe rgar maneiras muito sim ples
de tran sformar algo bem conhecido em algo novo e provocante. O imperativo
é ac ha r o tipo certo de espaço para o trab alho plan ejado. I~ inútil realizar um a
produ ção de site speciiic, por exem plo, em um a fábri ca antiga em qu e uma das
extremidades do edifício não existe mais ou em um palco com proscênio pro-
lon gado ou em um palco italiano montado provisor iam ente. Se a produção for

45
aco n tece r, m elhor realizá-Ia em um teatro ade qua do, co m banh eiros e ven tilação .
Escute o som da voz hum an a no espaço. Se a fala ou o ca n to fizer parte do traba-
lh o e o espaço ressoar ou ecoar, serão necessárias cor tinas pr et as pesad as ou placas
acús ticas para abso rver o som; assim, reve ja sua posição. Por m ais estim ulante ,
enca n tador , nostálgico e atrae nte qu e um espaço possa ser, não se rá bom se sua
arqui tetura trab alh ar co n tra a produ ção planejada: esses problem as não desapare-
ce rão . Fique seguro e se ja ou sad o. Conside re o qu anto u m a peça de site specific
pod e se tornar não espec ífica. O teatro ilu sioni sta, m esm o qu an do lida co m a
rea lida de do palc o, pro cura criar espec ificida de.

Maquetes
O cro qu i do plan o cê n ico é conside rado o prim eiro marco do bom ce nógrafo qu e
co le tou os dad os dispon íveis, rea lizo u diversas visitas ao local e co m pro u novas
pro visões de lâmin as afiadas e placas de espu ma sin tética larninada co m pap el
br an co dos dois lad os para co nfecc ionar sua ma que te , Há a su pos ição de qu e , a
partir desse ob jeto asséptico, desprovido de cor, textura, su jeira ou se n time n to, a
produ ção possa ser orça da e acorda da. A arqui tetura e a ce nografia diferem . E m
gera l, as m aqu ctes dos arqu itetos são elega n tes, pr ecisas e limpas e ap rese n ta m
u m espaço inexistente, um espaç o espe ran do para ser reconstru ído. A m aq uete
de um ce nóg rafo deve reproduzir um a real idad e existen te , qu e é, freque nte-
m ente , u m espaço bastante usad o, su jo e som b rio, co m tubos e climati zad ores
locali zad os inconveni entem ente no m eio das pared es, sina is de saída iluminad os
em ca n tos esc uros e par ed es qu e se parecem co m co lc has de ret alh os de ti jolo s e
gesso deteriorado s. Todos os obstác ulos e dificuldad es qu e o ce nógrafo, o dir etor
e os atores enc on trarão , incluindo co res e texturas qu e dão ao espaço sua carac-
terí stica individual, pr ecisam ser indi cados. Inicialm ente , pod e ser útil fazer um a
rnaquete tran sportável, forte e leve, em esca la muito pequen a, de I:l OO , co m a
cor e a textura do s tijolos ou a com posição das pared es e do piso, bem co mo
com qu alqu er ou tra co isa qu e possa ajudar. Sendo pequen a e facilm ente trans-
port ável , a m aqu ete é uma maneir a práti ca de dem on strar os po ssíveis usos do
espaç o para os ou tros e de discutir e solucio na r os probl emas an tes de conve rte r
a esca la pequ en a em um tamanho co nve nc iona l de 1:25 , proj eto a partir do qu al
os criadores irão trabalhar. Além disso, tenha cu ida do! Essas m aquete s em esca la
pequ en a são muito sedu toras, portanto, não con fie qu e m esmo os colaboradores
mais famili ari zado s se jam realm ente ca pazes de ler a realidade em uma esca la
tão diminuta e precisa. Essa esco lha é u m começo, não um fim em si mesmo.
Essa pequena maquete provavelmente será ma is útil se puder acabar como um
sim ples brinquedo de executivo sobre a mesa do patrocinador.

o efeito do espaço
Parte do processo cenográfico de conquistar um espaço consiste em investigar o
mo tivo pelo qua l alguns deles instigam e elevam as expecta tivas en quan to ou tros
não o fazem. Uma explicação para esse mistério é que os espaços cênicos são abri-
gos temporários. A marca é feita pelos criadores teatrais qu e, às vezes, descrevem-se
como ratos de esgoto'. Freq uen teme nte, eles perambulam pe los espaços teatrais
do mundo com as ferramen tas de seu ofício e, em seguida, as embalam de novo e
seguem viagem. Quando havia um sistema de fina nc iamento seguro, qu e permitia
que compan hias permanentes evoluíssem e desenvolvessem suas assina turas ind i-
viduais, os teatros podiam ser identificados com um estilo da casa. Atua lmente e de
modo gera l, a autoria jaz em com pan hias individ ua is, mu itas vezes em diversas co-
produções que dependem da capacidade de apresentar trabalhos em espaços com
características muito distintas. Isso significa que, mesmo ao trabalh ar fora de um
edifício teatral convenciona l, o ce nógra fo deve juntar um a série de ingredien tes
de primeira classe que podem ser uti lizados de maneira Hexfvel e independente da
situação, co mo se ele fosse um coz inhe iro. Isso significa trabalh ar de de ntro para
fora da produção, entendendo realmente o texto, a part itura ou o libreto e os re-
quisitos dos atores, dos mús icos e o relac ionamento co m os espectadores para que
estes possam se ligar emoc iona lmente ao espaço. A disposição dos espec tado res
dentro do espaço faz parte da responsabi lidade cenográfica, mesmo após prévia
consul ta a arquitetos teatrais, especia listas em ac ústica ou a outros profission ais.
Esse não é um item distin to e não pode ser delegado.

Prestando assistência à performance


o principal em rel ação à vitalização de qu alqu er espaço envo lve ver, prestar
atenção, escutar e ap ren der aqui lo que o local pod e proporcionar ao trabalho,

4 La Fura del s Baus, grupo teatral cata lão radical cuja tradu ção do nome significa "ratos
de esgoto" .

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respondendo àque le espaço e analisan do o qu e ele pod e ofereee r e qu e jamais po-
der ia te r sido pr evisto. U ma dife re nça importan te ao se trabalha r em u m espaço
de site speci{Ic é qu e o espe cta dor e o a tor estão unidos e m um recinto ou câ ma -
ra. É muito difer ente do teatro co nve nc iona l, o nde a pl ateia pod e se r e m ba lada
até um esta do de se m issono, espe rando a té ficar in ter essad a e se r ativada pelo
brilho da representaçã o ou ela produção . Divirta-me! Teste-me! Deixe-me interes-
sado! Não hasta o meu esforço de ter vindo até aqui, estacionado o carro, deixado
minha aparência respeitável, comprado lL1n !Jrograma de preço exagerado para ler
110S momentos enfadonhos - também tenho de escutar? É muito m ais difícil para o

espectador se m an ter discr eto qu ando o espaço é co m pa rtilha do, m esm o se o dos
int érpret es é iluminado de modo mai s claro e o do s especta dores fica à so m b ra.
Nesse espaço co m pa rtilha do, o espectador é solici tado a assistir - estar pr esen te
e es ta r pronto para rec eb e r -, tendo m en os possibil idad es de se r um observador
passivo . Toda performance é espe c ífica e m relação ao local e m qu e é c riada : um
teat ro , uma forta leza, uma tenda ou a Lu a. Todo trabalho deve exa m inar co mo
util izar o espaço para con ta r sua hi stóri a visual e dr amati camente . Um espaço,
por ém , está morto en qua nto as pessoa s não o trazem à vida, indep endenteme nt e
de qu ão brilha n te se ja o arqu iteto. As pessoas se comporta m d e m an eiras impre-
visíveis, a m en os qu e se ja m co n troladas pela estru tura arquitet ôni ca, como no s
teat ros co nve nc io na is ou nas casas de ópera. E m u m am bien te livre, se ja d o lado
de fora o u do lad o de dentro, o int érpret e pr ecisa se apo de rar d o espaço dramáti co
e co nd uz ir o especta dor AT RAVÉ S do espaço. O espaço não é um c onceito a bstra to.
lt um volu me trid im en sion al real a se r m oldad o e esc u lp ido de aco rdo co m a
in spiração pessoal e a n ecessid ad e cole tiva. O int érpret e desenvolve h abilidad es
para utilizá-lo a fim de obter o melhor efeito possível não só pelo movimento
físico, m as também pelo exame e a exploraç ão do foco poderoso en tre intérprete
e espe c tador. O trab alho interdi sciplinar prati cam ente exige qu e o criador visua l
en te n da os desafios e n fre n tados por um int érprete qu e co nta uma hi stóri a. Dessa
m an eira , cruza m os algu ns do s diversos limites a rtificiais d essa profissão qu e estão
em int en so qu estionam ento.

A história de um espaço
A a rqu ite tur a e o espaç o cê n icos são se m pre definid os e m um co n tex to. Par a e n-
tend er isso, é import ante pesqui sar e e ntende r a hi stóri a do espaço. Qu e seg redos
co n ta m essas par edes? As pedras falam, e os espaços conse rvam m emóri as. D essa
ma neira, a d ram aturgia do espaço é c riada . Please Take a Seat! (Por favor, leve
seu assento' ) é u m pequ en o estudo de caso a respeito da in teração do espectador
cas ua l co m o espaço arquitetônico (exterior) e o espaço dram áti co (in terior).
Please Take a Seat! foi u ma peça m cm orial ística criada para o Simpósio
In tern acional sobre Arqui tetura e Espaço de Performance, organiza do pelo curso
in terdisciplinar de m estrad o Scenski Di zajn da Un iversidade de Artes de Belgrad o,
em setem bro de 200 5, e pelo 39° Festival Int ernacion al de Teat ro de Belgrad o
(Bitef). Fui convidada a fazer o discurso de abe rtura desse sim pósio e, na ocasião,
pergu n tei se, em vez de só falar a respeito, eu pod eri a criar uma petiotmance qu e
demonstrasse o uso do espaço. T inha pe nsa do em aprese n ta r ou tra peça teatr al
em uma pequena região do centro de Belgrad o co nhecida como D oréoi. Esse
negligenciado bairro é limitado a leste pelo rio D anúbio e fica sob a an tiga fort a-
leza turca Kalem egdan , situa da no top o de um m onte . D oréol é dividid a ao me io
por uma avenida e pe la lin ha de bonde Cara Dusana, qu e deixa as pequenas lo jas
e os negócios muito su jos e em poe irados, o qu e se soma à atmosfera de part e
esquecida da cida de. Um pr édi o de banhos tur cos aba ndonado abriga uma expo-
siçã o dos sofisticados m óveis de esc ritório Vitra. Não obsta n te, há indícios de que
os especuladores im obiliári os estão chegando - o estilo glo ba l da m oradi a em
Ioits está fica ndo visível -, pois esses im óveis an tigos estão a u m a pequ en a distân -
cia a pé da Knez Mi hai lova, principal área de co m pras de ru a da cidade, do
Kalem egdan Zoo e da ribeira, onde co nve rgem os dois rios, o Sava e o Duna
(D an ú bio). No enta nto, Doréol ai nda gua rda a marca de se u passado , e os pr ó-
prios nomes das ruas reve lam isso: Saloniki, Braée Baruh e a muito famosa
Jevrejska - ru a dos Jud eu s - , atua lmente ru a de um ponto de táxi e do Centro
Cultura l Rex. Eu tinha co n hecido o Rex dois anos an tes, ao ap resen tar m in ha
pe ça Scenomanifesto! . Caminhe i pela [evre jska e cheguei a um edifício de estilo
eclético, ligeiram ent e turco ou talvez orien tai. Uma lateral do edifício parecia
levar a apa rtamen tos prati cam ente aba ndo na dos, e a en trada prin cip al dava para
um saguão e uma nova sala de computado res, financiad a por George Soros, a
C ybe r Rex. Portas de vaivé m co nduz iam à part e princ ipa l, qu e foi usad a sobre-
tudo co mo cine ma dep ois de sua pr évia enca rn ação com o sede da rádi o livre B92.
Estava completamente des preparada para o que vi através das port as: quase uma
miniatura do Tea tro alia Scala , em Mil ão. Havia o pequen o palc o em u ma ex-
tremidade de u m grande salão ret an gul ar e um balcão em curva na ou tra extre m i-
dade , apoiado por pilares elegan tes: tod os pint ad os de bege e branco. Ao redor do
salão , vi co lu nas corín tias nivelad as com acantos bran cos port and o, no alto, estre-
las de D avi. E m uma pared e , jan elas fech ada s com venezianas davam para um

49
pátio che io de roupas lavad as, ca rros velhos, mó-
veis descartados e algumas árvores raquíticas.
Perguntei ao che fe dos técni cos onde estávam os e
o que era aque le edifício. Ele me levou então
para o lad o de fora e apontou para um a plaqu eta
gravada em sérvio e hebr aico, quase ilegível por
causa da imundície ac um ulada e da su jeira de los
abajos, ou se ja, das profundezas de Belgrad o. A
plaqu eta mostrava que o edifício foi co nstru ído
em 1928 como local para celeb rações da comuni-
dad e local, casame ntos, aniversários e os elega n-
tes bailes tem áticos, que eram um a atração popu-
lar para mui tos dur ante a pré-guerra no Leste
Euro pe u. Suas paredes co ntavam sua história.
Naquele mom ento, havia a possibilidad e de util i-
zar o espaço pela segunda vez. Decidi ver como
podia pôr em prática o prin cípi o de qu e "o espa-
ço não é simplesme nte um a lu gar pa ra onde você
vai, mas um lugar em qu e você passa por uma ex-
periên cia". Ti nh a a van tage m de ser a prin cipal
criadora do projeto, ser cap az de escolhe r e cons-
tituir a equipe de colaborado res e, acima de tudo,
ser capaz de achar u m equivale nte dram atúrgico
para o espaç o arqu itetônico. Levando em co nta o
1 .. 1 co ntexto geográfico do Rex - e seu fut ur o bastan-
te incerto na região ce ntral de Belgrad o, pront a
«:,1'1 1 1J'I A C f. para os espec ulado res imobili ários avança rem - ,
propus criar uma peça memorialística, com base
PA PvT 2. nos fantasmas dos personage ns de Doréol (dos
'J' f. E ,..J'-:' .'"t' s; l( l- quai s pou cas pessoas co nseg uiam se lembrar).
A J at A T c ~ 1>1!t Por me io da Un iversidade de Artes de Belgrad o,
~e:~ &~~7 constituiu-se um grupo interdisciplina r, incluin-
do ator es, um dram aturgo/escritor , artistas visua is,
um artista de som lluz e ade recistas. Cada mem-
bro foi solicitado a pesquisar sobre a história de
1.5 - A carac te rização de lima das cadeiras a ficarem vida de um a pessoa que viveu em Dor éol no perí-
no Cyber Rex odo entre a virada do século XIX e os anos 1940,
sobretudo quando o Rex ainda era um centro cu ltural e um salão de baile s.
Tínhamos então o dia de contar essas histórias, momento em que líamos, em voz
alta, cur tos mon ólogos que tínhamos escrito como se fôssem os aqueles person a-
gens. No fim daquel e dia, escolhíamos seis histórias de person agen s distintos para
desenvolver um úni co tem a coe rente. Era um pouco co mo ter algumas maravi-
lhosas lãs de co res vistosas para tricotar , mas sem saber exatamente qual seria o
padr ão da peça de roupa. Conside rando o espaço do Rex, vi que existiam ce rca
de duzentas cad eiras dob ráveis, empilhada s junto às pared es, sob o pal co ou nos
ca n tos afastado s. C laro que cadeiras são sempre necessárias de acor do com os dis-
tint os usos do espaç o. Assim , as cade iras móveis faziam par te da atmo sfera, e fo-
ram o gatilho para a cria ção de um a plasticidade espacial real. Decidim os qu e
cada perso nage m escolh ido deveria criar um a cadeira, que seria, de fato, um pe-
queno palco de on de sua história seria co ntada. Aquele ob jeto refletiri a o mundo
do personagem . Por exemplo, Ren a (a ex-bailarina que virou vende do ra da loja
de c ha pé us) teria um a cadei ra dourada, co m um a árvore do tipo vitrine brotand o
do assento sobre o qual ficaria seu incomum chapeau. Cri am os o poeta errante,
a avó tur ca, a noiva fanta sma qu e se afogou no Danúbio no dia do casame nto
para evitar um matrimônio arranjado, o famo so souffleur - o ponto teatr al, cu ja
vida se passou sob o palco e nun ca foi visto (embora todo s os atores dep endessem
de le ) - e, finalm ente, a garota da nova geração, ans iosa e otimista, preparando-se
para ir ao seu prim eiro baile. As seis cad eiras-palc o foram posicion ad as em luga-
res distintos sobre o chão do Rex e cu idadosa me nte iluminadas. Elas estavam no
saguão, exatamente na en trada do prédio, criando um salão de palestras. Para sua
surpresa, os espec tadores, chega ndo da rua, en travam e se deparavam co m aque-
le salão repl eto de trab alh os do simpósio sobre os assentos e viam um flipchart
co m desenh os dos espaços do Rex. Definiti vam ente, NÃO era o que eles espe ravam.
Um professor acadê mico aparecia com um ponteiro laser feito de um galho fino
de árvore encontrado na calçada com um a pena cor de laran ja na extremidad e.
O professor era muito severo, explicava que o flipchart era um a aprese ntação em
Power Point e qu e o galho era um ponteiro laser; e prossegui a, dand o um a aula
acadêmica ár ida sobre arqu itetura e espaço cê nico. De rep ent e, o telefon e do
professor toca, apesa r do fato de todos terem sido orde nados a desligar seus celu-
lares . Parecia ser a ligação de um famoso expert em arqu itetura da G rã-Bretanha,
e a co nve rsa termina co m o professor concorda ndo qu e espaço não é algo que
possa ser sim plesme nte falad o a respeito, mas algo que tem de ser expe rime ntado.
Subitame nte, as port as do aud itório do Rex se abrem, e, na penumbra, podem ser
vistas as cad eiras-palco iluminada s com os persona gens im óveis. Escuta-se o som

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fraco da orquestra do salão de bailes. O professor orde na "Por favor, levem seus
assentos!", e os espec tadores, obedi entemente, pegam as cad eiras dobr áveis e
en tram no auditório. ão há restrição em relação ao local onde o público colo-
ca ria suas cade iras para se sentar, e os ator es sabiam qu e, a cada apresen tação,
teriam de reagir a um padrão distinto de confi guração da plateia. No entanto, os
espec tado res procuram inicialm ent e perc eber onde é a {rente e se arranjam para
ficar diante de um dos personagens. Constatou-se quase a m esma con figuração
para cada pertormance. O primeiro personagem começa a contar sua história, se-
guido pelo segundo, terceiro etc ., até que todas as histórias tenham sido contadas.
Os espec tadores descobrem que mover suas cade iras é a coisa mai s fácil do
mundo; assim , às vezes, eles estão na {rente, bem perto de um dos person agen s, e,
outras vezes, estão a uma distân cia maior ; eles gostam de ser levad os ao redo r do
espaço em um relacionam ento direto, individua lizado. Descrevo isso co mo espa-
ço lin ear. No entanto, a performance está prestes a mud ar no espaço dim en sion al.
De rep ent e, os persona gen s começam a se con ect ar voca lme nte un s com os ou-
tros, lan çando falas através do vazio central, bem acim a das cabeç as dos espec ta-
dor es. Um a nova história eme rge. Um a celebração está em preparação e todos os
per sona gen s aprontam-se para o evento à sua própri a man eira . M esmo o fanta s-
ma da noiva apar ec erá das profundezas do Danúbio para enc ontrar seu amante
poeta. Os persona gens descem de suas cadeiras-palco. O som fraco da orqu estra
do salão de baile s fica mais alto . O baile começa. O s persona gen s dan çam com
os espec tado res e estes, sem pen sar, dan çam un s co m os outros. O s personagens
levam os dan çarinos para o palco , onde uma mesa está posta com co m idas sim-
ples. Quando o elenco tem todo s os espectadores sobre o palco, as luzes se escu-
recem , e as do auditório se acendem e os atore s pegam suas tigelas. O arranjo
convencional do palco foi compl etam ente invertido. A luz volta-se sobre o palco
apinha do e os espectadores descobr em uma exposição simples de desenhos reali-
zado s durante a cria ção de Please Take a Seat!. A interação dos espectadores com
o processo é infinitamente praz erosa. Oferece às pessoas algo sobre o qu e falar a
respeito, e as insere em um mundo que, de fato, elas ajuda ram a criar.
Inesperad amente, Please Take a Seat! utili za o ren ovado interesse em rastrear
nossas raízes e mostra como todo s nós estamos interligado s. Também explora o
relacionamento do ator com um espaço livre, e sua reação ao espaço criado pelo s
espec tadores com a colocação das cade iras. As cadeiras-palco eram ajuntamentos
de objetos e refugos encontrados que, em si, carr egavam ressonân cias e m em órias
de coisas do passado, dando aos espectadores chave s para suas parciai s lembran-
ças (Figura 1.5)'
Espaço encontrado
Em z005, em Salônica, na Grécia, comecei os preparativos como diretora para a
estreia grega de The Greek Passion, de Bohuslav Martin ú, ópera-drama de gran-
de escala baseada no livro O Cristo recruciiicado, de 1 íkos Kazantzákis. Tanto
Martin ú como Kazantzákis estavam vivendo no exílio, em Antibes, em 1957,
quando começaram a desenvolver essa parábola a respeito da história da Páscoa.
Ela tem uma trama dupla: a vida em um vilarejo cristão, que se acomodou con-
fortavelmente ao domínio do governador turco em exercício, e a súbita revolta
provocada pela chegada de um grupo de irmãos cristãos liderados por seu padre e
cujo vilarejo foi incendiado pelos turcos . Os refugiados imploram por ajuda, pois
estão famintos e seus filhos, morrendo. O padre de Lycovrissi não deixa que seu
vilarejo seja perturbado pelo súbito aAuxo de pessoas de fora e as impede de ficar.
O conceito de caridade cristã é questionado pela ópera e pelos espectadores. O
espaço designado para a apresentação foi o Teatro Nacional do Norte da Grécia,
uma sala bem-equipada e confortável, com auditório envolvente e palco grande
com proscênio em forma de envelope.

Acomodei-me em um assento e contemplei as necessidades da ópera: uma mon-


tanha , um vilarejo pedregoso, uma estrada e a id éia de diversas pequenas cenas
brechtianas com apenas duas pessoas no palco e o espaço entre elas reAetindo
suas diferenças. Senti-me infeliz com a ideia de talvez ter de reproduzir uma
montanha de madeira compensada e um vilarejo pedregoso de blocos de iso-
por. Parecia tudo errado. Hesitante, perguntei se não seria possível procurar um
espaço alternativo; algum lugar que pudesse conter todos os espaços necessários
se m uma construção cênica grande e onerosa. A ópera em si, com seus quinze
cantores principais, um coro imenso, orquestra e figurinos, é um grande em-
preendimento financeiro. No dia seguinte, saímos para procurar possíveis lo-
cais, mas sem muito sucesso, pois muitos elementos tinham de ser aprovados
antes de descartar o espaço do teatro. Finalmente, no final de um dia longo
e cansativo, atravessamos as an tigas portas da Ep tap irgio, cidadela bizantina
do século XI, com vista para toda a cidade e o oceano. Até 1986, essa cidadela
fora a prisão da cidade e, recentemente, foi declarada patrimônio mundial da
humanidade pela Unesco. Aquele era um local que poderia representar a ópera
sem de fato reproduzi-Ia, e que reAetiria a realidade dos personagens e da obra
de 1 [íkos Kazantzákis. Era um lugar acidentado, desolado e abandonado, mas
os muros internos saindo da torre central apresentavam todas as possibilidades

53
que precisávamos. Independentemente das conotações históricas e políticas, a
geometria do espaço tinha toda s as condições prévias para a encenação daquela
ópera polêmica. O espaço equivalia a um triângulo equilátero tridimensional em
sua base . Dois lados do triângulo eram muros altos que se encontravam no centro
e, em seguida, encaravam-se como dois braços estendidos. Todas as dimensões
eram praticamente acessívei s aos intérpretes.

Avaliamos que a adição de uma modesta escada e de duas pequenas paredes à


arquitetura existente permitiria a entrada dos intérpretes em cena. Seriam cons-
truídas de forma tridimensional , para combinar com a pedra bizantina reciclada
com cola e os muros revestidos de mármore. Percebi que , se posicionássemos
uma cena em um ângulo de 90 graus em relação aos muros, a ação se projetaria
em uma diagonal poderosa, impelindo o intérprete a uma posição dinâmica em
relação aos espectadores, que poderiam se sentar em um auditório do tipo está-
dio (F igur a 1.6), construído sobre os muros antigos do pátio, mas sem tocá-los. O
plano arquitetônico de iluminação - não teatral - concebido pelo artista holan-
dês Henk van der Ceest, envolvido no projeto desde o início, refletiu perfeita-
mente a fluência musical, isolando, mediante luzes controladas, algumas seções
do edifício e levando a atenção dos espectadores para um dos lados, enquanto
alguma outra coisa, no outro lado, estava sendo preparada para o próximo mo-
mento da história.

A flexibilidade é fundamental para a criação de uma obra no espaço encontrado.


Nada é uma certeza; tudo tem de ser inventado. Embora o espaço cênico possa
ser um lugar real, não é mais real como ambiente cênico do que o tule tradicional
ou a casa teatral de madeira compensada. Os antigos muros bizantinos de pedra
NÃO são uma montanha nem são as ex-celas de uma prisão, com suas portas e
a pintura azul descascada; eles são um vilarejo. TO entanto, de certo modo, a
autenticidade do mundo que os intérpretes criaram sem realmente ter de ver uma
representação dele é verossímil. Acreditamos porque suas ações nos dizem que é
assim. Quando o padre corpulento, vestido com resplendor, emergia grandiosa-
mente de uma passagem escura iluminada com velas, sabíamos que uma igreja
dourada devia estar no interior. Quando o dono do café emergia piscando os
olhos ante à luz do dia e carregando uma bandeja com pão e azeitonas, os espec-
tadores imediatamente imaginavam o mundo masculino, escuro e esfumaçado
de seu café , um mundo onde todos os homens do vilarejo se reuniam .

54
Era certo resistir à escolha fácil de montar
essa ópera no conforto técnico e material do
Teatro Nacional , como fora sugerido inicial-
mente. Ao considerar como se criar um con-
texto para essa ópera, que refletiria a realidade
dos personagens de Níkos Kazantzákis - bem
conhecidos dos espectadores devido ao livro,
ao filme e a uma série televisiva -, a escolha
era realizar uma reprodução cênica artificial
das construções de pedra e de uma montanha
ou achar um local que pudesse representar a
realidade sem realmente reproduzi-Ia . Os es-
c. 'r 4' Jfo:"

l'
A
pectadores não tinham id éia de que as pou- '1' " " ..,.. • • I"~

cas interferências não faziam parte da estru-


tura permanente, e se admiraram diante de
como o local funcionou perfeitamente para a
ópera. 1<= salutar se lembrar de ser flexível na
abordagem, pois a única coisa que importa é
criar uma obra que seja inesquecível para os
espectadores, que torne a jornada deles com-
pensadora. Além disso, aquela fortaleza antiga
possui diversos usos; isso continuará depois de
nossa partida. Somos apenas transformadores
temporários do espaço, pois a fluência de sua lO

arquitetura permite funções distintas para se- 1

guir sua forma, e é esse seu poder de sedução.


É uma concha, uma carapaça, uma arena de
luta romana.

Pragmática
Depois de criar uma ópera de grande escala ao
ar livre, na Grécia, fui convidada a apresentar
uma propos ta para um festival concebido para
marcar o 50° aniver sário da morte de Bohu slav
Martin ú. Procurei uma peça de pequena 1.6 - O espaço cê nico de The Greek Passíon

55
escala, uma ópera de câmara cômica, que poderia ser montada em uma sala ou
um recinto com capacidade para cerca de duzentos espectadores. Descobri a
ópera televisionada O casamento, composta quando Martin ú estava no exílio, em
1 ova York, em 1953, baseada na peça homônima de 1 ikolai Cógol (18°9-1852).

Parecia que, da forma como Martin ú a tinha composto, a obra jamais havia sido
encenada teatralmente em inglês . Ela parecia a escolha perfeita, sobretudo quan-
do percebi que poderia ser facilmente atualizada sem perder o realismo gogoliano
que revolucionou o teatro russo. Um dos desafios do projeto era encontrar uma
sala em que dezessete músicos de uma pequena orquestra e o maestro pudessem
ser parte da ação e não ficar escondidos em um fosso de orquestra . Comecei a
procurar um espaço que apresentasse possibilidades, e me apaixonei de imediato
por um maravilhoso salão na parte superior de um antigo prédio escolar, em um
ex-distrito industrial de Pittsburgh, nos Estados Unidos. Tinha janelas ao longo
do comprimento de cada parede e, no centro da parede posterior, uma grande
arcada dava acesso a dois recintos menores em cada lado de um pequeno corre-
dor. À primeira vista, era perfeito. Então, comecei a perceber que, para a peça
que planejava criar, a simetria total do espaço imporia a forma da encenação.
Além disso, descobri que as altas paredes paralelas vazias criavam um enorme
eco, e que as linhas regulares das janelas, percorrendo o comprimento do espaço,
precisariam ser escurecidas. Assim, apesar de ser sedutor e atraente, tive de reco-
nhecer que, em vez de gastar tempo e dinheiro ocultando o que havia ali, talvez
fosse melhor achar um lugar menos atraente e que servisse mais adequadamente
ao propósito. Então foi proposto o antigo edifício de uma fábrica, em processo de
conversão para espaço cênico. O local tinha a forma de um retângulo alongado,
sendo que as paredes laterais possuíam comprimento três vezes maior que o das
paredes das extremidades. O espaço logo sugeriu que a ação, situada em duas
casas diferentes de Iova York, poderia ser posicionada em tomo do perímetro do
local. Dessa maneira, não haveria mudanças de cena, mas os espectadores teriam
de ter condições de olhar primeiro para uma direção, durante um curto primeiro
ato, e, depois, para a direção oposta, para os segundo e terceiro atos . Imaginei
o maestro como o regente, ou seja, o mestre dos eventos, que controlaria tanto
os intérpretes como os espectadores, e se tomaria um personagem da ópera. Os
requisitos musicais impõem que os cantores e os músicos sempre tenham de ser
capazes de vê-lo, mas, ao mesmo tempo, nesse espaço compartilhado, a acústica
para os espectadores teria de ser tolerável, mesmo quando muito próximos da
orquestra. A princípio, esses dois imperativos pareciam ser totalmente contradi-
tórios, mas era desafiador achar uma solução elegante e matemática. Uma sala
vaz ia - e nada teatral - estava espe rando para ser anima da por um grupo de cria-
dores teatrais. Uma série de locais de vinhetas, em torno do per íme tro do espa-
ço cênico, poder ia espe lha r visua lmente o mu ndo lou co e estranho de Niko lai
Cógol. A pr imeira tarefa envolveu a e laboração de um co n junto de nove figur as
em esca las tridimensionais que não tombassem e a orq uest ra, com 17 figuras com
os maiores instru me ntos, de modo qu e o espaço real qu e esses ele me ntos ind is-
pensáveis ocupariam pudesse ser visto. O piso e as par edes da ma que te eram de
placas de espuma pre ta, sendo os qu adrados mét ricos marcados na superfície com
uma lâmina de bisturi . Tod as as obstruções - saídas de incêndi o, entrada do pú-
blico, galeria de iluminação, pilares - foram adicionadas e, aos poucos, o espaço
util izável foi defin ido. Era me nos espaço do qu e o previsto e, cer ta mente, foi um
desa fio acomoda r du zentos espec tado res, incluindo acesso para cadei ras de rodas.
Não havia outra solução, exceto escu tar incessantemen te a música de Martin ú
en quan to exec utávamos, em esca la, o mob ili ário necess ário para cada local. Não
houve nen hu ma decoração, nenh uma ideia extravaga nte, ape nas esco lhas preci-
sas de tamanho e qua lidade dos ob jetos selecionados . O local começava, cada vez
mais, a se asseme lha r a um salão mozarti ano , até qu e o probl em a ficou evide nte.
Um ou outro elemento tinha de ser ergui do . Os in térpretes deviam atuar em um
pe ríme tro erguido ou os espec tado res teriam de se sen tar sobre um a arqui banca-
da, a fim de que as linhas de visão funcio nasse m. A liberd ad e dos int érpretes de
utilizar o espaço tinha prioridad e, e a plat éia en tão foi erguida, a inda que provida
de um sistema móvel de assentos. A produ ção é plan ejada para ser aprese n tada
em espaços distintos, em bora preservando o eq uilíbrio del icado entre orquestra,
inté rprete e espectador.

Habitando o espaço
O Teatr Wsp ólczesny, em Bresl ávia, na Polônia, impôs um desafio bastante dife-
rente. Situado em uma antiga cidade na fronteira entre a Polônia e a Alemanha,
o teatro, por meio de sua excelente diretora Krystyna Meissner, tinha uma repu-
tação de inovação e experimentação em virtude tanto da escolha do repertório
como das encenações. A salle principal é um auditório alongado com um palco
no nível do chão, na extremidade do espaço. Duas entradas em cada lado do
conjunto de assentos, no centro do espaço, são compartilhadas pelos atores e
pelos espectadores, com entradas adicionais para atores no fundo da área cênica.
Helena Kaut-Howson, diretora teatral anglo-polonesa, propusera a montagem da

57
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1.7 - Desenhos para VicIo')', de Howard Barker

peça VictoT)', de Howard Barker, poeta, dramaturgo e pintor britânico, para a qual
eu seria a cenógrafa. A peça começa com uma curta cena de violência em um
campo de urtigas e cardos com espinhos. Um oficial do exército ordena que os
soldados escavem o solo implacável em busca de um corpo. Que imagem! Que
linguagem descreveria a ação, e como eles poderiam fingir que estavam esca-
vando? Decidimos que a peça tinha de ser interpretada com verdade e realidade
- e não com naturalismo cênico -, e que todos os espectadores deviam ficar o
mais próximo possível da ação, "como pessoas que testemunham um acidente de
trânsito'" . A única solução seria considerar todo o recinto como espaço de traba-
lho e deslocar o palco para o centro, movendo a plateia para um novo conjunto
de assentos na antiga área cênica, criando, assim, um pequeno palco transversal
(plateia em dois lados em relação ao palco), onde construímos um buraco fundo
e o enchemos com terra (Figura 1.7). As paredes do teatro, incluindo as entradas
normais dos espectadores, foram texturizadas e areadas, como paredes abstratas
em desintegração, ou seja, era uma metáfora das monarquias inglesa e polonesa;
e um chuveiro em forma de barra foi instalado acima, primeiro, para dar opor-
tunidade ao mau tempo e aos relâmpagos e, depois , para impedir a subida de
poeira, o que afetaria as vozes dos intérpretes. J esse momento, eu peguei minha
familiariedade com aquele espaço e fiz uma maquete em escala. osso teste foi

5 Come n tário feito pela diretora Helen a Kaut-Howson durante o pro cesso de trabalh o.
então ler cada cena cuidadosamente, inserir as primeiras imagens que eu fizera
a partir do texto e adicionar apenas o que era mais necessário para esclarecer a
cena. Por meio desse processo, o texto e a visão se tornaram únicos, e os atores
puderam assumir e habitar o espaço com ousadia e perigo.

Criando O espaço
Simples nem sempre significa pequeno, e o espaço nem sempre é sólido e tan-
gível. As vezes, o espaço precisa ser inventado a fim de contar a história. sin-
tetizando a cenografia e a direção em uma criação original. Rudyard Kipling
(186 5-19 36), poeta e esc ritor do séc ulo XIX, ficou tão comovido com sua visita ü
minúscula capela de Saint Wilfred, do século XI, que escreveu o poema" Eddi
of Manhood End", contando como o padre Eddi veio ensinar os bárbaros anglo-
-saxões de Sussex a pescar e a receber o cristia nismo . Isso se tornou o tema para
um novo projeto, planejado para seguir os princípios olímpicos. utilizando mú-
sica e canto, a fim de contar às pessoas uma história sobre onde elas viviam .
Procurei muitos lugares, mas ne nhum pareceu adequado. Em um be lo dia en-
solarado, sentei-me em um cemitério e desenhei a capela, Percebi, conforme
meu pincel desenhava a forma, que a capela era muito parecida com uma tenda.
e que estas possuem associações antigas envolvendo canções e música. "Quão
belas são as suas tendas, ó Jacó, e as suas moradas. ó Israel!" (Velho Testamento ,
1 . úmeros, 24=5 )' Um evento em uma tenda! i lenhuma necessidade de achar
um espaço, sim ples mente achar o lugar e conseguir satisfazer as normas (Figura
1.8). Naturalmente. os espaços devem ser econ ôm icos e seguros para o público:
devem ter acesso, segurança, geradores. banheiros e tudo aquilo que é exigido
para se obter alvará ele funciona mento . Os circos fazem isso o tempo todo, assim
como os concertos de rock, os casamentos e os eve ntos corporativos. E assim co-
meça a grande aventura. Não um trabalho em um site specihc , mas a criação de
um espaço específico para um even to em um loca l que será jubi loso e musical e
deixará um legado na memória co letiva,

59
1.8 - Eddi o(J'>1anhood End: plan o ge ral esque má tico e descritivo do evento em uma tenda

60
TEXTO

A HISTÓRIA OCU LTA

A lingu agem é fund am ental para o teatro , e me u compromisso sem pre foi o de
usa r a ce nog rafia para realçar e revelar o texto e a história por trás dele. Se a disposi-
ção (ou layout) do espaço cênico for bela e eloque nte, a plateia conseg u irá escuta r
me lho r a peça. A apresentação do tem a clássico ou mod ern o, de maneira sim ples
e verdade ira, o deixa vivo e pul sante, dá validade ao espaço cê nico e envolve o
públi co. Um espectado r deve sair do teatro tocado e im pressiona do pela qualid ad e
da peça, e não sim plesme nte se lembrando das atuaç ões indi vidu ais, dos efeitos
cênicos ou da produção, qu e são meramente partes do evento totai.

Há uma suposição de qu e a narrativa incorporada nas palavras é limitadora e an ti-


quada , e há u m mal-entendido de qu e peças qu e utili zam palavras são sinô nimos
de um teatro que há muito tempo deixou de ser relevant e para a vida contem po râ-
nea . Esse argumento é falso e supé rfluo. Os roteiros de peças, as sino pses, os libr e-
tos, as coreografias e os tem as visua is cr iados por artistas físicos e de performance
têm, igua lmente, lugar no palco e se int egram cada vez mais. A exploração da
força física do ator no espaço pod e iluminar o texto, principalm ente se os atores
se sen tem co nfiantes de serem os princip ais narradores. As habilidad es físicas são
tão fundamentais para os atores do teatro baseado em texto co mo em qu alqu er
outra forma. O s exper ime ntos de Grotowski, Tade usz Kant or e [acqu es Lecoq não
negam o texto e a fala; em vez disso, trazem a noção de int egração do texto e da
visão na utilização do físico do ator.

Trabalha r a partir de um texto existente é meu ponto de partid a, minha inspiração


para encontrar a soluç ão visua l da peça. Conside ro-me um a detetive visua l em
busca de indícios qu e, quando reunidos e em seu devido tempo, darão um a solu-
ção surp reende nte para todo o mistério de como montar a peça. Na maioria dos
casos, o texto realme nte oferece todas as informações necessárias, mas é difícil de
confia r. É espec ialme nte difícil iniciar o trabalh o como se fôssemos um a página
em branco, sem deixar qu e ideias precon cebidas se inte rpo n ha m. A ma ne ira co-
rajosa de se chega r ao texto é sem ter qu alquer ide ia, permitind o qu e as palavras
cantem e fale m por si m esm as em relação à vida. O texto é territóri o in explorad o
e qu e ainda está para ser m ap eaelo. É produtivo lê-lo dive rsas vez es; ca da vez co m
um ob jetivo distinto em m ente. E m pr im eiro lu gar, ao se isolar tod as as referên cias
geográ ficas e c riar um mapa im ag iná rio ela paisagem ela peça, visua liza-se o mundo
qu e o au tor pen sou , me sm o se isso não for realment e visto n o palc o (F igura 2. 1). A
par tir desse m ap a, os atores pod em ima gin ar de onde eles vieram e para o nele estão
indo, com u m senso ele lógica e prop ósito. A prim eira leitura deve sim ples me nte
ap resen ta r a hi stória e os person agens que a co n ta m. Nessas leituras cu ida dosas
elo texto, clássico ou n ovo, para teatro s co m pro scên io o u espaços abe rtos, esc uto
o som das palavras, a musicalidade elo texto, o timbre e a textura ela fala, tentan do
decielir soz in ha o qu e torna aquela peça diferente de qua lque r ou tra; por exe m plo,
a difere nça de som en tre uma peça de Ibsen e u m a de Beck ett. Essa per cep ção
do som é m u ito próxim a da per cep ção da co r; dep ois, qua ndo se está co m po n do
as im agens, isso levará à esco lha de uma esca la de cores pr incip al ou sec u ndária
qu e reflita a m úsica das palavras. Tam bé m esc u tarei a urgência elas palavras e elo
m at eri al qu e está sendo dito e identificarei a grande e1iferen ça en tre textos qu e são
inteir amente dit os pelos atores, em seu mu nd o criado no palc o, e textos qu e falam
diret amente ao públi co, co mo se estivessem co nta ndo para eles n otí cias import an-
tes que aca baram de aco ntecer e devem ser tran sm itid as.

Entendendo a peça
Le r uma peça IlllI1Ca é fácil. A m ente tem o hábito importuno de sub ita me n te
pe nsar a respeit o ela co m pra sema na l e do qu e prep arar para o jantar. As pessoas
não se sen ta m com frequên cia para ler uma boa peça, co mo o fazem com um ro-
m an ce . Alguns ce nógrafos dirão qu e não pr ecisam fazer nad a m ais do qu e passa r
os olhos pe lo texto, no ta ndo sim ples me n te a mudan ça de arn b ientações de ca da
ce na, e de ixan do o resto para o dir etor esmi uçar. Com o intuito de co n tribu ir para
uma produção a par tir de uma posição relevan te, o ce nógrafo precisa esta r fami -
lia rizad o com o texto, co mo qu alquer um dos atores e o diret or : u m a estratégia
pessoal qu e o torna senhor do texto e transfor m a o qu e, às vezes, seria u m exercí-
cio desen corajad or em uma jorn ad a prazero sa de descob e rta, e m uma plat aforma
de lan çam ent o in spirad ora para a visão da peça . Acho muito útil ler a peça em
voz alta co m u m gru po de pessoas ou só co m o diretor , disputando um jogo co m

62
regras mui to estritas. Uma delas é a de que nin guém deve deixar passar nada
que não entenda, indep endent emente do tempo necessário para a descob erta do
significado. Todos podem int erromper e qu estionar o leitor com perguntas como:
"O que o texto ten tou dizer ali?" Após algumas falas (especialmente na leitura de
Sha kespea re), algué m do gru po de leitura deve resumir co m suas próprias palavras
o que aco ntece u, e o restant e das pessoas deve co ncorda r. Dessa decomposição
do texto em peq uenas unidad es compreensíve is, os pon tos da trama que movem a
história se torn am visíveis e podem ser orde nados em um a lista de em que - sen-
tenças curtas em que uma pessoa fa z algo para alguém, resultando em uma ação.
Não se pe rmi te mais do que um m ínim o absoluto de palavras, e elas devem ser
ativas e precisas . Esse tipo de leitura intensa cria o esque leto da peça, que será
preenchido e vestido. Esses em que se torn am os títulos dos primeiros desenhos das
imagens da peça, e criam um storyboard visual descrevendo a ação e o desenvol-
vimen to da trama. os desenh os, é absolutame nte necessário incluir o número
certo de pessoas que aparecem naque le momento cênico, pois isso dá a forma da
cena e indica o espaço necessário. Esses desenhos não devem ser co nsidera dos
co mo projetos. Nesse mom ento, são apenas um a sequê ncia de ano tações dese-
nhadas de maneira rápid a e fluente, não concebidas co mo obras de arte, mas que
sim plesmente ut ilizam desenhos como um a linguagem de comunicação.

Vísualízando O drama
A próxima parte do processo de tran sformação do texto em um ce ná rio visual é a
criação de um qua dro sobre a form a geral da peça em um a única folh a. Comece
com uma co luna do lado esquerdo do pap el, registrando os nomes e detalh es
breves de todos os personagen s, e, em segu ida, registre as ce nas na parte supe rior,
com inform ações suc intas: números das páginas, hor ário do dia, locais etc. Então,
crie uma tabe la a ser preench ida com informações extras, registrand o mob iliário,
objetos cênicos ou efeitos especia is. O ob jetivo é ser capaz de visua lizar, a partir
desse quadro, a form a completa da peça. Gos to de dar a esses quadro s um a apa-
rência tanto decorativa co mo fun cional, e, assim, quand o os locais se rep etem ,
como em Shakes peare, uso um código de cores. En tão, volto a ler a peça, lent a
e cuidadosamente, marcand o em um quadro apro priado a prim eira aparição de
cada person agem na ce na, co m um a observação a respeito da necessidad e ou
não de mu dança de figuri no. O result ad o final é um a planilha desenhada a mão.
j aturaI mente, ela pode ser feita de modo mais rápid o em um co mp utador, mas
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isso é m ais do qu e uma lista eficiente, pois, qu ando a mão registra o que os olhos
veem , o trabalh o fica indel evelm ente m em orizad o. Nessa planilha, linha após
linh a, pod emos observar a jorn ada de cada person agem através das ce nas da peça,
e, nas co lunas, podem os ver qu antas pessoas estão em cada um a das ce nas, com
os requi sitos básicos dos eleme ntos cê nicos, o mobili ário e os objetos cê nicos.
Volt and o a ler na ho rizontal, pod emos observar onde ocorrem as possibil idad es
de dupli ca ções, o tempo entre as ce nas para os personagen s saírem e entrarem e
o tempo para reali zar as mudanças de figurinos.

Voltando a ler na verti cal, pod emos observar o tamanho e a forma das ce nas, e
qu ais delas pre cisarão estar preparada s antes do iní cio da peça. Essa tabela tam-
bém revela onde possíveis int errupções e int ervalos pod em ser inserido s, co m o na
primeira parte de Henrique IV , de Shak espear e, A ce na na tab ern a da "Cabeça
do Javali " (ato Il, ce na 4) é a mai or e mais com plexa da primeira metade dessa
peça, exigindo saídas para outros recintos e locai s de esco nde rijo. Era preciso
qu e ela apa reces se rapid am ente após a pequ en a ce na, em North um be rland, com
Hotspur e Lady Percy, e seu peso, textur a e pot en cial cô mic o suge rem imediata-
m ente a co locação de um int ervalo logo após essa ce na 3. Juntando a quantidade
de persona gen s nas cen as e os requi sitos da enc enaçã o, é fácil perceb er qu ais são
as ce nas-chave de um a peça. Nem sem pre são a prim eira e a últ im a. O quadro
revela onde os probl em as técni cos estão prop en sos a ocorrer e, a pa rtir dessa in-
formação , a produção pod e ser orçada de mo do realista, com base nas de ma ndas
do texto e dos requi sitos da en cenação.

Povoando a peça
Registrar todo s os person agen s no quadro co ncede outra oportunida de para o
estudo do texto. Da lista de em que, os pontos-ch ave da trama ago ra pode m ser
aloca dos às ce nas, prontos para ser desenh ado s em relação ao espaç o cê nico. Em
prim eiro lu gar, porém, é preciso qu e eu con heç a os persona gens da pe ça tão
intimam ente com o se fossem meu s am igos, pois vou viver com aquelas pessoas
por, no mínimo, algu ns m eses. Sempre qu e começo um no vo trabalho, tenho de
com prar um cad erno de desenhos ou de anotaç ões no vo e especial, que pareça
harrnonicamente com o proj eto. Isso é muito importante. Volto à peça outra vez;
agora, segu indo cada per sona gem através da açã o, anotando tudo o qu e diz de si
m esmo , tud o qu e qu alqu er outro persona gem diz ou m en ciona a respeito dele.

66
Esto u con struindo uma fotomontagem de cada persona gem: como ele se enxer-
ga e co mo os outros o enxe rgam, ano ta ndo a indicaçã o de esta tura, a aparênc ia
física, a classe e a posição social. Então, esc revo um monólogo breve, como se eu
fosse aquele persona gem escrevendo meu pró pr io diário, registrando a visão que
tenh o ace rca dos meu s relacion am entos e de min ha s situações dramáti cas, como
se desenvolvem de ce na a ce na. Retiro do texto inform ações qu e pod em me levar
a imagina r a vida do person agem antes de a peça co meçar, bem co rno sobre o
qu e aco ntece a ele posteriormente, selec iona ndo indícios qu e são dado s, às vezes,
ape nas por comentários casuai s feitos por ou tros personagens . É o tipo de trabalh o
que os atores norm alm ente fazem . A reda ção desse diário imagin ário me mo stra a
ascensão e a qu eda dos person agen s ao longo da peça , e, muitas vezes, fica claro
que algumas cenas giram em torn o de um person agem apa renteme nte sec undá-
rio, mas qu e, depoi s, se torna pivô de um a ce na posteri or. Depois de ter feito isso,
tenh o todas as informações necessárias para realizar um desenho sim ples e claro
do personagem, qu e é o in ício do projeto de um figurin o.

o roteiro cenogr áiico


A par te fina l dessa prep aração do texto é voltar aos em que, sem pre lembrand o
que ela nada mais é do qu e um meio para um fim e não um fim em si mesmo.
M unida com todo o con hec ime n to registrado, começo a desenhar ima gen s qu e
se relac iona m com mom ento s espec íficos do texto. Nesse estágio, não é neces-
sário arru ma r o desenh o das ce nas, pois é import ante esta r bastante livre para
introd uz ir ideias diferentes em cada desenho, a fim de ca ptura r a verd ad e e a
exatidão do mom ento visual, de criar um roteiro ce nográfico. As vezes, divirto-m e
co m as co res ou gosto dc expe rime ntar meios distintos para en contrar a técnica
ma is ade qua da para aqu ela peça. Desen ho com pincel e tint a e utili zo co lagens
ou na nq uim . Todo esse processo, qu e é livre das restrições da produ ção imin ente,
deve ser muito prazeroso e agradá vel, cria do em um espírito de investigação. É
um mom ento de liberdad e total , onde a imaginação pod e vagar, tran scendendo a
lógica e a razão, fazendo as con exões mais maravilhosas entre palavra c visão. Essa
preparação meticul osa para conhecer o texto, como algu ém co nhec e um a car ta
de amor, também dá aos atores co n fiança para co nve rsar com o ce nóg rafo, qu e se
torna ca paz de falar com aut oridade a todos os co laboradores da equi pe. No en-
tant o, durant e o pro cesso de ensaios, surpree ndo-me com qua nta coisa omiti ou
não entendi, conform e as ce nas evolue m e ma is descobertas são reali zada s todos
os dias. Esse é o estágio em qu e a criatividade e a visão do ce nóg rafo estão mais
fortes. Nesse processo, o padrão visua l da peça se revela e co meça a ser moldado
até parecer adequado e, mais à frente, co mo se decifrasse um código, ele será
levado à ce na de modo perfeito .

H ist ôrias ocultas


Perto do fim de sua vida, Pablo Picasso conclu iu um a série de pequenas litografias
nas quais trabalh ara constanteme nte, baseada na primeira peça clássica espa nho-
la, La Celestina, ou Tragicomedia de Calisto )' Melibea, de Ferna ndo de Ro jas,
escrita em 1492. Inicialm ente, a peça foi escrita para ser lida em torn o de um a
m esa durante nove hor as e só foi tradu zida para o inglês em 1631 . Até a prim eira
edição impressa em espa nhol, em 15 0 0, o nom e do autor permaneceu desconhe-
cido. Seu nom e estava oc ulto em um poem a ac róstico, de nom ina do Prólogo, no
qu al as prim eiras letras de cada verso, qu and o lidas no sentido descen dent e da
págin a, diziam Fernando de Rejas. Esse grande rom an ce falado é escrito em um a
forma dram ática serena, sim ples e elega nte. Não há nenhuma descri ção do local ,
e tudo é deduzido a partir dos diálogos e das situações em qu e os person agens se
encontram . As cenas se suce de m rapidame nte, e qu alqu er encenação que con -
temple alguns minutos de mud an ça entre elas, mesmo qu e mu sicada, está atuan -
do contra o fluxo contínuo da história . Por ca usa de sua extensão, a maioria das
produ ções opta por seleciona r trecho s qu e só conseg ue m ilustrar alguns aspec tos
dessa den sa obra dram ática. Se o ce nóg rafo for um de tetive semp re alerta, ou tra
h istória - aque la por trás do texto - começará a eme rgir. A peça propõe mais per-
guntas do qu e respostas, e essas qu estões irresolvidas pesam no ar enquanto, um
por um , os per sona gen s suc um bem a mort es prem aturas. O contexto em qu e esse
megadram a foi escrito, aparenteme nte em um período febril de du as sema nas,
envolveu a Inqui sição espanho la e todas as suas leis repressivas, expu lsões e cen -
sura. La Celestina é um retrato eloque nte da sobrevivência de um a diversificada
sociedade espanho la diant e da adversidade. Uma sociedade qu e tinh a muito a
tem er e muito a esconde r. C riados calculistas, aristoc ratas espoliados, comercian-
tes dissimulados, prostitut as, jude us e mour os habitam essa imensa tela, retrat an-
do um a existênc ia frágil na qual nin guém merece co nfiança. Ca da person agem ,
para co nseg uir algum dinheiro , dep end e da exploração de seus conc idadãos; e
qu em pod e ser respon sabilizado quando as divisões extremas entre ricos e pobres
deixam as pessoas brigando como formigas em um formi gu eiro? A prot agoni sta,

68
La Celestina, é um a mercen ária qu e apro veita as oportunidades em seu ben efício
com expe riente astúcia. Su a lin gua gem é repleta de alu sões a existênc ias prévias,
pois ela é mes tre no disfarce e pod e se tran sformar naquil o qu e co nvé m ao seu ob-
jetivo. La Celestina ut iliza palavras m ágicas, dem ônio s e práticas religiosas miste-
riosas mistur ados com um a fala co tidiana grosseira, contendo diversas referências
às roupas qu e adquiriu. Ca listo, o ama nte espa nho l, declama poesia refin ada de
tradição medieval, mas seus cr iados e suas prostitutas, em contraste, usam frases
curtas e sim ples, e não falam mais palavras do que precisam para deixar seus ob-
jetivos bastant e claros nas cenas. A economia de lin gua gem , em qu e lacunas são
deixa das en tre sentenças para a plateia pre en cher por dedução, precisa esta r refle-
tida no palco. Não é preciso tentar co nstru ir a cidade, ou as casas em que os perso-
nagens moram , mas é fund am ental deixar espaços para qu e aque les person agens
exube rantes assuma m o co ma ndo. Em geral, as ce nas indi cam acontecime ntos
simu ltâneos em dois lugares distintos: nos int eri ores e nos exte riores. As palavras
devem ser co nfiáveis para dar a local ização; a e nce nação deve ser simp les, fluida e
espaçosa para permitir qu e o público imag ine recintos, ruas, jardins e igrejas, sem
nenhuma mudan ça cê nica. Para isso, o ce nóg rafo deve conhecer o texto a fund o
e ser capaz de dirigir visua lmente a ce na, trabalh and o de modo plástico e sensível
com os atores, crian do peque nos mom entos visua is int erl igad os qu e cons trui rão o
mundo vertiginoso de tragédia e hum or irôni co, amargo e negro .

Indícios visuais
o dramaturgo irland ês Sean O'Casey, mais de quinh entos anos dep ois, foi tam-
bém um observador irôni co da vida human a. Ele é afam ad o por Th e Dublin
Trilogy, três peças muito ence na das, qu e descrevem a vida em Dublin no iní cio
do séc ulo XX. A observação muito sing ular de O 'Ca sey a respeito da humanidade
torna realidade os even tos estran hos do cotidia no . "Caminhe em qu alqu er lugar,
qualqu er dia, mant enha seus olhos abe rtos e seus ouvidos atentos, e você verá
fant asia em qualquer lugar." Por meio de risos e lágrimas , ele procurava coloca r o
mundo sobre o palco e, para isso, ligava tod as as artes por meio do dram a. Dança,
música, canto, pin tur a, retr atos e pessoas mold am a arquitetura de suas peças.
Acima de tud o, ele qu er ia co m bina r a razão com a imagin ação no palco. \Vith in
tlie C ates, peça esc rita em 1933 e nunca totalm ente encenada, desenrola-se em
um pa rque londrin o. As rubri cas especi ficam sim plesme nte sons de pássaros,
bancos de pa rque [ormaliza dos e grandes narcisos [onnalizados. A ce na é descrita
2.2 - Detalhe do desenho para Behind lhe Creen Curtain«

inteiramente em termos de espaço e cor, e o período de tempo abarca as estações


do ano, da primavera até o outono, passand o pe lo verão . Na glória do verão , um
coro de excluídos atravessa o palco cantando, como uma premonição de forças
da morte. Sua outra peça, Behínd the Creen Curtains (que só foi totalmente en-
cenada em 1995, em Derry, na Irlan da do Norte ), leva esse interesse ainda ma is
longe, uti lizando as metáforas visual e verba l no texto. Embora existam descrições
cênicas detalhadas, elas se referem às cores simbólicas verde, branco e amarelo, e
O'Casey sugere que o palco deve "assumir de certa forma a aparência de um esbo-
ço ... como se visto através da névoa da manhã ou do ano itecer". As co rtinas verdes
do títu lo, que ocultam e dividem, correspondern à hipocrisia e à pretensiosidade
irlandesa que O 'Casey observa e ataca com benevolência na peça. "Abelh udos e
intrometidos. A Irlanda est á cheia de espreitadorcs que olham de soslaio!", diz o
senador Chatastray, enquanto se esconde em uma sala adjacente com seus cole-
gas para ouvir secretamente as afirmações empoladas de um jornalista convidado
(Figura 2.2). Essa frase pode ser considerada como um indício visual. Para deixar
isso claro e expor o humor, o jorna lista na sala e o grupo escutando do lado
de fora, atrás da porta, tinham de ser visíveis para o público. A casa do senador
Chatastray, a maior da cidade, transmitia essa id éia contrastando casas e árvores
de tamanho reduzido sobre o piso do palco com portas e janelas exageradas e
autossuficientes, situadas sobre uma superfície bem inclinada. Todas as portas,
janelas e mobiliário eram verdadeiramente realistas no palco, ma s a combinação
de distintas escalas e cores fortes reAetiu a visão de vida de O 'Casey como uma
mistura de realidade e fantasia.
Ne m tod os os textos planej am se r representados ao longo das ge raç ões. Nas obras
em síte epecitic, as produções visam expressa r um ponto de vista e falam m ais a
respeit o de uma situaçã o do qu e de psicologia. A própria esca la do eve n to impõe
uma forma expos itiva teatral pintad a verbal e visua lme n te em largas pincelad as
dramá ticas . Um au tor crian do um texto par a um espaço específico deve ter uma
imaginação visua l e espac ial pa ra escrever ce nas eficazes, e há uma lógica no
fato de o a uto r e o dir et or sere m a m esm a pessoa. Isso dá ao ce nógrafo a rara
oportu n idade de trabalhar dir et am ente n o ponto da c riaç ão e utilizar o espaço
ar qu ite tônico para trat ar a peça co mo uma série de im agen s sobrepos tas, qu e se
funde m organica me n te uma na outra, transmitindo atmosfera , esta do de â nimo
e tam bé m locali zação.

Examine a planta
Por algum tempo, o autor e diretor [ohn M cGrath procurou um espaç o ade quado
para m ontar sua história épica qu e descreve a gue rra entre In glaterr a e Escócia, des-
de 1200 até os dias de hoje. John é sing ular, visto qu e sem pre esc reve co m a visão da
ce na em mente; pensa em cores e ima gen s, e também em diálogos e história. Em
meados da décad a dc 1980, [ohn tentou co nve rter o Tra rn way, a garage m de bond es
vitor iana, para ser sua base, m as foi e m vão. Ele fez, no en tanto, a Câmara Municipal
de Glasgow percebe r qu e dispunha de um bem ca paz de atrair novos públic os. E m
1989, a câ mara foi co nvencida por Pctcr Brook a desembolsar uma qu anti a míni-
ma para restaurar o espaço, permitindo qu e sua co m panh ia ap rese ntasse a peça O
Ma habharata. O edifício era razoavelm ente à prova de int empéri es, ao m en os nas
áreas de púb lico, e um alvará de fu nc iona men to provisório foi co ncedido para a
apresentação . O lvIahabharata atraiu pessoas de todo o Rein o Un ido. Parecia qu e
BorderV/arfare tin ha encontrado seu espaço, e John e e u fom os examinar a planta.
Vimos o Tra rnway algu ns dias depois da desocupação do local pela com pa nh ia de
Brooks e da remoção do co n jun to de assen tos. O espaço estava ilumin ado po r lu zes
de segurança de m ercú rio n o nível do piso, lançando estranhas som bras az uis sobre
as pa redes de tijolos aver me lha dos. Os de tritos do eve n to passado estavam suspensos
no ar. Garrafas de água vazias, restos de ma çãs e pulôve res esquecidos ainda estavam
espalhados pelo c hão. O co mprimento extraor diná rio do espaço era ideal pa ra as
cenas velozes que [oh n já tinha imaginado . Também pudemos perceber a n eces-
sidade dc dispositivos que facilitassem a ação e servissem para os cur tos momentos
fluidos de mudan ça da In glaterr a para a Escócia, e vice-ve rsa.
-.5C OT TI S 11 e7J~

.~

2.3 - Croqui para Border \\'arfare


------ -~.

73
[o hn sa b ia a hi stóri a qu e qu eria co n tar e j,i tinha esc rito gra nde pa rte d o texto.
Per correm os o es paço d o Tr a rn way juntos e co meçamos a im aginar co mo os
e le me n tos e as ce nas pod eri am ser real izad os. Haveri a um co n ju n to versátil
de músic os e um a co m pa n h ia de do ze ato res qu e teri a de representar m ai s de
ce m papéi s. O s figurinos qu e suge ria m o períod o e o ca ráte r d os person agen s,
e qu e pod eriam se r troc ados em pan cas seg u ndos, teriam de se r c riad os. [ohn
escr ever a o último ato co m o uma partida de fut eb ol al egóri ca , co m a Escócia
de um lado e a In glat erra do outro. As duas extre m ida des do es tá d io se ria m uni-
da s por um ca rpe te de gra ma sin té tica, com uma úni ca linha br an ca pintada no
m ei o, c omo e m um ca m po de fut eb o l. Ach ei qu e a Escócia poderia se r verti cal
e cinz a, co ns tru ída de ca ixas de e m ba lage m e m p ilha das apa re n te me n te d e ma -
n e ira prec ária, par a invocar uma se nsação dc sc es ta r n o cas te lo de Ed im burgo;
e m co n tras te, a Inglat erra se ria gra n dc, h ori zontal c feita d e m ad ei ra de lei
polida , par a dar uma se nsação de autoridad e c domíni o . Co m essa muni çã o
cenográ fica, John co n tin u o u a esc reve r de m od o rápido e visua l ( F igur a z.3).
À m edi da qu e a produ çã o avançava , expa n d imos a idei a de e nce nar a pe ça
co m d istin tas co n figurações para cada ce na . Uma se ria e m form a de a re na, e
a o utra teria for ma tra nsve rsa l, qu e se tran sformar ia rapidam ente e m um pa lco
ita lia no m ed iante qu at ro pa lc os m óve is. A pl at e ia seria flex ível e m óvel , e as
cenas se ria m esc ritas pa ra ti ra r o m áxim o da m obilidad e e da m al eabilidad e
d o es paço. As cc nas no Parl am ento escocês, c m 1707, e ra m a prese n tadas e m
um fo rma to de pa lco itali ano , co mo um teatro d entro d e um teat ro , co m os
pouc os ato res representando m embros do parl am ento n o m eio da pl at e ia , qu e
tinh a a int en ção de se r co ns titu ída por co m pa n heiros políti c os. As jornad as
co n tí n uas e nt re a Escócia e a Inglat erra aco n tecia m nos qu atro palcos m óveis,
qu e e ra m sim ples pl at aform as sobre rodas e m pu rra da s pelos c o n tra rreg ras, o u
qu atro im en sos cava le tes c om cabeças dc ca valo reali stas e m pap el m ach ê. O
a to fin al movi a a pla teia par a o comprim ento co m ple to das duas extre m idades
do teat ro , revel ando, pel a p rim eir a vez, a m et áfor a do ca m po de fu te bo l. O
espaço grande se tornava o sina l par a a inven ção do texto . A necess ida de dc
mante r a his tória se move n do através do tempo sign ificava qu e o texto tinh a de
aprese n tar eve n tos. Ele não lid ava e m profu ndidade com os per so nagens, que
só ficavam e m cena te mpo su ficie nte par a ser íco nes de sua situação. Border
\Varfare, conceb ida por um a u tor/dire to r, alca nçou a síntese e n tre tex to e visão
por meio da cenografia, da ilu m inação, da música e do movimento, elementos
que emociona ra m e empolgaram o público, disposto a fica r de pé d urante qua-
tro ho ras todas as n o ites.

74
Dramaturgia cenográiica
Edward Bonel a firm ou qu e o trab alho co m um novo texto impõe uma resp on-
sab ilidade es pec ia l para todos aqueles qu e trabalham n essa prim eira c riação, no
mín im o porque , frequ entem ente, é improvável haver uma seg u n da apresent a-
ção . No cas o de se r a primeira interpret adora do texto , se m p re ach ei qu e e le
d evesse pod er falar por si m esmo co m total cl ar e za , de modo qu e a peça , e não
um co nceito de dir eç ão o u c e nogra fia , se ja, de fato, lembrada . No e n ta n to, o
a u to r deve de ixar es paço para o c en ógrafo realizar uma contribui çã o artísti ca .
Se o ce nóg rafo pud er m anter contato dir eto c o m o autor e se r co nvida do a dar
a lg u ma co n tribu ição na es tru tura dram áti ca d o text o do ponto de vista té cni c o
e estético, eme rgirá uma dramaturgia cenográ fica qu e a po ia o text o desde o se u
p rimeiro es boço.

Essa foi exa ta men te a m an eir a co m qu e o ce nógra fo C as pa r Ne he r trab alhou


com o dr amaturgo Bertol t Bre cht. G ra nde pintor e auto r tal entoso, Ne her, tem-
pos de po is, dirigiu a lgu mas peças. No início do s anos 1920 , o trab alh o co le ti-
vo e c o labo ra tivo es tava na ord em do dia . N eh er tev e c o ns ide ráve l influên cia
lit er á ria e artísti ca e m Óp era dos três vinténs e Ascensc70 e queda da cidade de
Ma hagonny. E le trab alh ou a partir das n ecessid ades do texto , usando os a tores
no espaço par a pintar quadros com pessoas. O s diversos desenh os rápidos qu e
Ne he r fazi a c on tin ua me n te e ra m u sados c o m o parte da evo lução de toda a
produção, orientando Brecht e os atores. Seu estilo pe ssoal e ra sim ples, ec o-
n ômi c o e elega n te, mas tudo e ra esc o lh ido e se lecio nado co m grande c u ida do .
E isso não apenas pa ra sat isfazer se u gos to pessoal, m as para fica r e m sin to nia
com o jeito do texto, d o d iretor e dos a tores; so b re tu do, buscava sin to n ia co m
o pú blico . j le he r traba lhava exc lus iva me n te e m es paç os teatrais tradi cion ais,

explo ra n do repetidas vez es as po ssibilidades tridim ensionai s do es paç o cên ico .


Ele de testava se r rotul ad o co mo Buhnenbildner, o u de corador cênico, e é , e m
retrospecto, o pai do qu e se e n te n de atua lme n te co mo cenogra fia. Ne he r de-
m onstrou qu e o bom trab alho tran scend e facilm ente a su pos ta ba rre ira do ar co
d o prosc éni o. As obras de gra n des diretores ce n óg ra fos e urope us, como Giorgio
Strehler, Lu cian o Darniani . Pet er Stein e Karl- Ernst H errnann , Roger Planch on
e Ez io Frige rio, Ari ane Mn ouchkin e e Cuy-Cla ude Fra nçois, e mu ito s o u tros,
demo nstrara m isso . Eles c ria ra m ce nas de bel eza e o usadia es to ntea ntes, cenas
que lan çar am im edi at a m ente uma no va lu z sob re tex tos muito amados e in tro-
duzi ra m uma nova esc rita.

75
Libertando o texto
Bleus, Blancs, f\ouges (Azuis, brancos, vermelhos), peça históri ca origin al a respe i-
to da Revolu ção Fran cesa, foi inicialm ent e escri ta e dirigida por Roger Plan ch on
em 1967, co m ce nografia de André Acquart, em seu tea tro, o T h éâtre National
Pop ulairc, em Villeur ban nc , na Fra nça, e revisada em 1971. Em 1974, a peça foi
dirigida na Inglaterra por Joh n Burgess (também trad utor do texto) e M ich ael
Sim pson, co m ce nografia ele minha autoria . Teve a parti cul arid ade de ter sido
a úni ca peça ele Plan ch on a ser produ zid a no exte rior por outra co m pan h ia. O
texto é esc rito em estilo narrativ o form al , qu e ignora os azares de um a famí lia
burguesa, os azuis, em relação a um gru po ele aristocratas, os brancos. A história
é interrompi da por m eio de cur tos enunciados declamatórios e canções dos ho-
mens mortos de Paris; os fantasmas dos vermelhos, ou se ja, o povo, evocam como
nas esta mpas popul ares de 1789 os eventos ela Revolu ção Francesa, fami liares ao
públi co m od ern o enquanto história, mas, também , aparenteme nte rem ovidos elo
presen te. A narrativa é am bientada na França provincial, dista nte em tem po e
espaço dos eve ntos revolu cion ários qu e acontecem em Paris. A vida de todos, po-
rém, é profundamente afeta da. Planchon criou uma forma de disc urso altamen te
indivi dual e orig ina l, qu e distin gu ia os três temas. A produção tinh a de ser ca paz
de se mover facilm ente entre esses mundos distint os. O texto era sedutoramen te
fácil ele ler , m as, co mo demonstrou a investigação, sob a su pe rfície, co ntin ha
um a red e co mplexa de ideias, qu e mereceriam valor igual na encenação. M uitas
frases, sobretu do nos textos ca ntados das estampas populares, con tin ha m pa lavras
inventadas , justapos ições estran has de versos, adaptações de carmagnoles ou can-
ções populares francesas em vozes graves e pesarosas. Personal idad es fam osas da
Revolu ção Francesa são retratadas de form a ingênua, co mo nas manifestações de
ru a, por m eio de efígies im en sas.

Essas efígies gigantescas tinh am de ser feitas de ma teriais qu e ecoariam o fantas-


magórico e a tristeza trans m itidos pelo tom do texto . Os sans-cullotes eram gente
do povo cu jas vidas não estavam sob seu co ntrole. As efígies revelavam suas espe-
ranças e seus ideais. Tiv em os de trabalh ar duro para fazer os espec tadores ac redi-
tarem qu e as efígies foram feita s pelos própri os mortos, e nã o por um ce nóg rafo.
Na produção or iginal fran cesa, a Bread and Puppet T hea tre, co m pa n h ia de teatro
de bon ecos nor te-americana, crio u essas imagens usand o vare tas, folhas de pap el
e barbantes. A ide ia era qu e fossem construídas a partir de itens descartados do
co tidia no, elementos que tivessem outrora pertencido aos sans-culoites , mas que
também poderiam ter pert en cid o a um públ ico con tem po râneo. A esc rita narra-
tiva de Plan ch on , qu e se alterna co m as publi cações mai s populares, utili za um a
co ntrasta nte form a de fala deli cad a, aguda e elega nte. O s persona gen s dialogam
entre si em vez de con frontar os espec tado res, co mo fazem os eans-culottes. O tex-
to transmitia um equilíbrio del icado entre dois opos tos, o mundo real e o mun do
subterrâneo. As mudanças de cena eram tão verba is qu ant o visuais, e uma tradu-
ção cenográfica do texto prec isava ser cr iada. As im agen s de licadas e elega ntes das
cenas da narrativa tinha m de co ntrastar radicalm ente co m o jeito murmurado e
áspero dos hom en s mortos de Pari s. O som das palavras era expresso visualm ente
por meio da co r, usando um a paleta vigorosa e exaltada , citada a partir de pinturas
do gênero de David, Greuze, C ha rdin e Delacroix. O s figurinos para as cenas
narrativas eram de seda, fitas e brocados an tigos encontrados em baza res. Em
contraste, os vermelhos, brancos e azu is desbo tados dos trajes dos sans-culoties
eram feitos de m usselina fina e ca licô: as três cores tin gidas eram, em seguida,
branquea das, para dar o vestígio m ínim o da cor. O espaço com partilha do do piso
do palco rep resentava antigas lápid es entalha das espalhadas na am pla frente do
palco, recordat órias da supe rfície de uma praça roma na, na Fran ça. Os últimos
dois terços do palco foram removidos, e um a grande escada ria, abrangendo toda
a largura do palco, foi instalada, descendo até o porão do teatro. Uma imensa tela
de fundo de tul e dupl o, como um a bandeira tricolor descor ada, estava pend urada,
ab rindo-se em for ma de vê, no alto, para deixar a lu z entrar entre as duas ca ma das
de tul e. A listra horizontal verme lha da bandeira descia até o porão e represent ava
a sepu ltura da qua l os hom en s mort os de Paris se levantariam . Entre os degraus
e o piso de concreto havia uma parede de mad eira baixa qu e sub ia e descia entre
cada cena narrativa em um baq ue nau seante, como a ação de um a guilho tina.
Cada cena era an unciada pelos atores, corre ndo e desfrald and o um esta nda rte
que exibia o título e o local da ação. Havia um movim ent o mecânico em rela-
ção às ce nas qu e co rrespo ndia à mudança de humor do texto. Os sans-culoties
mortos saíam da sepu ltura do porão e surg iam no palco para relatar ao públi co,
por me io de canções e imagens de fantoches grotescos, as notí cias urge ntes do
dia: "Senhoras e senhores, a liberdade está à port a!". Uma sans-cu lotte, então,
vira-se tristem ente para o público e tira uma velha folh a de papel rasgada do
bolso na qu al a pergunta está borrada: "Para onde agora?". Ela deixa a folh a cai r
no chão. Trabalh ei diretam ent e no palc o com os atores e as efígies para descobr ir
seus pote ncia is, e co mo eles se moveriam de aco rdo co m a mú sica. Inventam os
instru mentos mus ica is e sons co mo resultado dos mater iais que enco ntramos .
Nossa referência era sem pre : o que o texto está dizendo aqui? Tive mos de ser

77
extre ma me n te rigoro sos, julgando se estáva mos realmente co n ta ndo a h istór ia ou
se estávamos a ponto de se r sed uz idos por nossa pr ópria in ventivid ad c .

o cenógrafo liberta visua lmen te o texto e a h istó ria subjacen te a ele, cr iando um
m undo em quc os ol hos c nxe rgam o que os ouvi dos não escutam. As ressonâncias
do texto são visua liza das por meio de frag mc ntos e memórias que reve rberam no
su bconscie nte dos espectado res , sugerindo palavras e m vez de ilu strá-las. As peças
tran sc endem as fronteira s ge ográ ficas: são aprec iadas e e n te ndidas em se u idioma
o riginal, e m tradu ções, não pert en c em aos pa íses, m as às plat éi as. O cenógrafo
tem uma respon sabilidad e im en sa de traze r visão e vida novas ao texto , para que
o drama seja apreciado co mo uma a rte contemporânea viva c não como uma
exposição de museu .

ESPAÇO DA PALAVRA

Representando a história
Cada fala e nu nc iada co n té m inten ção c ação. O texto dr am ático viaja pelos
co n tine n tes se m n ecessid ad e de pa ssaporte . Não co n hece fron te iras. Ex iste em
diversos idiomas. Pert en ce a todos. Pod c se r um gran de elo en tre pessoas c paí-
ses. Freque n te me n te, é um grande pacificad or , e fala em nom e dos ca lados em
te m pos di fíce is. O s textos são freq uen te men te compos tos como as músicas e as
pintur as, co mo V áclav Havei , dr am aturgo e ex-preside n te da Rep ú blica Tcheca,
descr eve sua esc rita dr am áti ca. Su as obras não contê m só narr ati va , m as ta m bé m
nu an ças e alusões qu e alçam a fala do com u m. H avel é um explo rad or d c n ovo s
territórios voca bu lares, tra zendo de volt a ao se u pr óprio mundo ideias e pen sa-
m en tos novos para co m pa rtilhar co m se us ouv in tes. Suas palavras descr evem tan-
to o espaço co mo a ação. co mo em sua peça Leaving (Pa rtida), e m qu e ele, como
autor/na rra dor, observa qu c os mundos fora dos palcos, além das portas e jane las
qu e ele gosta de u sar , são "cortes tran sversais do espaço e do ternpo'" . Outro via-
jante tch eco, o gravur ista V áclav 1-l 011ar (1607-1677), fez part e dos e m brio ná rios
desenvolvim entos lit erári os c cie n tíficos da época, c m qu c a ilu stra ção e ra indis-

6 V áclav Havel, Leaving. London: Theater 61, 200S. [Leaving , traduzida do tcheco para o
inglês por Paul Wilson, foi produzida pela primei ra vez em inglês no Orange Tree Theatre,
em Lon dres, em setembro de 20 0 S. ]
pen s ável para a difu são ed ito rial da s informaçõ es ac erca do mundo, mediante
m ap as e d ocum entos qu e registravam os eve n tos co n te m po râne os. C om efeito,
H oll ar foi um dramaturgo pioneiro, tran smitindo, por m eio de imagens grá ficas,
e moções fort es e claras quc falavam como palavras. A exec u ção do rei Carlos I,
e m 1649, é desenhada com tantas nuan ças quanto um ele m e nto de um drama
co n te m po râne o , e o antes e o depois pod em se r facilm ente im aginados. O rei
Carlos 11 co ncede u a Hollar o títul o de Scenographicus Regius depois qu e o artista
tch eco registrou a Londres pr é e pós-Grande In cêndio de 1666 (e m bo ra o título
nã o lh e desse segura nça financeira , como ainda é o ca so em rela ção aos pintores
e esc rito res hoje ). O estu do de ssas gravuras, sob retu do a sé rie c on cl u ída durante a
estad ia de Holl ar na Holanda - onde conheceu e trabalhou c om Rembrandt van
Ri jn (1606-1669) -, d á-nos hoje uma no ção real da turbul ência na E ur o pa duran-
te a Guerra do s Trinta Anos, refl etida e m M ãe Coragem , pe ça ép ica de Bertolt
Brecht, esc rita ao longo de 1939.

A aparência das palavras


As palavras individuai s qu e constitu em um texto po ssu em uma forma e um for-
ma to qu e lh es concedem se u ca rá te r e sign ificado. Quando as pal avra s e o texto
se tornam part e de uma im agem visual, sua ap ar ência e design são parte de um
trabalho artístico, e não apcnas a lgo acrescentado descuidadamente com um hí-
pi s. As palavras pr ecisam ser escolhidas com cuidado; às vezes, estão integradas
à imagem , e m outras, apa rece m co m o elemento autônomo da composição. O
impacto delas foi explo rado por diver sos pintores, desde o clássico David , e m sua
famosa pintura Marat assassinado, até o arti sta pop Roy Lichten stein (1923-1977),
qu c utilizou a tipo grafia da s revista s de hi stórias cm quadrinhos para dar voz às
suas imagen s. As palavras também apresentam ritmos, muitas vezes acentuados
pel a rep eti ção e alite ração, co m o na pintura de [o an Mir ó, Pensando a respeito de
Sandy, Sandy, de 1973, onde o desenho e as pal avra s na pintura refletiam-se mu-
tu amente, como parceiros e m um tango, e pareciam estar dançando sobre a tela .
Rivan e euenschwancler, artista pl ástica brasileira, captura palavras e de sejos em
sua exposição interativa apresentada em Pari s, e m 2003, I Wish Your\Vis/I. Ela le-
vou o costu me de se dar nós em fitas multicoloridas do Senhor do Bonfim , confi-
nando os desejo s secre tos das pe ssoa s, para uma im ensa pared e de fita s co loridas,
cad a uma delas com o texto de um des ejo impresso verticalmente . O impacto
e m termos de escala , a ampliação de uma fita normalmente enrolada no pulso, é

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sur p ree nde n te , e, sem in centivo, os visita n tes da expos ição ag rega m-se à pared e,
esc reven do seus próprios desejos e m rolinhos de papel e os co locan do e n tre as
fitas dep enduradas. É assim , unindo texto e im age m, qu e uma peça nasce.

Achando um caminho no texto


Cada um desenvolve uma estratégia individual para achar seu caminho em um
texto, descobrindo a estrutura dramática e retendo a história . Naturalmente, não
existe caminho certo ou errado, mas descobri que, ao desenhar as palavras, o
texto ganha vida diante dos meus olhos e que, assim, recordá-lo depois não é
problema. Utilizei essa estratégia quando comecei o trabalho como cenógrafa
de Victory, a peça densa e poética de Howard Barker dirigida por Helena Kaut-
-Howson no inovador Teatr Wspólczesny, em Bresl ávia, na Polônia. Howard
Barker é dramaturgo, pintor e poeta, e suas qualidades estão incorporadas aos
seus textos, repletos de imagens faladas e visuais, sombrias e violentas . Victo')'
trata do dia da restauração do rei Carlos 11 ao trono inglês, em 1660, e da busca
desesperada de uma mulher do campo pelos ossos do seu marido assassinado. Sua
mensagem é poderosa, movendo-se do sofrimento íntimo e imediato de Susan
Bradshaw (papel interpretado pela grande atriz polonesa Danuta Stenka ), em
oposição à grande pan óplia de burgueses, membros da realeza e aristocratas que,
no final, encontrariam o mesmo fim. Minha primeira tarefa foi escrever cinco
palavras em vermelho, preto e azul na primeira página do meu caderno especial
de desenhos; um álbum de fotos não usado, encadernado com couro dispendio-
so encontrado no depósito de lixo de um luxuoso condomínio de apartamentos
em que eu morava como cenógrafa residente na Universidade da Califórnia e
preparando a produção polonesa (Figura 2.4). O entusiasmo de começar um
novo caderno de desenhos nunca deixa de me estimular. Adoro a sensação de
aventura explorando páginas ainda sem nada escrito ou desenhado, a sensação
do papel, o início do processo de conhecer seu tamanho e forma. Cada caderno
de desenhos tem vida própria, existe apenas para aquele projeto, e jamais coloco
duas produções em um mesmo caderno. Frequentemente, perduram muito
tempo depois da produção real, quando pensamentos e revisões tardias vêm à
mente. Victo') ' possui um paralelo na história polonesa , quando o tártaro Bogdan
Chelminski se levantou contra os reis católicos, na mesma época em que Oliver
Cromwell derrubou o rei Carlos I da Inglaterra, em 1653. Embora eu não fale
mais do que algumas palavras de polonês, enquanto escutava as cenas sendo

80
CT OHE
A l' c E ... : ~
r

V' t ad o e b
2 4- p.- . ,d de de se nh os de t e o rl', le ia ca da mom en to da tram a fo i in titul rece eu as pa la-
. dgllJa o ca de rn o " .
J' . "
én t'f' ad
ide . .
aç ão av an ça r. Al 1 (IS SO , as per son ag en s for am rca as co m co res
,. c
\ ras q ue laziam a n I
traduzidas e proferidas em voz alta, podia ouvir quão bem o uso individual de pa-
lavras por Barker podia ser reinventado, e isso me deu um segundo indício: não
reproduzir, mas reinveutar a imagem visual a partir do cerne da cena. Comecei
com um exercício muito simples e potencialmente maçante. Em primeiro lugar,
criar um título escrito para cada momento da trama, tentando localizar as pala-
vras reais do texto quc fazem a ação avançar, e compô-Ias numa lista no novo
caderno de desenhos, que, também descobri, era regiamente vermelho-escuro
e estampado com folhas douradas. Então, identificando cada personagem com
uma cor diferente, disciplinei-me para desenhar o número correto de pessoas em
cada momento, sem nenhuma fantasia, sem fazer de conta que existiam menos
pessoas na cena do que o autor tinha escrito. Se Barker escreveu que alguém
tinha de olhar através de uma janela, então eu pensava quão alta seria a janela e
no que ele se apoiaria para olhar para fora. Em outras palavras, deixei o texto me
dizer o que precisava, em vez do contrário. Foi um processo duro e monótono;
às vezes, só alentado pelo conhecimento de que meu caderno de desenhos não
me custou nada . Finalmente, terminei de prcparar os ingredientes e soube que a
peça, como uma bela receita, esperava para ser cozinhada.

Uma riqueza para os olhos do público


Hein er C oebbcls, po líma ta e engenheiro da imaginação alem ão, utili za texto,
palavras, sons e suas própri as co m pos ições mu sicais para deton ar todas as nossas
ideias precon cebidas a respeito de tempo e espaço dram ático. Quer seja a irnpro-
nun ciável Eraritjaritjaka, qu e utili za textos do filósofo Elias Canc tti, ou So ngs
of Wars I Have Seen, cm qu e as mu sicistas orquestrais falam palavras do s diário s
de Certrude Stein do tempo de gue rra, o texto é o n úcleo ce ntral do trabalh o. A
sofisticada tecnologia sono ra de G oebbels está tão plenamente int egrad a ao texto
qu e parece diret a, sim ples e natural , enq ua nto faz o espectador perd er o fôlego
co m suas ideias ousadas. Nessa obra, não há divisão cntrc o físico e o textual ,
pois tud o tem a autoria de seu criador. Goebbels dem on stra qu e o trabalh o com
texto é natural e fácil. Em I Went to the House But Did Not Enter, sua pcça de
2 0 0 8 exibida no Festival dc Ed im burgo, ele ut iliza um a com binaç ão de pro sa c

poesia, falada c canta da por qu atro músicos, qu e é, sim ulta nea me nte, rigoro sa
e evocativa de reflexões da m eia-idade e qu e se aprox ima da m ort alid ad e. Essa
melancolia e essa reflexão também são pro feridas pelo estran ho viaja nte [acq ues,
de As You Like lt (Como lhe aprouver), de Sha kespea re, no ato 11 , ce na 7, em qu e

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se descr eve as sete idades do homem , empolgan do o público por meio de uma
estonteante peça com palavras. Quando lista os sete estágio s de nossas vida s,
desde a infân cia até a senilidad e, Shakespear e convence o público a segu ir suas
reflex ões e fant asias até a linha divisória da crenç a, não diferindo do mundo de
Sa rnue l Beckett , séculos dep ois. A respeito das expe riências de }acques, Rosalin a
co me nta qu e "ter visto muito e não ter nada é ter os olh os ricos e as m ãos pobr es"
(ato IV, cc na 1). Em outro co n texto, isso é exatam ente o qu e o ce nóg rafo visa
alcanç ar, na sín tese de texto e visão . Ter visto e viajado e tcr extraído dessa expe-
riência sua própr ia essênc ia, de forma qu e se ja possível não ter nada, cria uma
riqu eza para os olhos do público. Esse é o desafio!

Espaço oculto no interior das palavras


Para co meçar essa jorn ada espec ífica de explo raçã o, deve-se ter um siste ma para
decompor o texto e entender o espaço oculto no in ter ior das palavr as. Tenh o
feito lVorkshops a respeito dcsse tema com arti stas in terdi scip linares em diversos
países: utilizo trechos muito peq uenos do texto de Shakespea re, não mai s do qu e
qu atro lin has, e rea lizo int erpret ações distintas, em in ú meros loca is, para avaliar
como o espaço e a visão pod em contribu ir para a clareza do texto . Por exem-
plo , em Cope nhag ue e em Tai wan , traba lh ei com um pequen o gru po de qu atro
pessoas e um grande gru po de 36, par a investigar qu atro linhas de Trabalhos de
amor perdidos (ato 11 , ce na 1). Tendo feito um juramento de renunciar às mu-
lh eres por três anos, Berown e reconh ece Rosalina, aco m pan ha nte da princesa
da Fran ça. As mulh eres, proibidas de entrar no castelo do rei de Nava rra, são
força das a montar acampam en to no parque, e a rec ep çã o em Na varra não é o
qu e elas espc ravam. O lVorkshop investiga: o que é Nava rra ? O qu e a prin cesa da
Fran ça espcrava ver quando chegou? Qua l é a realid ad e do qu e ela vê? Como
Berown e a vê e a reconh ece? De onde ele veio? Como ele a abordou? Tod as
as qu estões espac iais precisam ser trabalh ada s para qu e Berown e se ja ca paz de
dize r a Rosalina: "Não dan cei um a vez co m voc ê em Brabant ?". A m aiori a dos
partici pa ntes dos workshop» se sur pree nde ao descobrir quanta co isa alé m do
que se pen sava existe por tr ás de uma linha de somente oito palavras, tanto no
espaço qu anto na açã o. Em um lVorkshop sim ilar, em Praga, na Acad emi a de
Artes Cênicas, e em Salôni ca , na Univ ersidad e Aristóte les, exa m ine i du as lin has
de A megera domada (ato 11 , ce na 1 - o enc ontro de Catarina e Petru chio, na
casa de Batista).
Pettuchio: Bom dia, Cata, pois assim ouvi que é o seu nome.
Catarina: Ou viu bem, sem dúvida. Mas os que [alam de mim me chamam de
Catarina.

O lVorkshop investigou : qual é a imagem qu e Catarina vê quando en tra no recinto


e enc on tra Petruchio? Como ela en tra no recinto? Qual é o espaç o e n tre ela e
Petruchio? Como o enc on tro começa e como termina ? Criando, testando e re-
fazendo seus de senhos para pequenas ence naç ões, os parti cipantes do lVorkshop,
que , em geral , são de áreas muito distintas, de strinçam o texto e o reconstro em
como um a séri e de pequenos momentos visuai s, adqu irindo um entendim ento
total dessas duas linhas, al ém de estabe lece r um sistem a para de cifrar o texto,
trecho por trecho, como um detetive. Em Salvador, na Bahia, o ativo Cen tro
T écnico do Teatro Castro Alves reuniu um gru po int erdi sciplinar de cen ógrafos,
professores, grafiteiros, técni cos e atores, pessoas qu e lidaram com doi s m om entos
de lvlacbeth, de Sh akespear e. Eles tran sform aram a hi stória de bruxas, espectros
e sobre na tura l int era gindo com militares sede n tos de pod er em uma hi stóri a pró-
pri a, ren om eando os personagen s e criando um pan orama visua l de 25 m etros
sobre um a pared e, co n tando tod a a hi stóri a em seções, co mo talvez tivesse sido
de scrita em um a pintura medieval. Há sem pre soluções sur pree n de n te me n te in-
ventivas a testar n esses worhshop», e eles preen ch em a lacuna en tre a pala vra escr i-
ta e a im agem visual, alé m de preen ch er em a divisão artificial en tre texto e visua l
ou teatro físico , qu e, ocasionalmente, é apresentado na práti ca con te m po rânea.
Essa abordagem de cenografia é exatame n te con trá ria ao conceito de produçã o
ou de achar um envelope dentro do qual esse conc eito deve se en caixar. Em vez
disso, o ce n ógrafio constrói a produção de dentro para fora , o qu e pode resultar
em uma met áfora visual geral, ma s que capacita e real ça o texto e a ação a se r
realizada e não inibida.

Palavras e imagens
O teatro é único na capacidade de ligar duas fontes de criatividade origina l: o
escritor e o artista visual. Se eles concordarem a respeito de um assunto e con-
seguirem trabalhar em conjunto, cada um trazendo seus próprios dons ao pro-
jeto, ideias interessantes poderão resultar da parceria . Os escritores são capazes
de pegar uma ideia, um pensamento ou uma situação e achar as palavras para
torná-lo coerente. Os artistas visuais/cenógrafos são capazes de proporcionar a
écriture scénique - a escrita do espaç o cê nico - e, às vezes, apresenta m possibili-
dad es alterna tivas ao escritor: elaborando juntos um novo trabalho e forn ecendo a
matéria-prima para os outros colabo rado res interp ret arem a partir de um sistema
de confiança e discu ssão fecun da, contribui-se para a tradição literária e dra má-
tica. Essa é a man eira pela qu al Bohuslav Martin ú, co m positor tch eco, e íkos
Kazantz ákis, escr itor grego, criara m o libr eto para a ópe ra Th e C reek Passion .
Martin ú era m úsico, com positor e instrumentista, além de um co m pe tente artista
visua l, em bo ra não form alm ente dipl om ad o, e desenh ou livrem ente suas ideias
dura nt e o trab alh o com Kazantz áki s, esc ritor de descri ções verb o-visuais eloque n-
teso O resultado foi um drama mu sical repl eto de imagens poéticas tocantes, sin-
tetizadas em música, texto e visão. A lingu agem apura da é sim ples e concisa. De
ma ne ira memorável, no ato 11 , ce na 4> o padr e refugiado Foti s (Portado r da Lu z)
reú ne as crianças miseráveis em torn o de si e lh es conta um a história. Ele ca nta
de modo ín timo e sereno, cha mando a ate nção dos espec tado res. Fotis estende a
mão para o mundo e afirma:

On te m à noit e, tive um son ho. Vi S elo Jorge. E le colocou na m inha melo a


semen te de um vilarejo . Aq ui, na m inha melo, a semen te de um pequ eno, pe-
quen o vilarejo. A qui, na minha melo, com sua igreja, sua escola, suas casas,
seus jardin s. E ele me di sse: "Plante-a!".

Todos os espectado res são ca pazes de ente nde r o significado im plícito dessa pará-
bola, pois a qu estão dos refu giados é uni versal. A história lida co m pessoas sob o
domíni o tur co e qu e desenvolv eram um estilo de vida . O s moradores do vilarejo
de Lycovrissi forn ecem ao gove rna dor o qu e ele exige em troca de serem deixa-
dos em relativa paz, para da rem prossegu im ento às suas vidas co nfortáveis. Eles
não qu erem que aqu ele equ ilíbrio delicado seja perturbado pela chega da dos
refug iados cristãos de outro vilare jo, qu e procuram e espe ram a juda de seus ir-
mãos cristãos. No ato IV, o final, testemu nh a-se a excom un hão e mo rte do pastor
Ma no lios, ou se ja, a figur a de Cristo; o ato co meça co m um casamento jubiloso
no vilare jo, celebrando a uni ão da criada Lenio com o pastor N ikolios. Depois,
os dias de outono se convertem em um inve rno gelado, conforme a história vai se
tornan do cada vez ma is lúgub re. A imagem final é a da ex-prostituta do vilare jo,
Kateri na, agora no papel de M aria Madalen a, olha ndo para o co rpo de C risto
enro lado na bandeira grega, ca ntando na porta da igreja : "O sol se levantou , a
neve derr eteu e levou o nome dele nas águas". Fin alm ente, na gló ria de aco rdes
ha rmônicos, a m úsica se e leva enqua nto um a im en sa e bela lu z permeia a cena,
sugerindo esperança em relação ao futuro. Como reproduzir visualmente essas
palavras, ao ar livre, na antiga cidadela de Salônica, onde nem o espaço nem a
música permitiam mudanças de cena? Foi consultando uma das muitas caixas
de sapatos com cartões-postais que guardo para inspiração e referência que topei
com algumas fotografias antigas de um casamento em um vilarejo da Macedônia,
mostrando um jovem casal sendo alvo de uma chuva de pétalas de rosas brancas
no momento em que saíam da igreja. Era essa, exatamente, a imagem necessária
para solucionar o problema. Nos 16 compassos introdutórios do allegro con brio,
os moradores do vilarejo cobriram o piso do palco com pétalas de rosas brancas
tiradas de pequenos cestos. As pétalas permaneceram cobrindo o piso durante o
restante do último ato. A medida que a ação ficava cada vez mais sombria com
a ajuda da iluminação de Henk vau der Geest e do céu noturno estrelado, as
pétalas pareciam se transformar em neve, Por um milagre, noite após noite, no
momento correto após a morte de Manolios/Cristo, o vento como que lançava
os flocos de neve no ar, silenciosamente, algo que nenhuma maquinaria cênica
poderia ter feito; e, obedientemente, o vento se aquietava para os últimos acordes.
1 esse momento, o público sempre se mantinha em silêncio.

A colisão entre o passado e o presente


1 as palavras, o passado e o presente estão em constante colisão, algo que as torna
pitorescas. As palavras possuem uma corrente prateada de som, o que individualiza
cada escritor. Traduzir esse som em cor e espaço é um desafio estimulante para
o cenógrafo, que deve estabelecer graficamente a qualidade da escrita. Durante
sua vida relativamente curta, boa parte dela passada na Itália em exílio voluntário,
Nikolai Gógol (18°9-1852) escreveu somente três peças e permanece até hoje um
°
enigma que desafia classificações. Embora seja às vezes chamado de primeiro
realista nISSO, descreve um universo onde cada um é vítima de sua própria lou-
cura. Cada personagem acredita que é fabuloso, mas nós, espectadores, podemos
enxergar a absurdidade dele. Gógol cria um mundo desconexo e disfuncional,
desenfreadamente engraçado e terrivelmente verdadeiro. 1 Ta descrição que faz de
sua própria peça, O casamento, ele diz: é "um evento completamente imprová-
vel" . Seu texto é fácil e divertido de ler, bem diferente da barreira que ocasional-
mente dernove as pessoas de lerem Shakespeare; no entanto, o mundo gogoliano
é muito difícil de ser apreendido. O cenário pintado não é resposta . Necessita da
realidade equivalente à linguagem, igualmente fantástica. A realidade gogoliana

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é um mundo virado de cabeça para baixo. Ao mesmo tempo, os personagens pare-
cem aceitar isso de maneira totalmente normal, similar aos estranhos e artificiais
cenários de aposentos nas lojas de móveis, que não são de verdade - mais reais
do que o real, se é que uma coisa assim pode ser imaginada. Sempre que viajo,
visito brech ós ou lugares que concentram objetos descartados pelas pessoas. Esses
objetos de todas as datas e épocas, modernos e antigos, justapostos sem nenhum
planejamento, formam um padrão próprio, são um tesouro barato. Adoro vendas
em quintais e em garagens nos subúrbios, onde suvenires de férias dispendiosas
e trajes de casamentos equivocados são jogados sobre a calçada, e a vida das pes-
soas pode ser reconstruída a partir dos objetos. Adoro os grandes armazéns, que
frequentemente abastecem os brech ós, com roupas penduradas em araras, como
fantasmas, esperando para ser reencarnadas. E os depósitos de móveis do Exército
da Salvação, repletos de móveis quebrados e feios com os quais alguém, alguma
vez, conviveu, mas que agora não têm espaço na casa. Sem falar das lojas de tea-
tro e cinema, que estão, é claro, um nível acima, pois j,í foram pré -selecionadas
por seu potencial econômico. Tenho um mapa pessoal das lojas do mundo que
vendem bricabraques.

Isso deslocou amontoados de formas e tamanhos que repercutiram em relação à


linguagem de Gógol, mesmo em uma versão de ópera necessariamente abrevia-
da. O quarteto de pretendentes canta seus pensamentos deslocados de Agafya, a
garota solteira, que está procurando um marido:

Kochkariov: Ele ficou doido por ela...


Zhevakin: Ela é um docinho...
Anushkín: Ela deve falar francês ...
Podkoliosin: Ela tem um nariz grande e não fala francês ...

E a música complementa as palavras. Assim, comecei a imaginar uma compo-


sição de objetos descartados deslocados no palco, usados agora para o propósito
contrário de seu uso original ou personalizados conforme a necessidade das pes-
soas. Pensei que se Podkoliosin, o solteirão de meia-idade, vivia em um sótão, o
telhado poderia ter goteiras e, assim, ele talvez precisasse de um velho guarda-
-chuva, quem sabe de uma carruagem antiga ou, como encontrei, de um campo
de golfe, preso sob o teto de seu quarto. Provavelmente, o guarda-chuva, também
sendo um objeto descartado, teria furos e precisaria ser coberto com panos velhos,
podendo ser um lugar útil para pendurar a roupa lavada . Em seguida, na rua,
encontrei a estrutura de uma antiga cama dobrável, que, quando posicionada
sobre sua base vacilante, tinha dois pés extensíveis que formavam perfeitos varais,
e o centro das molas da cama podia apoiar o guarda-chm·a. Assim, a primeira
vinheta foi criada: contan do a história não escrita de como dois hom en s viviam,
refletindo as fantasias e o mundo grotesco da imaginação de Gógol. O texto não
tem de ser ilustrado como uma locação cinematográfica, mas a história por tr ás do
texto deve ser exibida, com cada área complementando a outra.

Colaboração
O grande dese nvolvimen to dos cursos de design basea dos em periormance, som e
mov ime nto vai co ntra um a abordage m tradicion al, que incluía o estudo do texto
como parte do currículo. No entanto, de modo gera l, os espectadores vão ao
teatro para ouvir h istórias, discu ssões e argumentos, a maioria dos quai s baseados
em palavras, e os teatros que buscam novos talentos têm dificu ldade de encontrar
arti stas visua is capazes de lidar co m textos dram áti cos, Por consegu inte, há ca da
vez mais casos de diretores qu e criam sozin hos o quad ro visua l e qu e utili zam os
iluminadorcs cênicos para dar vida aos atore s. Uma ma neira de rep arar isso, e
criar mai s oportunidades para artistas visuais escreverem e para escritores criarem
arte visua l, é estabelece r co labo rações para a ada ptação de livros e h istór ias ama-
das para o palc o. Esse pro cesso em que dois artistas criativos, utili zando diferent es
partes do cé rebro, trabalh am para dar vida a um int eresse co m par tilha do , co-
meçando a partir de algué m escrevendo, desenvolveu- se mui tíssimo nos últimos
anos, conforme as obras adq ui rem cada vez mais relevân cia co ntemporânea . A
rea lização de ada ptações é um a man eira maravilh osa de países co m par tilharem
seu patrimô nio liter ário e cultura l e de prom overem e m elh orarem o entendi-
mento mútuo, e de uma form a qu e seja singularmente na esfera da co laboração
artística . O s exem plos de co mpan hias cr iando traba lhos dessa ma ne ira são mui-
tos: na Rússia, no Irã, na Palestin a, na Polôn ia, na G rã-Bretan ha etc. 1<= o processo
criativo rea l visto de perto, no enta nto, qu e merece exame e investigação para se
entende r o qu anto todos nós pen sam os diferentem ente. Quando um a obra [iter á-
ria está em dom ínio públ ico, não é necessariamente direi to ape nas de um auto r
estabelec ido começa r um a ada ptação ou transform ação para o palco, embora se-
jam eles os mais expe rientes para criar diálogos e estru turas . Não há restrição para
qu e um artista visual enxergue o potencial de um texto e se torn e o moti vador de
um trabalho co laborativo, Talvez a expec tativa de que o texto e os au tores devam

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sempre ser virtuoses camu fle a realidad e de qu e a co labo ração rea l, resu ltando
em criação rea l, precisa do resultado fin al para se r m em orável aos c riadores e aos
espectado res, e esse equ ilíbrio só é alca nçado quando lodos partem do m esm o
ponto e visam chegar ao mesmo destino .

A ópera-coral Eddi o{ Mallhood Eru! começa a partir de um pocma curto de


Rudvard Kipling, de 1910-. É simples e rítmico, e sugere imediatamente que deve
ser transformado em música . Considerando esse poema como texto ou libreto.
começamos a imaginar a forma quc assumiria se fosse encenado, Precisaria ser
fluido. em paradas ou interrupções para mudanças de cena . O poema mostra
claramente Kipling contando a história, mas muda de uma narração para as pala-
\TaSdo padre Eddi, quc recebeu a missão ingrata de ensinar aos primitivos anglo-
-sa:.ões como pescar e. simultaneamente, convertê-los ao cristianismo.

Essa foi a primeira pista para a encenação. Um personagem, um cantor que poderia
ser Kipling. e sem nenhuma mudança, exceto por uma ação simples, tornar-se-ia
Eddi e voltaria a ser Kipling no fim. 'as fotografias, Kipling aparece em um longo
sobretudo escuro, de camisa branca, com um lenço dc seda branco no pescoço e
um outro, também branco, no bolso . Já tínhamos planejado uma grande pedra so-
bre o palco. Assim. \ imos que ele poderia tirar o sobretudo de trás da pedra, utilizar
o lenço de seda como estola sacerdotal e a camisa branca como sobrepeliz. Poderia
colocar cuidadosamente o lenço de bolso branco sobre a pedra com duas velas ao
lado. convertendo-a em um altar e completando a transformação do exterior para o
interior da capela. ovamcnte. as pistas para uma criação maior estão incorporadas
j

no te.to. apenas esperando para se tornarem realidade.

A imagistica da arte
A leitura de textos e poesia é uma ativida de bel a e pra zerosa, qu e oferece ao ar tista
a oportu nidade de se ide ntifi car dir et am ente co m o texto e se en volve r com o
assu n to. Se for possíve l le r textos no or igina l, e também trad uzidos, vale a pena o
esforço de esc u tar e ret er o som das palavras. Ferna ndo de Roias, escrito r me die-
val espa n ho l, e m seu ro ma nce dr am áti co La Ce lestina, de 149 9 , ca pta as alturas e

7 Rudyard Kipling, Rewards and Fairies, London: M acm illan , 1910. [VerThe Conversion
ofSt Wilfred.]
as profundezas da existê nc ia human a fazendo qu e as palavras, e m espa n ho l, sal-
tem das págin as. El e cri a descri çõ es verbai s qu e con tê m espaço e imagem e qu e
estão in extricavelrn ente tecid as co m o os malfadados ama n tes Ca listo e M elibea,
Q uando o casa l finalm ente se encon tra, Rej as util iza palavras pa ra descr ever as
im agen s físicas de desejo e m ort e - uma escada alta, da qual C alislo cai e m orre,
c uma pequcn a torr e, na qual M elibea com ete su icí dio. Rela cionando isso às
pi n turas da época, fica claro co mo a im agística das a rtes pl ásticas influencia a
estru tura dram ática. O culto à ca vala ria m edi eval - o cava le iro sobre seu ca valo
bran co, resgatando a garota virge m ap rision ad a e m uma torre - é a iconografia
con te m po rânea trazid a à p ágina. Não há necessidad e de ver u m corpo qu eb rad o,
pois é su ficien te o uvir a voz do pai de M el ibea lam entando a morte da filh a e re-
pr eendendo o mundo qu e o trat ou co m essa desdit a . o en ta n to, co m as pal avras
finais, "por qu e você m e deixou triste e sozi n ho no vale de lágrim as?", Roias puxa
as im agen s das alturas par a as profundezas do desespero. D e uma torr e no cé u
para um vale na terr a: a ima gem é verti cal. Ibsen utilizou a m esm a im agem e m
sua n otável peça Soln ess, o construiot: qu anto m ais um a pessoa lê , m ais cla ro fica
qu e essas palavra s e esses espaç os estão ligado s de modo in extri cável. O exem plo
m ais fam oso é, naturalm ente, Romeu e Julieta, de Sh akespear e. M esmo se m um
balcão físico, a ce na deve ser co ns tru ída espacialmen te e m uma diagon al para fa-
ze r se ntido. As falas vão das alturas às profundezas (alo lI , cen a 2): "(...) O s muros
do jardim são alto s e difíceis de escalar, e o lu gar , de m ort e, cons ide ran do qu em
você é (...)".

The Great C ante é uma série de do ze peças origina is co m m eia h ora de duração
ca da u m a, encome nda das pel o sem pre arro jado T ricycle Theatr e , de Londres, e
co bri ndo diversos aspectos do Afegani stão desde a Segunda G ue rra Ang lo-afegã,
n o fin al do séc u lo XIX, até os dia s de h oje". As peça s são ap rese n ta das agrupa-
das ao lon go de três dias, e também e m m arat on as de fim de se ma na, qu ando
os especta do res pod em assistir a tod o o rep ert óri o, inclui nd o film es, expos ições,
pale stra s e discu ssões. É um proj eto desafiante e estim ulan te, ilu strando como
distintos pensad ores abor da m o m esm o assu n to a partir de pontos de partida pró-
pr ios, m as alca nça ndo um den ominad or co m u m qu e leva a um m esm o fim . O s
pen sadores visuais (ou se ja, a equ ipe ce nogr áfica) percorrem o espaço, falando
sobre cores e texturas, image ns e formas, ped aços de m ad eir a, pap el e tecido s qu e

8 The C reat Carne, no Tricycle Theatrc, em Londr es, dirigida por Nich olas Kcnt e co m
estreia em :::: de abril de ::009 .
parecem chegar diante de nós de uma m an eira m ágica e mi steriosa, e criando um
voca bulário qu e salta das fotografia s. Essa lin gua gem cenográfica intuitiva pod e
pa rece r incô mo da, até m esm o irrel evante para aque les qu e formul am o co n te údo
e as narr at ivas do proj eto , m as am bas as form as são ape nas ca m in hos preliminares
pa ra o assu n to. O s textos são os den ominadores com u ns. Assim qu e começa m a
chega r, mesm o na form a de rascunhos, o proj et o com eça a gan ha r uma form a
e um form ato. A partir de um assu n to importante e muitas vezes desconh ecido,
a dispo sição do espa ço cên ico deve permitir qu e a história se ja con tada. A defi-
nição do s parâm etros não é um a restri ção, ma s uma liberação artística, traz endo
realidade ao quadro. A adoção do texto poupa muito trabalho, mesmo quando as
demandas são am plas e exigem , por exem plo , mudan ças r ápidas de n eve à areia,
de ca rros clássicos Rolls-Royce a int eriores dom ésticos. O texto diz o qu e é n eces-
sário, sendo um a boa ideia se apro priar daquil o qu e é dad o, para que, en tão, tod as
as sensações instinti vas de co r e textura enco n tre m se u lu gar.

Para algu mas pessoas, o texto par ec e uma ce rca viva imp en etr ável, espessa e espi-
nh enta de letra s mi sturadas, atr avé s da qual um outro lado pod e ser vislumbrado
(Figur a 2.5). Sab e-se qu e diversos artistas visuai s, que desenham de modo fácil e
belo, também têm diversos graus de dificuldade para ler, o que torna a abordagem
de um texto den so uma tar efa intimidante . Desenvolver uma estratégia para achar
u m ca m in ho em um texto é parte importante da prática de um ce nógrafo. Quer
a mão, co mo peça de trabalho artístico (o qu e torn a o trabalho praz ero so), qu er
po r m eio de plan ilh as no co m pu tador (o qu e torna a tarefa facilmente tran sfer ível
par a os ou tros membros da equ ipe ), um qu adro de aná lise de texto converte pal a-
\TaS em um có digo visua l. As planilhas devem ter toda s as informações possíveis
para qu e o texto po ssa ser int eiramente visuali zado de im ediato. Sempre diferir á,
de ac ordo com a com plexidade do texto: às vezes, com as ce nas ao longo do alto
da págin a, os personagens na lat eral da página e os quadros mo strando qu e per-
sonage n s estão em que cena . Colunas adi cionais podem descr ever o mobiliário,
a iluminação, os obj eto s cê n icos , as músicas e, se necess ário, em cores distintas
pa ra cl areza e satisfação. Depois da conclusão desse trab alh o, há um ca m in ho
através da sebe, e a lu z do dia, do ou tro lad o, fica espe rando para qu e tod as as
ideias visua is ca iam em seu devid o lu gar.
2.5 - Cerc a viva de palavras
PESQUISA

FAZEND O PERGU NTAS - ENCONTRAND O RESPOSTAS

Por natureza , um ce nóg rafo é um co lec iona dor cultura l, deleitand o-se na busca
do efêmero da h istória e da sociologia. A variedade do trabalh o que se apresen ta
é parte da fascinação da matéria, e satisfaz uma curios idade inerente e insaciáve l
de se conhecer não só os grandes even tos da h istória, mas os de talhes exatos de
como as pessoas viviam, comiam, se vestiam, se lim pavam e gan havam a vida. O
desafio para o pesqu isado r cenográfico é sabe r utili zar u m olha r individual para
deslindar a essênc ia da ma téria, persegu i-la, capturá-la e, en tão, decidir se ela será
utilizada ou não .

Memórías esquecídas
A pesquisa his tórica ab re jan elas para u m mu ndo da peça qu e pode não estar
descrito no texto, mas que mo tiva e afeta o com por tamen to dos person agens.
Descobe rtas para lelas nas artes, na ciênc ia, na indústria e no co mé rcio de -
monstram como o mundo é int erl igad o. Pou cos aco nteci me n tos são oco rrên-
cias isoladas, e, co nforme as ligações en tre países e pessoas ficam ca da vez mais
entrelaçadas, a pes quisa reve la ma is semelhanças do qu e difer en ças. Em bo ra
os aconteci mentos h istóricos se jam ma tizados pelas perspect ivas nacionais, es-
pecíficas do tempo e do lu gar, a própria norm alid ad e e a rep et ição das roti nas
diárias das pessoas através dos séc u los tamb ém é hi stór ia e se liga imediata-
mente ao espectado r atua l. O artista visua l trata de extra ir a essê ncia da rea lida-
de e de apresen tá-la co m clareza sob re a tela. A m em ór ia e o reconh ecim ent o
do observa dor são ativados e visua liza dos por m eio do olha r sele tivo do artista :
vestuários, ob jetos ou cores despert am novam ent e m em óri as e provocam a
alegria da ide n tificação. O espectador se liga à matér ia qu ando um cenógrafo
é capaz de esco lher u m ob jeto qu e expresse mais do qu e sua realid ade física.
Um exemplo cláss ico é o c ha pé u qu e Wi nn ie usa na peça Happy Days, de

93
Sarnu el Be ck ett, e m qu e ape nas a ca beça d el a é vis ta . A partir d e sse c ha pé u,
o p ú blico d eve se r ca paz d e im agin a r a vida pr évia d e Winni e , como e la di z:
" no es ti lo a n tig o".

Pesquisa criativa
A p esqui sa c ria tiva d em anda um ata que dupl o à m at éri a . Por um lad o , a inves ti-
gação d o qu adro ge ral am or fo , ab ra nge n do acon tec ime n tos hi stóric os c on te m -
por ân eos, permite qu e a im agin ação per ambul e livrem ente em m ovim entos
lar gos através do s co n ti ne n tes e da hi stóri a . Por o u tro lado , a pesqui sa d eve
e n foca r os d et alh es es pec ífic os , até minúscul os, qu e podem se r ex tra íd os d os in -
clíc ios in corporados n o texto . A na rra tiva cen og rá fica traz um â ng u lo individual
a uma ob ra bem co n hecida par a qu e ela po ssa ser a p rese n ta da d e form a no va
par a o p ú blico. A pesquisa é o trab alh o do d et eti ve : a caça por indíci os visua is
in c orpor ad os no texto . O terreno d eve se r pr epar ad o co m c u ida do. Na pr áti c a ,
isso signi fica a leitura lenta e pond e rad a d o texto e , ao inte rro gá-l o , per guntas
são resp ondidas.

Fr eq u entem ente , os a u tores têm uma id eia muito cl ar a a resp eito da se nsação e
da atmosfe ra n e cess árias par a a pe ça, mas a d esc revem e m excesso ou n ão a d es-
creve m e m abso lu to. Por exe m plo, em Hedda Cabler, d e H enrik Ibsen , escrita
e m 1890 , a ce na é d escrita co m o oco rre n do n o pal a cet e d e Tesrnan , na regi ão
oeste da cida de - " u ma gra n de sala d e visitas , bem mo bi liada, co m bom gos to, e
d e corad a e m co res esc uras etc .". Em pou co tempo , d escobre-se qu e n ã o se trat a
d a d ec or ação d e Tesman ou d e H edda , poi s a casa foi ad qu irida par a eles e n-
qu anto es tava m a use n tes. Prim eiro indíci o : e les estão vivendo na d ecoração d e
al gum a outra pe ssoa . Então , revel a-se qu e a casa é muito ca ra para eles e é tão
gra nde qu e po ssui quartos extras; Tesm an di z qu e n ão pode "pe d ir par a H edda
morar em uma pequ ena casa su b ur ba na" . Por qu e e les es tã o morando ali? A
casa e sua mobíl ia d ev em dar a impressão qu e Te sm an e H edda es tão vivend o
alé m d e suas posses. N o fin al do prim eiro ato, Tesm an . e m uma tentativa d e-
sa jeitada d e c hega r perto d e Hedda , a firma : "Ve ja, ll edda , é a casa co m a qu al
n ós doi s cos tu má va mos so n ha r... qu e n os apaixo n a mos" . Assim , a hi stória se ria
a d e qu e e les vira m a casa e H edda se apa ixo no u por ela? A casa é moderna, e m
co m pa ração co m a norma burgu esa d e 1890 ? E n tão, o indíci o seg u in te é d ado
n o seg u n do a to , qu ando I-Iedda d escr eve ao jui z Bra ck co m o e la se n ti u pen a

94
de Tesman no verão an te rior e deixou que ele a aco m pa n hasse até a casa d ela:
"E, assim, para ajudá-lo, disse bas tante casua lme n te qu e gostaria de viver ali,
naque le palacete". Algu mas linhas de pois, revela-se qu e o palacet e pe rtenceu
à falecida sen hora Falk, e, em bora tivesse sido pr ep arad o para o jovem casa l na
ausência de les, a inda conserva o "aroma d e alfaze ma e rosas secas em tod os os
aposentos". Provavelm ent e , a falecid a se n hora Falk era idosa, e, evide n te me n te,
a casa fico u vaz ia; não é u m a co ns trução m od erni sta da virad a d o séc ulo XIX,
m as p rovavelm ente in corpora tod os os valores da aflu ên cia noru egu esa. Esse
exe m plo dem on stra como indícios oc ultos no texto pod em se r expos tos e util i-
zados para co ns tru ir o qu adro da peça e da hi stóri a por trás d ela.

A pes qu isa cria tiva é muito ma is do qu e fotocopi ar ilu strações em pr et o e br an-


co de livros, embo ra bibl iotecas de mu seu s, livrar ias, gale rias de a rte e a int ern et
sejam po n tos de partida óbvios e ade qua dos. A pesqu isa aguça os se n tidos par a
se reco n hecer quando algo pod e ser úti l e apro p riado. [oh n Ruskin , pin tor e
socialista, afi rmou: "Não há na da como o ato de d esenh ar para nos ensinar a
ver". Uma referência encontrada em um livro se alo ja no banco da memória
para sempre por meio de um desenho urgen te, sé rio e vigoroso . Os artistas
visuais registraram os detalhes da vida cot idiana ao longo da h istó ria mediante
desenhos de obse rvação que permanecem para sempre como fontes p rim árias
de pesquisa. O objetivo da inves tigação visua l não é apenas permear a visão da
peça, mas transmi tir essa in for m ação no se n tido de apoiar os atores e o diretor
em suas pesquisas d ura n te o per íodo de ensa ios.

o humor do momento
As pinturas demonstram qu e toda a ar te é produto e reflexo de sua época e
que, ind ep end entemente de sua narrati va ou assu n to, são ricas em detalh es
inciden ta is que abre m uma jan ela sob re se u mundo . Visitar ga le rias de arte e
co lec ionar rep rodu ções d e ca rtões -pos ta is, arqu ivando -os para co ns u lta rápida,
desenvo lve um recurso ce nográ fico mais vali oso: uma bibli oteca de referê n-
cia visual. Sem dúvida, pintor es, esc u ltores e artistas gráficos reflet em o gosto,
o humor e a at mosfera d e sua época e de ixam enciclo pé d ias de informações
e abundan tes detalhes para as fu turas gerações. [acqu es-Loui s David , proemi-
nente pintor da Revol ução Francesa, re fletiu em suas pi n turas o panorama da
mudança na França d urante a passagem do monarqu ismo para a revolução.

95
Desde as pinturas neocl ássicas iniciais de David , de tem as grandiosos , até as
finais gravuras popul ares e seus desenhos para as grandes [êtes revolu cion árias
- as manifestaçõ es teatrais populares das aspirações de uma nação - , tod as reve-
lam a vida vivida no s extremos da soc iedade fran cesa. Isso pode, en tão, ser co m-
plem entad o por meio da ob servação das pinturas de Greu ze ou das aqua relas
e recort es de latão dos irmãos Lesu eur, no Mu seu Carnavale t, em Paris. C erto
dia , recon stituí os passos de um sans-cu loiie a caminho de tom ar a Bastilh a
a partir de uma cópia em prestada de um mapa rabi scado a mão do período ,
encontrado no arquivo do mu seu . Percorri as ru ela s sinuosas do anti go Murai s,
im agin ando como os revolucionários podiam ter se escondido e se reagrupado .
Não é de se admirar que , posteriorm ent e, Paris foi proj etada com aven idas lon-
gas e ret as, co m vistas claras de uma extre mida de a outra, para um controle fácil
da multidão. A pesqui sa visual também revela o ícon e mais importante: a escala
do hom em em relação à arquitetura. Por exe m plo, há uma grande difer en ça
en tre as form as hum an as pro emin entes das pinturas de Piero della Fran ceses ,
postas co ntra um a arqu itetura men or, em co m pa ração co m os pequen os seres
hu man os dominad os pelo s grandes monum entos retr atados pelos pint ores re-
alistas russos da década de 1930. Ca pta r esse senso de proporção e tradu zi-lo
ce nog rafica me nte é uma man eira de descrever tod o um período hi stóri co sobre
o palc o. I ' o mundo da peça qu e está sendo recri ad a, as gravuras, as ce râm icas,
as decor ações têxteis e outros obj eto s con têm um a riqu eza de informação visua l
pronta a ser reciclad a em vez de reprodu zid a.

Um museu vivo
Compartilhar as descobertas da pesqui sa com todos os envolvidos na produ-
çã o, para qu e po ssam contribuir para o trabalho , é fundamental. Uma man eir a
de fazer isso é transformar as pared es vazias da sala de ensa io e m um vibran te
mu seu vivo, ond e as informaçõ es da pesqui sa pictórica po ssam se r ab sorvidas
quasc qu e por osmose e atuar como ponto de referência de ato res, dir etores e
equ ipe de produ ção . Desenhos rápidos e livres colados na s par ed es, coleç ões
de ob jetos co loridos refer entes à vida emoc iona l de um personagem , fotogra-
fias a ntigas agru padas, amostras de tecid os, ilu straçõ es de ca de iras, mat eri ais
impressos fora de circ ulaç ão (programas de teatro , pôstere s etc. ), mapas hi stó-
ricos ou im agin ári os do mund o da peça: tud o isso atua em favor do espe tác u lo.
Ta m bé m co loca firm em ente a art e visual na age nda diári a, poi s a presen ça de
um cenógrafo jam ai s pod e se r associa da àquele que não é visto e qu e , portanto,
não é lembrado; alé m disso, os ato res pod em se r es tim u la dos a co n trib u ir para
esse muse u vivo. Na p esquisa, n ão h á só rigor aca dê m ic o, m as um in gênu o pr a-
zer p ueri l na aleg ria da descob ert a e nas ligações esta be lecidas e n tre obj et os
apare n teme n te d ísp ares. Ca da ce nógrafo sabe que a ap rese n tação ob riga tór ia
da ma que te, e , às vezes , dos desenhos do s figurin os n o prim eir o di a de ensaio,
é receb ida pol idam ente p elo s ato res, cu ja prin cipal pr eocupação é a m an ei ra
pe la qua l vão ac ha r um jeit o de supe ra r os p robl em as im edi at os qu e an tevee m .
A a prese n tação logo é tir ad a da me mó ria . Tr ês horas depois, à m edida qu e o
con tra rregra marca co m fita ades iva o p iso e qu e dir etor e atores co meçam a
trab alh ar nas cenas m ovend o-se alegre me n te através da s par ed es qu e aca ba ra m
d e ve r na rnaqu et e, o gru po n ão co nsegue se lembrar do pi so da sa la de ensaio .
Quando um a ap rese n tação es tá in corporad a em um museu vivo, e os pr oj et os
são d eixad os ali , os ato res são convida dos a in gressar n o mundo que foi criado;
porta n to , a pes quisa se torna um compo ne n te orgâ nico de tod a a prod ução.
Isso req ue r a dupli cação dos d esenh os e croqu is, par a qu e fiqu em na sala de
ensaio enq uan to a maque te vai par a a o fici na d e ce nografia , e também exige a
cóp ia dos d esenh os origina is dos figurin os an tes d e env iá-los para a oficina d e
cos tu ra, pa ra que p er m an eçam n as me n tes dos ato res . Se es tiverem evide n tes
na s paredes, u m a ga le ria vistosa e exp ress iva será criada, e a visão pe rma nece rá
como prova de fogo do trabalh o e n ão co mo um apê n dice ex te rno - será um
lembrete constan te da realidad e visua l qu e logo se rá a p rese n ta da ao público.
Os atores po dem se r esti m u la dos a co loca r có p ias d os desenh os dos figurin os
nos camari ns, co m amos tras dos po ssívei s m at eri ai s, par a qu e possam tra ba-
lhar ten d o a se nsação e a textura dos tecid os em m ente . O orça me n to d eve
permi tir que o mo b iliá rio este ja pr esente nos e nsa ios d esd e o iníci o , par a que,
com apoio da p esqui sa, os atores possa m co meça r a possuir os ob je tos co m os
quais prec isam trab alh ar. A integração ao pr ocesso do trab alh o d e p esqui sa
perma nen te obriga a p rod ução a p ro vid en ciar um espaço exclus ivo, co m pr i-
vaci da de , ou se ja, um ate liê p róxim o da sala de ensa io. Um espe lho, roupas
de ba ixo e so rti me n tos de ade reços , lu vas e ch a pé us pod em se r dei xad os p or
perto, pro n tos par a se rem escolh idos e utili zad os no e nsa io, para qu e o figuri-
no se to rne a seg u n da pel e do ato r. Quando os atores n ão es tão participand o
de uma cena, trab alh o com eles n esse espaço , a p re n de n d o, a partir d el es, o
desenvo lvime n to do pe rso nagem, em vez d e im por a eles um co nceito pr econ -
cebido. A pesqu isa ce nográ fica existe n o passad o , pr esente e fu turo , fazend o
parte de u m a boa prod ução.

97
3.1 - D ese nho dos figur inos de lvlacbeth, Tea tro Clwyd

Observando a vida
Sou observadora compulsiva da vida humana, e a todo lu gar qu e vou observo e
deslindo detalh es minúsculos que sou capa z de registrar e que talvez possa usar
tempos depoi s. N unc a viajo sem uma cad ern et a de desenho no bol so, que posso
utili zar discretamente para registrar os pequ enos detalh es e idiossincrasias do
meu int eresse. Em Tbilisi, na G eórgia, o anti go e o novo se confundem na s rua s.
Mulheres na última moda passam por velhos artesãos, qu e trabalham do m esmo
jeito há ce ntenas de anos, ao ar livre. Em minha estadia ali, tive a oportunida-
de de viajar para regiões montanhosas, com o sem pre, munida de lápis e pap el.
Aqu elas regiões são com postas de pequenas propriedades rurai s, com seus hábi-
tos, costumes e estru tura soc ial. A ho spitalidade georgiana é famo sa, e as portas
estão sem pre abe rtas para os visitan tes entrarem e co m partilha rem um almoço de
quatro horas de duração . Parecia um a rara opo rtunidade de cr iar um bom auxílio
à memória. Ansiava registrar o máx imo possível, em parti cul ar, as apa rências e as
faces no táveis, que expressam de modo tão eloque nte sua história tur bulenta; eu
sabia que , em algum momento, aqu ilo te ria bom uso.

Enqua nto trabalh ava em uma nova produ ção de 1'v1acbeth, de Shakespeare, assis-
tia ao no ticiário televisivo. Concentrava-me na ilh ota escocesa de lon a, on de John
Sm ith , líder do Partid o Tra balh ista da Grã-Breta nha, estava sendo enter rado. Era
o le ndário local da sep ultura do rei D u nca n, de Forres, cu jo assassina to na s mãos
de Macbeth inicia a cade ia desas trosa de eventos, levando à morte após morte
na peça. Ta televisão, vi o con torno elíptico de lon a contra um céu luminoso.

99
À medida qu e o cortejo fúnebre se aproximava da sepultura, o pa stor da igreja da
Escócia descr evia a ilha como "u m lu gar muito pequeno, onde só um pap el de
seda separa o mundo material do mundo esp iritua l". Em lvIacbeth, Sh akespear e
cria um mundo onde o sobrenatural vive perto do natural; os doi s mundos estão li-
gados de maneira inextricável. Imagin ei im ediatam ente um palco frágil , estreito,
curvo , em forma de concha , que pod eri a ser iluminado a partir de baixo e ond e
as três irmãs bruxas viveriam , tendo o m undo mortal acima dela s. Lembrando
do s meus de sen ho s georgianos, que retr atavam simi larm ente clã s isolados na s
montan has caucasianas, vislumbrei como essas duas imagens poderiam ser uti -
lizadas juntas para criar a paisagem para a peça . Ienhurn a expe riên cia jamais é
desperdi çada (Figur a 3-1)'

Expressando o subtexto
O ca sionalm ente, art e e vida colidem, dando oportunidad e para a pesqui sa assu-
mir um foco pessoal qu e pode perm ear tod a a produção. Recebi uma proposta
de fazer uma das peça s qu e eu m enos qu eria fazer , O mercador de Vene.::a, de
Sh akespear e, com o grande ator sir Alec Cuinn ess no pap el de Sh ylock . Sempre
cons ide rei aque la peça de snecessari am ente liti gio sa, ind ep endentem ente da qu a-
lid ad e da produção . M esmo as versões do séc ulo XVIII , que tentar am ap rese ntá -
-la como uma comédia, fraca ssaram em enco brir suas defici ências e dificuldad es.
Assim, no s encon tram os no jardim con te m pla tivo de Cuinness, em su a casa , na
zona rural de Su ssex, para conversamos acer ca dos probl emas da peça. E m sua
casa , havia uma col eção de rep rod u çõe s da s pinturas de Morandi. Uma delas era
uma natureza-morta com garrafas sobre uma mesa junto a uma parede vazia.
. Cada garrafa era apresen tada isolada e solitária, com a forma e o formato retr a-
tados im pi cdosam ent e com todas as suas falha s, e trazida à pro emin ência por
m eio da par ede , cu jo fu ndo era liso e sem en feites. Morandi é um pintor do
sécu lo XX qu e pare ce aternporal . Suas com posições, com o aquelas de Chardin ,
po sicionam os obj eto s no espaço com a pr eci são de um dir etor de palco, con-
tando um a hi stóri a implícita de medo e isolam ento . Alec Cuinn ess afirmo u qu e
aquela natureza-m ort a era, para ele , a cha ve em relação à pe ça. Par ed es m antêm
as pessoas do lad o de dentro ou do lado de fora, e as defin em como insiders ou
outsiders, o qu e Cuinn ess enxergava co mo sendo o dil ema , bastante humano ,
de Sh ylock . Ele é n ecessário para ajudar a funci on ar a soc ieda de na qu al vive ,
m as é sem pre excluído. Conversamos a respeito do dil em a das minorias e dos

100
para lelos mod ern os relativ os a divisões étnicas e leis de segregaç ão, qu e co lo-
cam de te rm ina das pessoas atr ás das pared es, para qu e nã o possam co nta m ina r
ou poluir o resto da população. Os perigos disso estão descrit os tragicam ente na
peça de Shakespea re. As observações equ ilibradas e afáveis de Alec G uinness
me impressionaram mui to, e decidi ir a Veneza para ver, exata me nte, o mun do
da peça; o gueto do qual Shakespeare tin ha ouvido falar , mas que jama is tinha
visto. Claro qu e O mercador de Venez a não envolve, literalm ente, a cida de, não
sendo necessário reproduz ir edifícios ren ascenti stas no palc o. No enta n to, eu
estava proc ura ndo um a met áfora eloque nte e apropriada, e aqu ela jorn ada era
um pon to de partid a.

No início da primavera , ao chega r a Veneza, estava muito frio e úmido. Tudo o


que vi ali foi, sem dúvida , ma tizado pela febre alta qu e co ntraí de imediato. Em
meio a uma cerração, perambulei com um pequeno estojo de aquarelas, uma
câmera e a informação de um guia de viagem do séc ulo XIX qu e dizia: "Após
abril de 151 6 , os judeu s venez ianos foram forçad os a se estabe lece r em um a área
distin ta da cidade, on de existia um ghetto (palavra ven ezian a para fundi ção) de
peças de artilha ria". O gueto est<i situa do em Sestriere, no canale Ca na reggio,
co m acesso por um pórtico ladead o por du as antigas torres de gua rda de mad eira,
ou ad uana, abrindo-se para uma praça esqu álida e ap ert ada. A primeira surpresa
foi o tamanho reduzido da área e co mo as co nstruções eram extrao rdinariamen-
te alta s e precárias - como em m uitas favelas, on de as pessoas vão empilhando
suas moradias. Imediatamente, aqui lo apo ntou para uma possível solução cênica
para a peça: contrastar Veneza (vertical e co ntida ) co m Bel monte (hor izontal e
aberta). Embutida em um velho muro, à direita da entrada do gue to, havia uma
placa an tiga esc rita em latim , registrando as regras do espaço im postas pela cor te
venezia na : qu and o os portões seriam abe rtos e fechados, os hor ários de recolh er,
a exigênc ia de sempre port ar identifi cação, a proibi ção de reuniões públi cas e
observâ ncias rel igiosas e a proibi ção estrita de associação co m jud eu s conve rtidos
ao cristianis mo e que, portant o, podiam viver fora do gue to. Aqu ele era o mundo
de Shylock, Era impressiona nte o núm ero de muros qu e port avam outros dec re-
tos, com letras romanas profundamente gravadas, e, co nforme a luz ca mb ian te
alcançava as facetas das incisões, as let ras ficavam cada vez mais esc uras . Eu po-
deria fazer um muro com letras rom an as gravadas, qu e seria o texto em inglês
da placa em latim , na entrada do gue to. As regras do espaço esta riam sem pre
prese ntes, um lembrete consta nte para Sh ylock a respeito das restrições do dia
a dia. Para criar as distintas arnbi enta ções venez ianas, o muro pod eria se abrir,

101
e cada me tade poderia girar no fundo do palc o cr iando espaços diferen tes de
ruelas e pracinhas. Para as ee nas co ntrastantes de Belm onte, o muro poderia girar
pa ra o fundo do palco e não ser visto. Febrilmente, fiz peq uenos croquis in loco
e ma l podia esperar para voltar à Inglaterr a e compartil har aquelas descobertas.
Na primeira oportu nidade, fui me encontrar com o diretor, Patr ick Garland, e
com Alec G ui nness . Sem dem ora, co meçaram a ter ideia s sob re co mo pode riam
ut ilizar o muro. Durante muito temp o, estudamos a obra de Rom an Vishniac ,
fotógrafo russo. Em seus trabalh os co m figur as isolad as, agac ha ndo-se junt o a
muros antigos, encontramos um paralelo co m o isolam ento pungente de Shyloc k
em Veneza . A atmosfera seria ma is in tensificada por me io do uso da plangente
música para cordas dos trios de Shos takovich, tocada em co ntraste com as serenas
e religiosas Ves pro del/a Beata Vergine (Vésperas da San ta Virgem ), de Claudio
Monteverdi . Todos nós sen timos que aquele era um caminho por um assunto
difícil, em que o sub texto poderia ser expresso visualmente sem dom inar a cena
e afogar os ato res. Fiq uei grata de não ter sim plesmente recorrido a informações
de fontes indire tas encon tradas em livros, mas por ter rea lme nte expe rimentado e
registrad o diret am ente a atmos fera sinistra do gue to venez iano.

Encontrar imagens e referências


A pesquisa de campo rea l pode render resultados bastante inesperados. Sempre
que possível, viajei para os locais onde as peças eram ambientadas para criar um
sistema pessoal de arqu ivame nto em que posso fazer refer ências cruzadas de m i-
nhas infor mações visuais. Esse sistema de arqu ivame nto está alojado em uma
co leção de caixas de sapatos qu e têm tam anh o e forma perfeitos para cartões-
-posta is e fotografias, além de sere m facilme nte em pilhadas um as sobre as out ras.
A infor mação é inútil a não ser qu e possa ser facilm ent e acessada . Na prep aração
da mon tage m de Yemia, de Federico Carc ía Lorca , fui à Andaluz ia para obser-
var ou sentir algum ele me nto simp les que sintetizasse aquele mundo estran ho e
fechado . Fiq uei hospedada em Granada e decidi ir a Viznar, onde Lorca morreu
executado em 1936 e onde, como ouvi falar, um memorial fora recenteme nte
construído em sua homenagem . Ti nha comigo um mapa, mas ele não era mu ito
claro. Estava co m um a pessoa que falava espan ho l, e, pro nta me nte, descob rimos
qu e ningu ém qu eria nos dize r o local da m orte de Lorca , Havia uma atmosfera
pesada e desco nfort ável naqu ele vilarejo. Fina lme nte, encontramos o jardim do
m em orial, aban donado , atrás de po rtões de ferro preto de ixados entreabertos. O

102
jardim foi constru ído como um p átio suspe nso, com os poemas de Lor ca pinta-
dos a mão sobre os azule jos. Água corrente e bicas brot avam de font es invisíveis
nas co linas misteriosas, acima dos traçad os onde os ca minhões teriam passado
à noite fazendo um barulho contínuo . As execuções teriam ocorrido dc manh ã
bem cedo e sido ouvidas, por aca so, pelos habitantes de Viznar; assim foi descrita
graficame nte a mort e de Lorca nos relato s das testemunhas, contidos no livro Th e
Assassination of Federico García Lorca , de lan Gibson. 1 o entanto, no jardim do
memorial , os azul ejos estavam qu ebrados e lata s de tinta e pedra s tinham sido
arre messadas contra as par ede s maculadas e silenciosas do s poemas. Aqu ela noite,
e m G ranada, em um quarto quente de hotel, ouvi os cachorros uivando. A ten são
foi ines quecível.

I o m eu retorno, lembrei-me de uma viagem semelha n te qu e fiz alguns anos

antes para Safed, em Israel, ao norte do mar da Galil eia, outra comunidade fecha-
da. Na caixa de sapatos adequada , achei meus desenhos e fotos, e vi qu e os muros
estavam pintad os de verd e e az ul tradicionais, gravados com desenhos de flores
de jasmim , como tinha visto na And alu zia . As porta s muito pequenas das casas
ficavam aba ixo do nível da rua , c, acima dos portais arqu eados , pintados de azul,
existiam peda ços de vidro colorido em butidos na argam assa, capturando a lu z do
sol. Os int eriores escuros eram escassa me nte mobiliados e, ao me aventurar por
det rás dessas casas sec retas, vi grandes quantidades de roupas de baixo femininas
brancas zigue-zague ando pelos pequ enos pátio s, penduradas sobre cordas com
nós. A justaposi ção dessas duas experiências, Viznar e Safed, tornou-se o ambi en-
te para a produção de Yernia , visto através dos olhos de du as mulhere s, a diretora
D i Trevis e eu, que podíam os, ambas, en tende r o de sejo apaix on ado de Yerm a por
uma criança. Para dar total pro eminên cia às atri zes e manter a produ ção o mais
sim ples possível, decidimos usar o teatro em forma de arena. O s dois balcões do
Cottesloe Theatre, cercando o espaço nos quatro lado s, foram forrado s de roupas
de ba ixo femininas brancas, co mo a roupa lavada nos varais qu e tinh a visto em
Safed. Fize mos um piso de argamassa verde e, quando ainda estava úmida na
oficina de pintura, desenham os nela um motiv o decorativo de Aores de jasmim.
Sobr e esse piso, compl etado some nte por uma quantidade mínima de mobili ário
de madeira, cerâmicas de terr acot a e iluminação baixa, a diretora cri ou qu adro s
emotivos com as atrizes, qu e ca m inhavam , com passos ágeis e un iform es, do in-
terior para o exterior, ca ptura ndo os diversos humores inconstant es da peça e
da ndo ao pú blico um ins ight do qu e jazia no ce rne da atmos fera opressiva de um a
co munidade feminina fechada.
Pesqui sando o mundo m edi eval da peça de Fernand o de Roi as, La Celestina,
e as cida des onde se sabe qu e ele morou , fu i a Salaman ca, na Es pan ha. La
Celestina desenrola-se e m uma cidadezin ha fictícia, su pos ta me n te à beir a-m ar ,
já que a jovem h ero ín a obse rva navios passando a partir da torr e o nde ela está
encla usurada. Sal am an ca, qu e não é à beira-mar , é on de o ma nusc rito original
es tá ma n tido, e é on de os a u tos de fé durante a Inqu isição espa n ho la eram rea-
lizad os. Não é difícil per ceb er o mu nd o m edi e-
val de La Celestina n a Sal arnan ca atu al, onde,
para sua própri a seg ura nça , as pessoa s esta vam
con stantem ente em m ovim ento , anda n do pr ó-
ximas de muros e tom ando c u ida do para não
se re m ouv idas, po is as paredes têm ouvidos. A
peça é esc rita em m ovim ento co nsta n te, com
n enhum person agem perm an ec endo em um
m esm o lu gar durante muito tempo . Todos são
desconfiad os, ca u telosos e n er vosos. M eus dias
em Salaman ca foram som brios, pesados e atroa -
dores, pontuad os pel os sinos so na n tes das igre-
jas tocando co n tinua me n te , co n tribu indo par a
a atmos fera opressiva. O lo cal par ecia se m ar,
com o se o sol não fosse ca paz d e se ergue r alto
o ba stante, ac ima das torr es dos edifícios. E n tão,
vi os muros da universid ad e , co be rtos co m escri-
3.2 - Desenhos da escrita nos muros de uma un iver- tas e desenh os feit os desd e o séc ulo XV até os
sidade em Salarnanca dia s de h oj e . E m um a esc rita gr áfica extraordi-
nári a, decorada com pequ enas lu as e estre las, os
n om es do s estu dan tes, os motes e as declaraçõ es estavam pintad os no exte rio r
da universidade , como se o pr ópri o espírito das pessoas estivesse se ele van do e m
rel ação aos muros ( Figur a 3.2). Parada na ru a, desenh ei tudo aq u ilo par a uso
fu turo. I en h u ma expe riê nc ia jam ai s é desperdiçad a.

Fazendo referências cruzadas e ieciclando


Nossas vidas e nossos seg redos ín timos são reve lados naquil o qu e descartamos.
As caçam bas de refugos são um a fonte in esgotável de inspiração par a o ce nó -
grafo co lec iona do r. Apanh am os das ou tras pessoas o descart e qu e pod em os se r
ca pazes de utili zar, e isso também é pesqui sa. O s brech ós em tod as as part es do
mundo são ímã s para pesqui sadores qu e qu er em ver e sen tir como as roupas
foram feita s e estuda r a man eira pela qual as decora çõ es mudaram de sde os dias
do artesa na to até as roupas ca rgo do tempo de gue rra. Esses itens ainda pod em
ser encontrados em mer cad os e pequen as cidades, em bora muitas roupas antigas
tenh am se torn ad o itens co lec ionáve is e esteja m se valoriza ndo rapidamente. Os
figuri nos e as roupas ao longo dos séc u los reflet em a moral e o clima c ultura l da
época. O estilo visual de um períod o invad e tud o, desde o vestuári o pessoal até
os edifícios públi cos. Raram ente o qu e vestimos é neutro . A mai ori a das peças
de vestuá rio apregoa sua época e reflete a arquitetura , o estilo e o gosto cor-
rentes. A co nstrução per pendicul ar das prim ei-
ras igrejas, com arcos e pilar es de pedra altivos,
é ecoada nas dob ras perp endi culares e fluentes
dos retratos medievais dos cavale iros alonga dos
e de suas damas. O s arcos baixo s do estilo Tudor
ing lês, vistos nos grandes palácios clisabe ta nos,
são tra nsmi tidos nos retratos das dam as com os
cabelos pe ntea dos, co m seus ma n tos ar que ados
e dra peja dos preen ch endo os espaços arqu ite tô-
nicos e m perfeit a harm oni a. O s arcos arre don-
da dos são eco ados pelas sa ias arr edondadas do
séc ulo )"''VIII , e os entalh es de cor ativo s e florai s
em ma de ira e pedra são int erpretados exata me n-
te em fitas e sedas esta m padas . Esses exem plos 3.3 - Desenho da pesqu isa para padrão de azulejo
são repet idos em eada época: o movim ento atua l med ieval
de formas ecléticas e a arqu itetura temporária
desconstru ída são espelhados no vestu ário cotidiano da s rua s come rciais de tod o
o mundo. As roupas de época pod em ser personali zad as para refletir as idiossin-
crasias do usuári o mediante a escolha do padr ão , do s orname ntos decor ati vos
e dos ma te riais e modos de ut ilização do traje. Poder em os misturar épocas e
estilos se isso parecer ade qua do à peça ou ao person agem . A pesqui sa de refe-
rênc ias cruzadas e a tran sfer ência são cri ativa s desde qu e agregue m à clareza
do person agem . Utilizei um padrão de azul ejo a partir de um piso medi eval
visto no Museu Britânico (Figura 3.3), convert endo-o em um tecido impresso
para um do s figurinos de Falstaff (F igura 3-4), e, em co ntraste, utili zei um a
mode rna jaqu et a de co uro de motocicli sta par a um figurin o elisabe ta no em
The Revenger's Tragedy.
Saber quando parar
Fascin ante co mo é, a pesqui sa também pod e se r uma arma dilha se aca ba r se
torn ando , em si, m ais int eressante do qu e a próp ria peça. Os p rogram as se tor-
nam pequen os livros, ilu strad os prodi gam ente co m os fru tos da pes qu isa, fotos
de arqu ivo de produ ções pr évias e artigos eru ditos sc miacad êrn icos . l~ uma

P A ,\T Tl'íQ
4 Ll.. J CEf'r3

3.4 - Desenh o descritivo de figurino de Timo thy "'est como Falstaff, usand o o pad rão do azu le jo

106
adve rtênc ia amarga sentar-se na plat éi a e perceber qu e mai s pessoas estão lendo
o programa do que assistindo ao espe tác ulo diante delas. 1\ pesqui sa é apenas o
meio pelo qu al a peça pod e assumi r sua form a, sua cor e seu form ato, e deve ser
capaz de ser absorv ida 110 trabalho para qu e se lorne bastante natural e tod os
se sintam no mundo da peça . Tra zer a pesqui sa para a sala de ensaio com o
ing redien te ativo da ativida de grupal, sem torn á-Ia um a ativid ad e pessoal , ajuda
todos a viverem os pap éis da peça e, pelo cur to per íod o desse trabalh o, se torn a-
rem especia listas no assu nto. Assim, m em órias sur pree nde n tes se apresentam ;
elas estava m, pro vavelmente, ado rmecidas durante anos, ap en as espe rando um a
oportunidade para serem utilizad as.

Trabalhando em u ma nova m on tagem de O iardim das cerejeiras, obra-p rima de


Anton Tc h ékhov, de 190+ co m o diretor Steph en Un win, lembrei-m e de m inha
prim eira visita à Polônia, qua se trinta anos antes, quando fui levada à zo na rur al
da Mazóvia para visita r um pequen o solar, muito m alcon servad o, den ominad o
Zelazo\\'a \ Vola. Essa casa , construída e m 1S:W , foi o local de nascim ent o do
com pos itor e pian ista Fr éd éric C ho pin, qu e passou a maior part e da vida via-
jando entre a Polôni a e Paris. As ce re jeiras qu e rod eavam a casa estavam em
plen a floração e lan çavam som bras sobre as antigas par ed es de reboco bran co.
To dos os apose ntos eram decor ad os exata me n te da m esm a form a, co m as jan e-
las direcionadas para o jardim das ce re jeiras. A seve rida de só era aliviada pela
série co n tínua de lintéis curvados de m ad eira de cor castanha sobre as jan elas,
das qu ais pendiam sobras esfarrapadas de cortinas. O chã o de madeira tinh a
desbo tado, torn an do-se qu ase bran co, e as port as duplas, bran cas, falavam de
um tempo mais nobre no passado. T ransm itia uma sim plicidade enca ntado ra
e inesquecível, um a imagem qu e já tinha se gravado na m in ha m em ór ia pa ra
uso futuro, pois um ce nóg rafo co leciona imagens com o um esc ritor co leci ona
diálogos (Figuras 3.5 e 3.6).

Escrevi o poe ma a seguir a partir da contraca pa do gu ia de viage m:

partem com seus murmúrios secos


traze m muitos pen sam entos
e m uitas mem órias
e muita música

Pesquisa é isto: um a viagem de descoberta .

10 7
-~-

- -Jr=!

3.5 - ",\ l in ha infância, minha inocência", O iardim das cereieiras

3.6 - "Va mos por aqui", O iardim das cerejeiras

108
o MISTÉRIO DAS COISAS (Fernando Pessoa)
Pesquisa primária
E m N oíte de Reis, de Shakespeare, o bobo Feste ob serva : " ão há trevas, ma s sim
ignorâ nc ia". A pesqui sa, co m foco e bem utili zad a, é a ponte en tre as trevas e a lu z,
en tre esta r preso e desesperad o e ter senso de direção para descobrir o m istério das
co isas. O co n texto da obra , os person agen s qu e a habitam e suas hi stóri as nec essi-
tam de estudo e registro , de man eira que se jam ú teis para todo s os envolvidos na
cr iação definitiva. A cenografia demanda uma m etodologia de pesqui sa qu e per-
tença obje tivame n te ao proj eto e reAita su b jetivame n te a visão pessoal do pesqui-
sador. O ce nóg rafo criativo deve sabe r co mo e onde enco n trar informações, para,
em segu ida, sabe r utiliz á-las. A pesqui sa se divide em dois percursos: prim eiro,
co le tar inform ações qu e são facilm ente ac essíveis e identicam ente obt eníveis
por qu alquer pessoa; seg u ndo, fazer um a pesqui sa ori gin al ou primári a, qu e é
o resu ltado do po n to de vista pessoal , exc lus ivo do pesqui sad or. É muito fácil e
ráp ido utili zar um m ecani smo de bu sca , ir para a pesqu isa avan çada e imprimir
o resultad o fatu al inst ant ân eo. Pode ser um bom ponto de partida . No en tan to,
a pesqui sa primária , ou o ato de olha r mais longe , é um proc esso muito distinto.
Sig ni fica busca r algo qu e ai nda não é co n hecido ou definido, em ba rca ndo em
uma viage m de descob ert a, como os prim eiro s descobridores, e permitin do a pre-
sença do inesperado e do acid ental na ave n tur a. A pesqui sa de verdad e tem de
ver alé m da su pe rfície. Deve investigar o int erior do assunto a fim de qu e ele
se ja recriad o prov eito sam ente. O s desenhos de pesqui sa de Leonardo da Vin ci
inves tiga ndo a ana tom ia hum an a ou o fun cion am ento das m áquinas são exem-
plos de pesqu isa primária. Ele demonstra investigação ori gin al , alimen tada por
um a cur iosidade insac iável de ver através da pele do su jeito e en tende r a estru tura
e o fun cionamento int erno, qu e são sua base. Em Nantes, na França , os ateliês
de Les machines de l'il e, sob a dir eção de François Delaro ziere , criam aran has e
elefa n tes m ecâni cos qu e descon cert am e m exem com milhare s de espectadores de
cida des de todo o mundo, que se re únem espon taneame n te par a ver esses even tos
de teatro de rua . Seu cr iado r afirma: "Trabalham os da me sma maneira que um
pin tor: se ele qu er pintar um corpo, ele pen sará a respeito do s ossos sob a pele para
deixa r o co rpo real. Assim, nós também pen sam os a respeito do qu e está dentro'".

9 Phil l logan , "1I0\\' Liverpool fell for a gialll crec py-crawly". The O bserver. Lond on :
selem bro de 2 0 0S.

1°9
A evidê nc ia de ssas construç ões in críveis não reside em sua aparên cia, qu e se asse me -
lh a ao su jeito (mas qu e não o reproduz de mod o reali sta ), m as n o estudo cu ida-
doso, qua se cien tífico, do movim ento do animal, que é, então, traduzid o tecni ca-
m ente . Isso também se evidenc ia na Handspring Puppet C orn pany, da Africa do
Sul, qu e co nstru iu os cavalo s para a adaptação teatr al do roma n ce de Mi chael
M orpurgo a respeito de um cava lo da Primeira G uerra Mundial , ada ptação essa
apresentad a no Royal National Th eatre, em Londres, em 20 0 7 . C omo o im en so
el efante do su ltão e a aranha de 15,24 metros de altura , os cavalos de tamanho
natural eram evid entem ente m ovimentado s por pessoas, mas seus movimentos
verda de iros, a man eira pela qu al moviam as ore lhas, fun gavam , arr em eti am e
caíam no chão, era tão bem pesqui sada , estu dada e traduzid a qu e os espectado res
ficavam aos prantos e en te ndiam mais claram ent e do qu e qu alquer oratóri a polí-
tica o horror ab soluto e a futilidade da gue rra.

Colchas de retalhos de memórias


Frequentem ente , a escuridão é resultado de memórias perdidas. O teatro é o
m eio pel o qual esses fragm entos pod em se r reen contrados e ga n ha r nov a vid a
a partir da persp ectiva pessoal. As investiga ções de como as pessoas viviam. re-
construídas em suas car acterísticas essen ciai s, trabalh am pod erosam ente sob re
os se n tidos da memória e da identificação dos espectadores; às vezes, de modo
pra zeroso, em outras, de modo doloroso. N a peça planej ad a para se r en ce na da
no antigo e en cantador Rex Cinem a, no distrit o d e D oréol, em Bel grado, foi
solic ita do a um gru po de arti sta s interdisciplin ar es da Un iversida de d e Art es de
Belgrado - composto de atores, um dramaturgo /escritor, a rtistas visuais, um
arti sta de som/lu z e adereci sta s - qu e pesquisasse as hi stórias da s p essoa s qu e
viveram em Doréol no período en tre a virad a do séc u lo XIX e os an os 1940,
é po ca em qu e o Rex era um centro cu ltur al vibr ante e um salão d e bail es para a
agora n ão mai s existe n te co m u n idade jud ai ca . Dor éol ficava bem no ce n tro de
Belgrado , outrora um bairro turco e, no período estu dad o, era um bairro judeu .
As hi stóri as dessas duas comunidades de saparecidas esta vam intimamente entre-
laçadas e eram a base de uma perlonnance qu e explora va o edifíc io . ligando
m em óri as e espaços. A pesqui sa foi ap rese n tada por m ei o de monólo gos de uma
página , em prim eira pessoa, acompanh ados por imagens visuai s, roupas, trajes
folclóricos ou memorabilia que pudesse ser encontrada. No dia da narrativa , os
curtos mon ólo go s foram lidos em voz alta, ocasionalm ente com ac ompanha-

110
m enta mu sical. No fim daqu el e dia, seis hi stóri as de seis personagen s diferentes
foram sele ciona das para sere m desenv olvid as em um tema coe re nte . Era com o
ter lãs de cores vivas par a tricotar, sem sabe r com ce rteza qual seria o padrão da
peça de roupa . Dessa miscelân ea de informações, uma colc ha de ret alh os de
memórias começou a ser construída. A pesqui sa a respeito de cada pessoa era
ind ividu al e pessoal , ma s também fazia parte do todo , e tornou-se um a exposi-
ção públi ca pictóri ca insep ará vel da performance final, muito apr eci ada pelo s
espectadores. C omo ben efício adi cional , a atividade também ens inou aos ato-
res algo a respeito de sua pr ópri a hi stóri a, algo qu e eles não conh eciam: um
bo m m otivo para descobrir, realm ente, coisas ace rca de um assunto.

Pesquisa criativa
o desenv olvim ento e a manuten ção da cur iosidade cu ltur al, qu e revelam a in-
terl igação de assuntos ap ar entem ente distintos, são ati vidades muito importan-
tes. Atua lme n te, os prin cip ais mu seus ofer ecem exposições arrasadoras, qu e
cri am tai s ligaçõ es inter cu lturai s, e, com o são maravilhosas e estimu lan tes,
fre que n te me n te não são mai s do que um tipo inv erso de teatro , onde atores são
ob jetos estáticos e espec tado res são atores em movimento . O fato de co m prar
cartões -pos ta is nas lojas especialme nte criadas para a oca sião, escu tar fitas de
áud io ou ler um ca tálogo não gravará a exposição na m emória , a m en os qu e
ela se ja apoi ada por um desenho ou uma anota ção pessoal reali zad a no local.
A pesqui sa não é sim ples me n te co m prar um prato pronto no supe rme rca do
c u ltura l, mesmo se for cô m odo e estiver e m ba lado de modo atra ente . A pesqui-
sa trat a de co m o os fato s ating em o receptor e n ão envolve a aceita ção de um
dad o det erminado por alguma outra pessoa. O gravur ista tch eco V ácla v Hollar
reg istro u cu idadosame n te o povo e os traj es femininos qu e viu e m diversos
pa íses qu e visitou entre 1642 e 1649. Ele tinh a um olh ar agu çado e ob servad or
e tinha facilidad e de tran sferir o qu e via par a o papel. Era at ento às sing ula ri-
dad es das vestime n tas e registrou , em suas séries Tlieatrum JVlulierum e Aula
Veneris, acessórios de cab eça estran hos; com o o corpo feminino era distor cido
pel os fabricantes de espa rtilhos, induzindo a usuária a manter uma postura
específica; como as maneiras de se vestir representavam classe e status; e como
m u itas cam ada s de ca pas forrad as de pele s tinham de ser usad as para afastar o
frio e a umidad e. A partir dessas pequen as gravur as, é possível conc eb er tod a
u ma vida para essas mulher es, qu e par ecem esta r olhando de lado, suspe itando

111
do artista qu e as estava desenhando . No en ta n to, essas gravuras não eram um
fim e m si, ma s mat eri ais de pesqui sa bruta par a próxim as obras alegó ricas de
im agin ação e lib erd ad e in críveis, qu e levam o criado r e o ob servador a territó-
rios inexplorad os. Mediante um m étodo co m ple ta me n te diferente, m as co m
um fim simila r, o artista din amarqu ês Olafur Eli asson pesqui sa per cep ções
senso riais da lu z, do som e do che iro, levando os obse rvadores a novos mund os
de expe riênc ias, frequ entem ente em um a escala im en sa qu e desafia a im agin a-
ção. Su a obra faz refer ência às pai sagen s de sua infân cia island esa, e sua cur io-
sida de e seu int er esse estão em de scobrir o ponto em qu e natureza, ciê nc ia e
arte co lide m. Ele é um colec iona dor de m em óri as e, co mo arti sta de estudos
da lu z, pesqui sa forma s orgânicas qu e se torn am suas lâmpad as in ven tada s. Su a
obra Weather Project, exposta em 2 0 03 no Tat e M od em , em Londres, co nsistia
em uma lu z amarela gigantesca, sem elha nte ao sol, e os visitantes do m use u
se deit avam espo n ta nea me n te sobre o chão, deixand o-se banh ar por sua lu z
dourad a. A ilumin ação do saguão da Casa de Ópera de Cope n hague exibe
ou tra manifesta ção de forma s orgâni cas, ema na da de um mi cro scópi co estudo
e obse rvação das ca rac te rísticas, muito como Holl ar ob servava as sing ula rida-
des das pessoas.

Materialidade
A pesquisa também deve abranger a visita aos espaços de performance, sobre-
tudo quando se trabalha em um ambiente teatral não tradicional. Cada lugar
tem uma história e uma narrativa que falam por suas pedras e muros. A foto-
grafia é inestimável para documentar todos os ângulos distintos do espaço,
principalmente agora que é tão fácil manipular imagens. No entanto, suple-
mentar isso fazendo decalques de texturas com lápis de cera sobre papel fino,
se ajoelhar no chão e buscar uma ligação direta com os materiais reais do
espaço, pode trazer ainda mais ideias para o trabalho final. Vagando pela cida-
dela de Eptapirgio, vazia e quase abandonada, em Salônica, na Grécia, para
a preparação de The Greek Passion, minha atenção foi fisgada pelas camadas
descascadas de tinta azul quase desaparecida nos umbrais das portas, mas
ainda misteriosamente ali. Peguei algumas dessas lascas de tinta, com variadas
tonalidades de azul, e as datei como se fossem anéis de troncos das árvores.
Peguei maços de orégano e alecrim silvestres e ramos de olive iras e damascos
caídos no chão pedregoso . Tirei fotos e me sentei nas diversas partes do local

112
qu e não estavam convertidas e m espaço cênico, tirando amostras de cor de
pedras e rochas soltas. Flores selvagens prensadas, pedacinhos de pedra em
desagregação , desenhos de ime nsas pan ela s de cobre usada s quando a fort aleza
e ra utilizada co mo prisão da cida de, bancos de madeira pintados de azul , gran-
des ga nc hos de ferro no s muros reciclados de pedras antigas, esculturas com
moti vos decorativos islâmi cos, pilares de mármore quebrados, obras antigas de
alvenaria... Tudo reunido como uma colcha de retalhos maluca , de screv endo
as épocas e os estágios da construção. Essa materialidade - a qu alidade do es-
paço - é tanto pesqui sa cenográfica como de bib lioteca . Depois de escalar os
baluartes, já bem no interior do s muros de grande esp essura, atravesso as cela s
esc ur as e sem ven tilação. Quando meus olhos se acostumam com a penumbra,
ve jo desenhos e in scrições a ntigas gravadas profundamente na superfíci e do
muro . Essa é a propriedad e que estou procurando, a chave para a se nsaçã o das
im agen s qu e qu ero criar, qu e não serão desenhos, ma s rabi scos. Arranqu ei um a
págin a no m eu cade rn o de desenho e, com um lápis ma cio , de calquei sobre a
su pe rfície riscada da pedra . Consegui uma refer ência direta. Posteriorm ente,
rei nt erpretei essa propriedad e ao criar as imagen s dos personagens, inventando
uma técni ca de raspar e arranhar como alternativa ao de senho (ve r as Figuras
4-4a-f). Subi mai s alguns degraus íngrem es e perigosos, por onde os prisionei-
ros devem ter caminhado de modo exaustivo. Ganchos de metal agourentos se
pr ojetavam do muro . Pássaro s se m vida, sec os, espalhavam-se pelo chão, e as
pe nas soltas aprese ntavam a qu alidade árida e a rra nhada , igual a dos muros,
com gradações de cor, do azul muito esc ur o ao branco acin zentado. Pegu ei
algum as par a levar para casa. Aind a mai s adiante , havia outras celas pequenas
no int erior da pr ópria torr e, e, naquele mom ento , em uma altura vertiginosa,
e me rgi sob re as am eias, com vista para a cidade, no ponto mai s alto . Baixando
os olhos para um dos lados, vi um posto de gaso lina e um su perme rcado, e,
para o outro , as ruínas dos muros da antiga cidade bizantina, de scendo a en-
cos ta na dire ção da cidade e do mar abaixo . E, sur preende nteme nte, no outro
lad o da baía, a forma triangular do Monte Olimpo, com se u pico coberto de
neve; o lar mítico de Zeus e l-lera. A lu a iluminou o interior da fortal eza, e, no
páti o aba ixo, qu e só pod e ser visto daquela altur a, pequenas pilhas num eradas
de esc u lturas de pedra estavam reunidas em filas, como pri sioneiros espe rando
para receb er ord en s. Posteriormente, descobri com o en trar e vi bela s esc u ltu-
ras de cabeç as de carneiro, pássaros gravados no mármore , moti vos decorativos
islâmicos delicadamente entrelaçados e gravados nas pedras. Eram inci sões e
inscrições. As palavras tam bé m são pe squisa . O utro pá tio, atrá s de um muro
alto com ferrões met álicos grossos, guardava um edifício de concreto acre,
com janelinhas com barras, claramente um bloco sinistro de prisão; a ala
para os prisioneiros políticos, que ainda estava em uso em 1986. O luar caiu
abruptamente sobre o interior da fortaleza, alterando a geometria do espaço e
demonstrando como os locais requeridos para a ópera serão facilmente alcan-
çados pela luz. Sentei-me em Ulll dos assentos da arquibancada para seiscentos
espectadores, na área cênica suspensa e no fosso da orquestra para 66 músicos
que seriam construídos, e desenhei as distintas quedas de luz. O espaço dispu-
nha de todos os ingredientes brutos, incluindo regulamentos estritos de que
nada teria permissão para tocar os antigos muros em desagregação .

Como diretora dessa ópera, quis utilizar a altura da fortaleza para obter o máxi-
mo de efeito, sobretudo para o grande coro. As portas das celas pintadas de
azul, marcando o grande muro atrás da escadaria, recordaram-me os desenhos
que fizera dos vilarejos na encosta da colina, e pude ver aquele muro repre-
sentando o vilarejo de Lycovrissi. O coro de mulheres saindo de suas casas de
construção vertical podia se agrupar sobre a escada de ferro com vista para a
praça do vilarejo, muito como Kazantzákis descreve em seu romance O Cristo
recrucificado, em que a ópera se baseia. Em uma posição mais elevada , sobre os
baluartes, a residência de Agha poderia ser indicada, como no livro, "por uma
porta turca pintada de vermelho", com um toldo de seda rosa e um telescópio
dourado de onde ele poderia inspecionar os eventos abaixo . As cores desse
mundo desaparecido são registradas nas belas imagens - autocrornias - feitas
pelo fotógrafo francês Albert Kahn (1860-1940) e sua equipe no livro Salonika
(1913-1918). O arquivo está no Museu Albert-Kahn, em Boulogne-Billancourt,
em Paris . Essas fotografias são parte de um megaprojeto de Kahn para docu-
mentar o mundo em fotografias. Qualquer pessoa que queira descrever a vida
humana nesse período deve estar ciente desse arquivo . As imagens coloridas
avivam detalhes pessoais do dia a dia, tecidos, roupas, panelas, crianças, arqui-
tetura (tanto humilde quanto grandiosa ), detalhes que seriam perdidos ou exis-
tiriam somente como memória desvanecida. Nas fotografias que Kahn fez das
igrejas ortodoxas de Salônica, percebi que os pisos estavam cobertos com pesa-
das esteiras de juta, orladas e decoradas com listras vermelhas, e, ao pesquisar
fabricantes têxteis modernos , descobri que os materiais básicos ainda estavam
disponíveis, relativamente baratos, e que seriam ideais para a aparência, a dura-
bil idade e a absorção do som de nossa produção.
Pesquisa colaborativa
Quanto mais coletiva a pesquisa , mais a rede se espalha e mais colegas têm a
se ns a çã o de pertencimento ao projeto. Na preparação da produção do workshop
para a ópera O casamento, de Bohuslav Martin ú, todos foram convidados a
participar da pesquisa e contribuir com fotos , imagens e memorabilia para a
parede da memória, realizando uma grande colagem visual. À medida que
essa colcha de retalhos de objetos começou a se desenvolver, os participantes,
espontaneamente, começaram a remover itens e reordená-los de acordo com
títulos pertinentes aos nossos temas . Gradualmente, emergiram um ponto de
vista e uma estética que permearam nossa seleção final de mobiliário e objetos
que descreveriam as distintas arnbientações da ópera. Cada pequeno detalhe
poderia levar a uma ideia : a foto de uma geladeira antiga, a cor de uma fonte
gráfica em uma revista de época, uma faixa para o cabelo, um par de luvas .
Todos esses objetos serviram para nos informar a respeito de um mundo que
não existia mais, mas que estávamos procurando recriar. Esse é o propósito da
pe squisa teatral. A pesquisa, se confinada em um arquivo ou em um compu-
tador, é inútil. Para ter algum uso , deve ser acessível e estar disponível para
todos . Dessa maneira, torna-se uma dramaturgia visual que apeia e aprimora
a produção. Muito da cenografia não é uma questão de realizar belos projetos
(e m b or a isso também seja importante ), mas realizar escolhas r ápida s e tomar
decisões elegantes dentro da estética escolhida . Que tipo de xícara de chá é
adequado? Que tipo de sapatos aquela pessoa usaria? Que cores resumem o
quarto de uma garota dos anos 1950? Os brechós e os armazéns de coisas usadas
são lugares excelentes para pesquisa e reconstituição das vidas di árias do passa-
do . Lá estão os fantasmas esperando para ser reencarnados, os sapatos esperan-
do para serem calçados novamente , os chapéus procurando por uma cabeça.
Em Pittsburgh, nos Estados Unidos, em um depósito de móveis usados, vi filas
de cadeiras estranhas alinhadas em um almoxarifado. Elas tinham um senso
de expectativa, como se estivessem esperando que algo acontecesse na frente
delas . Fiz um desenho que combinou todas as propostas da pesquisa até aquela
data. O curador da Galeria Miller de arte contemporânea , da Universidade
Carnegie Mellon, viu o desenho e me ofereceu de imediato um grande espaço
branco que ocupava todo o segundo andar. Meu projeto tinha um lar e não
poderia ter sido melhor (F igura 3.7). O desenho , baseado em sua pesquisa, foi
o emiss ário para o projeto .
3.7 n- Instalação
Ca . Mellonde• eO casamento nosGEstados os • níversídad e
legle m Píittsb urg h• na Unid
aleria Mill e r d e arte co nte mpo rânea na U .

116
"

117
Pensamento lateral
Posteriormente, quando a ópera precisou ser remontada para um público muito
maior, a presença de muitas cadeira s tornou-se impraticável, pois impedia as linhas
de visão, e outra solu ção precisou ser encontrada (Figura 3.7).

A área de assentos do teatro sempre pareceu ser uma área inexplorada, sobretudo
quando cada vez mais produções são realizadas em espaços não teatrais . Em geral,
uma arquibancada com assentos padrão, que são baratos , seguro s e eficientes, é ins-
talada , prestando-se pouca ou nenhuma aten ção ao seu impacto visual no espaço. O
Royal Albert Hall , em Londres, foi construído em 1871, com um sistema de assentos
giratórios. Os camarotes possuem cadeiras altas especiais para os espectadores qu e
se sentam no fundo . Munida dessa informação, fui pesquisar e expe rimentar aquela
realidade e, durante uma ópera fastidiosamente longa, fui capaz de testar distintas
ideias originais de assentos que ainda não têm equivalentes. Procurando adaptar 1871
a 20 09 , comecei a pensar que , em vez de cenários móveis, os espectadores poderiam
mudar seu ponto de vista se houvesse um sistema flexível de assentos que fosse barato
e seguro. Assentos flexíveis para espaços flexíveis. Há uma adaptação da tecnologia
de hovercraft (aerobarco) na qual conjuntos inteiros de assentos podem ser movidos
por compressores de ar, mas isso não costuma ser financeiramente viável. Teria de ser
barato e temporário, pois era somente para uma produção. Talvez o assento pudesse
ser feito de papelão, que consegue ser bastante forte se construído de modo apropria-
do. Isso me levou a procurar a ajuda de um desígner de produto l0, que me pôs em
contato com o departamento de engenharia de uma universidade que estava pesqui-
sando como tornar sustentáveis móveis de papelão, um tanto à maneira pela qual
Leonardo da Vinci tentou fazer máquinas voadoras. Um aluno ligado à pesquisa me
mostrou um banco de papelão desmontável que poderia receber uma impressão de
qualquer desenho ou cor e que tinha sido aprovado em todos os testes de segurança;
além disso, era tão barato de produzir que poderia ser incluído no preço do ingresso .
Assim, o espectador poderia levá-lo para casa. É estável, mesmo para pessoas pesadas,
e pode ser movido com facilidade de um lugar para outro. Ainda era necessário uma
plataforma para que os espectadores pudessem enxergar sobre as cabeças das outras
pessoas, à frente, mas isso já é um salto no escuro imaginativo; além disso, os bancos
pareciam totalmente apropriados para a nossa época, da mesma forma que os assen-
tos mais luxuosos do Royal Albert Hall devem ter sido há muitos anos .

10 Jarnes Chu, criador do Perfect Perch (www.perfectperch.co.uk} .

118
Criatividade e tecnologia
A pesquisa de um novo assunto ou espaço é uma maravilhosa oportunidade para a
descoberta de novas possibilidades tecnológicas c para a investigação de seu uso.
Essa foi a oportunidade oferecida com a criação do novo em relação à ópera-coral
Edd! af Manhood End. Com o advento dos festivais de m úsica pop cm todo o
mundo, a tccnologia da tenda foi desenvolvida além da imaginação. Atualmente,
as tendas podem ser construídas em qualquer tamanho e formato, tcr tratamento
ac ústico por meio de forros duplos, receber iluminação e pisos, mas são tempo-
rárias e reutilizáveis, como as lonas de circo viajante sempre foram. I:: um gran-
de dcsafio criar um evento a partir do nada, em um espaço não existente. quc
seja seguro, agradável. sustent ável e não muito caro. Uma tarefa fenomenal. que
exige uma equipe de pesquisadores trabalhando juntos para associar informações
e revelar possibilidades. Comenta-se que, normalmente, discussões e reuniões se
ocupam do que não pode ser feito, e esse é exatamente o processo oposto . Um
especialista em som est á trabalhando em versões surroutul. Um especialista em
fibra óptica sugere que, para se manter a sensação de ar livre em uma noite fria
de outono, o teto da tenda pode ser de um tecido com estrelas de fibra óptica e
vigas de madeira encravadas em uma extremidade, para dar a sensação de capela,
e sobre a qual a forma da tenda se baseia, sem reproduzi-Ia de modo realista . Um
especialista em tenda encontra uma maneira.

Objetos cotidianos
Um novo projeto sempre é um desafio estimulante e também o momento sedutor
do início de algo sublime. A busca de conhecimento, mesmo para ser reduzido à
utilidade, é infalivelmente atraente. Doze peças recém-encomendadas a respei-
to de aspectos do Afeganistão, com duração de meia hora cada moa, devem ser
encenadas no espaço em forma de pátio do Tricycle Theatre, na região noroeste
de Londres. É tempo de ler e investigar a respeito do assunto. Como desígner do
projeto, mal posso esperar para descobrir algo -uma cor, uma textura ou um arte-
fato - e iniciar o processo de criação. Nunca sei de onde o ponto de partida pode
vir e, muitas vezes, é tota lmente inesperado. Dirigindo por uma estrada vicinal,
não longe de onde moro, no coração da zona rural ondulante inglesa, notei, na
beira da pista, uma placa escrita a mão que nunca tinha visto antes: "Venda de
antiguidades aberta à visitação pública por apenas um dia", e havia uma seta
apo nta ndo para a estradinha de um lugar. Im pul sivam ente, pegu ei aque la dire-
ção e, mais à frente, enco ntrei um grande ce leiro che io de ca nde labros, móveis
pintad os, espe lhos e persiana s de jan elas - um a indescritível cave rna de Aladim,
Do me u estu do extensivo de artes decorativas, reco nhec i difer entes estilos: dos
B ál cãs, da Itália e da Turquia. O propr ietário, um negociante de an tigu idades
napol itano, quis saber qual era o me u interesse , e lh e explique i que procurava
algo para inic iar o projeto do Afeganistão, mas sem ter ain da um a ideia especí-
fica. Comecei a bisbilh otar e ac he i um tesouro che io de ideias. Algumas rodas
en ferru jadas de um antigo veícul o motori zado, um berço de fer ro pintad o co m
express ivas figur as, agora muito pou co visíveis, dan çand o, e um par de persian as
da jane la externa de uma estufa, com ripas fixas de madei ra, claramente orig iná-
rias de um pa ís quente. De mo do rep entin o, o dono volto u com um pacote gran-
de e misterioso , em bru lha do em pap el pard o, infor man do qu e qu eria dar um
presente ao projeto. O propri etári o me ofertou o artefato mais sur pree nde nte :
uma moldura de mad eira, grande e vazia, co m a supe rfície supe rior en talhada
de forma elabora da, clarame nte do Afeganistão; não era uma an tigu idade , mas
um objeto cotidiano. A mo ldura de mad eira estava coberta com papel prateado;
tinha algumas par tes destruídas e outras em processo de desintegração. O papel
pra tea do foi pint ado de verde-escuro , e, sobre a supe rfície, pintadas a mão por
algum artesão distant e, havia pequ en as flores delicad as, em ara bescos e espirais
de cor e motivos decor ativos entrelaça dos. Tod a a moldura estava co be rta co m
acr ílico, qu e havia sido estilhaçado como vidro que bra do, mas ainda estava pre so
à base. O centro pode ter co ntido um espe lho, uma pint ura ou um a fotografia,
talvez pro ibida e removida à força. É extremamente frágil. A combinação de ma -
teriais - madeira, papel pratead o, tint a, flores, na tureza , plástico - co nté m toda
um a históri a, e estava ali, em mi nhas mãos. Como qu em co loca um beb ê na
cama, pu s a moldura no porta-mal as do meu ca rro: sabia qu e tinha enco n trado
a chave para o meu próximo trabalh o, e qu e, a part ir daquil o, tod o o resto viria.
D irigind o de volta para casa, perg un tei-me como ter ia reco nhecido a orige m do
objeto e por que o mesmo me parecia tão familia r. Então, lem brei-me de qu e,
mui tos anos antes, dura nte uma viagem para Tbilisi, na Geórgia, eu co m pra ra
alguns restos de tecid os em um mercad o, entre eles, um casaco afegão em farra-
pos. Eu o encontrei, e vi qu e suas flores, a maiori a das qu ais qu ase desaparecida ,
tinham sido bord ad as no grosso tecid o de lã verd e-escu ro, em um padr ão qu ase
idê ntico ao da mo ld ura de madeira. A part e interna do casaco é constituída de al-
godão com estampa floral, costurado intricadamente a mão com pontos tran ça-
dos, para proteção co ntra o frio. Em certos lu gares, a superfície flori da est á gasta

120
e um enc hi me nto de algodão cru está brotando através dela, co mo sementes qu e
não morrerão. Em bo ra durante o processo de ela boração de u m novo pro jeto
eu leia livros, assista a do cum entário s e veja fotografia s, nada terá a verdade e
a imediação desses ob jetos feitos a m ão, qu e outro ra foram possu ídos e agora
esperam outra vida .

Dramaturgia visual
Atua lmente, há um ace rvo subs ta nc ial de livros de pesqui sa e artigos sobre aspec -
tos da cenografia, co m um a comu nidade internacional vibrante, m esm o qu e pe-
que na , de pesqui sador es acadê m icos co loca ndo a m atéria em domíni o público.
Encontrando-se, muitas vezes, em recint os im pone ntes de antigas universidades,
trocam artigos ou apresen tam teses de do u tora me nto a respeito de tópicos rela-
tivos à ce nografia. I-lá pou co tempo, um a co isa dessas teria sido inimaginável.
Ho je, há publicações eruditas qu e oferece m reflexões e pro voca ções, e podem até
influenciar a prática cenográfica real de algué m . É sina l de que a m atéria é levada
a sério. Há dem and a de estuda ntes para estudá-la, e, portanto, um a exigênc ia
sobre as institui ções aca dê m icas e artísticas de forn ecer pessoal para ensiná-la.
Isso, por sua vez, cr iou um a co nfraria ce nog ráfica aca dê m ica e prop orcion ou
em pregos para profissionais co m int eresse em pesqui sa. o enta nto, a int egração
en tre teoria e prát ica ainda tem de ser alca nça da, e qu em sabe o surg ime nto de
uma nova disciplina de drama turgia visua l possa ser essa ligação. A pesqui sa teóri-
ca erud ita e origin al agrega ao co n hec ime nto co letivo da matér ia e forn ece um a
aná lise crítica clara e muito necessária sobre o pro ccsso e o co nteúdo do ofício
teatral. A teoria deve ser apo iada pela prática, e ca da pro dução é u ma for ma de
pesqui sa, requ erendo um ob jetivo, um m étodo e um a avaliação ob jetiva.

o mistério das coisas


No in ício do processo de pesqui sa, nossa trajetória pessoal de in form ações con-
tribui par a a causa. Assim que a bu sca co m eç a, algo chega a você, e, dep ois
da abertura da primeira porta, as coi sas se int er con ect am de man eira notável.
Em min ha pesqui sa a respeito das or igens da Guerr a Civi l Inglesa (1642-1649),
na prep ara ção da produção polonesa de Victo1)', enc ontre i um a citação de au-
tori a do professor Peter Paret, emin ente hi storiador cultur al norte-ameri can o,

121
em que observa o seguinte: "A terra se torna um ator na guerra" ". Então, Paret
conecta o leitor com OUo Dix (1891-1969), pintor expressionista alemão cuja
vida foi profundamente afetada por suas traumáticas experiências na Primeira
Guerra Mundial !', A visão de Dix sobre a terra como "uma mãe ferida que abri-
ga homens por um tempo e, então, após suas mortes, novas vidas surgem sob a
forma de vermes e, depois, de flores", liga-se intimamente aos campos de papoula
de Flandres - o ícone daquela guerra. Procurando aplicar essa pesquisa à pro-
dução, minha rede pessoal, então, me leva a Jacques Callot (1592-1635), grande
impressor e gravurista cuja série Les grandes misêres de la guerre, de 1633, era o
equivalente às notícias dos jornais atuais. Por sua vez, a série de Callot influen-
ciou Francisco de Goya (1746-1828), pintor espanhol que influenciou diversos
pintores do século XX. Essa reciclagem dos mundos através da arte testemunha o
poder duradouro da imagem gravada . Tudo está em domínio público, disponível
para que qualquer pessoa veja: todos esses artistas retrataram os horrores da guer-
ra por meio de pessoas e objetos pessoais, da mesma forma que Howard Barker
descreve em sua peça poética. Esse é o "mistério das coisas", como descrito por
Fernando Pessoa, poeta portugu ês".

Uma linguagem cenogrâhca


A pesquisa dos usos e das características dos materiais por meio dos quais se rea-
liza um desenho ou um mod elo em tam anho real é um a condição prévia da
cenografia. Se a escolha do material não for correta no início , nenhum reparo ou
retoque consegu irá reparar essa falha . Há diversos aspec tos técni cos em relação
ao uso dos mat eriais, e se manter inform ado a respeito de novas tecnologias em
manufatura é quase um trabalho em tempo integral. No entanto, é o desafio
da nossa época. C omo utili zar materiais que não serão, ao final da produção,
descartados em aterros sanitários já abarr otados? C omo utili zar materiai s que ve-
nham de fontes sustentáveis, que sejam economicamente viáveis para a escala da
produção e pareçam con veni entes? Tudo isso exige pesquisa later al, meticulosa

11 Peter Paret, lmagined Battles - Re{lections of \VaI' in European Art, Chapel Hill/
Lond on : University of orth Carolina, 1997, p. 108.
12 Ver a série de cinque nta gravuras \\ 'tJ I', publi cada em 1924.
13 Fernando Pessoa, Selected Poems. Tradu ção para o inglês de [onathan Criffin. New
York: Pen guin , 2000.

122
e frequentemente in ovad ora . Pod e e nvolve r a n ece ssid ad e de ir ao e ncalço de
fabri cantes ou siste m as qu e não tenh am sido criados espec ifica men te para uso
teatral. O s atribu tos técni cos, porém , jam ais a te nde rão ao ce nógrafo c riativo se
a apa rê nc ia e a sensação do m ateri al n ão se associarem à ap ar ên cia e à se nsação
que o artista estiver pro curando. É onde se trava a batalha e n tre soluç ões fáceis e
co nve nien tes e o rigor esté tico e onde a m anuten ção co n tínua de uma bibliot eca
de dad os técni co s, co nstan te m e n te atuali zad a, se destaca. O co n hecimen to ac er-
ca das evo luções tec nológicas e m equ ipa me n tos de lu z e som pod e leva r a uma
lin guagem cenográfica difer ente . In stalar algu ns refletores multifun cionais pode
ser um investimento inic ial eleva do, m as qu e tende a se r co m pe nsa do por um sis-
te ma qu e utiliza m en os m ão de ob ra, ofer ece m aior flexibilidad e de ilumin ação
cênica e prop or cion a redução da n ec essid ad e de ele m e n tos cê n icos co ns tru ídos.
Coleciona r a mos tras de tecid os e classificá-las e m categori as de ac or do co m suas
propried ad es espec íficas é um hábito útil de se adquirir. Em Taiwan , uma recente
visita a um im en so m er cad o de tecidos revelo u desenvolvim entos tec nológicos
e m m anufatura têxtil qu e desafiar am a imaginação . Ali, podem ser enc on trados
todos os tipos de estam pas a nimais possíveis, co ur os a rtificiais estam pa dos, textu-
ras, tecel age ns, sedas e algodões c rus de todos os pesos. Em uma profissão on de
te m po e dinheiro são sempre escassos, tod os precisam se m anter atua lizados a
res pei to dos desen volvim entos tecnológicos, e, e m bo ra se su bme te ndo à exper-
tise de ou tras pessoas, é preciso se r inteli gente o su ficien te para decidir se algo
é útil ou não. Há um m om ento de reavali arrn os n ossa práti ca, e o cenógrafo
te m a responsabilidade de estar atualizado e conscien te do que está à dispo siçã o.
Consta n te me nte, precisamos pesqui sar e descobrir qu e tecn ologias estão dispo-
n íveis e de qu e maneira elas podem no s ajudar a alcançar ce rtos obj eti vos. Você
não será ca paz de formular per guntas se desconhecer as possibilidad es, qu e é o
que o bob o Feste, de Shakesp ear e, ob servou ironicamente . Por m ais abstrato qu e
o resultad o fin al possa ser, ele deve co meçar da verdade, e a boa pesquisa traz lu z
às trevas do desconhecid o . Só ga ran ta qu e a pesqui sa não se ja m ais in te ressa n te
qu e a produção fin al.
COR E COMPOSIÇAO
,.."

I
o JOGO D E MALABARISM O
A co r e a co m posição são o ponto cruc ial da arte do ce nóg rafo. Dep ois da
pesquisa do texto e do con hecimen to do espaço cê nico, o próximo desafio do
ce nóg rafo é co mpo r e colorir o local co m figur as e form as, cria ndo um envelo-
pe visua l para o espe tác ulo. Tudo o qu e existe no palc o, fixo ou móvel , é part e
da co mposição ciné tica . A in tegração da co mpos ição com a co r permite que o
artista atraia o olh ar do espectado r para os pontos focais de cada ce na durant e
o prog resso do espe táculo. Na cr iação de um a co m posição gratifica nte, o ce-
nógrafo precisa ver e senti r o local. Torna r-se mestre do espaço dá liberdad e
para jogar co m o tamanh o e a co r, de mod o qu e, co mo na na tureza-mo rta , os
obje tos selec iona dos seja m transformad os. O espec tado r vê através dos olhos
do artista o que foi incluído para con tar a história, e pod e imagina r o que está
implícito .

Os ob jetos e os elementos não falam po r si mes mos : devem ser posicionados


em um relacionam ento co m o espaço e de un s com os ou tros, para ter em elo-
quênc ia e significado . En tão, eles falam u ns co m os outros através do espaço
vazio . A maneira pela qual a imagem é locali zada tran sforma a rea lida de em
arte . Em uma co mposição cê nica, o ob jeto é muito mais do qu e seu ca ráter
literal. Torna-se u m emble ma par a o mund o oc ulto da peça, algo qu e está po r
trás , mas que apo ia as palavras do ato r. Sua força e apropriabi lida de tra nsmi -
tirão um significado para alé m do qu e se vê, e também um a noção gratifican-
te de beleza e autoridade. O objetivo é criar imagens visua is qu e ca tivem o
espectador teatral. Um frequ ent ad or de u ma gale ria de ar te tem a liberd ade
de se move r lent a ou rapidam ente de pintura a pintura, dep endendo do seu
in te resse pessoal. As exposições são estáticas e não mudam . No teatro , o espec -
tado r é estático, e o palco está mud ando co nstantemen te suas imagens visuais
median te um a combinação de co r e com pos ição .

12 5
A co m posição ce nogr ãfica qu e se desdobra para o espec tado r deve unifi car os
ato res e os obje tos em uma série de enunc iados poét icos que capte a essência da
verdade e a realid ade ofereça identifi cação e surpresa. Isso não dep ende só do
su jeito, qu er fatu al ou abstrato, mas se relacion a com a colocação da imagem
sobre o papel ou de ntro do volume do espaço cênico. A co m posição cê nica pod e
co meçar no pap el como um a id éia em dua s dim en sões, mas, em segu ida, deve se
afirma r quand o con vertida em três dim en sões. O teste de ideias em um a ma que te
a juda essa conversão e deixa claro onde posicion ar os eleme ntos qu e con stroem a
im agem ela peça e co mo utili zar a co r de modo imaginativo e evoca tivo. O espaço
vazio é, simultanea me nte, um a expe riência bi e tridime nsional.

Uma escala de cores


O uso da co r em um a com posição pictórica é como a esco lha de u m co m positor
da esca la mu sical. Após o a juste do tom e da defin ição dos extremos nas du as
pontas da esca la, tod as as esco lhas se enca ixam nos intervalos int erm ed i ários. De
maneira aná loga, formas e forma tos se equi lib ram em um espaço, e o mesm o
acontec e em relação às cor es. Estas direcionam o olhar do observado r para o
pont o focal e orie ntam o signi ficado da com posição me diante o posicionamento
cu idadoso dentro de um espaço ou moldura. Freque ntemen te, o en tendimen to
da cor é um truque do olha r. O qu e pod e ser percebid o pelo obse rvador a dis-
tância como um a ún ica co r pode ser com posto por diversas cores, só visíveis de
perto. O estudo da man eira pela qu al o obse rvado r lê o verde (uma cor cotidiana
supe rexposta ), por meio da obse rvação de paisagen s, reve la u ma grande varie-
dad e de métodos descriti vos para os cam pos e as árvores, e co mo algumas cores
pod em par ecer verd es sim plesme n te por justapo sições mútuas.

Edvard Mun ch , em sua pintura A dança da vida, recorreu a cores alta me nte
ca rregadas e emo tivas para retrat ar o drama do suje ito. A gama de cores é mu ito
lim itada , produ zind o uma atmosfera melancólica e singularmente nórd ica. O
qu ad ro exibe um grupo de pessoas juntas, mas isoladas entre si por espaç os pin-
tados em um verd e vibra nte, mais int en so do que a mulh er vestida de verm elho,
situa da no ce ntro. Integrand o-se o quad ro, vemos d uas figur as femininas sem
parceiros de dan ça; uma delas vestida de bran co e a outra de verde muito esc ur o,
quase preto. A figur a de branco ma ntém seus braços abe rtos, co mo se espera ndo
por um parceiro ause nte. A cabeça da mulh er de verde-escuro, em co ntraste, est á

126
das qu at ro
c urva da para baixo, co m as mãos firm em ente en trelaçadas . As formas
tremula ndo
ou tras dan çarinas, vestidas de bran co , parecem peda ço s de papel
o em um lago
em rel ação ao chão. A lu a branca lan ça um feixe verti cal , reAetid
um sac rifício pod e
horizon ta l, situa do fora do ce n tro, suge rindo um alta r onde
ser real izado.

Uma palet a emoc iona l


na l de uma
Frequen temen te, o uso da co r para sinte tiza r e evocar a força emocio
pod e ser utili -
peça é minha prim eira e mais verd ad ei ra reação a um texto. A cor
eu trabal h o en -
zada para liber ar a resson ância emocio na l da peça. No in ício do m
diri gid a por Steph en
volven do Hedda Gabler, de Ibsen , para uma n ova produç ão
i um reci n to
Unwin e traduzid a especia lmente por Kenneth M cl.eish , imagine
isoladas eram real çad as por uma lu z
vazio verde -esc uro em qu e figuras tot almente
era parecid o com
in tensa de um mundo exte rior distante . Per cebi o qu ão aqu ilo
A dança da vida, de Mun ch . Essa tela ecoa o humor som brio de
Hedda Gabler,
n to decorad o em co res esc uras,
em qu e as ind icações cê n icas descr evem um apose
n o primeir o cro qu i
com u m rec into in terno oc u lto atr ás de cortinas. Tr abalhan do
co res m ais res-
da m aqu et e com o diretor, de cidi qu e tentari a utilizar a pal et a de
co nsegu iria obte r de qu atro ou cinco
trita possíve l, e obse rvar quant as variaçõe s
curei en fatiza r a
co res. Utilize i um verd e-escuro liso para toda s as pared es, e pro
po lida natural e
cor emoldura n do a base das paredes co m um chão de mad eira
co lorida de modo semelha n te . As
o top o co m uma trave de m ad eira decorativa
m a co r de perga-
únicas ou tras co res eram vermel ho -esc uro, az u l-esc u ro, pr eto e u
A co m pos ição
mi n ho clara, qu e foi utili zad a em tod o o mobiliá rio e nos figurin os.
, qu e, a princípi o, par eceu trab a-
começo u a assu m ir uma or ie n tação de pai sagem
ente, qu ando
lh ar con tra a orien tação de retrat o da m aiori a dos teatros. Posteri orm
frente do palc o,
expe rime n ta mos a justa r as pared es em um âng u lo em relação à
ntações opos tas co nsegu ia produzir
percebe mos como a co m binação de du as or ie
r. E m bo ra não
uma tensão dram ática e visual qu e in triga e envolve o espec tado
trab alh ar na ma-
se ja me u trab alh o favorito, ac ho a bsolu ta me n te necess ário, ao
todos os m óveis exigido s pela peça.
qu ere, fixar co m cu ida do e bel eza a esc ala de
e criar co m pos i-
Somen te assim, diret or e ce nógrafo pod em m over os ele me n tos
s. Conside ro
ções de co r realm ente signific ativas, qu e espe lh em o tom das palavra
item do mobiliá r io co mo u m objeto
a forma , o ta ma n ho e a qua lida de de cada
escultura l a se r cu idadosa me n te esc olh ido e po sicion ado .

12 7
Cor e textura
o uso das cores e a experiência com distinto s tipos e combin ações de meios para
alcança r a atmosfera correta são muito prazerosos. A escolha dos
meios pode
captar a sensaçã o das palavras ou da música . Costum o utilizar tintas
e resina s
acrílica s, aquarel a e lápis de cor e, frequen temente , procuro materia
is de uso
industrial. Para todas as paredes e pisos da peça Solness, o construtor,
utilizei uma
tinta azul acinzen tada de alto brilho desenvolvida para barcos, com
pequen os
detalhe s em cor de terracot a usada para vigas de aço à prova de ferrugem
, tanto
na rnaquet e como na versão cênica final. A cor azul acinzen tado foi
usada espes-
samente sobre as paredes de tábuas e sobre as imensas tábuas para
assoalh o, es-
truturas pesquisadas em livros sobre a arquitet ura da época e sobre os
padrões dos
especuladores imobiliários para as casas de pessoas comuns noruegu
esas na virada
do século XIX. O possível peso do azul acinzen tado foi contrab alançad
o por dois
portais emold urados em ambos os lado s do palco pintado s com uma
tinta quase
branca, rala, à base de água . As superfíc ies da parede eram altamen
te reflexivas e
devolviam a luz sobre os atores , realçando-os com uma claridad e semelh
ante à de
um cristal , que era o marco distintivo da tradução.

Um pedaço de barbante verde


A cor fala . Não só pode ser utilizad a para destaca r objetos em uma
compos ição
como também pode unificar um espaço teatral livre ou não tradicio
nal. O uso
imagina tivo de uma cor é muito evocativo e poderos o, sendo
uma maneir a
sim ples de criar um enuncia do de peso. Às veze s, as caracte rísticas
de um
espaço , suas paredes e assoalh o e a atmosfe ra gerada podem simples
mente
suge rir uma cor domina nte; passamos então a imagin ar o que
pode parecer
bom e eficaz e, assim, verifica mos se aquela intuiçã o tem alguma
validad e em
relação às necessi dades da produçã o. Imagin ei uma parede amarela
, imensa e
curvada para um grande palco aberto, um azul ultrama rino brilhan
te para um
palco italiano e, no teatro Tramway, de tijolos averme lhados, uma
cor verde
brilhan te dançou diante do s meus olhos. Essa imensa casca retangu
lar de um
espaço cênico, com 42 metros de compri mento e 26 metros de largura
, possui
quatro paredes de tijolos cor de terraco ta , erguend o-se a 7,5 metros
de altura
até um telhado inclina do de madeira . Duas paredes com ângulos
retos em
relação às paredes laterais em uma das extremi dades formam uma
abertur a do

128
pr osc ên io d e tijol o natural , com um a pared e de ges so também cor d e terracot a
ao fu nd o, se rvindo como c ic lo ra rn a plan o. As quatro par ed es lat er ai s possu em
diversos a rcos em bu tidos, qu e divid em a á rea da su pe rfíc ie e cria m som bras
dramá ticas; o telh ad o cas ta n ho de m ad eir a é apoiado por duas filas d e pilares
de ferro pr etos, per corrend o o ce n tro do espaço. A unifi cação d o local foi um
dos d esafi os visuais quand o começa mos a trab alh ar na se quê nc ia d e Border
\Varfare, de [ohn McCrath : uma peça ori gin al intitul ada [ohn Brown's Body,
e m qu e as ce nas eram visu al izadas conform e e ram esc ritas . A produ ção d e
[olin Brown's I3od)', hi stóri a épica das venturas e de sventura s da Escócia de sde
o séc ulo XVII até os dia s de hoj e, teve de incorporar uma banda de música
folk e também era para se r tran sform ad a em um film e tel evisivo com três par-
tes. To das as ideias visua is, os figurin os e os ade reç os deviam se r tanto dign os
do pl aco co mo dispon íveis par a as câ meras . Tendo reali zad o um a p rodu ção
naquele local , qui sem os aprovei ta r a expe riê nc ia a n te rior; não rep eti r um a
fórmu la , m as d esen volver ou tras técni cas d e evento narrativo alta men te visua l
e expos itivo . Observamos as par ed es d o pr édi o, com se us a rcos em b u tidos de
tij ol os, e nos perguntam os se poderíamos cons tru ir palcos em volta das par e-
d es, usando tijolos averm elha dos como a co r de fundo prin cipal e in corporar
di ver sas áreas cêni cas ao nível da visão, ao m enos 1 m etro ac im a do chão, para
qu e um públi co de 6 0 0 espec ta do res d e pé fosse capaz d e e nxe rga r. Senti
m u itas dú vid as de co rno aqui lo pod eria se r alca nç ado . A partir da estru tura da
na rrativa vin ha m ce rtos impe rati vos. A suges tão d e um mund o rural ti n ha de
permanecer o tempo tod o, co mo lembret e pungente do qu e havia sido perdid o
quand o urna soc ieda de pastoril e ag ríco la se tornou industri ali zad a e os ca m-
pos se tran sform aram e m fáb ricas . A hi stóri a co meçava e m m eados do séc ulo
XV II I e te rminava na soc ieda de multin acional de cons u m o da pr esente era pós-
-in d us trial. Ce rto dia , John M cCrath afirmou , ca sualmente : "A vida é co m o
uma mont anh a-ru ssa". A frase deve ter ficado em algum lu gar da minh a m ente
qua n do o proj eto começou a tomar form a. Para com eçar, e fazer alg u ns d ese-
nh os razo avelm ente pr áti cos, foto grafei as par ed es do Tr am way e, e m seg u ida,
am pl iei as fotos num a esca la de 1:50 . Dep ois, coloquei as fotog ra fias juntas,
bo rda com bord a , ac ha ta ndo o ret ân gul o do pr édio para qu e se asse melhasse
a u m pain el m ed ieval , co mo as representações da Paixão de C risto e nce na das
nas ru as. D essa m an eir a , fui capaz de ver as dim ensões do probl ema , com os
qu atro seg men tos da enorme par ed e vazia coloc ados de ponta a ponta . E n tão ,
par a ch egar ao m áximo pos sível da cor e da atm osfera do edifíc io, pintei as
fot ografi as e as texturizei . N ão sabe ndo exatam en te o qu e fazer , pegu ei um
pedaço de barba nte fino , que po r acaso estava perto da minha mão , pintado de
ve rde b ril han te , e o estend i pe la fotografia longa, estreita e pintada da s paredes
do Tra rnway. Q ua ndo o ba rbante se asse nto u na turalmen te nas curvas c e le-
va çõcs, parcccu atar as paredes e os cspaços d íspares com uma úni ca faixa d c
cor intensa. Dc repen te , a linha verde do barbante falou para mim a respeito
dos cam pos c lís ios recorda tórios da Escócia pastoril que es tava m n o te xto, e
também a linh a tinh a o m ovim ento pa ra ci ma c para bai xo de um a m ontanh a-
-ru ssa: o su b tcx to das ve n turas e desventuras d o paí s. Ao m over o barbante
para uma posiçã o mai s alta da pintura, vi co mo pod eri a ser co ns tru ída um a
pa ssar el a ve rde e m volta das pared es, o qu e h avia ge ra do tantas dú vidas ini-
c ialrne n te . O rot eiro suge riu um palco d c d ois n íveis, co m as cenas da nobreza
e d o poder e nce n adas n o n íve l su perior, c com os peque nos pa lcos n o n íve l
inferior rese rvados pa ra a banda c as cc nas in d us triais . A composição visua l
rep ro du zi ria a est rutura d o texto . Re cen te m ente , e u havia visitado a Rússia
e visto as pinturas construtivistas no M use u do Estado Ru sso . Subi ta mente,
vi como o d inamismo e as fo rmas a ngulares agudas daque las pinturas antigas
po de riam ser reinterp re ta das co mo a est rut ura dos nossos palcos . No e nta n to ,
ac ima de tudo , apaixo nei-me pe la cor do pedaço de barbante verde co n tra a
co r terra c ot a das par ed es, e co mece i a imaginar o u tras cores sec un dá rias que
tam bém par e ceri am pod e ro sas: pre to lu min oso, az u l e vermel ho ind ustrial
brilh an tes. N u ma exc itação feb ril , co me çamos a conversar e dese n h a r, a utor!
diret or e ce nógra fa, c ria n do im agen s in st an tân e as de m aquin á rio indu strial,
um parqu e d e di ver sões co m rod a-gigante ime nsa , u m a pri são , um a fá bri ca ,
uma faze n da, um trem ; de fat o , desc obrim os qu e pod eríam os c ria r qu alquer
co isa qu e qui séssem os naqu el e es paço .

Embora fossc e m gra n de esc a la , a visão de Johll 13 rowll 's 13od)' e ra forte c sim-
pl es, ca paz d c su po rta r os div er sos co m p ro m issos qu e se apresen ta m qu a ndo
tempo e d inh eir o e n tra m na equação . O pe daço d c barbante ve rde , n o e n tan to .
perman e c eu co mo o ele me n to visua l un ificad or m a is im p ortante : e ra um sím-
bol o cl a ro pa ra o cerne da produ çã o, propor c ion and o o su po rte tridim en sion al
par a a compos ição dc tod os os e le me n tos cê n icos req ue ridos pel a pe ça . A c ria-
ção da co lagem fo tog rá fica d o Trarn way co mo um painel med ieva l permitiu
qu e todos imaginassc m a progressão da prod ução e n qua n to e la se m ovia ao
re dor das pa rceles do pr éd io . Também permiti u que a com pos ição l in ear de
cada pa rede fosse eq ui lib ra da e m rela ção à sua parede oposta. par a que hou-
vessc varieda de dentro de u m concei to completo ( Figur a 4-1).
4.1 - 'lrês desenho s para /01111 Browl1 :~ Bod)'
Compondo com cor e form a
o equilíbrio e a har mo nia da co mposição são bem exernplificados no estudo dos
manu scritos medievais ilustrados com ilu minuras. E m um a página retan gul ar, a
imagem e o texto estão comple tame n te entrelaçados co m saltos de imagi nação de
tirar o fôlego . As ima gen s são postas com cu ida do sobre o velino par a ca pturar a lu z
e ilu m inar a história, criando o desejo no leitor de seguir para a próxima págin a. As
com binações de cores mai s gloriosas qu e pod em ser ima ginadas dão vida a animais
e pássaros fant ásticos nas páginas, cada uma mai s surpree nde n te qu e a anteri or.
Tod as as possibilidad es na p,igina são utili zada s ao m áximo para criar a mais in-
trigante icon ografia, ao m esmo tempo decorativa e bela, o qu e é alime ntado pe la
crença da imp ortân cia de ce lebrar e recontar um a história co n hecida .

Essa mo tivação também pode ser vista na obra de artista s folk originais de todo o
mu nd o, qu e herdam um a tradição de cor, form a e formato, e são capazes de reter
uma sim plicidad e decorativa mes mo quan do adaptam suas habili dades para usos
sofisticados. Ada m Kilian , grande artista pl ástico, titereiro e ce nógra fo polon ês, é um
exemplo eloquen te de como utilizar o design simp les e elementar de um a man eira
contemporânea poderosa. Em um a visita ao ate liê de Kilian , a po rta se abr iu para
um a profusão de desenhos, pinturas e ca rtazes de teatro qu e ele criara sobre todas
as supe rfícies concebíveis. Ele estava ce rcado por um mundo mágico de máscaras,
pássaros de madeira pintados, fantoch es de mad eira e recortes de pap éis coloridos
tradicionais da Polônia, qu e serviam como pesquisa para o seu traba lho. Havia tam-
bém diversas maqu etes de cená rios pa ra teatros, casas de ópe ra e tam bém para os pe-
qu en os teatros de fanto ches qu e ele adorava. Pedi a ele qu e m e explicasse, no m eio
daqu ela confusão, o qu e estava fazendo . Kilian respondeu : "C ompondo! lt isso qu e
o ce nóg rafo faz. C ompor com a cor e a forma! lt a coisa mai s bela e estimulan te de
se fazer, pois muit a gente gosta". Então, ele pegou um a grande tesour a e co meçou
a fazer um a demonstração em um grande pedaço de papel vermelh o fino, qu e ele
dob rou diversas vezes. Fez cortes trian gulares, circulares e retan gul ares muito pe-
qu en os, trabalh and o numa velocidade incrível, literalm ente desenhando no papel
com a tesoura. Pegou outra folha men or de papel ama relo e fez o mesm o, e, em
seguida , pegou outra ainda menor, de pap el verde, e a cortou da m esma man eira.
Abriu as folh as sobre sua mesa de trabalh o, co loca ndo livros, lápis e desenhos sob re
o chão já bagunçado. Depois, pôs a folha verde sobre a amarela e esta sobre a ver-
m elh a, mostrand o-me um qu adro fan tástico de Hores, motivos decorativos, galinhas
e corações, equilibrados em perfeita harm onia. Afirmou qu e as pessoas comuns
4.2 - Desenho para As You lil:« 1I

dos séculos passados tinham se inspirado na natureza: os padrões cotidianos da arte


folk serviam a um propósito tanto funcional quanto decorativo. Percebi que tanto
naqueles exemplos de arte folk polonesa como no teatro kabuki japonês, as cores
primárias brilhantes eram uti lizadas em justaposição umas com as outras, criando
uma desarmonia, contrabalançada por pequcnos blocos de cores secundárias sutis;
o todo estava con tido dentro da form a precisa da co mposição .

Alguns anos após essa visita inesqu ec ível à Polônia , utili zei aque la expe riência para
a prod ução de As You Like lt, dc Shakespea re. Lembrand o-m e do ta lento de Kilian
com a tesoura e os papéis co loridos , comecei a dobrar e co rtar folhas para criar for-
mas de árvore, adicionando pássaros e Hores removíveis muito co loridos; pensava
que a floresta de Arden poderia retratar as estações em mudança , mostrando pri-
meiro as formas das árvores sem nenhum enfeite, iluminadas por detrás de modo
duro para carac terizar as cenas de inverno, e, em seguida, adicionando os pássa-
ros e as flores, para um final expressivo de verão (Figura +2 ). As árvores podiam
estar sobre rodas ocultas, para que pudessem ser reagrupadas, ind icando partes
distin tas da floresta: e os recortes de papel da maquete, repr esentad os em tam anh o
real , seriam con struíd os a partir de chapas de madeira co mpensada recortada. No
palco, o papel dos dese nhos originai s virou um a ca ixa de acríli co bran co e um
assoalho , co m as entradas dos atores esco ndidas dent ro dela. Podia ser iluminado
co m cores diferentes por detrás e pela frente, e parecer invern o gela do ou verão
que nte no final. A floresta podia desaparec er por detrás da ca ixa de ac rílico, como
um a som bra distant e iluminada por tr ás, ou vir para frente da caixa, para as cen as
de floresta. Era o início de uma lon ga bu sca pela criaçã o de plasticidade - eleme n-
tos móveis - na composição do espaço cênico.

A beleza do comum
1 laque la visita à Polônia, Ada m Kilian me mostrou um cartão-postal co lorido de A
lar af Ap ricats (1758), de [can-Sim éon C ha rdin , e disse qu e a coisa not ável daquela
pintura era o co nhec ime nto do artista a respeito da arte ce râm ica francesa, exposto
nas dua s xícaras de chá no prim eiro plano da pintura. Não ha segundo plan o nessa
série de naturezas-morta s, e as forma s dos objetos, com seus relacionam entos mú-
tuo s, são a com posição. A pintura celebra a bel eza do obj eto dom éstico comum,
e, ao pintar uma segunda xícara de ch á, na som bra escura e ao fundo, a primei-
ra xíca ra é realçada . Seu motivo decorativo Aorido bran co e vermelh o cha ma a
aten ção do observador e direciona o olhar para o foco da pintura: o alaranja do
bem escuro dos dam ascos no pote e o espaço ac ima , atrás e em torn o dele. Eu
co nhec ia muito bem aque le ca rtão-posta l. Eu o explore i co mo estuda nte de arte,
enqua nto tentava entende r o que era co m posição pictórica e co m o podi a aplicá-la
ao dese nho teatral. Aos 16 ano s, tive a sorte de trabalhar co mo assistente de um a
oficina de teatro , geralme nte limpando baldes de tint a, ma s também como aluna
de um professor, artista pl ástico e cen ógrafo muito dedicado, qu e me ensinava
com exem plos práticos e não por meio da teoria. Ele ado rava naturezas-mort as, e,
influ en ciada por seu entusiasmo, eu também as adoro. Apresen tando-me ao mila-
gre da pintura e da sur pree nde nte cor e co mposição, ele me deu o cartão-postal de
C hard in. Aque la pequ ena pintura oval incorp ora a beleza dos obj etos prátic os co-
tidian os que, quando reagrupa dos através da visão do artista, dão ao espectador um
ponto de vista totalm ente novo. Como co mposição cênica, as naturezas-mort as
têm um a geome tria intern a de plan os entrelaçados ligado s some nte pela miste-
riosa cor de fundo . As formas e os formato s Auem un s com os outros, deixando
espaços e n igmá ticos para que a imaginação do observador os complet e. A posse
daquele cartão-postal m e fez con siderar outros exemplos e come ce i a admirar os
artistas que, de modo tão natural, co nsegue m criar a sensaçã o de um drama não
narrado - contando uma história por m eio da cor e da com posição. As naturezas-
-mortas holandesas revelam como os objetos cotidianos e as pessoas podem promo-
ver um espaço dramático com ten são e expectativa. O arranjo dos planos, formas e
retân gulos apr esenta uma qualidade metafísica de quietude. As naturezas-mortas
espa n ho las se co nce ntra m ainda m ais no ajuntamento de objetos, fruta s, peixes e
verd uras, realçand o-os com a luz de uma fonte invisível qu e os dota de vida pró-
pria. Aprendi fazendo. Chegu ei à oficina onde estava estudando artes e apr enden-
do coisas práticas do teatro e ach ei um bilh ete deixado para mim pelo profe ssor.
Aquilo me dirigiu a um canto da oficin a, onde um arranjo de natureza-morta fora
constru ído para eu desenhar. Em ge ral, os arranjos con sistiam de antigas listas
telefôni cas, alguns adereços teatrai s descartados, alguns sanduíc hes m eio comidos
e, talvez, um a ou du as antigu idades falsas. O bilh ete suge ria que eu desenhasse o
arran jo em um tempo livre e, em segu ida, consultasse o livro de naturezas-morta s
holandesas e espanholas para de scobrir que pintura representava, observando sua
com posição e não seu conteúdo. Esse sim ples exercício de autodescoberta abriu
minha mente para observar pinturas, e foi a m elhor educação artística que já tive,
torn ad o-se parte do meu vocabul ário visual e ce nográfico.

Consciência crítica
Te r co nsc iênc ia da importância da co r e da com posição na cria ção de um qua-
dro cê nico dep ende de possu ir e desenvolver um a habilidade decisiva: o talento
essenc ial. Qualqu er pessoa pode aprende r a desenhar ou pintar, mas é muito
m ais difícil adquirir a habilidade de co nside rar o resultad o, qu estion á-lo e saber
co m o alter á-lo. O desenvolvimento dessa cons ciên cia crítica permite qu e um
arti sta tom e decisões durante o pro cesso criativo. Quando o trabalho ac abado
finalmente alcan ça o domínio públ ico, é um acúmulo de diversas pequenas de-
cisões, algumas das quai s intuitivas e toda s co ntinuame nte avaliad as até qu e, de
acordo co m a ca pac idade do artista, esse trabalho pare ça estar na medida certa.
A sing ularidade da educaç ão artística se baseia na conquista de um olhar críti co
hábil , no toma lá dá cá das críticas ab ertas em gru po com colegas estudantes. Ter
de conside rar objetivam ente o trabalho de algu ém atrav és dos olhares das outras
pessoas é exata me nte o qu e acontece no teatro, onde, frequentem ente, centenas
de olhos observam meses de trab alho duro por não mai s do qu e três hora s (e
acha m qu e podem faze r melhor). Para os cen ógrafos, a form ação artística básica
forn ece o vocabu lário co m u m para discu ssões a respeito do equi líbrio en tre cla ro
e escuro; do co ntraste en tre verticais, hori zontais e diagon ai s; da co locação e do
en tre laçame n to dos form atos; e da utili zação crite riosa das cores: tod os os qu ais
são equiva lentes na co m posição do enredo do texto.

Brincando com tinta e cor


A ca pac idade de ente nde r a estru tura da co m pos ição pict óri ca e do ob jeto, e de
como a cor est á assoc iada a ela, é a co ntribu ição especial do ce nógrafo à produção
teatral e dem on stra cla ramen te a int er-rel ação en tre teat ro e be las-artes. O séc u lo
XX possu i diversos desses exe m plos, sobretudo na história do teatro. Pion eiros ru s-
sos co mo M eyerh old , Vakh ta ngov, Ta irov e, em parti cul ar, Di aghi lev enca rrega -
ram Picasse , C haga ll, Contc ha rova e muitos outros artistas de criar co m pos ições
expressivas para o Ballets Russes, qu e podi am existir co mo trab alh os de art e por si
mesmos . O s dese n hos do ce ná rio e do figurino de Leon Bakst, pintor e ce nógrafo
ru sso que tra balh ou co m Di aghil ev e o Ball ets Ru sses a partir de 2 011 , reelab orarn
elementos da arte folk orien tal e oc ide n tal e, como as iluminuras dos m anuscr itos
medieva is, criam co m posições e padrões fant ásticos e verti gin osos. Bakst manipu-
la o co rpo hum an o através da diagon al do pap el e o co n trabalança com ped aços
de m ateri ais e co res extraordiná rias, frequentem ente sobre postas e per cebidas
mutuam ente. Os espaços negativos do pap el bran co deixad os e m torno do cor po
da ba ilarina são in tensos e pul san tes, co mo a própria figura. Braços este ndidos
equi libram a largura de um a saia, e a co m posição é mui tas vezes co m ple tada por
meio de um bastão verti cal ou de um a ser pe n te esca pa ndo audaciosa me n te para
ci ma, na lat eral do pap el, e retroced endo sobre si mesm a no co rpo da com pos i-
ção. Ignorando o con te údo do quadro , Bakst se revela um artista que gostava de
brin car com a tinta e a co r, contrabalança n do linhas curvas e ret as en trelaça das
e co n trasta ndo formas geo métricas. Su as obras trat am tanto de posicionar o de -
sen ho no papel co mo de descrever o figurino, e têm , hoje , o valor de uma obra
ar tística verda de irame n te co lec ion ável.

Menos é mais
Na M en il Fou nda tion, em Hou ston , nos Estados Unidos, há u m a bela co leção de
pinturas e desenh os de C h ristian Bérard, ce nóg rafo francês qu e co n trasta co m ple-
tamente com a ob ra de Bakst, mas que m antém m u itos pont os comuns. Bérard
criou quadros cênicos delicados, quase imponder áveis, qu e sugeriam o sujeito se m
jamais o reproduzir. Ele evitava cores fortes , ac redi ta ndo que elas "atuavam em
detrimen to da audição", e ac hava qu e "a coisa m ais import ante para o ce nógrafo é
ob ter a a rmação co rre ta do qu ad ro cê n ico e excl u ir o m áxim o possível "!' . Apesar
da habilidade como ar tista de belas-artes, se u trabalh o teat ral era tridim e nsi o nal,
e Bérard era famoso por observar o palco constante men te dos assentos extremos
do teatro. Sua sensibilidade rela tiva às belas-art es o permitia julgar o peso, o to m e
o im pacto de cada figurin o, ind ividu almente e no relacion amento co m os o utros ,
além de saber qua ndo real çar ou não u m a co r com lu z extra.

Um carrossel de memórias
As estruturas das composições das belas-artes são um ponto de refe rên cia útil e m
relação às peças contemporâneas. The Rose Tattoo, de Te n nessee Williams, é am-
bi entada em uma pe quena casa em uma co m un ida de sici liana, perto de uma ro-
dov ia nos Esta dos Un idos . A descri ção cê nica evocativa ped e "pa ra revelar aque -
les mi stérios pró pr ios de criança exagerada , co m se n time nto e humor em igua l
m edida, sem zombaria e com respe ito pelos anseios reli giosos que simbolizam".
Lembrei-me do retábulo de A Imaculada Conceição, qu ad ro pintado por Ciovanni
Battista Tiepolo, em 1769. A obra possui uma estru tura trian gul ar e, em seu áp ice,
está a figura ce n tral ela Vir gem M aria de pé dentro de uma m oldura ret an gul ar. O
olhar do observador é direcion ad o para o pont o ma is alto da pintura por m eio de
uma pomba branca pairando no ar, ou se ja, o Espírito Santo, que está acima da
cab eça da Virgem M aria e se liga a ela por u m feixe de lu z muito pou co percep-
tíve l. Essa imagem ce ntra l é ce rca da por alguns an jos equ ilibrados e o utro n em
tan to, forma ndo os dois lad os ele um triân gul o in visível. Eles não estão simétricos,
revelando quan tas m an eiras dife rentes existem de rep etir o mesmo te m a. Era exa-
tamente a inspiração que eu precisava para apresen ta r o mundo da viúva Serafina
e de sua amada filh a Rosa. Embora ambie ntada nos Estados U nidos atuais , é u m a
socieda de siciliana transposta, ce rca da por vizinhos, su pe rstições e fé reli giosa,
muito como ter ia sido de volta à ter ra natal. Ao plan ej ar a produção, co m Hele na
Kaut-Howson, diretora anglo-po lonesa, e a lgu ns ato res do Th éâtre de Complicit é,
uti lizei algumas folhas gra ndes de papel ar tesa na l indiano róseo, que suge riam para

14 Boris Kochno, Christian B érard, Lond on : Tham es and Hud son , 1988.
mim a co r das rosas. Comecei a co nstru ir um a
im agem desenh and o-a co m uma ca ne ta verm elh a
de ponta fina. Imagin ei qu e pesqui sar sobre aque-
la casa seria co mo investigar a alma da mulh er, e
a casa seria u m altar para sua vida passada, qu e é
ape nas aludida na peça. Em u m exter ior pequ en o
e decadente, aqu ele seria um palácio de cor, um a
pared e de m em ória s do seu casame nto e da infân-
cia de Rosa, tud o imbuído de co r-de-rosa, co mo se
vistos através de len tes rosadas. A tram a da pe ça se
desloca mui to rapidamen te do inte rior para o exte-
rior; assim , a ideia do diretor de co locar toda a casa
em um palco giratório pareceu responder à suges-
tão do autor de um a casa co mo um ca rrossel de
parqu e de diversões. Ta m bém deu aos atores, bem
trein ad os nas habi lidades do tea tro físico, opo rtu-
nidades de combinar movimentos com música e
de tomarem part e do recurso de mudan ça de ce na.
C omecei a desen volver um a im agem baseada na
4.3 - Croq ui es trutural deta lhando a composição com posição de T iepolo (Figura + 3), desenhando
de Ti ep olo Serafina sentada sob re um sofá cor-de -rosa, co mo
o ce ntro de um a rosa, situado sobre um tapete redondo verde, co mo o seu cálice ,
Acima da cabeça de Serafin a, h á lima pequ en a Virge m Mar ia, iluminad a por um a
lu z decorativa e pendurada em um a rosa etérea semi transpa ren te. Ela está cercada
pelos obje tos de sua vida: de u m lado, man equins sem cabeça , co m roupas sern ia-
cabadas: do ou tro, móveis pesados tipo sicilianos, repr esen tando sua vida an terior.
Dentro da forma triangular da pequ en a casa revestida com tábuas, tod as as forma s
dos móveis e ob jetos são curvadas e circulares. O mundo própri o de Serafina é
exposto para dem onstrar o co ntraste direto com seu am biente externo. Esse altar-
-memória bastant e colorido estava sempre ce rcado por vizinhas vestidas de preto,
qu e ficavam ob servando de fora co mo uma plat éia no palco , enfatizando a com-
posição circular e proporcion ando a base de um triân gulo invisível. Tcnn essee
\ Villiam s descreve sua peça co mo um a peça de asce nsão, e, no último momento,
o cam in ho ne iro iVlangiacavallo, agora salvado r e aman te de Serafin a, esca la o te-
lhad o e, do topo dele, joga sua ca misa de seda verm elh a para o cé u. A transferên cia
da com posição de Ti epolo para Tennessee \Villiams fez uma intercon exão estru-
tur al que deu força e peso à mise-en-sâm e de Th e Rose Tattoo . O exterior da casa
era o lado inverso do int erior e girava à vista do público, As par ed es revestidas co m
t ábua s, a varanda, o terraço e o ce rcado eram revestidos de tint a verme lha brilhant e
e, em seguida, pin tad os com tinta bran ca rala, result ando em um brilho róseo des-
botado, captando a qu alidad e do projeto origina l. A cor, o movimento giratório e a
composição repr esentaram cla rame nte a ideia origina l de expo r o coração daquela
mul he r co mo se fosse u m carrossel br ilh ante e expressivo de m em ór ias fixado no
mundo co ncreto, duro e alien ígena da Améri ca urb an a,

Tcnnessec W illiarns esc reveu Tlie Rose Taitoo em 1950 e a ret ratou como realismo
poético - um gêne ro dram ático em qu e o tempo está co n fina do e em suspensão
no palco, Assim , Wil liarn s descreve a expe riênc ia teatr al: "Por du as horas, nós nos
rendemos a u m mundo de valores em con Aito feroz me n te ilu minados", e sugere
que, como o público só observa esses co nAitos no palco, sem a necessidade de se
envolver ou par ticipa r das suas soluções, pode mos nos entregar ao "calor qua se
líquido da s afinidades humanas in controladas",

Realismo poético
Nes sa época, na G rã-Breta n ha, novos au tores e novas ideias estava m surg indo, pas-
sando do natur alism o cênico ilusion ista dos anos do pós-gu err a para u m teatro de
imagens co ntem po râneas poé ticas, Para co m pleme nta r essa nova produção liter á-
ria, as ideias acerca da cenografia também estavam passando por mudanças impor-
tantes. lideradas pela designei co nve rtida em pintora de ce n ários [ocelvn Herber t,
uma das figuras mais inAuentes do novo teat ro e a prim eira cenógrafa br itânica ,
Herbert tin ha visto as produções de Bertolt Brech t de O circulo de giz caucasiano
e Mãe Coragem e seus filhos e recri ou, em Londres, A alma boa de Setsuan, a
pa rtir da criação origin al qu e Teo O tto fizera com Brecht em Zuriqu e, em 1942,
Ela ficou impression ad a co m a sim plicidade e a qualida de do Berlin er Ense rnb le,
atribuíve is não só a Brech t, mas também a Caspa r Iehe r, pintor e designei qu e
inspirou Brecht desde o iníc io, A ob ra posterior de Brecht foi muito in Auen ciada
pela de Karl von Appen . [ocelyn Herbert buscou cria r u ma forma equivalente de
realismo poético no palco e, dessa m aneira, in flue nc iou uma geração de ce nó-
grafos, trazendo nova força vita l ao teat ro brit âni co, Seu s don s para o desenho,
seu bom senso e sua expe riência lh e permitiram reali zar co m pos ições cê nicas de
cadeiras e m esas, par ed es e varais de beleza incompar ável . Herb ert utili zou tod as
as possibilidades do palco do Royal C ou rt Th eatre, incluindo as tubulaçõ es e os
aquecedores da parede posterior do teatro à com posição de The Kitchen, de Arno ld
\Vesker. Os equipame ntos de iluminação ficavam sem pre visíveis e eram incluídos
nos dese nhos, fazendo parte do quad ro cênico. I-I erbert prestava muita ate nção
em exposições de arte e pint uras, utili zando-as co mo fontes de referên cia, sem-
pre ac ha ndo interpretações m odern as equivalentes. Ela utilizava a co r de forma
eco nô mica, muitas vezes coloca ndo detalh es co ntrastantes em um a co m posição
gera l se um objeto espec ífico precisasse da atenção do público. [ocelyn Herb ert
respondeu visualme nte ao desejo de Ceorge Devine para o Royal Cour t Theatr e:
"Lim par o palco e deixar entrar a lu z e o ar".

Cor e composição
Em 1965, o Berl iner Ense mb le veio a Lond res com Coriolano, A ópera dos três
vinténs e A resistivel ascensão de Arturo Ui. Foi um mom ento inesqu ecível para
todos que assistiram às montagens, não só pelo co nteúdo das peças, m as pela mise-
-en-scê ne sur pree nde nteme nte bela e clara. Pela prim eira vez, vimos a força do
sím bolo visual no palco e como a cor podia ser utili zada de mod o emotivo. A
ce nog rafia das peças foi de Karl vou Appen e era dram ática na observação e no
retrato dos det alh es pessoais verazes, co ntrapostos a um fund o épico maior. 1 a ver-
são brec htiana de Coriolano, de Shakespeare, os grandes muros da cidade foram
co nstruídos sobre um palc o giratório. j Tele, tud o estava pintado em ton s de cinza,
e os figurinos ecoava m o tem a. Havia um a riqueza de detalhes pessoais dent ro de
ca da uni form e, fazendo o públi co ac reditar que todo soldado também era filho de
um a mã e, co m um a história própri a. Subitament e, Volúmnia, mãe de Coriolano,
irrompeu através da port a ce ntral. A figura minúscul a de I-I elen e \Veigel , viúva
de Brecht, surgiu em um robe esca rlate estonteante. O elem ento de co r esca rlate
posto centralmente e sendo em oldurado pela composição de soldados vestidos de
cinza em am bos os lados torn ou claro, imediatam ente, qu e era ela, e não seu filho,
qu em detinha o poder. O Berliner Ense m ble dem onstrou um novo m étodo de
utili zar a co r e a composição , trabalh and o a partir do exterior do ator por meio do
uso de localid ades indica tivas e imagi nadas, estim ulando o público a ac reditar no
que podia ver e imaginar o qu e não podia. Rompeu -se o natura lismo cê nico para
se util izar o palco co mo Brecht e Ne hc r descreveram - "apresentar um enunc ia-
do significativo a respeito da realid ade" - , trabalh and o nos fund am entos da peça,
descobrindo o que os atore s realm ente precisavam , o qu e estava acontecendo co m
eles e através deles e com pondo uma resposta eloque nte de cor e forma .
o dinamismo do espaço
Caspe r Ne he r gostava de desenhar e era muito rápido e fluente. Tinha uma m e-
mória visua l retenti va, sendo capaz de transpor imagen s úteis da sua própria ex-
periência em imagen s cê nicas. Seu s prime iros croqu is de aqua rela, não utili zad os
para Mãe Coragem, de Brecht, parecem ecoar seus dias na artilha ria de ca m po
bávara, durante a Prim eira G ue rra Mundial , onde, apesa r de haver man obras
ativas, ele sem pre estava pintando, usando um pequeno esto jo de aqua relas qu e
ca rrega va para todo s os lugares. Doi s desenhos reali zados depois da guerra assu-
mem a form a de uma paisagem horizontal , com uma linha de hori zonte alta;
uma característica de diversas co m posições de Ne he r. No primeiro desenho, há
uma terra desolada, incluindo um gru po de solda dos co m trajes esc uros e seus
armamen tos in clin ad os na direção do ce ntro, formando um a linha vertica l. O
foco é Yvette, a prostituta do acampam ento; vestida de branco, ela é emo ld ura da,
do outro lado, por outra figura vertical escura , pequ ena , ma s posicionada na beira
da co m posição. Esse croqui refin ado de um ca m po de bata lha vazio, em qu e as
pessoa s formam os ele me ntos da paisagem , parece falar de toda s as gue rras e de
todos os tem pos. O segundo desenho é uma variação dessa co m posição. Ne he r
conserva o form ato hori zontal, m as adic iona um a sim ples ce rca de madeira, po-
sicionada na diagon al , atra vés do palco , criando um a en cenação dividid a. A din â-
mi ca espac ial é alterada, e, ao dividir o espaç o, permite que o espectador assista a
du as ações ao m esmo tempo, conscienti zando-se da diferença de status entre as
pessoas de am bos os lado s da ce rca. Em sua com posição, Cas pa r N eh er in corpora
o espíri to filosófico e políti co qu e foi a raison d' être do seu co m prom isso de co la-
bora r co m seu irmão em arte Bertolt Brecht.

Prática constante
Brecht adm irava muito a abo rdage m práti ca e própri a de op erário de Ne he r, de-
monstrando qu e a arte e a estética possu em um papel importante a desempenhar ,
apesa r do de sconforto e das prova ções da gue rra. O dramaturgo ale mão regis-
tra essa admiração no po ema "A respeito de um pin tor". Como mu itos artistas,
Caspa r Ne her pintava ou desenhava algo todo s os dias, independentemente das
circunstânc ias e dos m ateriais disponív eis. Esse hábito, essa práti ca constante,
aguça e desen volve a bu sca contínua para se entender o enigm a da co m posição
com co r, qu e é a estru tura da arte. Da m esm a form a qu e um m úsico prat ica
esca las e exerc ícios técni cos diariam ente an tes de se envo lver em trab alh os m aio-
res, ou qu e um bailarin o trab alh a incessantem ente em um a barra , o artista visual
trab alh a para alc an çar a facilid ad e de expressão da linha, da co r e da co locação
de uma forma ou um obje to no espaço. Parece mui to simples, mas existem varia-
ções e possibilidades in finitas e, muitas vezes, esse processo é a judado pe lo olhar
de u m co laborado r, qu e pode atestar qu ando a composição está na medida certa.
Essa é a beleza da expe riência co m pa rtilhada do trab alh o tea tral. i ão só o artista
visual pod e se inspirar e se motiv ar pelo texto, mas o au tor também pod e se inspi-
rar pela qualidade de um a linha ou pel a int ensid ad e de uma co r.

i TOpoema de Brecht a respeito de Cas per Neher, "Os amigos", ele de fine a impor-
tância da cor e da co m posição, enqua nto percorre u ma cidade destru ída:

As cidades onde trabalhávamos nao esteio mais ali.


Q uando caminho através das cidades que ainda existem
t\ s vezes digo: aquela peça aZlJ I de roupa lavada
Meu amigo a teria posicionado melhor.

A LÓGICA DA COR

O desenho é sensação. A cor é raciocínio. A cor tem uma lógica teia rigorosa
como a {arma.
Pierre Bonnar d (1867-1947)

Conside re um retân gul o co m 247 ce n tíme tros de altura e 168 ce n tíme tros de
largura; ou se ja, com uma altura qu e é qua se o dobro de sua largura. Pintado
pelo ru sso Boris G rigor iev, em 1916, a pintura está dividida vertica lme n te , qu ase
ao meio . A me tade esquerda , levem ente na diagonal, retrata Vsevo lod M eyerh old
(1874-194°) , diretor de teat ro ru sso. Sua figura gesticu ladora, co m ca rtola e lu vas
bran cas, m ostra um hom em vestido co m traje a rigor preto . A m etad e direit a
retr ata os vermel hos e laranjas int en sos de um bailarin o do Ball ets Russes, com
os m ovim ent os copiando os de M cyerhold . O eleme n to espan toso dessa pintu-
ra não é a na rrativa, mas a co m pos ição das im agens, forçando sua presen ça em
relação à moldura do retân gul o e perfeitam ente casa da com a estru tura de cor.
O qu e lem os e acei tamos co mo preto é, de fato, púrp ura. As lu vas, a cam isa e o
co le te, qu e são tidos co mo bran cos, são, de fato, um a mistur a de rn al va , rosa e
lar anj a. Esses indícios de la ranj a e rosa são muito su tis e se ligam ao lar anj a e ao
rosa vívidos da seg u nda figura, qu e preen ch e a o u tra m etade do retân gul o . Nessa
figura , o branco das m a ngas e dos sapa tos do bail ari no é um tom m ais int enso
de malva, tam bém co m toqu es de rosa e la ranja. O púrpura do tra je a rigo r de
Meyerho ld defin e o tom grave e o ma lva/branco da ca m isa e das lu vas esta belece
o tom agudo da esca la de cores escolh ida por C rigor iev. Tod as as o u tras co res se
tornam int erval os: os sus te n idos e bem óis qu e ace n tu am a co m pos ição principal.
A pintura é uma convergên cia harm ôni ca de quatro cores, c u idadosa me n te po-
sicionadas no espaç o retangular e qu e ca n ta m e dançam com o se tivessem vida
pr ópria . É a pe nas uma da s muitas pinturas semelhan tes presentes n o Museu do
Estado Ru sso, em São Pet ersburgo, uma fonte primária útil par a ce nógrafos qu e
quere m en ten de r a l ógica da co r, ir além do títu lo da narrativa e se tornar co m po-
sitores do espaço cê n ico.

A cor - sua colocação e ma nip ulação de n tro da co m pos ição da im agem - é a


ferra men ta qu e m odifi ca de m an eir a flu ente e orgâ nic a o espaço cêni co . Os ato-
res, co mo demon strar am os pintores ru ssos da década de 1920 , pod em ser vistos
co m o ícon es coloridos em movim ento atr avés da tela cê n ica. Eles têm o pot en-
cial, se assim diri gidos, para utili zar seus figurinos como eleme n tos cêni cos e m
movime n to, o qu e é um grande recurso para o cr iado r inventivo e pode combinar
riqueza visua l com econo m ia elega n te.

A diretora francesa Aria ne Mnou chkine, no ciclo teat ral de dez horas de duração
das qua tro tragé dias gregas Les Atrides (199112) , no Th éâtre du Sol eil , e m Par is,
m udou tod a a ce na de vermelh o para pr eto sim ples me n te fazendo os atores inver-
ter em se us figurinos. Em um seg u ndo, a a tmosfera se alte ro u da n ormalidade par a
a tragédia , e os espe ct adores ficaram impressionados com a ou sada simpli cidade
e a cl ar eza do sign ificado. O Legend Lin Dan ce Theater , de ' I~IÍ pé, e m ' laiwan ,
sob o co ma ndo de sua formid ável co reógrafa e diretora artística Lee-Ch en Lin ,
dem on stra qu ão eficaz é o pro cesso na releitura qu e fez das lendas da mitol ogia
ta iwa nesa. Lin esta be lece alguns prin cípi os u n ive rsais muito importantes de re-
prese ntação, Isso não é algo feit o a pe nas por uma pe ssoa . O ritu al da representa-
ção é feit o por tod os, incluindo os especta dores. O ato r deve ap re nde r a se tornar
úni co co m seus materiais e não a co ns ide rá-los co m o acessó rios qu e apeiam sua
representação . O s espe ct ado res podem e n trar no teatro como pessoas cé tic as, m as
devem sair como pessoas transformadas, e isso se alcança por m eio da convicçã o
co m pleta do s atores na obra qu e estão apresentando. Os a to res têm de en trar em

143
outro mun do ao lon go da duração da repr esentação, e os espectado res devem se-
guir esse exe m plo. Na releitura co ntem porânea que fez das lendas de fantasmas,
Lin concebeu um espaço reta ngular suspenso com cortinas de seda cinza e as
bordas tingidas de rosa. Com movimentos imperceptíveis, uma bai larina avança
lentamente a partir do fundo do palco, segurando no alto um pedaço de seda
vermelha dobr ado em um a vareta e co brindo seu corpo. O efeito é o de um re-
tân gul o verme lho vertica l se deslocando através do qu adr ad o de seda cinza, como
um a pintura de Kazimir Malevich (1878-1935), suprema tista russo. O retâng ulo
verme lho alca nça seu ápice à m edid a qu e se aprox ima dos espectado res. De re-
pente, a atriz que o ca rrega se a joelha. O ut ras bailarinas pegam o retâ ng ulo, pois
ele não está fixado à vareta, e o estendem através da hor izo ntal do espaço cênico,
revelando sua carregadora anterior, uma noiva fan tasma: o corpo bem branco e os
seios desnudos m inúscu los, como botões de rosa. A transformação é espe tacular
e muito sim ples. Subitamente, as garotas começam a girar a seda em u m círculo
em torn o da noiva, e, novam ente, o espaço muda . As cores avançam e recu am no
espaço, que é co nsta nteme nte preen chido e esvaz iado. A área fora do palco, atrás
da seda cinza, fica sem pre entrevista, co mo um espaço ativo, e as bailarinas qu e
desocuparam o espaço são vistas co m tons cinze ntos, nas beiras da co m posição.
Esses dois eleme ntos visua is fund am entais, cores co loca das de ntro da co mpo-
sição do espaço, estão totalm ente unidos, e não por acaso, mas por concepção
cuidadosa e investigação rigorosa da história a ser contada.

Direcionando o olhar do espectador


Desde tempos antigos, a co r foi usada para dem on strar idade e status, tanto no
palc o co mo fora dele, e ainda hoje é um fator imp ortante na narração de um a
história. [oan Mir ó (1893-1983), pint or catalão, brinca co m as cores em suas com-
posições, fazendo-as dan çar e se mover dian te dos olhos. Uma peq uen a pintura
como A cor da lua cobre o verde do sapo é uma lição em si mesma, e vale a pena
dedicar um tempo para estudá -la. M ir ó inverte e subverte as formas e cores com
estonteante ousadia, sempre usando a ênfase de uma cor para direcionar o olha r do
observador. A arte de um ce nógrafo também envo lve direcionar o olhar do especta-
do r por me io do en tendime nto da h istória ou do texto, expressando isso m ediante
co m posição e cor. Quand o abstraídas da narrativa, essas indicações cê nicas devem
ser capazes de existir co mo um trabalh o artístico. No co ntexto do espe tác ulo, o mo-
bili ário, os ob jetos cê nicos e os figur inos falam a respeito de profissão, co ndições de

144
vida, clima etc., expressos por meio de tecido s, padrões e decora ções, iluminando
o contexto h istórico e sociológico do dram a. Os viajantes co ntem porâneos têm a
oportunidade de registrar digitalm ente tud o o qu e veem, mas, ao mesm o tempo,
de jun ta r coisas sim ples, co mo passagen s de ônibus, anúnc ios e pap éis de bala
- os obje tos do cotidiano são uma referên cia viva para a criação de um a paleta
individua l de cores. Os artistas visuai s possuem um ap etite voraz para registrar,
recor da r e co leta r informações t áteis diret as, levand o-as ao ateliê para , por meio da
expe rime ntação com diversas técni cas, recriar mem órias no espaç o cê nico. Kurt
Schwitters (1887-1948), artista plástico e perfonner alemão, colecionava obj etos des-
car tados - despojos da vida diária - e os utili zava para criar suas assemblages. Ao
remove r ob jetos do cotidiano de seu contexto origin al, ele os recolocava em um a
nova paisage m inventada. Uma passagem de ônibus comum suge re um pássaro no
céu, solas de sapato, invólu cros de qu eijo, suca tas, arames e pen as: tud o assume
uma nova identidade. Sch witters serve como lembrete de qu e a cur iosidade artís-
tica - a necessi dade de brincar com cores e ob jetos no espaço - é um fund am ento
da cr iação. Correr riscos e tran sitar pelo desconhecido querendo sabe r o que acon-
teceria se... tende a ser mai s gratificante para o criador e para o espe ctador do qu e
form ar um espec ialista em manipular um a fórmula segura.

Usando a cor para alcançar máximo efeito


Eu estava entediada com o meu trabalho e protelava o momento assustador de
iniciar um novo projeto; no caso, The Creek Passion . Decidi limpar meu ateliê.
Deparei-me com uma caixa de massas de modelar que comprara em Los Angeles
alguns anos antes, contendo restos de massa vermelha, amarela, azul e verde.
Considerei jogar a caixa fora, mas pensei: "E se eu estivesse abandonada em uma
ilha deserta e só tivesse esses quatro pedaços de massas de modelar para trabalhar?
O que eu poderia fazer?". Já tinha planejado criar as imagens dos personagens de
Kazantz ákis sobre papel-cartão branco do tamanho de um co (tinha encontrado
uma grande quantidade deles em uma lixeira de uma gráfica rápida que imprimi-
ra alguns folhetos e os jogara fora). Como as imagens tinham de viajar, achei que
poderia colocá-Ias em caixas vazias de co para protegê-las. Tinha a lembrança de
vilarejos quentes que visitara, onde todos se vestiam de preto, destacando-se como
corvos contra uma paisagem acidentada e pedregosa, e consegui achar meus ca-
dernos de desenho com minhas anotações visuais registrando os diversos tons de
preto, a pátina da idade, do sol, do clima e da profissão . Comecei a misturar as
cores das massas de modelar, fazendo bolinhas, até que elas ganhassem um tom
preto, às vezes mais verde, mais azul, mais vermelho ou mais púrpura, dependen-
do da mistura. Em seguida, comecei a espalhar as cores misturadas de forma bem
rala sobre os papéis-cartões do tamanho de um CO, usando meus dedos. Quando o
papel-cartão ficou totalmente coberto, e sem qualquer decisão prévia, peguei um
pequeno escalpelo e raspei um par dc olhos, j<Í que em meus croquis de viagem
sempre registrei os olhos das pessoas ou as [anelas da alma. Assim que vi os olhos,
identifiquei o personagem ao qual eles pertenceriam. Reuni um sortimento de
formões e grosas, alfinetes de segurança, um garfinho, uma faca para manteiga,
um pente, alfinetes c lâminas antigas e comecei a fazer marcas distintas, raspando
para revelar a pcssoa quc parecia estar aprisionada entre a massa de modelar e o
papel-cartão, só esperando para ser libertada. Então, fiz uma descoberta inespe-
rada. Quando a massa foi raspada, revelando o fundo e deixando uma figura pos-
tada, o papel-cartão estava tingido c tcxturizado pelo processo, de uma maneira
que eu jamais poderia ter alcançado se tivesse planejado. E, assim, eu tinha a nota
superior - o papel-cartão branco tingido - e a nota inferior - a figura sólida de
massa de modelar e todas as notas intermediárias que dependiam, simplesmente,
do quanto eu poderia raspar. Com a ponta de uma lâmina, também me permiti
adicionar pequenos detalhes de uma das quatro cores, mas não houve, de fato,
um desenho ou uma ideia prévia, exceto por ter estudado a história e começado a
conhecer os personagens como meus melhores amigos. Isso pode ser apenas uma
técnica, mas, com ela, aprendi diversas lições importantes. Em primeiro lugar, e
acima de tudo, a pessoa que gosta de cor, pessoal e profissionalmente, deve com-
preender que usá-la no palco de modo eficaz é usá-la de modo econômico, para
que alcance máximo efeito. Com frcquência, as cores são utilizadas indiscrimina-
damente. Também é importante ser corajoso a respeito do uso da cor e resistir ao
uso de objetos tirados do estoque, quc não podem ser modificados para tornarem-
-se parte da escala de cores escolhida. Raras vezes, o rigor é um esforço em vão,
Na Grécia, ao comprar materiais básicos para representar as imagens de massa de
modelar, com Sakis Kolalas, cenógrafo grego, tivemos de procurar muito por teci-
dos quc podiam ser tingidos e alvejados para reproduzir alguns tons. It cansativo
percorrer barracas em mercados intermináveis, no calor, e não encontrar nada;
assim, é f,ícil se contentar com qualquer coisa. No entanto, agora, realmente sei
que, se a matéria-prima não estiver correta, o produto acabado, da mesma forma,
jamais estará correto; e, em relação à cor, não devemos fazer concessões. Ela deve
ser tão precisa quanto um músico interpretando uma composição, pois essa é a
lógica da cor e a força de seu trabalho.
o rigor jamais é um esforço em vão
Criar fisicamente imagens que outras pessoas são capazes de entender e apre-
ciar convida os colaboradores a participarem da criação. Os meios pelos quais
as imagens são criadas são tão variáveis quanto a quantidade de pessoas parti-
cipantes - quer através de tinta e papel, inventando outras técnicas, ou digital-
mente -, e a técnica em si não é importante. O que vale é o criador apreciar
o processo e se comprometer com ele, como um relacionamento profundo e
sério, mesmo que por pouco tempo. Esse compromisso é o grande comuni-
cador. Um desenho ou uma imagem visual fala mais alto do que as palavras.
É concreto e exato, enquanto as palavras são alusivas e elusivas . Compreendi
isso para alcançar mais: desenhar mais e falar menos. Utilize a cor criteriosa-
mente e com sentido, atento ao fato de que cada uma delas conta a história .
No dia em que cheguei a Salônica, na Grécia, para iniciar os ensaios de The
Greek Passion, fui convocada para uma audiência com o arqueólogo chefe da
fortaleza bizantina, com quem tínhamos acordado a construção de um palco
e a adição de tendas para camarins, banheiros químicos e todas as outras coisas
necessárias para a encenação de uma ópera de grande escala. Para minha sur-
presa e desalento, aquele guardião de um bem considerado patrimônio mun-
dial da humanidade pela Unesco comunicou que tinha mudado de ideia e
não queria que a ópera fosse montada ali. O arqueólogo brindou-me com uma
palestra sobre arte e arquitetura bizantina durante 45 minutos sem parar para
respirar. O que eu podia dizer? Ele j<Í tinha tomado a decisão e eu fiquei sem
fala. No fim de seu discurso, simplesmente entreguei-lhe minha coleção de
personagens de massa de modelar sobre papel-cartão, e lhe pedi para dar uma
olhada . Onde a massa fora raspada, restou uma textura rugosa, bastante seme-
lhante à da própria fortaleza. Disse-lhe: "Dê uma olhada nisso e me diga se
pode ser feito em outro lugar". Quando ele começou a observar e percebeu os
personagens no contexto, sua atitude inflexível relaxou com o seguinte comen-
tário: "Muito interessante ... Eu vou ajudá-la ... Você pode fazer". Eu não disse
nada, exceto um agradecimento murmurado, e bendisse o tempo que passara
em meu ateliê compondo cuidadosamente cada pequena imagem, não maior
que o tamanho de uma caixa de co, para revelar não só o que o personagem
usaria, mas também o contexto em que seria usado . E, assim, começamos os
ensaios no dia seguinte! (Figuras 4-4'I-f)

147
4.4 - Mo saico dos persona gen s de The Creek Passion

o desenho como emissário de uma ideia


Estava consultando antigos livros de his tória da arte, na biblioteca do Carnegie
Museum of Art. em Pittsburgh, querendo saber a maneira de começar a traba-
lhar na ópera de câmara O casamento, Em um árido e empoeirado Clossary of Art
Tenuinology do século XIX, encontrei uma descriç ão de uma exposição de vinhetas.
que explicava que essas eram montagens arranjadas de objetos distintos que, quan-
do reunidos, transmitiam ressonâncias "muito maiores que os objetos individuais",
Isso me trouxe à memória a obra de Cildo ~ Ieireles (1948), artista plástico brasileiro

148
criador de instalações conceituais, que vira em Praga em 2001. As raízes de seu traba-
lho estão na realidade social que, a partir de "um objeto corriqueiro, geralmente do-
méstico, ou de uma memória de infância, [ele] transmuta em uma realidade muitas
vezes implacável, mas marcada pela resiliência e inventividade humana"!'.

Isso ecoava exatamente os temas da minha versão de O casamento, atualizada em


relação à de Nova York, de 1953. De volta ao ateliê, utilizei uma nova tinta chinesa,
pincel e uma grande folha de papel artesanal indiano e desenhei um piano vertical
e uma mulher tocando, algo que recordava a professora de piano da minha infância.
Então, aos poucos, sem nenhuma ideia preconcebida, comecei a compor vinhetas
do mundo dos dois principais protagonistas da ópera - o solteirão de meia-idade que
vive como um porco e acha que devia se casar para solucionar seus problemas, e a
da garota solteira, não tão jovem, que sonha com o verdadeiro amor, embora depen-
dendo de uma velha casamenteira calculista para apresentá-la a pretendentes cada
vez mais inadequados. Quando compus aquelas vinhetas, percebi que havia criado
uma instalação de pequenos ambientes que os espectadores poderiam contemplar,
independentemente do espetáculo. No entanto, o desenho pareceu bastante esque-
mático, apenas a explicação de uma ideia. Vi que aquilo poderia facilmente pare-
cer o conteúdo de uma loja de objetos cênicos ou de um depósito do Exército da
Salvação descarregado em um espaço. Mostrei o desenho para Cindy Lirnauro,
iluminadora cênica que, frequentemente, ilumina cantos esquecidos das cidades
europ éias, permitindo que o público veja, não raro pela primeira vez, os tesouros
que possui. A ideia precisava de iluminação para se tornar realidade e para separar as
vinhetas umas das outras, e a qualidade de iluminação fazia parte de toda a compo-
sição, ainda que, definitivamente, o recurso artificial de utilizar as luzes de antigos
aparelhos derv parecesse supérfluo (Figura 3.7).

A emoção da composição
Brincar com papéis e tin tas para encontrar o meio qu e m elh or expresse o espír ito
da peça tem, talvez, seu paralelo na ma ne ira pe la qual um com positor selecio na o
tom mu sical. M exer em tud o é assustador e essenc ial, uma agonia e um êxtase, mas
o mo me nto da descobert a, o compromisso diretam ente co m o papel e o meio é o

15 Cu)' Brett, coc urado r da exposição Ci ldo M eireles, feita no Tat e Mo dem , em Lond res,
em out ubro de 20 0 8 .
de se apa ixonar, embora temporariam ent e. It u m compromisso, e é preciso temp o e
espaço para se explorar todos os desconh ecidos que só se ap resen tam ao criador de-
pois que a prime ira marca é feita no papel. Essa é a emoção da com posição: a busca
e a caça. TO processo, escolhas são feitas e decisões são toma das o temp o todo. Que
cores usar e qu al é a escala de cor que aparece? O verde-escuro é realm ent e pre to? E
o outro extremo é um a cor de pergaminho, um equivalente do bran co? Subitam en te,
os int ervalos de cores interm ediárias se apresentam e atraem discórdias, os sustenidos
e os bem óis da cor, para perturbar a harmonia. Ao mesmo tempo, o trabalh o deve ser
comunicável aos outro s, pois essa é a natur eza da ce nog rafia.

Superfícies flexíve is
Paradoxal men te, qua nto mais realizo trabalh os, me nos fáceis eles se torn am ; isso
co nfirma que, em meu desenh o e em mi n ha pintura, não há fórmula fixa, e tudo
é uma questão de assumir riscos e encon trar novos caminhos. Não sou um progra-
ma de computado r. No entan to, aprendi a tent ar dese nvolver técnicas com meios
distintos nos qua is isso pareça impossíve l. Apre nd i a cometer erros, e isso é algo que
sempre co mpa rtilho co m m eu s alu nos. Todos vão ter suas próprias preferê nc ias
pessoais e dese nvolver um repe rtório. Em bora goste da sensação de um bom papel,
e eu os acu mule para algum vago uso futuro, muitas vezes prefiro realizar meus
traba lhos em pap el grosso e anti go, pap el-cartão, mad eira, qu alquer coisa qu e não
ten ha nada a perd er ao ser tran sform ada em alguma outra coisa: é barata e substi-
tu ível. Porém , levo em conta qu e a su pe rfície sobre a qu al algué m trab alh a deve
ser capaz de dar um a resposta ao criado r, para qu e a cu m plicidade en tre artista e
instrum ent o tenha um a cha nce de acontece r. As vezes, ensopo e estendo um pap el
grosso sobre um a tábua e o preparo com emulsão branca caseira, permitindo qu e
marcas insatisfatórias voltem a ser rapid am ente coloridas de bran co. Isso chí um a
sensação de liberdade qu e é fund am ental qu and o co meço a fazer do nad a alguma
co isa. No entanto, é fácil ficarmos presos a um a técn ica, e isso é algo co ntra o qu al
devemos nos precaver. Certa vez, comecei a pint ar folh as gran des co m diversas
cores e, em seguida, co rtei-as e criei figur inos de tama nho reduzido usando co la.
Só então co nstatei qu ão mais rápid o e mais simples seria não ser tão capr ichosa e
simplesmen te desenhá-los.

!Tas pinturas em sacos depapel pardo para os personagens de O casamento, esfreguei


com uma espon ia grande cores aleatórias sobre as partes posteriores dos sacos (que
- - - ----

-l.5 - Galeria do s personagens de O casamento

eram um tema visual da instalação ) e, em seguida, investiguei as cores para selecio-


nar as áreas que sugeriam uma figura sombreada, à qual dei vida anulando o fundo
colorido com tinta branca. O processo é como o da exumação de um corpo enter-
rado há muito tempo sendo trazido à vida de novo; quando finalmente encontrei o
personagem, era como se eu já o conhecesse h,í muito tempo (Figura +5)'

Também gosto de variar o tamanho daquilo em que estou trabalhand o, o qu e leva,


naturalm ente, a um a variação de impl em entes - e a descob ert a de novas man eiras
de ma rcação é sempre um grande prazer. Por que atribuo tanta importân cia ao
dese nvolvime nto da cor e da co m posição? Porqu e ser artista visual no teatro - ou
chame do que quiser - faz parte de um a arte efêmera e, quand o a produ ção aca ba,
o único registro real que perm anece são as image ns visua is. Mesmo boas fotos de
produção, digitalm ente ap rimora das e admi ravelm ente montadas em relação ao
pad rão da exposição, raras vezes captam a textur a e a sensação de um a produ ção
como uma obra artística real. Isso é o qu e deixam os para aqueles qu e têm vontade
de pesquisar o nosso trabalh o; e co mo é irôni co o fato de que, apesar da era digital, o

15 1
trab alh o m anual se tornou cada vez m ais co lecio nável e, em ce rtos casos, até adqui-
riu um valor m aior qu e a remuneração inicial da produção. À m edida qu e pilh as de
e-mails cresce m e são lidas às pressas, a comunicação desenhad a ou a esc rita a mão
sign ifica, cada vez mais, algo importante, enquanto, por ou tro lado, a com u nicação
eletrônica é assoc iada à facilidade e à velocidad e. It igu al em relação à a rte m anual:
torna-se algo de valor. D e fato , vale a pena trabalhar nos desenhos.

Concentrando a atenção
Ao trab alhar ou c riar em grande esca la, é essenc ial sabe r como m anipular a cor
e co m po r o espaço para conce ntrar a atenção do público . Isso é importante se o
evento aco ntece e m um espaço livre ou especialmente co nstruído, e os especta-
dores têm à disposição diversos pontos de vista ao lon go da açã o. A prim eira coisa
é co nside rar a form a de todo o espaço e m sua co m pleta dim en são, in cluindo os
co n ju ntos de assentos, e obse rvar os plan os qu e pod em ser explorados: o piso, as
paredes, o telh ad o, as diagon ais, as dim en sões ve rtical e hori zon tal. Uma pintura
bidimen sion al possui a m esm a geo metria sub jace nte, m otivo pelo qu al a co nsulta
às be las-artes pod e ser tão útil para o criado r cê nico. O trabalh o e m u m espaço au-
top rojetado permite qu e os artistas do som e os artistas da lu z sejam in corporad os à
estru tura desde o início, em vez de e m pregados no final do pro cesso de produção,
para aprimo rar o qu e já está ali. A criação de um a paisagem sonora pod e dar co r
e dim en são ao espe tác ulo, e deixar espaço real para a lu z pod e demon strar o qu ão
pouco o cen ário - um termo já ob solet o - é necess ário para proporcionar uma ex-
per iên cia rica e variada ao espec tador. O som e a lu z são líderes primári os para dire-
cionar o olhar do s espe ctadores e, nessa form a de teatro, o criador principa l precisa
ser algué m que saiba com o explorar ao m áximo o pot en cial do espaç o e sinc roniza r
a trindad e da ce nografia: imagem , som e lu z.

Ne sses espaços, a estru tura dram ática, geralme nte sem espaç os de bastidores co nven-
ciona lme nte oc u ltos, co ncentra a atenção dos espec tado res em uma direção, enqua n-
to a próxima im agem está em preparação em outra parte. Um som ou um a lu z fará
qu e o públi co se vire e siga os sina is para direcion ar o olha r. É um velh o truque m edie-
val, frequ entem ente u tilizado em dram as em espaços públicos, e pode ainda ser visto
hoje no teatro de fantoches Pu nch and [udy ou Le G rand G u igno l. Particul arm ente,
é apro priado para eventos, histórias e fábul as, qu e são ma is expositivos do qu e psicoló-
gicos, e são apresentados principalm ente po r m eio de m ovim ento e música.
Espaços mágicos
Esses são os princípios subjacentes ao planejamento do evento em uma tenda
-I .ddi o] \ lanhood Elld, \ tenda eleve ser construída especialmente para replicar
a estrutura de uma capela do século . TI - onde, como diz a história, Eddi pregou
-, porém, não deve ser uma reprodução. o topo da tenda, nas vigas de madeira,
11m coro de pássaros - cantores c trapezistas, trajados de azul e verde brilhantes,
destacados pela iluminação - utilizara a dinâmica vertical para atrair a visão do
público em direção ao ápice da estrutura, semelhante a lima capela. Isso permi-
tirá ao coro de jovens e velhos anglo-saxões se agrupar nos palcos laterais, em
ambos os lados do conjunto de assentos, mais ou menos invisíveis. prontos para
entrar em ação mais adiante em um plano horizontal. O uso da linha diagonal,
da altura máxima do conjunto de assentos até o fundo da tenda, ao nível do piso ,
é o local da entrada monocromática do coro de focas cinza qlle, rastejando, saem
do mar e terno e ingressam na capela/tenda através de uma pequena abertura
no piso. Em contraste com as grandes imagens, a sequência começa com uma
pcquena foca carregando um peixe em sua boca e percorrendo com os olhos o
imenso espac,·o. Essa imagem é lima tradução direta de Perso111/(/ge et Oiseallx
(1963), pintura de Miró, na qual um pontinho vermelho na parte inferior da obra
chama imediatamente a atenção do observador antes de a grande figma escura na
paisagem ser facada, Portanto, os dois extremos de cor e composição estarão esta-
belecidos. Os tOJlS cinza-escuro das focas, representando as notas gr<l\es. passando
pelos tons meio púrpuras dos velhos anglo-sa.-{Jes e os vermelhos e azuis mais
brilhantes do coro de [ovcns anglo-saxões, até os azuis c verdes mais claros c os
cinza-claro dos pássaros e trapezistas. , essa composição de cor, será colocado o
elemento principal do espaço: o conjunto dc assentos; ou seja, uma arquibancada
padrão com cadeiras de plástico interligadas, tlrmcmcntc fixadas para atender
às normas de sa úde e segmança, ocupando dois terços do cspaço da tenda. Por
mais feio quc parecesse aos atores , a sensação, para os espectadores, devia ser a de
entrar em um espaço mágico, Receberam muito a minha atenção aqueles criados
pelo mestre da cor, Luis Harrag.in ( 1902-19 88), arquiteto c engenheiro mexicano
que usava as cores de maneira dramática em seus edifícios para realçar as formas
geométricas inadequadas criadas pelas limitações de determinado local. Imaginei
o conjunto de assentos como um triângulo tridimensional, em uma cor vibrante,
seguindo a diagonal desde o ponto mais alto da tenda, no [uudo. até o nível da
encenação, no palco frontal. Por que, cn1<10, não utilizar tecidos antichamas em
diversos tons de verde para revestir os assentos, em referência ao antigo monte
mortuário que. até hoje, se mantém corno parte da paisagem adjacente à capela
real elo século, r ,\ última pe~'a do quebra-cabeça elas cores envolve o piso real
elo palco, que é. frequentemente. o funelo no qual os atores são vistos elo auditório
elevado, () piso é o componente visual principal da composição, equivalente à
tela elo pintor. e ua cor e mais importante do que o fundo ou as paredes laterais,
e l (,1 o. divc rsos fatore devem cr levados em consideração. e a segurança dos
atores é o principal deles. o entanto. por meio da análise geométrica. vê-se que
o piso do palco é um retângulo que utiliza a .irca horizontal m.ixuna, com elois
braços retangulares estreitos alongados em ambos os lados da paisagem ele assen-
to verdes. como uma tomada e um plugue, luito provavelmente, a construção
ser.i de painéis ele madeira. cncai ados em bases metálicas padrão. oferecendo
urna upcrfícic para pintura. ão ci que cor deverá cr; so sei que deverá er
forle e vibrante, o contraponto do conjunto de as. entos que o circunda. e não
1I1n pedaço ele pintura cênica finginelo ser algo que não é. Da janela do meu
ateliê, vejo o mar c o céu. e observo que. muitas vezes. eles são uma coisa só, c
me Ill'TgUllto se um azul-violeta funcionara, lm caso positivo. no momento final,
quando o fundo da tenda é erauiclo para revelar o mar real. à noite. com barco
dl pe ca. fogo ell artificio e uma pequen,l lua pálida, uniria- e a cor do piso elo
palco a pai agcm marinha, " se a lua uâo estivesse vi ívcl ou se estivesse no lugar
erra elo, uma lua reserva ele latão seria bai ;lela elo lado de fora da tenda para cair
perfeitamente no lugar.

Escala e impacto
Tamanho e esc ala faz em parte de qualquer co m posição ele co r, e aprendi qu e , d esde
qu e o obj eto contenha a essê ncia de sua forma e se ja produzido perfeitamente, o
espectador vai capt á-lo em tamanho real. Uma bo a regra pr ática é qu e , se a co m po-
sição não puder ser muito gra nele, produza um obje to muito pequeno, e utili ze cor
para real çar seu tamanho. E m Bleus, Blancs, Rouges (1967) , hi stória ela Revolução
Fran cesa recontada por Roger Plan chon , utiliza-se uma carTIlagem amarela rn in ús-
cul a co m duas cabeças olhando par a fora ela janela, sim bolizando a fuga de Lui s
XV I e Maria Antonieta el e Paris a Varennes. Esse obj eto evidentemen te não rea lista
foi fabri cado co m granele detalhamento, com o uma miniatura perfeita de um carro
Holls-Ho)'ce, e puxado atrav és do palco por um barbante , co m as cabeça s dos fanto-
ches reais ace na nd o sob re molas ao reconh ecer em a multidão, e m tamanho real ,
qu e se am on toava para vê-los. A verd ad e, a bel eza e o tempo investido na fabrica ção
dessas co m posições e o ama relo polid o brilh ant e da carru agem tornam o ob jeto
perfeitamente verossímil, apesar de seu taman ho em mi niatura.

A na rrativa ela peça ele Plan ch on era bastante pontuada pela int erven ção elos fan -
tasm as elo po vo m ort o ele Pari s (/es morts), qu e se ergu iam ele um fosso e invadiam
o espaço cênico. Eles ca rrega \'am im en sos fan toc hes, feitos de ca bos de vassou-
ra, papéis velhos e bar ban tes. As co res vibrantes dos trajes dos revolucioná rios
- az ul, bra nco e verme lho - foram tod as branqueada s; assim, some n te um resto
m an ch ad o de cor restou co m o lembrete significativo da existênc ia anterior deles.
Em outra cena, representando a tom ad a da infam e pr isão da Bastilha , em 1789,
uma rép lica perfeita, em esca la, da prisão recon struída a partir el e esta m pas popu-
lares do período (estampes popu/aires) e ra ca rrega da por qu at ro revoluci on ários
(sans-cu/ottes), sobre um a padi ola militar. A m aqu ete era bastante grande para
esco nde r um ator dentro e, no mom ento da tom ad a, ele sim plesme n te se ergu ia
no int er ior e ab ria as port as.

Feito a mão
Essa ideia pode ser vista no Festival dos Fan tasmas de Taiwan , onde estão casas
em escala pe rfeita, feitas ele papel e bambu, e decorad as co m cores e padr ões
maravi lhosos. As vezes , os criadores são ainda mais am biciosos e criam hotéis de
pa pe l, em bo ra sem banh eiro s. São utili zados para receb er bem os fantasma s de
volta à terra, mas só por um períod o muito cur to (Figura + 6). Durant e o dia, as
casas de papel são expostas publi cam ente sobre tampos de m esas, on de frut as,
comidas e dinheiro são cu ida dosa me n te co loca dos na frente das port as, no caso
de os fantasm as precisarem come r. A noite, as casas são ca rrega das em proci ssão
sobre padiolas de bambu pela s ruas até a beira-mar, onde, com a a juda de mergu-
lhad ores, são postas para Au tuar no mar e dep ois incendi adas. A visão de milhares
de pessoas senta das em silêncio pert o do mar , obse rvando da orla ao hori zon te
mi niaturas perfeitas se m ovend o e em cham as e despedindo-se dos fantasm as por
ou tro ano , é profundamente tocante e bela, Em contraste , em 2 0 0 8, ano do rato no
ca lendá rio chinês, existiam carros alegó ricos motori zad os co m ratos im en sos, fan-
tasiados de noivas oc ide nta is, pop siars, líderes de banda etc. - era m ratos maiores
que elefan tes, co mo seus irm ãos rea is. G ue rreiros gigantescos sobre pern as-de-pau,
co m braços im en sos esten elidos e rostos co loridos indi cando sua idad e e seu status,
enc he ram as ru as: cada im agem era mais incrível elo qu e a outra.

155
(

4.6 - Festival dos Fant asmas de 'Iaiwan

No e n ta nto, aprendi muito visitando J lung Hsin -Fu , o m estre dos corta dores de
papel, qu e cria m áscaras e figuras de pap el perfeit as, às vezes co m 5 m et ros de
comprimento, int eiram ent e a partir dc lima pcça de pap el d obrado . I~ a versão
con tem porâ nea da pr ática an tiga e m ística da dobradura de pap el , qu e faz part e
dos ritu ais cotidianos . A tecn ologia laser é utili zad a ju n to co m facas tradi cion ais,
m as a c riaç ão deve ser feit a a m ão; o co nta to d o a rtista co m o pap el é par te esse n-
cial da c riaçã o. De form a mai s sign ifica tiva, o pap el co rre to deve se r escolh ido
para o tema , ma s, se ele não puder ser enc ontrado, terá de se r feit o sob cnc orne n-
da. Essa ligação do a rtista com os materi ais, co m a escolha da co r e do tamanh o
e, assim , co ns ide rando a ação da lu z sobre os planos escultura is das m áscaras e
figuras, co nstró i uma co m pos ição qu e possui in tegr ida de tot al. As co nstruções são
tão equi libradas c orgânicas qu e ba stam as m ais leves varas de bambu para ap oiá-
-Ias; nenhuma c ngen haria ou anim atrônica pesad a ou one rosa é necessária. C o m
exceção dos exem plos hi stóricos dos m estres do passad o , em expos ição no Cou n ty
Museum , em Hsin chu , essa incr ível arte em pap el é temp or ári a e br eve. Contará
sua hi stóri a por m eio de form a, formato e cor e, em seg u ida , se rá qu eim ad a e refei-
ta , imitando o eterno ciclo da vida para a morte . C om o eles dizem , o teatro não é
m ais qu e um hotel tempor ário.
DIREÇAü

ACHANDO O CAMINHO

A direção de um a produção traz à tona a visão do desconh ecido por meio da co-
laboração de seus artistas criativos: diretor, autor, ce nóg rafo, coreógrafo e ilumi-
nador cên ico. De distintas perspectivas, eles se reún em para plan ejar a estru tura
de uma produ ção, que será mater ial izada no palc o pelos atores. A colaboração
é mais do qu e um idea l: é a força cr iativa mais importante para qu e as ideias
seja m discutidas, batalh adas e, finalm ente, coeren teme nte realizadas. E m geral,
as decisões finais ca be m ao diretor, cu ja visão co ma nda a direção da produção . Às
vezes, o diretor é também o autor e o ce nóg rafo, ma s o ponto imp ort ante é qu e
cada pessoa da equi pe criativa tem um pap el inde pe nde nte e int er-relacion ad o
a desempen har. M iche l Saint-D eni s, diretor teatral c diretor da Old Vic Th eatr e
School, sem pre sustentou qu e as "pessoas qu e trabalham em teatro devem sabe r
como valorizar o trabalho de cada pessoa envolvida e o qu e ele acarreta, ind e-
pendentemente da área". Deve haver um a visão clara , e as ideias para a produção
precisam ser expe rime ntadas e testad as de todo s os pontos de vista: conceitua l,
estético e pr ático. Na da deve ficar em desequilíbri o. A colaboraçã o é a batalha
pe la harmonia no palco, em que tod os os participant es com pa rtilha m e bu scam
contribuições m útu as a fim de gan ha r força por meio da unidade.

Frequentemente, é na prime ira reunião entre o diretor e o ce nóg rafo qu e toda s as


bases do im inente trabalh o são assentadas. Nesse prim eiro e delicado mom ento,
a reação mais im po rta nte qu e o ce nóg rafo deve sentir é estímulo e fascínio pelo
pro jeto; ele deve esc utar os mo tivos da esco lha daqu ela peça espec ífica naquel e
momento, seu co ntexto, qu em atuará nela e o rumo qu e o trabalho talvez siga.
Nesse estágio inic ial, o diretor e o ce nógra fo precisam decidir o qu e qu erem qu e
o espectador en tenda e leve da montagem . Esse é o instrum ento de medid a para
todas as decisões su b jetivas e artísticas a serem tomadas. Tanto o ce nógrafo co mo
o dire tor devem procurar enxe rgar suas propo stas de man eira obj etiva , imagin an-
do que eles também são espectado res qu e não leram nem estuda ram a peça,
...

L." T_
W!f/
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- :.:::"
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5.1 - Colagem registrand o as discussões com o diretor para a ence nação de S oln ess, o con strutor
r_l ... T"
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mas qu e estão receb endo a culm inação de meses de trabalh o det alh ad o some nte
um a vez, no espaço de du as ou três hor as. lt nesse teste rigoroso, qu e tem de ser
ap licado em cada aspec to da produção, qu e muita co isa pod e esta r impl ícita c su-
ge rida, sem ser dita diretamente. Essa é a plataform a de lançam ento da produção.
Surpreendentem ente, o m elh or trabalh o nem semp re resulta da paixão im edi ata
pela peça . Às vezes, a expe riênc ia mais rica chega dep ois de uma bat alh a real para
enten de r o texto, co nhecê-lo e descobrir co mo destravar suas po rtas fech ad as e, às
vezes, impen etráveis. Uma co m binação criter iosa de pessoas, talvez n em sem pre
de acordo, pode trazer habilidades diferentes e ines pera das ao projeto e é um a
boa receita para o sucess o.

Na prime ira e imp ortantíssima reunião, uni cam ente escuto e faço uma lista na
primeira págin a de um novo cade rno de desenho, co mprado espec ialme nte para o
projeto. Discutindo a respeito do futuro trabalh o envolvendo Solness, o construtor,
de Ibsen , escrevi o segu inte enqua nto Stephen Unwin , o diretor, falava:

Fresco r; igual a uma peça nova; claro; um poeta do teatro; linguagem da fala
comu m; pessoas reais; imagem cênica imaginada ; recriar as direções cênicas;
confiar na escrita; ausência de Inglaterra vitoriana; Oslo extremo norte; provin-
ciano; moral; democratas sociais; casas para o povo; realista visionário; fanta sia;
Deus; escuridão; paradoxo; cinza/azul; desconfortável; N ietzsche; simbólico;
exato; despoiado; [ormas realçadas; ilumin ação direcional forte; halo; aura; es-
paço, claustrofobia; biombos [aboneses. (F igura 5.1)

Nas sem anas segu intes, como a direção da produção evolu iu por mei o de diversas
discu ssões, versões de maqu etes e desenhos, qu ase não recorri a essa lista nem m e
lembrei de qu e estava à m ão. No enta nto, ao observa r a produção final no palc o,
percebi qu e ela co ntin ha tudo o qu e havíamos conversado naquela primeira reu-
nião. No rma lme nte, as primeiras ideias são as melhores, m as precisam dem on s-
trar isso por meio da investigação de todos os ca m in hos possíveis e, m edi ante um
processo co n junto entre diretor e ce nóg rafo, gan har seu espaç o no palc o.

Fazendo o espaço falar


Para serem bem-su cedidas, as fronteiras entre diretor e ce nóg rafo devem ser sutil-
m ente entrelaçadas e invisíveis ao espec tado r. Essas fronte iras são muito influen-

16 0
ciadas em fun ção do uso do espaço dram ático. Em uma criação verd ad eiram ente
frutífera e colaborativa, o ce nóg rafo trabalh a ao lado do diretor para fazer o espaço
falar através dos atores. A boa colaboração entre os dois é o ce rne da criação tea-
tral bem-suce dida. Os dois precisam dem on strar respeito às habilidad es artísticas
mú tuas, para coloca rem em prática os pensamentos e as ideias co n juntas. A ce-
nografia e a direção devem trabalhar lado a lado , como dois hemi sférios de um
cé rebro; o talento visual e espac ial do ce nóg rafo comple me n tando e trab alh and o
co m o talento literário e narrativo do diretor , para mold ar o rumo que a produção
tom ará. A direção é a visão com a qual todos os envolvidos na criação da produ ção
co nco rda ram em trabalh ar a favor.

Pragmática
Como isso pode ser alcança do é facilm ente dem onstrad o por meio dos desenh os
que locali zam os mo me ntos imp ortantes da tram a, em que a disposição do cspaço
cênico é tão eloquc ntc qua nto as falas que os personagcns proferem de ntro dele,
Os desen hos quc ficam sobre a mesa da produção c nas pared es da sala de ensa io,
em um muse u vivo, são os gu ias para todos qu e investigam a h istória e se afastam
dela conforme a peça se desdobra e se torn a clara. O posicionamento das pessoas
no espaço deixa claro um pont o da tram a, dem on stra ondc est á o poder naquele
momento, c como isso mud a através da progressão da ce na. O cspaço cênico
deve se manter vivo e an imad o, qucr mediante a colocação de um a pessoa, um a
cade ira, um ob jeto ou um a lu z, mesmo quando o foco está co nce ntrado em um
momento ce ntral íntimo. Não é bom proj etar uma bela ce na qu e parcce perfeita
na maqu ete e descobrir, na sala de ensaio, quc os ator es precisam estar, exata-
m ent e, onde os eleme ntos cêni cos foram plan ejado s para ficar. A maqu ete não é
u ma exposição dc desígn teatral que criou perfeitamente a mobília para uma casa
dc bon ecas e pessoas em mini atura. Su a força cc nográfica é parecer insatisfatória
e incompleta até ser apoderada e ocupada pelo s ator es no palc o e se torn ar viva.
Todas as partes distint as do palc o devem viver em momentos diferentes do espc-
táculo mediant e o uso da iluminação ou da colocação dos atores. Os cspaços que
se tornam inut ilizáveis e bloquead os são cspaços mortos e podem , rapida me nte,
fazer a encenação parcccr pesada e desinteressante. O s atores têm de ser capazes
de se desloca r pclas diversas partes do palc o em diferentes form as e co nfigurações,
de ma nei ra fluente e natural, para que o olha r do público seja co nstantemente
levado das extrem idades do espaç o cê nico para os m en ores ele me ntos enfocados .
A direção ou a mise-en-scêne aclara e realça as palavras falad as ou can tad as.

o arquiteto do espaço dramático


A arte da criaçã o teatral é tran sformativa. Ant es de começar , nin gu ém sab e exa-
tamente para onde levará uma direção escolhida , pois todas as áreas envolvidas
ainda têm de dar suas contribuições. A flexibilidade é necessária desde o iní cio ,
pois, se ideias rígida s forem introduzida s nesse estágio inicial , a criatividad e pode-
rá facilm ente ser sufocada. O trabalho entre o diretor e o cenógrafo se expande o
tempo todo , começando privadamente em um ateliê e cresce ndo até o ponto em
qu e deve ser entregue à com pan hia para segu ir outro rumo . À m edid a qu e a co m-
panhia se sente cada vez mais confi ant e e fica famili arizad a com o mat erial , ela
co meça a ser autora do próprio trabalh o, tom ando posse do proj eto. O rumo de
um a produ ção é liderado e moldad o por um diretor , qu e deve ter a co nvicção e o
entusiasmo necessário s para coma nda r o proj eto através dos seus diversos estágios
e um conhec ime nto e um entendime nto técni co gera l. O diretor também precisa
dispor de visão e, em geral, de reputação : ela s são qua se sempre a motivação para
uma produção do interesse da companhia. Um bom diretor será capaz de escalar
o nível ce rto de ator es e enga jar um a equ ipe de artistas criativos e interpret ati-
vos com ideias afins para realizar o trabalh o. O diretor será muito auxiliado pelo
conh ecimento do cenógrafo sobre o texto, as person agen s, o contexto da obra,
o entendimento dos atore s e pela capacidade que o cenógrafo tem de forn ec er
a pesqui sa qu e apeia a dire ção . O s ccnógrafos - arquitetos do espaç o dram áti co
- são uma part e da mise-en-sc éne e colocam a enc enação em fun cionam ento,
expre ssa mediante a cor e a composição da écriiure scénique (a escrita do espaç o
cênico - a im agem visua l da prod ução ).

Crédito a quem é devido


Infel izmente, o ideal de colaboração nem sem pre se co nc retiza. Muitas vezes, o
diretor e o ce nóg rafo têm uma percep ção distinta de seu rela cionam ento. Em ge-
rai, um diretor falará com admiração ace rca da contribuição do ce nógrafo para a
montagem , revelando qu ão m aravilhoso é trabalhar co m um a pessoa tão criativa,
receptiva e flexível. A relação é per cebid a co mo uma contribuição feliz e harm o-
niosa, e tão ín tima qu anto uma uni ão temp or ária pod e ser. No en ta n to, qu ando
os cenógrafos se re ún em , revel a-se o opos to. Do jeito qu e algu ns diretores falam ,
é quase sem pre u m assu n to do co ração; mas esses casamentos sagrados são muitas
vezes vivcnc iados pel os ce nóg rafos co mo relaçõ es qu e aca ba m mal. As co nversas
en tre os ce nóg rafos relat am situações de mau s-trato s ou de seu uso co mo servos,
de m an eiras humilhantes e ign ób eis. Freque n te me n te, o trab alh o do ce nógrafo
é creditado publi cam ente co mo do diretor, qu e raram ente desm ente a co nce p-
ção errô ne a , E m todo o mundo, as m esm as histórias são con tadas a respeito de
ce nógrafos, conside rando qu e seu pen sam ento criativo, ocas iona lm en te a força
m otora do trabalho, não é devidam ente reconhecido.

A responsabil idad e por essa situação não ca be some n te ao dir etor. Os ce nógrafos
tam bém devem co ns ide rar seus m ét od os e suas expecta tivas, pen sando qu e m e-
lhori as pod em se r feitas. O ce nógra fo ital ian o Lu cian o Darn ian i, qu e crio u diver-
sos trabalh os co m Giorgio Stre h le r, na Itál ia, e co m Roger Plan ch on , na França ,
afirmou: " D istintos diretores reagem de m an eiras difer entes às prop ostas e, m u itas
vezes, acham difíci l ver o qu e e u vej o". Os ce nógrafos devem saber qu an do ce de r
e quando ser orien tados pela intu ição estética. O s diret ores precisam de tempo
para digerir e pe nsa r quando recebe m os dese n hos, os croqui s e as ideias. O que
talvez seja óbvio para u m artista visua l treinad o n em sem pre o é para u m diret or ,
e este tem de se acos tu mar a ler o desenho. Darniani também afirma:

Os diretores dela ordens, insistindo e exigindo, ou querem toda a ajuda e apoio


do mund o. Alguns nela sabem nada, ou /1(10 muito, e até mesmo parecem cegos
e surdos à cor. O trabalho envolve estabelecer uma linguagem comum e, para
achar isso, o cenógrafo deverá realmente realizar o trabalho se quiser ser levado
a sério como artista criativo Ir,.

D enominador comum
Assim co mo qu alquer acordo n egociad o, deve hav er um denominad or co m u m
para se ava nç ar. Com o o dir etor ou o ator, o ce nóg rafo é um int erpret ad or do tex-
to e precisa ser flexível na a bor dage m, até um consenso ac orda do ser descob ert o.

16 Giorgio Ursini Ursi«, Lucia/lo Damiani: architecte de Téphém ére: consitucteut de


thé ãtres: 1945- 1995, Paris: Union des th éâtrcs de l' Eu ropc, 1997.
O s diretores têm de entende r qu e o trabalho com um ce nóg rafo não é co mo
pedir um a mercadori a em um a pronta-entrega. A ce nog rafia é um trabalh o mui-
to int en sivo, e mesmo com a tecnologia sem pre em ape rfeiçoame nto, é lenta,
frequ entem ente tediosa. O ce nóg rafo est á sem pre manipulando texturas, mate-
riais, proporções e relacionam entos para descobrir um mundo dram ático qu e fun-
cionará para a produção . Testar soluções em modelos tridimension ais leva certo
tempo: dias; às vezes, semanas. Trabalhar com um diretor capaz de entende r isso
é maravilhoso, ma s poucos entendem . Pegar um estilete, uma régua e um pap el-
-cart ão , ou uma tinta e um lápis, e tentar materializar um pensamento manual-
mente e não só verbalmente pode dar ao diretor uma pequena ideia do qu e est á
envolvido no processo, pois é prov ável qu e isso jamais tenha sido expe rime ntado
durante sua forma ção acad êmi ca ou seu trein am ento profission al.

Vitalizando juntos o espaço


A solução das divergên cias de entendime nto co meça co m a ed ucação. Como
segue m ca minhos profission ais distint os, a polar ização entre diretores e ce nóg ra-
fos ocorre desde o iníci o. Em geral, os diretor es ingressam na profissão a partir
de form ações universit árias, muitas vezes através de cursos de lite ratura ou artes
dram áticas e, algumas vezes, através de assu ntos bastant e desvinculados do teatro.
Em geral, os ce nóg rafos ingr essam na profissão a partir das escolas de art es visua is.
M esm o vindo s de departamentos uni versit ários de artes dramáticas e teatrais, ou
dos diversos cursos novos de artes cê nicas, diretor es e ce nóg rafos enfrentam es-
truturas curriculares rígida s, separando as distint as arte s teatrai s e imp edindo o
entendime nto mútuo . As menos culpadas são as faculdades de art es, onde a pro-
dução de montagens teatrais, instala ções e performances em vídeo fazem part e da
forma ção . O s estudantes de arte con segu em entende r de prim eira mão como é
a sensação de atuar e como é a de dirigir os outros. O mesmo não ac ontece em
relação aos ator es e diretor es em forma ção , qu e só se deparam com cen ógrafos sob
as pressões das produ ções internas. A expe riênc ia deles é a de qu e os ce nóg rafos
são apena s um a co nveniênc ia para forn ecer ce ná rios, figurinos e iluminações
instantân eas para os cursos de artes dram áticas. O s atores e os diretor es devem
aprende r a desenhar, e os ce nóg rafos devem aprende r a atuar e dirigir, para qu e
tod os possam se torn ar totalm ente letrados e versados com as diversas disciplinas
do teatro . Isso lhes ca pac itaria a vitalizar e explora r o espaço cênico a fim de criar
produções vibrantes em sua en cen ação e também em seu discurso.
D esde a virad a do séc u lo XIX, o papel do dir etor mudou . De responsável pela
orga n ização cê n ica , a dir eção passou a se r uma profi ssão artística importante. Em
m eados do s anos 1950, o trabalho havi a se tornado uma profissão, e o diretor domi-
nava a produção, com os ou tros trabalhadores teatrais de sempenhando um pap el
de apo io, como ainda ac on te ce na a tua l indústria cinematográfica . O s dir etores
eram homem, figuras claram ente a u toritá rias, e deviam conseguir boas atuações
do ele nco. Por sua vez , o ele nc o, e m ge ral, descarregava tod a a sua fru straçã o
com o dir etor sobre o designer, recu sando-se a usar figurinos n o últim o m om en-
to. Fi car acordado tod a a noite refazendo figurinos ou repintando o cen ário e ra
bastante normal. Muitas vezes, enquanto o dir etor estava olhando, e u repintava
o ce ná rio usando água, o qu e o fazia par ecer mais escuro, para qu e secasse ma is
ta rde e ficasse co mo e ra o riginalme n te. C omo a maioria dos designers, aprendi
rap ida me nte a arte da dissimulação e que, ao m e diri gir ao dir et or , eu jamais
deveri a co meçar uma fala com "E u acho", ma s dizendo: "Você ac ha qu e seria
um a boa ideia se ...". O s truques e as decepções foram muitos e, como de scobri
posteri ormente , univer sais. Parecia um jeito tolo e fútil de se comportar. O s ato res
e as atrizes também tinham seus truques. Ch egavam ao s e nsaios impecavelm ente
trajad os, co m bat om e unhas pintadas, usando c hapé us e gravatas, trat ando-se
for m almente co m o sen ho r ou sen hor ita . D eviam c hegar com as falas decorad as e,
e n tão, se posicionar no palc o de acordo com as marca çõ es do diretor. Dificilm ente
rep aravam no desenho do fundo, poi s sim plesme nte atuavam contra aquilo, e não
com aqu ilo. Sempre reparavam em seus figurinos. Jamai s era m referidos co m o
ro u pas , qu e pert enciam somen te ao mundo exte rio r. O á rb itro fin al e m rela çã o a
qual que r disput a e ra o dir et or, qu e rar amente apo iava o designer, ficando sem pre
receoso de ofende r um a tor o u urn a atriz. O s figurinos tinham a inten ção de re-
Aeti r a person alidade de um ator ou atriz, e não necessariamente o per sonagem
qu e el es estavam representando. As discussões longas a respeito da psicologia do
personagem e do s trajes e ra m rara s e também não eram vista s com bons olhos.
Para os designers, e ra uma qu estão de sabe r qu e a a triz nun ca usava verde , gos tava
de m an gas compridas ou jamais usava nada com mais de duas cores. O s designers
e ram m antidos a distân cia, para não int erferir ou estar presentes nos ensaios, qu e
era m assu ntos bastante parti culares. Seu domínio era a oficina , em ge ral, um po-
rão , incluindo uma áre a de pintura, uma carpintaria e um local para a confecção
de ade reç os. Ali e ra o reino dos art esãos teatrais, com cheiro de cola de amido,
tinta ran ço sa e ce rve ja c ho ca . Aqu ele reino tinha sua linguagem própri a, qu e
some n te aque les com dir eito registrado de e n trada entendi am . Frequentemente,
tinh am seu própri o siste m a de m edi ção e faziam at é m esmo suas própri as régu as,
qu e recon vert iam m edições métri cas em medições inglesas. As m aqu etes eram
ape nas um guia para o produto acabado, pois, naqu ela época, part e do trab alho
era ada ptar o proj eto a partir do cen ário e rn estoque . O dir etor nunca apa rec ia
nessas áreas, não sabia o nom e de nin gu ém , tampou co era bem-vind o. A o ficina
jamais chegava a ver os resultad os de seu trabalho no espe tác ulo. O pessoal tinha
coisas m elh ores a fazer nos dias de folga, e a maior ia dos ce no téc nicos achava
a ar te de representar um a ativida de peculiar , não um trabalho apro priado. As
mulheres do guarda-roupa , em ge ral nos sótãos ape rtados sob o telhado do teatro,
costur avam figurinos, prep aravam xícara s de chá e faziam circu lar as fofoca s do
tea tro. No iní cio da sema na técni ca , oco rria a temid a Parad a de Ga la, na qual
atores e at rizes, em ba raça dos, teri am de desfilar sobre o palco , um por u m, parar
no meio sob um refletor e, em seguida, pcgar seu luga r em u m a fila. O di retor e
poss ivelme n te o produtor, e até mesmo a mulher do pro d utor , sen tavam-se nas
cade iras ce n trais das prim eiras filas c diziam o qu e ac ha vam dc um figurin o. Se
não gostasse m, davam uma ord em para refazê-lo ou m od ificá-lo dc um dia para
o ou tro. Era sem pre um a exper iência tensa e humilhante para tod os. C onve nce u-
-m e de que não era aquela a man eira co mo eu que ria tra ba lhar.

Mise-en-scene
E ra a época dos famosos festivais \Vorld Th eatr e Season , em Londres, qu e apre-
se n ta ram o mundo dos gra ndes dir etores euro pe us e o rep ert óri o in crível dos
teatros naciona is, exib indo seu pr ópri o pat rim ôn io cultu ral. As p roduções e ram
encena das nos idiomas origina is, se m legendas. A época m ar cou o início de via-
ge ns int ern acionai s mai s fáceis e da acessi bilida de ao teat ro int ern acion al por
m eio do cresc ime n to do s festivais de teatro , qu e, atu alm ente , são aceito s co m o
part e da vida teatr al norm al . A capacida de de ouvir as peças em se us idiom as
origina is para ap rec ia r seus sons ab riu as po rtas à lin gu agem internacion al do
teatro , qu e se co mu nica por me io de seus valores de produção e tam bém de suas
palavras. Essas pr od u ções da E uropa, qu e viera m visitar a In glatcrra , tro u xeram
um tipo distinto de dir eção - aque le da mi se-en -scene . c ru qu c a m ontagcm era
claramente atribu ída ao dir etor, cu jo trabalho era uma int erpret ação nova e
origina l de peça s clássicas bem co n hecida s ou criações origina is de um gru-
po teatr al qu e estivera desenvolvendo o trab alh o co n ju n to durante um lon go
per íod o de tempo. Esse co nceito de tempo de pr ep aração para uma produ ção
emergiu co mo a difer en ça m ais import ante en tre o teat ro do tip o europe u e

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seus congê ne res inglês e nort e-am eri cano, rel acion ando-se com doi s sistemas
de financiame nto com pleta mente difer entes. Na Grã-Br et anha, naqu ela época,
como agora, os teat ros eram obrigados a ge rar m ais produções, co m tempos
de pr ep ara ção m en or es todos os anos, depend endo da quantia da subvençã o
estatal. Na Europa, os diret ores diri giam co m pa n hias teatr ais e desen volviam
trab alh os co m a com pa n h ia durante um lon go per íod o de tempo, só ap rese n-
tando os resultad os qu and o co nside rava m esta r prontos, e produ zindo , como
alguns a inda faze m, não mais do qu e du as montage ns po r ano. Isso permitia
qu e o dir etor e o ce nógrafo trab alh assem e retrabalhassem as ideia s, tend o por
meta pro duções de qu ali dad e real qu e e ram em issárias da po lítica c ultura l de
seu país. Alé m disso, essas produ ções testemunhavam o ressur gim ento do antigo
deco rado r cê nico em um novo pap el criativo: co mo ce nógra fo, trab alh ando ao
lado do diretor, c riando uma iconografia no palco ca paz de sintetizar visualmen-
te a int en ção e o espírito da m ontagem. É sign ificativo qu e a asce nsão do diretor
tea tra l cria tivo euro pe u ocorresse quase sem pre m edi ante o revigoram ento de
peças clássicas de dr am aturgos m or tos. Em co ntraste , a G rã-Breta n ha, ob rigada
a desenvolver produ ções m en or es, testemunhou ou tro tipo de criativida de: o
surgimento de um novo per íod o d ram atúrgico, qu e também qu estion ou a posi-
ção do dir etor. Alguns dos novos autores se tornar am dir et or es de suas própri as
peças, ut ilizando some nte el em entos cê nicos mínim os, para asseg ura r qu e fosse
a voz do autor aq ue la a ser ouv ida em alto e bom som, e não a int erpret ação do
dire tor. Port anto , du as tend ên cias com ple ta m en te difer entes de teatro se desen-
volve ram. Em ret rospecto, elas tinham muito a dar um a a ou tra.

Entrando em cena
Ta n to a mise-en-sc êne europ éia co mo o m ovim ento de no vas peças britâni cas
compartilhava m um novo co nceito de dir eção, qu e teve consequê ncias pro-
fu ndas para o cenógrafo . Até essa época, as peças eram pr ed omin antem ente
esc ritas e m ont ad as em ce nas distintas, co m um a interrupção entre ca da um a
de las, ge ralmente atrás de um a co rtina front al ou, às vezes, em um pan o fron-
tal especial de senhad o co m o parte do ce ná rio. O s especta dores entravam no
audi tó rio com a cor tina fron ta l fechad a e, qua ndo a ilumin ação da plat éia se
apagava , a co rtina se ergu ia, expo ndo o palco iluminado. Um a das influ ên cias
durado uras dessas novas produ ções foi a introdução de um cenário unifi cad o
que era visível pa ra o pú blico quando este e ntrava no aud itór io. Os espectado res
entravam em cena quando se sen tavam, e ape nas um a troca de ilumin ação era
su ficiente para indicar a mudança do temp o real para o temp o d ram át ico. Junt o
co m isso, havia o novo propósito de ac ha r um a metáfora ou um sím bo lo visua l
que servisse co mo ce n ário unifi cado para toda a peça, em vez de cená rios que
req ue ressem int errupções e ntre as cenas para montage m da próxim a. Em um
ce ná rio unifi cado , as mudan ças dram áti cas de tem po ou local podiam ser feit as
com o máximo de elegâ nc ia e co m o m ínim o de movi men to, mo difica ndo-se o
foco da ce na no espaço em vez de o ce ná rio. A direção, a coreografia, a mú sica e
a lu z torn aram-se ferr am entas para a criação de mudan ças cê nicas cine má ticas
nas quais os atores cruza m o palc o enqua nto o mobil iári o está sen do movi do,
em um a série de pequ enas imagens sobrepostas, criando uma unidad e ininter-
ru pta de direção e visão no palco.

Aprimorando o texto
Em 1969, o diretor francês Roger Plan ch on , com o T h éâtre Na tional Popul a ire,
de Ville ur banne, na Fran ça, veio a Londres apresen ta r Georges Darulin, cria da
co m o ce nóg rafo Ren é Allio. Não foi montad a co mo um a co mé dia de costu-
mes, mas como u ma tragicomédia hu mana am bien tada no mu nd o real de uma
pro pr iedade rur al burgu esa aflue n te, típi ca de um segme nto grande e reconhe-
cíve l da socieda de provin cial fran cesa. A história do pequ en o propri etári o rur al
Georges Dandin , traí do pela esposa de du as caras, Angé lique, por qu em era
apa ixona do, é com ovente e dolorosa. Su a humilhação e derro cada final foram
ap resen tadas em relação ao dia a dia da fazenda, onde o pão era assado e os
trab alh ad ores agrícolas faziam amo r no ce leiro, cegos para a tragédi a human a
qu e aco ntec ia no meio del es. No palco , Plan ch on criou dois mundos paral elos,
retratand o cidade e ca m po, de vez em qu an do entrelaça dos sutilmen te, e mes-
mo assim parecend o separados. Ren é AlIio, int erpret and o a direção, c riou um
úni co pain el cê nico de grande bel eza, realçad o co m iluminação poéti ca, qu e
mui to con tribu iu ao entendime nto da peça. A mo n tagem de Georges Dandin
era firm em ente fixada na própri a época de Moli êre, ou se ja, meados do sé-
culo À'V11. O s atores usavam trajes de época qu e revelavam o efeito da ida de,
mas qu e pod iam ter sido quase co nte m po râneos se fossem bem obse rvados.
O ce ná rio da casa de fazenda e dos anex os é visto na atua l Fran ça rural, mas
se situava com pletamente na época, sen do exposto com ta nta cla reza qu e era
desnecessár io pen sar em tran spô-lo para outro tempo. Por m eio dessas ob ser-

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va ções meticulosas, os es pecta dores ingressavam im edi at am ente no mu nd o da
peça; um mundo de falsid ad e e intri gas em qu e aque la casa de fazenda isolada
se torna uma metáfora da sociedade prov incia l francesa. A direção cênica de
Moliere, de 1668, simplesme n te diz: " I a fren te da casa de Georges Dand in".
Plancho n e sua co m pan h ia cria ram um ca mi n ho para a p rodução pe rco rre r que
pôs em relevo e estimulo u ca da uma das diversas artes do teat ro: rep rese ntação,
pintura, iluminação, ornamentação do cenário e confecção de adereços. A mise-
-en-scime é vali dada quando a dir eção, o uso do espaço e da lu z e a cenografia
fala m co m uma úni ca voz, iluminam e aprim ora m o texto co m sign ifica do novo
e original.

Texto e ação
Posteriormente, tive a oportunidade de estudar diversas produções do Th éâtre
Na tional Populaire , qu ase tod as assina das por Plan ch on , e obse rvar como fo-
ram mon ta das. Foi minh a ed ucação teat ral real , en te nde ndo a importân cia do
diretor teatral como líde r da criação. Nesse caso, aprendi a re lação do texto
com a ação; a maneira de criar a beleza no palco , trab alh ando do obje to menor
ao m a ior ; e co mo nad a e ra bom o bastant e em sua form a e fun ção se também
não transm itisse sua p rópri a beleza e sua força teatral. As p roduções eram cons-
truídas por meio da criação de diversas pequ enas im agens evocativas dentro
das cenas. Estas e ram trab alh adas dr am át ica e visua lme n te, mui tas de las sen -
do d escartad as, e, no fim , as im agen s reman escentes ligad as form avam ce nas
inteiras. A visão e o texto eram tot al m ente in teg rados desde o in ício do traba-
lho, e cada pessoa era par te esse ncia l d o processo de ensaio. Vi como criar um
mundo inv isível fora do palc o , indica do sim ples me n te pela m an eira pela qu al
os atores c hegava m, às vezes corre ndo, co m muita ur gên cia. As en tradas e as
saídas eram incorpo radas às primeiras ideias cenogrã ficas, e diversas variações
eram exploradas. Depois, expe rime ntei jeitos in comu ns de trazer os ato res para
o palco - jeit os de indi car o mund o de onde tinham vindo, co mo, por exe m plo,
a id éia d e com bina r um a litei ra do século À'VIll co m um ca rro Roll s-Royce para
indicar o mundo aris tocrático de Pe rcy Cim let, no épico loh n Brown's Body,
de [oh n M cC rath (F igur a 5.2). Per ceb i co mo um ob jeto bem escolhi do podia
gera r significado e dizer muita coisa. Na peça, ca da im agem visua l e ra testad a
de diversas ma neiras e ava liada pel o gru po de ato res, técni cos, assiste ntes de di-
reção e cenógrafos. Todos po d iam opinar. 1 aque le períod o , Planch on era tanto
c

THl; .A,\,\IVA~ f>F' PE'tCY Gr MLET'


~H" A f H ~ HY II"'~ ' J<. JE. PAI\. N C ... iA. .. '\.

L. • to:: ti 4 ~ f.)'" r.. J - 't f) Y iC ~.

5.2 - 1\ chegada de PcrcyCimlet, /01111 BroWI1'S Bod)'

autor co mo diretor e, de vez em qu ando, ce nóg rafo, apo iado por uma equ ipe
especia liza da de in térpr et es. Se u pensam en to e seus requi sitos sem pre vin ha m
de um a bu sca ten az pelos m eios de ca racte rizar a verdade, frequ entem ente por
m eio de aconte cim ent os cô m icos e gags, tanto visuai s quanto verb ais. E le não
se import ava co m as prát icas teatrais das décad as ante riores, chegan do ao teatro
co m um olha r tot alm ente origina l e, às vezes, ingênuo.

Contando a história com figurino e texto


Um dir etor teatra l deve ser um provocador cultura l. [oan Litt lewood e ra uma
dir etora assim, em seu vito riano T heatre Royal , no East End de Lo ndr es, que
e la fund ou e m 1953 e co ma ndo u por qu ase vint e anos. Na que le prédi o deter io-
rado e dilapidado , ela criou um teatro rico co m recursos escassos, co m b inando

17°
seu amo r pejo trab alh o e pela representação. Ela se dedi cou a pro ver um a pla-
taforma públi ca para o tal ento de todos os arti stas, com o com prom isso similar
de fazer um teatro qu e tivesse identidade e propósito claros. Na que la époc a,
na G rã-Breta n ha , [oan Littl ewood era úni ca - só vinte an os dep ois, as dir etoras
indepe nde n tes co meçara m a se torn ar co n hec idas . A mudan ça estava no ar. A
compa n h ia do Royal Sh akespea re T heatre qu eria expa ndi r sua políti ca de ex-
c ursões e criou um a nova produ ção de A megera domada, co m palc o e plateia
autossu ficientes . Era o veícu lo ideal para du as mulh er es - a dir et ora Di Tr evis
e eu - c riare m um a no va produção. Agarr am os a oportunidad e da peça dentro
da peça para traçar o ret rat o de um a co m panh ia de pobres ato res mambembes:
eles mal gan ha m a vida percorre ndo tod o o int eri or do pa ís, mas se tran sfor mam
nos personagens fantás ticos da peça que estavam apresentando, in titul ada A
megera domada - Uma crônica da época. A peça descreve de forma memorá-
vel a atitude bem co n hecida dos hom en s em relação às mulh er es e, talvez, de
mo do mais int er essante, dem on stra os pior es aspec tos da obsessão inglesa co m
classe soc ial. Co nside ra-se divertid o um lord e fazer uma brin cadeira crue l co m
uma pessoa de u ma classe inferi or , pobr e, um bêb ado e inca paz. O prólogo da
peça começa co m o aparecime n to de um gru po de atores ma m be m bes que está
muito cansado e para com o obje tivo de desca nsar fo ra da tab ern a. Eles veern
o pob re C h ristophe r Sly, expulso da tab erna, e são in cumbidos pel o rico lorde
de levar o bêb ad o para casa e, no mom ento em qu e ele ac orda r, aprese n ta r-lhe
a peça, fazendo-o ac redita r, e m sua ressaca, qu e era, de fato, o lord e da man são
sen horial. O paj em do lord e é instru ído a se vestir de mulh er e fingir ser a espo-
sa de Sly. Por din heiro e pela sobrevivê nc ia, os ato res co ncordam em co laborar
com a farsa.

E m u ma casa de fre nte para o m ar, eu estava trab alh ando co m idcias para a
mont agem, obse rvando as pessoas ca min ha ndo em lent a pro cissão ao lon go
do estrei to qu ebra-m ar. En tão , ficou visível um a fam ília vol tand o de um piqu e-
niqu e. As mulheres encabeçava m a procissão. A prim eira pu xava um velho carri -
nho de bebê po r me io de uma corda, e uma seg un da, exausta, u ma jovem em
gravidez avança da qu e tamb ém ca rregava um beb ê, em purra \'a-o. Não havia lu-
gar no ca rrin ho para a criança, pois ele estava che io de cade iras de piqueniqu e,
um a mesa, ped aços de mad eira tirad os da água, brinqued os e tod as as par afern á-
lias de um a famíli a qu e passou um dia na praia. Du as outras mulh er es vinham
atrás, arras ta ndo crianças pequ en as que choravam . Aque la era u ma imagem
forte que tod as as mães reco nhecem . Pou co atrás delas, vinham os homens,

17 1
:;.3 - D esenh o para A m egera domada

com as mãos no s bolsos, fumando e rindo . Não carreg<l\'am nada e aparentavam


total d espr eo cupa ção . Usavam roupas muito estran has : botas pesadas, e m bora
estivesse tudo seco, e ca sacos de lã felpuda, embora fosse verão . E les cam i-
nhavam tão len tam ent e que fui capaz de desenhá-los sob re um longo pedaço
de pap el-cartão, que encon tre i tota lm ente por acaso . (G osto de desenh ar em
pap el-cart ão de tam anh os estran h os - jam ai s jogo um ped aço fora e, muitas ve-
zes , é a form a do pap el-cartão qu e m e inspi ra. ) Posteri orm ente , m ostrei aque le
desenho (F igur a 5.3) para Di Tr evis e, intrigad a com a im agem , ela propôs faze r
a montagem em um palco transversa l, permitindo qu e os atores mambembes
c hegassem ao palco m arc ha ndo como a famíl ia que e u h avia visto , exaustos . Di
Tr evis cons ide ro u que isso seria uma op ortunidad e de m ostrar qu e as mulh er es
e ra m tanto atrizes da co m pa n h ia m ambembe co mo mulh er es e mães na vida
real. As jove ns atrizes teri am de represent ar per son agen s durante a ap rese n ta-
ção de A megera domada e teriam a inda de gua rdar as coisas e limpar o chão
no fim . O car rin h o de beb ê carreg aria todos os obj et os cê n icos e ce ná rios. O s
hom ens poderiam assob iar "W he re is th e life tha t late I led ?" (O nde está a vida
qu e an tes eu coma n dava"), a cançã o do espe tác u lo , Afinal de con tas, a pri são
perpétua tanto de Sly co m o da s mulh er es não era tão difer ente . D esse ún ico
desenh o res u lto u um fluxo inint errupto de ideias e suges tões. Per corri br echós e
an tiquá rios, co m p ra ndo roupas velhas, muitas vezes tão pu ídas qu e não podiam
m ais se r utili zad as, por pouquí ssim o dinheiro. Eu as co rtei e as remontei e m
corpetes e ro up as de baixo para que os figurinos da peça den tro da peça fossem
suge ridos e and ra josos, ou se ja, in compl et os. Fiz sa ias a partir de colc ha s de
ca ma do séc u lo XIX, qu e evoca vam a lembran ça do traj e eli sab etano, O estilo
da éco/e de saco/a de trapos era tão au te n tica me n te de época co mo muito m o-
derno e ca pto u o jeit o bazar da família qu e e u havia obse rvado à beira-m ar.
Em uma apresentação, ouvi um espectador dizer que os atores mambembes
provav elmente haviam sido pago s com roupas velhas em vez de dinh eiro no s
teatros que se aprese n ta ram; e aque le come n tário era extre ma me n te corre to!
Uma área de encenação foi criada, co m 25 m etro s de comprim ento e 6 m etro s
de largur a, com um a arqu iban cada com assentos em am bos os lad os. Poderi a
ser montad a facilm ente nos ginási os de esporte e ce n tros de lazer , qu e eram
os locais de aprese ntação durante a turn ê . As en tradas do s atores e do públi co
eram possíveis dos doi s lad os, no meio do con ju n to de assentos. Um piso preto
de mad eir a co br ia tod a a exte nsã o da área cê nica e, acim a del e, ha via um teto
retrá til de seda bran ca , tracion ado por ara mes pelo s contrarreg ras, oc ultos atr ás
de pe que nas pared es vertic a is nas du as pontas. Um am biente int erior era criado
puxa ndo o teto de seda muito rápido de um a extre m idade do espaço cê nico para
a outra . O s ato res mambembes am ontoaram tod a a mobília do sola r do lord e
em um a ponta do piso pr eto polido , e jogaram um pano velho por cima, onde
estava esc rito: A megera domada - Uma crônica da época, como de fato era.
Eles tiraram os sapa tos e fizeram um círc ulo com giz sobre o piso em qu e apre-
sentara m essa hi stóri a de amor profan o para o en torpec ido e em briagado Sly.
Sha kespea re esc reve um prólogo para Sly, mas não h á epílogo . Adicionamos
um epílogo mud o, onde a garota qu e ac abara de representar Cata rina tem de
limp ar tod os os atores e lavar o chão. Sly a ob serva. Ela joga para ele um a
moeda que foi lan çada aos atores em pagam ento. O s doi s estão no me smo bar co
econômico. Esse é, portanto , um exe m plo de dir etor e ce nóg rafo trab alh ando
em co laboração, dentro da própri a área de expertise del es: um del es co mo res-
pon sável pel o espaço, atores e figur in os; o outro co mo respon sável pelo espaço
co m os atores e o texto par a co ntar a hi stóri a. O s dois traba lharam do mesm o
ponto de partid a: um desenho da vida real.

173
Avançando na mesma direção
o relacion am ento en tre o ce nóg rafo e o diretor pode ser complexo e fr<Ígil. A
p rod ução precisa ser definida desde o início em um prazo de exec ução qu e per-
m ita deb ate, co m prom isso e persua são. Se o ce nóg rafo e o diretor con seguirem
co meça r do ze ro, isolando os probl emas em vez de bu scar soluções in stantân eas,
há uma possibilidad e real de trab alho con ju n to
em uma par ceria de confiança. Frequ entem ente,
o cen ógrafo espe ra qu e o dir etor lh e diga o qu e
fazer e, em segu ida, exec u ta diversas versões para
achar a solução co rre ta; o diretor, por sua vez, es-
pera qu e o ce nóg rafo proponh a a solução qu e será
a base de tod a a pro dução . Para alca nça r um a har-
moni a cria tiva, os dois devem ter a hon estid ad e
de co meçar o trab alh o co m os m esm os dir eitos.
Acim a de tud o, eles precisam investir tempo na
prep aração do pro jeto pa ra desen volver um mé-
tod o de encenação e u m a lingu agem indi vidu al
5.4a - Desenho do en saio de O jardim das cerejeiras para a peça. Sem tem po para inves tigar ou come-
ter erros, as decisões ce rtas ou erradas têm de ser
tom adas, e as soluções precisam se r encon trada s
a qu alquer custo. Não há espaço para o acaso. O
pintor Rob ert Rau sch enberg afirm ou:

Para mim, a arte não deve ser uma ideia fixa,


que tenho antes de criá-la. Quero incluir toda
a fra gilidade e dúvida que experimento duran-
te o dia... Costa de ir ao ateliê sem nenhuma
ideia. Qu eroa insegurança de n ão saber; como
os atores sentem antes de uma apresentnc ão" ,

Essa fragilidade é ce ntral para a produção teatral ,


qu e sem pre se equilibra no abismo do desconhe-
5.4b - Des enho do en saio de O jardim das cerejeiras cido. As aprese n tações dizem as mesmas palavr as,

17 Mi ch ael Kim m ch nan . " Raus ch en he rg, thc Irrep ressibl e Ragm an of Art ". Neli' York
Ti mes. 27 ago sto. 2000.

174
mas são diferentes todas as noites, ch eias de possibilidad es de qu e as coisas possam
dar errado . Essa é a em oçã o e a tensão da aprese n tação ao vivo. Dep ende do cen ó-
grafo, com o inventor original, conduzir a visão na dire ção correta, sem esperar qu e
lhe digam o qu e fazer. Por outro lado, não se deve espe rar qu e o cen ógrafo adivinh e
o qu e se esco nde na m ente do diretor. E is por qu e desenh os rápid os, qu e são outra
forma de discurso, são tão valiosos, dand o realidad e aos pen sam entos do diretor e
um a im agem co nc reta para o diretor e o ce nógra fo qu e, assim, pod em avança r na
mesma direção (Figuras 5-4a, b, c e d ). O cen ógrafo deve ser capaz de direcionar o
olhar do diretor, utilizando o que é dado com o maior proveito. A coisa mais difícil
a se su pe rar é o diretor qu e não sabe ou qu e não consegu e ver como utili zar as
ideias qu e foram acordadas . A criação nasce qu ando o diretor tira do teatro aqu ilo
que é sing u lar. Com um espaço vazio e um ator, os
ma iores feitos da ima gin ação são possíveis. Certa
vez, m e lembro de ter dito :

Uma cena 110 alto da Torre Eiffel? Compre-me


uma miniatura com 7,5 centímetros de altura,
posicione-a sob um refletor e faça o atorabaixar
os olhos. Um incêndio? Simples. Deixe que um
ator acenda um fósforo 110 escuro, e faça outro
atravessar o palco, correndo e gritando.

So me n te um bom en te ndime n to en tre o dir etor 5.4c - Desenh o do e nsa io de O jardim das cerejeiras
e o ce nógrafo pod e alca nça r a m agia arro jada e
sim ples, qu e não custa nad a, m as qu e é muito po-
derosa e só existe em um palco .

A imagem externa do teatro deve proj etar a atitu-


de artística e políti ca de seu dir et or , para qu e cada
casa teatral tenha sua identidad e específica. Abrir
port as para diret ores co n vida dos e produçõ es
visitan tes constitu i parte da filosofia , sendo um
com pro m isso para ampliar a experi ência teatral
do público fiel. O teatro precisa ser dirigido por
uma pessoa de visão e compromisso, a poiada por
um ad mi nistrado r igu alm ente ca paz e com p ro-
m etido e também por uma pequena equ ipe de 5.-1d - Dcscnh o do e nsa io dc O jardim das cerejeiras

175
artistas rnultitalentosos, cu jo esco po seja sim plesme nte realizar um bom traba-
lh o. Ind ep end entem ente da inteligên cia do plan o de negócios ou da eficiência
do depart am ento de marketing, se o trabalh o não for bom, não fará sentido ter
um teatro. Um diretor pode ter um a influ ên cia imp ortante na criação do clima
cultural de uma com unidade e na organização do teatro .

A criação teatra l foi citada pelos líderes em presariais co mo exemp lo da boa prá-
tica, dem onstrando como a independ ência c o trabalh o em equ ipe pod em ser
co m binados produtivam ente. O motivador prin cipal é a produ ção, e seus valores
são coloca dos antes do lucro. C ha rles Han dy, influ ente pensador e autor espec ia-
lizado em ética em presar ial e do trabalho, afirmo u:

Não há nada mais estimulante do que a pessoa se perder em uma causa que é
maior do que ela mesma, algo que fa z o desprendimento valer a pena, na qual o
orgulho pelo trabalho e a paixão pelo seu propósito são as forças motoras e na
qual o sucesso é compartilhado, e não nutrido pela própria pessoa em segredo" .

Essa é a descrição mais exata da experiência compartilhada que o diretor e o


ce nógra fo visam alca nçar.

UM SENSO D E DIREÇÃO

Para realizar um novo trabalh o, os criadores teatrais precisam estuda r cuidadosa-


men te o passado e imagi na r o qu e pode acontecer. Na década de 1920 , Niko lai
Gorchakov, estuda nte da Escola Vakhtangov de Artes Cênicas, em Moscou , citou
seu professor, o diretor Evgeni Vakht an gov (1883-1922), falando aos alunos:

Nunca tenham medo de um gênero desconhecido, mas nunca ignorem as pecu-


liaridades inerentes a ele. Nunca considerem o cenógrafo como um mero pintor.

Considere m-no como um codiretor, como um homem compartilhando suas vi-


sões de teatro. Respeitem o autor, mas mio o reverenciem. Lembrem-se de que é
dever do teatro utilizar os talentos do ator, do diretor, do cenógrafo e do compo-

18 [ulia Rowntrec (org.), "Business in the Arts" [debate], Three Mi lls lsland, Broml ey by
Bow: London International Festival ofTheatre, julho de 1999.
sitor para enriquecer o drama do autor, para tomá-lo factível e estimulante. O
teatrodeve mexercom o espectador. Deve mexercom ele porque o que o especta-
dor vê no palco é parte da realidade, com pessoas reais atuando, fa zendo isso e
aquilo, sofrendo e se alegrando'".

A arte da direção
Esta seção trata da arte da direç ão e não dos diretores. Considera o senso de
direção qu e um artista visual ou um ce nógrafo pod em assumir como pont o de
partida para a criação cêni ca co ntemporânea. Não fará diferen ça se for um texto
clássico, uma nova obra mu sical, um a grande ópera ou um a obra original. É
sempre im portant e imaginar primeiro onde a jorn ada term inará, mesmo se não
ficar ime diatamente evide nte co mo chega r ali. As an tigas civilizaçõ es exploraram
e ma peara m o mundo, construí ram fortalezas e esfinges, nom earam mont anh as
e rios como pont os de referên cia, criaram um testam ento público e um legado
para as futuras gerações. No nort e da Grécia , em Vergina, a tumba de Felip e II
da M aced ônia , agora um mu seu ima ginativ o, dirige o visitante ao mundo sub-
terrân eo da mitologia grega. Descendo na escuridão, o visitante é gu iado pelos
artefatos de ouro que aco mpanhavam o rei assassinado, iluminand o o ca minho
até o lu gar de seu descan so final. Não muito lon ge dali, ficam as encos tas do
Monte O limpo, o lar de Zeu s, deu s do cé u e senhor dos hom en s. Em uma jorn a-
da, pode-se viajar desde as profun dezas do escuro mundo subterrâneo até o pico
da montanha coberto de neve, eterna me nte iluminado pelo Sol e pela Lua, e
vislumbra r os extrem os da expe riênc ia human a que os dramaturgos tentam cap-
turar. Atua lme nte, a arte públi ca, muitas vezes em forma de escultura e algumas
vezes de arqu itetura, é enco n trada em todo o mundo. Uma obra realmente boa
e ade quada me nte locali zada pode expressar de man eira eloque nte as aspirações
e as esperanças da sociedade em que está situada. Fala sem palavras para os ob-
servadores. No Parqu e Ibirapu era, em São Paul o, há um monum ent o eno rme e
expressivo, com 50 me tros de comprime nto. Uma hom en agem em granito aos
primeiros desb ravado res, os Band eirant es, em sua busca para descobrir novos ter-
ritórios . Visto à noite, ilu minad o por refletores, o M onum ento às Band eiras é di-
feren te em todos os ângulos. Ca da person agem possui sua postura individual, mas

19 N. M . Go rchakov, Th e Vakht angov School o{ S tage Art, Moscou : Foreign Lan guages
Publi shin g House, 1960.
também segura ou toca em outro personagem. H ã um todo compos to de diver sas
partes distintas. Um do gru po assume o comando. Como as esc ulturas pú bl icas
freq uentemen te fazem, exp ressam prop ósitos e desejos, espe ranças e medos, por
me io de sua massa e estru tura. O bserva ndo aque le mo numen to e sabendo ago ra
o tam anh o im en so do país qu e eles decidir am desbravar , só pod em os nos m aravi-
lhar co m sua audác ia e sua corage m . Será qu e ele s fizera m u m m apa, ai nda que
tosco e im agin ad o?

Ao se conside rar um a viagem , um map a co n fiável e cla ro é a prim eira co isa ne-
cessá ria. Ao sc plan ejar uma nova obra, procurand o qu e rumo segui r em relação a
ela, visua liza r a estru tura e a geog rafia do texto ou do lib reto aclara os pen sam en -
tos efêmeros e forn ece o m od elo a ser segu ido (Figura 1.8). E m seg u ida, pod e-se
decompor o tod o em unidad es m en ores ou ce nas, fazendo-se map as me n ta is que
mos trem aos outros o sen tido da cena, ou seja, para onde ela cam in ha e como
ca da mapa leva ao seguinte, até o des tino fina l ser alcançado . Esses mapas não são
mai s do que os elementos básicos de cada cena, ma s eles criarão uma base sólida
sobre a qua l construir toda a peça. T udo começa com o espaço: caminhar por
ele, sen ti-lo, avaliar seu potencial, escutar sua ressonância e imaginar o que seria
bom ver ali . Pode ser um teatro convenciona l ou um espaço refei to. Cada espaço
possu i se us atributos específicos, os qu ais devem ser identi ficados e casados com
as qua lidades ind ividua is do texto ou da m úsica. Como o ator está no n úcleo do
drama, tam bém im agine co mo ele pode ficar no espaço e qu al se ria sua relação
co m os espectado res. Essa avaliação básica, do ponto de vista su b jetivo e objetivo,
forn ecerá a base para a criação e a direção da obra.

Mapeando a produção
Ao considerar a encenação de The Creek Passion, ópera-drama de Bohuslav
Martin ú, ao ar livre, na antiga cidadela de Eptapirgio, no alto da cidade de
Salônica, era fácil perceber como esse local emotivo e dramático poderia ser uti-
lizado de modo sedutor e arranjado para agradar um grande público. Um cortejo
à luz de velas de um coro de cem pessoas, cantando durante o movimento sobre
os baluartes da fortaleza, mostradas em silhueta contra o céu noturno iluminado
pelas estrelas, não exigia nenhum gênio para ser inventado, j TO entanto, a essência
dessa versão, que planejamos encenar pela primeira vez - a assim chamada versão
política - , não começa, como as posteriores começaram, dentro da igreja com
5.5- Lina Lambrakí como Mãe Co ragem

paramentos gloriosos, incensários oscilantes e um coro de meninos. Essa história


é mais dura e começa com os moradores do vilarejo esperando, do lado de fora do
café do vilarejo, que o padre Grigoris e seus ricos colegas desçam da igreja até a
praça, onde anunciariam quem interpretaria os papéis na representação da Paixão
de Cristo, a ser encenada no ano seguinte. A história adaptada do livro Cristo
recruciiicado, de Níkos Kazantzákis, foi considerada uma blasfêmia por algumas
pessoas. Representa uma mistura de humanidade exuberante com indignação
moral. "Todos os dias, homens comuns, animados e de bom humor, conversam,
dão risadas, contam piadas picantes; conceitos difíceis formulados com simplicida-
de rústica" . Sua universalidade pede que os espectadores considerem aquilo que,
infelizmente, tornou-se a questão candente em todo o mundo: o que vocâ faria
se um concidadão - um estrangeiro - pedisse sua ajuda? Você diria sim ou não?
Essa questão básica consolidou o desafio cênico. Como realizar uma confrontação
íntima entre o ator e o espectador em um espaço muito emotivo e dramático? Os
moradores ricos de Lycovrissi são colocados à prova quando, de repente, precisam
interromper as celebrações da Páscoa no momento em que cantam Cristo ressus-
citou ante a chegada de um grupo de refugiados, irmãos cristãos desgrenhados,
famintos e desesperados, que esperam, finalmente, obter ajuda . Normalmente, a
voz/comentário de Kazantzákis é representada por uma voz masculina que fala a
partir do fosso da orquestra. Precisávamos ser muito mais confrontantes e diretos.
Sentei-me sozinha no espaço e pensei: o que aconteceria se uma avó franzina e
bem idosa, com muita experiência de vida, falasse as palavras do comentarista?

179
Então, encontrei-me com Lina Larnbraki, a grande atriz grega, que tinha inter-
pretado a personagem Mãe Coragem (Figura 5.5). Conversamos acerca de injus-
tiças . Ela concorda em se unir aos refugiados e, então, sai da multidão de pessoas
despossufdas e fala diretamente para o público. Os refugiados estavam sempre
carregando suas poucas posses e, então, percebi que, para fazer os espectadores
entenderem que a avó estava se tornando outro personagem, teria de haver uma
diferença espacial. O resultado foi a criação de uma imagem horizontal de refu-
giados deitados no chão e, a partir disso, o surgimento da figura vertical da mãe
universal, com duas crianças pequenas desgrenhadas ao seu lado. Ela caminha
para a frente do palco, e a orquestra para de tocar. Está calada e olha diretamen-
te para os espectadores. Mantida sob sua própria luz de comentarista (criada por
Henk van der Ceest, iluminador cênico holandês), no momento final da ópera,
quando é Natal, ela diz:

Os moradores de Lycovrissi voltaram para casa para se aquecer 110 canto da la-
reira. As lamparinas iluminavam as mulheres fiando ou tricotando... MAS... , na
montanha Sarakina, as crianças sentem fome. Sarakina está em franca revolta.
O padre Fotis conduz seu povo para a luta. Um homem bom não é capaz de ver
crianças passando fome ou morrendo dela diante de seus olhos sem se revoltar e
exigir uma explicação, MESMO DE DEUS! A hora chegou!

A voz dela aumenta durante a fala. Ela para de falar de forma brusca e olha para
o público. Silêncio. A orquestra recomeça a tocar e ela volta para o anonimato da
multidão de refugiados, forçada novamente a procurar abrigo enquanto os outros
estão celebrando em suas casas. Essa simples ação, resultante do contexto da res-
sureição de Cristo, utilizando um movimento vertical ascendente em contraste
com imagens horizontais de água e morte retornando ao chão, deu o mapa geral
da montagem, permitindo que as cenas Íntimas, com apenas duas ou três pessoas,
fossem tão poderosas quanto os grandes momentos de procissão mais óbvios.

Uma instalação de objetos bizarros


Em um espaço muito diferente - uma antiga Iábrica - nos arredores de Praga,
comecei a considerar como uma ópera de câmara poderia ser rea lmen te ence-
nada em uma câmara, em contraste com o fato de ser, simplesmente, uma pro -
dução pequena, com poucos instrumen tos em uma casa de ópera norm al. Antes

18 0
de mais nada, isso dependeria do posicionamento satisfatório da orquestra de
dezessete músicos e maestro , e do relacionamento com os cantores. No início
do segundo ato , há uma bela ária cantada pela personagem Agafya, de 29 anos:
"Ah, pobre de mim. Ah, pobre de mim! Ali, pobre de mim!. .. J:<~ tão difícil... É
tão mau . . . ser uma garota . .. principalmente quando você está apaixonada".
Infelizmente, ela não está apaixonada por ninguém . Trata-se de uma fanta-
sia, motivo pelo qual a personagem buscou os serviços de uma casamenteira,
Fyokla. Comecei a imaginar Agafya como uma garota vivendo sua segunda ado-
lescência, deitada em sua cama, lendo revistas de cinema e sonhando com um
inatingível marido boa-pinta. Isso me levou a desenhar Agafya em sua cama,
sendo capaz de ver o maestro e, a partir disso, pensando que ele também podia
ser um ator e se tornar a corporificação do sonho de Agafya. Uma coisa sempre
leva a outra depois que o processo criativo é iniciado: tomei a decisão de deslo-
car e atualizar uma ópera que se passa na São Petersburgo de 1842 para a Nova
York de 1953 e trazer a imagem de todos os russos como imigrantes malucos, vi-
vendo em Nova York como se estivessem na velha pátria. Agafya se tornou uma
garota norte-americana de primeira geração, sonhando com uma vida nova e
diferente - uma situação familiar para muitas pessoas. O espaço tinha a forma
de um retângulo estreito; assim, ao começar com aquela ária, tentei colocar a
orquestra e o pódio do maestro decorado como o topo de um bolo de casamen-
to, fazendo uma linha diagonal com a cama de Agafya. Em seguida, construí
uma série de diagonais imaginárias saindo daquele único eixo, a fim de achar
um lugar para todas as outras peças do mobiliário e os objetos associados com
os outros personagens. Em breve, uma instalação de objetos e móveis bizarros
estava se formando ao longo do comprimento da câmara retangular, e ficava
evidente que não eram necessárias paredes para separar as duas casas indicadas
pela ação. O rumo que essa pequena obra tomou se origina de uma ideia muito
simples: assegurar que todos temos o coração partido, e que sentimos muito o dile-
ma de uma garota triste e solitária chorando em seu quarto. Novamente, aprendi
que a grande solução começa a partir do ator, permitindo que as decisões visuais
tenham uma validade e uma verdade reais.

A liberdade para ser inventiva


Às vezes, in icialme n te, os espaç os oferecidos para m ontar uma peça pod e m
parecer impossíveis ou até m esm o h ostis. Frequ entem ente , são espaços teatr a is
espec iais, mantidos ape nas em um nível b ásic o, cons tru ídos sem levar muito
em co n ta as linh as de visão e some nte com o equ ipa me nto e o apoio técnico
esse nc iais. Por um lad o, isso pod e ser um probl ema, mas, por ou tro , pel o fato de
haver tão pou co , talvez haja um a lib erdad e para ser inven tiva e encon trar uma
solução, o qu e nem sem pre é fácil em se considera ndo teat ros maiores e melh or
eq ui pa dos . Essa era a situação qu and o a dram aturga [uli a Pascal e eu co meça-
mos um workshop de in vestigação para sua nova peça. O local da mont agem
era u m ce m ité rio aba ndo na do no velh o Eas t End de Londres. Lá, os fant asm as
e os espí ritos do passad o voltam à vida e co ntam suas h istórias. Par ecia um a
tarefa her cúl ea, co m um orçam ento minúscul o e muito pou co tempo. As ce nas
tin ha m de mudar de maneira rápida e fluid a, en tre um jantar de gala e um
cem itério. Quando os ensa ios começaram , usamo s seis ca de iras comuns para
represe ntar lápides de túmulos. Era um trab alh o em anda me nto, sendo um a
opor tunidade para qu e os atores tivessem um input real, e para qu e nós os ob-
servássemos e tivéssem os ideias a partir de suas ações. Esto u sem pre pro curando
ma ne iras de transfor mar o espaço através da ação , em vez de util izar m uda nças
visíveis de ce na . Per ceb i qu e o ator princip al tinh a ca pac ida de de fazer gestos
eco nô m icos e elegan tes, que mudavam comple ta me n te sua persona, e espe rava
ser ca paz de refletir essa ca pac idade na cr iação da peça. Não co nseg u ia ac har o
rum o. Estava tot almente care nte de ideias.

Certa ma nhã, c heg ue i muito ce do. O teat ro estava exa ta me n te co mo fora


de ixado na noit e an te rior; um espaço de trabalh o co m co pos su jos de ca fé e
revistas de pa lavras cruza das amassa das . Um ator tinh a deixad o uma ca misa
bran ca pen durad a no encos to de um a das cade iras de ensa io. Ilumin ad a pe la
lu z da ma n hã fria, a partir de uma jan ela elevada, aqu ilo chamo u minha ate n-
ção. A ca misa par ecia esc ulpida, sólida, estática , co mo se tivesse sido en talha -
da como uma lápid e, ainda qu e co ntivesse os restos da vida hum an a m ort a.
Sim plesme n te pendurada, im óvel, desolad a e descart ad a. Abri o guar da-ro upa
e encontrei um a pilha daqu elas ca m isas, e as pendurei nos encos tos das cinco
cade iras restantes, posicion ando-as em espaços igu ais através da diagon al do mi-
núsculo espaço cê nico. Juntei tod o o lixo que tính am os rem ovido e recoloquei
um sortimento de lata s de cerve ja usa das, garrafas velhas, jorn ais, trapo s e co pos
de ca fé em volta das três pared es qu e ce rcavam o espaço cê nico, de mo do qu e
o lixo desse a impressão de ter sido jogado junto aos muros do ce mi té rio. Abri
n ovament e o gua rda-ro upa e encontre i seis smokings variados, qu e coloquei
sobre os assen tos de cada uma das cade iras voltadas para o fund o do palc o,
5.6 - Desenh o para 1\t the End of the Eatth

ocul tadas pelas ca misas penduradas. Um guarda napo bran co (rolo de pap el
toa lha ) e m ca da assen to servi ria como toalh a de mesa. Em trinta m inutos, o
palco estava montad o. O s atores c hega ram pa ra o e nsa io c, qu ase sem pe rcebe r,
dissera m: "Ah, aqui é o ce mitério!", co mo se fosse a co isa mais óbvia c natural
do m undo" (Figur a 5.6). ' o mom ento da ce na do jantar dc gala, eles sim ples-
men te virava m as cade iras, posicionavam-nas em linha ret a, co mo se estivessem
atrás de um a mesa. Posteriorm ente, adicionamos uma m esa, mas ela bloqu ea va
os atores atr ás dela, e e ra muito melhor sc m . Lembrei-m e de qu e as coi sas mais
sim ples são se m pre su ficientes.

Uma bela cartografia ajuda


I lá alguns anos. trabalhei em um retrato biográfico do poeta e escritor Rudyard
Kipling. personagem aventureiro e intrigantc, c descobri um pocma a rc peito
dc uma igrcja do século XI c de seu padre Eddi. no mesmo lugar onde moro
agora . 1 Ta ocasião. hquei impressionada com o ritmo musical do poema c achei
que poderia ser tanto cantado quanto falado: aquilo ficou no fundo da minha
mcntc. que é como a lixeira de um computador que jamais é esvaziada. Então,
tive a oportunidade de conceber um evento de grande escala, envolvendo pro-
fissionais e gmpos comunitários. Eddi estava esperando e, ao puxá-lo, ele c a sua
história, para meu depósito de memória. comecei a penar na maneira e no es-
paço apropriado para criar um evento. Caminhando atrav és da praia até a igreja
anglo-saxã original. curvada contra o vento e a chuva, o verso "tempo mim para

20 [ulia Pascal [direção], 1\t the End of the Earth, ence nada em 2006 no Hou sc Th eatrc,
em Londres.
caminhar", de Kipling, tornou-se minha canção de marcha. Olhei novamente
para a minúscula capela branca que eu conhecia tão bem e percebi que ela
tinha a forma exata de uma tenda, como os antigos tabernáculos. Imaginei,
então, o evento em uma tenda. Um que canta a respeito das condições meteoro-
lógicas e tem o mar como seu fundo . Um coro de velhos anglo-saxões versus um
coro de jovens anglo-saxões cantariam 11m para o outro através do espaço. Isso
sugeriu dois palcos laterais, como no teatro ka!Jukí japonês, e, imediatamente.
deu uma forma ao projeto. Teria de ser incluído um espa(;o para a banda de
percussão das crianças, que faria os ruídos do mar, e outro para uma orquestra
profissional completa. No vazio superior da tenda, vigas de madeira, reproduzi-
das da antiga igreja, poderiam hospedar 11m coro de p,íSS,HOS, que seriam tanto
cantores como trapezistas, representando as visões cotidianas da vida por meio
de uma reserva natural.

O fundo da tenda daria para o mar, permitindo 4"e UIll coro de focas,
constituído de crianças e carregando peixes para os anglo-saxões. aparecesse
no início do espet áculo . o fim. na escuridão, todo o fundo da tenda poderia
abrir. rev elando barcos de pesca decorados no mar, um coro de pescadores
(po is o padre Eddi ensinou os primeiros anglo-saxões a pescar ) e um sliov;
de fogos de artifício no mar. f: sempre importante imaginar primeiro onde
você terminar á a jornada, mesmo se ainda não se sabe como chegar lá. Com
a colaboração de um diretor de movimento e de um produtor, começamos
a procurar um local adequado para converter essa fantasia em realidade. c o
encontramos exatamente em nossa porta (Figura 1.8). Ficamos tão e."Citados
como se tivéssemos acabado de desembarcar nas praias de um Brasil desco-
nhecido e, naturalmente, precisávamos mapear o local para sermos capazes de
convencer outras pessoas e de le va n tar a grande sorna de dinheiro necessária
para um evento em uma tenda. Como sabiam muito bem os antigos cartógra-
fos, mesmo se o destino for vago, fazer um mapa bonito e pictórico ajuda a
entusiasmar companheiros viajantes e patrocinadores. A perspectiva mais esti-
mulante é ser capaz de estabelecer uma colaboração de artistas de diversas
áreas para trabalharem em partes desse projeto. para contratarem um composi-
tor e para criarem um trabalho que é difícil de definir - nem teatro. nem ópera,
nem arte perfonn ática, mas uma forma inventada , respondendo à geografia e à
comunidade cuja Iustoria ela conta .
Invenção direcional
Essa noção do que é direção parece tão relevante hoj e qu anto foi n aqu ela época fe-
bril, em que era predom inante o espírito de m uda nça e aven tura. Foi u m período
em que era bastante natural ver artistas cr iativos de tod o o mundo aplicando seus
ta lentos em diversas áreas distint as, co mo design gráfico, criação de figurinos, ar-
quite tura, cenografia, direção e re presentação, co n forme a n ecessidad e e o desejo
ditavam . D essa in teração, surg iu a profissão de dir et or teatral: algué m com visão
para reunir em uma ú nica voz, e co m uma assina tura pessoal, tod os os ele mentos
díspares qu e in tegra m a cr iação de uma produção teatr al. Os dir et ores desen vol-
veram filoso fias, varian do do uso do teatro par a aprese n ta r uma postura políti ca à
consideração do espaço cê n ico co mo u m a tela sobre a qu al a hi stória pod e ser de -
sen h ada. Concomita nte com a asce nsão do diret or , h á a evo lução da ce nogra fia,
que se torn a m ais do qu e a criação de uma decoração de fund o, assu m in do u m a
função cr iativa ce n tral na reali zação do espe tác u lo. A reelabora ção e a revisão de
textos cláss icos provou- se um veíc u lo frut ífer o para a in venção diret oria], e, em
1970 , u m a co nfra ria de diret ores pós-brechtian os estava esta be lec ida nos teatros
europe us su bsidiados nacion almente . Roger Plan ch on e Ariane Mnouchki n e, na
França; Giorgio Strehl er , em Milão; Yuri Lubimov, em Moscou ; Pet er Stein, em
Be rlim . Eles demon straram qu e, m edi ante uma síntese co m ple ta do texto e do
visua l, a h istória pod er ia ser reelaborad a co mo um nov o dram a con te m po râneo.
Uma nova man eira de co nside rar o teat ro se desenvolveu , utili zando a iconogra-
fia das bel as-art es para criar ence nações qu e eram tanto belas como im ed iat am en-
te en te n didas, sobre tudo pel os novos públicos do períod o posteri or à Segunda
G uerra M u ndial qu e esses criadores teatr ais procuraram atrair. Eles co nce be ram
uma lin gu agem cê nica din âmi ca qu e tod os co m partilha ra m e n a qu al cada pe-
queno ob jeto tinh a tant a im por tâ nc ia qu ant o u ma gran de estru tura cê n ica. Na
peça Gilles de Rais, de Plan ch on , qu e co n ta a h istória de um cava lei ro do séc u lo
XIV, a qua lida de de uma ú nica pedra co locada co m cu ida do no espaço e de um
ramo de urti gas selvagens - apa ren te men te inocen te, ma s qu e , posteri or m ent e ,
passa a ser usad o como instrum ento de tortura - foram cu ida dosa e amorosa-
mente produzid as para unir suas formas e suas fun ções. Essa ate nção tot al ao
de ta lhe visua l refleti a a ate nção em relação à representação , dando às m onta-
gens u m a clar eza úni ca e muitas vezes sur pree n de n te . A iluminação ní tida dessas
produções, m u itas vezes alcançada por m eio do uso de reflet ores de cinema no
teat ro, impregn ava as ce nas com uma cl aridad e reali sta encon trada em pin tores
medievais de paisagen s.
Papéis permutáveis
No en tan to, ne m tudo é perfeito . C om o tempo, os artistas cria tivos se co nce n-
trar am ca da vez mai s em suas especial iza ções, torn ando-se peritos em seus pró-
pri os ca m pos e ficando cada vez m enos famili ari zados com as práti ca s mútuas.
Os diretores se acostumaram a pedir e a receb er efeitos cê nicos e tecnologia s para
aprim orar as montagens e da r ao públi co o qu e ele agora espe ra ver. Atualmente ,
desenvolveu- se um a nova lin gua gem tecn ológica, qu e, muitas vezes, só é en te n-
did a par cialmente pelo s outros colaboradores, resultando na obten ção de uma
mística por part e desses profi ssionai s da tecnologia e de uma conseque n te auto-
nomia de práti ca. C on tu do, h,í nova s vozes preconi zando uma outra m elodi a a
ser ca n tada. Possivelmente, isso ocorre por causa do cresc ime n to e da diversifi-
cação da educação teatral. Na Europa, antigame n te, os c urs os de ce n ografia se
ba sea vam qu ase exclu sivam ente em faculdades de art e e estava m incluídos como
part e da disciplina de bela s-art es. Como a prática das belas-artes se exp andiu e
virou live ari, baseada em perfonnances, muitos desses c ursos , agor a também ofe-
recidos em uni versidades, receb eram a denomin ação de design de periormance,
com ce n ografia sen do ap enas um do s muitos ca m in hos para os estuda n tes esco-
lh er em dentro de um portíólio compl exo. O s cenóg rafos são formados para sere m
criadores e exe cu tores e para se tornarem espe cialistas em manipular luz e som .
Atu almente, cada curso po ssui um correspondente internacional , que provo ca
tro ca s de expe riênc ia e promove o ente ndime n to cultural. Esses estu da n tes de-
sen volvem habilidad es ada ptáveis compl et as: exigem qu e se jam levados a sério e
qu e receb am uma plataforma para mostrar do qu e são capazes. Frequentemente,
esses joven s e motivados criadores teatrai s não estão dispo stos a espe rar até ter em
um a gran de chan ce em uma companhia teatral esta be lec ida. Na maioria do s
casos, eles se reunirão em um grupo colaborativo e criarão uma obra. Visam criar
juntos, em um teatro não convencional no qual o m étodo de trabalho é a pesqui-
sa, a respost a às dúvidas e o desenvolvim ento de formas de exp ressão. Não são es-
tranhos à tecnologia, qu e não é mais nov a. Sabem com o requer er financiamento
das font es eur ope ias e também da s de seu local de residência ou na cionalidade e,
muitas vezes, são sur pree ndente m en te enge n hosos e bem-su cedidos. A formação
de gru pos int erdi sciplinares sign ifica qu e as estru tur as conven cionais podem ser
alteradas. Um arti sta visual pod e se tornar um produtor. Um autor também pode
ser um ator. Ao mesmo tempo, as fun çõ es pod em ser definidas e permutáveis.
Essa mudança de base está se infiltrando para cim a, desafiando a gravidade e
alt erando lentamente a prática do teatro profi ssional.
A visão criativa
A visão de mundo atualizada (pp. 19-23) revela qu e os ce nógra fos estão criando
sua próp ria obra, no que talvez outrora fosse cha mado de direção, e, mu itas vezes,
virando codiretores, oc upados co m toda a ence nação ao lado de um diretor literário
que, na divisão justa de trabalh o, passa mais tempo com o trabalh o m otivacional
dos atores. O grande exemplo é a designer britâni ca [ocelyn Herb ert (1917-2°° 3).
Em parceria, ela criou filmes e peças teatrais co m poetas e dram aturgos, incluind o
Sam ue l Beckett (19°6-1989) e o poeta Ton y Harrison (1937), com quem reelaborou
mui tas obras clássicas gregas em teatros co nvenc iona is e em grandes espaços ao ar
livre, na G récia. Apesar dos inevitáveis altos e baixos do processo de produ ção em
que artistas trabalh am juntos, os result ados foram tão perfeitos que se torn ou ind e-
cifrável dizer quem fez o qu ê. Ne nh um crítico pod eria escrever frases tolas como
"embora a ce nog rafia fosse brilh ant e, a direção era lenta e m edí ocre", ou qualqu er
variação afim. Alcança r sinc ronicidade na ence nação é um objetivo que mu itos
aspiram, mas pou cos realm ente consegue m. Isso vem de um a paixão e um a crença
compartilhadas a respeito da importân cia do trabalh o a ser feito. A habilid ade con -
siste em pôr o assunto co mo a preocupação prin cipal , e os criado res em papel se-
cu ndá rio, a fim de encontrar um jeito de apr esentar esse assunto aos espec tado res.
Em 2007, N icho las Hytner, diretor do Royal Na tional Theatre, em Londres, em seu
discurso na Leadership in C ulture C onference, na Royal Society of Arts, afirm ou
que "a visão criativa é o result ado de um a luta coletiva". Disse ainda: "O diretor
de uma peça é me nos um visioná rio e mai s um sintetizador.. Em bora um diretor
possa ser, de vez em quand o, tanto visioná rio com o sintetizado r".

Se um artista visual qui ser criar um a obra teatral e reunir um a equ ipe selecionada
para interpretá-la, isso parecerá satisfatório dentro dos parâm etros de perfomwnce,
sem alvoroços. Ao discutir esse assunto, a maioria dos ce nóg rafos afirma ser capaz
de se move r facilmente entre desenh o e direção, pois encenação é o que normal-
mente faze m. Eles são formados e, então, profissionalmente, praticam a soluçã o
de probl emas e o pensam ento lateral. Mo vim entam-se facilm ente entre as áreas e
desenvolvem um a lingua gem comum. Em geral, os ce nóg rafos, tanto jovens co mo
os mais expe rientes, identifi cam seu trabalho com o uma colcha de retalhos de ati-
vidades distint as, ocasion alm ente com o desígn ers de ce ná rios e figurinos, às vezes
co mo iniciadores e criado res de um a obra, outras vezes como estrelas do sliow bu -
siness que ganha m bastante para subsidiar o desen volvimento de paixões privadas,
espera ndo seu mom ento de realização etc.
Um teatro para observar as coisas
Atua lme nte, um a mudan ça está ac ontece ndo no teat ro, possivelmente influ en-
ciada pelo desen volvim ento das belas-art es, em qu e a instalação artística é tud o
m en os teatro falad o. Em 2 0 0 7 , no Tate Modem , a exposição The Worldas a Stage
(O mund o como um palco ) pro curou defin ir as mudan ças em uma investigação
da relação entre arte visual e teatro . No m esm o ano, a Prague Quadr ennial , o
term ôm et ro qu adri en al da ce nografia mundial, mostrou , sem n enhuma dú vida,
qu e milh ares de joven s cen ógrafos qu e parti cipam do Scen ofest e da part e de
esco las já estavam ac om pa nhando as mudan ças. Eles expõe m e demonstram
ideias de performance e ence naç ão que são part e do novo map a ce nog ráfico
qu e esc revem. O esc ultor britâni co Martin C ree d, co m seu Work No. 850, no
Tate Britain, fez atletas passarem co rre ndo através de gale rias de pinturas e
esc ulturas neocl ássicas gélidas e sere nas. C reed descreve sua ob ra como "um
teatro para ob servar as coisas", tal qual Brecht afirma em seu poema "Sob jul-
garnento'? ', no qual ele ac onse lha o ator: "Você deve mostrar o qu e é, mas, ao
m ostrar o qu e é, você deve suge rir o que pod e ser e o qu e não pod e, e talvez
se ja útil ". O s atl eta s de C ree d co rre m com prem ên cia misteriosa, poi s não sa-
bem os de onde e para onde ; só sabe m os qu e eles são impelidos a se propelir:
"pa ra com ple ta r o trabalho". Nesse caso, o artista é o criador/diretor de sua
própria obr a, e parece corre to e natural qu e assim se ja. Na Alemanha, I-lein er
G oebbe ls, importante compositor mu sical , enge n he iro de som, arti sta visual e
esc rito r, tornou-se o motor e o criador de suas própri as obr as. Ele inclui textos e
atores como trunfos para a obr a ima gin ada por ele . Ele é muito mai s do qu e um
dir et or. N o Brasil, a expe riente cenógrafa Ion e de M ed eiro s ensaia seis atores
com pre cisão militar, digna de exército, em sua adaptação de O processo, de
Kafka . Ela com pôs todo o espaç o cêni co e sabe como utili zar ca da centímetro ,
ao m esm o tempo dei xando a história clar a e choca nte . M ed eiro s faz o passado e
o presente colidirem textual e visualm ente. William Kentridge, pintor e criador
de fanto ch es sul-africano, anima seus desenhos e os convert e em filme s, alé m
de diri gir ópe ras na M etropolitan Opera, em N ova York. O s artistas de in sta la-
ções criam eventos em galeri as, qu e os obse rvadores percorrem e com os qu ais
interagem ; os mus eu s utili zam ce nógrafos par a aprese n ta r exposições temáti cas.
Punchdrunk, companhia teatral da Gr ã-Bret anha , oc upou um prédio int eiro,

21 Bert old Brecht, Pocms: Part Two 1929-1938, Lond on : [ohn W illett e Ralph Manheim ,
M ethuen , 1976, p. 308.
incluindo escr itórios e ba n heiros, cr ian do eve ntos simultâ neos em espaços dis-
tin tos que os espec tadores podiam segu ir na sequê nc ia qu e qu isessem. Nesse
caso, os espec tado res dirigiam sua própri a jorn ada pelo espaç o, em bora todos
terminassem no mesmo destin o.

Deixando o inesperado acontecer


Todo artista deseja correr riscos, expe rime nta r o desconh ecid o e, possivelm en-
te, fracassar; ainda assim, eles têm de ter a c ha nce de faze r isso. As vezes, a
única ma neira é toma r a cargo o pró prio des tino e assum ir c riativamen te o
controle de todo o pro jeto. Di versos diretores, sobret udo em ópera, criam a
cenografia e dir igem suas produ ções. Embo ra se ja me nos comum, não é real-
me nte mui to revoluc ioná rio o fato de artistas visua is ou ce nóg rafos assumirem
a autoria tot al da produção se essa parecer a m elh or man eira de alca nça r o
resu lta do. Na tura lme n te, é fundam ental para qu alqu er um qu e assu ma esse
papel entende r a fundo como os co m ponen tes básicos da produção cê nica fun -
cionam e, assim, assumir a responsabi lidade. O criador deve considerar todos
os participantes na c riação, como os pincéis e as tintas necessárias para fazer
uma pintura ou a pedr a e as ferr am entas necessárias para faze r u ma esc ultura.
Sem o con hec ime n to e o entendime nto dos materi ais, o produto final não terá
in tegr ida de. O ator é a matéri a-prim a, e o c riador da produ ção deve estuda r e
entender seu físico, sua voz, sua persona , seu método de trab alh o, avaliando
o que ele pode trazer à criação e da ndo-lhe oportuni dade pa ra isso. D esde o
primeiro ensaio, o criador prec isa ter a visão da direção gera l que deve ser exe-
cutada. Como Pol ônio dirige Reinaldo, em Hamlei , de Sh akespeare, "po r vias
indire tas, desc ubra a direção" (ato II, ce na 1), e co m o ap oio de um a boa equ ipe,
de ixe o inesperad o aco n tecer. Na sala de ensa io, as co ndições ade qua das devem
ser criadas, de modo qu e isso se ja tranquil o, ca lm o, orde na do e propício ao
traba lho. Ao cria r uma produ ção de site specific, nem sempre é possível ensaiar
no loca l ou recria r um espaço de ensa io tem porário, e isso é u m proble ma real.
Em gera l, como os c riadores visuais possuem uma noção geo mé trica de todo o
espaço, decompor a estru tura dr am ática em co m pone n tes pequ enos e transferir
as partes para o diretor de m ovim ento ou de voz pod e estabelece r um sistema
de co nstru ir a produ ção co mo um ca nteiro de obras, onde, para um a pessoa
de fora, as diversas ativida des simu ltâneas pode m parecer mon tes separados de
pedra britada, até que o edifício seja fina lmente ergui do.
o a rqu ite to cana de nse Frank C ehry cria edifícios como esc u lturas qu e desafiam
a form a co nvenc iona l e se ergue m a partir de se u pr ópri o m ont e de ped ra bri-
tad a. Ele afirm a qu e "aproxima -se das co isas co m a m ente vazia e em estado de
pâni co", m as com uma imagem ge ral do que qu er alcan çar. C eh ry esc ulpe com
pap el enqua n to pro cesso e se inspira em diversas fontes ecléticas, co mo os de-
se n hos da ca ta p ulta de Leon ard o da Vin ci misturad os à cena de gua rda -c h uvas
orie n ta is qu e viu em uma festa em um jardim . A sua m ente está se m pre ab ert a
e rec epti va, e os edifícios resultantes são vivos, qu entes e íntimos, ou , como
C ehry a firma, "tornam familiar o mi steri oso". A casa ic ônica d e Frank Lloyd
Wri ght, e m Fallingwater , na Filadélfia , é o extre mo co m pleto em relaçã o aos
edifícios de C ehry. Fallingwater é fria , estru tura da e tot alm ente d e aco rdo co m
se u am bie n te natural , da m an eir a m ais ousada e sensac ional. A cada passo, h á
outra revela ção dramática: uma cascat a vislumbrada , ma s não revelada; plat a-
formas de conc re to em balan ço, estende ndo-se através de folh agen s lu xuri ant es,
co loca ndo o obse rvado r em co n ta to co m a natureza qu e , normalm ente , não
pod eri a se r alca nç ada. O s espaç os afet am p rofundam ente o visita n te, e, m es-
mo o ca r áte r dom éstico d e Fallin gwat er , agor a de sabit ada, traz a se nsaç ão da
pr esen ça daquel es qu e outrora estiveram ali . Tr ata-s e de arquit eto s totalm ente
difer entes, a inda qu e am bos se jam d esbr avad ores da pr ópria disciplin a e adote m
pad rões de arte afins. O d estino deles é levar as pessoas a um novo mundo, no
po uc o tempo em que elas in gressam no espaço, e dar a elas a m esm a se nsação
de expec tativa e drama, como está encarnada na grande escultura de gran ito do
Parqu e Ibir apuera , no Brasil.
ATORES

o ATOR CENOGRÁFIC O
Assim como os ce nóg rafos assu me m a responsabi lid ade pela criação da apa rênc ia
cênica total - elementos cê nicos, figurinos, ade reços e mobili ário - , cada ind iví-
duo deve decidi r onde recai sua área de interesse e suas prioridad es. Manifesto
meu crescente inte resse de trabalh ar em colaboração com o diretor para obter o
pleno potencia l do ator no espaço.

o ser humano está no cen tro do teatro vivo, e tanto o diretor como o ce nóg rafo
começam trabalh and o a partir dele: o eleme nto vivo ma is poderoso do espaço . Da
mesma forma que a prim eira tarefa do diretor é liberar boas atuaç ões dos atores
para contar a história da peça, o ce nóg rafo traz habilid ades e conhec ime ntos visua is
específicos para a produção. Uma peça pode aco ntece r sem ce ná rio, mas sem pre
há no mínimo um ator a ser consi dera do, e esse ator tem de vestir alguma coisa.
Portanto, os figurinos torn am-se uma extensão do ator no espaço. Criam todo um
mundo realçado pela ilum inação e que pode ser en ten dido sem qualquer ce nário.
Quando os designers se redefi nem como ce nógra fos, indicam que estão dispostos a
ir além de simp lesmente desenhar cenários e figur inos para a cr iação de um quadro
cênico atraen te. Significa que estão preparados para observar e estudar os atores no
ensaio, compreende r como um a atuação se desen volve e como o am bien te cê nico
e os figur inos podem trabalhar juntos para melh orar o desempenh o do ator. Ne m
sem pre é fácil. Os atores são móveis, imprevisíveis, perigosos e têm um poder de
transformação no palco todas as no ites. O trabalh o do ce nógra fo é ac har uma ma-
neira de se com un icar com os atores, avaliar suas necess idades e desejos e tomar as
decisões corretas que alcançarão um resultado único e harmon ioso.

Um cenógrafo tem de ganha r, desenvolver e manter a confiança dos atores, que,


noite após noite, têm de ocupa r um palco escuro e vazio e, com total con fiança, re-
criar a visão para um público entrevisto. Há dois aspectos principais: trabalhar com
o ato r para a judá-lo a criar o papel e trabalh ar com o diretor para ajudá-lo a colocar
o ator de modo dinâmico e ativo no espaço cê nico. O ator deve ser estimulado não
só a vestir um figur ino, seja de época ou moderno, mas habitá-lo, convertendo a
rou pa em uma segun da pele. Mediant e o estudo e o en ten dime nto do corpo IH1-
man o e do espaço que ele ocupa e pelo qual se desloca, diretor e ce nóg rafo podem
modelar e esculpir o palco de man eira eloque nte e dramá tica com os atores.

No início de um novo proj eto, mu itas pessoas do ele nco e da produção são estra-
nh as um as às outras, travand o conhec ime nto a partir do primeiro dia de ensaio,
para iniciar um a aventura juntos. Esse é o início de um intenso períod o de traba-
lh o no qual todos, muito rapidamente, precisam se con hecer e se co nscientizar das
ca pac idades e incertezas até, milagrosam ente, um a produ ção nascer. No entanto,
assim qu e a produção em ce na termina, e o qu e parecia tão im po rtante evapora,
outro processo começa , com um novo grupo de pessoas. Tu do o qu e fica é a me-
mór ia da expe riênc ia e algumas fotografias e críticas. Depois do térm ino da prod u-
ção, os desen hos dos ce ná rios e figuri nos, ou seja. os remanescentes concretos da
prod ução, adq uirem um valor distinto. Concebidos como desenh os de trabalh o,
tornam-se o registro da prod ução: evidências para historiado res e pesquisadores e
também para um crescente número de colecionadores de arte. Há um fascínio em
relação aos dese nhos de figur inos; eles não são apenas pinturas, mas tam bém exi-
bem como os atores podem ser totalme nte transformados em outros perso nagens
por meio da cor, da forma e da textura dos figurin os (Figura 6.1 ).

o primeiro dia de ensaio


Procuro não elaborar desenhos de figurin os antes dos ensaios começarem e de toda
a com panhia se conhecer, embora pesquise cuidadosame nte o período e traga, no
prim eiro dia dos ensaios, o máximo de material qu e o interpretador de figurin os e
eu conseguirmos reunir. Sempre quero deixar um espaço para as contribuições dos
atores, que só começam a ficar claras após alguns dias de trabalh o em con junto. No
entanto, os atores precisam de um olhar orientador, pois nem sempre são os melh o-
res juízes a respeito do que devem vestir no palco ou na vida real. Freque nteme nte,
as ideias surgem da observação do trabalho dos atores nos ensa ios, e novas e im pre-
vistas possibilidades ficam subitamente claras. Esse é exatamente o mo mento em
que é necessário haver uma ligação mais próxima en tre diretor, ce nógrafo e atores,
de modo que a peça possa ser mo delada, forma tada e reforma tada. É absolutamen-
te fundamental estar presente no máximo possível de ensaios, desenhar o que está
i;Z / m ,.}

li : 1.1
:!i' ~/[ :-t.. j iJ.. 'J/ V'1..r' ) /Y 'J

6. 1 - D esenhos de mod e lo vivo de Albie \Voodin glo n , evu Henrique IV


aco n tece ndo e trabalhar junto co m o diretor para qu alqu er discu ssão sign ificativa a
respeito da inten ção da ce na e das necessidad es dos atores. Há uma gran de diferen-
ça entre ideias teóricas e o que realmente aco n tece na prática (F igura 6.2).

Linguagem
Os atores se co mu nicam com o ce nóg rafo por m eio de um vocabulário emocio-
nal, e o esta be lec imen to de um den ominador co m u m para o diálogo exige tem po
e paciên cia de am bos os lados. Há um a lin guagem do ator que é ut ilizada para
descrever os pro blemas que afetam seu desempenho; muitas vezes, ela está inti-
mamente ligada aos figuri nos, aos adereços e ao mobi liário. E isso tan to mascara
co mo revela expectativas, ansiedades e vu lne rabilidades , qu e são verba lizadas como
impressão: "ten ho a impressão de qu e a ca uda desse vestido está mu ito lon ga para o
person agem qu e estou repr esentando"; "ten ho a imoressão de qu e o comprime nto
dessas mangas pod e ser ma ior"; "ten ho a impressão de qu e a cadeira pode ser maior!
menor/mais baixa/mais alta"; "ten ho a impressão de que essa porta está no lu gar er-
rado". Pou cos atores possuem u m vocabul ário visual- em geral, não por sua culpa.
Raram ente, as esco las e os cursos de arte drarn ática ensi na m isso. 1\ boa comun ica-
ção co m os atores co meça com a capacidade de escu tar, co m mu ita atenção, sua
lin gu agem frequentem ente hesitante e de int erpretá-la co rre ta me n te. O cenógrafo
precisa ter tanto au toridade co mo Aexibilid ade e ter o apo io total do diretor desde
o in ício, pa ra qu e os atores fiquem familiarizados com a linguagem da imagística
visua l qu e se liga ao texto e possam dar um a nova perspectiva ao traba lho.

Faça sua lição de casa


O ce nógrafo não pod e espera r gan ha r a confiança do ator sem estar fami liarizado
com o texto, a estru tu ra dram áti ca, os personagens, as tramas e os sub tramas: não
existe su bstitu to para um trab alh o prep aratóri o ade qua do. Nas horas de suspe n-
são na sala de ensa io, a realidade deixa de envolver as tent ati vas e as tribul ações
da vida co tidiana e pa ssa a envo lver os dilemas e os co n Aitos do mundo da peça
qu e está sendo criada. Tod os aqueles oc u pados co m a m ontagem devem passar a
con hecer os person agen s ficcion ais e seus m undos e a imagi na r co mo eles viviam
e sobreviviam no períod o ret ratado na peça. O con heci me n to da h istória aj uda
a co n text ua liza r esse trab alh o para os atores, sobret udo se puder se r ilu strad o por
· dc
6.2 - Dcsenh os do ensa io o ,iardim das cerejeiras
m eio de referên cias pictóricas e art efato s em um mu seu vivo, um recurso para qu e
tod os usem . É muito útil qu e esse importante pro cesso oco rra o m áxim o possível
nos ensa ios, e isso dep ende da existênc ia de uma boa equ ipe técni ca de apo io
qu e pode visitar as oficinas de ce nografia e de figurinos enqua nto se obse rva e se
registra as imagen s do ensa io durante a criaçã o. Essas notas visuais torn am- se o
sioryboanl real da m ontagem , permitindo quc toda informação vertiginosa do en-
saio se ja absorvida diretam ente e influ en ciada rap idam ente. Em vez de descobrir,
qu and o nad a m ais pod e ser alterado, qu e eleme ntos cê nicos ou de mobiliário
estão com o tamanho errado no palco , as modifica ções pod em ser incorporadas
co mo parte do processo em andamento; em gera l, isso dem on stra ser benéfico
tanto artística qu anto finan ceiram ente.

Observações da vida
Em Los Angeles , no Cetty Museurn , em um canto obscuro, existem nove pequenos
desenhos de Veronese referentes a Édipo Tirano. São desenh os de trajes contem-
porân eos para um a montagem teatral, sendo, possivelm ente, os primeiros desenhos
de figuri no registrados em papel. Desenhados r ápida e despreten siosamente, a habi-
lidade natural de Paolo Veron ese leva-o a coloca r as figuras em poses expressivas
sobre o papel. C laramente, são observações da vida diária, de pessoas em seus trajes,
mas transport adas pelo giz verme lho de Veronese para o mundo de mito e misté-
rio da C récia Antiga. São desenhos de trabalh o; nove figur as bem agrupadas, co m
observações e rabiscos explican do o que é necessário. Embora sejam pequ enos, os
desenh os parecem grandes e vibrantes, irrompend o para fora da moldura do papel.
C om um saudável desrespeito à posterid ade, foram dobrados em quatro e, sem
dú vida, guardados em um bolso. São trabalhos artísticos, mas são trajes co ntem po-
rân eos vistos no mundo cotidiano da Verona de m ead os do século XVI.

Trabalhando de forma interculiural


No entanto, o figur ino não está confina do no retrato realista dos traj es cotidianos,
já qu e, em tempos antigos, a co m binação de cor simbó lica, textura e tradi çã o
comun ica um diálogo sec reto co m o espec tado r. A facilidade de viajar e a capa-
cidade de observa r artes tradicion ais em todo o mundo, além da utili zação da
int ern et , criaram um acessíve l ace rvo cultura l de id éias sobre o Jap ão, a C h ina ,
-
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6.3 - Desenho do eoro pa ra ll appy Birthday Brecht

a Índia e a África, locais qu e os países ocide ntais pilh aram em sua busca intermi-
nável por novas inspir ações. Les Atrides, produ ção de Arian e Mn ou chkine, criada
com o cc nógra fo C uy-C laude, na Ca rtouc hc rie, em Paris, utili zou de maneira
brilha nte essa possibilid ade int ercultural, co m bina ndo influ ên cias do Or iente e
do Oci de nte. O s rostos dos atores são pintad os como máscaras, com as bocas e os
olhos in tensa me nte ace ntua dos e co loridos. As expressões vinha m de seus gestos
e movi me ntos corporais e também de suas vozes estilizad as. A are na vazia em
que atua m força o públ ico a ficar ciente de suas formas extraordin árias, individual
e co letivame nte, em silhue tas contra as pared es de pedra de cor oc re. Em um
segundo, a ce na passa da agressão forte para a tragédia, sim plesme nte por meio
de um a mudança de figurinos, de verm elho para preto. O uso de um gru po de
atores como coro de comentário s ou discord ân cia, ocupando a arena e confron-
tand o o públi co, é um recurso tão pod ero so hoj e quanto foi no teatro da Crécia
Anti ga, sendo frequentemente utili zado na ópera . Esse recurso chí ao artista visual
a oportu nidade de con struir um quadro arrojado no palco , em cor e forma, e,
en tão, mudar dramaticamente a ima gem , descon struindo ou dividindo o grupo
em im agen s indi viduai s que formam um a composição totalm ente diferente no
palco. O co ro se torna um recurso ce nográfico para mudan ça do humor c da
atmos fera das ce nas, utili zando co m ligeireza a cor dos figurin os vistos en bloc
para descrever a passagem do tempo e os acontecime ntos dramáticos. Um grupo,
ou coro, dirigindo-se diret am ente par a o públi co , é um instrumento pod eroso.
Quand o o coro trabalha junt o, a mudan ça de sua form a física a partir de dentro
assume o valor de um eleme nto cê nico plástico e móvel (Figura 6.3).
o corpo
o corpo é a estru tura sobre a qual o ce nógrafo
cria e fabri ca figurinos, e a prática constante do
desenho de modelo vivo é a ânc ora para os ar-
tistas desenvol verem a com pree nsão anatômi ca
que sustenta a cria ção do figurino . Cada part e do
corpo possui causa e efeito sobre outra part e qu e,
por sua vez, fala a respeito da man eira pela qual
o corpo expe rim entou a vida. O deslocamento do
peso no corpo e o impulso da cabeça atra vés da
espin ha dorsal comunicam a idad e, a profi ssão e
o status. As constrições de corpetes e roupas de
bai xo, as alturas dos sapatos e os pesos de perucas
e penteados também afeta m a postura corporal.
Além do estudo formal do modelo vivo, os qu a-
dros históricos, as pinturas e as fotografias são a
fonte primária de refer ên cia para a reinterpreta-
ção, assim com o as notas pe ssoais e os esboços
-;.../ observados da vida di ária (Figur a 6-4)' O figurino
....Hf'j &1& THÊ Mo""'I"I t .7 ...... Pty é o m eio artístico que descrev e classe soc ial, his-
1"10010 "Gil W' "(I!)"
tória e personalidade. Também pod e criar toda
6.4 - Desenh o de Sarna ntha Cones como modelo para a atmosfera cê nica, sendo um a maneira direta e
Agnes, personagem de [ul ía Ford em Escolade mulheres imediata de trabalho com os atores.

A linguagem das roupas


A lin gu agem das roupas e dos materiais revela o país, a classe soc ial, a idad e e o
gosto. A capac idade de isolar essas car acterí sticas defin e a cena ela pe ça e oferec e
ao ator indícios para constru ir e sustenta r uma suges tão qu e, ao longo elo progres-
so da pe ça , torna-se um fato . Ela ofere ce ao público as id éias elo ator, do diretor e
das pal avras do texto no s termos mai s conc retos. A cor pod e assumir sign ificados
e impli ca ções distintas de acordo com o caráter da peça e a capacidade do ator
de utili zar o figurino criativam ente. Um exe m plo é conside rar o quão diferente a
cor preta pod e ser qu ando expo sta a contextos distintos (Figura 6'5 )' No terceiro
ato de Hedcla Gabler, Hedd a entra vestida de preto . Há algo desafiante naqu ela
6.:; - 'Irês mulh ere s de preto: desenhos dc Aline, Ma sha c Hcdda

cor. O públi co perceb e qu e não é um sina l de respeito à morte da tia idosa de


seu m arid o; um a pessoa qu e Hedd a qua se não con hecia ou se preocupava. O nde
Hedd a co mpro u aq ue le vestido? Ela o fez em razão da viage m de lu a de mel de
seis mes es com o mari do, que tanto a ator men tou e custou m ais dinh eiro do que
ela poderia se perm itir? Talvez fosse o vestido qu e ela usou no ente rro do pai , o
genera l Cable r, e Hedd a o troux era de sua própri a casa antes de parti r para a lu a
de mel, sabe ndo qu e a vestime nta esta ria espe rando por ela em seu retorn o. Seu
vestido a envolve co mo um a m ort alh a. Ela não conseg ue aceitar a própri a vida
e, co mo na tragédi a grega, esse é um sinal qu e indi ca sua morte imin ente. lt um
vestido miste rioso que, co mo tod as as boas imagens cê nicas, suge re ma is do que
mostra. Em So tness, o construtor, peça de Ibsen , Aline, mulh er de Soln ess, tam -
bém est á vestida de preto, mas trat a-se de um preto difer ente. É a co r da culpa
e do castigo. Ela está de luto pel a perda de suas nov e bon ec as e de seus dois
filhos. Ela nã o receb e afeto nem apo io em oc iona l do marido . Seu vestido preto
deve ser austero , limitad or, m od esto, suge rindo qu e ela o tenha ut ilizad o tod os
os dias dos últimos nove anos, desde qu e o in cêndi o na casa dos pais mu dou
sua vida . Masha, person agem de A gaivo ta, de Tc h ékhov, tam bém veste preto.
Infel iz em u m casamento co m o professor da esco la local e sem um a identidade
própri a, ela perd e o int eresse em sua apa rênc ia, em bora se ja um a mulh er atra-
ente . Masha afirma qu e est á de luto por sua vida. Su a versão de preto é pr áti ca,
característica de trab alh ad ora, esbe lta e estreita, provavelmente feita em casa e
em contraste direto com sua personalid ade, qu e brilh a em co ntradição à casca
preta externa. Os figuri nos pretos nu nca são neutros. São m anifestações muito

199
int en sas a respeito de atitudes e estados de espírito, co mo no caso das mulh eres
repree nsivas cobe rtas de preto em A casa de Bemarda Alba, de Fed eri co Ga rcía
Lorca, cu jo vestido verd e descrito por Adela é como o grito de um pássaro selva-
gem pela libert ação de sua existênc ia enga iolada.

Confeccionando o figurino
Por mai s brilh ant e qu e seja o desenho de um figurino, a ca bine de provas é onde
começa o trabalh o real referente ao figurin o criativo, qu er seja confecc iona do
do zero quer seja recriado a partir de filas de mater iais usados e sem vida de uma
lo ja de alugue l de roupas. O desenh o é apenas o guia. O trabalh o real de criação
do figurino é um a iniciativa con junta do ce nóg rafo, do ator e da costure ira traba-
lhando juntos, observando diretamente um ator no espe lho da ca bine de pro vas.
Assim , todos os envolvidos pod em ver o corte, a forma e a construçã o e também as
combinações de cor. O ce nóg rafo deve ser cap az de desenhar co m a tesoura sobre
o ma terial disposto sobre o ator ou supo rte de figurino, para entende r a form a de
urna época e sabe r como adapta r isso às proporções do ator. É essencial começa r
com a roup a de baixo usada na época e com os co rpe tes, qu e dão estrutura ao
corpo, e forn ecer sapatos corretos, que imp onh am a postur a do ator. Então, um
calicô liso - o padrão b ásico repr esentado a partir do desenho - pod e ser aju stado
sobre a roup a de baixo. A atriz precisa ter co rpe tes, sapatos e saias no ensa io, de
modo qu e possa se acostuma r com o peso e a postur a im postos pelas roupas. O
cenógrafo e a costure ira podem trabalh ar rápida e diret am ente sobre o corpo do
ator, para ape rfeiçoa r ou alte rar a form a e o corte, esculpindo o materi al de aco r-
do com as proporçõe s corporais ant es de cortar o tecid o real. Um a boa mem ória
visual e um bom conh ecimento da forma da época são inestim áveis para qu e a
essênc ia se ja preservada e, ao mesmo tempo, crie-se algo individual e apropriado
à visão da produ ção. Essas sessões de trabalh o em uma ca bine de provas são os
momentos mais íntimos entre um ator e um cenógrafo, nos quais a co n fiança é
fund am ental. I ão devem ser mom entos tensos ou apressados, e os atores devem
volta r para a sala de ensa io se sentindo con fiantes e satisfeitos, com um qu adro
claro de com o será sua aparênc ia firmem ente gravado na memória. O trabalho na
cabine de prova é urna extensão do trabalho do ator em relação ao texto. Quando
o person agem da peça aparece no espe lho da ca bine de prova, todo s pod em co-
meçar a imaginar o qu e aque la pessoa usaria como ado rnos ou [oias, e tod os os
outros det alh es que person alizam as roup as.

20 0
A marca do ator
Na tura lmente, os atores se sentem muito vulne ráveis qu ando se observam qu ase
nus em um espe lho ma] iluminado . Todos os ator es têm bastant e consci ên cia de
seus pio res defeitos físicos. No enta nto, o figurino pod e com pe nsar essas defici-
ências reais ou im aginárias. l ato e psicolo gia, associado s a um entendime nto do
perso nage m a ser repr esentado , devem ser as lin gu agen s na ca bine de prova, com
um a calma serena e impositiva esta be lec ida. E m geral, a habilidad e da costure ira
em corta r e manipular o mat eri al pod e evitar uma crise. Sempre esc uto com
atenção a man eira com o os ator es falam a respeito de si mesmo s e de suas neces-
sidades, pois isso mostra qu e eles sabe m e entende m seus próprio s físicos e gostos.
Tu do isso a juda em rela ção ao figurin o. Quando um ator está disposto a colabo-
rar na confecção do figuri no, o result ado é mais bem- suc edid o do qu e qu ando
algué m se posta como um man equim diante do espe lho, com os bra ços esten-
did os, dizendo "me tran sform e". O ator também deve ser sens ível ao costurei ro,
cu jo trabalh o também fica exposto, deixando o profission al muito vuln erável. O s
cost ureiros são artistas e devem ter tempo para, a partir de um tecido plan o, criar
um a estru tura cilíndrica sobre o corpo; e devem ser orientados para aume ntar
ou alte rar sutilme nte um a form a para qu e ela se ade que a um ator específico. O
de senho do figurino é um sinal de respeito ao talento artístico do costure iro, tanto
quanto é para o ator, e deve haver bastante espaç o em sua int erpret ação para qu e
a individ ualidade do costure iro contribua para o item acabad o. Um con junto de
figuri nos em um a arara, pronto para ser entregue, é tão excita nte quanto um a
nova coleç ão de mod a: são roup as espe rando para ser usadas. A marca do ator já
está incorporada às costuras, à orn am entação e ao tecido .

Tecido
A esco lha dos tecidos é fund am ental para a rep resentação de um desenho de figu-
rino . A sensação das amostras de tecido permite qu e os ator es pensem em como
pod em utili zar os figurinos dram aticamente. Assim como na vida comum , é agra-
dável vestir boas roupas, feitas de materiais favoráveis. Se um tecido for escalado por
enga no em um estágio de tom ada de decisão, jamais será adequa do para o pap el.
Ne nhuma quantidad e de trabalho fará um tecido se comporta r de man eira que
ele não possa. Ca da tecido deve ser avaliado pelo peso, caime nto, durabilidade,
relação co m o desenho, capacidade de se ade quar ao person agem , pot en cialid ade

2 01
de época, capacidade de ser melhorado com corante ou tinta, relacionamento
com outros materiais presentes no palco e facilidade de manutenção.

o ator com figurino no espaço vazio


A cenógrafa sul-coreana Lee Byong-Boc entendeu profundamente a força de um
ator com figurino no espaço vazio e utilizou essa convicção para iluminar interpre-
tações do repertório mundial de peças, na Europa e em sua terra natal. A fim de
desenvolver mais suas teorias, ela e o seu marido, o pintor Kwon Ok-Yon, restaura-
ram e reconstruíram, pedra por pedra, um antigo palácio na zona rural sul-coreana
denominado iotal-mus ée. Ali, sobre um lago retangular, com um palco Autuante
em forma de plataforma, fica um teatro ao ar livre, totalmente de acordo com a
natureza; um elemento-chave da cultura sul-coreana. Três lados do lago são mar-
geados por templos de altura reduzida, também usados como camarins para os
atores . Os telhados curvos das construções são pintados e decorados com Aores de
madeira, para reproduzir a forma das colinas ondulantes em que se situa o total-
-rnus ée. O espaço cênico que ele abarca é, ao mesmo tempo, expectante e assusta-
dor. Duzentas pessoas podem se sentar no auditório natural, sobre bancos de ma-
deira baixos colocados sobre a quarta parede do retângulo. Dos templos pintados, as
sombras dos atores podem ser vistas em pátios ocultos, realizando seus preparativos
e criando uma expectativa de que algo acontecerá em pouco tempo .

A entrada dos atores é disfarçada por uma parede de cartazes espalhafatosos. Uma
xarnã moderna e sua trupe de atores, todos parentes, emergem exuberantes para
contar uma história moral tradicional de mito e misticismo, medo e poder. Eles
utilizam versões contemporâneas de trajes tradicionais, confeccionados com os
materiais favoritos de Lee Byong-Boc: palha , estopa, plantas e terra, revestidas com
metros translúcidos de organza bastante colorida. Os atores, porém , adicionaram
seus próprios toques: um sortimento incongruente de tênis, chapéus de feltro,
meias de tecido acrílico, e alguns fumavam cachimbos e cigarros enquanto obser-
vavam a ação, sentados na lateral do palco. A partir da primeira aparição da xarnã,
não resta dúvida de quem detém o poder. Antes de nos oferecer uma palavra da
história , ela produz uma enorme rede caça-borboletas que estende para o público
e passa adiante, sem sair do palco. Somos instruídos a colocar dinheiro na rede,
senão a história nos traria má sorte; claro que obedecemos. Isso se repete diversas
vezes durante a noite, exatamente quando a tensão dá a impressão de aumentar.

202
No palco, ela dedi ca algum tempo a co n ta r o dinhei ro, para ver se o sufic iente foi
co le tado par a perm itir a co n tinuação , e ela também ped e a opinião de se u elenco .
Aos pou co s, com cada vez mais ou sadi a, a hi stóri a é contad a. Fazem os o qu e nos é
pe dido, inc lu in do um a ida ao palc o para tom ar parte de uma dan ça qu e n ão tem os
ide ia de co mo exec uta r; m esm o o ma is reti cente entre n ós se envo lve. E o tempo
todo ela é tan to o perso nagem como a m u lher de negócios astuc iosa . Perce bem os
sua ma líc ia e ast úcia en qua n to ela man ip ula o p úblico ao máxim o, e, qua ndo a
aprese n tação term in a, o trab alh o do dia está feito. Ela con ta o dinh ei ro e parte,
ign orando o p úblico qu e foi tot alm ente seduz ido. Lee Byon g-Boc afirma : "Tea tro
não é nad a m ais do qu e im agens e hi stóri as dr am áti ca s qu e preench em a vac u ida de
de um espaço vazio co m a presen ça do ator com figur ino".

Prático e poético
As peças de Sarnuel Beckett também pr een ch em um espaço vazio co m a presen -
ça de u m ato r. Em Not I, u ma estrut ura técni ca co m plica da, qu e su porta uma
atriz em pos ição ver tica l a algu ns m et ros ac ima do piso do palc o, aparece para o
p úblico como u m vazio negro em que ape nas se vê um a boca em movi mento,
aparen temente suspe nsa no espaço. A atriz e o ce nóg rafo precisam trabalh ar em
coope ração próxim a para alca nç ar algo assim, pois, se a ilu são não for perfeit a , a
peça será destruída. Dep end e de um equ ilíbrio delicad o . Em Kraf)p 's Lasi Tape,
um ator solitá rio em um espaço vazio, co m as ru ínas de sua vida invisíve is em u ma
gaveta aberta pe la metade, precisa transm itir todo o seu m undo passado e presen-
te. Embora pareça não haver nada no palco, é preciso u ma grande qu an tidade de
trabalho par a se alca nça r esse nada, a mesa e a cade ira co rre tas e ob jetos para o
ator qu e se jam tanto práti cos qu anto poéti cos. Há muito trab alho invisível en tre
o ator e o ce nógrafo. Samu el Beckett sab ia disso muito bem em sua descri ção
técnica de ta lha da a respeito dos requisitos para Winni e , em Happ)' Day«. Esse é
um texto em qu e o au tor fornece tan tas instruções - de fato, ele proporciona o
calicô da produção -, qu e, a princípio, par ece qu e toda m ontagem deve ser igua l
à an terior. No entan to, cada \Vinnie apresen ta uma h istór ia com pletame n te dife-
re nte.a m od o de falar, a infl exão e a escolha dos ob jetos da bolsa qu e ela põe n o
alto do seu m ontículo, co mo um a natureza-m ort a de C hardin, m ostra qu e, um a
vez ali, há uma estru tura sólida par a a peça, tanto qu e a im aginação pod e voar.
a figur ino de \ Vin nie só é visto da cin tura para cima e, a partir desses detalhes,
de seu chapéu, de sua bo lsa co m perten ces pessoa is, o p úblico po de imaginar sua
vida prévia, 110 estilo antigo. O que o públ ico não vê é como ela é capaz de ficar
senta da no interior do mon tículo sem se mover. Inicialmente, W inn ie precisa ser
amarrada com segurança em uma cadeira , com um bo m apoio posterior, sobre a
plataforma. Esta precisa ser calcu lada para que sua figura sen tada a deixe bastante
alta para ocultar seu marido, Wi lly, que fica invisível na parte posterior do mon-
tícu lo (F igura 6.6 ). Se esse arranjo falhar, arruinará a fala de Winnie e também
a risada , quando a mão de Willy apa rece de repente , po r trás, para entregar a ela
um frasco de remédio qu e ela mesma aca bara de descartar. O qu e não se vê é a
com plicada subestrutura do montícul o. A atriz tem de en trar nele; ou se ja, deve
have r uma abe rtura ocu lta. Também fica muito quente nesse espaço fechado;
assim, um vent ilador elétrico é utilizado, tornando necessária uma espuma grossa
e à prova de som den tro da superfície do montículo. Ela precisa de um suporte
para os pés para aju dar a apoiá-la. Deve haver um acolchoamento discreto, pri-
meiro em torno da sua cintura e, depois, em torno de seu pescoço, qua ndo a atriz
parece sub merg ir mais fund o no montícul o. Como pescoços são ma is finos qu e
cinturas, uma peça extra qu e seja compatível com o resto do mo ntículo tem de ser
adicionada ao figurino. A atr iz deve ficar fisicamente confortável e relaxada, pois
representar \Vinnie é um feito imenso na memória de qualquer profissional. O
traba lho exige teste e ajuste cuidadoso e paciente entre a atriz e o ce nógrafo antes
do in ício de qu alqu er coisa, segu indo exata me nte as instru ções de Beckett, que,
na tura lme nte, as elaboro u co m perspicácia.

Usando O espaço
O palco é um espaço vazio preen chido aos poucos e que é, de novo, esvaziado
por constantes padr ões de mud ança cr iados pelos movim entos dos atores na ce na.
Freq uen temen te, os atores têm uma intuição muito boa sobre onde devem estar
e sobre como devem usar o espaço de modo eficaz. Em Stratford-Upon-Avon,
no planejamento de uma montagem no Swan Theatre , com um pequeno palco
aberto cercado por plateia nos três lados, tivemos de criar a ilusão de que a peça
acontecia em uma im en sa casa de cam po. A única ma ne ira pela qua l pod íamos
fazer isso era descrevendo a casa invisível por meio das ações dos atores. Casais
dançando irrom piarn no palco como se a da nça tivesse começado em outro re-
cinto e se espa lha do por toda a mansão (Figura 6'7 )' Os casais ench iam o palco
com sua energia e cor; enquanto eles dançavam, uma figura solitár ia era deixada
para assumir o coma ndo da cena segu inte , que contrastava com a anterior pelo
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6.6 - C roquis preliminares para Ilappy Days


silê ncio. Muit as vezes, os dir etores c os ato res utili zam o mobili ário imaginativa-
m ente , inventando âng u los c posições diferentes para se sen tare m em cade iras
c m esas. Observando a evolução dessas inven ções, o cen ógrafo tam bém pode
a justa r as proporções c as alturas para qu c isso a jude c ace n tue a re presenta ção,
co mo Caspa r I lche r cos tu ma va fazcr. Ne hc r inve n tou um a forma própri a dc m e-
dição pa ra m esas e cade iras qu c ficou co n hecida , en tre os colegas , como altura
de Neher. Elc cos tu m ava redu zir 5 ou la ce n tímetros da altur a do s móveis em
rela ção ao padrão para qu c o público conseg u isse ver as su pe rfícies supe riores
das m esas e para qu e os atores não se sen tassem de qua lqu er jeito, ma s qu c tives-
se m de ado tar atitu des c gestos específicos. Diversos desenh os dc Nehe r revelam
como o corpo de um ator pod e sc sen ta r de forma alonga da sobre um a cade ira
que está posicionada em ce rto âng u lo em relação a um a m esa e co mo criar es-
paços e co m pos ições m ediante o posicion am ento de algu mas ca de iras - desde
qu c isso a jude na representação . As cade iras devem ser esc olh idas com muito
cu ida do, tendo a vantagem de serem muito móveis c port áteis c ca da uma com
cará ter própri o . Elas se torn am equ ivale n tes a atores extras n o espaço, a juda ndo
a converter as m uda nças de ce na em um a série de imagcns sobre pos tas qu c n ão
int errompem a ação da pcça.

o corpo em três dimensões


A for ma de ence na r um a peça - em um palc o itali an o , uma are na, um palco
transversal ou um site specific - afeta tanto o espectado r qu anto o ator. Cada
forma possu i sua din âmi ca própri a a ser ente ndida e explo rada. Quando os atores
estão ce rcados pelo s espectadores por m ais de um lad o, sua visão não deve ser
obsc urecida pelo cená rio ou por grandes pcças dc mobili ário; eles devem , no
en ta n to, ter o qu e é necess ário para representar a ce na. O s atores adqu ire m uma
maior proemin ên cia - c seus pen sam entos int ern os e suas reações registram cla-
ramente - não ape nas através de se us olh os, mas também do uso de seus cor pos
em três dim ensões. O s atores assume m um pod er im enso e, se o fazem co m
bastante co nv icçã o, co nsegue m fazcr o públi co ac reditar em qua lqu er coisa qu e
qui ser em . Mui tas vezes, é insen sato tent ar m os definir antecipadamen te como
um ator deve fazer um a ce na. Em vez disso, devem os lh e dar espaço e ver com o
n os ben eficiar da criativida de de um ator c de seu uso in tu itivo do espa ço . Era
assim qu e trab alh ava o O pe ra Tran satlanti ca , gru po dc teatro e artistas visuai s
in te rnacionais. A com pa n h ia reali za diversos workshops dc investigação an tes de

206
6.7 - Swan Th eatrc: desenhos preliminares para Rondo, dc 1':Jgar

um a produção , an alisando a int era ção en tre ator, obj eto , espaço e texto. O s atores
receb em diversos temas para trabalh ar e um a sinopse da estru tura das ce nas, com
um diálogo básico a ser desenv olvido posteriorm ente em um roteiro com pleto.
Na sala de ensa io, há um sortime nto de obj etos sim ples: cade irin has, corda, algu-
mas ben galas e materiais básicos para a construção de algo qu e possa esta r falt an-
do ou ser necessário . Pen sa-se muito a respeito de como ac har font es de materiais
sem custo para figurinos e ade reços, como um a coleç ão desprezada de toalh as
de m esa, variando de confecções elaboradas de renda e tecido de seda orna do a
plástico colorido.

O Opera Tran satlanti ca visava uma man eira teatr al de se mover rapidam ente atra-
vés do tempo e do espaço para criar peças de iomada , obra s qu e contassem histó-
rias de identidad e cultural e de como as pessoas se deslocam de lugar em lu gar
por m eio da história e do tempo. Obj etos reais sim ples são utili zado s de man eiras
inesperadas, dep end endo int eiram ente da criatividade e da capac idade do ator de
rea lizar tran sformaçõ es im agin ativas diante do públi co . C erto dia, trabalh ando
em um a ce na qu e ocorr e na praça de uma pequ en a cidade, ce rcada por casas
pequenas, testemunhamos o qu ão pod ero so isso pod e ser. A ce na era am bientada
em um a pequ ena cidade da Ven ezu ela em algu m momento do séc ulo XX. É de
noite, está escur o e sile ncioso, e quatro port as bastante coloridas estão bem fech a-
das. Três soldados bêbado s, qu e aca baram de perd er seus em pregos, surge m pro-
curan do algué m para culpar. Eles começam a lan çar ofen sas contra os donos das
casas , jogam garrafas de ce rveja nas portas e, em pou co tempo, a ce na tranquila
se co nve rte em um tumulto repul sivo. No devido tempo, os solda dos perdem o
in te resse e partem , deixando um a atmos fera assustadora no ar. Cau telosamente,
as donas de casa abrem suas port as e sae m para ver se tudo está seg uro . Não tín ha-
mos vontade ou capacidade de co nstru ir casas, n em mes mo port as, pois o ob jetivo
era ma nter a flu ên cia en tre as ce nas. Subitam ente, uma atriz dob rou uma toalh a
de m esa resplandece nte em um lon go retângul o e a mant eve em sua fren te, para
oc ulta r int eiram en te sua figura. A im obil idad e da atriz transfor m ou a toalh a de
mesa nu ma sólida port a de m ad eira. En tão, lentam ente, ela aba ixou um pou co
a toalh a e obse rvou aten tame n te de soslaio, abrindo gradua lmen te a port a. Foi a
ma is bela descob ert a, sobre tu do qu ando tod as as qua tro portas fazia m a mesma
co isa. Essas ações sim ples reve lam co mo a boa encenação po de dizer m ais do
que efeitos dispendiosos. Quand o elas ac havam qu e era seguro sair, limpavam
cuidadosamen te as portas, as dobr avam e segu iam para a pr óxim a cena. E m u m
ato su bseq ue n te, a hi stóri a se desenr olava em três casas difer entes, visitadas em
ráp ida sucessão por um ven de do r idoso e seu co m panhe iro m ais jovem . Duas pe-
que nas e rob ustas ca de iras, uma az u l e outra co r-de-rosa, eram co locadas no m eio
do espaço cê nico. Par ecia qu e as ca de iras estavam co nve rsan do no espaço vazio.
Descobrimos qu e, quando a ce na era ap rese ntada na fren te de uma cade ira, esta
se torn ava o in terior de um a casa, e qu an do a ce na era invertida e ap resen tada
na direção oposta à da ou tra cadeira, esta se torn ava a casa vizinha. Quando d uas
pessoas se sen tavam nas cadei ras e co nve rsavam lad o a lad o, pareciam esta r em
ou tra casa. Essas descob er tas ce nográ ficas foram real izad as pel os próp rios atores
tra ba lha n do co m ob jetos reais e tran sm itindo a crença para o públ ico de qu e duas
pequenas cadei ras po diam co rresponder a tod a uma vizinhança. D uas pe quenas
cadeiras, qu atro toalh as de m esa e alguns atores valo rosos e im aginati vos eram
tod o o n ecessário para retr at ar uma pequen a cida de e cr iar um teat ro rico, como
resultado de po ucos m eios, que podia ser u m camin ho a segu ir para red escobrir
o que envolve realmente o dram a e como os atores e os ar tistas po de m reali zar
jun tos criações ines quec íveis.

A MATÉRIA-PRIMA

Apesar de todas as inovações e novas tec no logias na produ ção teatral, o ator ain da é
o mensageiro do mito. Sua ligação ativa e direta com o espectador, o pacto en tre eles,
o ato de dar e o ato de receb er, continuam sendo a síntese ma is instigante e exci-
ta n te da experiênc ia teatral. Em "Retrato do passado e do presente em um", poem a

208
de Bertolt Brec ht, ele aconselha seus atores : "In de pe nden temente daqu ilo que você
retrata , você deve sempre retratar! Como se estivesse acon tecendo ago ra" 22.

E sse bom co nselho pode se aplicar igua lmen te aos ce nógrafos. Esse era o princípio
básico de Caspar Neher (1897-1962), ar tista plástico e ce nógrafo, qu e, co menta ndo
a respe ito dos dese n hos qu e c riou co m Brecht durante seus anos de co labo ração,
de 1923 a 1929, descreveu : "p in ta ndo telas co m pessoas". O s desenh os de e he r,
des de as pr im eiras mo n tage ns de Brecht a té as últimas obras oper ísticas, retrat a-
ram sem pre o número co rre to de a tores n ecessário s em cada m om ento-ch ave da
produção. Neher é realista a respeito da quantidad e de espaço necess ária para os
atores, de co mo eles pod em ficar de pé e se sen tar; ele sabe que, sem integrar o ator
ao quadro cênico, a im agem fica in compl et a. Seu s desenhos, e m bo ra verídicos,
são pouco rígidos e impressioni stas, mu itas vezes feitos rap idamente co m ca ne ta e
tinta sobre papel úmido, m as se tornava m o esque ma para a m on tagem. Ele criava
imagens aternporais, co mo se estivessem aco ntecendo ago ra, como aq ue las rep re-
sentadas em sua visão das três bruxas observando M acb eth en quan to ele atravessa
a maldita charneca, na ópera de Verdi pa ra a J-Jambmgisch e Staatsope r, em 194223.
A força de ssa imagem é construída sobre uma paisagem hor izo n tal ; dois te rços de
cé u ameaçador se encontrando com um terço de árvo res er içadas escuras. A figma
pro eminente de Macbe th aparece suavem en te elevada sobre uma ped ra, com a
ca beça um pouco acima da linha das árvo res, sendo co m pat ível com as visões de
mundo que Neher deve ter visto co mo solda do do exé rcito bávaro, nas trinch eiras
profundamente escavadas du rante a Prim eira G ue rra Mundial?' . A co m pa ração
entre Macbeth e a autocromia de Paul Castelna u, de 1917, a respeito da visão do
olho do soldado a part ir das trin ch eiras, é impressionante" . O ator ven do esse dese-
nho, o u a fotografia, não co nsegue deixar de sen tir o m edo de M acb eth atravessa n-
do u ma terr a de nin gu ém, na esteira de uma pai sagem devastada pela gue rra, tão
brilha n temen te refletida na partitura de Vercli.

22 Bcrtold Brecht, Poems: Part Two 1929-1938, London : [ohn Will ctt e Ralph Ma uhei m,
Methucn , 1976, p. 308.
23 O skar Pausch (org.), Caspa r Neher 1897-1962 [catálogo de exposição ], T heatcr
Mu seum: Viena , 1987,
24 Brccht Poem s, "About a Paint er ", ill : Pari 1'wo 1913-1956, London : [ohn Wi llett ,
M ethucn, 1987,
25 David Okuefuna. The \Vollderflll \Vorld of Albert Kahn: Colour Photographs [rotn a
Lost Age ill Books, London: BBC Books, 200 7, foto A12048.

2° 9
A forma humana
Imaginar que uma cena está completa sem um corpo humano é um erro , e fazer
maq uetes sem figuras tamb ém é uma prática imperfeita. Atua lmen te, a maqu eie
de papel-cartão branco, dese nvolvida a parti r da prá tica de ce nografia na televisão,
tornou-se um estágio int erm ediário ace ito no processo de pro jeto, ma s ela não é
nada mais qu e uma representação tridim ensional sem vida de como o espaço
pod e ser utili zado, e não tem nada a ver com o pro jeto para a performance. Uma
maq ue te de papel-cartão branco não é mais do qu e um a man eira conve nie nte de
suposição ao custo de um a prop osta e guar da pou ca relação co m o produto final.
Ocasiona lmente , um a figur a recort ada nesse ma terial e fixada sobre um a base de
pape l-cartão é adiciona da, mas não faz mais do que indica r quão alta em esca la é
a pessoa em relação a um a entrada, a um a jan ela ou a um móve l. Como os atores
são ce ntra is para o trabalh o, o maior cu idado deve ser tom ado na confecçã o das
figur as tridim en sion ais em escala, com cor e textura. As figur as pod em ser abs-
traíd as ou poéticas, mas devem dem onstrar como o espaço deve ser ocupado por
pessoas rea is, quant o espaço ocuparão indi vidu almente ou em grupos, e como
com pleta m o mun do cr iado pelo ce nógra fo para torn ar o drama im ediato e pre-
sen te. A fim de confecc iona r figur as tridim en sion ais em esca la, qu e co ntenha m
ene rgia interior, é fund am ental ser um ávido observado r da form a humana e
ter o háb ito de notar como as pessoas ficam de pé e carrega m seu peso e idade
desde as espinhas dor sais até as ca beç as. A prática rigorosa e cons ta nte dese nvolve
a ca pac idade. Um ca ntor sabe que a voz precisa ser exercitada, e os bailarinos
sabe m qu e devem ensaiar diariam ente; isso não é diferente para ce nóg rafos e
artistas visua is. C ontemplar, ver e desenh ar a figur a human a é a preparação e
a rotin a básicas para um ce nóg rafo cu jo trabalh o se ja pinta r telas co m pessoas.
Isso não significa criar figuras esque má ticas de pessoas, mas ver através da pele
supe rficial do corpo, alca nçando a armad ura esque lética de apo io. Isso exige, no
m ínimo, um conhec ime nto básico de ana tomia. Atua lmente, a ana tomia é uma
ma tér ia raram ente ensina da em faculdades de arte e muito menos em uni versi-
dad es, ainda qu e se ja um conhec ime nto fund am ental para qualquer pessoa qu e
prec ise entende r a fisicalid ade dos atores. Essa disciplina serve de base para toda a
ce nog rafia e, sem ela, a arte se torn a ape nas um a form a abasta rdada de design de
int eriores ou design decorativo.

2 10
Entender os atores
E n tende r os atores e a man eira de trab alh ar co m eles não é algo qu e se alca nce
por obse rvação ac ide nta l. Quando um ce nóg rafo assume a responsabilidad e de
trab alh ar dir etam ente com os atores, ele deve ser capaz de falar a m esma língu a,
de en tendê -los. Sem isso, nã o pod e haver coes ão no trabalh o, e tod os farão suas
próp rias co isas, individualm ente. M ari aelen a Roqu é, artista têxtil venezue la na/
ca talã, qu e cria tanto moda quanto teatro , estuda cuidadosam ente o físico do s
atores an tes de começar a trab alh ar em suas cria ções ori ginai s. Ela descreve o
p rocesso de criaçã o em sua sala de trab alh o, dirigindo-se ao ator (que não está
prese n te) dir et am ente:

Ago ra que estou no meio do desafio, sigo diretamente para as cores, texturas e
[ermas para você. Elas devem ser você. Devo ter você nelas. \leiam os. Ac ho que
estou acha ndo um cami nho.

o grupo gosta mu ito disso. Ca da tra]e é um a nova com posição , uma novidade
ou um problem a para resolver.

Norma lmente, eu deveria ter você aqu i agora para testar isso, mas acho que
podemos avançar sem você por enquanto... D esafios... A doro o risco, como o ar
que respiro, e adoro vestir as pessoas como elas são.

É um a responsabilidade, e esse é um dos meus maiores prazeres e com promissos


em relação a esse trabalh o... Bem , aqu i vam os nós.

Roqu é refere-se a três elementos muito importantes durante o trab alho com os
atores:

lo Co res, texturas e forma s. Isso liga a pesqui sa ce nográfica aos atores. Cada m erca-

do, cada país, cada loja possui uma infinidad e de tecidos a ser provad os, co lec io-
nados e ca ta logados, prontos par a uso. Esse recurso é uma pesqui sa dir et a, pron ta
para ser usad a criativame n te na transformação de um ator em seu person agem .
Ma nter-se informa do a respeito de novos produtos da indústria têxtil e ter a noção
de como usar o tecid o e aprovei ta r suas propri ed ad es naturais são co ndições pré-
vias. Um rico tecid o de época p recisará crescer em esca la se tiver de ser visto
de uma grande distânc ia, e sua veraci da de terá de ser criada não sim plesmente

211
m ediante a co m pra em uma loja, m as por m eio de sua recri ação co m revestim en-
tos, cores, tin gim entos ou branqueam entos, para lh e dar vida e profundidad e con-
vince n tes. O estudo e a ob servação das peculi arid ad es do co rpo do ator ligam-se
ao estágio mais decisivo da criaçã o - o desenho co m a tesoura - , cr ian do form as
que a justam a figur a ainda plagiad a do co tidiano par a o mundo do espe tác ulo .
~stá tud o no co rte .

2. A reação da equipe de interpretadores ao desafio. É de importân cia ca pital tra-


tar a equipe de int erpret adores co mo colegas criadores e dar crédito a eles co m
tod o o respeito pelas dádivas qu e trazem ao ator. Eles não só devem ser ca pazes
de ler as informações do projeto, mas também pr ecisam se sen tir em polgados e
in spirad os para desejar fazer aquilo fun cion ar. A equ ipe m erece ma is do qu e um
diagram a sim plista. Seu s m embros devem ser honrad os co m a arte pr ópri a e séria
de in terpreta r. N o Harry Ran som Hum aniti es Research Library and Museum , da
Universida de do Texas, em Austin , fui capaz de exam inar co m atenção a inter-
pretação de um figurino criado por Leon Bakst (1866-1924) para Na rcisse (1911 ),
e dos figurin os criados por N icholas Roeri ch (1874-1947) para o balé A sagração
da primavera (1913), de Stravinski, ambos aprese n tados por D iaghil ev par a seu
Ball ets Russes. Ser capaz de tocar e ver trajes assim de pert o e co m pará -los co m
as pinturas refin ad as qu e eram seus proj etos co loca a arte dos interpretad ores
em proem inência. A reprodução do s padrões de su pe rfície exigidos pelo s ar tistas
utili za uma variedade espa n tosa de técni cas de pintura, bord ad os e apliques sobre
ma teriais básico s bastante co muns. O s resultados são figurin os que utili zam o
corpo human o co m o tela, e são tão vivos hoj e, salta ndo de caixas de pap elão e
d e ca ma das de pap el de seda de arquivo, quanto eram há muitos anos . Quando
a lou cura por qu alquer coisa no estilo do Ball ets Russes perm eou as roupas e a
decoração de int eriores na E ur opa e no s Estados Unidos, Bakst foi citado co mo
"tendo revolu cionado a indústria de tecid os de seda, calça dos e m obil iári o (...)
qu e parece ter migrado do palco para a vida real"2ó.

3. Risco e responsabilidade. Todo artista visual trab alh ando diretam ente com um
ator, muitas vezes em íntima pro ximid ad e, tem a responsabilidade de en tende r
seus sen time n tos de vulne rabilida de. Muitas vezes, olhar-se em um grande espe-
lh o é um m om ento muito deli cado e sensível, e o criado r e a equ ipe de in terpre-

26 C ha r1es Spe ncer, LeOll Bak sl and lhe Baileis Russes, London: Academ y Editions,
1996, p. 186.

212
tad ores precisam trabalh ar com calma e eficiência, para estimular a co n fianç a e a
segura nç a e para qu e o ator saia se sentindo forte e encare centenas de espec tado-
res. Ao me smo tempo, assim como o vestuário cotidiano, muitas vezes um olh ar
exte rno é nec essário para se levar em conta as possibilidades qu e o usu ário da
roupa jamai s pensou . Uma com binação de core s, uma mistura de mat eriai s, um a
diferen ça de forma e corte para realçar qualidade s naturais que pod em esta r oc ul-
tas e um estímulo para assumir riscos são part e desse grande jogo. M esm o a uti-
lização de roupas cotidi ana s no palco, talvez obtidas em um brech ó, geralme nte
exige algum tratamento adicional ant es de se aju star à persona cêni ca do ator. E o
risco e o peri go são como comida e bebida para o artista criativo. Frequentem ent e,
espe ra-se qu e os artistas, de palco ou visuai s, repitam o qu e fizeram antes, em bo ra
a tend ên cia de am bos se ja a de se aventurar em território s novos e inexplorados.
Isso é o qu e mant ém a perlormance viva e diferent e de qu alquer outra coisa, co mo
M ariaelena Roqu é, entre outros, demonstra de maneira tão eloquc nte" .

Um processo bídírecíonal
Assim co mo um a quantidade cada vez maior de cenógrafos qu e ten cion am cruza r
os limites de sua arte, Maria elena Roqu é é uma artista que assume riscos pessoais,
sendo capaz de se identificar com e entende r outros artistas-", Parece lógico que,
para se trabalh ar com atore s, seja ab solutamente necessário sabe r o qu e se sente
realm ente e como nego ciar os desafios imprevistos que sem pre ap arecem . Ca da
vez mais faculdades de arte e algum as univ ersidad es qu e en sinam ce nog rafia
estão criando oportunidades par a qu e seus alunos parti cipem de 1I'0rkshops in-
terdisciplinares nos quai s podem experime nta r diretam ente o qu e está realm ente
envolvido em falar, se mover e int egrar um quadro cênico vivo total. A criação de
obra s cur tas muito sim ples, que estimulam cenógrafos a atuar e atore s a se torn ar
artistas visuai s, é possível em razão de uma lin guagem intercambi ável qu e, se não
for esque cida , deverá constitu ir a base para rem ediar os mal-entendidos interdisci-
plin ares qu e continuam a existir. O s atos de escrever e dirigir também pod em ser
um a expe riênc ia compartilhada pelas duas disciplinas. O s participantes pod em

27 M ariaelena Roqu é desvesteix Carles Santos [exposiçã o retrospectiva ], Museo ' Icxtil,
Ba rcelo na, 20 0 6 .

28 Ana N u no, "T hrce Sn ap sh ots a nd a Fish St ew" , in : Ca rles Santos, Long Lil'e lhe
Pia no, Ca ta lunya : M anuel C ue rre ro: Gcnc ralita t dc Ca ta lu nya. 2 006 , p p . 338'"9'
aprende r o que se sente ao ser um ator, como isso é difícil e o qu anto pod e ser
eficaz o ator utili zar de fato o ambi ente que o ce nó grafo criou em vez de tratá-lo
como um obst áculo a ser evitado. Os ce nóg rafos pod em aprende r que , qu and o
um ator tem a oportu nidade de entende r o qu e é ce nog rafia e co ntribu ir com a
cr iação, o trab alh o co meça a viver e ficar coeso . Isso não aco ntece co m mu ita
frequência e não é um a qu estão de atores co m desemp enho brilhan te. Em vez
disso, a questão envolve o mom ento raro e maravilhoso em qu e o ator dem onstra
a habilidade de seu própri o instrum ento e repr esent a co mo part e do tod o, em pol-
gando e calando os espec tadores.

o mundo do personagem que se tornou manifesto


os últimos dez ano s, diversas institui ções expandiram seus cursos de design
teatral tradicion al, incluindo opções para design de per{onnance. Um exem plo é
o Espaço Cenog ráfico de São Paul o, espec ializado em ce nog rafia e periormance
e criado pe lo visioná rio José Serroni. 1 o local em qu e fun cion ava um a pizzar ia,
no centro da cidade, Se rroni criou, nos últimos dez anos, um edifício difer ente de
qualqu er outro. Workshops, ateliês, um a bibli oteca, áreas de exposição e espaç os
de per{omwnce demonstram o olh ar treinado do ce nóg rafo para enxe rgar possibi-
lidades ond e os outros enxergam demolição . lt um ce ntro de pesqui sa cenog ráfica
úni co em todos os aspec tos. Um pequ en o grupo de alunos e joven s profission ais
se matricul a para cursos de seis ou nove meses de duração, incluindo arqu ite-
tos, artistas, designers, cr iadores de mídia e acadêmicos. Tod os estudam a história
e as distintas form as de teatro, co nfecciona ndo maqu etes e sentindo o espaço".
Também real izam per{onnances que investigam a relação entre a narrati va, o es-
paço e o pod er dos atores de utili zar e alterar o espaço por meio da ação . Em 20 0 8 ,
no Espaço Cenográfico, um workshop elaboro u uma versão de Please Take a Seat!,
inicia lme nte criada em Belgrado, em 2 0 0 3 . O workshop "São Paul o Stories" en -
ca rrego u um gru po interdisciplinar de pesquisar person alid ades qu e viveram na
cidade em 1929 e de apresentar seus result ados como mon ólogos curtos, lid os em
voz alta para o grupo e aco mpanha dos por algumas im agens visua is. Então , cinco
personagen s foram selecionados para se tran sformar em história . Decidiu-se qu e
cada um deles se apresentaria aos espec tado res e, em seguida , suas relações com

29 J. C . Serroni , Espaços teatrais:a evoluçãoda arquiteturacênica na história [exposição],


2 008 .
os outros pe rsonage ns seriam gradua lme nte revelada s. O s persona gen s esco lh idos
foram: }enn y Klabin, judia, rica co lec ionadora de arte e mulher da alta socie-
dade; Maria Feu, imigran te italiana e prestadora de serviços temporár ios como
criada; Abelardo, pal haço e artista de rua; Meneghe tti, famoso ladrão; e Fu lvio,
imigrante italiano e aço ugueiro. O grupo de quinze alu nos foi dividido em cinco
grupos, com funções inte rcambiáveis: um ator, um escritor e um artista visual.
Como primeira tarefa, cada grupo cons trui u fisicam ente um a cadeira/ pa lco que
descreveria cla rame nte o mundo do person agem para o espec tado r. Os criado res
de Me neg he tti suspe nde ram um a cade ira comu m e fixaram um a jan elinha no
encosto co m um entrelaça me nto de tub os, criando uma forte im agem vertical.
Em contraste, o mundo de Maria Feu era um a pequ en a cade ira mu ito decorada,
revelando suas raízes italianas. O grupo de Abe lardo decidiu fazer sua cadei ra da
maneira ma is comum possível. Utilizaram uma antiga cadeira de lenha, adic io-
nando cortinas em miniatura no encosto curvado, para que se assemelhasse tanto
a urna janela doméstica como a um théâtre à l'italienn e. Fulvio, o açougueiro,
converteu sua cadeira em u ma loja decorada co m fileiras de em butidos e facas, e
a cadeira/palco elega nte de }enny Klabin ecoou sua riqu eza e seus fam osos salões
de arte da década de 192 0 . C inco escritores criaram esse sim ples enre do:

Um salão de arte na casa dos Klabi n; o ce ntro do movimento de arte mod ern a
de 1929:

[enny contrata lvlaria Feu como copeira para servir os convi dados. Ma ria co-
nhece Fulvio, imigrante ita liano como ela, e sugere para Jenn)' que ele pode-
ria fornecer deliciosos embu tidos italianos para o evento. Fulvio, ain da que
açougueiro, é um pintor secreto e usa a oportunidade para apresentar alguns
exem plos de seu trabalh o junto com os embutidos. Maria também sugere a con-
tratação do gatuno M enegh etti como garçom, e ele traz Abelardo, o palhaço,
como en tretenimento cômico para os convi dados. N a realidade, todos eles estão
associados para roubar o dinh eiro dos convidados: um plan o idea liza do pela
aparen temente honesta e simples Ma ria Feu. Abelardo convi da os espectadores
da vida real para se reunirem em tomo dele em um círculo e lhes conta uma
história. Meneghetti aproveita a oportunidade para subtrair as carteiras dos bol-
sos dos convi dados, orientado por Ma ria. Abelardo, a um sinal de Meneghetti,
termin a seu núm ero e eles fogem , no exato mom ent o em que um dos convidados
dá o alarme. Jenn )' fica chocada, e Maria mantém uma inocên cia impassível. A
confusão se instala.
Uma históri a sim ples, m as qu e dep end e do pod er dos ato res para faze r co m qu e
os especta do res m ovam suas cadeir as e alte rem fisicamente o espaço, co n forme
a exigê nc ia da aç ão. O s atores se ben eficiam de sua força dramát ica ficando de
pé sobre suas ca de iras/ce n ários, São capazes de co ntrace na r com os especta do res
qu e , em razão do siste m a livre de assentos, posicionaram ao acas o as cade iras do-
br.ivcis qu c pcgaram ao en tra r no espaç o, en torno do s atores. O início estático em
qu e os per sonagens con ta m suas histórias não dá indicação do que acontecer á:
só quando os atores com eçam a se ligar mutuam ente m ediante co n ta to visual e
diálo go é qu e o espaç o meio dram ático se torn a vivo e os espectadores mudam
automati cam ente seus assentos e rearranjam o espaç o.

Uma linguagem performativa


Ao a na lisar esse lI'orkshop, os particip antes per ceb eram qu e, paradoxalm ente, ha-
via m descob ert o uma lin gua gem performativa o rigina l, resultante de uma im a-
ge m ce nográfica qu e é tão válid a na c riação do mundo da hi stóri a qu anto o traba-
lh o a partir de uma obra esc rita. O s a rqu itetos e os ce nógrafos experimentaram o
qu e sen te um a tor. Muitos deles ainda não estão famili ari zad os co m a lin gua gem
do espaço cê nico e sabem pouca coisa a respeit o dos ele me ntos in teg ran tes de
uma produção. Recentemente, ouvi algu ns jove ns atores rec ém-saídos da escola
de artes dram áti cas c ha m an do altivam ente a garota do guarda-roupa pa ra reco-
lh er figurinos qu e eles havi am jogado no chão. E, pior: qu antos atores se vee m
apenas como um reflexo bidimen sional e m um espe lho de cor po int eiro e a inda
não estão consc ientes de que os espectadores os vee m como figuras tridim en sio-
nai s co m outras pessoas em um espa ço ?

Comunicação visual
A comunicação com os atores por meio de desenhos de les em ação os aj uda a ver
e deixa muito claro o pintando telas com pessoas. No lI'orkshop de produção de
O casamento, na Universidade Carnegie ~ lellon , em Pittsburgh, com um grupo
de artistas, decidi dispensar quase totalmente as notas de ensaio convencionais e
concisas, compiladas pelo contrarregra , e elaborar todas as notas na forma de de-
senhos colados diariamente sobre uma grande parede. Os atores eram solicitados
a observar os desenhos como uma referência daquilo que estavam fazendo, e os
6.8 - Desenh os de atriz co m casaco

interpretadores criativos agiam de acordo com as sugestões. Diversos desenhos


eram observações a respeito das características físicas do ator, das quais ele podia
não estar consciente. Era esclarecedor capturar a maneira pela qual alguém fica
de pé, o ângulo de inclinação da cabeça, a Aexibilidade com um figurino e onde
o peso do corpo adiciona ao personagem representado (Figura 6.8 ). De imediato,
todo o grupo percebeu que esse sistema de notação era r ápido e informativo, e
que ajudava muito os atores que precisavam de comentários claros para poder
trabalhar. Utilizar câmeras para gravar o trabalho do ensaio e, depois, reproduzir
as imagens como base para sessões de anotação é outra opção , mas , depois de
um ensaio vigoroso , ninguém quer saber de sentar e se ver na tela. Em contraste,
poder se ver em uma imagem visual rapidamente desenhada , mas precisa , d á ao
ator material de estudo e reflexão. Esse é um método amigável ao ator, mesmo
que de tecnologia simples, e produz bons resultados. Ele é particularmente ver-
dadeiro na encenação de grupos de atores que têm de ser vistos do ponto de vista
dos espectadores e quando o ator precisa ser estimulado a ser maior do que seu
próprio papel narrativo. O desenvolvimento a partir da produção do lVorkshop
concentra os atores no espaço e confirmou que a decisão de abandonar os ele-
mentos cênicos e se concentrar na criação do s exuberantes personagen s gogolia-
no s era, naquele caso, correta. Quanto mai s confiantes os atores ficam de utilizar
os m óveis improvisados e inventivos, mai s próximos chegam de criar a realidade
de seu mundo privado. A combinação de luz e música permitiu que os atores
ocupassem uma área cênica muito limitada , em uma grande proximidade com os
espectadores, com autoridade e ousadia .

21 7
Imagens símples
Edward Go rdon Craig (1872-1966), prim eiro verdadeiro cenógrafo no sentido
holístico, refletiu profundamente sobre a relação entre o artista visual e o ator" .
Craig tende a ser repudiad o e co nsiderado um excêntrico rebelde cujo objetivo
era o de se livrar dos atores e su bstituí-los por su pe rma rione tes que ele poderia
co ntrolar. Ta realid ad e, não era isso o qu e esse artista visioná rio, filho da fam osa
atriz ElIen Terry, estava propondo. Ele escreve u muito e co m grande discer-
nim ento a respeito de atores e int erpret ação e, co mo dir eto r/cri ad or , oferec ia
co me ntários diretos e sim ples para os atores. Alguma s ide ias dele são tão co ntem-
porâneas qu e poderi am ter sido redigid as hoje. Em 1928, a ca rta esc rita para u ma
atriz que rep resentava lad y Ma cbeth a aconsel ha a não se preocupar com o fato
de os cenários não parecerem adequados: "Os cenários NÃO TÊ~ I If,IPORTÂ, e lA,
são um a besteira; eles jamais tiveram ou terão importância on de uma at riz esti-
ver para enlevar "!' ,

Josef Svoboda (1920-2002), grande arquiteto, ce nóg rafo e diretor tch eco , em seu
teatro Laterna Ma gika, em Praga, sofreu do me smo m al-entendido. Ele de senvol-
veu o ní vel mai s sofisticado de lu zes e projeções, incluindo o uso de proj eções
simultânea s em tela sinc ronizadas co m as ações cê nicas. Su a tecn ologia era tão
avançada qu e ele era capaz de ter lu zes específicas fabricadas de acordo com
suas próprias diretri zes. Em 1999, na retrospect iva de obras teatrais na Pragu e
Quad rennial, Svoboda estava em um h umor reflexivo. Pergu nt ei-lhe a respeito de
seu trabalh o, qu e ele realm ente estimava , e ele me cha mo u a atenção para um a
imagem sim ples: as costas de um ator su bindo um a grande esca da ria, soz in ho, no
escuro, no palc o de Édipo Rei, de Sófocl es. No s degrau s, as dobras de seu casaco
descartado capturavam a lu z, falando de maneira eloque nte a respeito da derrota.
Essa ima gem poética perm an ece co mo uma das mais poderosas de nosso tempo,
onde o cor po do ator, em síntese co m a lu z e a ce nog rafia, tran smit e co m pleta-
me nte o m om ento dram ático" .

30 Edward Cordo n Craig, 0 11 lhe Arl af lhe Theaire, London : Routl edge, 2008 .
31 J. Mi ch ael Walton , Craig 0 11 Theatre, Londo n: M ethuen Dram a, 1999, p. 178.
32 C iorgio Ursini Ursi«, JosefSvoboda:sc énographe, Paris: Union des th éâtr es de l'Europe,
1992 , p. 37·

218
 nsia pelo íntimo
o ce nógrafo qu e trab alh a co m o ator, co mo o pintor qu e trab alha co m u m pincel
so bre a tela, deve perceb er , m edi ante obse rvação e a no tação m eti culosa, o que o
ator po de trazer para a c riação. O ator aprese n ta um m ovim en to leve e ligeiro?
Pesa do e grave? Ele co nsegue se tra nsformar e m o utra pessoa co m facilidad e? É
acrobá tico? Os atores conte m po râ neos precisam ser profi cientes e m inúmer as ha-
bilidad es: ca n ta r, dan çar , se r fisicam ente aptos (m u itas vezes a ponto de pa recer
co rre re m peri go), sabe r co m o lu tar, de safiar a gravidade e, claro, ar ticular as fal as.
O ator traz uma sensaçã o de risco para a a re na, e essa é u m a qu alid ad e especia l
da experiê nc ia teatr al. Apesar da globa lização do s produtos music ais, ainda há
uma ânsia pelo íntimo, pel o bruto, pelo se r hum ano ca paz de atua r usando hab i-
lidades físicas o u ci rce nses: recursos sim ples qu e ele triza m o especta dor. As vezes,
é uma rea lida de in evitável qu e os figurin os tenham de ser desenhad os, os ma te-
ria is co m prados e os o rça me n tos feit os m u ito an tes de os atores serem realme nt e
esca lados, e isso pod e pro vocar problemas e nor mes. 1 o e n ta n to, também pod e
acon tece r de os ato res parecer em ou sere m ca pazes de par ece r exata men te co mo
os desenhos, resu ltando e m u m casame n to perfeito .

o que um ator consegue dar


Eis exatamente o que aconteceu no primeiro dia dos ensaios da ópera-drama
The Greek Passion, que me foi escalada por causa de uma ausência inevitável. O
compositor escreveu um papel sem canto, o do avarento Ladas, um dos notáveis
do vilarejo ficcional de Lycovrissi, onde a ópera é ambientada . No primeiro
dia dos ensaios, conheci o ator grego Foulis Boudouroglou, e ficamos surpre-
sos quando percebemos sua semelhança com o meu desenho de personagem.
Perguntei-me o quão difícil seria para ele proferir as falas junto com cantores de
ópera qualificados e uma grande orquestra ao ar livre, e esperava que ele tivesse
a força física necessária. Quando o ensaio começou, eu o observei e percebi que
minha preocupação era totalmente supérflua. A criatividade de Boudouroglou
estava me oferecendo ideias e possibilidades que jamais tinha imaginado. Ele
era ágil, quase acrobático no movimento, e tinha o hábito de surgir de repen-
te nos lugares mais inesperados, tanto no palco como fora dele. Ele ficava
muito concentrado no que todos estavam fazendo, observando, antecipando,
percebendo tudo e não dizendo nada. Em seu romance Cristo recrucilicado,
N íkos Kazantzákis, por meio da fala do ébrio capitão Fortunas, descreve Ladas,
o Avarento:

o velho Ladas? Vil, mesquinho. Nenhum pingo de dignidade. Senta-se sobre


seus tonéis de vinho, sobre seus cântaros de óleo e sobre seus sacos de farinha e
morre de fome. Ele é aquele que disse para sua mulher, uma noite em que tinha
convidados: "Mulher, vai e cozinha um ovo; seremos quatro para o jantar".
Sempre faminto. Sempre sedento, anda para lá e para cá com os pés descalços e
o traseiro de fora. E por quê? Para morrer como 11m homem rico! H.

Boudouroglou e eu discutimos o uso de velhos chinelos de palha, frequentemen-


te encontrados em barracas de mercado, e no que resultaria o tipo de caminhada
arrastando os pés. Decidimos que ele jamais usaria sapatos ou botas de couro,
pois, em caso de desgaste , não pagaria para repará-los. Certo dia, Boudouroglou
apareceu usando um velho vestido abotoado até embaixo, desbotado, com a bai-
nha cortada e um pedaço de barbante amarrado em volta da cintura. Era a repre-
sentação perfeita da minha imagem. Então, constatei que poderia me beneficiar
das habilidades imaginativas dele e o coloquei na maior quantidade possível de
cenas que consegui, mesmo quando ele não tinha nenhuma fala. Boudouroglou
tinha de se tornar a sombra agourenta, observando e esperando pela oportunida-
de de atrair ao vilarejo o criminoso Panait (Judas ), para matar o pastor virtuoso
Manolios (C risto). Foi uma lição valiosa perceber o que um ator pode dar, aceitar
sua dádiva e fazer dela algo que não havia sido previsto,

A força do sentimento do ator


E m um a circunstânc ia totalm ente diferente, a diretora Helen a Kau t-Howson e
eu est ávamos montand o a peça Victo')', de Howard Barker , na Polônia. A atriz de
cinema Danuta Stenka desem penhava o papel principal de Susan Bradshaw, e
tínhamos insta lado um piso do palco que era um buraco cheio de terra - na rea-
lidade, turfa para jardim. As atrizes caminhavam cautelosamente sobre o palco,
receosas de que as bainhas de suas saias de seda de época ficassem en lameadas
e su jas. As atrizes não estavam contentes. Todos os sapa tos e botas de salto alto

33 Níkos Kazautrikis, Christ Recruciiied. tradu ção para o inglês ele lonathan Criffin,
London : Fabcr anel Fabcr, 1962, p. 28.

220
1-

~(5 . .J 1~ 11

6.9 - Desenh os de figurino para Danul a Stcnka, em Vicl or)', de Iloward Barker

221
de época foram maravilhosamente confeccionados por um sapateiro artesão, a
partir das melhores sedas e couros, em cores maravilhosas, e estávamos pedindo
para que elas os estragassem. Havia uma preocupação justificada de que o calor
dos refletores do palco secasse a terra e ela ficasse poeirenta, afetando as cordas
vocais e as gargantas do elenco; assim, adotamos um chuveiro em forma de barra
e começamos a irrigar a turfa, fazendo-a ficar mais barrenta. Procurei mostrar
fotografias das consequências da guerra, com corpos e artefatos deixados na terra
para apodrecer, e fui recebida com certa hostilidade. Achamos que teríamos de
abandonar a ideia, que tinha parecido tão simples, quando, de repente, Danuta
Stenka, no papel da personagem que estava procurando o corpo de seu mari-
do morto, lançou-se fisicamente sobre a terra e, de modo espontâneo, começou
a cavar com as mãos, fazendo sulcos e cobrindo de sujeira seu puritano traje
branco e preto (F igur a 6.9). laqueie ato, ela aliviou completamente a tensão
que tinha se estabelecido, e, sem nenhuma das nossas complicadas explicações
intelectuais, demonstrou a força do sentimento do ator usando o material de
maneira livre e arriscada. Depois de ter feito isso, o restante do elenco percebeu
que o ato de estragar os figurinos era uma vantagem . Parecia que os pés e as bai-
nhas das atrizes pertenciam a tempos passados e desfavoráveis, e que suas cabeças
pertenciam ao presente e ao futuro . A peça é ambientada precisamente naquele
momento da história inglesa. Aquela reação forte intuitiva é um lembrete, para
todos nós , que atores falam em termos de sentimento, e isso é algo que não deve
ser ignorado. Em geral, um sentimento e uma reação intuitiva são pontos positi-
vos para se trabalhar, de modo que o espaço cênico se torne um habitat natural
de propriedade do ator.

o ator é a ponte
Trabalhar com atores e en ten der sua disciplina é um a part e realm ent e im po rtan te
no portfólio de habilidad es de qu alquer cenógrafo. O ator sem p re é parte de um
qu ad ro maior. O probl em a é qu e o ator não consegue ver o mes mo qu ad ro qu e o
público . Para solucionar isso, o ce nógrafo e o ator deve m traba lhar em parceria, o
que significa qu e os dois lados precisam co m pree nde r o ponto de partida de ca da
um . O s ce nógrafos têm de en tender qu e um co lega nã o visual , qu e pod e nã o esta r
capac itado para olhar, mu itas vezes ac ha difícil ler desenhos e en tende r co mo
a imagem no pa pe l pod e se relacionar ao personagem qu e ele vai representar.
Freque n teme n te, m esm o os espec ializados ama ntes da arte leem os títul os an tes

222
de olhar para as pinturas em uma galeria de arte. Willi am Hogarth (1697-1794),
gran de cro nista do dia a dia londrin o do séc ulo XVII, dese nvolveu um código
gráfico em sua série sobre a vida em Londres. Nessas im agen s, cada pessoa é 11m
ator, claramente desatento de si mes mo e do caos em qu e está vivendo. I-I ogarth
é o espectador, exam inan do as diversas pequ en as ce nas, tod as acon tecendo si-
multaneamen te; seu olhar, objetivo e frio, registra tais mom entos cênicos, que
atualmente existem como um mapa que orienta os observadores contemporâneos
através das ru elas som brias e labirínti cas da Londres em briagada de gim. Hogarth
utiliza as esqu isitices, deformidades e ca racterísticas de cada ator co mo estru tu-
ra de suas com posições, be ne fician do-se da força física das figur as entrelaçadas.
Você pode desenvolver um sistema contemporâneo de notação visual que pode
ser útil para os atores nos ensaios, expondo a aparência deles em relação aos ou -
tros e no con texto do quadro cênico. Ind ep end entemente da discip lina - ópera,
dança , mús ica, drama ou cabaré -, o ator é a ponte entre o palc o e o espec tador
e, como todas as pontes, há um po nto de encontro no ce ntro.
ESPECTADORES

o GRANDE MISTÉRIO
o trabalh o do ce nógrafo só se co mpleta quand o os primeiros espec tadores ocu-
pam o teatro e chega o mom ento de torn ar públicas as sema nas de preparação
privada . Sen tados no m eio do públi co, o diretor e o ce nóg rafo podem ver se a
peça, que parecia tão precisa na privacidad e da sala de ensaio, conseg ue ser clara-
me nte en tendida. O processo de criação teatral só se co mpleta qua ndo os espec-
tadores se torn am parte do evento, e um a nova fase do trabalh o co meça quand o
a montagem passa do sub jetivo para o objetivo. A partir desse mom en to, as ideias
do texto, a pesqu isa, a cor, a co mposição, a direção e os atores são julgados pela
visão e a au dição dos espec tado res. Nas aprese ntações, toda a produ ção int egrada
pode ser vista de ma ne ira crítica e distinta cada vez, comparando-se as reações de
um grupo de espectadores com outro. A inten ção de cada mom ento ficou clara?
A ideia teve a reação emocional esperada? O públi co foi levado ao mundo cria do
na peça? Tu do poderia ter sido mais bem posicion ado e com posto?

Q uando a peça está em plen o funcioname nto, gosto de estuda r as apresentações


o máx imo possível e, da mesma form a que nos ensaios gerais co m figur inos no
palco, sen to-me a cada noite em um a parte distinta do teatro , de modo que eu
possa real mente verificar se as teo rias fun cionam na prática. Depois do término
do perío do de pré-estreia, é muito difícil faze r modificações, mas a mudança não
é o meu ob jetivo. É principalme nte autodidatismo: tom o notas e faço desenhos
para guar dar e aplica r no próximo trab alh o. Sem dúvid a, aprendo mais do públi-
co do que de qualqu er out ra font e, não só observando me u próprio trabalh o, mas
também ven do outras montagens e sen do parte do público .
Estudando o público
Há escassez de boas discussões a respeito do trabalho. Freq uentemente, meses de
esforço sincero são tratados com alguns poucos comentários casuais, mas uma
discussão inte ligen te é o que a maioria das pessoas espera . Os críticos têm suas
próprias especia lizações e, embora oficialmen te ana lisem uma montagem, rara-
me nte incl ue m qualqu er reconh ecim ento de seu con texto mais amp lo, apesar
de, muitas vezes, compararem o passado com o presente . Eles ac ham que devem
se concentrar princi palme nte sobre o tema literário ou narrativo, explican do o
enre do para os leitores enquanto possível públ ico. Não surp ree nde o fato de que
o aspec to visual obtenha some nte um a breve me nção ou comentário e a aparên-
cia de uma produ ção seja creditada inteiram ente ao diretor. Há um vocabulário
cê nico que fala a respeito do uso do espaço , dos planos, das diagon ais e da cor.
Ele é pouco ut ilizado pelos críticos teatrais. Suas descrições por escrito devem ser
capazes de refletir suas visões críticas e tamb ém de estimular os leitores a comprar
o jorn al e, esperanç osame nte, um ingresso. Não há muita coisa a ser aprendida
nessas pequ ena s colunas impr essas. Se um cenóg rafo qu iser um feedback crítico
de verdade, honesto, útil , original e isent o, então o enco ntrará de m odo objetivo
e anô nimo em um auditório com um públi co, estudan do suas reações e ouvindo
por acaso suas conversas e come ntários críticos.

Educando o público
Nos teatros come rciais de grandes cidades, é difícil ter qualquer contato direto
com o públi co, só sendo possível julgar o impacto da obra a parti r da duração dos
aplausos no final. As peças em turn ê oferece m a oportunida de ún ica de sermos
hóspedes de um a cidade e, por meio de bate-papos após o espetác ul o, nos colo-
carmos em contato direto com o públi co. Isso desen volve um a fidelidad e que es-
timulará a audi ência a continua r voltando para assistir a outras produções, dep ois
que ela se famili arizar com o espírito da companhia. O trabalh o educa tivo co m o
públi co possui benefícios mútuos. Ele pode assistir às montagen s sem ter de viajar
para as grandes cidades, e a companh ia teatral pode obter feedback direto e ser
capaz de avaliar como o espetáculo foi recebido e utili zar essa inform ação no mo-
mento de plan ejar futura s turn ês. Um program a de educação e difusão integrad o
ao trabalho da companh ia teatral, com todos os seus m embros comprome tidos
em participar de sessões e conversas de conhec ime ntos profission ais em grupo

226
ou individualmente é uma man eira importante de atrair públi cos no vos e jovens
pa ra a descoberta de uma ativid ade gru pal agrad ável. Costumava-se achar qu e a
ma gia do teatro seria de struída se os segredos fossem revelados ao público. Muito
pe lo contrário. Ele fica fascin ado ao ser adm itido nos bastidores para ob servar
co mo um a peça é visuali zada e ver as maqu etes e os de senhos. Fica enc antado
co m o proc esso, e isso influencia muito a maneira como recebe o trabalho . Ele já
terá um a no ção de envolvim ento e entendime nto. Quando, por meio de conver-
sas após o espe tác ulo, os ator es, o diretor e o cen ógrafo se reúnem com o público ,
este vê os ator es qu e acabaram de dei xar o palco em seu personagem e com o
figurino reaparec erem alguns momentos depois como pessoas comuns, em seus
trajes de rua, cansados, ma s felizes de participar daquela conversa. Subitam ente,
os pap éis se invertem, pois, dessa vez, é o público qu e deve atuar para a com pa-
nhia e fazer perguntas a respeito da montagem.

Os espectadores podem chegar com preconceitos e


emergir mudados
Ce rta noite, em uma conversa apó s a apr esentação de Soln ess, o construtor , de
Ibsen , produzida pelo English Touring Theatre, um jovem aluno de estudos tea-
trais ficou de pé. De modo hesitante e constrang ido, ele começou a falar:

Só estou interessado em teatro físico e só vejo teatro físico. Só vim assistir a essa
peça porque está no plano de estudos do meu curso. Ma s quando vi aqu ela
garota entrar pela porta, com toda a luz ch egando atrás dela, disse para mim
mesmo : há um problema aí. Então, quando vi a mulher de Soln ess en trar,
pen sei: nã o posso culpá-lo pelo fato de ela ser tão infeliz, e quem gostaria de
viver com algu ém como ela ? E, então, quando descobri qu e eles com eçaram a
vida conjugal morando na casa dos pai s dela , qu e se incendiou e seus bebês
morreram , pensei: não posso culpá-la por ser infeliz, pois ela realm ente jama is
teve uma chance.

Então, sem tomar fôlego, ele prosseguiu e resumiu todo o enredo da pe ça, dizen-
do: "só gosto realm ente de teatro físico , ma s ach ei esse espe táculo ma gnífi co ".
O jovem foi aplaudido de pé por sua atu ação, por nós no palco e pelo resto do
público.

227
o elemento ausente
o púb lico, pa ra qu em tod o o esforço de meses de trabalh o foi feito, perm an ece
um mi stéri o: um gru po de pessoas díspares qu e decidir am fazer a m esm a co isa
na m esm a noite e se reúnem em um grande espaç o cha mado teatro . Quando
ch egam , são todo s estranhos distintos, mas, em segu ndos, torn am-se um a co m u-
nidade : um públi co que os atores rapidamente descr evem com o bom ou mau, um
pouco preguiçoso esta noite, um tanto enfadonho ou realmente rápido e brilhante.
Isso oferece um nom e e uma iden tidad e a esse conceito abst rato do qual o públi-
co em si não tem consciência. Há um momento no processo de ens aios em que
os atores não conseguem fazer mai s nada com o mat erial, a não ser apresent á-lo
diante do ele me nto au sente: o público. Tão há fórmula infalív el de como agradar
uma plateia, em bora existam muitas teorias. A solução de Shakespear e foi ter um
personagem qu e apa recia no fim da peça co m UIll epílogo em qu e tod os eram soli-
citados a apl audir. Algumas pessoas são mais cí nicas em relação ao público .

o escritor austríaco Thornas Bernhard , por exem plo, também pessimi sta a respei-
to do valor do aplauso do público , descreveu em seu po em a "L e But ":

As pessoas não entendem nada, mas aplaudirão até a morte; se tiverem vontade
de aplaudir, aplaudirão as coisas mais absurdas; aplaudiriam até mesmo seus
próprios funerais; aplaudem todas as bofetadas que recebem; uma bofetada as
atinge da ribalta e elas aplaudem; não há perversidade maior que a perversida-
de do público teatral" .

O s atores precisam ser m uito receptivos e co nscientes e estar pron tos para reagir
ao público, qu e se co m por ta de man eira difer en te todas as noites. O público é vo-
lát il, imprevisível, presente; respira o me smo ar dos ato res. Pode ser influenciado
adv ersam ente pelo tempo, pe lo trânsito ou por muitas outras condi çõ es pessoais
exte rnas sobre a qual a com pan h ia teatral não tem co ntrole. Há sem pre uma sen-
sação de tensão e excitação no s doi s lado s do espaço cê nico, e uma an siedade por
parte do público quando ele se pergunta se a noite qu e sacrificou vai corresponder
a suas expectativas. Quando funciona , e públi co e ator se ligam atrav és da linha
divisória do palco para a pla teia e vice-versa, ambos se tornam um, e os dois lado s
sabe m disso. O espe tác ulo converte-se em um a expe riência úni ca e ine squ ecível.

H Tradu ção da autora do texto em francês do programa do T h éâtre du Co in.

22 8
Quand o realmente fun cion a, os ator es e a equipe de produção sabe m qu e entra-
ram em co ntato com espectadores an ônimos e, no tempo dramático da apresenta-
ção, chega ram a conhecê-los e a afetá-los de um a maneira qu e só pod e aco ntece r
quando o públi co receb e a d ádiva de um a apresentação teatral ao vivo.

Criando as condições para a concentração


Esse é o momento em que toda a análi se do espaço, a preparação do texto, a pes-
qui sa de fund o, a tradu ção da visão em um a com posição cê nica expressiva e a apre-
sentação dos atores no sentido da montagem passam ao prim eiro plan o: a interação
com o públ ico. O teste para o ce nóg rafo é ver se toda a preparação ficou em equi-
líbrio e se os espec tadores entendera m a visão e a inten ção da produ ção. Há alguns
passos mu ito práticos a serem seguidos. Se os espec tado res não consegue m ver, não
conseguirão escutar. Muita coisa depen de da capacidade de ver os rostos dos atores
e segui r a linh a de visão do ator. Se o público não con seguir ver nem ouvir, perderá
a concentração e, em pou co tempo, ficará inqui eto . Vai tossir, resmungar, folh ear
o program a e querer saber o que está sendo dito . Desde o início, a área cê nica
precisa ser plan ejada do ponto de vista dos espectadores (Figura 7.1). O s program as
de com putador 3D que con seguem modelar todo o palco , em planta e elevação,
com as linh as de visão traçadas. tornaram isso um a pr ática muito fácil. No enta nto,
quan do faço um trabalh o em 3D, ainda preciso criar, para mim , um a manifestação
física da inform ação do com putador. Incorporo um sistema de observar a maquete
do pon to de vista dos espectado res, o qu e é algo difícil, pois o olho human o não
se reduz prop orcionalmente à medição de um tam anho 25 vezes menor que o da
vida real. Sempre faço as prim eiras filas do teatro em escala, utili zando figuras
sentadas para mar car os assentos das extremidades. Então, con struo com madeira
ou metal fino uma máquina de linha de visão, ou seja, uma construç ão geom étrica
qu e repr esent a as linhas de visão a partir de todos os assentos extremos do audit ório,
incluindo a galeria e o balc ão. Pinto-os com cores diferentes para pod er identificar
qual é qual e posso testar as ideias na maqu ete, coloca ndo a máquina de linha de
visão diant e dela e a observand o da distância correta. Se, como ocasiona lme nte
aco ntece, decidirmos que o espaço no palco é muito limit ado para a ação, pode-
remos então tomar a deci são de convencer a administração do teatro que alguns
assentos não devem ser vendidos. É melhor ter menos assento s com boas linh as
de visão e um público atento do que tentar vender todos os assento s e ter alguns
espectadores que não conseguem ver o espetáculo.
7.1- Croqui da linha de visão para o Festival de 'Ieatro de C h íches ter

Tomando cuidado para a preparação


Esse cu idado e respeito em relação ao espec tador, para qu e ele receb a só o
melh or, foi, em grande medid a, um a marca do trabalh o de Caspa r Ne he r co m
Be rtolt Brccht, e a fonte de admiração de Brecht em relação ao am igo e co lega
de trab alh o. Aprendi isso diret am ent e quand o o Berlin er Ense mble se apresen -
tou no Old Vic Th eatre, em Londres, em 1965, Eu era um a ce nóg rafa nova-
ta apesar dos cin co anos de expe riênc ia. Ofereci-m e par a a juda r a co m panh ia
como assistente. C omo muitas outras pessoas, maravilh ei-me quando dois gran-
des cam in hões de mudan ça estacionaram na plataforma de desembarque do
tea tro do séc ulo XIX. Em segu ida, os ce ná rios das peças foram descarr egad os,
todos prodigiosam ente acondicionados em um dos cam in hões. Como em um
filme de gângsteres, o outro ca min hão esta va totalm ente apin hado de técn icos,
trajad os com macacões az uis ado rna dos co m o logotipo do Berlin er Ense m ble;
havia u ma co r para aque les qu e trab alh avam do lado esque rdo do palc o, e lim a
co r diferent e para aque les qu e trabalhavam no lad o direito. Jamai s tính am os
visto lim a organização tecnol ógica dessa esca la no teatro e, na époc a, pareceu
o áp ice da perfeição, a qu e todo s nós dever íam os aspirar. Fui esco lhi da po r
Hel en e Weigel (mulhe r de Brecht e a famo sa Mã e Co ragem) para ajudar a pen -
durar a exposição de desenhos do cenógrafo Karl von App en , cu jos trabalhos,
junto com aque les do muito distinto Caspa r Ne he r, haviam influen ciad o min ha
carreira artística. O qu e apren di desse enco ntro foi o processo cu idadoso e det a-
lhado da prepara ção qu e é necessári a par a deixar tudo perfeito para o público,
como \ Veigel disse repet idas vezes para mim . Impaciente para ver os be los dese-
nhos co loridos, quis pendurá-los na par ed e, ac ha ndo qu e pod eri am ser e ndirei-
tad os qu and o estivessem tod os no Iugar. M as aque le não e ra o estilo do Berlin er
Ensemble. Pri meiro, os desenh os tinham de ser coloca dos sobre o chão, co m os
espaços corretos en tre eles. An tes que qu alquer outra co isa pud esse aco ntecer,
tinham de se r inspecion ad os pela pr ópri a Weigel, pois ningu ém mais pod eria
dar a autorização de avança r para o próxim o estágio, qu e e ra cha ma do de a mar-
cação do ponto onde o prego será batido. M arquei os pontos sob a supervisão de
três ad m inistrado res. Os pontos mar cado s a lápi s eram insp ecion ad os, alte rados
e aprovados, e os pregos (co m aprovação da qu alid ad e) podi am ser batid os até
um terço de 1 ce ntíme tro, para agua rda r ou tra inspeção. Fina lme nte, os pregos
era m pregad os na par ed e e o grande momento ch egava - não o dos desenh os
serem pendurad os, mas o de sere m e rgu idos do chão e encos tados verticalme n-
te na parede, aguarda ndo u ma inspeção final de Weigel , qu e estava, ao mesmo
temp o, ensa iando Volúmnia, de Coriolano, no palc o. O s arames nas molduras
eram ver ifica dos e ape rtados e, no final do qu ar to dia, os de senhos eram postos
no lugar. Estavam pe rfeitos e não prec isavam de alteração. Apre ndi u ma lição
im portante. A prep aração é tud o, e nad a representa um grande probl em a para
a apresentação da perfeição ao espectado r, qu e não precisa sabe r do esforço
envolvido, mas que deve receber a me lhor c ha nce possível de ver o que deve
ser exibido.

Posteriormente, Weige lme deu um livro de dese n hos de Tadeusz Kul isiewicz,
artis ta gráfico polon ês, registrand o a atuação de \ Veigel co mo ivlãe Coragem
na excursão do Berlin er pel a Polôni a. Esse livr o é o m eu tesouro mai s pr ecio-
so, e me in sp irou a registra r e desenhar os atores em prepar ação e em e nsaio.
Weigel não apenas m e deu o livro , mas, vendo qu e e u era jove m e tin ha mu ita
von tade de ap re nde r, trouxe-me a blusa qu e llSOU e m A mãe e o casaco qu e
usou como Mãe Coragem e, dessa ma neira, ap resentou-me à arte de Caspar
Nehe r, que tin ha m orrid o em 1962. Weigel me ofe rece u a compree nsão de
que tud o que é exibi do no teat ro de ve estar co rreto de todos os pontos de vista
- dos atores. dos espectadores, do cenógrafo e dos técnicos - e que devemos
sempre fazer perguntas a respeito do m e nor de talhe, até que todos fiquem
satis feitos. Ali estava e la, representa nd o Volú m n ia, um papel épico, mas pres -
tando a te nçã o no obj eto m ai s humilde. O m a is im po rta n te e ra formular a per-
gu n ta: "O que qu eremos qu e o espectado r entend a di sso ?". Weig el m e passou
um a blu sa e pediu para e u se n tir o tecido, e m e rev el ou que le h e r se m p re
esfregava o m at erial e n tre os dedos d e uma m an eira se ns ua l. E ra fund am ental
am ar o m at erial. Ela m e falou a resp eito do longo tempo qu e haviam pas sado
fazendo expe riê nc ias com a blu sa, poi s qu eriam qu e o p úblico entendesse
im ediat am ente sua hi stór ia , qu e n ão se ria co n tada n o palco . Tempos depois,
li essa d escri ção, que co rres po n de palavra por pal avr a ao qu e \Vei gel di sse para
mim e jamai s esqueci :

[A blu sa] era para ser azul, ma s azul como calic õ que foi para lavar centena s
de vezes. Outrora, tinha tido um padrão? Ainda era visível? Tinha um tom
de azul ou cin za ? Paim [o tintureiro] fez testes e manipulou a blu sa atra vés
de todo s os estágios conc ebív eis. Luxo com material não luxuoso . No fim, foi
a blusa mais bonita da história teatral.

As ve zes, as coisas mai s sim ples são as mais in esqu ecíve is: belas porqu e são
verdadeiras. Quando esse c ur to aprendi zado c hego u ao fim , H el en e \Vei gel
di sse par a e u m e lembrar de qu e a "c riação e n volve torn ar d eci sões, e tom ar
d eci sões é o refl exo d e uma visão pessoal " .

Uma aventura conjunta


A co nc lusão dessa filosofi a é fazer os espec ta do res se se n ti re m es timados e
co ns cie n tes da importânci a d e ca da pequeno detalh e na composição qu e foi
pr eparada co m tanto amor e cuidado .

O s cenóg rafos vive m na corda bamba: estão e n tre se re m bon s cola b o ra d o res ,
capazes de compartilhar e endossar as visõe s de outras pes soa s, e , ao m esmo
tempo , manter em control e de su a pr ópria c riatividade . Normalm ente , essa
fru stra ção se con centra m ai s vigo rosa me n te sob re com o a peça d ev eri a se r
montada e apresentad a para engajar um p úbli co co n te m po râ n eo. Em geral ,
um diretor voltado ao lit er ári o , m esmo qu e visualmente con sciente , es tá in-
ter essad o principalm ente e m es cala r bem o e le nco e realizar uma bo a pro-
dução . Um ce n óg rafo espacialm ente co nsc ie n te pod e se perguntar como um
bom ele nco e urn a boa produ ção pod em se r a in da mai s a prim o rad os p elo es-
paço cênico , util izand o o públi co como co m po ne n te visua l no pr oj et o. Uma
da s atrações de um espaço teatr al não co nve nciona l é qu e isso u ne atores e
especta do res em u m a ave n tura e explo ração co n ju nta do espaço . Os espec ta -
dores parecem dispostos a se ave n tura r par a assistir a montagen s no s espaços
mais dista ntes e in comu ns, deslocand o-se par a pedreir as, pi scinas e m su búr -
bios , hangares de aviões, lagos e ilh as. Os espec ta dores e os atores to rn am-se
parte do pla no ce nog ráfico, em um espaço cênico fluid o, sem um ponto de
vista fixo, co m u m teatr o de palc o ita liano . E m ce rto m om ent o, os espec ta do -
res podem se ve r em íntima proxim id ad e física co m os atores e, no mome nto
segu in te, bas tan te distantes. E les deve m aceita r qu e, nesse tip o de teat ro , não
vão necessa riame nte ver tud o, no mesmo n ível, o te m po todo . Rap ida m en te ,
aprendem a não espe rar qu e ca da de ta lhe da hi stória se ja ilus trado par a ele s,
e tam pouco que o palco se ja pr ee nch id o com a evi dênc ia op ressiva de um
gra nde orçamen to de prod ução, m as são cap turados por u m a sensação do
eve n to ou da ocas ião e pel a expec tativa de um a n ova experiê ncia . Isso não é
m elhor ou preferíve l qu e u m bom teatr o, aprese n ta do em um palc o ita liano,
mas im põe u m desafio para que as mon tage ns co rres ponda m às expecta tiva s
sem pre renovadas do públ ico.

Um narrador visual
In depe nd ente m ente da forma de teat ro escolh ida co m o ade qua da para a
pe ça, ela deve a juda r os espec ta do res a se conce ntrare m n o texto, sobre tudo
se tiverem a c ha nce de assisti r a um trab alh o novo ou estran ho. A form a e m
si é capaz de se torn ar part e da estru tura dr am áti ca e, às vezes, isso po de pro-
porciona r soluções alte rna tivas par a e ncenar peças qu e for am an ter io rmen te
classificadas como probl em áti cas. Ocas iona lmen te, gos to de espec ula r a res-
pei to de pro jetos, sem as restr ições e ans ie da des das produ ções rea is. Te n to
perceber se ex iste m m anei ras de rep en sar aque las su pos ições, e m especial se,
apa ren temen te, a peça pr e cisa ter um públi co muito m a ior. Gosto de inves ti-
gar, na privacida de do ate liê, as po ssib ilid ad es de un ir o públ ico e os atores em
um espaço, co ncen tra ndo o olha r daqu el e e m um eve n to, só para su rpree ndê-
-lo ao cr iar ou tra ce na, desp er cebid a, que levar á a hi stóri a ava nte de m an eiras
ta lvez ines pe radas . Esto u inter essad a em co mo a ce nogra fia se torna o na rra-
dor visua l, e o ce nógrafo, o ca rtógra fo do espaço, e em qu ão rap ida men te o
público pod e apre n der as regras do jogo e o qu e se espe ra del as.
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7.2 - Desenho da ap resen tação de Apocalipse 1.11 , no C uarte l San C arlos, e m Ca racas

Perigo
Refleti a respeito desse tema como espec tadora ao ver o Teatro da Verti gem , do
Brasil, apresentar sua peça Apocalipse 1.11 no C ua rtel San C arlo s, em Caracas.
Era uma visão extraordiná ria. C ent en as de pessoas grita ndo , brigando e protes-
tando para entrar na prisão de San C arlos: um a horripil ant e construção do séc ulo
>-'\1111 , de onde, em tempos passado s, ce ntenas de prision eiros se esforçava m para
fugir. De fato, era o espaç o mai s ic ônico em qu e eu já tinh a estado. Ironi cam ente,
exigia-se cond ução com gu ia para se chega r até o local, e a com pra do ingresso só
torn ava a entrada mais desejável. Todo s alme javam a expe riênc ia do enca rce ra-
mento temporário. Ge radores importados permitiam a iluminação do prédio , que
normalmente não tinh a eletricidade , suavizando seu perfil opressivo e dilapidado
contra o cé u noturno e criando uma atmos fera sedutora e rom ânti ca naquela casa
do horror. Os privilegiado s donos de ingresso entravam passando por gua rdas e ca-
cho rros em um p átio. Então, viam uma garota fran zina sentada sobre a cumeeira
do telh ado, desatenta à multidão expec ta nte abaixo. Lentam ente, as apa vorant es
port as de entrada era m abert as, e nós, os espec tadores , nos torn ávam os parte da
história, sendo conduz idos a um espaço qu e jam ais veríamos em outra situação,
que fora preparado de modo enge nhoso e hábil para nós. Uma vez no espaço,
estávamos no mundo compa rtilhado do ator e do espectador, pa rticipa ndo de um
jogo em que não co nhecíamos as regras com antecedênc ia, mas, ao comprar o
ingresso, tín ha mos esco lhido jogá-lo.
É um jogo peri goso, física e em oc iona lme n te. I ós, os espec tado res, devem os
ser ativos. I ão há esca pa tória. É impossível recostarmos em assentos de veludo
vermel ho e , durante momentos int ermináveis, devanear ou dormir, despertando
alg um tempo dep ois tend o perdido muita co isa. Naqueles espaç os confinados,
os atores ficam tão próxim os de nós fisicam ente qu e nos tornamos part e da ação
observada pelos ou tros espectadores. ossos direitos foram tirad os e devemos agi r
como somos co ma ndados.

Isso traz de volta para a discu ssão teatral o conceito de peri go; ou se ja, o ator com o
um se r imprevisível e extravagan te ca paz de manipulação física e m ental. Nós
nos des locamos pelo espaço de m od o dócil e passivo, su b juga dos pela von tade
dominan te dos nossos sen ho res temporári os. Uma rota foi pr ep arad a para nós e,
como prisioneiros, apren demos com rapi dez as regras básicas de sobrevivência.
O ator é o che fe, e a prim eira co isa será sair do cam in ho se estivermos situa dos
involuntari am ente onde o ator precisa estar. Abrimos ca m in ho par a um gru po
de atores nu s, co rre ndo no m eio de espectadores parados; e, mil agrosam ent e ,
isso fu nc iona (Figur a 7.2). O s ca m in hos apa rece m, os espaços se alargam e se
reduzem, como gotas de óleo Autu ando sob re a água. A Auidez do espaço sempre
renovado substi tui o dese nvo lvimen to textu al, literár io ou narr ativo com o qua l
estamos acos tu ma dos no espaç o teatral , dividid o e conve nciona l. Há muito pou co
desenvolvim ento psicol ógico ou de ca ráter en tre os person agen s, pois esse teatro
de evento exige um tipo de periormance expositiva , de máximo volume. Um a
forma distinta de temporal idad e é aprese n tada: uma em qu e o passado e o pre-
sente são reun idos de u m a man eir a provocativa e desafiad ora, que é a reali dad e
do momento. Não há h u mo r nem alívio. Pensei a respeito da máxi ma de Bertolt
Brec ht de qu e "u m teat ro em qu e não se ri é um teat ro para se rir"" , e repri mi o
dese jo el e rir an te o ridícul o do even to.

No entanto, co mo os an tigos teat ros de fant och es Punch and [udy ou Le Grand
G uig no l, essas perlormances em ble má ticas falam aos pen sam entos mais profun-
dos em nós, prisione iros sile nc iosos e ate ntos, efe tivando e co nc ret iza ndo nossas
imagens de son hos e fantasias de ma ne ira sur p ree nde n te . O som e a luz se tor-
nam os m eios ce nográficos qu e anim am e nos co nd uze m atr avés do s espaços.
N ossos se n tidos visual e auditivo são m anipulados par a se co nce n tra r no s obj eto s,

3; Bertolt Brecht, iVlessingkauf Dialogues, traduzi do para o inglês por [ohn Wil lett,
London: Methuen, 196, .
reai s o u co ns tru ídos, qu e tran smitem um signi fica do m et afóri co n o espaço a lé m
de sua realidad e. Fr equentem ente, a iluminação sú bita de um o b jeto co n trasta
viole n ta me n te e m escala co m a a rqu ite tura iluminad a e co n ta toda uma hi stóri a
qu e as palavras não co nsegue m tran smiti r. Nossa ate nção é a traída pel o som de
algo m ui to agitado , um rato-prisio neiro, vivo, con fina do em u ma ga iola , ten tan-
do cscapar de m an e ira desespe rada, na ex tre m idade de U III ime n so cspaço dra-
m át ico: o abando na do refeit ór io da prisão, co m se u alto tet o ar queado real çad o
co m lu z e so m bra . A manipula ção da escal a n o int eri or do es paço a rqu ite tô nico
provoca um co n fro n to e n tre o espectado r e a im agem nã o verbal , qu e desa-
fia d iret amente a per cep ção a respeito de o nde es ta mos e d o qu e e n te ndemos
da imagem. M ed iante essa inter ação de lu z e som , os seg redos do es paço são
revel ad os.

Sem representação de papel


E m sua proxim ida de e rea lida de , os a tores par ecem ser as pessoas que estão retra-
tan do de m an eir a e mble m ática , e se us traj es são versões de se u pr óprio esta do .
1 ão são m ai s pessoas no palco, m as no espaço. lt um lo ngo ca m in ho per corrido
desde o hábito de pedir aos especta dores qu e ac red ite m qu e , qu ando os at or es
vestem os figurinos, torn am-se outras pessoa s, qu e irã o fin gir qu e am a m e qu e
sofre m durante algu mas hora s, com o co n forto d e sa be r qu e estão sim ples men-
te re prese n ta ndo pap éi s e rapidam ente re to rna rão ao n or m al. M esm o qu e isso
não seja lite ral m ente verda de , n ós, os espectadores, so m os facilm ente co nven-
cidos de qu e é. D a m esma forma que no c ine ma , a realidad e da tel a par ec e
se r a realid ad e de verdade . O s ato res n os desafiam a desviar o olha r qu ando
aprese n ta m ato s sexua is reai s diante de n ós, co m tot al c onvicção e ousadia . A
ilu são só é qu ebrad a no fin al , qu ando per ceb emos qu e fomos e ngana dos . Isso
não é o aqui e agora; se rá rep etido a ma n hã , e dep ois de a m a n hã, à m ed ida que
a periormance co n tin ua a se r m old ad a e rem old ad a e m resposta aos distintos
es paços. Per c eb em os qu e só part icipamos de u m jogo e qu e fom os e nga na dos,
ac re dita n do qu e e ra rea lidade. A expe riê nc ia na pri são, por ém , fez tod os nós
per ceb ermos que a úni ca coi sa qu e ninguém no s tir a é no ssa imaginação e , se
tivemos de sofre r tudo isso para per ceb er. .. Bem , o eve n to vale u tot alm ente a
pe na e so brev ive mos ao assa lto .
7.3 - Croq ui do espaço para o púb lico e a aprese ntação de La Ce lestina

Espaço como metáfora


Nesse co ntexto, durante muitos anos, fiz expe riênc ias co m La Celestina, grande
ob ra clássica espa nhola, qu erendo sabe r como poderia ser ence na da e co mo sua
co mé dia e sua tragédia pod eriam se tornar mai s acessíveis ao público inglês. La
Celestina é co nside rada um a peça grande, difícil e ca ra de ser ence nada. É um
grande clássico espan ho l, no rma lme nte incluído co mo parte do rep ertório do
teatro naciona l, atraindo todo o apo io finan ceiro concomitan te. Quis lib ert ar a
peça de sua sufocante camisa de força de tesouro nacional e criar um a reapr esen-
tação nova, verdade ira, qu e se ben eficiasse de seu esplendor im agístico e de suas
alusões visua is.

A h istória começa e termina em um jardim murado, qu e foi co nstru ído para a


jovem e bela M elib ea por seu pai supe rprotetor. No meio, incluem-se diversas
ce nas velozes, em diferentes casas e part es da cidade, muitas das qu ais são divi-
didas com ações sim ultâneas aco ntece ndo em amb ientes tant o inte rnos qu ant o
externos. Imaginei encontrar um espaço, talvez um armazém ou um antigo pré-
dio fabril, qu e seria um retân gul o de tijolo s ou pedra s no qu al os espec tado res
poder iam sentir qu e também estão enca rce rados no jardim , qu e se torn aria o
e nvo ltó rio visual da peça. Para faci litar os d iversos momentos em que os persona-
ge ns pe rcorre m as rucs de uma casa para out ra, há u ma pa ssagem ce n tra l recobe r-
ta de tábuas, ligando d ois palc os de m ad eir a n os dois lad os. O espaço co nstrito é
uma m etáfora do regim e totalitári o do s reis ca tólicos Ferna n do e Isab el. O p ú bli-
co se se nta entre a passarela e os palcos, e m ca dei ras situadas sobre co n juntos ele-
vados, poss ib ilita n do que e le se vire e acompan he a ação em movimen to (F igura
7.3). Os atores são ca pazes de real izar ca m in ha das e m diver sas direções pelas ru as.
Quatro interi or es de casa difer entes são necess ários e e les são suge ridos por ca dc i-
ras especialmen te c riadas, ca da um a refletindo o ca ráte r, a classe soc ial c o status
de se u d on o, se ndo co locadas nos qu atro ca ntos do jard im murad o. O a tor que de -
sempenha o per sonage m d o au to r, Fernando de Rojas, é o mesmo que inte rpr e ta
o pai e deve se r capaz de falar dir et ame nt e co m o públ ico e, virando -se e dan do
alguns pa ssos, co nsegu ir esta r na próxima cena . O a rra n jo ce nográfico da ação,
no int er ior do espaço arqu ite tôn ico, dá forma à m ontagem co m o sim p les pro pó-
sito de ap rimo rar a expe riê nc ia d o público de ver essa gran de peça tragicôm ica,
provavel m e nte pe la prim ei ra vez. Na turalme n te, qu ando outros co la boradores se
juntam a essa pesqui sa e m andam ento, e la se dese nvol ve c pod e, fin al m ente, as-
su m ir o u tra form a, ma s o investimento pessoal de tempo nos es tu dos ce nográficos
jamais é perd ido , sendo fu nda me n ta l para o trab alh o c ria tivo.

Invenção cênica
A m o nt agcm venezuela na de Variaciones sobre un Concierto Barroco, do arqui-
teto e ce nógrafo Edwin E rminy, começou co m pesqui sas se melha ntes e co m
a reali zação de pequen os workshops expe rime n ta is com a tores e espec tado res,
O s arqu ite tos são en sinados a co ns ide rar o Auxo de pe ssoa s através do cspaço, o
posicion amento, a manipulaçã o e a m ovim entação do públi c o co mo parte da
invenção cê nica . Os especta dores, alhe ios ao se u import an te pap el , são trat a-
dos como fu nda me nta is para a h istóri a e, n essa co nvicção, o espaço cê nico un e
grafica me n te o doador c o rec eptor . O texto foi ada pta do do romance C oncerto
barroco, dc Ale jo Ca rpe n tie r, esc ritor c u ba no ligad o à co rre n te d o reali smo m á-
gico, se ndo uma peça de jornad a qu e se desloca no tempo, de 1704 até os dias
de ho je, e no espaço, incluindo América Latina, Espanha e Veneza, onde a his-
tó ria se interrompe, m as não termina. D esde o início, decidiu-se desenvolver o
trabalho e m um grande cspaç o vazio , onde os asse n tos poderiam se r arranjados
e rearranjad os de acordo com a co nve n iê nc ia. O espaço cên ico é d efinido por
nada mais que doze velhas por tas de m ad eira pintad as de vermel ho vivo: algu-
mas ficam deitadas sobre o piso, sob re paletes usado s, para se torn arem palcos
distin tos, e outras ficam fixada s verti calm ente em estru turas de anda im e. O local
tinha de ter basta nte espaço para os atores utili zar em toda a diagon al como um
eixo pa ra a ação da peça. A co r, um vermelho vivo, é utili zada para uni r as áreas
de assento do público com o espaço cên ico, cob rindo todos os assen tos com trajes
vermel hos: capas com elásticos, especialmen te co nfeccio nadas em um tam anho
universal para se a justa rem a ca de iras e co n juntos de assentos. o teatro vazio,
essas 350 ca de iras verm elhas lembravam , de modo sinistro, uma plat eia silenc iosa
de mu lhe res em trajes de Aam en co espe rando a tourada co meçar. As port as são
tanto en tradas como saídas. Gra nde atenção é dada à chega da do públi co ao te-
atro . As pessoas são convidadas a en trar e desempenhar seus pa pé is. O públ ico é
primeiro agrupa do na frente do teatro, mas, em vez de en trar pelo saguão, é con-
duzido através de um a port a dos fund os para áreas técni cas do teatro raramente
vistas e, em segu ida, para o auditório. No ca m in ho, os especta dores atravessam
u m co rredo r onde podem vislum brar o artifí cio do teatro , perceb endo um a ins-
talação co nstruída de ade reços e figurinos descart ad os e ped aços de ce nário de
óperas passadas, levem ente ilu m inadas. Isso tem um a aparênc ia de semiacabado
e temporá rio, mas, quando o púb lico chega m ais pe rto da entrada, a instalação se
torna m ais específica. Filas de assentos de teatro de veludo vermelho supérfluos,
com um a gaze jogada sobre eles, e iluminados por um a luz azul a partir de baixo,
apo iarn um minúscul o bar co feito de restos de madeira encontrados no chão da
oficina. Imediatam ente, os espectadores de passagem reconhecem aqu ilo co mo
um oceano. Um can to m isterioso é ouvido fraca me nte à m edid a qu e o pú blico
se aproxima em fila india na e ingressa por um a port a verme lha mantida aber ta
po r um a atriz, qu e recepcion a cada especta do r indi vidu alm ente, co mo se fosse
seu co nvidado pessoal. Isso é reali zad o no idiom a local, e o públi co fica sur preso
e enca ntado co m o esforço da atriz para falar co rre ta me nte. A an fitriã apr esenta
seus convidados U IlS aos outros, ao acaso, tom ando cu idado para não co nstrange r
aq ue les que só querem se sentar, sem participação. Nos vinte minutos reservad os
para essa entrada do público, a noção de teatro co mo cele bração é firm em en te
estabelecida, e o públi co está mais do qu e pronto para desempenhar seu pape l.
Ind ep endentem ente das previsões som brias de qu e os espe ct adores não qu erem
ser envolvidos, nos diversos países visitados, esse recurso jamais foi um probl em a
e sem pre fixou o tom para conta r um a história forte e vertiginosa co m tem as
po líticos e culturais. J o espaço cê nico diagon al , no ce ntro, há outra mo ld ura de
po rta vermelha, sem esta r presa a qu alquer su por te, co m a port a feita de peq uenas
molduras sem vidro e qu e se abr e para um pequ en o espaço cê nico vazio. Os
atores, por meio de suas ações, convence m o público de qu e a abe rtura da porta
indi ca um interior ou um exterior mediant e a direção para a qu al eles caminham .
Tudo e todos qu e ope ram o espe tác ulo - polias, co rdas, co rtinas, técni cos e con -
trarregragem - são visíveis para o públi co, qu e fica intr igado pela magia sim ples
apresentada dian te de seus olhos.

A part e final de Concierto Barroco tinha de tran srmtir um ensa io geral de


l'vIontezuma , ópe ra de Vivaldi, na casa de ópe ra de Ven eza, em 1707. Dois atores
prin cipais se sentam na plateia co mo espec tado res, em um teatro dentro do teatro,
e fazem co mentários um ao outro em voz alta a respeito da ópe ra, no auditório, qu e
é tanto o armazém real co mo o espaço teatral barroco imagin ado. Eles zom bam
do enre do absurdo e da sua ence nação. Mediant e o contato visua l e vocal co m os
atores, o públi co realm ente acredita na realid ade da casa de ópe ra. Ao lon go de
Concierto Barroco, a história é constanteme nte interrompida por dois coz inhe iros
con tem porâ ne os, qu e atua m como narr ador es na forma de apresen tadores de um
program a de culiná ria na TV. No entanto, sua coz inha televisiva é improvisada e
imagi ná ria, pois, em outra parte do espaço cê nico, há um coz inheiro de verdade
coz inha ndo comida real, criando os che iros tentadores de um tradicion al prato de
arroz e feijão qu e os atores oferecerão aos convidados do teatro ao final do espe tá-
culo. Finalmente, a anfitriã se despede desejando boa noit e a todos, e o públi co
sai por outra port a verme lha para a realid ade da noite.

Essa peça foi apresentada alterna da mente em um espaço desprezad o e ocioso,


no po rão do teatro nacion al de Ca racas; em um auditório recob erto de tábuas e
no palco de um teatro barro co, com cama rotes e balcões dourados; no claustro
de um convento; e em um grande arma zém vazio , em Londres. Para se adaptar
ao espaç o esco lh ido, a montagem pod e se expa ndir ou contrair, e precisa, por
mo tivos eco nô micos, ser apresentada para um públi co de 350 pessoas por noite.
Ind ependentem en te do espaço, os critérios são os mesmos: o teatro é um a casa e
os espec tado res são os co nvidados.

Um banquete de delícias
O público é o co nsum idor : co nsc iente e sofisticado . Para alguns, é muito envol-
vente ser um espec tador observando pessoas fingirem ser outras pessoas. Alguns

24°
espectadores se irritam qu ando um ator fala com eles. A performance ao vivo
exige um a ligaçã o direta entre o doador e o rec eptor e invad e a privacidad e pes-
soal. It o oposto do relacion am ento indi vidu ali zado a partir de um asse nto para
uma tela . Eles espe ram qu e a tecn ologia moderna este ja a seu serviço, de mo do
qu e possam participar sem esforço. Procuram m agia , enca n ta me nto, tran sform a-
ção e efeitos cê nicos qu e impression em o olha r e confor tem o espírito. Também
procuram a opo rtunidade de ser tran sportad os de suas próp rias vidas para ou tra
rea lida de por pou co tempo. Isso pod e ser alcança do m edi ante m eios elabo rados
ou sim ples. É nesse caso qu e o ce nó grafo desempenha um pap el importante.
Grandes somas de dinh eiro pod em ser gastas para imitar a realid ad e, utili zando
efeitos e ma quinaria cê nica qu e se tornem as estrelas do sliow, ou o cenógrafo
pode ut ilizar a inven ção e as ilusões de esca la para proporcion ar um banquete
de del ícias para o públi co .

o elemento ativo
Isso convida os atores e os espectadores a par ticiparem do teatro co mo ce lebra-
ção, co m música, co m ida e narr ati va, valendo-se do públi co como ele men to
ce nográfico ativo. Por um curto período de tempo , os espe ctadores se permitem
redescob rir a singe leza do jogo e da ilu são. Há um a em po lgaçã o co m pa rtilha da
entre atores e públi co no encon tro m útuo em íntima proximidad e no espaço
tea tral, e sabe-se qu e, durante algumas horas, a força da produção tran sportará
tod os do co tidiano par a a terr a da imagin ação. A convicção dos atore s conseg ue
fazer os especta do res enxergare m beleza e riqu eza onde só existem trap os. As
prod uções em esca la na tura l pod em ser c riadas do nada e, qu an d o aprese ntadas
co m tot al cre nç a, criam um teatro rico como resultado de pou cos m eios. M ais
gra nd iosas que o m aior espe tác ulo, em po lgam o públi co m edi ante sua simples
invenção. Em seu poem a "Os mestres compram barato", Brecht descr eve a arte
da cenografia:

Os cenários e os figurinos do gra nde Neher


São feitos de material barato
De madeira, trapos e cores
Ele cria a cabana do pescador basco
E a Roma Imperial.

241
ENCENAÇÃO SUSTENTÁVEL

Uma ence nação deve falar com seu públi co e provocar uma reação emocional.
Precisa estar em contato com a cultura contem porânea , mas, ao mesmo tempo,
oferece r aos espectadores a oportunidade de participar de um a expe riênc ia qu e
é singularme nte teatral. Às vezes, os produtores e os criadores teatrais declaram
que sabem, ou consegue m imaginar, o que o possível público realmente qu er, e
conce be m produções em torno dessa hip ótese. Na realid ade, isso é um mistério, e
é inde finível. São tão vastas as man eiras de se fazer fun cion ar quanto o número de
pessoas que conseguem fazer isso, e tud o o que podemos esperar é que a verdade e
a paixão pessoais se comunique m com a pequ en a parcela da popul ação qu e esco-
lh e pro curar isso por meio do ato de comprar um ingresso para o teatro . Em geral,
felizm ente há algo para todos, desde obras cláss icas, ópe ras, espetác u los circen-
ses a mu sicais e trabalhos contemporâneos . It parte da respon sabilid ad e daqueles
qu e realizam essas apr esentações conside rar objetivame nte seu produto e an alisar
aqu ilo qu e ainda faz do teatro um padrão de arte viável e duradouro.

Os espec tado res são profundamente afetados pelo espaço cên ico . A esco lha do
teat ro ou do espaço cê nico pod e ser a prim eira motivação para a compra de um
ingresso. A nova Ca sa de Ó pera, no porto de Cope nhague, é parte da renovação
do antigo estaleiro naval e foi inau gurada em 20 0 5 . Com sua arquitetura de não
poupar gastos, de Henning Larsen, e as form as naturais serpenteantes e distorcidas
da iluminação escultura l inovadora de Ol afur Eliasson no saguão do teatro , os
espectado res sentem qu e ir à casa de ópera por sua arquitetura é um motivo tão
bom qua nto ir para assistir a um a produ ção. A arqui tetura se torn a o ator. Toda a
expe riênc ia - vestir-se para a peça, come r, beb er cha mpa nhe no bar ou no terr aço
qu e oferece a melhor vista da cidade cintilando à noite - qu ase suplanta tud o o
qu e pode esta r no palco.

Forma e conteúdo em harmonia


Dep ois de algum tempo, a novidade em relação aos novos espaços decli na, e o
qu e imp ort a para os espec tado res é a forma e o conteúdo qu e são oferec idos. A
forma significa como um a peça é aprese ntada ; mu itas vezes, é um a interpret ação
do diretor ou uma criação con junta dele e do cenógrafo. Geralmen te, o conte údo
é a motivação para montar a peça. Algué m, frequ entem ente o diretor, possui uma
".~
.1
~

7.4 - "Crand Rond Balanccz", em O jardim das cerejeiras

paixão por um proj eto ou um a ideia, qu e é algo qu e os espectadores gostariam


de ver ou ouvir. A forma e o conteúdo devem estar em harmonia a fim de dar
ao público a sensação de qu e ele teve lI111a grande noite": O s cenógrafos são os
ani ma dores e os inovadores da forma, convertendo a história por trás do texto em
visão e criando o am biente para o evento. Quando entram no auditório , os espec -
tad ores têm o primeiro contato com o mundo visual ou , às vezes, o têm quando
entram no prédio do teatro, depois de deixarem a rua e entrarem em contato com
outro mundo especialm ente criado para eles. Proj et ar a expe riência inici al dos
espe cta do res e imaginar o qu e e com o vão ver é parte importante da du alid ad e
da ce nog rafia, qu e força o artista a ser, ao m esmo tempo, su b jetivo e obj etivo. 1'=
possível que o conteúdo seja bastante comum , até m edíocre, ma s é apresentado
de m an eira qu e o espectador acredite qu e experimentou algo fora de série, o qu e
indi ca um desequilíbrio entre forma e conteúdo . Também é missão dos criadores
tea trais estimular o públi co a olh ar mais além e espe rar m ais do qu e eles já viram,
a fim de demolir o confortável e o famili ar.

Em Bayreuth , no especialmente construído teatro Festspi clh au s, o diretor de


ópe ra Rich ard Wagn er (1813-1883) acreditava que tinha desen volvido a un ião

36 [ohn McCrath, A Cood N ight Out: Popular Theatre: Audi ence, C lass, and Form ,
Lonc!on : Mcthuen , 1981.
7.5 - "Eles se esqueceram de mim ", em O iardim das cereieiras

perfeit a en tre form a e conteúdo . Su as m ontagen s, revoluc ionár ias para a époc a,
influen ciaram públi co e profission ais de tod o o mu nd o. No en tan to, em pouco
tempo, Bayreuth tornou-se parte do roteiro tur ístico musical, atrain do afic ionados
por expe riênc ias ope rísticas qu e gosta m do jogo de compa rar uma expe riência in-
satisfatória com outra. As pesadas produ ções co ncei tua is wagne rianas , dominadas
pelo dir etor , muitas vezes oprim iam os ca n tores e os músicos, co mo o com positor
co n temporâ neo C la ude Debussy (1862-1918) co me ntou: "O que ac háva mos qu e
era uma nova alvorada era de fato um ocaso".

"Vida real" refletida?


Os espec tadores perspicazes aca ba m perceb end o qu e o plat du jour real, qu e provo-
ca e excita, não é o local nem a forma, mas o conteúdo. Os espe ctadores possuem
diversas opções para sua pequ en a disponibilidad e de tempo e dinh eiro e, de modo
esperançoso, suas expe riênc ias serão tão gratifican tes qu e op tarão por fazer outra vi-
sita. A equ ipe criativa dedica muito tempo no iníc io do pro jeto investigando a form a
co mo a peça será apresen tada, espe rando se conec tar co m os in teresses corren tes e
satisfaze r as expecta tivas cada vez mais sofisticadas dos espec tado res. N os últimos
anos, as peças, as ópe ras e até m esmo os musicais estiveram revisitando e reinven-
tando o realismo teatral, acreditando qu e o público qu er ver a realid ad e das suas
vidas refle tida no palco. O tran sporte da vida real para o palc o não é um co ncei to
novo. Em 1911, o diretor Il erb ert Beerb ohm Tree rem ontou Sonho de lima noite de
verão, de Shak cspeare, que enceno u origin alm ent e em 1900 , quando introduziu
o realism o pictórico para o público por m eio do uso de árvores reais no palc o. I a
remon tage m, ele foi mais lon ge, adiciona ndo coe lhos vivos, qu e co rriam pelo bos-
qu e seduzidos pelos rastos oc ultos da ração coloca da sobre o palc o. Beerb ohm Tree
estava só desenvolvendo os quad ros cê nicos já requeridos pelos dramas de realidade
doméstica da década de 186 0, do dramaturgo Tom Robertson , conh ecido s como
peças de xícara e pires. O s espec tado res podiam ob servar fascin ado s refeições reais
sendo preparadas no palco, exatam ente co mo eram em seus lares, e maravilharem-
-se co m a exatidão da reprodução dentro de um espaço totalmente artificial. As
pared es não eram reais, ma s telas pintadas habilmente em per specti va com um a
jan ela ima ginada ou font es de lu z iluminando a arqu itetur a e os obj etos do espaço.
Maçane tas de port a e trin cos de jane la rea is eram fixados em ripas de ma de ira,
escondidas atrás da supe rfície plan a da tela, criando som bras reais e um a terceira
dime nsão, torn ando indistintos os limit es en tre o real e o irreal.

M esm o hoje , há exem plos sim ilares dessa realid ad e importad a, com o em um
evento recente em um grande teatro , co m um palco co m pro scêni o prolongad o
on de os especta do res se sen tam nos três lad os do palc o. Ouviram-se suspiros de
júb ilo e espa n to qu ando o públi co en trou no teatro e o quadro cê n ico foi atmosfe-
ricam ente iluminado diante deles. Um a casa de campo vitoriana com um terra ço
qu e levava a um gramado real e a uma lagoa real com <igu a real. Muitos do s espec -
tado res ca m in ha ram até a frente do palco para exam inar mais de pert o. Algu ns até
subi ram no palco, caminhando sobre a gram a, pois era claram ente um territ ório
muito familiar. Eles se maravilharam com o reali smo - "exatame n te com o temos
em casa", alguns disseram - , e , em bora alguns espe cta dores talve z tivessem ficado
ligeiram ente decep cion ado s co m as m argarid as de plástico, ace itaram-nas co mo
"tão reais quan to possível para o teatro". Perc eb eram o qu e viram como real , m as
também ace ita ram a lin gua gem cên ica especial na qual as árvores e as casas vi-
torianas era m feitas de gaz e e madeira pintada. Conseguiam enxergar atrav és da
casa semi tran sparente de gaze pintad a com tijolo s vermelhos, ma s ainda a consi-
deravam rea l, em bo ra sou besse m claramente qu e não era. Para agrega r a essa int e-
ração en tre palc o e realid ad e real, o person agem morto da peça, o fantasm a de u m
vigário, apa rec ia só sobre o gram ado real, enqua n to os per son agens vivos apa re-
cia m some nte no int eri or da realidade teatr al referente à casa e às árvores em gaze .
No fina l ela tempo rad a ele qu atro sema nas ela peça, o int er esse elos especta elores
pe lo espe tác u lo ela rea lida ele no palco tinha sielo tão granele qu e a ad m inistração
decidiu que, em vez ele jogar fora a grama real , poderia, de repente, organizar uma
ação ambie n ta lm e nt e consciente e dar superfícies ele cená rio real para as pessoas
co locare m e m seus jardins, co mo lembran ças vivas de sua expe riênc ia na peça.
Di vul go u-se u m a da ta pa ra a en trega e uma fila enorme se formou fora elo teatro,
com espectado res ávidos para transplantar uma forma de rea lidade para outra. E é
essa ide ia ele tran splantar uma rea lida de para ou tra qu e é a essê nc ia do deb at e da
rea lida de. O pin tor M arc C haga lI (1887-1985) retratou sua realid ad e im agin ad a do
vilarejo de Vitebsk, na Bielorr ússia, que, de fato, era destituído das cores ou ima-
ge ns agora imortalizadas em suas p in turas. ChagalI transportava o mundo real em
sua m ente, m as e ra ca paz de exte rna lizá-Io por m eio de tinta e co r. Atu alm ente,
os observa dores leern essa tran sposição co mo reali dad e, e as image ns fam iliares se
tornaram pa rte da iconografia cenográfica.

A imaginação do público
Os espectadores são muito in flue nc iados pelo qu e vee m n o teatro e também
pel o qu e ouve m. Quando os a rtistas teat rais, liter ários o u visua is trab alha m para
construi r um mundo verossímil pa ra os atores contarem suas histórias aos espec-
tadores, esses artistas deve m considerar exa ta men te que tip o de reali da de dese-
jam cr iar. Precisam escolher ob jetos, co res e texturas qu e comu nicarão a hi stóri a
da peça para os especta dores, qu e identifi ca rão a intenção e reagir ão a ela. No
entanto, para ser real m en te poderosa, a justaposição ele objetos rea listas ou ver-
dadeiros no espaço cê nico sem pre precisa ela adição da imaginação do públ ico
par a co mple tar o qu adro. A im aginação, co mo os sonhos, fornece ma is det alh es
ela rea lidade ela viela do que qualqu e r pincel elo pin tor cênico. Considerando a
cr iação de u ma noção de rea lidade como con texto para a peça teatral, a escolha é
reali zar uma rep rodução artificial qu e represen ta a rea lida de ou inves tiga r co mo
acha r a essê nc ia do ob jeto rea l e, em segu ida, os meios apropriados pel os quais
interpretá-Ia. Um objeto, quando tira do de seu contexto normal e reaprese ntaelo
ou até mesmo transformado pelo ar tista, ad qu ire u m a nova vida e pod e per m itir
qu e os especta do res ve jam algo fam iliar co mo se fosse a pr im eir a vez . Além disso,
ao posiciona r o ob jeto de modo po ten te pa ra que se ja ú til para o texto e para o
ator, o espaço "azia também se torna po tente e pleno de significado. Torna-se
tant o o que NÃO está ali co mo o qu e EST I\ ali.
Memória e reconhecimento
o trab alh o co m a m emóri a e o reconh ecim ento é uma man eira de atingir os
espectadores de modo bas ta n te dire to. Geralmen te, a m em ó ria não é m ais do
que uma verdade recordada pela metade. Pod e parece r mais real que a realidade.
Ao m esm o tempo, a m emór ia está co nsta n te men te no passad o e no pr esente. É
a base para h istórias, anedotas e co m un icações en tre as pessoas. Con forme enve-
lhecemos, a memória de curto prazo - aquilo que aconteceu o ntem - torna-se
uma fug itiva escorregad ia; a m em óri a de lon go pra zo, no e n ta n to, torn a-se u m a
sólida companheira de vida . Objetos, co res, texturas e c heiros ativam as memó-
rias e, às vezes, o fazem de maneira tão intensa qu e u m a pequena sugestão pode
ac iona r um mundo co m ple to de lembran ças qu e parecem tão reais co mo no m o-
mento em que aconteceram . A escolha, a seleção e a co locação dos objetos em
um espaço de forma a estimu lar a memória do espectador é, e m grande medida,
part e da a rte do ce nógrafo. O trab alh o co m o reconhecim ento da co m posição
das imagens visuais é o u tra m a nei ra de ut iliza r a tin ta sobre a te la . Como nos
sonhos, nos quais a real idade é intensi ficada, os ob jetos da memória podem ser
justap ostos, remo nt ad os ou descon strufdos par a par ecer m ais exa tos o u m ais reais
do que o evento verda deiro. O ce nógrafo pod e criar um mundo eclético de ide ias
associadas mediante a utilização de objetos que , quand o jun ta dos, formam sua
nova e próp ria real idad e poética .

Krystian Lupa, direto r, escrito r e pi n tor polon ês" , é u m poet a do espaço.


Emprega ndo im age ns de m emóri as de sua infân cia, cria, por m eio de suas co m -
posições cênicas, uma terra incógnita o nde espaços sobrepostos se reve lam e se
desdobram em sincronia co m a co ns trução textu al. As image ns visuais de Lupa,
m u ito be m desenhad as, são co mo uma orquestra com ca n to res: ca da uma dep en -
den te da o u tra pa ra co m ple ta r o padrão de a rte. Seu s ce ná rios m óveis vale m-se de
tecnologia sofisticada, mas oc u lta, que sem pre satisfaz e facilita a poesia elus iva
dos textos qu e ele escolhe par a an imar. A partir de suas observações pessoais re-
gistra das em seus ca de rnos de desenho , ele con struiu um a rse na l formidável de
portas, janelas e peque nos de talh es dom ésticos idiossin cr áticos qu e, em si, des-
crevem uma vida, u m a h istór ia e uma ficção qu e é ao m esm o tempo tot almente
imagina tiva e veross ím il. O trab alh o é dispendi oso, o usado e de grande esca la .
Desafia a moda e esti mula os especta dores a ca ptura r os íco nes da rea lida de em

37 Do Stary Teat r, na Crac óvia.


suas im agin ações e a via jar par a ou tro tempo e espaç o. Os evoca tivos de senhos
em bran co e pret o de Lu pa revelam qu e ele observa a real idad e do pont o de vista
do espectador. Ele está sem pre do lado de (ora da jane la, olhando para den tro ,
un in do texto e visão por m eio de seu olha r sing ular.

A recente ret om ada do int er esse pe lo trabalho do pi ntor dinamar qu ês Vilh elm
Harn m ersh oi (1864- 1916) revela um a icon ografia sim ilar. O espectado r é adm i-
tid o em um recinto fechado com u m co m um mundo m ais além visto através de
port as ou con jun tos de port as duplas e qu e co n té m ainda ou tro espaço imagi-
nado, mas não visível. As co res são obsc ureci das e tê m to ns próx imos; há pouco
drama evide n te. As vezes, no escuro, há um a figura sen tada ou um objeto dom és-
tico entrevisto. As pinturas são dominad as por um person agem pr in cipal, co m
a lu z sem pre vindo do fund o da pintura para a frent e, iluminando o mi steri oso
m undo m ais além .

Usando o realismo para criar mistério


Paul a Rego, pi ntora portugu esa e brit âni ca, manipula habilmente a realidade em
gra ndes pinturas e desenhos. Ta série A casa de Ce lestina", ba seada na cl ássica
obra espa nhola de Ferna n do de Rej as, do século XV, Rego cria o m un do deses-
perad o dos despossuídos retraba lha n do o an tigo em relação à c u ltura co n te m-
porân ea . Frequentem ente, ela cria suas pinturas no ateliê como peças cêni ca s,
usando um a grande co leção de ob jetos e m óveis qu e reuniu. To das as suas pi n-
tur as confronta m e desa fiam ativa men te o espectador invisível. Garotas solitárias
fitam as pin turas co mo se estivesse m no palco. Elas estão co ngeladas em um
m omento de ang ústia ou, às vezes, de êxtase. Rego recon hece sua dívida co m
William Hogarth e não poupa na da na documentação dos det alhes da vida co ti-
diana co n tem porâ nea . Essa é a rea lida de bruta, mas total e co m ple tame n te fiel
ao rom an ce dram ático de nove horas de duração de Roja s, qu e descr eve o mundo
cruel da Espa n ha do séc u lo À'V sob a tirania da rainha Isab el e do rei Fernando .
A grande pi ntura é um a co m binação de diversos desen h os pequen os, ca da um
rep resentand o u m drama em si. As figuras estão cai ndo em distintas dir eções,
presas em uma qui etude estranha, juntas, ma s isoladas, perdidas em seus mundos
de sofrimen to e aleg ria. Colocar essas figuras e ob jetos em distintas direções, qu e

38 Paula Rego, Ce lestina '« House, New Haven : Yale Ce nt re for British Art, 20 0 2.

248
a inda fun cion am dentro de toda a composição , possibilita a extraordiná ria dinâ-
mi ca da ce na. O espectador, ou observador, pod e perc eber a pintura e ima ginar o
que está aco ntece ndo atrás de um a pared e, através de um a porta ou vislum brado
co mo reflexo em um espel ho . O s estudos para as pinturas são variações do rela-
ciona mento entre su jeito/ator e obj eto e podem ser um registro de um ensa io para
atores. Esse mundo atmosférico é resumido no pequ eno desenho 'Eva Friends,
rea lizado em 20 0 0 co mo parte da série i\ casa de Ce lestina. Uma velha está senta-
da sobre um a cade ira baixa, dirigind o o olha r para o obse rvado r. Ela está exausta,
co m o pé do endo. Perto de si, sobre uma cadeira mai s alta, um homem sexualiza-
do e estranho está sentado. Há um relacion am ento entre essas du as pessoas muito
difere ntes, mas isso não é óbvio. Ele parece ao mesm o tempo jovem e velho e tem
um olhar enigmá tico dirigido para um a direção distinta. Seu s trajes suge rem um
gosto elega nte, e seus cab elos são possivelm ente enca racolados, talvez tingidos
de loiro. A capaci dade de Rego de utili zar o realism o para criar mistérios leva o
co tidiano para outro mu nd o, um mundo que só existe na que le tempo e espaço.
Felizme nte, a pintura é mai s perman ente qu e o teatro e, ao contrário dele, fica
em domíni o públi co co mo uma realidade, e nã o como uma mem ória.

Deixando espaço para o espectador


Os artistas conseg ue m dem onstrar um a capac idade de escava r o estereó tipo fa-
mili ar ao observado r, propondo uma int erpret ação origina l. Embora não seja
classificado normalm ente como reali sta , o artista pl ástico catalão Antoni T àpies
u tiliza de mo do subversivo um a mistur a de mat eriai s reais, pó de márm ore, argi-
la, móveis quebrados e ob jetos coletados , impregnand o suas pinturas e criando
im pressões de um mundo desaparecido . T àpies observa os muros e a história qu e
eles ca rrega m, frequ entemente com as mar cas da gue rra. Escolhe objetos ban ais
e insignificantes, em butindo-os em seus muros, busca ndo um a realid ade ma is
profunda sob a supe rfície, com o um a escavaç ão geológica. Ele também trab alh a
com marcas feitas por obj eto s impressos na supe rfície e, em segu ida, remove-as,
criando decalqu es super ficiais de objetos e textura s qu e não só preservam a reali-
dade, mas tam bém a tran sform am . Essas grandes telas e esc ulturas possuem tra-
ços débeis de habitação humana e intri gam os espec tadores, levando-os a explo-
rar seu mundo misterio so. O s espec tadores têm um papel ativo a desempenhar,
obse rvando pinturas ou assistindo a um a produção teatral, pois, quan do ind ícios
precisos são forn ecidos, eles preen ch em as lacunas. O ato de de ixar espaço para o
especta dor é uma m an eir a de constru ir uma narr ati va basead a no reali sm o, sendo
u ma ligação e ntre a ar te co ntem porânea e o teat ro. A artista pop Bridget Riley
afirmou : "Um artista tem de ser real ista ou não se rá capaz de conceber nada . A
imaginação precisa ser ca ptura da pela rea lida de" .

Deixando os espectadores entrarem


A natureza cada vez mais fragmentada das nossas vidas se reflete nas instalações
em galerias, que pegam objetos cotidianos e os reconfiguram como arte recém-
-concebida. É o crossnver relativo à prática ccnogr áfica, na qual o cenário se torna
a criação de uma série de vinhetas individuais; ou seja, objetos reunidos sem uma
moldura ou borda que transmitem um relato descritivo do mundo ao qual ante-
riormente pertenciam . Normalmente. essas vinhetas contêm objetos familiares,
cotidianos, comuns, utilizados pelos personagens para propósitos diferentes em
relação aos quais eram planejados ou a como as pessoas comuns tendem a utilizá-
-los. Em O casamento, o espaço teatral fica aberto para os espectadores o dia todo.
e eles são convidados a entrar e investigar o mundo criado pelas assemblages. Não
há atores, somente a trilha sonora de suas vozes, e os sapatos que pertencem aos
personagens são deixados nos espaços que eles ocuparão durante a perionnance
noturna. Conforme os visitantes da instalação cênica investigam as vinhetas, des-
cobrem in úmeras coisas inesperadas que normalmente não veriam de se us assen-
tos. Eles veem o mundo pessoal e secreto dos personagens da ópera . Descobrem,
atr ás de um biombo, no quarto de Aga~'a, pilhas de velhas revistas de cinema
que falam a respeito de seus sonhos inalcanç áveis. Descobrem o Inundo secreto
do solteirão dissoluto Podkolyosin por meio das cartas e fotos sobre sua pentea-
deira, não visível do auditório. Os cantos privados escuros onde os criados vivem
podem ser acessados, e tudo isso chí aos espectadores um insight a respeito de um
mundo que é tanto familiar quanto estranho. i Ta instalação principal, veern uma
velha cama dobrável (encontrada abandonada em uma rua ), utilizada como varal
e apoiando um grande guarda-chuva, possivelmente de uma carruagem do século
XIX, que está claramente impedindo a entrada de chuva de um invisfvel telhado
com goteiras. Uma escada de mão de madeira e algumas tábuas (resgatadas de um
canteiro de obras) tornaram-se uma estante improvisada, expondo i\;lemories [rom
the Old Country [M e m ó rias do país de origem]. Uma tábua de passar roupa virada
para cima serve como porta da frente. Uma cama, não mais do que um colchão.
colocada sobre alguns ba ús e malas, faz os espectadores lembrarem-se de famílias

25°
que jamais chegam a desfazer suas bagagens e quc estão sempre prontas para par-
tir. Uma velha geladeira , cheia de porcelana antiga , trazia à tona a memória das
pessoas a respeito dos hábitos de seus avós. A visão minúscula dos arranha-céus de
Nova York, feitos de sacos de papel pardo , trazia à memória dos espectadores o
quão insignificante a cidade era para aquela geração de refugiados. É uma diversão
ccnogr áfica criar essas vinhetas diretamente no espaço, caçando objetos sem gastar
muito dinheiro, e entrar na vida dos personagens que o habitam. Os espectadores
gostam de ter a oportunidade de percorrer o espaço cênico e tocar os objetos, que
não perdem nada de sua magia teatral - ao contr ário, despertam nos espectadores
suas próprias memórias. Ele s têm a oportunidade de ver o mundo através dos olhos
dos personagens da ópera e identificar situações que estão incorporadas à memória
como uma velha fotografia desbotada, que parece mais real do que uma versão
digitalizada colorida. Era uma descoberta real observar diretamente que deixar os
espectadores entrarem no assim chamado mundo mágico dos bastidores só melho-
ra sua experiência de assistir às periormances subsequentes. Eles se sentiam parte
do evento, participantes familiarizados com toda a experiência, refutando o antigo
mito de que o que acontece nos bastidores é somente para os cozinheiros. O casa-
mento foi concebido para ser montado em um espaço fabril retangular, e requeria
que os espectadores olhassem primeiro em uma direção e, em seguida, fossem
capazes de se virar facilmente em seus assentos para olhar na direção oposta. Isso
destacou novamente a incompatibilidade entre o trabalho em espaços flexíveis e a
rigidez dos convencionais assentos dc poliuretano unidos cru uma arquibancada.
A pesquisa atual para o desenvolvimento de uma forma barata de assento de pape-
lão, que atende a todas as normas de scgurança requeridas, podc ser uma solução.
Esse sistema permite que os espectadores virem seus assentos individuais por meio
do próprio peso corporal, ainda que por motivos de linha de visão esses assentos
devam ser colocados em arquibancadas padrão. Há a possibilidade de que esse
assento possa ser desrnont ável e fabricado de modo tão barato que os espectadores
podem incluir seu valor no preço do ingresso e levá-lo para casa depois .

Espectador como participante


A reconsid eração do assento cê nico como parte da exper iênc ia dos espect ado-
res ainda é um território a ser plen am ente explorado. O disponível e pe rmi tido
atua lme nte é desinteressant e, desajeitad o, utilit ário e antiqua do, e não alca nço u
a realidade criativa dos criadores teatrais qu e ren ovam locais qu e absorvem os
espec tado res. A visibilid ade, a audibilidade, o co nfo rto e a segura nça são con di-
ções prévias para os co nvidados pagant es de nossas casas teatrais. Certa vez, fui a
uma apr esentação privada em um anti go clube de trabalhadores que tinh a um
palc o do século XIX em um a extrem idade, situado talvez a 1,5 m etro ac ima do
chão. Uma co leção sortida de velhos sofás e poltronas, co loca dos bem juntos,
oc upava o anti go auditório. TÓS, os especta dores, co nfortavelme nte sentados,
nos sentimos no salão privad o de alguma pessoa, aprec iando o entretenime nto
criado especialme nte para nós. O s ce nóg rafos também precisam ser inventores
e enge nhe iros das are nas temporárias para m ont agen s de esca las distint as, pois o
teatro co ntem porâne o bu sca alte rna tivas aos edifícios perm an entes, e os artistas
con ceb em eventos individuais únicos. Há um novo público com provado para essa
ab ordage m ma is informal; alguns especta dores ac ham que a expe riênc ia lh es dá
o ape tite para descobrir outra s abordage ns e, no final das co ntas, aventura r-se em
teatro s estabelec idos. Isso dá aos cen ógrafos famil iarizad os co m procedimentos .
de bastidores a cha nce de serem respo ns áveis pela visualização de todo o espaço,
no qual os espe ctadores são atores não falant es e cu ja parti cip ação ativa fech a o
círculo cen ogr áfico. A inclusão dos espec tadores na visão ge ral significa estuda r o
posicion am ent o arquitetônico do assento no espaço, recon siderand o o qu e é o as-
sento e como reunir um gru po de estranhos em um corpo que oc u pa, no mínimo,
m etade da área. Conforme a natureza do espaço cê nico evolui, a man eira pela
qual os espec tadores se senta m, ficam de pé ou se deslocam deve ser exam inada
para se enc ontrar a din âmi ca mais forte entre os dois protagoni stas do evento.

Salônica, norte da Grécia, final de junho de 2005. Em uma noite fria e vento-
sa, seiscentas pessoas subiram a encosta de uma colina escarpada na direção da
ex-prisão da cidade. Elas pagaram para entrar no lugar em que, duzentos anos
atrás, as pessoas teriam estado dispostas a pagar qualquer preço para escapar. Há
agora uma pequena praça onde os carros podem ser estacionados: antes, aquele
era o ponto de encontro dos prisioneiros prestes a ingressar naquele lugar som-
brio. Uma taverna local está ansiosa por fazer bons negócios. Os espectadores
se sentem curiosos e ansiosos. Alguns vieram por causa da ópera, outros, apenas
por causa da experiência de conhecer o interior de um edifício proibido que,
outrora, hospedara alguém que conheciam. Como não há bastidores, todos os
atores devem estar em seus lugares antes que os espectadores sejam admitidos a
algo que parecerá ser um espaço vazio. Um pátio possui tendas que servem como
camarins para os atores, um vestiário temporário, uma oficina de reparos rápi-
dos e outra tenda, mais arrumada, para uma grande quantidade de músicos que

25 2
constituem a orquestra da Romênia. O sinal é o dobre de sino da antiga igreja. Ao
seu som, as pesadas portas da prisão se abrem c os espectadores sobem degraus
perigosos, atravessam outro conjunto de portas reforçadas de metal e, finalmen-
te, percorrem uma área de tela metálica tripla enferrujada onde os prisioneiros
devem ter visto seus visitantes, sem nenhuma esperança de passar nem mesmo
uma azeitona através dos furos. Uma igrejinha antiga com uma janela quebra-
da , apoiando o campan ário, está bem trancada. Através de um pequeno vão na
janela, uma icon óstase e ícones dourados podem ser vistos, indicando sua idade.
Muros azuis descascados com delicados entalhes bizantinos de cordeiros, carnei-
ros, pássaros, abelhas, folhagem entrelaçada na pedra e o mármore espalhado no
chão estão esperando classificação. Os espectadores permanecem calados e pen-
sativos. Dobram uma esquina e veem dois antigos fogões enferrujados e grandes
panelas: relíquias da antiga cozinha ao ar livre , Não h á fonte visível de água para
lavagem. Os banheiros e a água só existem em uma das alas mais modernas da
prisão, onde uma exposição foi montada pelo Museu Kazantz ákis, de Heraclião,
em Creta, lugar de nascimento do escritor. j o intervalo, a exposição procura
explicar aos espectadores a popularidade mundial de Tlie Greek Passion e mostrar
a gênese da ópera . Os espectadores dobram uma última esquina e ingressam no
auditório: uma arquibancada com assentos, precariamente pousada sobre os anti-
gos muros, mas sem tocá-los, atendendo assim às normas de utilização referentes
a um patrimônio da humanidade pela Unesco. Os lugares não são numerados,
e aqueles fisicamente mais aptos se dirigem ao ponto mais alto da arquibancada,
que oferecc a melhor visão de todo aquele local extraordin ário. Um cheiro forte
de camomila, orégano e tomilho vem do chão abaixo do conjunto de assentos, e
uma oliveira muito pequena, brotando do que talvez fosse um poço abandonado,
conseguia impedir um passadiço central. Os espectadores indicam uns aos outros
que um dos imensos muros está coalhado de pequenos buracos para janelas, que
haviam sido, evidentemente, celas. Na frente do muro, um lance de escada de
pedra. em perigo de desmoronar, conduz ao interior escuro da torre principal
e da ameia com vista para a cidade e o mar. A ansiedade dos espectadores é
palpável e demonstra a filosofia da diretora francesa Ariane Mnouchkine, que
acredita que a experiência do público começa no momento em que ele atravessa
a porta do edifício, e não só quando ele se senta no auditório. Os músicos da
orquestra afinam os instrumentos, temerosos quc uma possível chuva os impeça
de tocar. Surpreendentemente, venta muito para junho, e os espectadores vie-
ram preparados "para Zeus, no Monte Olimpo em frente, mostrar sua ira", como
descreveu um espectador. As notas musicais sublimes da abertura da ópera de
Martin ú soaram, e o personagem um pouco embriagado do velho lobo do mar,
o capitão Fortunas, aparece de uma das pequenas portas, que ficar á associada ao
café local, e caminha para a frente do palco. Capta com seu olhar todo o público
e diz, com muita ironia: "Esse mundo é um paraíso... um paraíso". Essa ligação
muito direta entre o ator e o espectador define o tom da noite e alivia a tensão.
O capitão Fortunas convidou os espectadores para o mundo de Lycovrissi, e daí
em diante, estarão com ele nesse paraíso e se esquecerão de que estão sentados
como um grupo de espectadores em uma prisão . Esse é o poder do ator. A música
empurra a história para frente, em uma série de cenas sobrepostas que mudam
somente por meio da luz e do simples rearranjo do mobiliário. Assim, os especta-
dores não têm dificuldade de acreditar que um muro de pedra é um leito de rio
ou, em outra oportunidade , o topo de uma montanha, pois os atores tomam posse
do espaço com total confiança e autoridade. Contudo, no final de três horas, de-
pois de terem testemunhado o assassinato do pastor Manolios, ou seja, da figura
de Cristo, com base em blasfêmia, e de terem visto a falta de caridade cristã de
um grupo em relação a outro, que não tem nada e está desesperado por ajuda, os
espectadores voltam para a própria realidade. Esse é um mundo que eles conhe-
cem muitíssimo bem e, no final, estão em silêncio. Toda noite, algumas pessoas
choravam.

Criar uma obra totalmente nova, como a ópera-coral Eddi o( JV]anhood End. para
uma comunidade-alvo específica. é uma oportunidade para investigar e pesquisar
a interação entre os provedores e os receptores do evento e de pensar realmente o
impacto e o efeito da encenação proposta sobre os espectadores, Manter o públi-
co interessado e fascinado durante duas horas, sem um intervalo, não é uma ta-
refa fácil. Um triunviralo, composto de compositor, diretor de movimento e cria-
dor visual. somou suas ideias, experiências e paixões para dar vida a esse simples
poema de Kipling, Conversamos a respeito de manter os espectadores surpresos
por meio de música, luz e movimento, para fazê-los olhar para cima. para a cena
se desenrolando no alto da lenda e, em scguida, em contraste, para baixo, para a
imagem muito pequena de uma foca carregando um peixe na boca e procurando
algum lugar para colocá-lo, Estávamos trabalhando do máximo para o mínimo
e explorando os sentidos auditivo c visual. O ritmo da poesia se prestava a uma
trilha sonora de iaz: contemporâneo e imaginamos os espectadores unidos pela
música orquestral e coral em prazerosa celebração, reagindo a uma atmosfera e a
um tom preparados para eles antcs mesmo de terem entrado na tenda. Decidimos
gastar parte do nosso orçamento limitado disfarçando os assentos e revestindo-os

254
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7.6 - "Tra jes" para as cade iras, e m Eddi o( Mallhood End

com trajes confeccionados com tecidos antichamas, em diversos tons de verde e


pintados com margaridas e flores silvestres, transformando a arquibancada com
assentos de poliuretano em uma escarpa onde cresce tomilho selvagem, tal como
no antigo monte mortuário anglo-saxão existente fora do local real da capela do
século XI (Figura 1,6), Um tecido com estrelas de fibra ótica cobrira o teto da
tenda, trazendo o exterior para o interior e conduzindo na direção do momento
final, quando o fundo da tenda será erguido, revelando o céu e o mar de verdade.
este iluminado com barcos de pesca decorados e um grande coro final. Para esse
evento. tudo é estruturado para dar aos espectadores uma sensação positiva de
otimismo e alegria, e o sentimento de que eles participaram de um evento único
criado especificamente para eles e utilizando todos os recursos de nossa arte, Esse
é um projeto com ideais olímpicos,

A liberdade de uma nova cria ção também repr esenta sérios de safios tanto para os
criado res como para os espectadores. Temos a respon sabilidade de mo strar qu e
o teatro rico e bel o pod e ser realizad o sem a criação de montanhas de resíduos,
Qualquer dinheiro qu e estiver disponív el pod e ser gasto na criação de uma in-
fraestrutura boa e confortável , de modo que os espe ct adores possam sair de seu
m un do e ingressar em outro durante aqu ele cur to espaço de tempo, Desde o
sécu lo XIX, os espaç os teatrais foram co nside rados sím bolos esta tais, evidê ncias
sólidas das realizações e aspirações culturais da socieda de. Préd ios e monum entos
maravilhosos foram construí dos, criando um rico patrim ônio arqu itetônico mun-
dial desde o Amazon as até o Avon ,

Sempre haverá um lu gar para isso e para os espec tadores que gosta m da expe riên-
cia da casa de ópera. Acentua-se a sensação de bem -estar en tre aqueles qu e têm
co nd ições de co mprar u m ing resso, sendo a solução idea l para as cor po rações
en treterem os visitan tes do exterior. Atualm ente, todo s sabe m qu e o preço a pagar
por isso é alto em termos de manuten ção, calefação e do qu e pod e realmente
ser criado ali. A co nstrução cê nica co ntínua e repe titiva, que raram ent e pod e ser
reutilizad a, não representa u m bom exem plo para os espec tadores, qu e aplicada-
m en te reciclarn garrafas c jorn ais e cultivam suas própri as verduras. O s arquite-
tos, freque n teme nte os líderes em reação, co meçaram a qu estion ar a valida de e a
viabilida de de criar edifícios qu e duram para sem pre e estão fazendo expe riênc ias
com sistemas constru tivos temporário s, eficazes em termos de custo e co nsu m o
de ene rgia. Simultan eam ente, há um públi co ca da vez m aior para eve ntos tea-
trais m ais informais, qu e espel ha m um cresce n te reconhecim ento de qu e as artes
podem de sempenhar um pap el pod eroso na recuperação urbana . A vida é uma
qu estão de esco lhas qu e faze mos, e tod os os criadores teatrais, incluindo os ce-
nógrafos, devem se consc ien tizar de qu e o trab alho qu e son ha m e realizam está
sem p re à m erc ê da escolha dos espe ctadores. Atualm ente, é evide n te qu e a enor -
m e qu ant idad e de opções qu e os espec tado res têm para expe rime n ta rem novos
trab alh os está respondendo a um a dem anda clara. O s novos públi cos pro curam
produções e even tos qu e acontec em em espaços altern ativos, desde an tigos gal-
pões de locomotivas e tend as até refeitórios, hospit ais e fábri cas aba ndo na dos. A
respon sabilidade dos criado res é reali zar produções inovad ora s e susten táveis, pois
a man eira com o a obra é ence nada "afeta indubitavelm ente não só como um
espe tác ulo fala para o seu públ ico, mas também qu em é o p úblico?" .

39 C hris Wilk inson , "D rama with out Thcatre", Prospect lvlagazine. setembro dc 20 0 6 ,

6
P·7 .
"
EPILOGO

" O RGU LH E - SE D E SE R UM PROBLEMA! "40

Uma defini ção de cenografia: "trabalho colaborativo qu e cria teatro da perspec-


tiva visual" . Sem dúvida, não é um a ideia nova, mas ainda há mal-entendidos es-
pan tosos e int erpret ações equ ivocadas por part e de profissionais e co labo rado res,
algu ns dos qu ais são registrados a segu ir:

Cenogra fia é projeto de cenário?


I ão .

o som e a luz podem fazer part e da cenografia?


É claro. São fundam en tais.

Sou figurinista. Portanto, cenografia não tem nada a ver com igo.
Errado . A ce nog rafia deve co meçar co m o entendime nto do ator no espaço e,
se o ator veste algu ma coisa, o figurin o torn a-se o prim eiro ingrediente do livro
de receitas ce nog ráfico.

A cenografia ign ora o texto e só é aplicável ao teatro físico.


De jeito nenhum. Uma peça teatral pod e começar de qu alqu er coisa: um
texto, um a imagem visua l, um som, um a memória . É só uma maneira de co n-
tar u ma h istória.

A cenog rafia só [unciona em um espaço não teatral.


Por que ergue r barreiras que não existem? A criação teatral, na verdad e, deve der-
ruba r barreiras. A ce nog rafia não é mais do qu e um a abordage m de criação tea-
tral. Dessa man eira, é aplicável em todos os lugares e em todos os espaços . Não é
dogma ou fundamentalismo, mas qu estion a as práticas e as estru tu ras correntes.

40 Edith dei Ca m po, ce nóg rafa ch ilena .


A cenografia defende o fim dos diretores?
Claro que não. No entanto, pressupõe uma relação de trabalho melhor e mais
colaborativa entre ele e o artista visual. As vezes, a co nc lusão lógica é a de que
o ce nóg rafo torna-se o cria do r do eve nto tea tral e pode até co nvidar o diretor
para integrar a equipe criativa. Desconheço a existência de alguma lei contra
o fato de os cenógrafos apresentarem uma ideia e executá-la até o fim , ainda
que algumas pessoas pareçam receosas e hostis com relação a isso. Alguns ce-
nógrafos chegam à co nclusão de que provavelmen te dirigira m tantas peças
quanto pro jetaram suas cenografias e também trabalharam a respeito da voz
ou fala com os atores e acham que chegou a hora de ficarem conhecidos, de
serem reconhecidos como criadores que são e também de serem devidamente
pagos pelos do is trabalhos!

Cenógrafo é sinô nimo de ditador? E le é 11m profi ssional não colaborativo ?


Em 1902, o filósofo e jornalista austríaco Theodor I-I erzl escreveu:

Se você quiser, não será sonho. lv las se você nela quiser, então permanecerá
um sonho. Os sonhos e as ações nela estão teia amplamente separados como
muitos acreditam . Inicialmente, todos os atos dos homens foram son hos. e se
tomam sonhos novamente.

O cenógrafo son ha exata me n te como qu alquer ou tra pessoa, mas o fato é qu e,


se ele não tomar a inicia tiva de transformar o sonho em real idade, ele estar á
sempre realizando o sonho de outra pessoa. A cenografia é uma economia
mista: uma colcha de retalhos que, às vezes, significa investigar durante muito
tempo sem remuneração para fazer decolar um sonho c, outras vezes, aj udar
out ra pessoa a concretizar o son ho dela. Q uem quer que assu ma a lideran ça
possui a visão, a determinação e a vontade de fazer acontecer e não deve ter
medo da autocracia. que não é sinônimo de despotismo.

Se 11m ce nóg rafo tem lima ide ia 011 11m son ho, com o ele consegue concretizá-lo
se nela está em lima posiç ão de con trole ali autoridade em lima companhia
teatral? Qll em vai a livi-lo 011 ficar interessado?
j o início, provavelmente ninguém. É assim o tratamento normal em relação

aos artistas mais criativos. No entanto, é difícil de resistir à cena-persistência, e


se u m a ideia ou u m son ho são bem pensad os, por que não m ater ial izá-los? Em
minha opinião, o importante é deixar o trabalho ser seu portador em relação
à ideia. G eralm ente, o gesto de fazer mai s e falar menos é o mai s eficaz . Isso
exige um grande investim ento de tempo e, às vezes, de algu m dinheiro por
pa rte do sonha dor, a fim de produzir desenh os/pinturas/maqu etes ca pazes de
dem on strar fisicamente a proposta de uma maneira que excite e seduz a c, no
fim , produ za a ideia. O ato de oferecer sem perguntar é uma boa atitude para
você ser levado a sério. Invista sua paixão em pesqui sa apro priada, direcion e
sua proposta a um a área espec ífica c este ja preparad o para sofre r um a re jei-
ção, mas nun ca desista até ficar com pletame nte evide nte de qu e é impossível.
Jamai s invista toda s as suas ene rgias em uma úni ca ideia ou prop osta qu e seja
crucial em relação à sua vida artística e criativa. Por defini ção, os ce nóg rafos
precisa m ser profission ais multi tarefas, dot ad os de pe nsame nto lateral em di-
versos n íveis. Se um a id éia receb er cr íticas, outra poderá esta r em desen vol-
vime nto. Não h á limites. Algo aco ntece rá dentro de pouco tempo. Você só
precisa perseverar.

Por que precisamos ser chama dos de cenógra{os? Por qu e não de design ers de
teatro?
Amedid a qu e trabalhamos cada vez mais na aren a int ern acional, ce rta me nte
é útil ter um a descri ção mundial da nossa profissão. Quand o os arqu itetos co-
meçaram a co nstru ir novos teatro s e su bco n trata rarn consulto res técni cos es-
pecializados no assunto, eles também se descreviam co mo designers de teatro
e, mu itas vezes, design de teatro pod e esta r associad o ao edifício em vez do que
aco ntece dentro ou, frequentemente, fora dele, em um tipo distinto de espaç o.
Tam bé m é bom nos lembrarmos consta nteme nte das origens do dram a em
suas raízes gregas - sk/no-grafika -, ou se ja, a escrita ou o desenh o do espaço
cênico . Como muitas palavras co m postas, ce nografia descreve um co ncei to,
não é só um título . O design de teatro imp lica uma art e aplicada , e a ce nografia
ca rrega consigo a impli cação de qu e pod e ser uma atividad e primár ia.

Os atore s q uerem trabalhar com cenógra{os qu e sejam diretores criadores?


Mesmo se subo rdi nando à visão deles, os atores não ficariam nerrosos ou p reo-
cu pados com o {ato de os cen ôgraio » nã o sabere m o qu e estão [azendo e tran s-
[ormarem a vida de tod os rap idamen te em um in{emo?
Novamente, é um a qu estão da esco lha cor reta dos co labora do res. It um a pro-
fissão relativamente nova, e os diretor es de movimento são artistas colabora ti-
vos im portantes, ajudando a utili zar o espaço cê nic o de modo corajoso: um a
condição prévia à criação do teatro dinâm ico . De acordo com a necessidade e

259
a circuns tância, há fon oaudi ólogos, d ramaturgos, ilu minadores cênicos e desig-
ners de som e sonoplastia para apo iar os atores no confronto com os espectado-
res. É verdade qu e, quanto mais joven s, m ais atores int erdisciplinares desejarão
co labo rar, m as isso possivelmente tam bém reflet irá o tipo de pessoa qu e pagará
para vir e ver o trabalho. A reali zação do me u próprio trabalh o como criadora
também me de u a opo rtunidade de traba lhar com aqueles artis tas que mais
ad miro - ou tros ce nógrafos -, e esse tipo de co laboração, na qual os profis-
sionais falam a mesma lin guagem criativa, produ ziu alguns resultad os muito
inventivos e bem-sucedid os.

É possível ter uma performance sem atores?


É possível ter um evento sem atores, no qua l os espec tado res têm um a expe-
riên cia enge nd rada por objetos instalados. No enta nto, um m om ento pessoal
de reconh ecimento da co ndição hu man a só pode ser transm itido po r um ator
para um espec tador. As esculturas Holocaust, de Marina Abramovié, são como-
ventes, emotivas e poderosas, rela tando uma história mu ito maior do que os
ob jetos ind ividu ais reais, qu e são os co m po nentes de sua ob ra. 1 o enta nto,
não são um a perfonn an ce, ou seja, um a int eração en tre duas pessoas; um a das
qua is, o ator, sabe mais do que o espectador. Mesmo o traba lho em vídeo e
tela, mais tecnologicament e avançado, não conseguiu, até agora, produzir esse
con tato ín timo e pessoal.

Essas são algumas pergun tas frequen tes. Há muitas outras. Nos últ imos sete anos,
colocando em prática as reflexões apresen tadas neste livro, o conceito de ceno-
gra fia ficou absorvido em nosso voca bulário co mo um indicador de mud an ça,
mas a inda há problem as e, mu itas vezes, os ce nóg rafos são percebidos co mo um
problema.

Atual mente, os cenógrafos, os escritores e os animadores do espaço cê nico têm


a respo nsabilidade de enfrenta r os probl em as de ho je e alimentar as mudan ças
e as alternativas relativas ao ca min ho qu e nossa prática segu iu desde mead os do
séc ulo passado . Podemos rea lmen te justificar a imensa soma de din he iro público
ou privado gasto em ma teriais qu e, um a vez uti lizados, tornam-se não mais do
qu e refugo não rec icláve l? De fato, ninguém criou um sistema de desmo nta r, ar-
ma zen ar e reciclar qualqu er coisa ú til. O trabalh o e o custo do espaç o de ar maze-
namento não tornam isso eco nô m ico. Uma grande área ainda a ser desen volvida
co rresponde a um a forma de assentos móveis qu e con siga mudar o ponto de vista
dos espe cta dores durante o espetác ulo e reduzir, portanto, as mudanças de cena
tecnica men te com plicadas.

Desde a virada do séc ulo XX, todo s nós nos consc ientiza mos cada vez ma is de qu e
é nossa respon sabilidade indi vidu al viver e trabalhar na direção de um a sociedade
de despe rdíc io zero, se quiser mos sobreviver ao eno rme dan o que já é eviden te
em todo o mu ndo . Mesm o para os mais descontentes, isso não é mais um a ques-
tão de esco lha, mas um imp erati vo qu e até as crianç as pequ ena s são capazes de
entender. O tea tro deve fazer sua parte e, em seu int erior, o ce nóg rafo é, sem
dúvi da , a pessoa que ma is gasta dinh eiro em materiais, muitos dos qu ais têm uma
vida útil mui to cur ta. Devem ser enc on tradas estratégias alterna tivas para a cria-
ção de encenações ricas e visualm ente em polgantes qu e proporcion em ao públi-
co e aos atores u ma grande noite. Exige repe nsar co mo os espaços são ut ilizad os
e o que é posto ne les exata me nte; deve-se enxergar isso co mo um a opo rtu nidade
de lib erar um a arte qu e está se torn ando rapid am ente um a vítima das avaliações
de risco e das normas restritivas de saúde e segura nça , frequ entem ente utili zadas
para impossibilitar um even to, não para viabiliz á-lo.

Basicam ente, a lingu agem da ce nog rafia é a lin gua gem da arte, co m um vocabu-
lário co mum : fala de volumes, espaços, cores, esca las e materiais não co mo co n-
ceitos abstratos, mas co mo ca mi nhos práticos para decifrar o código d ram ático.
De mo do ativo, nós nos envolvemos com um a folh a de pap el em bran co ou co m
uma maqu ete em escala e ficamos estimulados com as possibilidad es desconh e-
cidas, muito pouco imagin áveis. Cada obra qu e realizam os é um novo desafio no
sentido de desenvolver nossa prática pessoa l e, em última aná lise, melh orar a ex-
pe riê nc ia do espec tado r. o enta nto, frequ entemente, muitas pessoas só qu erem
que façamos o qu e fizemos antes, apesa r do fato de qu e todos nós esta mos atua ndo
em um m un do em constan te tran sform ação. Esta mos abarca ndo os novos tem-
pos com trabalho reflexivo e apro priado ou esta mos continua ndo a reproduzir
a pr áti ca existente? O ce nóg rafo precisa estar nivelado co m colegas artistas qu e
estão cruza ndo fronteiras e linh as divisórias. Atualm ente, as belas-artes abarca m a
performance. As instalações em galeria se torna m perkmnan ces sem atores onde os
espec tadores são aque les qu e se deslocam pelos espaços. Os estilistas criam rou-
pas qu e se torn am mobiliário performativo . O s arquitetos não ergue m mais edi-
fícios como mo nume ntos para toda a vida . O s edifícios são proj etad os com uma
vida út il limitada, e a tem pora lidade é a atração. Atua lme nte, diversos edifícios
são descritos co mo esculturas ha bitadas por pessoas. Os espaços co loridos dos edi-
fícios de Sant iago Calatrava (1951), arquiteto espa nhol, afetam profundam ente o
com portame n to e as atitudes das pessoas, fazendo-as se sen tir m elhores. O grande
desenvolvim ento da ar te públ ica não é m ais a proví ncia do heroísm o, m as, mu itas
vezes, os even tos int erativos qu e se torn am um espe tác ulo urban o.

E m u m tem po em co nsta n te mudança, o ce nógrafo está bem situa do para con-


vert er tod as essas diversas disciplinas em um úni co padrão dr am átic o e potente
de arte, qu e inclui espec ificame n te o contato direto co m o espe cta dor. M esm o
o eve n to mais m od esto precisa co m pa rtilhar algo co m o pú blico desconhecid o.
Sem dúvi da, é o momento, co mo nunca an tes, para o artista visual do teat ro - o
ce nógrafo - ser um indutor criativo e real izar um trab alh o qu e responda ao no sso
tem po. Devem os voltar a considerar o nosso patrim ônio d ram ático e situá-lo em
espaços qu e não precisam de ce nár ios im ensos e dispe ndiosos, qu e só pod em ser
jogad os fora no final.

E m 1º de junho de 2008, o Un iversal Studios, em Los Ange les, foi destru ído por
um incêndi o. A Cl\'l\' reportou qu e todo s os ce ná rios e ob jetos cêni co s ficaram em
ruínas, e os prime iros relatos informaram qu e o incêndio co meço u nos dep ósitos
cenográ ficos. Ta lvez se ja um a profecia.

Para o cenógrafo co mo anima-


teur fina lmente responsável po r
sua própri a criaçã o: ame e esti-
mul e os atores a serem cora josos
e pe rigosos, a explorar qu alquer
espaço qu e se ja designado pa ra
o even to. Acim a de tud o, pro-
du za um trab alh o de beleza e
estética intransigente qu e colo-
qu e firm em ente a ce nog rafia
on de ela pert en ce: no mundo
da arte. E orgulh e-se de ser um
problema!
PÓS-ESCRITO

EM 2009, O QUE É CENOGRAFIA?

"É a síntese sem emendas de espaço, texto, pesqu isa, arte, at ores, diretores
e espectado res."
PMI ELA HO\\'ARD
AGRADECIMENTOS

O fereço este livro ao meu tio Henry Catoff, que m e deixou vê-lo de senhar e se-
gura r suas régu as-tê quando eu era criança . E, sobretudo, a todos os alunos qu e
encon trei no passado e aos no vos qu e agora tenho o privil égio de conhecer, em
tan tos países, e que estão sem pre dispostos e prontos a parti cip ar do s debates.

Meu agradecime n to especi al à faculdade e aos alunos da Universidade Carnegie


Mello n, em Pitt sburgh , qu e m e concederam tempo, espaço e entusiasm o para
desen volver ideias para a ence naçã o de óp era s de câmara . Ta mbém a José Carlos
Se rroni, do Espaç o Cenográfico de São Paulo, ao Teatro Castro Alves, em
Salvado r, e à Oi stat (O rganisation Int ernationale des Scénographes, T échnicien s
et Arch itec tes de Théâtre), de Taiwan , no ssa fraternidad e cenográfica mundial,
todos os qu ais parti cipam de inovadores workshop s de cenografia.

Agradeço tam bé m à minha editora Talia Rod gers e aos m eu s assisten tes editor iais
Ben Piggott e Anna C alla nde r, qu e ideali zaram a no va visão de mundo, e a todo s
os me us co legas qu e con tribuíram para isso, demonstrando qu e a pergunta ainda
não foi respondida.

Aos m eu s leitores críticos Mi ch ael Kustow e Tob y Ste ed , e, sobretud o, à minha


leitora crítica Vivien Howard , cu jos co men tários perspi cazes permearam esta
segu nda edição. A primeira edição de O que é cenografia? receb eu o apoio de
Leve rh ulme Emeritus Fellowship, bolsa à qual sou mu ito grata.

E, finalmente , para Benj amin , Lil y e Dylan , m eus netos e neta , com am or.
-
LISTA DE ILUSTRAÇOES

I. I Desenh o do Hoxton lusic HalJ 32


1.2 Desen hos para o ll'orkshop de Rondó Ada{ma 40
1.3 Desenhos de espaços autôno mos co m sofá 41-43
1.4 De senho de 'fhe Petition .45
I. 5 Um a das cadeiras a ficarem no Cy ber Rex 50
1.6 O espaç o cêni co de The Greek Passion . . 55
1.7 De senhos para Victo')', de Howard Barker 58
1.8 Eddi o(J'vlanhood End: evento em um a tenda 60
2. I Mapa da propriedad e de O jardim das cerejeiras 64-6 5
2.2 Detalhe do de senho para Behind the Creen Cuttains 70
2.3 C roqui para Border Warfare . . 72-73
2.4 Págin a do caderno de desenhos de Victo')' 8I
2.5 Cerca viva de palavras 92
3.I Desenho dos figurinos de Macbeth , Teatro Clwyd 98-99
3.2 Desenh os da escrita nos mur os de uma univer sidad e
em Salarnanca 104
3.3 Desenho da pesqui sa para padrão de azu le jo medieval 105
3.4 Desenho do figurino de Timothy West como Falstaff . .. lO6
3.5 "M inha infância, minha inocência", O jardim das cerejeiras 108
3.6 "Vamos por aqu i", O jardim das cerejeiras 108
3.7 Instalação de O casamento . 11 6-11 7
4.1 Três desenhos para 101m B TOll'n 'S Body . 131
4.2 De senh o pa ra As You Like lt 133
4.3 Croqui estrutural detalhando a composição de Ti epolo . 138
4.4 Mo saico dos per sonagens de Tlie Greek Passion 148
4.5 G aleria dos per sona gen s de O casamento 151
4.6 Festival dos Fantasma s de Ta iwan 156
5. I Colagem para a encenação de Soln ess, o construtor 158-1 59
5.2 A chegada de Percy Gimle t, lohn Brown's Body 170
5.3 D esen ho para A megera domada . . 172 -173
5.4 D esenhos do e nsaio de O jardim das cerejeiras . 174-1 75
5.5 Lin a La m braki como M ãe C oragem 179
5.6 D esenho pa ra At the End of the Earth . . 18 3
6.1 D esen hos de m odelo vivo de Albie Wood ington , em Henrique 1V 193
6.2 D esenhos do ensa io de O jardim das cerejeiras . 19 5
6.3 D esenho do co ro para Happy Birthday Brecht 197
6.4 D ese nh o de Sa ma n tha Cones para Escola de mulheres . ... 198
6.5 T rês mu lhe res de pret o: desenhos de Aline , Masha e H edda . . 199
6.6 Croquis prel im in ares para Happy Days . 205
6.7 Swan T hea tre: desenhos para Rondo, de Elgar . 207
6 .8 D esenhos de atri z co m casaco 21 7
6.9 D esenh os de figurino para Danuta Stenka, em VictoT)',
de Howard Bark er . . 221
7. 1 Croqui da lin ha de visão pa ra o Festival de Tea tro
de C h iches ter . ... 230
7.2 D esenho da aprese n tação de Apocalipse I.U . . 234
7.3 Croqui do espaço para o pú blico e a aprese ntação
de La Celestina . 23 7
7.4 "C rand Rond Balan cez", e m O jardim das cerejeiras . . 243
7.5 "Eles se esquece ram de mim ", em O jardim das cerejeiras .. . 244
7.6 "Tra jes" para as ca de iras, e m Eddi of Manhood End 255

268
ÍNDICE REMISSIVO

As pági nas qu e também aprese n ta m ilu strações estão indi cad as em azul.

A
Abramovié, Marina 260 ato res 191- 22 3
Acqua rt, André 76 co m o coro 197
Afegani stão 8, 90, 119-20 com o mensageiros do mito 208-9
A alma boa de Setsuan 139 co m o ponte 222-3
Aleman ha 188 corpos 198
Allio, Ren é 168 e concei to de peri go 235-6
altar-memória 138 e figuri nos 164-6,1 91-20 3
"Os amigos" 142 e maquet es em esca la 2 10
An da luzi a 102- 3 en te n de r 211-4
Apocalipse 1.11 234 e pesqui sa 96-7
Appen, Karl von 139-40, 230 habilidad es n ec essár ias 2 19
Appia, Ado lp he 28-9 lin gu agem performát ica 216
Espaço Rítm ico 28, 32 no espaço 4 7, 204-8
arco do pro scên io 30, 32, 4 2, 7 5 risco e responsabilidad e 2 12-3
arq uite tur a 28-35, 4 2-4, 46 , 48-9, 54-5, 69, At the End of the Earth 8
96, 105, 114, 128, 147, 177, 185, 236, Les Atrides 143, 196-7
242,24 5,26 1 Aula Veneris 111-2
como esc u ltura 26 1 au tor ia da pro d ução 189
e vestuá rio 93, 104-5
ar te em pap el 155-6 B
arte folk 132-3, 136 Bach, [ohann Sebastian 29
Ascensão e queda da cidade de Bakst, Léon 136-7, 212
Jv lahagonn)' 75 Ball ets Ru sses 136,1 4 2, 212
assen tos em teat ro 118, 2 51-2 Bark er , H oward
As You Like lt 82-3, 133 ver VictoT)'
Barragán , Lui s 153 Canetti, Elia s 82
bate-papos apó s o espetáculo 226-7 Carlos I, Rei 79-80
Bayreuth, Festspielhaus 243-4 Carlos n, Rei 79-80
Beckett, Samuel 83, 187 Carpentier, Alejo
ver também Happ)' Days; Krapp 's Last verVariaci01zes sobre um Concierto Barroco
Tape; Not I ca rros alegóricos 155
Beeth oven , Ludwig van 43 cartografia 183-4
Behind the Creen Curtains 70 Cartouch erie (Paris) 197
Belgrado: Festival Internacional de Teatro A casa de Celestina 248
(Bitef) 49 O casamento 7, 55-7,86-8, 115, 116-7,
Teatro Nacional 37-8 148-9, 151,216-7,25 0-1
Un iversidade de Artes 49-50 casas de ópera 31-2,256
Bérard, Christian 136-7 Ca stelnau, Paul 209
Berliner En semble 139-40,230-2 Ca tedral de Barcelon a 35-6
Bernhard, Th om as 228 La Celestina 68-9,89-90,104, 237-8
Bleus, Blancs, Rouges (Azuis, brancos, verme- ce mitério do East End (Lond res) 182-3
lhos) 76-8, 154-5 ce nogra fia
Bonel, Edward 75 como narradora visual 233
Border 'Narfare 7 1-4, 72-3, 128-9 definições 19-23, 257,263
Boudouroglou, Foulis 219-20 e direção 157-6 1
Brasil 188 estudo acadêmico 12 1, 186, 214
Bread an d Puppet Th eatr e (EUA) 77-8 linguagem 26 1-2;
Brecht, Bertolt 75, 188, 208-9, 230, 23 5 perguntas frequ entes 257-60
vertambém "A respeito de um pintor"; O trind ade (image m, som e lu z) 152
círculo de giz caucasiano; Coriolano; visão de mundo 19-23, 27,1 87
"Os am igos"; A alma boa de Setsuan, ver também direção
"Os mestres compram barato" ; A mãe; cenógrafo 15-8
Mãe Coragem; "Retrato do passado e Centro Cultural Rex (Doréol) 49-52, 50,110-1
do presente em um"; "Sob julgamento" Chagall, Marc 136, 246
Brook, Peter 7 1 Chardin , Jean -Baptiste-Sim éon 77, 100, 203
Burgess, [ohn 76 A lar of Apricots 134-5
"Le But " 228 Chelminski, Bogclan 80
Chopin, Fr édéric 107
c O círculo de giz caucasiano 139
cade ira/palco 215-6 colaboração 75,88-9, 115, 14 1-2, 157-62,
caderno de desenho 80-2 173-7,191,25 7-8,259
Calatrava, Santiago 262 concentrando a atenção 152
C allot, [acqu es 122 Cones, Samantha 198

270
consciênc ia crítica 135-6 ver também co laboração
constru tivismo 39, 130 diretor es: pap el 163-6, 185
contadores de h istória 36, 38 Dix, O tto 122
Copenhague 83 Dou Ciova nni 30
Casa de Ó pe ra 112,242 dram a mu sical 85
cor e co m posição 125-56,23 9 dram as de realidade doméstica 245-6
direção do olha r do espec tador 144 dram aturgia cenográfica 75, 12 1
e textura 128 The Dublin Trilogy 69
lógica da cor 142-4
sim bo lismo 197, 198-200 E
uso econômico da cor 145-6,147 écriture scénique 84-5, 162
uso emotivo da co r 126-7 Eddi o(J'vlanhood End 8,59-60,89,119,
tam anh o e esca la 154-5 153-4,1 83-4, 254-5
Coriolano 140, 23 1 Édipo n ei 218
coro como recurso 197 Édipo Tirano 196
Cottesloe Theatre (Londres) 103 Eliasson, O lafur 112, 242
County Mu seum (Hsinc hu, C h ina) 156 em que (lista de sentenças) 63,66-8
Craig, Edward Gordo n 11 , 41 , 218 end-stage 7
Creed, Mar tin 188 ver palco italiano
criatividade 181-3, 238-40 English Touring Th eatre 227
Cristo recrucihcado 53,114,1 79,219-2 0 ensaio, pro cesso de 67-8
Cuartel San Ca rlos (Ca racas) 234 sala de (co mo mu seu vivo) 96-7, 107, 194
equipe de in terpretadores 2 12-3
D Eraritjaritjaka 82
Dami ani , Lucian o 75, 163 Erminy, Edwin 238
David, Jacqu es-Loui s 77,79,95-6 esca la de co res 126-7
l\Jlarat assassinado 79 Escola de mulheres 198
Debussy, C laude 244 esc ultura pública 177-8
Delacroix, Euge ne 77 espaço 18, 27-44
Delarozie re, François 109 alte rna tivos 32-3, 256
dese nhos 63,67,9 5,96-7, 103, 14 1, 149-52, co mo "má qu ina neutra" 38-9
161,1 75,209 como metáfora 237-8
ver também figurin os, desenh os de disposição do 47, 161-2
Deutsches T heater 29 e atores 48, 204-8
Devine, George 140 e especta do res 242
Dia ghil ev, Sergei 136, 212 e som 43-4
direção 157-90 geo me tria do 27-9
arte da 177-8 mágicos 153-4
materialidade do 113 flexibilid ade 47, 54-5, 74,11 8,1 50,1 62
recicl agem 33,45-6 forma e conteúdo 242-3
Espaç o Cenográfico (São Paulo, Brasil) 214-5 fotografia 102-3, 112-3,129-30
espectadores 225-56 de lla Francesca, Piero 96
corno assisten tes 47-8, 232-4 Franço is, G uy-C laude 75, 197
como comuni dade 35,228 Frigerio, Ezio 75
corno participantes 51-2, 143-4, 241,
251-2,255-6 G
concentra ndo a atenção 152 A gaivota 199
educando 226-7 Ga rcía Lorca , Fede rico
e experiência teatral 242-4 verYetma
imaginação 246 Ga rland, Patrick 102
preconceitos 227 Geest, Henk van der 56,86, 180
Estate s Theatre (Praga) 31 Cehry, Frank 190
exposições 111-2 Georges Dandin 168-9
expresslOl1Ismo 29, 122 Getty Museurn (Los Angeles) 196
G ibson, Ian
F The Assassination of Federico García
Fallingwater (F iladélfia) 190 Lorca 102-3
fantoches 154-5, 235 Gilles de Rais 185
[eedback crítico 226 Goebbels, Heiner 82, 188
Felipe 11 da Macedônia, a tumba de (Vergina, Gógol, l ikolai 56-7,217
G récia) 177 ver também O casamento
festivais 166 Go ntcharova, Nata lia 136
Festival de Edimburgo 82 Gorcha kov, 1 ikolai 176
Festival de Teatro de C hichester 230 Goya, Francisco de 122
Festival dos Fantasmas (Taiwan) 155-6 G rana da 102-3
figurino 67 , 10 5-6, 110-2, 220-2, 254-5 Le G rand G u igno l 152, 23 5
desenhos de 97, 192-4,196,20 1,2 12 Les Grandes 1\1isêres de la Guerre (C allot) 122
e atores 165-6, 191-203, 2 17 The Great Game 8, 90
e ce nog rafia 257 The Greek Passion 7, 53,84-6, 112-5, 145-8,
Helene Weigel com 23 1-2 178-80, 219-20, 253-4
prova e confecção 200- 1 Creuze, [ean-Baptiste 96
reciclado 172 G rigoriev, Boris 142-3
roupa de baixo 200 Grotowski, Jerzy 6 1
sim bolismo da cor 197-200 G uerra Civil Inglesa 121
tecidos 201-2 Guinness, Sir Alec 100-2
H J
Hamburgische Staatsop er 209 O jardim das cerejeiras 107-8, 174-5, 195,
Hamlet 189 243-4
Harn m ershai , Vilhe lm 248 Jafa (Israel) 34
Hand spring Puppet C ornpan y 11 0 [olin Brown's Body 129-31, 169-70
I-Iandy, C harles 176 judai cas, com unidades 11 0
Happy Birthday Brecht 197
Happy Days 93-4, 203-5 K
Harri son, Ton y 187 Kafka, Fran z
Harry Ran sorn Hurn aniti es Research ver O processo
Lib rary and Museum (Universidade Kahn, Albert 114
do Texas, Austin) 212 Kantor, Tad eu sz 61
HaveI, V áclav 78 Kaut-I-Iowson, Helen a 57-8, 80, 137, 220
Hedda Cabler 41, 94-5 , I n , 198-9 Kazantz ákis, Níkos 53-5, 85-6,114,1 79
Hell erau (Aleman ha) 28 Kentridge, Willi am 188
Henrique IV (parte 11) 42-3 , 66, 193 Kilian , Adam 132-3, 134
Herb ert, [ocelyn 139-40, 187 Kiplin g, Rud yard
Her rnann , Karl- Ernst 75 ver Eddi of Manhood End
l-I erzl, T heodor 258 The Kitchen 139-40
HK 34-5 Kolalas, Sakis 146
H ogarth , William 222-3 ,248 Krapp's Last Tape 203
Hollar, V áclav 78-9, III Kulisiewicz. Tad eu sz 231
Holst, C ustav 43-4 Kwon Ok-Yon 202
Hoxton l'viusic Hall (Londres) 31-2
Hung l-Isin- Fu 156 L
Hytner, Iicholas 187 Larnbraki, Lin a 179-80
Larsen , l-Ienning 242
I Leadership in C ulture Conferen ce (2007) 187
Ibsen , I-Ienrik Leaving 78
ver Hedda Cabler; Solness, o construtor Lecoq , [acqu es 61
ilu minação 85-6,88-9, 123, 149, 167-8, 180, Lee, ~"' i ng C ho 21
21 8 Lee Byong-Boc 202-3
ilu são teatral 236 Legend Lin Dance Theater (Taipé,
im agística da arte 89-92 Taiwan ) 143-4
lon a (ilha) 99-100 Leonard o da Vin ci 109, 11 8, 190
I Went to the House But Did not Enter 82 ler uma peça 62-3
I Wish Your Wish 79-80 Lesueur, Irm ãos 96
Lichten stein , Roy 79
Lirnaur o, Cindy 149 A megera domada - Uma crônica da
linguagem 69 época 171-3
atores 194 Meireles, Cildo 148-9
ceno gráfica 122-3,1 85 M eissner, Krystyn a 57
das roupa s e materiai s 198-200 memórias 110-1
perforrn ática 216 M enclclsohn, Erich 29
Littl ewood, [oan 170-1 Mcnil Foundation (Houston) 136-7
Londre s 223 O mercador de Veneza 100-2
Lubimov, Yuri 185 "Os mestres compram barato" 241
Luís )...TVl , Rei 154 Metropolitan Opera (1 ova York) 188
Lupa , Krystian 247-8 Meyerhold, Vsevolod 136,142-3
Milosevié, Slobodan 37
M Mir ó, [oan 79, 144
Macbeth (Shakespeare) 84, 98, 99-100, 218 Petsonnage et Ciseaux 153
lvlacbeth (Verdi) 209 mise-en-scêne 161-2, 166-7, 169
Les machines de l'ile 109-10 Mn ouchkin e, Ariane 75, 143, 185, 197, 253
A mãe 231 mobiliário 39-40, 4 1-3, 87-8,115,127,
ivlãe Coragem 79, 139, 14 1, 179-80, 230-31 206-8,215
O Mahabharata 71 .loliêre
Malevich , Kazimir 144 verGeorges Dandui
manuscritos com iluminuras 132, 136 Monte Olimpo 177
mapa imaginário 62, 178 Monteverdi, Claudio
maquetes 41,46-7,57-8,126-8,133-4,1 61, Vespro del/a Beata Vergine 102
166,229 Montezllma 240
em escala 210 Morandi, Giorgio 100
maqu ete de papel-cartão branco 210 ivlorpurgo, Michael 110
máquina de linha de visão 229-30 motivos decorativos islâmicos 113
maquinistas 30 movimento de novas peças britânicas 167-8
Maria Antonieta, Rainha 154 Mozart , Wolfgang Amadeus 31
Martin ú, Bohuslav mudanças de cena 30, 167-8
verThe Greek Passion ; O casamento Munch, Edvard
massa de mod elar 145-7 A dança da vida 126-7
materialidade 112-4 Museu Albert-Kahn
McGrath , [ohn (Boulogne-Billancourt) 114
ver Border \Var{are; lohn Brown's Bod» Museu Carnavalet (Paris) 96
Mcl.eish, Kenn eth 127 Mu seu do Estado Russo (São
Medeiros, lone de 188 Petersburgo) 130,143
A megera domada 83-4, 171-3, 172 Mu seu Kazantz ákis (Heraclião, Grécia ) 253

274
museu vivo 96-7, 161, 194-6 palco transversal 58, 74, 172
mú sica 29-31,43-4, 62 papéis, permutabilidad e de 186
e texto 62 parede da mem ória 115
music halls 31 Paret, Peter
Imagined Battles - Heflections ofWar in
N EuropeanArt 121 -2
Nantcs (França) 109 Parque Ibirapuera (São Paulo, Brasil) 177-8,
Narcisse 212 190
Neher, Caspar 75, 139-42, 206,209,2 30-2, Pascal, [ulia
24 1 ver At the End of the Earth; The Petition
altura de Neher 206 peça de jorn ada 39
Neuenschwa nde r, Rivan e 79-80 Pensando a respeito de Sandy, Sandy 79
Not I 203-4 personagens
Noite de Beie 109,1 23 I inguagem dos 69
registro no quadro dos 63-7
o Pessoa, Fernando 109, 122
objetos pesquisa 93-124
da memória 247-8 colaborativa 115
descartados 87-8 criativa 94-5, 111-2
O 'Casey, Sean de campo 102-4
ver Behind the C teen Curtains; The figurin o 105
Dublin Trilogy; Within the Ca tes histórica 93-4
Ode à alegria 43 materiais 112-4, 122-3
Odéon (Paris) 33 mem órias 11 0-1
Oistat (O rganisation Intern ationale des museu vivo 96-7
Scenogra phes, Tech niciens et Architectes prim ária 109-10
de Th éâtre] 265 visual 95-6
O ld Vic Th eatre (Londres) 230 The Petition 45
Old Vic T heatre Scho ol 157 Picasso, Pablo 68, 136
Ópera dos três vinténs 75, 140 pinturas
O pera Transatlanti ca 206-8 natur eza-mort a 134-5
orquestras 30-1 sacos de papel pardo 150-1
O tto, Teo 139 piso do palco 33, 39,77
Pittsburgh (EUA) 56-7, 115
p Carnegie Mu seum of Art 148
pad rão de azule jo 105-6 Ca leria Mill er 115, 116-7
palco italiano 7-8,74, 153-4 Universidade Ca rnegie Mellon 216-7
ver também end-stage
Planc hon , Roger 7 5, 154-5,163,168-70, 185 "Retrato do passado e do presente em
ver também Gilles de Rais um " 208-9
Os planetas 43-4 The Revenger's Tragedy 105
planil has 9 1 Riley, Bridget 250
plasticid ad e 134 Robertson , Tom 245
Please Take a Seat! 49-52, 214-6 Roer ich , Nicolas 212
Pléiades 44 Roias, Ferna ndo de
Polôni a 107, 132-4,220 ver La Celestina
Praga 148-9, 18 1-2 Romeu e [ulieta 90
Academia de Artes Cênicas 83-4 Rondá Adafllla, (workshop) 39-40
Prague Quadr ennial 8, 188, 218 Roqu é, Mariaelena 211-3
prisões como espaços teatrais 33-5, 53-4, The Rose Taitoo 137-9
234-5 ,253-4 Royal Albe rt Hall (Londres) 118
O processo 188-9 Royal Co ur t T hea tre (Londres) 139-40
programa s de peças 106-7 Royal Na tional T heatre (Londres) 110, 187
públi co Royal Shakespeare Theatre 171
ver espec tadores Ruskin , [oh n 95
Punch and [udy (teatro de fantoches ) 152, 235
Punchdrunk (com panh ia de teatro ) 188-9 S
Safed (Israe l) 103
Q A sagração da primavera 212
qu ad ro da peça 63-6 Sain t-Denis, Michel 157
sala de ensaio (com o mu seu vivo) 96-7, 107,
R 194
Rau sch enberg, Rober t 174 Salam anca
reali smo poético 139-40 Universidade 104-5
reali sm o teatral 244-5 Salônica (G récia) 147,252-4
e mistério 248-9 E ptapirgio 112-4,1 78
reciclagem 87, 104-5 Teatro Nac iona l do orte da Grécia 53-5
ree lab ora ção de textos clássicos 166-7, 18 5 Universidade Aristóteles 83-4
referências cruzadas 102, 104-5 Salonika 114
Rego, Paul a Salvad or (Bahia)
ver A casa de Celestina Centro T écni co do Teatro Cas tro Alves 84
reinventar a imagem visua l 82 "São Paulo Stories " (workshop) 214-5
Rembrandt van Rijn 79 Sce no fest 152
A resistível ascensão de Arturo Ui 140 Scenomanifesto! 49
"A respeito de um pintor" 141 Schwi tters, Kurt 145
Senh or do Bonfim (Salvador , Bahi a) 79-80
Serroni, José Carlos 214 , 265 su prern atism o 144
Sh akespeare, William 63-6 , 84 , 86,228 Svoboda, Josef 38, 2 I8
ver também As You Like It (Como lhe Swan Th eatre (Stratford-on-Avon ) 204-6, 207
aprouver); Hamlet; Henrique IV (parte
2); Macbeth; A megera domada; O T
mercador de Veneza; 1 oite de Rei»; Tairov, Alexander 136
Rom eu e [ulieta ; Sonho de uma noite Taiwan 83, 14 3, 26 5
de verão; Trabalhos de amor perdidos T àpie s, Antoni 249
Shostakovich, Dmitri 102 Tate Britain (Londres) 188
Si mpósio Internacional sobre Arquitetura e Tate Modem (Londres) 112,1 88
Espaç o de Periormance 49 Tbilisi (G eórgia) 98-9, 100, 120
Sim pson, Michael 76 Tch ékhov, Anton
sinc ronicidade de ence nação 187 ver O jardim das cerejeiras; A gaivota
sistem a de arqu ivam en to 102 Teatro da Vertigem (Brasil) 234
si te speciiic, produçõ es 45-6, 59 teatro
Sm ith, John (líder do Partido Trab alhista da barroco 29-31
G rã-Breta n ha) 99 baseado em texto 61
"Sob julgam ento" 188 da Grã-Bretanha 166-7
sofás 41 de arena 39-40, 74
SófocIe s de evento 235
ver Édipo Hei de fantoch es 154-5,235
Solness, o construtor 90 , 128, 158, 160, 199, de rua 36-8
227 em forma de estúdio 33
som eur opeu 166-7
espaç o e 4 3-4 kabuki 133, 184
texto e 62 Lat ern a Magika 218
Songs ofWars I Have Seen 82 Nacional de Caracas 240
Sonho de uma noite de verão 245 tecidos 123,211
Sounding Jerusalem (festival de música) 43-4 tecnologia 186
Stein , G ertrude 82 tenda
Stein , Peter 7 5, 18 5 evento em uma 59-60,15 3-4, 184
Stenka , Danuta 80 , 220-2, 221 tecnologia da 119
storyboard 63 Terry, Ell en 218
Stravin ski, Igor texto 61-92
ver A sagração da primavera ach ar um caminho em um 9 1
Strehler, Giorgio 7 5, 16 3, 185 como cerca viva 89-92
Strindberg, Augu st 32 e ação 169
su btexto 100-2
e visão 78-9,8 3-4, 169 vinhetas 148-9,250-1
so m do 62 Vishniac, Roman 102
"Te xt, Space a nd Vision " (lVorkshops) 8 Vit eb sk 246
T h éâtre de C orn plicit é 137 Vivaldi , Antonio
T h éâtre du Soleil (Pari s) 143 ver Montezuma
T héâ tre Na tiona l Popul aire (V ille ur ban n e, Vizna r 102-3
Franç a) 76-8, 168-9
T hea tre Royal (Lo nd res) 170 w
Theatrum 1vI ult erum 111-2 Wagn er , Rich ard 243-4
T iepolo, C iova n n i Battista Weather Project 112
retábulo de A Imaculada Conceição 137-8 Weigel, Helen e 140, 230-2
iotal-musée 202 Wesker , Arn old 139-40
Trabalhos de amor perdidos 83 W illiarns, Tennessee
Tra rn way (C lasgow) 71-4, 128-30 ver The H.ose Tattoo
T ree , H erbe rt Bee rbo h m 245 Wil son , Rob ert 34-5
T revis, D i 103, 172-3 Within the Cates 69-70
Tricycle Theatre (Lo nd res) 90, 119-21 lVorkshops 83-4
TlVo Ftiends 249 interd isciplinar es 21 3
The World as a Stage (exposição) 188
U World Theatre Season (Lon d res) 166-7
Un ive rsal St u dios (Los Angel es) 262 Wri ght, Frank Lloyd 190
Un wi n , Ste ph e n 107, 160 W spólc zesn y Teatr (Breslávia, Pol ôni a) 57-9,
80
V
Vakh ta ngov, Yevgeny 136, 176 x
Escola de Artes C êni ca s (M osco u) 176 Xenákis, Iánnis 44
Variacionessobre un Concierto Barroco 238-40
Veneza y
casa de ópera 240 Yerma 102-3
gue to 101-2
Verdi, C iuseppe Z
ver Macbeth Z elazowa Wola (Polôn ia) 107
Veron ese, Paol o 196
vestuá rio 261
e arquitetura 105
feminin o 111-2
vertambém figuri n o
Victory 7-8, 58-9, 80-2, 81, 121 -2, 220-2, 221
SOBRE A AUTORA

University of
Parn ela Howard é ce nógrafa e diretora teatral. Professora emé rita da
), é espec ialista
the Arts London (C entral Saint Martins College of Art and Design
tem ente co nvidada a falar em
em teatro mu sical e eventos mu sicais. É frequen
receb eu
un iversidades e faculda des de tod o o mundo . Em 20 0 8 , Parn ela Howard
a. It m embro
a Ordem do Imp éri o Britâni co pelos serviços prestad os ao dram
ra do Sce no fest - Festival
emé rito da co m issão de ed ucação da Oi stat e criado
of Perform ance
Interna cion al de Cenografia, agora part e da Prague Quadr ennial
Design an d Space.

279
Fonte Electra
Papel Co uc h é malte fosco 90 gim'
D uo Design 300 gim'
Impressão ywgraf Editora G ráfica Ltda.
Data Junh o de 2015

jJ MIS TO

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de fonte s reeccn eavete
FSC FS CO C044162

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