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Cf: J ·A fl.A~
Neste livro, Pamela Howard desvenda os aspectos centrais que norteiam o traba-
lho cenográfico na montagem de uma peça teatral. Com uma linguagem simples,
fluida e despretensiosa, ela coloca em evidência seu talento inquestionável como
referência na cenografia mundial, fornecendo ao leitor , por meio de inúmeros
exemplos, um panorama das etapas e dos meandros que precisam ser percorridos
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para dar corpo a um trabalho artístico a ser encenado no palco .
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A partir de uma análise cuidadosa e com o apoio de primorosas ilustrações au- .n ~
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torais, a cenógrafa traça seu olhar sobre o espaço, o texto, a pesquisa , a cor e a J; -
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composição, a direção, os atores e os espectadores, expressando assim a multipli- 00 =
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cidade de perspectivas que compõem a riqueza estética da cenografia e tornando z=
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acessíveis o conhecimento e a experiência de uma grande artista . <;!2 -
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o QUE É CENOGRAFIA?
por J.G Serroni
Esta obra é uma das mais importantes no universo da cenografia, um livro funda-
mental para quem se cledica ao teatro e às artes em geral.
Além ele grande artista, com inúmeras montagens cenográficas para peças de
teatro e óperas em sua trajetória profissional, Pamela Howard é, atualmente, uma
das mais importantes teóricas e formadoras da cenografia mundial.
Em sua atividade pedagógica, já passou por vários países, inclusive o Brasil, onde
Pamela ministrou workshops em São Paulo e Salvador em 2007·
Neste livro, Pamcla discorre com muita propriedade sobre aspectos que envolvem
a cenografia e o teatro como um todo. Ela aborda o espaço, o texto, a pesquisa, a
cor e a composição, a direção, os atores, os espectadores etc., mostrando corno o
teatro é composto pela "perforrnatividade" e por uma diversidade ele linguagens
e questões.
Suas dezenas de ilustrações esclarecedoras apresentam traço firme, requintado e
quase lúdico, fruto talvez de suas lembranças dc infância, quando observava seu
tio Henry desenhar segurando réguas-tê.
Na primeira edição inglesa do livro, fui convidado por Pamela para escrever uma
definição de cenografia. Assim, tive a oportunidade de chcgar à minha mais sin-
tética concepção do assunto: "cenografia é a dramatização do espaço". Nesta se-
gunda edição, agora em português, temos ainda mais definições sobre o quc é a
cenografia, dadas por importantes cenógrafos e artistas. Essas explicações revelam
a variedade dc visões em diversas partes do globo e deixam evidente o tom apaixo-
nado de quem vive intensamente a atividade teatral.
Conselho Editorial
Ivan Giannini
[oel [ airnayer Padula
Lui z D eocl écio Massaro Calina
Sérgio José Battistelli
C 0 0792
BRASILEIRA
Uma pergunta em abe rto: esse é o cerne do livro de Pam ela Howard , um a artista
que compree nde o ca ráte r de in completude da ce nog rafia co mo a na tureza den sa
e cur iosa de algo qu e nã o se conc retiza isoladam ente, ma s vin cul a-se de m an eira
di ret a ao ou tro, representad o por aque les qu e se enco n tram nos palc os, bastid ores
e plat eias.
A co mp ree nsão desse vínc u lo perm ite à a u to ra co nstru ir u m texto fluid o, que
mescla im pressões, qu estionam entos e aná lises sob re o pap el do cenógrafo dentro
de uma perspect iva, ao m esmo tempo, hum ilde e gra ndiosa.
Grandio sa, pois, ao equac iona r diferentes aspectos do trabalho cenográfico , sem, no
enta nto, hierarqui zá-los, a au tora nos dá a dim en são íntima da relação e ntre eleme n-
tos co mo espaço, texto, pesquisa, co r, direção, atores e espectado res, que permitem
ao ce nógra fo falar à ima gin ação, à sensibilidade e ao sentimento vivaz ou soturno ,
lumi no so ou melan cóli co, delicado ou agressivo, somados a tantas outras possibilida-
de s abertas a qu em vive o teatro. As escol has do ce nóg rafo trazem à ton a detalh es que
dão co rpo ao texto e à interpreta ção, potencializando a fruição do espe tácu lo.
o tea tro e sua s m ú ltiplas facet as são temas ca ros ao Sesc, se ja no ca mpo das ações
ar tísticas , se ja na área ed itor ial. Refer ên cia em design teatr al contem po râneo, O
que é cenografia? vem som ar-se a ou tros títulos publi cados pelas Edições Sesc na
área de artes cênica s, po ssib ilita ndo ao leit or , p rofission al ou não, o ac esso a um
reper tór io qu e envolve históri a e crítica teatral, dicionários, m ét od os de trabalho
e fot ografia de palco, alé m da cenografia em si.
PREFÁCIO À
-
SEGUNDA EDIÇAO
Embora o livro esteja claramente dividido em sete capítulos, todas as partes estão
en trelaçadas, e os enunciados e exemplos podem estar tanto em um capítulo
co mo em outro. Portanto, o leitor encontrará um mesmo evento sendo considera-
do a partir de perspectivas um pouco diferentes ao longo do livro. Tais eventos tea-
trais específicos foram escolhidos porque são bastante diferentes uns dos outros,
requerendo soluções fora do padrão, ainda que as mesmas teorias subjacentes
possam ser aplicadas. E esse é o ponto principal: observar os temas cenográficos
reco rrentes que sustentam nossa arte e como a teoria foi posta em prática.
O s exe mp los principais utili zados para ilustrar esta segu nda edição de O que é
cenografia? são:
Victor)', drama político de Howard Barker, foi apresentado em um palco italiano "
convencional no Teatr Wspólczesny, em Breslávia, na Polônia. Um exemplo de
• No original, end-stage iheaire: teatros nos quai s a plateia situa-se apenas de um lado em
relação ao palco. (N.T.)
colaboração entre diretor e cenógrafo que reorganizou o espaço teatral existente
para tornar o drama mais imediato.
At tlie End af the Eartli, de [ul ia Pascal , é u m exem plo de novo drama visua l
grande e imaginativo cr iado em um espaço muito pequeno, com palco ital iano
e baixo orça me n to, mas co m gra ndes ideias e efei tos.
"Text, Space and Vision" correspon de a diversos 1I'0rkshops de investigação, uti lizan-
do a m em ória e a narrativa para apura r as id éias presentes em O que é cenogra fia?
SUMARIO
1 ESPAÇO
A HISTÓRIA OCULTA . . 61
Entende ndo a peça . . 62
Visuali zand o o dram a 63
Povoan do a peça . 66
O roteiro ce nog ráfico . . . . . . . . . .. . . . . . . . . 67
Histórias ocultas 68
Indícios visuais 69
Examine a planta .................................. . 71
Dr am aturgia ce nog ráfica ............. ........ . .. 75
Libertand o o texto . . ..... 76
ESPAÇO DA PALAVRA . .. 78
Repr esentando a h istória . . . ..... 78
A aparênc ia das palavras . ........ 79
Achando um caminho no texto . 80
Uma riqueza para os olhos do público 82
Espaço oculto no int erior das pala vras . .. . .. .. 83
Palavras e image ns . .. 84
A colisão entre o passado e o pre sente 86
Colaboraç ão . 88
A imagística da arte . .. 89
3 PESQ UISA
4 COR E COMPOSIÇÃO
5 DIREÇÃO
A MATÉRIA-PRIMA . . 208
A forma humana .................. . 21O
Enten de r os atores . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211
Um processo bidirecion al ..................... . .. 2 13
O mundo do personagem que se torn ou ma ni festo 2 14
Uma lin gu agem perforrnativa 216
Comu nicação visua l . . 2 16
Imagens sim ples .. ......... . 218
Âns ia pel o íntimo 2 19
O qu e um ator co nseg ue dar 2 19
A força do sentimento do ator ........ . 220
O ator é a ponte . 222
7 ESPECTAD O RES
INTRODUÇAO
Freq uen teme nte, ouço perguntas sobre como me torn ei ce nóg rafa e como fiquei
sabe ndo da existênc ia da profissão. Desde muito jovem , ia soz inha assistir a co m-
panh ias visitantes de balé. Eu oc upava o assento mais barato, nas laterais do se-
gundo balcão do teatro. Gos tava muito de ver os bailarin os fumando nas coxias,
esperando , ou se preparand o para o mom ento em que entrariam em ce na e se tor-
nariam outra pessoa. Compree ndia que a ce na que eles dan çavam no palco tinh a
algo a ver com a história que estava sendo contada, e as cores em movimento dos
15
seus figur inos eram par te daquele qu adro geral. Conseg u ia ver como o cená rio
era co nstruído e, às vezes, consegu ia ver os assistentes de palco movendo ob je-
tos e murmurando entre si, enqua nto bailarin os e bailarinas dan çavam em outro
mundo de luz e som . Ficava fascinada com o mundo dos bastidores coexistindo
com o palco, am bos dependent es um do outro, mas invisíveis para o público, a
men os que este estivesse disposto a olha r para além dos etéreos bailarin os. Ouvia
a conversa na plateia e, ce rta vez, escutei um a discussão en tre dois hom en s ele-
ganteme nte trajados a respeito dos mérito s do ce ná rio. De forma indi gnada , um
homem falava sobre o cenógrafo: "Ele não prestou atenção a respeito do qu e é a
peça. Ele fez o qu e qu is, e é sem pre a mesma coisa". Ach ei aqu ilo um a maneira
int eressant e de viver a vida. Pou co tempo depois, na escola, em um a aul a, pedi-
ram para qu e escrevêssemos o qu e qu eríamos ser qu ando deixássemos a escola.
A maioria das meninas escre veu coisas como ser patinadora 110 gelo, bailarina,
aeromoça, cabeleireira. Eu escrev i cenógrafa . Pen sei: adoro leitura e história, e
uma ce nog rafia descreve isso; tam bém pen sei, erronea me nte, qu e poderia passar
o resto da minha vida fazendo exatame nte o qu e quisesse. Entrega mos as redações
e meu futuro estava decidido . ão havia entendido a atividade ape nas como um
qu estion ário . Ach ei que havia me comprome tido e qu e meu trab alho era sim ples-
men te seguir aquele cam inho e me torn ar um a ce nóg rafa.
Na verdade, essa avaliação ingê nua do trabalho não estava mui to lon ge da reali-
dad e. Um cenógrafo deve ter a cur iosidade insaciável de descobrir a respeito das
coisas, de saber de on de e por que elas vêm, de ver além da superfície e descobrir
a verdade. O maior dom do ce nóg rafo é possuir algo como a visão int eri or da
im agin ação, capaz de transfo rma r fatos em ficção. A ce nografia dá aos artistas
o praz er de ligar desenho e pintura àquilo qu e eles leem . Nã o é um a atividade
solitária; na verdad e, é impos sível ser ce nógrafo sozinho, pois o trabalho deve ser
feito com outras pessoas. Rapidamente, o cenógrafo descobre qu e precisa ter um
bom entendime nto de psicologia e ser capaz de motivar grandes gru pos: de atores
a velhos e teim osos ca rpin teiros. Um grande mom ento de descoberta é con stat ar
que , seja o proj eto bom ou não , se você nã o con seguir fazer qu e ele se ja bem
exec utado nas oficinas por falta de comunicação ou de clar eza , ele jamai s será
bom no palco . É essencia l en tende r como trabalh ar com os técnicos de modo
respeitoso e positivo a fim de convencê-los a escalar as alturas de sua am bição.
Um ce nóg rafo deve ser capaz de fazer ma labarismos co m os orçamentos, avaliar
prioridades, sabe r quand o e como brigar por mai s dinheiro ou concordar com cor-
tes inevitáveis. Embora os salários dos atores geralme nte consuma m a maior part e
do orça me nto da produção , o ce nóg rafo é frequ entem ente visto pelo públi co e
pelos críticos da mes ma man eira: o último dos grandes gastado res. Ca rtas fur iosas
para os jornais exigirão sabe r por qu e o dinh eiro públi co deve ser gasto em botas
de co uro de verdade , em figurinos de seda pura ou em pared es de met al. Em bora
a discussão possa ser tedio sa, todos os criadores, incluindo o ce nógrafo, devem
aceitar o fato de qu e têm respon sabi lidade pública e devem sabe r como lidar com
esses tipos de ac usações . Se a produ ção alcançou um a integração total entre suas
part es, é im provável qu e a atenção se concentre em um aspec to espec ífico.
A ce nografia mod erna avanç ou a partir do décor e da orn am entação dos anos
posteriores à Segunda G ue rra Mundi al, e, dessa man eira , as respon sabilidad es
do ce nóg rafo mudara m. I-la je, ele pod e espe rar ser co nsultado desde o início do
plane jamento da prod ução, e as esco lhas devem ser feitas em um estágio inicial.
Assim, desde o primeiro minuto de sua formação , o ce nóg rafo precisa se inform ar
e se instruir a respeito das arte s teatrais, qu e são parte da criação de um a produção
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integrada , e entende r qu e a ce nog rafia descre ve o ser co mo part e daqu ele todo, e
não um a arte decor ativa aplicada , co mo o design atua lme nte insinu a. O ce nógra -
fo deve trab alh ar para alcan çar uma síntese, sem eme ndas, entre toda s as partes
com pone ntes dc uma grande noit e no teatro.
O cntendime nto da ce nog rafia co meça no poten cial do espaço cê nico vazio. Em
segu ida, co nside ra-se a palavra pronunciada em voz alta, o texto ou a música,
qu e tran sformam um espaç o vazio em um auditório . Das dem andas do texto, o
contexto da produção pode ser pesqui sado para a seleç ão das forma s, da s cores ou
dos objetos apropriados, qu e são reunidos em uma co m posição espac ial e trazem
vida e visão diferentes ao texto. Um espaço está m orto até qu e os int érpretes o
habitem , torn em- se eleme nto m óvel do qu adro cê nico c contem a história qu e é
aprimorada em sua utili zação. O espaço é moldado e alterado pelos ator es com a
evolu ção da repr esentação. Assim , a colaboração entre os artistas teatrais se co n-
ce ntra por mei o da visão do diretor , e isso anima o espaço e o ada pta exatame nte
para satisfaze r as necessidades da produ ção. O s espec tadores são o ele me nto final
qu e fecha o círculo, ocupando o cspaç o comum do edifício teatr al c sendo a razão
para a obra ser criada. A cenografia conside ra todos os sete aspec tos - abordados
um a um nos capítulos deste livro - , c eles têm pcso e im portânc ia seme lha ntes
em um a produção teatral integrada, com cada aspec to emergindo e sendo mutua-
m ente dependente de man eira simultânea.
EM 2009 , O Q U E É C E NOGRAFIA?
20
MA.X KELLER (A LEMAN HA)
"Um cenário interessante, engenhoso, é só uma luz inteligente; um evento."
R ON I TOREN ( IS RAEL)
"As condições que mudam o que você vê no palco para aquilo que você pensa em
sua cadeira."
21
YOSIII 'C\NOKU RA (JAP,\O/ ESTADO S UNIDOS )
"Ce nografia é arte que respira 110 palco, ilumina ndo a beleza da vida."
22
RI CII ARD H UDSO N ( RE li O U NIDO )
"A cenografia está contando histórias em quadros cênicos."
"Com que cuidado ele seleciona uma cadei ra, e com que atenção ele
a posicional E tudo isso ajuda a encenação...".
o tea tro aco ntece sem pre qu and o existe um ponto de e nc ontro entre atores e
uma possível plateia. É no espaço medid o desse enco n tro e na geração dessa
int eração qu e o ce nóg rafo cria sua arte. O espaço está silenc ioso, vazio e inert e,
espera ndo a lib eração para a vida do dram a. Ind ep end ent em ente do tam anho,
da form a e da prop orção, o espaço tem de ser conquistado, aproveitado e modifi-
cado por seus animateu rs, antes qu e se torn e aqu ilo qu e N ) ing C ho Lee designou
como "uma arena onde as grandes ques tões - de valores, de ética, de coragem,
de int egridad e e de hum ani smo - são en contrad as e pcl ejada s'" .
A visão de mundo da ce nog rafia revela qu e o espaço é o prim eiro e o mais im-
port ante desafio de um ce nóg rafo. O espaço é parte do vocabul ário ce nográfi-
co. Falamos de trad uzi-lo e adap t á-lo, de cr iar um espaço suges tivo e uni-l o ao
tempo dram áti co. Pen sam os no espaç o em ação , em co mo pod em os co nseg ui r e
que bra r isso; pen sam os no qu e precisam os para criar o espaço ce rto e co mo ele
pode ser cons truí do co m forma e co r no sentido de aprimora r o ser hum an o e o
texto. Algun s prati cam jogos com o espaç o, procurando met áforas e significados
na busca por definição do espaço dramático, H á um a alquim ia co mp lexa entre
os espaços e as mon tagen s qu e instiga os criadores a su bjuga r um local desconhe-
cido em um qu e aca ba ra cai ndo co mo um a luva para a produ ção.
O espaço é descrit o por sua din âmi ca - geo me tria e carac te rísticas -, por sua
atmosfera. A geo me tria é um a ma ne ira de medir o espaço e descrevê-lo para qu e
outra pessoa possa visuali z á-lo, Ente nde r a din âm ica do espaço significa ide nti-
ficar , por meio da obse rvaçã o de sua geome tria, ond e resid e sua força: em sua
altura, seu co m prime n to, sua largura, sua profundidad e ou em suas diagon ais
hori zontal e vertical. Cada espaç o tem um a linh a de força qu e se este nde da
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á rea de representação para o espec tado r, algo qu e o ce nóg rafo tem de reve lar
e explorar. Essa linha de força é sentida de maneira ativa pe los ato res no pa l-
co, qu ando eles olham para o auditório e avaliam onde estão locali zad os co m
mais int en sidade . A montagem pod e ser plan ejada pa ra explorar e se ben eficia r
dessas forças, a fim de qu e os atores possam ser vistos e ouvidos com mai or pro-
veito. A ca rac te rística de um espaço tem de ser levada em co nside ração desde o
primeiro mom en to do plan e jam ento. A at mos fera e a qua lida de afe tam profun-
dam ente tant o a plat eia co mo os atores. Um espaço é um a personalidade viva,
com passad o, presente e futuro. Ti jolos, trab alh os de serralhe ria, traves e estru-
turas de madeira, assentos vermelhos e balcões dourad os e decorados dão a um
edifício sua ca rac terística individual. O espaço obse rvado deve se r registrad o
por meio de plant as baixas e altas, fotografias e desenh os in loco; assim, ele pode
se r rec riado no ateliê co mo um a maqu ete co lor ida e texturi zad a. Deve sem pre
in cluir ao men os as prim eiras filas de polt ron as e ter po n tos de vista fixos a partir
de todas as posições extremas do tea tro. A maq uete vazia, que expõe o esque leto
do espaço, é muito importante, pois é o prim eiro meio de co m unicação diret a
e ntre o diret or e o ce nóg rafo qua ndo estes começam a trabalh ar juntos. O ilum i-
na da r cê nico e o diret or de movim ento tam bém pode m ver as possibilidad es de
suas contribu ições por meio da maqu ete pront a. C u idadosa me nte elabo radas,
as figuras em esca la adicio na m a dinâmica hu mana ao espaço vaz io (o que aju-
da qu and o elas não desm oron am , algo qu e aco ntece co m frequên cia), já qu e o
uso e a manipulação da esca la no palc o é um a arte ce nog ráfica qu e estende o
espaço do m ínim o ao máxim o. Essas ideias podem ser testadas na maqu ete e o
espaç o pod e ser expe rimentado mediante a alt eração do mobili ário, o au me nto
ou a redu ção do tam anh o de um a pared e ou por ta ou medi ante a criação de
u m espaço enga noso, qu e alte re a proporção da figur a hum an a. Por m eio desse
processo, a din âmi ca do ce ná rio pod e ser mold ad a e esc u lp ida até co meça r a
exp ressar a produção imagin ada.
A ce nog rafia e a arqu itetura estão intimam ente ligadas, e diversos arqu itetos
levaram seu entendime nto a respe ito do espaço pa ra o tea tro. Ado lp he Appia
(1862-1928) foi o prim eiro arqu iteto cê nico do séc ulo XX. Ele introduziu ab ertu-
ra e frescor arqu itetônico nos espaços teatrais em uma época em qu e o ce nár io
pint ado ilusionístico qu e oc upava o palc o era o arra n jo padr ão. Em 1911 , em
Hell erau , na Alema n ha, Appia cri ou o Espaço Rítmi co: um arra n jo de esca das
e plat afor mas qu e fornecia mó dulos mutáveis verticais e horizontais. A atuação
nesses n íveis distintos permitia qu e os atores ficassem isolados em feixes de lu z
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especialme n te focali zados, real çando sua pr esen ça no pal co em espaços se m
ce ná rios adic iona is. Isso deu início a um a bu sca por soluç ões cêni ca s m ai s esc u l-
turais. Frequentem ente, os arqu ite tos são vision ários e inovadores, abrangendo
filoso fia, arte, m úsica e políti ca , al ém de ter em um entendimento do s materi ai s
e da ca pacida de de son ha r alto. Eric h M endelsohn (1887-1953) na sceu na Prússia
O rien ta l, e alg u ns ed ifícios n a Alem anha , In glat erra , Estad os U n idos e Israel
testemu n ha m sua eloque n te im agin ação . D e 1912 a 1914, M endel sohn proj et ou
ce ná rios e figurinos para cort ejo s e procissõe s festivas, como parte do movim ento
exp ress io nista al emão . Ele refez o interior do Deutsch es Th eat er, m as consid e-
rou qu e fizer a um a escolha profi ssional se nsata ao optar pela arquitetura como
m eio de exp ressão . Su a inspiraç ão resultava da ob ser vação da natureza e das
paisagens e, ao mesmo tempo , da au dição da m úsica de Bach e dos son hos de
criar ed ifícios qu e exprim issem a é poca , vale n do -se de tod as as tecnol ogias e de
todos os materi ais rec ém-desenvolvid os. El e d esenhou croqu is a partir de sua
im agin ação em pro gramas de conce rtos e pedaço s de pap el , e capturou as ideia s
espo n tâ neas desses esboços rápidos e fluidos, tran sformando-as por m eio de m a-
quetes em edifícios co nc re tos' . Essas visões arro jadas de edifícios m ani festavam a
espera nça e o oti mis m o nos dias som b rios das gue rras mundiai s e sua própria fé
no fu turo. Como os cenógrafos, M end elsohn se m p re co meçava estim u lando -se
pel os desafios e possibilidades de rea gir a um espaç o, descr evendo se u pro cesso
co mo o de "obse rvar o lu gar c tomar po sse del e".
A busca de M endelsoh n no sen tido de co m bina r din âmica e fun ção e seu pro-
fundo amor e inspi ração em rel ação à ma temá tica das h armoni as e aos co n tra-
pontos da música de Bach são evide n tes nos primeiros edifícios exp ression istas.
Utilizando mat eri ais da época, cri ou estru turas exte rnas qu e alo javam os setores
in dus triais e administrati vos no interior de um volum e dramático . C riou um rela-
ciona me n to espac ial en tre o ator/ope rário da fábri ca e a plateia/c1iente qu e tinha
a mes ma int en sidad e das plateias e ato res integrados do s an tigos teatros barrocos
do início do séc u lo XVIII. Esses edifícios teatr ai s tinham int er iores de m ad eira,
eram compactos e organi zad os. Conceb iam o palco co mo um espaço ova l e o
auditó rio como uma en tida de ún ica em qu e os at ores atua vam para espectado res
qu e podiam ser vistos, e não para espectadores qu e eram ape nas sen tidos, qu e nã o
podi am ser ob servados e estavam ap en as sen tados no esc uro.
2 Erich Mendelsoh n, D )'ll am ics and F lIllctioll, O slfilde rn- Rui t (Aleman ha): Hatje
Cantz, 1999.
E m ge ral, os teatros barroco s e urope us e ra m cons tru ídos e m rel ação a um eixo
qu c parti a do ce n tro da área de atuaç ão e m urn a diagonal par a cima na dir eção
d o ce n tro do ca ma rote real , situa do n o prim ei ro bal c ão do a u d itó rio e m form a
de ferra d ura . Uma es tru tura do prosc êni o , co n tendo a co rtina fro ntal , m ar cava
a divisão de espaço, mas uma ribalta se pro jetava na direção da p la teia . onde
per sonage ns alegóricos po diam sauda r o ca marote real di reta me n te, na frente
da cortina, e também podi am se r vistos em tod as as part es do teat ro . A or questra,
fund amental par a tod os os es pe tác u los, era posicion ad a n o m esmo nível dos
especta do res. O even to espe tac u lar e ra o e rgu ime n to da co rtina, e m gera l a pós
um prólogo m usica l e falado. O espaço cê nico reve lava elaborados arran jos cên i-
cos totalmente simétricos em re lação às margens, assim como superfíc ies planas
pintadas em pe rspec tivas det alh adas que eram pe rfei tas em rel ação ao ce ntro
do camarote real e, ao m esm o tem po, ca da vez me nos pe rfei tas e m rel ação aos
asse n tos d e a m bas as later ais. D ep ois do e rgui m enta da co rtina , o es paço cê n ico
revelava velas c ga m b ia rfils, tudo en foca ndo a posição cen tra l e principa l d o
palco . A cortina jamais e ra aba ixada duran te o espe tác u lo; isso só acon tecia n o
fina l. As mudanças e as tra nsfor m aç ões cênicas programadas aconteciam total-
me nte à vista dos espectadores, e eram tão parte da re prese n tação como uma
mascarada o u uma ó pera sendo aprese n ta da s. Essas tra nsfor mações explo ravam
ao m áxim o tod os os pl an os do espaço cê n ico, usand o a altura vertica l desde o
alt o, par a indi car o espaço divin o, até o pi so do palc o, co mo o espaço dem onía-
co . Os alça pões existe n tes no palc o e os gui nc hos de iça m ento podi am fazer os
a tores e os ob jetos cênicos subi rem a pa rtir de uma pos ição in fer ior o u desce re m
do a lto, enq ua n to ca da lat eral do pa lco possu ía espaços encobertos ao menos tão
ex tensos qu ant o m et ad e d o pa lco visíve l, possibi lita ndo pe rspectivas d e c ida des,
pai sagens e edifícios qu e, por m eio de deslizam ento, apareciam e desap areciam,
e m movim ento paral elo . Exér citos de maquini stas in visíveis operava m a pesa-
da m aquinari a de m ad eir a deb aixo , ac ima e nas cox ias d o palco. Mu itos e ram
co ns tru tores de bar cos e oper ários nava is desempregados de Veneza e C ênova ,
que tro uxeram suas ha bi lidades e técnicas co ns trutivas pa ra as profundezas dos
palc os bar roc os. Cada centíme tro d o es paço tea tral era explorado ao m áxim o, e,
co mo os navios de gue rra , aque les teat ros era m m áquin as e m fun cion am ento.
Esse legad o perman ece em diver sos term os técni co s qu e ligam barcos a teatros,
co mo riggillg (cor da m e) , eplicing (e n tran çam e n to) , deck (co nvés, palc o ), sliachle
(m a n ilha) , winch (gu inc ho), plllle)' (polia) etc .
IH mu itos exem plos de teatros barrocos ainda existentes na Su écia, França, lt álin e
Repúb lica Tcheca , com toda a maquinaria origina l fun cion and o perfeitam ent e. O
be lo Esta tes Th eatre, em Praga, onde a ópera 0 011 C iovanui, de M ozart, foi apre-
sentada pela prime ira vez, é típico. Refinado, elega nte e sed utor, co m um a grande
intimidade criada pelo palco ligeiram ente incl inado, im pe lindo os intérpretes na
direção do auditório oval, seu propósito origi na l era o de qu e o espec tado r visse e
fosse visto. De fato, apenas um terço do públi co co nsegue ver o palc o, e é preciso
estar sentado na parte ce ntral do auditório oval; dois terços, sentados nas galerias
e nos cama rotes, ficam menos confort áveis à m edida que suas posições são mai s
altas, co nsegu indo some nte um a visão lateral do palco. Espelhos nas laterai s dos
camarotes a judam a refletir o qu e está ac ontece ndo no palc o, em bora o especta dor
tenha de desviar a visão do palc o e dirigi-Ia para os outros espec tado res para poder
vê-lo. Q uanto mais alto o assento, m en os visível se torn a a parte posterior do palco.
Qualquer cen ário posicion ado além do ponto mé dio do palco tem a prob abilidade
de ser visto somen te por aqueles sentados diretam ente em sua frent e. Nesse teatro
elega nte e bem proporcion ado, a localização dos assentos dos espectado res reflete
exata me nte a tradição e a estru tura de classe da sociedade qu e repr esentava. O espa-
ço do teatro barroco continuou existindo até meados do século XIX, desenvolv endo-
-se nos auditórios dourado s e orna dos das grandes casas de ópera, construí das com
base em prin cípi os sim ilares, ainda qu e fossem muito mai ores, para hospedar as
apresen tações qu e se torn aram parte dos repertórios nacion ais em todo o mundo.
Nessa época, as orque stras am pliadas, dirigidas por maestros, alo javam-se nos fossos
de orquest ra, situados entre a piateia e os intérpretes. Apesa r de seu crescime nto
arqui tetôn ico, o espaço cê nico pr ático rea l do palc o reduziu-se, pois os int érp retes
foram obriga dos a cantar árias o m ais na frente possível, a fim de co nseg uirem ver
o maestro e serem ouvidos. O s co m positore s co m pun ham para grandes coros, qu e
co nseg u iam criar um muro mu sical e ac ústico de ac om pan hame nto dos ca ntores.
O ce ná rio simé trico do teatro barro co deu lu gar a ilusionísticos panos pint ado s
que só eram vistos parcialm ente nos espaços cê nicos cavernosos dep ois de serem
ilum inados por luz oxíd rica , a g<Ís e, finalm ent e, elétrica .
Ao m esmo tempo, o final do séc u lo XX troux e uma crescente consc iênc ia da im-
portân cia da conse rvaç ão, da restauração e da reciclagem . Isso levou à bu sca pela
criação de espaços teatrais em prisões, armazén s, co zinhas públicas ou fábri ca s
an tigas. Frequentemente, a mudança de uso do edifício é profundamente irônica .
Locais de penitên cia no passad o se tornam locai s de prazer , e som brias ca vernas
industriai s, falida s e su pé rfluas h<Í muito tempo, gan ham uma nova vida como
templos da arte. Em vez de ser ponto fixo, o palco pod e ser posicionado na part e
m ais ade qua da do espaço refeito do a uditório, a fim de proporcionar o m elh or
relacion am ento possível en tre os int érpretes e seus espectadores.
33
Em diversos casos, é a destrui ção pela gue rra ou pelo tempo que revela o poten-
cia l de um espaço. It co mo se a pe le de uma cidade rac hasse deixando suas veias
expostas e os criadores teatrais, sempre oportunistas, saltassem para preencher o
vaz io.
Ocupação artística
Na ant iga cida de por tuár ia de [ata, em Israel , o ex-qua rtel-general aban do nado
do mandato bri tânico está caindo aos pedaços. Seus degraus de concreto estão se
esfare lando, os tetos e as paredes aprese ntam buracos espantosos, e fios de eletrici-
dad e rudim ent ares se estende m lou cam ente através do edifício. Nesse ambi ent e
deses timulan te, sem sedução româ ntica ou pitoresca, o público comparece todas
as noites. Ingressam em um edifíc io provisór io, outrora proibido e agora deso-
lado. No enta nto, o local foi limpo e varrido. Há um café e um bar, as mesas
são sim plesme nte aprumadas por port a-cab os de mad eira e os ban cos são versões
menores. Em um imen so saguão vazio, um a expos ição de esc ulturas de madeira
pintadas com cor de concreto é iluminada por minúsculas lâmpadas halógen as,
en fileiradas em ca bos elétricos, cada um a perfeitam ente posicion ad a no espaço.
ão é u ma espe lunca . Tod o o espaço foi prep arad o co m cuidado e sim plicidade
para os espectadores, e a estética da companhia residente é visivelmente declara-
da para o público antes m esm o de ele alcançar o aud itór io im pro visado. No espa-
ço cê nico, os valores externos da com pan hia se reAetem em um a esca la m aior e
ma is in tensa: abrange atores, direção e todos os requisitos técni cos da produção. A
ironia dessa ocupação artística não passa despercebida pe lo públ ico .
Comunidade
It um desafio estimulante para o cenógrafo cons tru ir um espaço mágico a partir
de materiais não promi ssores ou liberar um espaço escavando e libert ando áreas
fechadas ou ociosas, tornan do-o habitável tanto para os atores como para os es-
pectadores. O teatro não é sim plesmente um lugar para onde você vai, mas um
lu gar em qu e você passa por um a expe riênc ia. A instalação/performance de Robert
Wil son , HK , criada in loco na antiga prisão vitorian a C link, em Londres, dem on stra
como a arqui tetura pode virar o pró prio espetáculo. Os espectado res -ou visitantes
movim entavam -se por um a série de espaços dinâ m icos, expandidos e co ntraídos,
34
qu e são, em si, a narrativa . O denominador comum en tre arquitetura, instala ção
e performance é um int ere sse cresce nte de muitos arqu itetos contem porâ neos qu e
enxergam o poten cial interior e exterior co mo parte da síntese do edifício.
35
int érprete, fica mudo. Quando a dan ça termina, as pessoas pegam suas saco las e
se afasta m. Em ou tra part e da praça, um velho usando um tern o preto m an ch ad o
e uma boina cr ia seu espaço teatr al. Convida os transeuntes a parar e ver o qu e ele
esco nde u em um a ca ixa de fósforos qu e man tém no bolso da ca lça . O velho fala
de m od o rápido e tranquilo, sem pau sas e, qu ando cada vez m ais pessoas se jun -
tam , ele alarga o círc ulo, cr iando u m grande espaço cên ico para um int érprete .
Sua ca minha da é veloz; ele chega tão perto dos espectado res qu e pod e vê-los em
seus olhos . Fin alm ente, qu and o o velh o tem bastant e públi co, talvez trezentas
pessoas, o espaço está ade quado . Ele peram bul a diversas vezes, vcri ficando se o
público está atento e, em seguida, tira u ma caixa de fósforos perfeitamen te comum
do bolso e a m ostra para tod a a multidão. O velho é um ator consu ma do, pois só
en trega a história pou co a pouco. Ele revela para o públi co em silê nc io qu e den-
tro da ca ixa de fósforos há um leão. Ele se ca la e espera o impacto. N ing uém se
m exe e ningu ém rejei ta a possib ilidade apresentada. O velho abre um pouqu inho
a caixa de fósforos e ped e para qu e as mulh eres co m med o não se m ovam nem
façam barulh o, pois o leão pod e ficar furio so, pular para fora da caixa e at acá-las.
Em seguida, ele co n ta a história de co mo o leão en trou na caixa, ab rindo-a bem
devagar. Dep ois de terminar a hi stória, ele su bita men te fecha a ca ixa, co loca-a no
bolso e, sem dizer seque r uma pala vra, desaparece no m eio das pessoas, qu e ficam
se en treo lha ndo co m espa n to e, em seguida , riem encabuladas, perguntando-se
co mo puderam ter sido captura das por algo tão rid ículo. C laro qu e não há na da
de origina l na criação de um cí rculo improvisad o de pessoas em um espaço pú-
bli co : esses eventos são enc on trados em todo o mundo, desde vilare jos africa nos
até shopping ceniers movimentad os. O original, nesse caso, foi a m anipulação
premeditada pelo int érprete da esca la re rsus o espaço. O velho desco brira que,
qu anto maior o cí rculo criado por ele, maior seria o impacto da minúscul a ca ixa
de fósforo s - e ainda mai or seria o impacto de fazer as pessoas ac reditarem qu e um
anima l eno rme estava preso dentro dela. Esse jogo de tam anh o e esca la dem on s-
tro u o uso magis tral e o entendime nto de seu espaço co m o mais sim ples dos
meios qu e ce nóg rafos e diretores son ham alca nça r.
H istária instantânea
A ce nogra fia urbana - a oc upação dos espaços cê nicos form ais e informais - es-
timula as reun iões públicas espo n tâneas e os eve n tos do teat ro de ru a. O edifício
se torn a o ce ná rio, e os int érpretes at ua m não só na frente das pared es, mas as
escalam, desafiando a gravidade e a segurança. Proporcio nam uma face humana
pa ra a face dc co nc reto. Essa é uma man eira por m eio da qua l a história instant â-
nea é cr iada e irá m arcar para sem pre eventos históricos decisivos, dando foco a
novas aspirações. A ligação está entre o espaço e os parti cip ant es, tant o in té rpretes
co m o espec tadores, e proporciona uma expe riênc ia valiosa para ce nóg rafos qu e
estão sem pre procurand o man eiras de vitalizar o espaç o e uti lizar tod as as suas
possibi lidades geo mé tricas.
De repen te, todos levan tam os olhos na direção da pared e do Tea tro Naciona l.
O qu e vemos não é um a grande figur a fazendo uma aparição im por ta nte, m as
um garoto an ônimo escalando a face íngrem e do edifício a fim de co nseg u ir um a
mel hor visão da praça aba ixo. Ca utelosame nte, ele posicion a um pé sobre a beira
chanfrada entre as placas de pedra e se m ove para cima. Além do seu alca nce,
situa-se o parapeito de uma jan ela do primeiro anda r. Arriscadamente, o garo to
gira as pern as e qu ase perd e o equ ilíbrio. A mu ltidão abr e a boca em assom bro .
Ele tenta de novo c, dessa vez, co nseg ue aga rrar o parap eito, firm ando-se co m
um a das mãos enqua nto encontra outro apo io para os pés. A ten são é insup ortável
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e tod os os olh ares vão em direção ao garoto. Lent am ent e, ele se eleva e fica sobre
o parapeito. Quand o o garoto está de pé e abaixa os olhos na direção do palco,
a multidão u rra, em aprovação. Concretizan do seu feito, ele tira a jaqueta e a
agita no ar como um a band eira da vitória. O garoto escalou a pared e anô nima,
desafiand o a segura nça e a aut oridade, ac ho u seu ponto de apo io e triunfou . Das
alturas, ele é o conquistador do espaço, e o povo de Belgrado o acla ma. Ele é a
me táfora da nova Iugosl ávia. f=uma perfeita peça de teatro.
[osef Svoboda , ce nógra fo tch eco, definiu o espaço ideal co mo um a " m áqui na
neutra - uma ferrame nta de trabalh o, com bastan tes insta lações técni cas para po-
der mudar o volume e a forma do espaço de aco rdo com o progresso do dram a".
Descrevendo o espaço
O uso de mob iliár io o u ob jetos e m um espaço dr amáti co e co m ato res é pa rte
fundamenta l da cenogra fia e é o modo pe lo qual o espaço cênico é descrito. O
ator constrói sua área po r m eio da pr ese n ça no palco . O mobiliár io co ntém e
man tém o espaço específico m en or dentro de um o u tro, ma ior e m ais abstra to.
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: tt o \! ~ o t'f"-.:A li
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(L tJ ~ ; ~.1 0:J
1.2 - Pequ eno s desenh os para o \l'orks!lojJ de /{olld ó I\ da(illa, apresentando detalhadarncnt e usos distint os do
teatro de arena
D a m esma man eira qu e, dizem , os navios são paredes de m ad eira dentro do m ar ,
a mobília (principalmente sofás e ca mas ) absorve um significado met afórico a
partir de sua presen ça e de seu posicion am ento no palc o. Esses espaços co ntidos
permi tem qu e os atores utili zem a realid ad e das peças do mobili ririo de modo
imagiuativo. Dessa forma, pod em liberar seus espaços ou atrair pessoas para eles,
trabalh and o em dois pontos sim ulta nea me n te. Um sofá se tom a um qu art o em
si quando oc upado pelo ado lesce nte pr íncip e Hal (Figura 1.3a ), ma s vira arma-
dilha para ca ptura r uma rival inocente qu ando usad o por I-I ed da C abl er (Figura
I. 3b). Em relaçã o ao sofá co m o qu arto na Figura I. 3a, o ator chí ao espaço um
sign ificado que os objetos com partilha m, e estes também criam espaços int ern os
em si. Um ce nóg rafo jam a is deve ficar desalentad o em rela çã o aos requisitos de
mobiliário do autor nas descri ções das ce nas (sem pre jur ei qu e jamai s faria peças
que exig issem ca dei ras, port as e sofás). Em vez disso, ele pod e co nside rar a real i-
dade do mobiliário como uma oportunidade estimulan te para criar outro tipo de
espaço. Da m esma form a qu e um espaço arqu i-
tetânico é avaliado por sua din âmi ca e ca rac te rís-
ticas, o mesm o oco rre em relação a um a pe ça de
mobília. A esca la e a form a assu me m sign ificado,
de m odo qu e um sofá curvilíneo em um recinto
retilín eo austero assume um a importân cia m onu-
men ta l, exp ressando silenc iosame nte sua história
para os espectadores. Um sofá com posto de espi-
rais e curvas e co m cores vibrantes, dentro de um
mu ndo fem inin o siciliano de sonhos e corações
partid os, torn a-se a m anifestação da mulh er em
si (Figura 1.3c). l.3a - Sofá como quarto
Em seu e rudito ensa io Plays and Plavwrights, Pictures and Painiers in the
Theatre , Edward Cordo n C ra ig ana lisa as diver sas peças qu e ce nogra fou e ob-
serva: "Se eu po ssuísse um teatro próprio, não expressaria no papel os proj eto s
que tenh o em m ent e, m as os coloca ria diret am ente no palc o". Por m ais bem
prep arad o qu e se ja na teori a, o trab alho do dir etor e do ce nóg rafo na m aqu et e é
distinto daqu ele co m seres human os de verdade; em um espaç o real , o trabalh o
pre parató rio vai para ou tra esfera. Na realid ad e, é ali qu e a lógica e a razão dos
intérpret es un em texto e espaço e qu e o traba lho com eça a assumir uma forma
real. A posse do espaço va i do dir etor , do ce nóg rafo, do dir etor de m ovim ento
e do ilurn ina do r cê nico para os atores qu e, noit e após noite, vão rea lme nte
ocupá-lo e utilizá-lo, tornando-o se u ponto vital. O espaç o é e lás tico, e m o cio nal
e m óvel, constantem ente alterado pelos pr ópri os intérpret es,
SITE SPECIFICS
Espaço e som
Espa ço e som são parceiro s. O s ce n ógrafos precisam adotar o som com o eleme n to
visua l na avaliação da qualidade de um potencial espa ço cêni co. Isso não só pela
a udib ilida de , m as pela capacidade de c ria r uma paisagem sonora, um a informa-
ção con textual aos espectadores qu e não precise ser repetida visualmente. Som e
espaço sem pre foram sinô n im os. O s sinos da igrej a ressoam acima de uma cidade
ou vilar ejo, e o muezim uti liza o espaço vertical, que se estende ao céu , para
co nc lamar os mu çulmanos às ora ções. O som, humano ou plan ejado , é m óvel
e se espalha através do s espaç os, dir igindo o foco do espe ctador para o próximo
eve nto da h istória . Em um site epeciiic, com um público móvel, o so m pod e
assu m ir o lu gar das mudança s de ce na, movendo-se de modo flu ente e elega n te
e deixand o de se r uma trilh a so no ra ilu strativa para se r parte da pr ópria arqu itetu-
ra. O rela cionamento sim bó lico entre ce n ogra fia e som é um a área estim u la n te
e desafiadora ainda a se r plenam ente explo rada. E m ju lho de 2 0 0 8, o espaço
se tornou um parti cipante importante n a final do festival de música Sounding
[erusalem. Um con ce rto de in strumentos de sopro foi rea lizado sobre o topo do s
telhad os de qu atro edifícios da Cidade Velh a. 1\ Ode à alegria, de Beethoven ,
tocad a sim u lta neam e n te com as c ham adas do rnuez im, criou um espaço dram á-
tico unido no a r, discorrendo de form a eloque n tc so bre boa vontade e pa z. H á
muitos vínc u los en tre som e espaç o. Os planetas, su íte orquestral de Custav Holst
43
(1874-1934) com posta en tre 1914 e 1916" co n tinua a inspirar a m úsica eletrônica
e acústica co n tem porâ nea e bandas de rock e heavv metal cu jos sons via jam pelo
espaço. Iánnis Xen ákis (1922-2001), co m pos itor grego, era arqu ite to e enge n he iro
civil e torn ou-se co mpositor co m o part e de sua pr ática espac ial. Xen ákis também
exploro u espaços e esca las ce lestiais em Pléiades, sua co mposição pa ra percu ssão.
As batidas e os ritmos pul sam e an ima m o normalm ente sóbrio auditó rio de nuisi-
ca, carregan do os sons para tod as as superfícies e para tod os os cantos. Su as obras
criaram uma base para os qu e vieram posteri orm ente, pa ra segu ir e expa ndir o
vínc u lo en tre som , arqu itetura e ce nog rafia. As palavras também via jam at ravés
do espaço dr am ático .
3 Apresen tada pe la primeira vez no Queen 's Hall , em Londr es, em sete mbro de 1918.
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1. 4 - Desenh o de The Petiticm (Julia Pascal), para Bevis Marks, Londres, 2006
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aco n tece r, m elhor realizá-Ia em um teatro ade qua do, co m banh eiros e ven tilação .
Escute o som da voz hum an a no espaço. Se a fala ou o ca n to fizer parte do traba-
lh o e o espaço ressoar ou ecoar, serão necessárias cor tinas pr et as pesad as ou placas
acús ticas para abso rver o som; assim, reve ja sua posição. Por m ais estim ulante ,
enca n tador , nostálgico e atrae nte qu e um espaço possa ser, não se rá bom se sua
arqui tetura trab alh ar co n tra a produ ção planejada: esses problem as não desapare-
ce rão . Fique seguro e se ja ou sad o. Conside re o qu anto u m a peça de site specific
pod e se tornar não espec ífica. O teatro ilu sioni sta, m esm o qu an do lida co m a
rea lida de do palc o, pro cura criar espec ificida de.
Maquetes
O cro qu i do plan o cê n ico é conside rado o prim eiro marco do bom ce nógrafo qu e
co le tou os dad os dispon íveis, rea lizo u diversas visitas ao local e co m pro u novas
pro visões de lâmin as afiadas e placas de espu ma sin tética larninada co m pap el
br an co dos dois lad os para co nfecc ionar sua ma que te , Há a su pos ição de qu e , a
partir desse ob jeto asséptico, desprovido de cor, textura, su jeira ou se n time n to, a
produ ção possa ser orça da e acorda da. A arqui tetura e a ce nografia diferem . E m
gera l, as m aqu ctes dos arqu itetos são elega n tes, pr ecisas e limpas e ap rese n ta m
u m espaço inexistente, um espaç o espe ran do para ser reconstru ído. A m aq uete
de um ce nóg rafo deve reproduzir um a real idad e existen te , qu e é, freque nte-
m ente , u m espaço bastante usad o, su jo e som b rio, co m tubos e climati zad ores
locali zad os inconveni entem ente no m eio das pared es, sina is de saída iluminad os
em ca n tos esc uros e par ed es qu e se parecem co m co lc has de ret alh os de ti jolo s e
gesso deteriorado s. Todos os obstác ulos e dificuldad es qu e o ce nógrafo, o dir etor
e os atores enc on trarão , incluindo co res e texturas qu e dão ao espaço sua carac-
terí stica individual, pr ecisam ser indi cados. Inicialm ente , pod e ser útil fazer um a
rnaquete tran sportável, forte e leve, em esca la muito pequen a, de I:l OO , co m a
cor e a textura do s tijolos ou a com posição das pared es e do piso, bem co mo
com qu alqu er ou tra co isa qu e possa ajudar. Sendo pequen a e facilm ente trans-
port ável , a m aqu ete é uma maneir a práti ca de dem on strar os po ssíveis usos do
espaç o para os ou tros e de discutir e solucio na r os probl emas an tes de conve rte r
a esca la pequ en a em um tamanho co nve nc iona l de 1:25 , proj eto a partir do qu al
os criadores irão trabalhar. Além disso, tenha cu ida do! Essas m aquete s em esca la
pequ en a são muito sedu toras, portanto, não con fie qu e m esmo os colaboradores
mais famili ari zado s se jam realm ente ca pazes de ler a realidade em uma esca la
tão diminuta e precisa. Essa esco lha é u m começo, não um fim em si mesmo.
Essa pequena maquete provavelmente será ma is útil se puder acabar como um
sim ples brinquedo de executivo sobre a mesa do patrocinador.
o efeito do espaço
Parte do processo cenográfico de conquistar um espaço consiste em investigar o
mo tivo pelo qua l alguns deles instigam e elevam as expecta tivas en quan to ou tros
não o fazem. Uma explicação para esse mistério é que os espaços cênicos são abri-
gos temporários. A marca é feita pelos criadores teatrais qu e, às vezes, descrevem-se
como ratos de esgoto'. Freq uen teme nte, eles perambulam pe los espaços teatrais
do mundo com as ferramen tas de seu ofício e, em seguida, as embalam de novo e
seguem viagem. Quando havia um sistema de fina nc iamento seguro, qu e permitia
que compan hias permanentes evoluíssem e desenvolvessem suas assina turas ind i-
viduais, os teatros podiam ser identificados com um estilo da casa. Atua lmente e de
modo gera l, a autoria jaz em com pan hias individ ua is, mu itas vezes em diversas co-
produções que dependem da capacidade de apresentar trabalhos em espaços com
características muito distintas. Isso significa que, mesmo ao trabalh ar fora de um
edifício teatral convenciona l, o ce nógra fo deve juntar um a série de ingredien tes
de primeira classe que podem ser uti lizados de maneira Hexfvel e independente da
situação, co mo se ele fosse um coz inhe iro. Isso significa trabalh ar de de ntro para
fora da produção, entendendo realmente o texto, a part itura ou o libreto e os re-
quisitos dos atores, dos mús icos e o relac ionamento co m os espectadores para que
estes possam se ligar emoc iona lmente ao espaço. A disposição dos espec tado res
dentro do espaço faz parte da responsabi lidade cenográfica, mesmo após prévia
consul ta a arquitetos teatrais, especia listas em ac ústica ou a outros profission ais.
Esse não é um item distin to e não pode ser delegado.
4 La Fura del s Baus, grupo teatral cata lão radical cuja tradu ção do nome significa "ratos
de esgoto" .
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respondendo àque le espaço e analisan do o qu e ele pod e ofereee r e qu e jamais po-
der ia te r sido pr evisto. U ma dife re nça importan te ao se trabalha r em u m espaço
de site speci{Ic é qu e o espe cta dor e o a tor estão unidos e m um recinto ou câ ma -
ra. É muito difer ente do teatro co nve nc iona l, o nde a pl ateia pod e se r e m ba lada
até um esta do de se m issono, espe rando a té ficar in ter essad a e se r ativada pelo
brilho da representaçã o ou ela produção . Divirta-me! Teste-me! Deixe-me interes-
sado! Não hasta o meu esforço de ter vindo até aqui, estacionado o carro, deixado
minha aparência respeitável, comprado lL1n !Jrograma de preço exagerado para ler
110S momentos enfadonhos - também tenho de escutar? É muito m ais difícil para o
espectador se m an ter discr eto qu ando o espaço é co m pa rtilha do, m esm o se o dos
int érpret es é iluminado de modo mai s claro e o do s especta dores fica à so m b ra.
Nesse espaço co m pa rtilha do, o espectador é solici tado a assistir - estar pr esen te
e es ta r pronto para rec eb e r -, tendo m en os possibil idad es de se r um observador
passivo . Toda performance é espe c ífica e m relação ao local e m qu e é c riada : um
teat ro , uma forta leza, uma tenda ou a Lu a. Todo trabalho deve exa m inar co mo
util izar o espaço para con ta r sua hi stóri a visual e dr amati camente . Um espaço,
por ém , está morto en qua nto as pessoa s não o trazem à vida, indep endenteme nt e
de qu ão brilha n te se ja o arqu iteto. As pessoas se comporta m d e m an eiras impre-
visíveis, a m en os qu e se ja m co n troladas pela estru tura arquitet ôni ca, como no s
teat ros co nve nc io na is ou nas casas de ópera. E m u m am bien te livre, se ja d o lado
de fora o u do lad o de dentro, o int érpret e pr ecisa se apo de rar d o espaço dramáti co
e co nd uz ir o especta dor AT RAVÉ S do espaço. O espaço não é um c onceito a bstra to.
lt um volu me trid im en sion al real a se r m oldad o e esc u lp ido de aco rdo co m a
in spiração pessoal e a n ecessid ad e cole tiva. O int érpret e desenvolve h abilidad es
para utilizá-lo a fim de obter o melhor efeito possível não só pelo movimento
físico, m as também pelo exame e a exploraç ão do foco poderoso en tre intérprete
e espe c tador. O trab alho interdi sciplinar prati cam ente exige qu e o criador visua l
en te n da os desafios e n fre n tados por um int érprete qu e co nta uma hi stóri a. Dessa
m an eira , cruza m os algu ns do s diversos limites a rtificiais d essa profissão qu e estão
em int en so qu estionam ento.
A história de um espaço
A a rqu ite tur a e o espaç o cê n icos são se m pre definid os e m um co n tex to. Par a e n-
tend er isso, é import ante pesqui sar e e ntende r a hi stóri a do espaço. Qu e seg redos
co n ta m essas par edes? As pedras falam, e os espaços conse rvam m emóri as. D essa
ma neira, a d ram aturgia do espaço é c riada . Please Take a Seat! (Por favor, leve
seu assento' ) é u m pequ en o estudo de caso a respeito da in teração do espectador
cas ua l co m o espaço arquitetônico (exterior) e o espaço dram áti co (in terior).
Please Take a Seat! foi u ma peça m cm orial ística criada para o Simpósio
In tern acional sobre Arqui tetura e Espaço de Performance, organiza do pelo curso
in terdisciplinar de m estrad o Scenski Di zajn da Un iversidade de Artes de Belgrad o,
em setem bro de 200 5, e pelo 39° Festival Int ernacion al de Teat ro de Belgrad o
(Bitef). Fui convidada a fazer o discurso de abe rtura desse sim pósio e, na ocasião,
pergu n tei se, em vez de só falar a respeito, eu pod eri a criar uma petiotmance qu e
demonstrasse o uso do espaço. T inha pe nsa do em aprese n ta r ou tra peça teatr al
em uma pequena região do centro de Belgrad o co nhecida como D oréoi. Esse
negligenciado bairro é limitado a leste pelo rio D anúbio e fica sob a an tiga fort a-
leza turca Kalem egdan , situa da no top o de um m onte . D oréol é dividid a ao me io
por uma avenida e pe la lin ha de bonde Cara Dusana, qu e deixa as pequenas lo jas
e os negócios muito su jos e em poe irados, o qu e se soma à atmosfera de part e
esquecida da cida de. Um pr édi o de banhos tur cos aba ndonado abriga uma expo-
siçã o dos sofisticados m óveis de esc ritório Vitra. Não obsta n te, há indícios de que
os especuladores im obiliári os estão chegando - o estilo glo ba l da m oradi a em
Ioits está fica ndo visível -, pois esses im óveis an tigos estão a u m a pequ en a distân -
cia a pé da Knez Mi hai lova, principal área de co m pras de ru a da cidade, do
Kalem egdan Zoo e da ribeira, onde co nve rgem os dois rios, o Sava e o Duna
(D an ú bio). No enta nto, Doréol ai nda gua rda a marca de se u passado , e os pr ó-
prios nomes das ruas reve lam isso: Saloniki, Braée Baruh e a muito famosa
Jevrejska - ru a dos Jud eu s - , atua lmente ru a de um ponto de táxi e do Centro
Cultura l Rex. Eu tinha co n hecido o Rex dois anos an tes, ao ap resen tar m in ha
pe ça Scenomanifesto! . Caminhe i pela [evre jska e cheguei a um edifício de estilo
eclético, ligeiram ent e turco ou talvez orien tai. Uma lateral do edifício parecia
levar a apa rtamen tos prati cam ente aba ndo na dos, e a en trada prin cip al dava para
um saguão e uma nova sala de computado res, financiad a por George Soros, a
C ybe r Rex. Portas de vaivé m co nduz iam à part e princ ipa l, qu e foi usad a sobre-
tudo co mo cine ma dep ois de sua pr évia enca rn ação com o sede da rádi o livre B92.
Estava completamente des preparada para o que vi através das port as: quase uma
miniatura do Tea tro alia Scala , em Mil ão. Havia o pequen o palc o em u ma ex-
tremidade de u m grande salão ret an gul ar e um balcão em curva na ou tra extre m i-
dade , apoiado por pilares elegan tes: tod os pint ad os de bege e branco. Ao redor do
salão , vi co lu nas corín tias nivelad as com acantos bran cos port and o, no alto, estre-
las de D avi. E m uma pared e , jan elas fech ada s com venezianas davam para um
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pátio che io de roupas lavad as, ca rros velhos, mó-
veis descartados e algumas árvores raquíticas.
Perguntei ao che fe dos técni cos onde estávam os e
o que era aque le edifício. Ele me levou então
para o lad o de fora e apontou para um a plaqu eta
gravada em sérvio e hebr aico, quase ilegível por
causa da imundície ac um ulada e da su jeira de los
abajos, ou se ja, das profundezas de Belgrad o. A
plaqu eta mostrava que o edifício foi co nstru ído
em 1928 como local para celeb rações da comuni-
dad e local, casame ntos, aniversários e os elega n-
tes bailes tem áticos, que eram um a atração popu-
lar para mui tos dur ante a pré-guerra no Leste
Euro pe u. Suas paredes co ntavam sua história.
Naquele mom ento, havia a possibilidad e de util i-
zar o espaço pela segunda vez. Decidi ver como
podia pôr em prática o prin cípi o de qu e "o espa-
ço não é simplesme nte um a lu gar pa ra onde você
vai, mas um lugar em qu e você passa por uma ex-
periên cia". Ti nh a a van tage m de ser a prin cipal
criadora do projeto, ser cap az de escolhe r e cons-
tituir a equipe de colaborado res e, acima de tudo,
ser capaz de achar u m equivale nte dram atúrgico
para o espaç o arqu itetônico. Levando em co nta o
1 .. 1 co ntexto geográfico do Rex - e seu fut ur o bastan-
te incerto na região ce ntral de Belgrad o, pront a
«:,1'1 1 1J'I A C f. para os espec ulado res imobili ários avança rem - ,
propus criar uma peça memorialística, com base
PA PvT 2. nos fantasmas dos personage ns de Doréol (dos
'J' f. E ,..J'-:' .'"t' s; l( l- quai s pou cas pessoas co nseg uiam se lembrar).
A J at A T c ~ 1>1!t Por me io da Un iversidade de Artes de Belgrad o,
~e:~ &~~7 constituiu-se um grupo interdisciplina r, incluin-
do ator es, um dram aturgo/escritor , artistas visua is,
um artista de som lluz e ade recistas. Cada mem-
bro foi solicitado a pesquisar sobre a história de
1.5 - A carac te rização de lima das cadeiras a ficarem vida de um a pessoa que viveu em Dor éol no perí-
no Cyber Rex odo entre a virada do século XIX e os anos 1940,
sobretudo quando o Rex ainda era um centro cu ltural e um salão de baile s.
Tínhamos então o dia de contar essas histórias, momento em que líamos, em voz
alta, cur tos mon ólogos que tínhamos escrito como se fôssem os aqueles person a-
gens. No fim daquel e dia, escolhíamos seis histórias de person agen s distintos para
desenvolver um úni co tem a coe rente. Era um pouco co mo ter algumas maravi-
lhosas lãs de co res vistosas para tricotar , mas sem saber exatamente qual seria o
padr ão da peça de roupa. Conside rando o espaço do Rex, vi que existiam ce rca
de duzentas cad eiras dob ráveis, empilhada s junto às pared es, sob o pal co ou nos
ca n tos afastado s. C laro que cadeiras são sempre necessárias de acor do com os dis-
tint os usos do espaç o. Assim , as cade iras móveis faziam par te da atmo sfera, e fo-
ram o gatilho para a cria ção de um a plasticidade espacial real. Decidim os qu e
cada perso nage m escolh ido deveria criar um a cadeira, que seria, de fato, um pe-
queno palco de on de sua história seria co ntada. Aquele ob jeto refletiri a o mundo
do personagem . Por exemplo, Ren a (a ex-bailarina que virou vende do ra da loja
de c ha pé us) teria um a cadei ra dourada, co m um a árvore do tipo vitrine brotand o
do assento sobre o qual ficaria seu incomum chapeau. Cri am os o poeta errante,
a avó tur ca, a noiva fanta sma qu e se afogou no Danúbio no dia do casame nto
para evitar um matrimônio arranjado, o famo so souffleur - o ponto teatr al, cu ja
vida se passou sob o palco e nun ca foi visto (embora todo s os atores dep endessem
de le ) - e, finalm ente, a garota da nova geração, ans iosa e otimista, preparando-se
para ir ao seu prim eiro baile. As seis cad eiras-palc o foram posicion ad as em luga-
res distintos sobre o chão do Rex e cu idadosa me nte iluminadas. Elas estavam no
saguão, exatamente na en trada do prédio, criando um salão de palestras. Para sua
surpresa, os espec tadores, chega ndo da rua, en travam e se deparavam co m aque-
le salão repl eto de trab alh os do simpósio sobre os assentos e viam um flipchart
co m desenh os dos espaços do Rex. Definiti vam ente, NÃO era o que eles espe ravam.
Um professor acadê mico aparecia com um ponteiro laser feito de um galho fino
de árvore encontrado na calçada com um a pena cor de laran ja na extremidad e.
O professor era muito severo, explicava que o flipchart era um a aprese ntação em
Power Point e qu e o galho era um ponteiro laser; e prossegui a, dand o um a aula
acadêmica ár ida sobre arqu itetura e espaço cê nico. De rep ent e, o telefon e do
professor toca, apesa r do fato de todos terem sido orde nados a desligar seus celu-
lares . Parecia ser a ligação de um famoso expert em arqu itetura da G rã-Bretanha,
e a co nve rsa termina co m o professor concorda ndo qu e espaço não é algo que
possa ser sim plesme nte falad o a respeito, mas algo que tem de ser expe rime ntado.
Subitame nte, as port as do aud itório do Rex se abrem, e, na penumbra, podem ser
vistas as cad eiras-palco iluminada s com os persona gens im óveis. Escuta-se o som
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fraco da orquestra do salão de bailes. O professor orde na "Por favor, levem seus
assentos!", e os espec tadores, obedi entemente, pegam as cad eiras dobr áveis e
en tram no auditório. ão há restrição em relação ao local onde o público colo-
ca ria suas cade iras para se sentar, e os ator es sabiam qu e, a cada apresen tação,
teriam de reagir a um padrão distinto de confi guração da plateia. No entanto, os
espec tado res procuram inicialm ent e perc eber onde é a {rente e se arranjam para
ficar diante de um dos personagens. Constatou-se quase a m esma con figuração
para cada pertormance. O primeiro personagem começa a contar sua história, se-
guido pelo segundo, terceiro etc ., até que todas as histórias tenham sido contadas.
Os espec tadores descobrem que mover suas cade iras é a coisa mai s fácil do
mundo; assim , às vezes, eles estão na {rente, bem perto de um dos person agen s, e,
outras vezes, estão a uma distân cia maior ; eles gostam de ser levad os ao redo r do
espaço em um relacionam ento direto, individua lizado. Descrevo isso co mo espa-
ço lin ear. No entanto, a performance está prestes a mud ar no espaço dim en sion al.
De rep ent e, os persona gen s começam a se con ect ar voca lme nte un s com os ou-
tros, lan çando falas através do vazio central, bem acim a das cabeç as dos espec ta-
dor es. Um a nova história eme rge. Um a celebração está em preparação e todos os
per sona gen s aprontam-se para o evento à sua própri a man eira . M esmo o fanta s-
ma da noiva apar ec erá das profundezas do Danúbio para enc ontrar seu amante
poeta. Os persona gens descem de suas cadeiras-palco. O som fraco da orqu estra
do salão de baile s fica mais alto . O baile começa. O s persona gen s dan çam com
os espec tado res e estes, sem pen sar, dan çam un s co m os outros. O s personagens
levam os dan çarinos para o palco , onde uma mesa está posta com co m idas sim-
ples. Quando o elenco tem todo s os espectadores sobre o palco, as luzes se escu-
recem , e as do auditório se acendem e os atore s pegam suas tigelas. O arranjo
convencional do palco foi compl etam ente invertido. A luz volta-se sobre o palco
apinha do e os espectadores descobr em uma exposição simples de desenhos reali-
zado s durante a cria ção de Please Take a Seat!. A interação dos espectadores com
o processo é infinitamente praz erosa. Oferece às pessoas algo sobre o qu e falar a
respeito, e as insere em um mundo que, de fato, elas ajuda ram a criar.
Inesperad amente, Please Take a Seat! utili za o ren ovado interesse em rastrear
nossas raízes e mostra como todo s nós estamos interligado s. Também explora o
relacionamento do ator com um espaço livre, e sua reação ao espaço criado pelo s
espec tadores com a colocação das cade iras. As cadeiras-palco eram ajuntamentos
de objetos e refugos encontrados que, em si, carr egavam ressonân cias e m em órias
de coisas do passado, dando aos espectadores chave s para suas parciai s lembran-
ças (Figura 1.5)'
Espaço encontrado
Em z005, em Salônica, na Grécia, comecei os preparativos como diretora para a
estreia grega de The Greek Passion, de Bohuslav Martin ú, ópera-drama de gran-
de escala baseada no livro O Cristo recruciiicado, de 1 íkos Kazantzákis. Tanto
Martin ú como Kazantzákis estavam vivendo no exílio, em Antibes, em 1957,
quando começaram a desenvolver essa parábola a respeito da história da Páscoa.
Ela tem uma trama dupla: a vida em um vilarejo cristão, que se acomodou con-
fortavelmente ao domínio do governador turco em exercício, e a súbita revolta
provocada pela chegada de um grupo de irmãos cristãos liderados por seu padre e
cujo vilarejo foi incendiado pelos turcos . Os refugiados imploram por ajuda, pois
estão famintos e seus filhos, morrendo. O padre de Lycovrissi não deixa que seu
vilarejo seja perturbado pelo súbito aAuxo de pessoas de fora e as impede de ficar.
O conceito de caridade cristã é questionado pela ópera e pelos espectadores. O
espaço designado para a apresentação foi o Teatro Nacional do Norte da Grécia,
uma sala bem-equipada e confortável, com auditório envolvente e palco grande
com proscênio em forma de envelope.
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que precisávamos. Independentemente das conotações históricas e políticas, a
geometria do espaço tinha toda s as condições prévias para a encenação daquela
ópera polêmica. O espaço equivalia a um triângulo equilátero tridimensional em
sua base . Dois lados do triângulo eram muros altos que se encontravam no centro
e, em seguida, encaravam-se como dois braços estendidos. Todas as dimensões
eram praticamente acessívei s aos intérpretes.
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Era certo resistir à escolha fácil de montar
essa ópera no conforto técnico e material do
Teatro Nacional , como fora sugerido inicial-
mente. Ao considerar como se criar um con-
texto para essa ópera, que refletiria a realidade
dos personagens de Níkos Kazantzákis - bem
conhecidos dos espectadores devido ao livro,
ao filme e a uma série televisiva -, a escolha
era realizar uma reprodução cênica artificial
das construções de pedra e de uma montanha
ou achar um local que pudesse representar a
realidade sem realmente reproduzi-Ia . Os es-
c. 'r 4' Jfo:"
l'
A
pectadores não tinham id éia de que as pou- '1' " " ..,.. • • I"~
Pragmática
Depois de criar uma ópera de grande escala ao
ar livre, na Grécia, fui convidada a apresentar
uma propos ta para um festival concebido para
marcar o 50° aniver sário da morte de Bohu slav
Martin ú. Procurei uma peça de pequena 1.6 - O espaço cê nico de The Greek Passíon
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escala, uma ópera de câmara cômica, que poderia ser montada em uma sala ou
um recinto com capacidade para cerca de duzentos espectadores. Descobri a
ópera televisionada O casamento, composta quando Martin ú estava no exílio, em
1 ova York, em 1953, baseada na peça homônima de 1 ikolai Cógol (18°9-1852).
Parecia que, da forma como Martin ú a tinha composto, a obra jamais havia sido
encenada teatralmente em inglês . Ela parecia a escolha perfeita, sobretudo quan-
do percebi que poderia ser facilmente atualizada sem perder o realismo gogoliano
que revolucionou o teatro russo. Um dos desafios do projeto era encontrar uma
sala em que dezessete músicos de uma pequena orquestra e o maestro pudessem
ser parte da ação e não ficar escondidos em um fosso de orquestra . Comecei a
procurar um espaço que apresentasse possibilidades, e me apaixonei de imediato
por um maravilhoso salão na parte superior de um antigo prédio escolar, em um
ex-distrito industrial de Pittsburgh, nos Estados Unidos. Tinha janelas ao longo
do comprimento de cada parede e, no centro da parede posterior, uma grande
arcada dava acesso a dois recintos menores em cada lado de um pequeno corre-
dor. À primeira vista, era perfeito. Então, comecei a perceber que, para a peça
que planejava criar, a simetria total do espaço imporia a forma da encenação.
Além disso, descobri que as altas paredes paralelas vazias criavam um enorme
eco, e que as linhas regulares das janelas, percorrendo o comprimento do espaço,
precisariam ser escurecidas. Assim, apesar de ser sedutor e atraente, tive de reco-
nhecer que, em vez de gastar tempo e dinheiro ocultando o que havia ali, talvez
fosse melhor achar um lugar menos atraente e que servisse mais adequadamente
ao propósito. Então foi proposto o antigo edifício de uma fábrica, em processo de
conversão para espaço cênico. O local tinha a forma de um retângulo alongado,
sendo que as paredes laterais possuíam comprimento três vezes maior que o das
paredes das extremidades. O espaço logo sugeriu que a ação, situada em duas
casas diferentes de Iova York, poderia ser posicionada em tomo do perímetro do
local. Dessa maneira, não haveria mudanças de cena, mas os espectadores teriam
de ter condições de olhar primeiro para uma direção, durante um curto primeiro
ato, e, depois, para a direção oposta, para os segundo e terceiro atos . Imaginei
o maestro como o regente, ou seja, o mestre dos eventos, que controlaria tanto
os intérpretes como os espectadores, e se tomaria um personagem da ópera. Os
requisitos musicais impõem que os cantores e os músicos sempre tenham de ser
capazes de vê-lo, mas, ao mesmo tempo, nesse espaço compartilhado, a acústica
para os espectadores teria de ser tolerável, mesmo quando muito próximos da
orquestra. A princípio, esses dois imperativos pareciam ser totalmente contradi-
tórios, mas era desafiador achar uma solução elegante e matemática. Uma sala
vaz ia - e nada teatral - estava espe rando para ser anima da por um grupo de cria-
dores teatrais. Uma série de locais de vinhetas, em torno do per íme tro do espa-
ço cênico, poder ia espe lha r visua lmente o mu ndo lou co e estranho de Niko lai
Cógol. A pr imeira tarefa envolveu a e laboração de um co n junto de nove figur as
em esca las tridimensionais que não tombassem e a orq uest ra, com 17 figuras com
os maiores instru me ntos, de modo qu e o espaço real qu e esses ele me ntos ind is-
pensáveis ocupariam pudesse ser visto. O piso e as par edes da ma que te eram de
placas de espuma pre ta, sendo os qu adrados mét ricos marcados na superfície com
uma lâmina de bisturi . Tod as as obstruções - saídas de incêndi o, entrada do pú-
blico, galeria de iluminação, pilares - foram adicionadas e, aos poucos, o espaço
util izável foi defin ido. Era me nos espaço do qu e o previsto e, cer ta mente, foi um
desa fio acomoda r du zentos espec tado res, incluindo acesso para cadei ras de rodas.
Não havia outra solução, exceto escu tar incessantemen te a música de Martin ú
en quan to exec utávamos, em esca la, o mob ili ário necess ário para cada local. Não
houve nen hu ma decoração, nenh uma ideia extravaga nte, ape nas esco lhas preci-
sas de tamanho e qua lidade dos ob jetos selecionados . O local começava, cada vez
mais, a se asseme lha r a um salão mozarti ano , até qu e o probl em a ficou evide nte.
Um ou outro elemento tinha de ser ergui do . Os in térpretes deviam atuar em um
pe ríme tro erguido ou os espec tado res teriam de se sen tar sobre um a arqui banca-
da, a fim de que as linhas de visão funcio nasse m. A liberd ad e dos int érpretes de
utilizar o espaço tinha prioridad e, e a plat éia en tão foi erguida, a inda que provida
de um sistema móvel de assentos. A produ ção é plan ejada para ser aprese n tada
em espaços distintos, em bora preservando o eq uilíbrio del icado entre orquestra,
inté rprete e espectador.
Habitando o espaço
O Teatr Wsp ólczesny, em Bresl ávia, na Polônia, impôs um desafio bastante dife-
rente. Situado em uma antiga cidade na fronteira entre a Polônia e a Alemanha,
o teatro, por meio de sua excelente diretora Krystyna Meissner, tinha uma repu-
tação de inovação e experimentação em virtude tanto da escolha do repertório
como das encenações. A salle principal é um auditório alongado com um palco
no nível do chão, na extremidade do espaço. Duas entradas em cada lado do
conjunto de assentos, no centro do espaço, são compartilhadas pelos atores e
pelos espectadores, com entradas adicionais para atores no fundo da área cênica.
Helena Kaut-Howson, diretora teatral anglo-polonesa, propusera a montagem da
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peça VictoT)', de Howard Barker, poeta, dramaturgo e pintor britânico, para a qual
eu seria a cenógrafa. A peça começa com uma curta cena de violência em um
campo de urtigas e cardos com espinhos. Um oficial do exército ordena que os
soldados escavem o solo implacável em busca de um corpo. Que imagem! Que
linguagem descreveria a ação, e como eles poderiam fingir que estavam esca-
vando? Decidimos que a peça tinha de ser interpretada com verdade e realidade
- e não com naturalismo cênico -, e que todos os espectadores deviam ficar o
mais próximo possível da ação, "como pessoas que testemunham um acidente de
trânsito'" . A única solução seria considerar todo o recinto como espaço de traba-
lho e deslocar o palco para o centro, movendo a plateia para um novo conjunto
de assentos na antiga área cênica, criando, assim, um pequeno palco transversal
(plateia em dois lados em relação ao palco), onde construímos um buraco fundo
e o enchemos com terra (Figura 1.7). As paredes do teatro, incluindo as entradas
normais dos espectadores, foram texturizadas e areadas, como paredes abstratas
em desintegração, ou seja, era uma metáfora das monarquias inglesa e polonesa;
e um chuveiro em forma de barra foi instalado acima, primeiro, para dar opor-
tunidade ao mau tempo e aos relâmpagos e, depois , para impedir a subida de
poeira, o que afetaria as vozes dos intérpretes. J esse momento, eu peguei minha
familiariedade com aquele espaço e fiz uma maquete em escala. osso teste foi
5 Come n tário feito pela diretora Helen a Kaut-Howson durante o pro cesso de trabalh o.
então ler cada cena cuidadosamente, inserir as primeiras imagens que eu fizera
a partir do texto e adicionar apenas o que era mais necessário para esclarecer a
cena. Por meio desse processo, o texto e a visão se tornaram únicos, e os atores
puderam assumir e habitar o espaço com ousadia e perigo.
Criando O espaço
Simples nem sempre significa pequeno, e o espaço nem sempre é sólido e tan-
gível. As vezes, o espaço precisa ser inventado a fim de contar a história. sin-
tetizando a cenografia e a direção em uma criação original. Rudyard Kipling
(186 5-19 36), poeta e esc ritor do séc ulo XIX, ficou tão comovido com sua visita ü
minúscula capela de Saint Wilfred, do século XI, que escreveu o poema" Eddi
of Manhood End", contando como o padre Eddi veio ensinar os bárbaros anglo-
-saxões de Sussex a pescar e a receber o cristia nismo . Isso se tornou o tema para
um novo projeto, planejado para seguir os princípios olímpicos. utilizando mú-
sica e canto, a fim de contar às pessoas uma história sobre onde elas viviam .
Procurei muitos lugares, mas ne nhum pareceu adequado. Em um be lo dia en-
solarado, sentei-me em um cemitério e desenhei a capela, Percebi, conforme
meu pincel desenhava a forma, que a capela era muito parecida com uma tenda.
e que estas possuem associações antigas envolvendo canções e música. "Quão
belas são as suas tendas, ó Jacó, e as suas moradas. ó Israel!" (Velho Testamento ,
1 . úmeros, 24=5 )' Um evento em uma tenda! i lenhuma necessidade de achar
um espaço, sim ples mente achar o lugar e conseguir satisfazer as normas (Figura
1.8). Naturalmente. os espaços devem ser econ ôm icos e seguros para o público:
devem ter acesso, segurança, geradores. banheiros e tudo aquilo que é exigido
para se obter alvará ele funciona mento . Os circos fazem isso o tempo todo, assim
como os concertos de rock, os casamentos e os eve ntos corporativos. E assim co-
meça a grande aventura. Não um trabalho em um site specihc , mas a criação de
um espaço específico para um even to em um loca l que será jubi loso e musical e
deixará um legado na memória co letiva,
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1.8 - Eddi o(J'>1anhood End: plan o ge ral esque má tico e descritivo do evento em uma tenda
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TEXTO
A lingu agem é fund am ental para o teatro , e me u compromisso sem pre foi o de
usa r a ce nog rafia para realçar e revelar o texto e a história por trás dele. Se a disposi-
ção (ou layout) do espaço cênico for bela e eloque nte, a plateia conseg u irá escuta r
me lho r a peça. A apresentação do tem a clássico ou mod ern o, de maneira sim ples
e verdade ira, o deixa vivo e pul sante, dá validade ao espaço cê nico e envolve o
públi co. Um espectado r deve sair do teatro tocado e im pressiona do pela qualid ad e
da peça, e não sim plesme nte se lembrando das atuaç ões indi vidu ais, dos efeitos
cênicos ou da produção, qu e são meramente partes do evento totai.
Entendendo a peça
Le r uma peça IlllI1Ca é fácil. A m ente tem o hábito importuno de sub ita me n te
pe nsar a respeit o ela co m pra sema na l e do qu e prep arar para o jantar. As pessoas
não se sen ta m com frequên cia para ler uma boa peça, co mo o fazem com um ro-
m an ce . Alguns ce nógrafos dirão qu e não pr ecisam fazer nad a m ais do qu e passa r
os olhos pe lo texto, no ta ndo sim ples me n te a mudan ça de arn b ientações de ca da
ce na, e de ixan do o resto para o dir etor esmi uçar. Com o intuito de co n tribu ir para
uma produção a par tir de uma posição relevan te, o ce nógrafo precisa esta r fami -
lia rizad o com o texto, co mo qu alquer um dos atores e o diret or : u m a estratégia
pessoal qu e o torna senhor do texto e transfor m a o qu e, às vezes, seria u m exercí-
cio desen corajad or em uma jorn ad a prazero sa de descob e rta, e m uma plat aforma
de lan çam ent o in spirad ora para a visão da peça . Acho muito útil ler a peça em
voz alta co m u m gru po de pessoas ou só co m o diretor , disputando um jogo co m
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regras mui to estritas. Uma delas é a de que nin guém deve deixar passar nada
que não entenda, indep endent emente do tempo necessário para a descob erta do
significado. Todos podem int erromper e qu estionar o leitor com perguntas como:
"O que o texto ten tou dizer ali?" Após algumas falas (especialmente na leitura de
Sha kespea re), algué m do gru po de leitura deve resumir co m suas próprias palavras
o que aco ntece u, e o restant e das pessoas deve co ncorda r. Dessa decomposição
do texto em peq uenas unidad es compreensíve is, os pon tos da trama que movem a
história se torn am visíveis e podem ser orde nados em um a lista de em que - sen-
tenças curtas em que uma pessoa fa z algo para alguém, resultando em uma ação.
Não se pe rmi te mais do que um m ínim o absoluto de palavras, e elas devem ser
ativas e precisas . Esse tipo de leitura intensa cria o esque leto da peça, que será
preenchido e vestido. Esses em que se torn am os títulos dos primeiros desenhos das
imagens da peça, e criam um storyboard visual descrevendo a ação e o desenvol-
vimen to da trama. os desenh os, é absolutame nte necessário incluir o número
certo de pessoas que aparecem naque le momento cênico, pois isso dá a forma da
cena e indica o espaço necessário. Esses desenhos não devem ser co nsidera dos
co mo projetos. Nesse mom ento, são apenas um a sequê ncia de ano tações dese-
nhadas de maneira rápid a e fluente, não concebidas co mo obras de arte, mas que
sim plesmente ut ilizam desenhos como um a linguagem de comunicação.
Vísualízando O drama
A próxima parte do processo de tran sformação do texto em um ce ná rio visual é a
criação de um qua dro sobre a form a geral da peça em um a única folh a. Comece
com uma co luna do lado esquerdo do pap el, registrando os nomes e detalh es
breves de todos os personagen s, e, em segu ida, registre as ce nas na parte supe rior,
com inform ações suc intas: números das páginas, hor ário do dia, locais etc. Então,
crie uma tabe la a ser preench ida com informações extras, registrand o mob iliário,
objetos cênicos ou efeitos especia is. O ob jetivo é ser capaz de visua lizar, a partir
desse quadro, a form a completa da peça. Gos to de dar a esses quadro s um a apa-
rência tanto decorativa co mo fun cional, e, assim, quand o os locais se rep etem ,
como em Shakes peare, uso um código de cores. En tão, volto a ler a peça, lent a
e cuidadosamente, marcand o em um quadro apro priado a prim eira aparição de
cada person agem na ce na, co m um a observação a respeito da necessidad e ou
não de mu dança de figuri no. O result ad o final é um a planilha desenhada a mão.
j aturaI mente, ela pode ser feita de modo mais rápid o em um co mp utador, mas
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isso é m ais do qu e uma lista eficiente, pois, qu ando a mão registra o que os olhos
veem , o trabalh o fica indel evelm ente m em orizad o. Nessa planilha, linha após
linh a, pod emos observar a jorn ada de cada person agem através das ce nas da peça,
e, nas co lunas, podem os ver qu antas pessoas estão em cada um a das ce nas, com
os requi sitos básicos dos eleme ntos cê nicos, o mobili ário e os objetos cê nicos.
Volt and o a ler na ho rizontal, pod emos observar onde ocorrem as possibil idad es
de dupli ca ções, o tempo entre as ce nas para os personagen s saírem e entrarem e
o tempo para reali zar as mudanças de figurinos.
Voltando a ler na verti cal, pod emos observar o tamanho e a forma das ce nas, e
qu ais delas pre cisarão estar preparada s antes do iní cio da peça. Essa tabela tam-
bém revela onde possíveis int errupções e int ervalos pod em ser inserido s, co m o na
primeira parte de Henrique IV , de Shak espear e, A ce na na tab ern a da "Cabeça
do Javali " (ato Il, ce na 4) é a mai or e mais com plexa da primeira metade dessa
peça, exigindo saídas para outros recintos e locai s de esco nde rijo. Era preciso
qu e ela apa reces se rapid am ente após a pequ en a ce na, em North um be rland, com
Hotspur e Lady Percy, e seu peso, textur a e pot en cial cô mic o suge rem imediata-
m ente a co locação de um int ervalo logo após essa ce na 3. Juntando a quantidade
de persona gen s nas cen as e os requi sitos da enc enaçã o, é fácil perceb er qu ais são
as ce nas-chave de um a peça. Nem sem pre são a prim eira e a últ im a. O quadro
revela onde os probl em as técni cos estão prop en sos a ocorrer e, a pa rtir dessa in-
formação , a produção pod e ser orçada de mo do realista, com base nas de ma ndas
do texto e dos requi sitos da en cenação.
Povoando a peça
Registrar todo s os person agen s no quadro co ncede outra oportunida de para o
estudo do texto. Da lista de em que, os pontos-ch ave da trama ago ra pode m ser
aloca dos às ce nas, prontos para ser desenh ado s em relação ao espaç o cê nico. Em
prim eiro lu gar, porém, é preciso qu e eu con heç a os persona gens da pe ça tão
intimam ente com o se fossem meu s am igos, pois vou viver com aquelas pessoas
por, no mínimo, algu ns m eses. Sempre qu e começo um no vo trabalho, tenho de
com prar um cad erno de desenhos ou de anotaç ões no vo e especial, que pareça
harrnonicamente com o proj eto. Isso é muito importante. Volto à peça outra vez;
agora, segu indo cada per sona gem através da açã o, anotando tudo o qu e diz de si
m esmo , tud o qu e qu alqu er outro persona gem diz ou m en ciona a respeito dele.
66
Esto u con struindo uma fotomontagem de cada persona gem: como ele se enxer-
ga e co mo os outros o enxe rgam, ano ta ndo a indicaçã o de esta tura, a aparênc ia
física, a classe e a posição social. Então, esc revo um monólogo breve, como se eu
fosse aquele persona gem escrevendo meu pró pr io diário, registrando a visão que
tenh o ace rca dos meu s relacion am entos e de min ha s situações dramáti cas, como
se desenvolvem de ce na a ce na. Retiro do texto inform ações qu e pod em me levar
a imagina r a vida do person agem antes de a peça co meçar, bem co rno sobre o
qu e aco ntece a ele posteriormente, selec iona ndo indícios qu e são dado s, às vezes,
ape nas por comentários casuai s feitos por ou tros personagens . É o tipo de trabalh o
que os atores norm alm ente fazem . A reda ção desse diário imagin ário me mo stra a
ascensão e a qu eda dos person agen s ao longo da peça , e, muitas vezes, fica claro
que algumas cenas giram em torn o de um person agem apa renteme nte sec undá-
rio, mas qu e, depoi s, se torna pivô de um a ce na posteri or. Depois de ter feito isso,
tenh o todas as informações necessárias para realizar um desenho sim ples e claro
do personagem, qu e é o in ício do projeto de um figurin o.
68
La Celestina, é um a mercen ária qu e apro veita as oportunidades em seu ben efício
com expe riente astúcia. Su a lin gua gem é repleta de alu sões a existênc ias prévias,
pois ela é mes tre no disfarce e pod e se tran sformar naquil o qu e co nvé m ao seu ob-
jetivo. La Celestina ut iliza palavras m ágicas, dem ônio s e práticas religiosas miste-
riosas mistur ados com um a fala co tidiana grosseira, contendo diversas referências
às roupas qu e adquiriu. Ca listo, o ama nte espa nho l, declama poesia refin ada de
tradição medieval, mas seus cr iados e suas prostitutas, em contraste, usam frases
curtas e sim ples, e não falam mais palavras do que precisam para deixar seus ob-
jetivos bastant e claros nas cenas. A economia de lin gua gem , em qu e lacunas são
deixa das en tre sentenças para a plateia pre en cher por dedução, precisa esta r refle-
tida no palco. Não é preciso tentar co nstru ir a cidade, ou as casas em que os perso-
nagens moram , mas é fund am ental deixar espaços para qu e aque les person agens
exube rantes assuma m o co ma ndo. Em geral, as ce nas indi cam acontecime ntos
simu ltâneos em dois lugares distintos: nos int eri ores e nos exte riores. As palavras
devem ser co nfiáveis para dar a local ização; a e nce nação deve ser simp les, fluida e
espaçosa para permitir qu e o público imag ine recintos, ruas, jardins e igrejas, sem
nenhuma mudan ça cê nica. Para isso, o ce nóg rafo deve conhecer o texto a fund o
e ser capaz de dirigir visua lmente a ce na, trabalh and o de modo plástico e sensível
com os atores, crian do peque nos mom entos visua is int erl igad os qu e cons trui rão o
mundo vertiginoso de tragédia e hum or irôni co, amargo e negro .
Indícios visuais
o dramaturgo irland ês Sean O'Casey, mais de quinh entos anos dep ois, foi tam-
bém um observador irôni co da vida human a. Ele é afam ad o por Th e Dublin
Trilogy, três peças muito ence na das, qu e descrevem a vida em Dublin no iní cio
do séc ulo XX. A observação muito sing ular de O 'Ca sey a respeito da humanidade
torna realidade os even tos estran hos do cotidia no . "Caminhe em qu alqu er lugar,
qualqu er dia, mant enha seus olhos abe rtos e seus ouvidos atentos, e você verá
fant asia em qualquer lugar." Por meio de risos e lágrimas , ele procurava coloca r o
mundo sobre o palco e, para isso, ligava tod as as artes por meio do dram a. Dança,
música, canto, pin tur a, retr atos e pessoas mold am a arquitetura de suas peças.
Acima de tud o, ele qu er ia co m bina r a razão com a imagin ação no palco. \Vith in
tlie C ates, peça esc rita em 1933 e nunca totalm ente encenada, desenrola-se em
um pa rque londrin o. As rubri cas especi ficam sim plesme nte sons de pássaros,
bancos de pa rque [ormaliza dos e grandes narcisos [onnalizados. A ce na é descrita
2.2 - Detalhe do desenho para Behind lhe Creen Curtain«
Examine a planta
Por algum tempo, o autor e diretor [ohn M cGrath procurou um espaç o ade quado
para m ontar sua história épica qu e descreve a gue rra entre In glaterr a e Escócia, des-
de 1200 até os dias de hoje. John é sing ular, visto qu e sem pre esc reve co m a visão da
ce na em mente; pensa em cores e ima gen s, e também em diálogos e história. Em
meados da décad a dc 1980, [ohn tentou co nve rter o Tra rn way, a garage m de bond es
vitor iana, para ser sua base, m as foi e m vão. Ele fez, no en tanto, a Câmara Municipal
de Glasgow percebe r qu e dispunha de um bem ca paz de atrair novos públic os. E m
1989, a câ mara foi co nvencida por Pctcr Brook a desembolsar uma qu anti a míni-
ma para restaurar o espaço, permitindo qu e sua co m panh ia ap rese ntasse a peça O
Ma habharata. O edifício era razoavelm ente à prova de int empéri es, ao m en os nas
áreas de púb lico, e um alvará de fu nc iona men to provisório foi co ncedido para a
apresentação . O lvIahabharata atraiu pessoas de todo o Rein o Un ido. Parecia qu e
BorderV/arfare tin ha encontrado seu espaço, e John e e u fom os examinar a planta.
Vimos o Tra rnway algu ns dias depois da desocupação do local pela com pa nh ia de
Brooks e da remoção do co n jun to de assen tos. O espaço estava ilumin ado po r lu zes
de segurança de m ercú rio n o nível do piso, lançando estranhas som bras az uis sobre
as pa redes de tijolos aver me lha dos. Os de tritos do eve n to passado estavam suspensos
no ar. Garrafas de água vazias, restos de ma çãs e pulôve res esquecidos ainda estavam
espalhados pelo c hão. O co mprimento extraor diná rio do espaço era ideal pa ra as
cenas velozes que [oh n já tinha imaginado . Também pudemos perceber a n eces-
sidade dc dispositivos que facilitassem a ação e servissem para os cur tos momentos
fluidos de mudan ça da In glaterr a para a Escócia, e vice-ve rsa.
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73
[o hn sa b ia a hi stóri a qu e qu eria co n tar e j,i tinha esc rito gra nde pa rte d o texto.
Per correm os o es paço d o Tr a rn way juntos e co meçamos a im aginar co mo os
e le me n tos e as ce nas pod eri am ser real izad os. Haveri a um co n ju n to versátil
de músic os e um a co m pa n h ia de do ze ato res qu e teri a de representar m ai s de
ce m papéi s. O s figurinos qu e suge ria m o períod o e o ca ráte r d os person agen s,
e qu e pod eriam se r troc ados em pan cas seg u ndos, teriam de se r c riad os. [ohn
escr ever a o último ato co m o uma partida de fut eb ol al egóri ca , co m a Escócia
de um lado e a In glat erra do outro. As duas extre m ida des do es tá d io se ria m uni-
da s por um ca rpe te de gra ma sin té tica, com uma úni ca linha br an ca pintada no
m ei o, c omo e m um ca m po de fut eb o l. Ach ei qu e a Escócia poderia se r verti cal
e cinz a, co ns tru ída de ca ixas de e m ba lage m e m p ilha das apa re n te me n te d e ma -
n e ira prec ária, par a invocar uma se nsação dc sc es ta r n o cas te lo de Ed im burgo;
e m co n tras te, a Inglat erra se ria gra n dc, h ori zontal c feita d e m ad ei ra de lei
polida , par a dar uma se nsação de autoridad e c domíni o . Co m essa muni çã o
cenográ fica, John co n tin u o u a esc reve r de m od o rápido e visua l ( F igur a z.3).
À m edi da qu e a produ çã o avançava , expa n d imos a idei a de e nce nar a pe ça
co m d istin tas co n figurações para cada ce na . Uma se ria e m form a de a re na, e
a o utra teria for ma tra nsve rsa l, qu e se tran sformar ia rapidam ente e m um pa lco
ita lia no m ed iante qu at ro pa lc os m óve is. A pl at e ia seria flex ível e m óvel , e as
cenas se ria m esc ritas pa ra ti ra r o m áxim o da m obilidad e e da m al eabilidad e
d o es paço. As cc nas no Parl am ento escocês, c m 1707, e ra m a prese n tadas e m
um fo rma to de pa lco itali ano , co mo um teatro d entro d e um teat ro , co m os
pouc os ato res representando m embros do parl am ento n o m eio da pl at e ia , qu e
tinh a a int en ção de se r co ns titu ída por co m pa n heiros políti c os. As jornad as
co n tí n uas e nt re a Escócia e a Inglat erra aco n tecia m nos qu atro palcos m óveis,
qu e e ra m sim ples pl at aform as sobre rodas e m pu rra da s pelos c o n tra rreg ras, o u
qu atro im en sos cava le tes c om cabeças dc ca valo reali stas e m pap el m ach ê. O
a to fin al movi a a pla teia par a o comprim ento co m ple to das duas extre m idades
do teat ro , revel ando, pel a p rim eir a vez, a m et áfor a do ca m po de fu te bo l. O
espaço grande se tornava o sina l par a a inven ção do texto . A necess ida de dc
mante r a his tória se move n do através do tempo sign ificava qu e o texto tinh a de
aprese n tar eve n tos. Ele não lid ava e m profu ndidade com os per so nagens, que
só ficavam e m cena te mpo su ficie nte par a ser íco nes de sua situação. Border
\Varfare, conceb ida por um a u tor/dire to r, alca nçou a síntese e n tre tex to e visão
por meio da cenografia, da ilu m inação, da música e do movimento, elementos
que emociona ra m e empolgaram o público, disposto a fica r de pé d urante qua-
tro ho ras todas as n o ites.
74
Dramaturgia cenográiica
Edward Bonel a firm ou qu e o trab alho co m um novo texto impõe uma resp on-
sab ilidade es pec ia l para todos aqueles qu e trabalham n essa prim eira c riação, no
mín im o porque , frequ entem ente, é improvável haver uma seg u n da apresent a-
ção . No cas o de se r a primeira interpret adora do texto , se m p re ach ei qu e e le
d evesse pod er falar por si m esmo co m total cl ar e za , de modo qu e a peça , e não
um co nceito de dir eç ão o u c e nogra fia , se ja, de fato, lembrada . No e n ta n to, o
a u to r deve de ixar es paço para o c en ógrafo realizar uma contribui çã o artísti ca .
Se o ce nóg rafo pud er m anter contato dir eto c o m o autor e se r co nvida do a dar
a lg u ma co n tribu ição na es tru tura dram áti ca d o text o do ponto de vista té cni c o
e estético, eme rgirá uma dramaturgia cenográ fica qu e a po ia o text o desde o se u
p rimeiro es boço.
75
Libertando o texto
Bleus, Blancs, f\ouges (Azuis, brancos, vermelhos), peça históri ca origin al a respe i-
to da Revolu ção Fran cesa, foi inicialm ent e escri ta e dirigida por Roger Plan ch on
em 1967, co m ce nografia de André Acquart, em seu tea tro, o T h éâtre National
Pop ulairc, em Villeur ban nc , na Fra nça, e revisada em 1971. Em 1974, a peça foi
dirigida na Inglaterra por Joh n Burgess (também trad utor do texto) e M ich ael
Sim pson, co m ce nografia ele minha autoria . Teve a parti cul arid ade de ter sido
a úni ca peça ele Plan ch on a ser produ zid a no exte rior por outra co m pan h ia. O
texto é esc rito em estilo narrativ o form al , qu e ignora os azares de um a famí lia
burguesa, os azuis, em relação a um gru po ele aristocratas, os brancos. A história
é interrompi da por m eio de cur tos enunciados declamatórios e canções dos ho-
mens mortos de Paris; os fantasmas dos vermelhos, ou se ja, o povo, evocam como
nas esta mpas popul ares de 1789 os eventos ela Revolu ção Francesa, fami liares ao
públi co m od ern o enquanto história, mas, também , aparenteme nte rem ovidos elo
presen te. A narrativa é am bientada na França provincial, dista nte em tem po e
espaço dos eve ntos revolu cion ários qu e acontecem em Paris. A vida de todos, po-
rém, é profundamente afeta da. Planchon criou uma forma de disc urso altamen te
indivi dual e orig ina l, qu e distin gu ia os três temas. A produção tinh a de ser ca paz
de se mover facilm ente entre esses mundos distint os. O texto era sedutoramen te
fácil ele ler , m as, co mo demonstrou a investigação, sob a su pe rfície, co ntin ha
um a red e co mplexa de ideias, qu e mereceriam valor igual na encenação. M uitas
frases, sobretu do nos textos ca ntados das estampas populares, con tin ha m pa lavras
inventadas , justapos ições estran has de versos, adaptações de carmagnoles ou can-
ções populares francesas em vozes graves e pesarosas. Personal idad es fam osas da
Revolu ção Francesa são retratadas de form a ingênua, co mo nas manifestações de
ru a, por m eio de efígies im en sas.
77
extre ma me n te rigoro sos, julgando se estáva mos realmente co n ta ndo a h istór ia ou
se estávamos a ponto de se r sed uz idos por nossa pr ópria in ventivid ad c .
o cenógrafo liberta visua lmen te o texto e a h istó ria subjacen te a ele, cr iando um
m undo em quc os ol hos c nxe rgam o que os ouvi dos não escutam. As ressonâncias
do texto são visua liza das por meio de frag mc ntos e memórias que reve rberam no
su bconscie nte dos espectado res , sugerindo palavras e m vez de ilu strá-las. As peças
tran sc endem as fronteira s ge ográ ficas: são aprec iadas e e n te ndidas em se u idioma
o riginal, e m tradu ções, não pert en c em aos pa íses, m as às plat éi as. O cenógrafo
tem uma respon sabilidad e im en sa de traze r visão e vida novas ao texto , para que
o drama seja apreciado co mo uma a rte contemporânea viva c não como uma
exposição de museu .
ESPAÇO DA PALAVRA
Representando a história
Cada fala e nu nc iada co n té m inten ção c ação. O texto dr am ático viaja pelos
co n tine n tes se m n ecessid ad e de pa ssaporte . Não co n hece fron te iras. Ex iste em
diversos idiomas. Pert en ce a todos. Pod c se r um gran de elo en tre pessoas c paí-
ses. Freque n te me n te, é um grande pacificad or , e fala em nom e dos ca lados em
te m pos di fíce is. O s textos são freq uen te men te compos tos como as músicas e as
pintur as, co mo V áclav Havei , dr am aturgo e ex-preside n te da Rep ú blica Tcheca,
descr eve sua esc rita dr am áti ca. Su as obras não contê m só narr ati va , m as ta m bé m
nu an ças e alusões qu e alçam a fala do com u m. H avel é um explo rad or d c n ovo s
territórios voca bu lares, tra zendo de volt a ao se u pr óprio mundo ideias e pen sa-
m en tos novos para co m pa rtilhar co m se us ouv in tes. Suas palavras descr evem tan-
to o espaço co mo a ação. co mo em sua peça Leaving (Pa rtida), e m qu e ele, como
autor/na rra dor, observa qu c os mundos fora dos palcos, além das portas e jane las
qu e ele gosta de u sar , são "cortes tran sversais do espaço e do ternpo'" . Outro via-
jante tch eco, o gravur ista V áclav 1-l 011ar (1607-1677), fez part e dos e m brio ná rios
desenvolvim entos lit erári os c cie n tíficos da época, c m qu c a ilu stra ção e ra indis-
6 V áclav Havel, Leaving. London: Theater 61, 200S. [Leaving , traduzida do tcheco para o
inglês por Paul Wilson, foi produzida pela primei ra vez em inglês no Orange Tree Theatre,
em Lon dres, em setembro de 20 0 S. ]
pen s ável para a difu são ed ito rial da s informaçõ es ac erca do mundo, mediante
m ap as e d ocum entos qu e registravam os eve n tos co n te m po râne os. C om efeito,
H oll ar foi um dramaturgo pioneiro, tran smitindo, por m eio de imagens grá ficas,
e moções fort es e claras quc falavam como palavras. A exec u ção do rei Carlos I,
e m 1649, é desenhada com tantas nuan ças quanto um ele m e nto de um drama
co n te m po râne o , e o antes e o depois pod em se r facilm ente im aginados. O rei
Carlos 11 co ncede u a Hollar o títul o de Scenographicus Regius depois qu e o artista
tch eco registrou a Londres pr é e pós-Grande In cêndio de 1666 (e m bo ra o título
nã o lh e desse segura nça financeira , como ainda é o ca so em rela ção aos pintores
e esc rito res hoje ). O estu do de ssas gravuras, sob retu do a sé rie c on cl u ída durante a
estad ia de Holl ar na Holanda - onde conheceu e trabalhou c om Rembrandt van
Ri jn (1606-1669) -, d á-nos hoje uma no ção real da turbul ência na E ur o pa duran-
te a Guerra do s Trinta Anos, refl etida e m M ãe Coragem , pe ça ép ica de Bertolt
Brecht, esc rita ao longo de 1939.
79
sur p ree nde n te , e, sem in centivo, os visita n tes da expos ição ag rega m-se à pared e,
esc reven do seus próprios desejos e m rolinhos de papel e os co locan do e n tre as
fitas dep enduradas. É assim , unindo texto e im age m, qu e uma peça nasce.
80
CT OHE
A l' c E ... : ~
r
V' t ad o e b
2 4- p.- . ,d de de se nh os de t e o rl', le ia ca da mom en to da tram a fo i in titul rece eu as pa la-
. dgllJa o ca de rn o " .
J' . "
én t'f' ad
ide . .
aç ão av an ça r. Al 1 (IS SO , as per son ag en s for am rca as co m co res
,. c
\ ras q ue laziam a n I
traduzidas e proferidas em voz alta, podia ouvir quão bem o uso individual de pa-
lavras por Barker podia ser reinventado, e isso me deu um segundo indício: não
reproduzir, mas reinveutar a imagem visual a partir do cerne da cena. Comecei
com um exercício muito simples e potencialmente maçante. Em primeiro lugar,
criar um título escrito para cada momento da trama, tentando localizar as pala-
vras reais do texto quc fazem a ação avançar, e compô-Ias numa lista no novo
caderno de desenhos, que, também descobri, era regiamente vermelho-escuro
e estampado com folhas douradas. Então, identificando cada personagem com
uma cor diferente, disciplinei-me para desenhar o número correto de pessoas em
cada momento, sem nenhuma fantasia, sem fazer de conta que existiam menos
pessoas na cena do que o autor tinha escrito. Se Barker escreveu que alguém
tinha de olhar através de uma janela, então eu pensava quão alta seria a janela e
no que ele se apoiaria para olhar para fora. Em outras palavras, deixei o texto me
dizer o que precisava, em vez do contrário. Foi um processo duro e monótono;
às vezes, só alentado pelo conhecimento de que meu caderno de desenhos não
me custou nada . Finalmente, terminei de prcparar os ingredientes e soube que a
peça, como uma bela receita, esperava para ser cozinhada.
poesia, falada c canta da por qu atro músicos, qu e é, sim ulta nea me nte, rigoro sa
e evocativa de reflexões da m eia-idade e qu e se aprox ima da m ort alid ad e. Essa
melancolia e essa reflexão também são pro feridas pelo estran ho viaja nte [acq ues,
de As You Like lt (Como lhe aprouver), de Sha kespea re, no ato 11 , ce na 7, em qu e
82
se descr eve as sete idades do homem , empolgan do o público por meio de uma
estonteante peça com palavras. Quando lista os sete estágio s de nossas vida s,
desde a infân cia até a senilidad e, Shakespear e convence o público a segu ir suas
reflex ões e fant asias até a linha divisória da crenç a, não diferindo do mundo de
Sa rnue l Beckett , séculos dep ois. A respeito das expe riências de }acques, Rosalin a
co me nta qu e "ter visto muito e não ter nada é ter os olh os ricos e as m ãos pobr es"
(ato IV, cc na 1). Em outro co n texto, isso é exatam ente o qu e o ce nóg rafo visa
alcanç ar, na sín tese de texto e visão . Ter visto e viajado e tcr extraído dessa expe-
riência sua própr ia essênc ia, de forma qu e se ja possível não ter nada, cria uma
riqu eza para os olhos do público. Esse é o desafio!
Palavras e imagens
O teatro é único na capacidade de ligar duas fontes de criatividade origina l: o
escritor e o artista visual. Se eles concordarem a respeito de um assunto e con-
seguirem trabalhar em conjunto, cada um trazendo seus próprios dons ao pro-
jeto, ideias interessantes poderão resultar da parceria . Os escritores são capazes
de pegar uma ideia, um pensamento ou uma situação e achar as palavras para
torná-lo coerente. Os artistas visuais/cenógrafos são capazes de proporcionar a
écriture scénique - a escrita do espaç o cê nico - e, às vezes, apresenta m possibili-
dad es alterna tivas ao escritor: elaborando juntos um novo trabalho e forn ecendo a
matéria-prima para os outros colabo rado res interp ret arem a partir de um sistema
de confiança e discu ssão fecun da, contribui-se para a tradição literária e dra má-
tica. Essa é a man eira pela qu al Bohuslav Martin ú, co m positor tch eco, e íkos
Kazantz ákis, escr itor grego, criara m o libr eto para a ópe ra Th e C reek Passion .
Martin ú era m úsico, com positor e instrumentista, além de um co m pe tente artista
visua l, em bo ra não form alm ente dipl om ad o, e desenh ou livrem ente suas ideias
dura nt e o trab alh o com Kazantz áki s, esc ritor de descri ções verb o-visuais eloque n-
teso O resultado foi um drama mu sical repl eto de imagens poéticas tocantes, sin-
tetizadas em música, texto e visão. A lingu agem apura da é sim ples e concisa. De
ma ne ira memorável, no ato 11 , ce na 4> o padr e refugiado Foti s (Portado r da Lu z)
reú ne as crianças miseráveis em torn o de si e lh es conta um a história. Ele ca nta
de modo ín timo e sereno, cha mando a ate nção dos espec tado res. Fotis estende a
mão para o mundo e afirma:
Todos os espectado res são ca pazes de ente nde r o significado im plícito dessa pará-
bola, pois a qu estão dos refu giados é uni versal. A história lida co m pessoas sob o
domíni o tur co e qu e desenvolv eram um estilo de vida . O s moradores do vilarejo
de Lycovrissi forn ecem ao gove rna dor o qu e ele exige em troca de serem deixa-
dos em relativa paz, para da rem prossegu im ento às suas vidas co nfortáveis. Eles
não qu erem que aqu ele equ ilíbrio delicado seja perturbado pela chega da dos
refug iados cristãos de outro vilare jo, qu e procuram e espe ram a juda de seus ir-
mãos cristãos. No ato IV, o final, testemu nh a-se a excom un hão e mo rte do pastor
Ma no lios, ou se ja, a figur a de Cristo; o ato co meça co m um casamento jubiloso
no vilare jo, celebrando a uni ão da criada Lenio com o pastor N ikolios. Depois,
os dias de outono se convertem em um inve rno gelado, conforme a história vai se
tornan do cada vez ma is lúgub re. A imagem final é a da ex-prostituta do vilare jo,
Kateri na, agora no papel de M aria Madalen a, olha ndo para o co rpo de C risto
enro lado na bandeira grega, ca ntando na porta da igreja : "O sol se levantou , a
neve derr eteu e levou o nome dele nas águas". Fin alm ente, na gló ria de aco rdes
ha rmônicos, a m úsica se e leva enqua nto um a im en sa e bela lu z permeia a cena,
sugerindo esperança em relação ao futuro. Como reproduzir visualmente essas
palavras, ao ar livre, na antiga cidadela de Salônica, onde nem o espaço nem a
música permitiam mudanças de cena? Foi consultando uma das muitas caixas
de sapatos com cartões-postais que guardo para inspiração e referência que topei
com algumas fotografias antigas de um casamento em um vilarejo da Macedônia,
mostrando um jovem casal sendo alvo de uma chuva de pétalas de rosas brancas
no momento em que saíam da igreja. Era essa, exatamente, a imagem necessária
para solucionar o problema. Nos 16 compassos introdutórios do allegro con brio,
os moradores do vilarejo cobriram o piso do palco com pétalas de rosas brancas
tiradas de pequenos cestos. As pétalas permaneceram cobrindo o piso durante o
restante do último ato. A medida que a ação ficava cada vez mais sombria com
a ajuda da iluminação de Henk vau der Geest e do céu noturno estrelado, as
pétalas pareciam se transformar em neve, Por um milagre, noite após noite, no
momento correto após a morte de Manolios/Cristo, o vento como que lançava
os flocos de neve no ar, silenciosamente, algo que nenhuma maquinaria cênica
poderia ter feito; e, obedientemente, o vento se aquietava para os últimos acordes.
1 esse momento, o público sempre se mantinha em silêncio.
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é um mundo virado de cabeça para baixo. Ao mesmo tempo, os personagens pare-
cem aceitar isso de maneira totalmente normal, similar aos estranhos e artificiais
cenários de aposentos nas lojas de móveis, que não são de verdade - mais reais
do que o real, se é que uma coisa assim pode ser imaginada. Sempre que viajo,
visito brech ós ou lugares que concentram objetos descartados pelas pessoas. Esses
objetos de todas as datas e épocas, modernos e antigos, justapostos sem nenhum
planejamento, formam um padrão próprio, são um tesouro barato. Adoro vendas
em quintais e em garagens nos subúrbios, onde suvenires de férias dispendiosas
e trajes de casamentos equivocados são jogados sobre a calçada, e a vida das pes-
soas pode ser reconstruída a partir dos objetos. Adoro os grandes armazéns, que
frequentemente abastecem os brech ós, com roupas penduradas em araras, como
fantasmas, esperando para ser reencarnadas. E os depósitos de móveis do Exército
da Salvação, repletos de móveis quebrados e feios com os quais alguém, alguma
vez, conviveu, mas que agora não têm espaço na casa. Sem falar das lojas de tea-
tro e cinema, que estão, é claro, um nível acima, pois j,í foram pré -selecionadas
por seu potencial econômico. Tenho um mapa pessoal das lojas do mundo que
vendem bricabraques.
Colaboração
O grande dese nvolvimen to dos cursos de design basea dos em periormance, som e
mov ime nto vai co ntra um a abordage m tradicion al, que incluía o estudo do texto
como parte do currículo. No entanto, de modo gera l, os espectadores vão ao
teatro para ouvir h istórias, discu ssões e argumentos, a maioria dos quai s baseados
em palavras, e os teatros que buscam novos talentos têm dificu ldade de encontrar
arti stas visua is capazes de lidar co m textos dram áti cos, Por consegu inte, há ca da
vez mais casos de diretores qu e criam sozin hos o quad ro visua l e qu e utili zam os
iluminadorcs cênicos para dar vida aos atore s. Uma ma neira de rep arar isso, e
criar mai s oportunidades para artistas visuais escreverem e para escritores criarem
arte visua l, é estabelece r co labo rações para a ada ptação de livros e h istór ias ama-
das para o palc o. Esse pro cesso em que dois artistas criativos, utili zando diferent es
partes do cé rebro, trabalh am para dar vida a um int eresse co m par tilha do , co-
meçando a partir de algué m escrevendo, desenvolveu- se mui tíssimo nos últimos
anos, conforme as obras adq ui rem cada vez mais relevân cia co ntemporânea . A
rea lização de ada ptações é um a man eira maravilh osa de países co m par tilharem
seu patrimô nio liter ário e cultura l e de prom overem e m elh orarem o entendi-
mento mútuo, e de uma form a qu e seja singularmente na esfera da co laboração
artística . O s exem plos de co mpan hias cr iando traba lhos dessa ma ne ira são mui-
tos: na Rússia, no Irã, na Palestin a, na Polôn ia, na G rã-Bretan ha etc. 1<= o processo
criativo rea l visto de perto, no enta nto, qu e merece exame e investigação para se
entende r o qu anto todos nós pen sam os diferentem ente. Quando um a obra [iter á-
ria está em dom ínio públ ico, não é necessariamente direi to ape nas de um auto r
estabelec ido começa r um a ada ptação ou transform ação para o palco, embora se-
jam eles os mais expe rientes para criar diálogos e estru turas . Não há restrição para
qu e um artista visual enxergue o potencial de um texto e se torn e o moti vador de
um trabalho co laborativo, Talvez a expec tativa de que o texto e os au tores devam
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sempre ser virtuoses camu fle a realidad e de qu e a co labo ração rea l, resu ltando
em criação rea l, precisa do resultado fin al para se r m em orável aos c riadores e aos
espectado res, e esse equ ilíbrio só é alca nçado quando lodos partem do m esm o
ponto e visam chegar ao mesmo destino .
Essa foi a primeira pista para a encenação. Um personagem, um cantor que poderia
ser Kipling. e sem nenhuma mudança, exceto por uma ação simples, tornar-se-ia
Eddi e voltaria a ser Kipling no fim. 'as fotografias, Kipling aparece em um longo
sobretudo escuro, de camisa branca, com um lenço dc seda branco no pescoço e
um outro, também branco, no bolso . Já tínhamos planejado uma grande pedra so-
bre o palco. Assim. \ imos que ele poderia tirar o sobretudo de trás da pedra, utilizar
o lenço de seda como estola sacerdotal e a camisa branca como sobrepeliz. Poderia
colocar cuidadosamente o lenço de bolso branco sobre a pedra com duas velas ao
lado. convertendo-a em um altar e completando a transformação do exterior para o
interior da capela. ovamcnte. as pistas para uma criação maior estão incorporadas
j
A imagistica da arte
A leitura de textos e poesia é uma ativida de bel a e pra zerosa, qu e oferece ao ar tista
a oportu nidade de se ide ntifi car dir et am ente co m o texto e se en volve r com o
assu n to. Se for possíve l le r textos no or igina l, e também trad uzidos, vale a pena o
esforço de esc u tar e ret er o som das palavras. Ferna ndo de Roias, escrito r me die-
val espa n ho l, e m seu ro ma nce dr am áti co La Ce lestina, de 149 9 , ca pta as alturas e
7 Rudyard Kipling, Rewards and Fairies, London: M acm illan , 1910. [VerThe Conversion
ofSt Wilfred.]
as profundezas da existê nc ia human a fazendo qu e as palavras, e m espa n ho l, sal-
tem das págin as. El e cri a descri çõ es verbai s qu e con tê m espaço e imagem e qu e
estão in extricavelrn ente tecid as co m o os malfadados ama n tes Ca listo e M elibea,
Q uando o casa l finalm ente se encon tra, Rej as util iza palavras pa ra descr ever as
im agen s físicas de desejo e m ort e - uma escada alta, da qual C alislo cai e m orre,
c uma pequcn a torr e, na qual M elibea com ete su icí dio. Rela cionando isso às
pi n turas da época, fica claro co mo a im agística das a rtes pl ásticas influencia a
estru tura dram ática. O culto à ca vala ria m edi eval - o cava le iro sobre seu ca valo
bran co, resgatando a garota virge m ap rision ad a e m uma torre - é a iconografia
con te m po rânea trazid a à p ágina. Não há necessidad e de ver u m corpo qu eb rad o,
pois é su ficien te o uvir a voz do pai de M el ibea lam entando a morte da filh a e re-
pr eendendo o mundo qu e o trat ou co m essa desdit a . o en ta n to, co m as pal avras
finais, "por qu e você m e deixou triste e sozi n ho no vale de lágrim as?", Roias puxa
as im agen s das alturas par a as profundezas do desespero. D e uma torr e no cé u
para um vale na terr a: a ima gem é verti cal. Ibsen utilizou a m esm a im agem e m
sua n otável peça Soln ess, o construiot: qu anto m ais um a pessoa lê , m ais cla ro fica
qu e essas palavra s e esses espaç os estão ligado s de modo in extri cável. O exem plo
m ais fam oso é, naturalm ente, Romeu e Julieta, de Sh akespear e. M esmo se m um
balcão físico, a ce na deve ser co ns tru ída espacialmen te e m uma diagon al para fa-
ze r se ntido. As falas vão das alturas às profundezas (alo lI , cen a 2): "(...) O s muros
do jardim são alto s e difíceis de escalar, e o lu gar , de m ort e, cons ide ran do qu em
você é (...)".
The Great C ante é uma série de do ze peças origina is co m m eia h ora de duração
ca da u m a, encome nda das pel o sem pre arro jado T ricycle Theatr e , de Londres, e
co bri ndo diversos aspectos do Afegani stão desde a Segunda G ue rra Ang lo-afegã,
n o fin al do séc u lo XIX, até os dia s de h oje". As peça s são ap rese n ta das agrupa-
das ao lon go de três dias, e também e m m arat on as de fim de se ma na, qu ando
os especta do res pod em assistir a tod o o rep ert óri o, inclui nd o film es, expos ições,
pale stra s e discu ssões. É um proj eto desafiante e estim ulan te, ilu strando como
distintos pensad ores abor da m o m esm o assu n to a partir de pontos de partida pró-
pr ios, m as alca nça ndo um den ominad or co m u m qu e leva a um m esm o fim . O s
pen sadores visuais (ou se ja, a equ ipe ce nogr áfica) percorrem o espaço, falando
sobre cores e texturas, image ns e formas, ped aços de m ad eir a, pap el e tecido s qu e
8 The C reat Carne, no Tricycle Theatrc, em Londr es, dirigida por Nich olas Kcnt e co m
estreia em :::: de abril de ::009 .
parecem chegar diante de nós de uma m an eira m ágica e mi steriosa, e criando um
voca bulário qu e salta das fotografia s. Essa lin gua gem cenográfica intuitiva pod e
pa rece r incô mo da, até m esm o irrel evante para aque les qu e formul am o co n te údo
e as narr at ivas do proj eto , m as am bas as form as são ape nas ca m in hos preliminares
pa ra o assu n to. O s textos são os den ominadores com u ns. Assim qu e começa m a
chega r, mesm o na form a de rascunhos, o proj et o com eça a gan ha r uma form a
e um form ato. A partir de um assu n to importante e muitas vezes desconh ecido,
a dispo sição do espa ço cên ico deve permitir qu e a história se ja con tada. A defi-
nição do s parâm etros não é um a restri ção, ma s uma liberação artística, traz endo
realidade ao quadro. A adoção do texto poupa muito trabalho, mesmo quando as
demandas são am plas e exigem , por exem plo , mudan ças r ápidas de n eve à areia,
de ca rros clássicos Rolls-Royce a int eriores dom ésticos. O texto diz o qu e é n eces-
sário, sendo um a boa ideia se apro priar daquil o qu e é dad o, para que, en tão, tod as
as sensações instinti vas de co r e textura enco n tre m se u lu gar.
Para algu mas pessoas, o texto par ec e uma ce rca viva imp en etr ável, espessa e espi-
nh enta de letra s mi sturadas, atr avé s da qual um outro lado pod e ser vislumbrado
(Figur a 2.5). Sab e-se qu e diversos artistas visuai s, que desenham de modo fácil e
belo, também têm diversos graus de dificuldade para ler, o que torna a abordagem
de um texto den so uma tar efa intimidante . Desenvolver uma estratégia para achar
u m ca m in ho em um texto é parte importante da prática de um ce nógrafo. Quer
a mão, co mo peça de trabalho artístico (o qu e torn a o trabalho praz ero so), qu er
po r m eio de plan ilh as no co m pu tador (o qu e torna a tarefa facilmente tran sfer ível
par a os ou tros membros da equ ipe ), um qu adro de aná lise de texto converte pal a-
\TaS em um có digo visua l. As planilhas devem ter toda s as informações possíveis
para qu e o texto po ssa ser int eiramente visuali zado de im ediato. Sempre diferir á,
de ac ordo com a com plexidade do texto: às vezes, com as ce nas ao longo do alto
da págin a, os personagens na lat eral da página e os quadros mo strando qu e per-
sonage n s estão em que cena . Colunas adi cionais podem descr ever o mobiliário,
a iluminação, os obj eto s cê n icos , as músicas e, se necess ário, em cores distintas
pa ra cl areza e satisfação. Depois da conclusão desse trab alh o, há um ca m in ho
através da sebe, e a lu z do dia, do ou tro lad o, fica espe rando para qu e tod as as
ideias visua is ca iam em seu devid o lu gar.
2.5 - Cerc a viva de palavras
PESQUISA
Por natureza , um ce nóg rafo é um co lec iona dor cultura l, deleitand o-se na busca
do efêmero da h istória e da sociologia. A variedade do trabalh o que se apresen ta
é parte da fascinação da matéria, e satisfaz uma curios idade inerente e insaciáve l
de se conhecer não só os grandes even tos da h istória, mas os de talhes exatos de
como as pessoas viviam, comiam, se vestiam, se lim pavam e gan havam a vida. O
desafio para o pesqu isado r cenográfico é sabe r utili zar u m olha r individual para
deslindar a essênc ia da ma téria, persegu i-la, capturá-la e, en tão, decidir se ela será
utilizada ou não .
Memórías esquecídas
A pesquisa his tórica ab re jan elas para u m mu ndo da peça qu e pode não estar
descrito no texto, mas que mo tiva e afeta o com por tamen to dos person agens.
Descobe rtas para lelas nas artes, na ciênc ia, na indústria e no co mé rcio de -
monstram como o mundo é int erl igad o. Pou cos aco nteci me n tos são oco rrên-
cias isoladas, e, co nforme as ligações en tre países e pessoas ficam ca da vez mais
entrelaçadas, a pes quisa reve la ma is semelhanças do qu e difer en ças. Em bo ra
os aconteci mentos h istóricos se jam ma tizados pelas perspect ivas nacionais, es-
pecíficas do tempo e do lu gar, a própria norm alid ad e e a rep et ição das roti nas
diárias das pessoas através dos séc u los tamb ém é hi stór ia e se liga imediata-
mente ao espectado r atua l. O artista visua l trata de extra ir a essê ncia da rea lida-
de e de apresen tá-la co m clareza sob re a tela. A m em ór ia e o reconh ecim ent o
do observa dor são ativados e visua liza dos por m eio do olha r sele tivo do artista :
vestuários, ob jetos ou cores despert am novam ent e m em óri as e provocam a
alegria da ide n tificação. O espectador se liga à matér ia qu ando um cenógrafo
é capaz de esco lher u m ob jeto qu e expresse mais do qu e sua realid ade física.
Um exemplo cláss ico é o c ha pé u qu e Wi nn ie usa na peça Happy Days, de
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Sarnu el Be ck ett, e m qu e ape nas a ca beça d el a é vis ta . A partir d e sse c ha pé u,
o p ú blico d eve se r ca paz d e im agin a r a vida pr évia d e Winni e , como e la di z:
" no es ti lo a n tig o".
Pesquisa criativa
A p esqui sa c ria tiva d em anda um ata que dupl o à m at éri a . Por um lad o , a inves ti-
gação d o qu adro ge ral am or fo , ab ra nge n do acon tec ime n tos hi stóric os c on te m -
por ân eos, permite qu e a im agin ação per ambul e livrem ente em m ovim entos
lar gos através do s co n ti ne n tes e da hi stóri a . Por o u tro lado , a pesqui sa d eve
e n foca r os d et alh es es pec ífic os , até minúscul os, qu e podem se r ex tra íd os d os in -
clíc ios in corporados n o texto . A na rra tiva cen og rá fica traz um â ng u lo individual
a uma ob ra bem co n hecida par a qu e ela po ssa ser a p rese n ta da d e form a no va
par a o p ú blico. A pesquisa é o trab alh o do d et eti ve : a caça por indíci os visua is
in c orpor ad os no texto . O terreno d eve se r pr epar ad o co m c u ida do. Na pr áti c a ,
isso signi fica a leitura lenta e pond e rad a d o texto e , ao inte rro gá-l o , per guntas
são resp ondidas.
Fr eq u entem ente , os a u tores têm uma id eia muito cl ar a a resp eito da se nsação e
da atmosfe ra n e cess árias par a a pe ça, mas a d esc revem e m excesso ou n ão a d es-
creve m e m abso lu to. Por exe m plo, em Hedda Cabler, d e H enrik Ibsen , escrita
e m 1890 , a ce na é d escrita co m o oco rre n do n o pal a cet e d e Tesrnan , na regi ão
oeste da cida de - " u ma gra n de sala d e visitas , bem mo bi liada, co m bom gos to, e
d e corad a e m co res esc uras etc .". Em pou co tempo , d escobre-se qu e n ã o se trat a
d a d ec or ação d e Tesman ou d e H edda , poi s a casa foi ad qu irida par a eles e n-
qu anto es tava m a use n tes. Prim eiro indíci o : e les estão vivendo na d ecoração d e
al gum a outra pe ssoa . Então , revel a-se qu e a casa é muito ca ra para eles e é tão
gra nde qu e po ssui quartos extras; Tesm an di z qu e n ão pode "pe d ir par a H edda
morar em uma pequ ena casa su b ur ba na" . Por qu e e les es tã o morando ali? A
casa e sua mobíl ia d ev em dar a impressão qu e Te sm an e H edda es tão vivend o
alé m d e suas posses. N o fin al do prim eiro ato, Tesm an . e m uma tentativa d e-
sa jeitada d e c hega r perto d e Hedda , a firma : "Ve ja, ll edda , é a casa co m a qu al
n ós doi s cos tu má va mos so n ha r... qu e n os apaixo n a mos" . Assim , a hi stória se ria
a d e qu e e les vira m a casa e H edda se apa ixo no u por ela? A casa é moderna, e m
co m pa ração co m a norma burgu esa d e 1890 ? E n tão, o indíci o seg u in te é d ado
n o seg u n do a to , qu ando I-Iedda d escr eve ao jui z Bra ck co m o e la se n ti u pen a
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de Tesman no verão an te rior e deixou que ele a aco m pa n hasse até a casa d ela:
"E, assim, para ajudá-lo, disse bas tante casua lme n te qu e gostaria de viver ali,
naque le palacete". Algu mas linhas de pois, revela-se qu e o palacet e pe rtenceu
à falecida sen hora Falk, e, em bora tivesse sido pr ep arad o para o jovem casa l na
ausência de les, a inda conserva o "aroma d e alfaze ma e rosas secas em tod os os
aposentos". Provavelm ent e , a falecid a se n hora Falk era idosa, e, evide n te me n te,
a casa fico u vaz ia; não é u m a co ns trução m od erni sta da virad a d o séc ulo XIX,
m as p rovavelm ente in corpora tod os os valores da aflu ên cia noru egu esa. Esse
exe m plo dem on stra como indícios oc ultos no texto pod em se r expos tos e util i-
zados para co ns tru ir o qu adro da peça e da hi stóri a por trás d ela.
o humor do momento
As pinturas demonstram qu e toda a ar te é produto e reflexo de sua época e
que, ind ep end entemente de sua narrati va ou assu n to, são ricas em detalh es
inciden ta is que abre m uma jan ela sob re se u mundo . Visitar ga le rias de arte e
co lec ionar rep rodu ções d e ca rtões -pos ta is, arqu ivando -os para co ns u lta rápida,
desenvo lve um recurso ce nográ fico mais vali oso: uma bibli oteca de referê n-
cia visual. Sem dúvida, pintor es, esc u ltores e artistas gráficos reflet em o gosto,
o humor e a at mosfera d e sua época e de ixam enciclo pé d ias de informações
e abundan tes detalhes para as fu turas gerações. [acqu es-Loui s David , proemi-
nente pintor da Revol ução Francesa, re fletiu em suas pi n turas o panorama da
mudança na França d urante a passagem do monarqu ismo para a revolução.
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Desde as pinturas neocl ássicas iniciais de David , de tem as grandiosos , até as
finais gravuras popul ares e seus desenhos para as grandes [êtes revolu cion árias
- as manifestaçõ es teatrais populares das aspirações de uma nação - , tod as reve-
lam a vida vivida no s extremos da soc iedade fran cesa. Isso pode, en tão, ser co m-
plem entad o por meio da ob servação das pinturas de Greu ze ou das aqua relas
e recort es de latão dos irmãos Lesu eur, no Mu seu Carnavale t, em Paris. C erto
dia , recon stituí os passos de um sans-cu loiie a caminho de tom ar a Bastilh a
a partir de uma cópia em prestada de um mapa rabi scado a mão do período ,
encontrado no arquivo do mu seu . Percorri as ru ela s sinuosas do anti go Murai s,
im agin ando como os revolucionários podiam ter se escondido e se reagrupado .
Não é de se admirar que , posteriorm ent e, Paris foi proj etada com aven idas lon-
gas e ret as, co m vistas claras de uma extre mida de a outra, para um controle fácil
da multidão. A pesqui sa visual também revela o ícon e mais importante: a escala
do hom em em relação à arquitetura. Por exe m plo, há uma grande difer en ça
en tre as form as hum an as pro emin entes das pinturas de Piero della Fran ceses ,
postas co ntra um a arqu itetura men or, em co m pa ração co m os pequen os seres
hu man os dominad os pelo s grandes monum entos retr atados pelos pint ores re-
alistas russos da década de 1930. Ca pta r esse senso de proporção e tradu zi-lo
ce nog rafica me nte é uma man eira de descrever tod o um período hi stóri co sobre
o palc o. I ' o mundo da peça qu e está sendo recri ad a, as gravuras, as ce râm icas,
as decor ações têxteis e outros obj eto s con têm um a riqu eza de informação visua l
pronta a ser reciclad a em vez de reprodu zid a.
Um museu vivo
Compartilhar as descobertas da pesqui sa com todos os envolvidos na produ-
çã o, para qu e po ssam contribuir para o trabalho , é fundamental. Uma man eir a
de fazer isso é transformar as pared es vazias da sala de ensa io e m um vibran te
mu seu vivo, ond e as informaçõ es da pesqui sa pictórica po ssam se r ab sorvidas
quasc qu e por osmose e atuar como ponto de referência de ato res, dir etores e
equ ipe de produ ção . Desenhos rápidos e livres colados na s par ed es, coleç ões
de ob jetos co loridos refer entes à vida emoc iona l de um personagem , fotogra-
fias a ntigas agru padas, amostras de tecid os, ilu straçõ es de ca de iras, mat eri ais
impressos fora de circ ulaç ão (programas de teatro , pôstere s etc. ), mapas hi stó-
ricos ou im agin ári os do mund o da peça: tud o isso atua em favor do espe tác u lo.
Ta m bé m co loca firm em ente a art e visual na age nda diári a, poi s a presen ça de
um cenógrafo jam ai s pod e se r associa da àquele que não é visto e qu e , portanto,
não é lembrado; alé m disso, os ato res pod em se r es tim u la dos a co n trib u ir para
esse muse u vivo. Na p esquisa, n ão h á só rigor aca dê m ic o, m as um in gênu o pr a-
zer p ueri l na aleg ria da descob ert a e nas ligações esta be lecidas e n tre obj et os
apare n teme n te d ísp ares. Ca da ce nógrafo sabe que a ap rese n tação ob riga tór ia
da ma que te, e , às vezes , dos desenhos do s figurin os n o prim eir o di a de ensaio,
é receb ida pol idam ente p elo s ato res, cu ja prin cipal pr eocupação é a m an ei ra
pe la qua l vão ac ha r um jeit o de supe ra r os p robl em as im edi at os qu e an tevee m .
A a prese n tação logo é tir ad a da me mó ria . Tr ês horas depois, à m edida qu e o
con tra rregra marca co m fita ades iva o p iso e qu e dir etor e atores co meçam a
trab alh ar nas cenas m ovend o-se alegre me n te através da s par ed es qu e aca ba ra m
d e ve r na rnaqu et e, o gru po n ão co nsegue se lembrar do pi so da sa la de ensaio .
Quando um a ap rese n tação es tá in corporad a em um museu vivo, e os pr oj et os
são d eixad os ali , os ato res são convida dos a in gressar n o mundo que foi criado;
porta n to , a pes quisa se torna um compo ne n te orgâ nico de tod a a prod ução.
Isso req ue r a dupli cação dos d esenh os e croqu is, par a qu e fiqu em na sala de
ensaio enq uan to a maque te vai par a a o fici na d e ce nografia , e também exige a
cóp ia dos d esenh os origina is dos figurin os an tes d e env iá-los para a oficina d e
cos tu ra, pa ra que p er m an eçam n as me n tes dos ato res . Se es tiverem evide n tes
na s paredes, u m a ga le ria vistosa e exp ress iva será criada, e a visão pe rma nece rá
como prova de fogo do trabalh o e n ão co mo um apê n dice ex te rno - será um
lembrete constan te da realidad e visua l qu e logo se rá a p rese n ta da ao público.
Os atores po dem se r esti m u la dos a co loca r có p ias d os desenh os dos figurin os
nos camari ns, co m amos tras dos po ssívei s m at eri ai s, par a qu e possam tra ba-
lhar ten d o a se nsação e a textura dos tecid os em m ente . O orça me n to d eve
permi tir que o mo b iliá rio este ja pr esente nos e nsa ios d esd e o iníci o , par a que,
com apoio da p esqui sa, os atores possa m co meça r a possuir os ob je tos co m os
quais prec isam trab alh ar. A integração ao pr ocesso do trab alh o d e p esqui sa
perma nen te obriga a p rod ução a p ro vid en ciar um espaço exclus ivo, co m pr i-
vaci da de , ou se ja, um ate liê p róxim o da sala de ensa io. Um espe lho, roupas
de ba ixo e so rti me n tos de ade reços , lu vas e ch a pé us pod em se r dei xad os p or
perto, pro n tos par a se rem escolh idos e utili zad os no e nsa io, para qu e o figuri-
no se to rne a seg u n da pel e do ato r. Quando os atores n ão es tão participand o
de uma cena, trab alh o com eles n esse espaço , a p re n de n d o, a partir d el es, o
desenvo lvime n to do pe rso nagem, em vez d e im por a eles um co nceito pr econ -
cebido. A pesqu isa ce nográ fica existe n o passad o , pr esente e fu turo , fazend o
parte de u m a boa prod ução.
97
3.1 - D ese nho dos figur inos de lvlacbeth, Tea tro Clwyd
Observando a vida
Sou observadora compulsiva da vida humana, e a todo lu gar qu e vou observo e
deslindo detalh es minúsculos que sou capa z de registrar e que talvez possa usar
tempos depoi s. N unc a viajo sem uma cad ern et a de desenho no bol so, que posso
utili zar discretamente para registrar os pequ enos detalh es e idiossincrasias do
meu int eresse. Em Tbilisi, na G eórgia, o anti go e o novo se confundem na s rua s.
Mulheres na última moda passam por velhos artesãos, qu e trabalham do m esmo
jeito há ce ntenas de anos, ao ar livre. Em minha estadia ali, tive a oportunida-
de de viajar para regiões montanhosas, com o sem pre, munida de lápis e pap el.
Aqu elas regiões são com postas de pequenas propriedades rurai s, com seus hábi-
tos, costumes e estru tura soc ial. A ho spitalidade georgiana é famo sa, e as portas
estão sem pre abe rtas para os visitan tes entrarem e co m partilha rem um almoço de
quatro horas de duração . Parecia um a rara opo rtunidade de cr iar um bom auxílio
à memória. Ansiava registrar o máx imo possível, em parti cul ar, as apa rências e as
faces no táveis, que expressam de modo tão eloque nte sua história tur bulenta; eu
sabia que , em algum momento, aqu ilo te ria bom uso.
Enqua nto trabalh ava em uma nova produ ção de 1'v1acbeth, de Shakespeare, assis-
tia ao no ticiário televisivo. Concentrava-me na ilh ota escocesa de lon a, on de John
Sm ith , líder do Partid o Tra balh ista da Grã-Breta nha, estava sendo enter rado. Era
o le ndário local da sep ultura do rei D u nca n, de Forres, cu jo assassina to na s mãos
de Macbeth inicia a cade ia desas trosa de eventos, levando à morte após morte
na peça. Ta televisão, vi o con torno elíptico de lon a contra um céu luminoso.
99
À medida qu e o cortejo fúnebre se aproximava da sepultura, o pa stor da igreja da
Escócia descr evia a ilha como "u m lu gar muito pequeno, onde só um pap el de
seda separa o mundo material do mundo esp iritua l". Em lvIacbeth, Sh akespear e
cria um mundo onde o sobrenatural vive perto do natural; os doi s mundos estão li-
gados de maneira inextricável. Imagin ei im ediatam ente um palco frágil , estreito,
curvo , em forma de concha , que pod eri a ser iluminado a partir de baixo e ond e
as três irmãs bruxas viveriam , tendo o m undo mortal acima dela s. Lembrando
do s meus de sen ho s georgianos, que retr atavam simi larm ente clã s isolados na s
montan has caucasianas, vislumbrei como essas duas imagens poderiam ser uti -
lizadas juntas para criar a paisagem para a peça . Ienhurn a expe riên cia jamais é
desperdi çada (Figur a 3-1)'
Expressando o subtexto
O ca sionalm ente, art e e vida colidem, dando oportunidad e para a pesqui sa assu-
mir um foco pessoal qu e pode perm ear tod a a produção. Recebi uma proposta
de fazer uma das peça s qu e eu m enos qu eria fazer , O mercador de Vene.::a, de
Sh akespear e, com o grande ator sir Alec Cuinn ess no pap el de Sh ylock . Sempre
cons ide rei aque la peça de snecessari am ente liti gio sa, ind ep endentem ente da qu a-
lid ad e da produção . M esmo as versões do séc ulo XVIII , que tentar am ap rese ntá -
-la como uma comédia, fraca ssaram em enco brir suas defici ências e dificuldad es.
Assim, no s encon tram os no jardim con te m pla tivo de Cuinness, em su a casa , na
zona rural de Su ssex, para conversamos acer ca dos probl emas da peça. E m sua
casa , havia uma col eção de rep rod u çõe s da s pinturas de Morandi. Uma delas era
uma natureza-morta com garrafas sobre uma mesa junto a uma parede vazia.
. Cada garrafa era apresen tada isolada e solitária, com a forma e o formato retr a-
tados im pi cdosam ent e com todas as suas falha s, e trazida à pro emin ência por
m eio da par ede , cu jo fu ndo era liso e sem en feites. Morandi é um pintor do
sécu lo XX qu e pare ce aternporal . Suas com posições, com o aquelas de Chardin ,
po sicionam os obj eto s no espaço com a pr eci são de um dir etor de palco, con-
tando um a hi stóri a implícita de medo e isolam ento . Alec Cuinn ess afirmo u qu e
aquela natureza-m ort a era, para ele , a cha ve em relação à pe ça. Par ed es m antêm
as pessoas do lad o de dentro ou do lado de fora, e as defin em como insiders ou
outsiders, o qu e Cuinn ess enxergava co mo sendo o dil ema , bastante humano ,
de Sh ylock . Ele é n ecessário para ajudar a funci on ar a soc ieda de na qu al vive ,
m as é sem pre excluído. Conversamos a respeito do dil em a das minorias e dos
100
para lelos mod ern os relativ os a divisões étnicas e leis de segregaç ão, qu e co lo-
cam de te rm ina das pessoas atr ás das pared es, para qu e nã o possam co nta m ina r
ou poluir o resto da população. Os perigos disso estão descrit os tragicam ente na
peça de Shakespea re. As observações equ ilibradas e afáveis de Alec G uinness
me impressionaram mui to, e decidi ir a Veneza para ver, exata me nte, o mun do
da peça; o gueto do qual Shakespeare tin ha ouvido falar , mas que jama is tinha
visto. Claro qu e O mercador de Venez a não envolve, literalm ente, a cida de, não
sendo necessário reproduz ir edifícios ren ascenti stas no palc o. No enta n to, eu
estava proc ura ndo um a met áfora eloque nte e apropriada, e aqu ela jorn ada era
um pon to de partid a.
101
e cada me tade poderia girar no fundo do palc o cr iando espaços diferen tes de
ruelas e pracinhas. Para as ee nas co ntrastantes de Belm onte, o muro poderia girar
pa ra o fundo do palco e não ser visto. Febrilmente, fiz peq uenos croquis in loco
e ma l podia esperar para voltar à Inglaterr a e compartil har aquelas descobertas.
Na primeira oportu nidade, fui me encontrar com o diretor, Patr ick Garland, e
com Alec G ui nness . Sem dem ora, co meçaram a ter ideia s sob re co mo pode riam
ut ilizar o muro. Durante muito temp o, estudamos a obra de Rom an Vishniac ,
fotógrafo russo. Em seus trabalh os co m figur as isolad as, agac ha ndo-se junt o a
muros antigos, encontramos um paralelo co m o isolam ento pungente de Shyloc k
em Veneza . A atmosfera seria ma is in tensificada por me io do uso da plangente
música para cordas dos trios de Shos takovich, tocada em co ntraste com as serenas
e religiosas Ves pro del/a Beata Vergine (Vésperas da San ta Virgem ), de Claudio
Monteverdi . Todos nós sen timos que aquele era um caminho por um assunto
difícil, em que o sub texto poderia ser expresso visualmente sem dom inar a cena
e afogar os ato res. Fiq uei grata de não ter sim plesmente recorrido a informações
de fontes indire tas encon tradas em livros, mas por ter rea lme nte expe rimentado e
registrad o diret am ente a atmos fera sinistra do gue to venez iano.
102
jardim foi constru ído como um p átio suspe nso, com os poemas de Lor ca pinta-
dos a mão sobre os azule jos. Água corrente e bicas brot avam de font es invisíveis
nas co linas misteriosas, acima dos traçad os onde os ca minhões teriam passado
à noite fazendo um barulho contínuo . As execuções teriam ocorrido dc manh ã
bem cedo e sido ouvidas, por aca so, pelos habitantes de Viznar; assim foi descrita
graficame nte a mort e de Lorca nos relato s das testemunhas, contidos no livro Th e
Assassination of Federico García Lorca , de lan Gibson. 1 o entanto, no jardim do
memorial , os azul ejos estavam qu ebrados e lata s de tinta e pedra s tinham sido
arre messadas contra as par ede s maculadas e silenciosas do s poemas. Aqu ela noite,
e m G ranada, em um quarto quente de hotel, ouvi os cachorros uivando. A ten são
foi ines quecível.
antes para Safed, em Israel, ao norte do mar da Galil eia, outra comunidade fecha-
da. Na caixa de sapatos adequada , achei meus desenhos e fotos, e vi qu e os muros
estavam pintad os de verd e e az ul tradicionais, gravados com desenhos de flores
de jasmim , como tinha visto na And alu zia . As porta s muito pequenas das casas
ficavam aba ixo do nível da rua , c, acima dos portais arqu eados , pintados de azul,
existiam peda ços de vidro colorido em butidos na argam assa, capturando a lu z do
sol. Os int eriores escuros eram escassa me nte mobiliados e, ao me aventurar por
det rás dessas casas sec retas, vi grandes quantidades de roupas de baixo femininas
brancas zigue-zague ando pelos pequ enos pátio s, penduradas sobre cordas com
nós. A justaposi ção dessas duas experiências, Viznar e Safed, tornou-se o ambi en-
te para a produção de Yernia , visto através dos olhos de du as mulhere s, a diretora
D i Trevis e eu, que podíam os, ambas, en tende r o de sejo apaix on ado de Yerm a por
uma criança. Para dar total pro eminên cia às atri zes e manter a produ ção o mais
sim ples possível, decidimos usar o teatro em forma de arena. O s dois balcões do
Cottesloe Theatre, cercando o espaço nos quatro lado s, foram forrado s de roupas
de ba ixo femininas brancas, co mo a roupa lavada nos varais qu e tinh a visto em
Safed. Fize mos um piso de argamassa verde e, quando ainda estava úmida na
oficina de pintura, desenham os nela um motiv o decorativo de Aores de jasmim.
Sobr e esse piso, compl etado some nte por uma quantidade mínima de mobili ário
de madeira, cerâmicas de terr acot a e iluminação baixa, a diretora cri ou qu adro s
emotivos com as atrizes, qu e ca m inhavam , com passos ágeis e un iform es, do in-
terior para o exterior, ca ptura ndo os diversos humores inconstant es da peça e
da ndo ao pú blico um ins ight do qu e jazia no ce rne da atmos fera opressiva de um a
co munidade feminina fechada.
Pesqui sando o mundo m edi eval da peça de Fernand o de Roi as, La Celestina,
e as cida des onde se sabe qu e ele morou , fu i a Salaman ca, na Es pan ha. La
Celestina desenrola-se e m uma cidadezin ha fictícia, su pos ta me n te à beir a-m ar ,
já que a jovem h ero ín a obse rva navios passando a partir da torr e o nde ela está
encla usurada. Sal am an ca, qu e não é à beira-mar , é on de o ma nusc rito original
es tá ma n tido, e é on de os a u tos de fé durante a Inqu isição espa n ho la eram rea-
lizad os. Não é difícil per ceb er o mu nd o m edi e-
val de La Celestina n a Sal arnan ca atu al, onde,
para sua própri a seg ura nça , as pessoa s esta vam
con stantem ente em m ovim ento , anda n do pr ó-
ximas de muros e tom ando c u ida do para não
se re m ouv idas, po is as paredes têm ouvidos. A
peça é esc rita em m ovim ento co nsta n te, com
n enhum person agem perm an ec endo em um
m esm o lu gar durante muito tempo . Todos são
desconfiad os, ca u telosos e n er vosos. M eus dias
em Salaman ca foram som brios, pesados e atroa -
dores, pontuad os pel os sinos so na n tes das igre-
jas tocando co n tinua me n te , co n tribu indo par a
a atmos fera opressiva. O lo cal par ecia se m ar,
com o se o sol não fosse ca paz d e se ergue r alto
o ba stante, ac ima das torr es dos edifícios. E n tão,
vi os muros da universid ad e , co be rtos co m escri-
3.2 - Desenhos da escrita nos muros de uma un iver- tas e desenh os feit os desd e o séc ulo XV até os
sidade em Salarnanca dia s de h oj e . E m um a esc rita gr áfica extraordi-
nári a, decorada com pequ enas lu as e estre las, os
n om es do s estu dan tes, os motes e as declaraçõ es estavam pintad os no exte rio r
da universidade , como se o pr ópri o espírito das pessoas estivesse se ele van do e m
rel ação aos muros ( Figur a 3.2). Parada na ru a, desenh ei tudo aq u ilo par a uso
fu turo. I en h u ma expe riê nc ia jam ai s é desperdiçad a.
P A ,\T Tl'íQ
4 Ll.. J CEf'r3
3.4 - Desenh o descritivo de figurino de Timo thy "'est como Falstaff, usand o o pad rão do azu le jo
106
adve rtênc ia amarga sentar-se na plat éi a e perceber qu e mai s pessoas estão lendo
o programa do que assistindo ao espe tác ulo diante delas. 1\ pesqui sa é apenas o
meio pelo qu al a peça pod e assumi r sua form a, sua cor e seu form ato, e deve ser
capaz de ser absorv ida 110 trabalho para qu e se lorne bastante natural e tod os
se sintam no mundo da peça . Tra zer a pesqui sa para a sala de ensaio com o
ing redien te ativo da ativida de grupal, sem torn á-Ia um a ativid ad e pessoal , ajuda
todos a viverem os pap éis da peça e, pelo cur to per íod o desse trabalh o, se torn a-
rem especia listas no assu nto. Assim, m em órias sur pree nde n tes se apresentam ;
elas estava m, pro vavelmente, ado rmecidas durante anos, ap en as espe rando um a
oportunidade para serem utilizad as.
10 7
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108
o MISTÉRIO DAS COISAS (Fernando Pessoa)
Pesquisa primária
E m N oíte de Reis, de Shakespeare, o bobo Feste ob serva : " ão há trevas, ma s sim
ignorâ nc ia". A pesqui sa, co m foco e bem utili zad a, é a ponte en tre as trevas e a lu z,
en tre esta r preso e desesperad o e ter senso de direção para descobrir o m istério das
co isas. O co n texto da obra , os person agen s qu e a habitam e suas hi stóri as nec essi-
tam de estudo e registro , de man eira que se jam ú teis para todo s os envolvidos na
cr iação definitiva. A cenografia demanda uma m etodologia de pesqui sa qu e per-
tença obje tivame n te ao proj eto e reAita su b jetivame n te a visão pessoal do pesqui-
sador. O ce nóg rafo criativo deve sabe r co mo e onde enco n trar informações, para,
em segu ida, sabe r utiliz á-las. A pesqui sa se divide em dois percursos: prim eiro,
co le tar inform ações qu e são facilm ente ac essíveis e identicam ente obt eníveis
por qu alquer pessoa; seg u ndo, fazer um a pesqui sa ori gin al ou primári a, qu e é
o resu ltado do po n to de vista pessoal , exc lus ivo do pesqui sad or. É muito fácil e
ráp ido utili zar um m ecani smo de bu sca , ir para a pesqu isa avan çada e imprimir
o resultad o fatu al inst ant ân eo. Pode ser um bom ponto de partida . No en tan to,
a pesqui sa primária , ou o ato de olha r mais longe , é um proc esso muito distinto.
Sig ni fica busca r algo qu e ai nda não é co n hecido ou definido, em ba rca ndo em
uma viage m de descob ert a, como os prim eiro s descobridores, e permitin do a pre-
sença do inesperado e do acid ental na ave n tur a. A pesqui sa de verdad e tem de
ver alé m da su pe rfície. Deve investigar o int erior do assunto a fim de qu e ele
se ja recriad o prov eito sam ente. O s desenhos de pesqui sa de Leonardo da Vin ci
inves tiga ndo a ana tom ia hum an a ou o fun cion am ento das m áquinas são exem-
plos de pesqu isa primária. Ele demonstra investigação ori gin al , alimen tada por
um a cur iosidade insac iável de ver através da pele do su jeito e en tende r a estru tura
e o fun cionamento int erno, qu e são sua base. Em Nantes, na França , os ateliês
de Les machines de l'il e, sob a dir eção de François Delaro ziere , criam aran has e
elefa n tes m ecâni cos qu e descon cert am e m exem com milhare s de espectadores de
cida des de todo o mundo, que se re únem espon taneame n te par a ver esses even tos
de teatro de rua . Seu cr iado r afirma: "Trabalham os da me sma maneira que um
pin tor: se ele qu er pintar um corpo, ele pen sará a respeito do s ossos sob a pele para
deixa r o co rpo real. Assim, nós também pen sam os a respeito do qu e está dentro'".
9 Phil l logan , "1I0\\' Liverpool fell for a gialll crec py-crawly". The O bserver. Lond on :
selem bro de 2 0 0S.
1°9
A evidê nc ia de ssas construç ões in críveis não reside em sua aparên cia, qu e se asse me -
lh a ao su jeito (mas qu e não o reproduz de mod o reali sta ), m as n o estudo cu ida-
doso, qua se cien tífico, do movim ento do animal, que é, então, traduzid o tecni ca-
m ente . Isso também se evidenc ia na Handspring Puppet C orn pany, da Africa do
Sul, qu e co nstru iu os cavalo s para a adaptação teatr al do roma n ce de Mi chael
M orpurgo a respeito de um cava lo da Primeira G uerra Mundial , ada ptação essa
apresentad a no Royal National Th eatre, em Londres, em 20 0 7 . C omo o im en so
el efante do su ltão e a aranha de 15,24 metros de altura , os cavalos de tamanho
natural eram evid entem ente m ovimentado s por pessoas, mas seus movimentos
verda de iros, a man eira pela qu al moviam as ore lhas, fun gavam , arr em eti am e
caíam no chão, era tão bem pesqui sada , estu dada e traduzid a qu e os espectado res
ficavam aos prantos e en te ndiam mais claram ent e do qu e qu alquer oratóri a polí-
tica o horror ab soluto e a futilidade da gue rra.
110
m enta mu sical. No fim daqu el e dia, seis hi stóri as de seis personagen s diferentes
foram sele ciona das para sere m desenv olvid as em um tema coe re nte . Era com o
ter lãs de cores vivas par a tricotar, sem sabe r com ce rteza qual seria o padrão da
peça de roupa . Dessa miscelân ea de informações, uma colc ha de ret alh os de
memórias começou a ser construída. A pesqui sa a respeito de cada pessoa era
ind ividu al e pessoal , ma s também fazia parte do todo , e tornou-se um a exposi-
ção públi ca pictóri ca insep ará vel da performance final, muito apr eci ada pelo s
espectadores. C omo ben efício adi cional , a atividade também ens inou aos ato-
res algo a respeito de sua pr ópri a hi stóri a, algo qu e eles não conh eciam: um
bo m m otivo para descobrir, realm ente, coisas ace rca de um assunto.
Pesquisa criativa
o desenv olvim ento e a manuten ção da cur iosidade cu ltur al, qu e revelam a in-
terl igação de assuntos ap ar entem ente distintos, são ati vidades muito importan-
tes. Atua lme n te, os prin cip ais mu seus ofer ecem exposições arrasadoras, qu e
cri am tai s ligaçõ es inter cu lturai s, e, com o são maravilhosas e estimu lan tes,
fre que n te me n te não são mai s do que um tipo inv erso de teatro , onde atores são
ob jetos estáticos e espec tado res são atores em movimento . O fato de co m prar
cartões -pos ta is nas lojas especialme nte criadas para a oca sião, escu tar fitas de
áud io ou ler um ca tálogo não gravará a exposição na m emória , a m en os qu e
ela se ja apoi ada por um desenho ou uma anota ção pessoal reali zad a no local.
A pesqui sa não é sim ples me n te co m prar um prato pronto no supe rme rca do
c u ltura l, mesmo se for cô m odo e estiver e m ba lado de modo atra ente . A pesqui-
sa trat a de co m o os fato s ating em o receptor e n ão envolve a aceita ção de um
dad o det erminado por alguma outra pessoa. O gravur ista tch eco V ácla v Hollar
reg istro u cu idadosame n te o povo e os traj es femininos qu e viu e m diversos
pa íses qu e visitou entre 1642 e 1649. Ele tinh a um olh ar agu çado e ob servad or
e tinha facilidad e de tran sferir o qu e via par a o papel. Era at ento às sing ula ri-
dad es das vestime n tas e registrou , em suas séries Tlieatrum JVlulierum e Aula
Veneris, acessórios de cab eça estran hos; com o o corpo feminino era distor cido
pel os fabricantes de espa rtilhos, induzindo a usuária a manter uma postura
específica; como as maneiras de se vestir representavam classe e status; e como
m u itas cam ada s de ca pas forrad as de pele s tinham de ser usad as para afastar o
frio e a umidad e. A partir dessas pequen as gravur as, é possível conc eb er tod a
u ma vida para essas mulher es, qu e par ecem esta r olhando de lado, suspe itando
111
do artista qu e as estava desenhando . No en ta n to, essas gravuras não eram um
fim e m si, ma s mat eri ais de pesqui sa bruta par a próxim as obras alegó ricas de
im agin ação e lib erd ad e in críveis, qu e levam o criado r e o ob servador a territó-
rios inexplorad os. Mediante um m étodo co m ple ta me n te diferente, m as co m
um fim simila r, o artista din amarqu ês Olafur Eli asson pesqui sa per cep ções
senso riais da lu z, do som e do che iro, levando os obse rvadores a novos mund os
de expe riênc ias, frequ entem ente em um a escala im en sa qu e desafia a im agin a-
ção. Su a obra faz refer ência às pai sagen s de sua infân cia island esa, e sua cur io-
sida de e seu int er esse estão em de scobrir o ponto em qu e natureza, ciê nc ia e
arte co lide m. Ele é um colec iona dor de m em óri as e, co mo arti sta de estudos
da lu z, pesqui sa forma s orgânicas qu e se torn am suas lâmpad as in ven tada s. Su a
obra Weather Project, exposta em 2 0 03 no Tat e M od em , em Londres, co nsistia
em uma lu z amarela gigantesca, sem elha nte ao sol, e os visitantes do m use u
se deit avam espo n ta nea me n te sobre o chão, deixand o-se banh ar por sua lu z
dourad a. A ilumin ação do saguão da Casa de Ópera de Cope n hague exibe
ou tra manifesta ção de forma s orgâni cas, ema na da de um mi cro scópi co estudo
e obse rvação das ca rac te rísticas, muito como Holl ar ob servava as sing ula rida-
des das pessoas.
Materialidade
A pesquisa também deve abranger a visita aos espaços de performance, sobre-
tudo quando se trabalha em um ambiente teatral não tradicional. Cada lugar
tem uma história e uma narrativa que falam por suas pedras e muros. A foto-
grafia é inestimável para documentar todos os ângulos distintos do espaço,
principalmente agora que é tão fácil manipular imagens. No entanto, suple-
mentar isso fazendo decalques de texturas com lápis de cera sobre papel fino,
se ajoelhar no chão e buscar uma ligação direta com os materiais reais do
espaço, pode trazer ainda mais ideias para o trabalho final. Vagando pela cida-
dela de Eptapirgio, vazia e quase abandonada, em Salônica, na Grécia, para
a preparação de The Greek Passion, minha atenção foi fisgada pelas camadas
descascadas de tinta azul quase desaparecida nos umbrais das portas, mas
ainda misteriosamente ali. Peguei algumas dessas lascas de tinta, com variadas
tonalidades de azul, e as datei como se fossem anéis de troncos das árvores.
Peguei maços de orégano e alecrim silvestres e ramos de olive iras e damascos
caídos no chão pedregoso . Tirei fotos e me sentei nas diversas partes do local
112
qu e não estavam convertidas e m espaço cênico, tirando amostras de cor de
pedras e rochas soltas. Flores selvagens prensadas, pedacinhos de pedra em
desagregação , desenhos de ime nsas pan ela s de cobre usada s quando a fort aleza
e ra utilizada co mo prisão da cida de, bancos de madeira pintados de azul , gran-
des ga nc hos de ferro no s muros reciclados de pedras antigas, esculturas com
moti vos decorativos islâmi cos, pilares de mármore quebrados, obras antigas de
alvenaria... Tudo reunido como uma colcha de retalhos maluca , de screv endo
as épocas e os estágios da construção. Essa materialidade - a qu alidade do es-
paço - é tanto pesqui sa cenográfica como de bib lioteca . Depois de escalar os
baluartes, já bem no interior do s muros de grande esp essura, atravesso as cela s
esc ur as e sem ven tilação. Quando meus olhos se acostumam com a penumbra,
ve jo desenhos e in scrições a ntigas gravadas profundamente na superfíci e do
muro . Essa é a propriedad e que estou procurando, a chave para a se nsaçã o das
im agen s qu e qu ero criar, qu e não serão desenhos, ma s rabi scos. Arranqu ei um a
págin a no m eu cade rn o de desenho e, com um lápis ma cio , de calquei sobre a
su pe rfície riscada da pedra . Consegui uma refer ência direta. Posteriorm ente,
rei nt erpretei essa propriedad e ao criar as imagen s dos personagens, inventando
uma técni ca de raspar e arranhar como alternativa ao de senho (ve r as Figuras
4-4a-f). Subi mai s alguns degraus íngrem es e perigosos, por onde os prisionei-
ros devem ter caminhado de modo exaustivo. Ganchos de metal agourentos se
pr ojetavam do muro . Pássaro s se m vida, sec os, espalhavam-se pelo chão, e as
pe nas soltas aprese ntavam a qu alidade árida e a rra nhada , igual a dos muros,
com gradações de cor, do azul muito esc ur o ao branco acin zentado. Pegu ei
algum as par a levar para casa. Aind a mai s adiante , havia outras celas pequenas
no int erior da pr ópria torr e, e, naquele mom ento , em uma altura vertiginosa,
e me rgi sob re as am eias, com vista para a cidade, no ponto mai s alto . Baixando
os olhos para um dos lados, vi um posto de gaso lina e um su perme rcado, e,
para o outro , as ruínas dos muros da antiga cidade bizantina, de scendo a en-
cos ta na dire ção da cidade e do mar abaixo . E, sur preende nteme nte, no outro
lad o da baía, a forma triangular do Monte Olimpo, com se u pico coberto de
neve; o lar mítico de Zeus e l-lera. A lu a iluminou o interior da fortal eza, e, no
páti o aba ixo, qu e só pod e ser visto daquela altur a, pequenas pilhas num eradas
de esc u lturas de pedra estavam reunidas em filas, como pri sioneiros espe rando
para receb er ord en s. Posteriormente, descobri com o en trar e vi bela s esc u ltu-
ras de cabeç as de carneiro, pássaros gravados no mármore , moti vos decorativos
islâmicos delicadamente entrelaçados e gravados nas pedras. Eram inci sões e
inscrições. As palavras tam bé m são pe squisa . O utro pá tio, atrá s de um muro
alto com ferrões met álicos grossos, guardava um edifício de concreto acre,
com janelinhas com barras, claramente um bloco sinistro de prisão; a ala
para os prisioneiros políticos, que ainda estava em uso em 1986. O luar caiu
abruptamente sobre o interior da fortaleza, alterando a geometria do espaço e
demonstrando como os locais requeridos para a ópera serão facilmente alcan-
çados pela luz. Sentei-me em Ulll dos assentos da arquibancada para seiscentos
espectadores, na área cênica suspensa e no fosso da orquestra para 66 músicos
que seriam construídos, e desenhei as distintas quedas de luz. O espaço dispu-
nha de todos os ingredientes brutos, incluindo regulamentos estritos de que
nada teria permissão para tocar os antigos muros em desagregação .
Como diretora dessa ópera, quis utilizar a altura da fortaleza para obter o máxi-
mo de efeito, sobretudo para o grande coro. As portas das celas pintadas de
azul, marcando o grande muro atrás da escadaria, recordaram-me os desenhos
que fizera dos vilarejos na encosta da colina, e pude ver aquele muro repre-
sentando o vilarejo de Lycovrissi. O coro de mulheres saindo de suas casas de
construção vertical podia se agrupar sobre a escada de ferro com vista para a
praça do vilarejo, muito como Kazantzákis descreve em seu romance O Cristo
recrucificado, em que a ópera se baseia. Em uma posição mais elevada , sobre os
baluartes, a residência de Agha poderia ser indicada, como no livro, "por uma
porta turca pintada de vermelho", com um toldo de seda rosa e um telescópio
dourado de onde ele poderia inspecionar os eventos abaixo . As cores desse
mundo desaparecido são registradas nas belas imagens - autocrornias - feitas
pelo fotógrafo francês Albert Kahn (1860-1940) e sua equipe no livro Salonika
(1913-1918). O arquivo está no Museu Albert-Kahn, em Boulogne-Billancourt,
em Paris . Essas fotografias são parte de um megaprojeto de Kahn para docu-
mentar o mundo em fotografias. Qualquer pessoa que queira descrever a vida
humana nesse período deve estar ciente desse arquivo . As imagens coloridas
avivam detalhes pessoais do dia a dia, tecidos, roupas, panelas, crianças, arqui-
tetura (tanto humilde quanto grandiosa ), detalhes que seriam perdidos ou exis-
tiriam somente como memória desvanecida. Nas fotografias que Kahn fez das
igrejas ortodoxas de Salônica, percebi que os pisos estavam cobertos com pesa-
das esteiras de juta, orladas e decoradas com listras vermelhas, e, ao pesquisar
fabricantes têxteis modernos , descobri que os materiais básicos ainda estavam
disponíveis, relativamente baratos, e que seriam ideais para a aparência, a dura-
bil idade e a absorção do som de nossa produção.
Pesquisa colaborativa
Quanto mais coletiva a pesquisa , mais a rede se espalha e mais colegas têm a
se ns a çã o de pertencimento ao projeto. Na preparação da produção do workshop
para a ópera O casamento, de Bohuslav Martin ú, todos foram convidados a
participar da pesquisa e contribuir com fotos , imagens e memorabilia para a
parede da memória, realizando uma grande colagem visual. À medida que
essa colcha de retalhos de objetos começou a se desenvolver, os participantes,
espontaneamente, começaram a remover itens e reordená-los de acordo com
títulos pertinentes aos nossos temas . Gradualmente, emergiram um ponto de
vista e uma estética que permearam nossa seleção final de mobiliário e objetos
que descreveriam as distintas arnbientações da ópera. Cada pequeno detalhe
poderia levar a uma ideia : a foto de uma geladeira antiga, a cor de uma fonte
gráfica em uma revista de época, uma faixa para o cabelo, um par de luvas .
Todos esses objetos serviram para nos informar a respeito de um mundo que
não existia mais, mas que estávamos procurando recriar. Esse é o propósito da
pe squisa teatral. A pesquisa, se confinada em um arquivo ou em um compu-
tador, é inútil. Para ter algum uso , deve ser acessível e estar disponível para
todos . Dessa maneira, torna-se uma dramaturgia visual que apeia e aprimora
a produção. Muito da cenografia não é uma questão de realizar belos projetos
(e m b or a isso também seja importante ), mas realizar escolhas r ápida s e tomar
decisões elegantes dentro da estética escolhida . Que tipo de xícara de chá é
adequado? Que tipo de sapatos aquela pessoa usaria? Que cores resumem o
quarto de uma garota dos anos 1950? Os brechós e os armazéns de coisas usadas
são lugares excelentes para pesquisa e reconstituição das vidas di árias do passa-
do . Lá estão os fantasmas esperando para ser reencarnados, os sapatos esperan-
do para serem calçados novamente , os chapéus procurando por uma cabeça.
Em Pittsburgh, nos Estados Unidos, em um depósito de móveis usados, vi filas
de cadeiras estranhas alinhadas em um almoxarifado. Elas tinham um senso
de expectativa, como se estivessem esperando que algo acontecesse na frente
delas . Fiz um desenho que combinou todas as propostas da pesquisa até aquela
data. O curador da Galeria Miller de arte contemporânea , da Universidade
Carnegie Mellon, viu o desenho e me ofereceu de imediato um grande espaço
branco que ocupava todo o segundo andar. Meu projeto tinha um lar e não
poderia ter sido melhor (F igura 3.7). O desenho , baseado em sua pesquisa, foi
o emiss ário para o projeto .
3.7 n- Instalação
Ca . Mellonde• eO casamento nosGEstados os • níversídad e
legle m Píittsb urg h• na Unid
aleria Mill e r d e arte co nte mpo rânea na U .
116
"
117
Pensamento lateral
Posteriormente, quando a ópera precisou ser remontada para um público muito
maior, a presença de muitas cadeira s tornou-se impraticável, pois impedia as linhas
de visão, e outra solu ção precisou ser encontrada (Figura 3.7).
A área de assentos do teatro sempre pareceu ser uma área inexplorada, sobretudo
quando cada vez mais produções são realizadas em espaços não teatrais . Em geral,
uma arquibancada com assentos padrão, que são baratos , seguro s e eficientes, é ins-
talada , prestando-se pouca ou nenhuma aten ção ao seu impacto visual no espaço. O
Royal Albert Hall , em Londres, foi construído em 1871, com um sistema de assentos
giratórios. Os camarotes possuem cadeiras altas especiais para os espectadores qu e
se sentam no fundo . Munida dessa informação, fui pesquisar e expe rimentar aquela
realidade e, durante uma ópera fastidiosamente longa, fui capaz de testar distintas
ideias originais de assentos que ainda não têm equivalentes. Procurando adaptar 1871
a 20 09 , comecei a pensar que , em vez de cenários móveis, os espectadores poderiam
mudar seu ponto de vista se houvesse um sistema flexível de assentos que fosse barato
e seguro. Assentos flexíveis para espaços flexíveis. Há uma adaptação da tecnologia
de hovercraft (aerobarco) na qual conjuntos inteiros de assentos podem ser movidos
por compressores de ar, mas isso não costuma ser financeiramente viável. Teria de ser
barato e temporário, pois era somente para uma produção. Talvez o assento pudesse
ser feito de papelão, que consegue ser bastante forte se construído de modo apropria-
do. Isso me levou a procurar a ajuda de um desígner de produto l0, que me pôs em
contato com o departamento de engenharia de uma universidade que estava pesqui-
sando como tornar sustentáveis móveis de papelão, um tanto à maneira pela qual
Leonardo da Vinci tentou fazer máquinas voadoras. Um aluno ligado à pesquisa me
mostrou um banco de papelão desmontável que poderia receber uma impressão de
qualquer desenho ou cor e que tinha sido aprovado em todos os testes de segurança;
além disso, era tão barato de produzir que poderia ser incluído no preço do ingresso .
Assim, o espectador poderia levá-lo para casa. É estável, mesmo para pessoas pesadas,
e pode ser movido com facilidade de um lugar para outro. Ainda era necessário uma
plataforma para que os espectadores pudessem enxergar sobre as cabeças das outras
pessoas, à frente, mas isso já é um salto no escuro imaginativo; além disso, os bancos
pareciam totalmente apropriados para a nossa época, da mesma forma que os assen-
tos mais luxuosos do Royal Albert Hall devem ter sido há muitos anos .
118
Criatividade e tecnologia
A pesquisa de um novo assunto ou espaço é uma maravilhosa oportunidade para a
descoberta de novas possibilidades tecnológicas c para a investigação de seu uso.
Essa foi a oportunidade oferecida com a criação do novo em relação à ópera-coral
Edd! af Manhood End. Com o advento dos festivais de m úsica pop cm todo o
mundo, a tccnologia da tenda foi desenvolvida além da imaginação. Atualmente,
as tendas podem ser construídas em qualquer tamanho e formato, tcr tratamento
ac ústico por meio de forros duplos, receber iluminação e pisos, mas são tempo-
rárias e reutilizáveis, como as lonas de circo viajante sempre foram. I:: um gran-
de dcsafio criar um evento a partir do nada, em um espaço não existente. quc
seja seguro, agradável. sustent ável e não muito caro. Uma tarefa fenomenal. que
exige uma equipe de pesquisadores trabalhando juntos para associar informações
e revelar possibilidades. Comenta-se que, normalmente, discussões e reuniões se
ocupam do que não pode ser feito, e esse é exatamente o processo oposto . Um
especialista em som est á trabalhando em versões surroutul. Um especialista em
fibra óptica sugere que, para se manter a sensação de ar livre em uma noite fria
de outono, o teto da tenda pode ser de um tecido com estrelas de fibra óptica e
vigas de madeira encravadas em uma extremidade, para dar a sensação de capela,
e sobre a qual a forma da tenda se baseia, sem reproduzi-Ia de modo realista . Um
especialista em tenda encontra uma maneira.
Objetos cotidianos
Um novo projeto sempre é um desafio estimulante e também o momento sedutor
do início de algo sublime. A busca de conhecimento, mesmo para ser reduzido à
utilidade, é infalivelmente atraente. Doze peças recém-encomendadas a respei-
to de aspectos do Afeganistão, com duração de meia hora cada moa, devem ser
encenadas no espaço em forma de pátio do Tricycle Theatre, na região noroeste
de Londres. É tempo de ler e investigar a respeito do assunto. Como desígner do
projeto, mal posso esperar para descobrir algo -uma cor, uma textura ou um arte-
fato - e iniciar o processo de criação. Nunca sei de onde o ponto de partida pode
vir e, muitas vezes, é tota lmente inesperado. Dirigindo por uma estrada vicinal,
não longe de onde moro, no coração da zona rural ondulante inglesa, notei, na
beira da pista, uma placa escrita a mão que nunca tinha visto antes: "Venda de
antiguidades aberta à visitação pública por apenas um dia", e havia uma seta
apo nta ndo para a estradinha de um lugar. Im pul sivam ente, pegu ei aque la dire-
ção e, mais à frente, enco ntrei um grande ce leiro che io de ca nde labros, móveis
pintad os, espe lhos e persiana s de jan elas - um a indescritível cave rna de Aladim,
Do me u estu do extensivo de artes decorativas, reco nhec i difer entes estilos: dos
B ál cãs, da Itália e da Turquia. O propr ietário, um negociante de an tigu idades
napol itano, quis saber qual era o me u interesse , e lh e explique i que procurava
algo para inic iar o projeto do Afeganistão, mas sem ter ain da um a ideia especí-
fica. Comecei a bisbilh otar e ac he i um tesouro che io de ideias. Algumas rodas
en ferru jadas de um antigo veícul o motori zado, um berço de fer ro pintad o co m
express ivas figur as, agora muito pou co visíveis, dan çand o, e um par de persian as
da jane la externa de uma estufa, com ripas fixas de madei ra, claramente orig iná-
rias de um pa ís quente. De mo do rep entin o, o dono volto u com um pacote gran-
de e misterioso , em bru lha do em pap el pard o, infor man do qu e qu eria dar um
presente ao projeto. O propri etári o me ofertou o artefato mais sur pree nde nte :
uma moldura de mad eira, grande e vazia, co m a supe rfície supe rior en talhada
de forma elabora da, clarame nte do Afeganistão; não era uma an tigu idade , mas
um objeto cotidiano. A mo ldura de mad eira estava coberta com papel prateado;
tinha algumas par tes destruídas e outras em processo de desintegração. O papel
pra tea do foi pint ado de verde-escuro , e, sobre a supe rfície, pintadas a mão por
algum artesão distant e, havia pequ en as flores delicad as, em ara bescos e espirais
de cor e motivos decor ativos entrelaça dos. Tod a a moldura estava co be rta co m
acr ílico, qu e havia sido estilhaçado como vidro que bra do, mas ainda estava pre so
à base. O centro pode ter co ntido um espe lho, uma pint ura ou um a fotografia,
talvez pro ibida e removida à força. É extremamente frágil. A combinação de ma -
teriais - madeira, papel pratead o, tint a, flores, na tureza , plástico - co nté m toda
um a históri a, e estava ali, em mi nhas mãos. Como qu em co loca um beb ê na
cama, pu s a moldura no porta-mal as do meu ca rro: sabia qu e tinha enco n trado
a chave para o meu próximo trabalh o, e qu e, a part ir daquil o, tod o o resto viria.
D irigind o de volta para casa, perg un tei-me como ter ia reco nhecido a orige m do
objeto e por que o mesmo me parecia tão familia r. Então, lem brei-me de qu e,
mui tos anos antes, dura nte uma viagem para Tbilisi, na Geórgia, eu co m pra ra
alguns restos de tecid os em um mercad o, entre eles, um casaco afegão em farra-
pos. Eu o encontrei, e vi qu e suas flores, a maiori a das qu ais qu ase desaparecida ,
tinham sido bord ad as no grosso tecid o de lã verd e-escu ro, em um padr ão qu ase
idê ntico ao da mo ld ura de madeira. A part e interna do casaco é constituída de al-
godão com estampa floral, costurado intricadamente a mão com pontos tran ça-
dos, para proteção co ntra o frio. Em certos lu gares, a superfície flori da est á gasta
120
e um enc hi me nto de algodão cru está brotando através dela, co mo sementes qu e
não morrerão. Em bo ra durante o processo de ela boração de u m novo pro jeto
eu leia livros, assista a do cum entário s e veja fotografia s, nada terá a verdade e
a imediação desses ob jetos feitos a m ão, qu e outro ra foram possu ídos e agora
esperam outra vida .
Dramaturgia visual
Atua lmente, há um ace rvo subs ta nc ial de livros de pesqui sa e artigos sobre aspec -
tos da cenografia, co m um a comu nidade internacional vibrante, m esm o qu e pe-
que na , de pesqui sador es acadê m icos co loca ndo a m atéria em domíni o público.
Encontrando-se, muitas vezes, em recint os im pone ntes de antigas universidades,
trocam artigos ou apresen tam teses de do u tora me nto a respeito de tópicos rela-
tivos à ce nografia. I-lá pou co tempo, um a co isa dessas teria sido inimaginável.
Ho je, há publicações eruditas qu e oferece m reflexões e pro voca ções, e podem até
influenciar a prática cenográfica real de algué m . É sina l de que a m atéria é levada
a sério. Há dem and a de estuda ntes para estudá-la, e, portanto, um a exigênc ia
sobre as institui ções aca dê m icas e artísticas de forn ecer pessoal para ensiná-la.
Isso, por sua vez, cr iou um a co nfraria ce nog ráfica aca dê m ica e prop orcion ou
em pregos para profissionais co m int eresse em pesqui sa. o enta nto, a int egração
en tre teoria e prát ica ainda tem de ser alca nça da, e qu em sabe o surg ime nto de
uma nova disciplina de drama turgia visua l possa ser essa ligação. A pesqui sa teóri-
ca erud ita e origin al agrega ao co n hec ime nto co letivo da matér ia e forn ece um a
aná lise crítica clara e muito necessária sobre o pro ccsso e o co nteúdo do ofício
teatral. A teoria deve ser apo iada pela prática, e ca da pro dução é u ma for ma de
pesqui sa, requ erendo um ob jetivo, um m étodo e um a avaliação ob jetiva.
121
em que observa o seguinte: "A terra se torna um ator na guerra" ". Então, Paret
conecta o leitor com OUo Dix (1891-1969), pintor expressionista alemão cuja
vida foi profundamente afetada por suas traumáticas experiências na Primeira
Guerra Mundial !', A visão de Dix sobre a terra como "uma mãe ferida que abri-
ga homens por um tempo e, então, após suas mortes, novas vidas surgem sob a
forma de vermes e, depois, de flores", liga-se intimamente aos campos de papoula
de Flandres - o ícone daquela guerra. Procurando aplicar essa pesquisa à pro-
dução, minha rede pessoal, então, me leva a Jacques Callot (1592-1635), grande
impressor e gravurista cuja série Les grandes misêres de la guerre, de 1633, era o
equivalente às notícias dos jornais atuais. Por sua vez, a série de Callot influen-
ciou Francisco de Goya (1746-1828), pintor espanhol que influenciou diversos
pintores do século XX. Essa reciclagem dos mundos através da arte testemunha o
poder duradouro da imagem gravada . Tudo está em domínio público, disponível
para que qualquer pessoa veja: todos esses artistas retrataram os horrores da guer-
ra por meio de pessoas e objetos pessoais, da mesma forma que Howard Barker
descreve em sua peça poética. Esse é o "mistério das coisas", como descrito por
Fernando Pessoa, poeta portugu ês".
11 Peter Paret, lmagined Battles - Re{lections of \VaI' in European Art, Chapel Hill/
Lond on : University of orth Carolina, 1997, p. 108.
12 Ver a série de cinque nta gravuras \\ 'tJ I', publi cada em 1924.
13 Fernando Pessoa, Selected Poems. Tradu ção para o inglês de [onathan Criffin. New
York: Pen guin , 2000.
122
e frequentemente in ovad ora . Pod e e nvolve r a n ece ssid ad e de ir ao e ncalço de
fabri cantes ou siste m as qu e não tenh am sido criados espec ifica men te para uso
teatral. O s atribu tos técni cos, porém , jam ais a te nde rão ao ce nógrafo c riativo se
a apa rê nc ia e a sensação do m ateri al n ão se associarem à ap ar ên cia e à se nsação
que o artista estiver pro curando. É onde se trava a batalha e n tre soluç ões fáceis e
co nve nien tes e o rigor esté tico e onde a m anuten ção co n tínua de uma bibliot eca
de dad os técni co s, co nstan te m e n te atuali zad a, se destaca. O co n hecimen to ac er-
ca das evo luções tec nológicas e m equ ipa me n tos de lu z e som pod e leva r a uma
lin guagem cenográfica difer ente . In stalar algu ns refletores multifun cionais pode
ser um investimento inic ial eleva do, m as qu e tende a se r co m pe nsa do por um sis-
te ma qu e utiliza m en os m ão de ob ra, ofer ece m aior flexibilidad e de ilumin ação
cênica e prop or cion a redução da n ec essid ad e de ele m e n tos cê n icos co ns tru ídos.
Coleciona r a mos tras de tecid os e classificá-las e m categori as de ac or do co m suas
propried ad es espec íficas é um hábito útil de se adquirir. Em Taiwan , uma recente
visita a um im en so m er cad o de tecidos revelo u desenvolvim entos tec nológicos
e m m anufatura têxtil qu e desafiar am a imaginação . Ali, podem ser enc on trados
todos os tipos de estam pas a nimais possíveis, co ur os a rtificiais estam pa dos, textu-
ras, tecel age ns, sedas e algodões c rus de todos os pesos. Em uma profissão on de
te m po e dinheiro são sempre escassos, tod os precisam se m anter atua lizados a
res pei to dos desen volvim entos tecnológicos, e, e m bo ra se su bme te ndo à exper-
tise de ou tras pessoas, é preciso se r inteli gente o su ficien te para decidir se algo
é útil ou não. Há um m om ento de reavali arrn os n ossa práti ca, e o cenógrafo
te m a responsabilidade de estar atualizado e conscien te do que está à dispo siçã o.
Consta n te me nte, precisamos pesqui sar e descobrir qu e tecn ologias estão dispo-
n íveis e de qu e maneira elas podem no s ajudar a alcançar ce rtos obj eti vos. Você
não será ca paz de formular per guntas se desconhecer as possibilidad es, qu e é o
que o bob o Feste, de Shakesp ear e, ob servou ironicamente . Por m ais abstrato qu e
o resultad o fin al possa ser, ele deve co meçar da verdade, e a boa pesquisa traz lu z
às trevas do desconhecid o . Só ga ran ta qu e a pesqui sa não se ja m ais in te ressa n te
qu e a produção fin al.
COR E COMPOSIÇAO
,.."
I
o JOGO D E MALABARISM O
A co r e a co m posição são o ponto cruc ial da arte do ce nóg rafo. Dep ois da
pesquisa do texto e do con hecimen to do espaço cê nico, o próximo desafio do
ce nóg rafo é co mpo r e colorir o local co m figur as e form as, cria ndo um envelo-
pe visua l para o espe tác ulo. Tudo o qu e existe no palc o, fixo ou móvel , é part e
da co mposição ciné tica . A in tegração da co mpos ição com a co r permite que o
artista atraia o olh ar do espectado r para os pontos focais de cada ce na durant e
o prog resso do espe táculo. Na cr iação de um a co m posição gratifica nte, o ce-
nógrafo precisa ver e senti r o local. Torna r-se mestre do espaço dá liberdad e
para jogar co m o tamanh o e a co r, de mod o qu e, co mo na na tureza-mo rta , os
obje tos selec iona dos seja m transformad os. O espec tado r vê através dos olhos
do artista o que foi incluído para con tar a história, e pod e imagina r o que está
implícito .
12 5
A co m posição ce nogr ãfica qu e se desdobra para o espec tado r deve unifi car os
ato res e os obje tos em uma série de enunc iados poét icos que capte a essência da
verdade e a realid ade ofereça identifi cação e surpresa. Isso não dep ende só do
su jeito, qu er fatu al ou abstrato, mas se relacion a com a colocação da imagem
sobre o papel ou de ntro do volume do espaço cênico. A co m posição cê nica pod e
co meçar no pap el como um a id éia em dua s dim en sões, mas, em segu ida, deve se
afirma r quand o con vertida em três dim en sões. O teste de ideias em um a ma que te
a juda essa conversão e deixa claro onde posicion ar os eleme ntos qu e con stroem a
im agem ela peça e co mo utili zar a co r de modo imaginativo e evoca tivo. O espaço
vazio é, simultanea me nte, um a expe riência bi e tridime nsional.
Edvard Mun ch , em sua pintura A dança da vida, recorreu a cores alta me nte
ca rregadas e emo tivas para retrat ar o drama do suje ito. A gama de cores é mu ito
lim itada , produ zind o uma atmosfera melancólica e singularmente nórd ica. O
qu ad ro exibe um grupo de pessoas juntas, mas isoladas entre si por espaç os pin-
tados em um verd e vibra nte, mais int en so do que a mulh er vestida de verm elho,
situa da no ce ntro. Integrand o-se o quad ro, vemos d uas figur as femininas sem
parceiros de dan ça; uma delas vestida de bran co e a outra de verde muito esc ur o,
quase preto. A figur a de branco ma ntém seus braços abe rtos, co mo se espera ndo
por um parceiro ause nte. A cabeça da mulh er de verde-escuro, em co ntraste, est á
126
das qu at ro
c urva da para baixo, co m as mãos firm em ente en trelaçadas . As formas
tremula ndo
ou tras dan çarinas, vestidas de bran co , parecem peda ço s de papel
o em um lago
em rel ação ao chão. A lu a branca lan ça um feixe verti cal , reAetid
um sac rifício pod e
horizon ta l, situa do fora do ce n tro, suge rindo um alta r onde
ser real izado.
12 7
Cor e textura
o uso das cores e a experiência com distinto s tipos e combin ações de meios para
alcança r a atmosfera correta são muito prazerosos. A escolha dos
meios pode
captar a sensaçã o das palavras ou da música . Costum o utilizar tintas
e resina s
acrílica s, aquarel a e lápis de cor e, frequen temente , procuro materia
is de uso
industrial. Para todas as paredes e pisos da peça Solness, o construtor,
utilizei uma
tinta azul acinzen tada de alto brilho desenvolvida para barcos, com
pequen os
detalhe s em cor de terracot a usada para vigas de aço à prova de ferrugem
, tanto
na rnaquet e como na versão cênica final. A cor azul acinzen tado foi
usada espes-
samente sobre as paredes de tábuas e sobre as imensas tábuas para
assoalh o, es-
truturas pesquisadas em livros sobre a arquitet ura da época e sobre os
padrões dos
especuladores imobiliários para as casas de pessoas comuns noruegu
esas na virada
do século XIX. O possível peso do azul acinzen tado foi contrab alançad
o por dois
portais emold urados em ambos os lado s do palco pintado s com uma
tinta quase
branca, rala, à base de água . As superfíc ies da parede eram altamen
te reflexivas e
devolviam a luz sobre os atores , realçando-os com uma claridad e semelh
ante à de
um cristal , que era o marco distintivo da tradução.
128
pr osc ên io d e tijol o natural , com um a pared e de ges so também cor d e terracot a
ao fu nd o, se rvindo como c ic lo ra rn a plan o. As quatro par ed es lat er ai s possu em
diversos a rcos em bu tidos, qu e divid em a á rea da su pe rfíc ie e cria m som bras
dramá ticas; o telh ad o cas ta n ho de m ad eir a é apoiado por duas filas d e pilares
de ferro pr etos, per corrend o o ce n tro do espaço. A unifi cação d o local foi um
dos d esafi os visuais quand o começa mos a trab alh ar na se quê nc ia d e Border
\Varfare, de [ohn McCrath : uma peça ori gin al intitul ada [ohn Brown's Body,
e m qu e as ce nas eram visu al izadas conform e e ram esc ritas . A produ ção d e
[olin Brown's I3od)', hi stóri a épica das venturas e de sventura s da Escócia de sde
o séc ulo XVII até os dia s de hoj e, teve de incorporar uma banda de música
folk e também era para se r tran sform ad a em um film e tel evisivo com três par-
tes. To das as ideias visua is, os figurin os e os ade reç os deviam se r tanto dign os
do pl aco co mo dispon íveis par a as câ meras . Tendo reali zad o um a p rodu ção
naquele local , qui sem os aprovei ta r a expe riê nc ia a n te rior; não rep eti r um a
fórmu la , m as d esen volver ou tras técni cas d e evento narrativo alta men te visua l
e expos itivo . Observamos as par ed es d o pr édi o, com se us a rcos em b u tidos de
tij ol os, e nos perguntam os se poderíamos cons tru ir palcos em volta das par e-
d es, usando tijolos averm elha dos como a co r de fundo prin cipal e in corporar
di ver sas áreas cêni cas ao nível da visão, ao m enos 1 m etro ac im a do chão, para
qu e um públi co de 6 0 0 espec ta do res d e pé fosse capaz d e e nxe rga r. Senti
m u itas dú vid as de co rno aqui lo pod eria se r alca nç ado . A partir da estru tura da
na rrativa vin ha m ce rtos impe rati vos. A suges tão d e um mund o rural ti n ha de
permanecer o tempo tod o, co mo lembret e pungente do qu e havia sido perdid o
quand o urna soc ieda de pastoril e ag ríco la se tornou industri ali zad a e os ca m-
pos se tran sform aram e m fáb ricas . A hi stóri a co meçava e m m eados do séc ulo
XV II I e te rminava na soc ieda de multin acional de cons u m o da pr esente era pós-
-in d us trial. Ce rto dia , John M cCrath afirmou , ca sualmente : "A vida é co m o
uma mont anh a-ru ssa". A frase deve ter ficado em algum lu gar da minh a m ente
qua n do o proj eto começou a tomar form a. Para com eçar, e fazer alg u ns d ese-
nh os razo avelm ente pr áti cos, foto grafei as par ed es do Tr am way e, e m seg u ida,
am pl iei as fotos num a esca la de 1:50 . Dep ois, coloquei as fotog ra fias juntas,
bo rda com bord a , ac ha ta ndo o ret ân gul o do pr édio para qu e se asse melhasse
a u m pain el m ed ieval , co mo as representações da Paixão de C risto e nce na das
nas ru as. D essa m an eir a , fui capaz de ver as dim ensões do probl ema , com os
qu atro seg men tos da enorme par ed e vazia coloc ados de ponta a ponta . E n tão ,
par a ch egar ao m áximo pos sível da cor e da atm osfera do edifíc io, pintei as
fot ografi as e as texturizei . N ão sabe ndo exatam en te o qu e fazer , pegu ei um
pedaço de barba nte fino , que po r acaso estava perto da minha mão , pintado de
ve rde b ril han te , e o estend i pe la fotografia longa, estreita e pintada da s paredes
do Tra rnway. Q ua ndo o ba rbante se asse nto u na turalmen te nas curvas c e le-
va çõcs, parcccu atar as paredes e os cspaços d íspares com uma úni ca faixa d c
cor intensa. Dc repen te , a linha verde do barbante falou para mim a respeito
dos cam pos c lís ios recorda tórios da Escócia pastoril que es tava m n o te xto, e
também a linh a tinh a o m ovim ento pa ra ci ma c para bai xo de um a m ontanh a-
-ru ssa: o su b tcx to das ve n turas e desventuras d o paí s. Ao m over o barbante
para uma posiçã o mai s alta da pintura, vi co mo pod eri a ser co ns tru ída um a
pa ssar el a ve rde e m volta das pared es, o qu e h avia ge ra do tantas dú vidas ini-
c ialrne n te . O rot eiro suge riu um palco d c d ois n íveis, co m as cenas da nobreza
e d o poder e nce n adas n o n íve l su perior, c com os peque nos pa lcos n o n íve l
inferior rese rvados pa ra a banda c as cc nas in d us triais . A composição visua l
rep ro du zi ria a est rutura d o texto . Re cen te m ente , e u havia visitado a Rússia
e visto as pinturas construtivistas no M use u do Estado Ru sso . Subi ta mente,
vi como o d inamismo e as fo rmas a ngulares agudas daque las pinturas antigas
po de riam ser reinterp re ta das co mo a est rut ura dos nossos palcos . No e nta n to ,
ac ima de tudo , apaixo nei-me pe la cor do pedaço de barbante verde co n tra a
co r terra c ot a das par ed es, e co mece i a imaginar o u tras cores sec un dá rias que
tam bém par e ceri am pod e ro sas: pre to lu min oso, az u l e vermel ho ind ustrial
brilh an tes. N u ma exc itação feb ril , co me çamos a conversar e dese n h a r, a utor!
diret or e ce nógra fa, c ria n do im agen s in st an tân e as de m aquin á rio indu strial,
um parqu e d e di ver sões co m rod a-gigante ime nsa , u m a pri são , um a fá bri ca ,
uma faze n da, um trem ; de fat o , desc obrim os qu e pod eríam os c ria r qu alquer
co isa qu e qui séssem os naqu el e es paço .
Embora fossc e m gra n de esc a la , a visão de Johll 13 rowll 's 13od)' e ra forte c sim-
pl es, ca paz d c su po rta r os div er sos co m p ro m issos qu e se apresen ta m qu a ndo
tempo e d inh eir o e n tra m na equação . O pe daço d c barbante ve rde , n o e n tan to .
perman e c eu co mo o ele me n to visua l un ificad or m a is im p ortante : e ra um sím-
bol o cl a ro pa ra o cerne da produ çã o, propor c ion and o o su po rte tridim en sion al
par a a compos ição dc tod os os e le me n tos cê n icos req ue ridos pel a pe ça . A c ria-
ção da co lagem fo tog rá fica d o Trarn way co mo um painel med ieva l permitiu
qu e todos imaginassc m a progressão da prod ução e n qua n to e la se m ovia ao
re dor das pa rceles do pr éd io . Também permiti u que a com pos ição l in ear de
cada pa rede fosse eq ui lib ra da e m rela ção à sua parede oposta. par a que hou-
vessc varieda de dentro de u m concei to completo ( Figur a 4-1).
4.1 - 'lrês desenho s para /01111 Browl1 :~ Bod)'
Compondo com cor e form a
o equilíbrio e a har mo nia da co mposição são bem exernplificados no estudo dos
manu scritos medievais ilustrados com ilu minuras. E m um a página retan gul ar, a
imagem e o texto estão comple tame n te entrelaçados co m saltos de imagi nação de
tirar o fôlego . As ima gen s são postas com cu ida do sobre o velino par a ca pturar a lu z
e ilu m inar a história, criando o desejo no leitor de seguir para a próxima págin a. As
com binações de cores mai s gloriosas qu e pod em ser ima ginadas dão vida a animais
e pássaros fant ásticos nas páginas, cada uma mai s surpree nde n te qu e a anteri or.
Tod as as possibilidad es na p,igina são utili zada s ao m áximo para criar a mais in-
trigante icon ografia, ao m esmo tempo decorativa e bela, o qu e é alime ntado pe la
crença da imp ortân cia de ce lebrar e recontar um a história co n hecida .
Essa mo tivação também pode ser vista na obra de artista s folk originais de todo o
mu nd o, qu e herdam um a tradição de cor, form a e formato, e são capazes de reter
uma sim plicidad e decorativa mes mo quan do adaptam suas habili dades para usos
sofisticados. Ada m Kilian , grande artista pl ástico, titereiro e ce nógra fo polon ês, é um
exemplo eloquen te de como utilizar o design simp les e elementar de um a man eira
contemporânea poderosa. Em um a visita ao ate liê de Kilian , a po rta se abr iu para
um a profusão de desenhos, pinturas e ca rtazes de teatro qu e ele criara sobre todas
as supe rfícies concebíveis. Ele estava ce rcado por um mundo mágico de máscaras,
pássaros de madeira pintados, fantoch es de mad eira e recortes de pap éis coloridos
tradicionais da Polônia, qu e serviam como pesquisa para o seu traba lho. Havia tam-
bém diversas maqu etes de cená rios pa ra teatros, casas de ópe ra e tam bém para os pe-
qu en os teatros de fanto ches qu e ele adorava. Pedi a ele qu e m e explicasse, no m eio
daqu ela confusão, o qu e estava fazendo . Kilian respondeu : "C ompondo! lt isso qu e
o ce nóg rafo faz. C ompor com a cor e a forma! lt a coisa mai s bela e estimulan te de
se fazer, pois muit a gente gosta". Então, ele pegou um a grande tesour a e co meçou
a fazer um a demonstração em um grande pedaço de papel vermelh o fino, qu e ele
dob rou diversas vezes. Fez cortes trian gulares, circulares e retan gul ares muito pe-
qu en os, trabalh and o numa velocidade incrível, literalm ente desenhando no papel
com a tesoura. Pegou outra folha men or de papel ama relo e fez o mesm o, e, em
seguida , pegou outra ainda menor, de pap el verde, e a cortou da m esma man eira.
Abriu as folh as sobre sua mesa de trabalh o, co loca ndo livros, lápis e desenhos sob re
o chão já bagunçado. Depois, pôs a folha verde sobre a amarela e esta sobre a ver-
m elh a, mostrand o-me um qu adro fan tástico de Hores, motivos decorativos, galinhas
e corações, equilibrados em perfeita harm onia. Afirmou qu e as pessoas comuns
4.2 - Desenho para As You lil:« 1I
Alguns anos após essa visita inesqu ec ível à Polônia , utili zei aque la expe riência para
a prod ução de As You Like lt, dc Shakespea re. Lembrand o-m e do ta lento de Kilian
com a tesoura e os papéis co loridos , comecei a dobrar e co rtar folhas para criar for-
mas de árvore, adicionando pássaros e Hores removíveis muito co loridos; pensava
que a floresta de Arden poderia retratar as estações em mudança , mostrando pri-
meiro as formas das árvores sem nenhum enfeite, iluminadas por detrás de modo
duro para carac terizar as cenas de inverno, e, em seguida, adicionando os pássa-
ros e as flores, para um final expressivo de verão (Figura +2 ). As árvores podiam
estar sobre rodas ocultas, para que pudessem ser reagrupadas, ind icando partes
distin tas da floresta: e os recortes de papel da maquete, repr esentad os em tam anh o
real , seriam con struíd os a partir de chapas de madeira co mpensada recortada. No
palco, o papel dos dese nhos originai s virou um a ca ixa de acríli co bran co e um
assoalho , co m as entradas dos atores esco ndidas dent ro dela. Podia ser iluminado
co m cores diferentes por detrás e pela frente, e parecer invern o gela do ou verão
que nte no final. A floresta podia desaparec er por detrás da ca ixa de ac rílico, como
um a som bra distant e iluminada por tr ás, ou vir para frente da caixa, para as cen as
de floresta. Era o início de uma lon ga bu sca pela criaçã o de plasticidade - eleme n-
tos móveis - na composição do espaço cênico.
A beleza do comum
1 laque la visita à Polônia, Ada m Kilian me mostrou um cartão-postal co lorido de A
lar af Ap ricats (1758), de [can-Sim éon C ha rdin , e disse qu e a coisa not ável daquela
pintura era o co nhec ime nto do artista a respeito da arte ce râm ica francesa, exposto
nas dua s xícaras de chá no prim eiro plano da pintura. Não ha segundo plan o nessa
série de naturezas-morta s, e as forma s dos objetos, com seus relacionam entos mú-
tuo s, são a com posição. A pintura celebra a bel eza do obj eto dom éstico comum,
e, ao pintar uma segunda xícara de ch á, na som bra escura e ao fundo, a primei-
ra xíca ra é realçada . Seu motivo decorativo Aorido bran co e vermelh o cha ma a
aten ção do observador e direciona o olhar para o foco da pintura: o alaranja do
bem escuro dos dam ascos no pote e o espaço ac ima , atrás e em torn o dele. Eu
co nhec ia muito bem aque le ca rtão-posta l. Eu o explore i co mo estuda nte de arte,
enqua nto tentava entende r o que era co m posição pictórica e co m o podi a aplicá-la
ao dese nho teatral. Aos 16 ano s, tive a sorte de trabalhar co mo assistente de um a
oficina de teatro , geralme nte limpando baldes de tint a, ma s também como aluna
de um professor, artista pl ástico e cen ógrafo muito dedicado, qu e me ensinava
com exem plos práticos e não por meio da teoria. Ele ado rava naturezas-mort as, e,
influ en ciada por seu entusiasmo, eu também as adoro. Apresen tando-me ao mila-
gre da pintura e da sur pree nde nte cor e co mposição, ele me deu o cartão-postal de
C hard in. Aque la pequ ena pintura oval incorp ora a beleza dos obj etos prátic os co-
tidian os que, quando reagrupa dos através da visão do artista, dão ao espectador um
ponto de vista totalm ente novo. Como co mposição cênica, as naturezas-mort as
têm um a geome tria intern a de plan os entrelaçados ligado s some nte pela miste-
riosa cor de fundo . As formas e os formato s Auem un s com os outros, deixando
espaços e n igmá ticos para que a imaginação do observador os complet e. A posse
daquele cartão-postal m e fez con siderar outros exemplos e come ce i a admirar os
artistas que, de modo tão natural, co nsegue m criar a sensaçã o de um drama não
narrado - contando uma história por m eio da cor e da com posição. As naturezas-
-mortas holandesas revelam como os objetos cotidianos e as pessoas podem promo-
ver um espaço dramático com ten são e expectativa. O arranjo dos planos, formas e
retân gulos apr esenta uma qualidade metafísica de quietude. As naturezas-mortas
espa n ho las se co nce ntra m ainda m ais no ajuntamento de objetos, fruta s, peixes e
verd uras, realçand o-os com a luz de uma fonte invisível qu e os dota de vida pró-
pria. Aprendi fazendo. Chegu ei à oficina onde estava estudando artes e apr enden-
do coisas práticas do teatro e ach ei um bilh ete deixado para mim pelo profe ssor.
Aquilo me dirigiu a um canto da oficin a, onde um arranjo de natureza-morta fora
constru ído para eu desenhar. Em ge ral, os arranjos con sistiam de antigas listas
telefôni cas, alguns adereços teatrai s descartados, alguns sanduíc hes m eio comidos
e, talvez, um a ou du as antigu idades falsas. O bilh ete suge ria que eu desenhasse o
arran jo em um tempo livre e, em segu ida, consultasse o livro de naturezas-morta s
holandesas e espanholas para de scobrir que pintura representava, observando sua
com posição e não seu conteúdo. Esse sim ples exercício de autodescoberta abriu
minha mente para observar pinturas, e foi a m elhor educação artística que já tive,
torn ad o-se parte do meu vocabul ário visual e ce nográfico.
Consciência crítica
Te r co nsc iênc ia da importância da co r e da com posição na cria ção de um qua-
dro cê nico dep ende de possu ir e desenvolver um a habilidade decisiva: o talento
essenc ial. Qualqu er pessoa pode aprende r a desenhar ou pintar, mas é muito
m ais difícil adquirir a habilidade de co nside rar o resultad o, qu estion á-lo e saber
co m o alter á-lo. O desenvolvimento dessa cons ciên cia crítica permite qu e um
arti sta tom e decisões durante o pro cesso criativo. Quando o trabalho ac abado
finalmente alcan ça o domínio públ ico, é um acúmulo de diversas pequenas de-
cisões, algumas das quai s intuitivas e toda s co ntinuame nte avaliad as até qu e, de
acordo co m a ca pac idade do artista, esse trabalho pare ça estar na medida certa.
A sing ularidade da educaç ão artística se baseia na conquista de um olhar críti co
hábil , no toma lá dá cá das críticas ab ertas em gru po com colegas estudantes. Ter
de conside rar objetivam ente o trabalho de algu ém atrav és dos olhares das outras
pessoas é exata me nte o qu e acontece no teatro, onde, frequentem ente, centenas
de olhos observam meses de trab alho duro por não mai s do qu e três hora s (e
acha m qu e podem faze r melhor). Para os cen ógrafos, a form ação artística básica
forn ece o vocabu lário co m u m para discu ssões a respeito do equi líbrio en tre cla ro
e escuro; do co ntraste en tre verticais, hori zontais e diagon ai s; da co locação e do
en tre laçame n to dos form atos; e da utili zação crite riosa das cores: tod os os qu ais
são equiva lentes na co m posição do enredo do texto.
Menos é mais
Na M en il Fou nda tion, em Hou ston , nos Estados Unidos, há u m a bela co leção de
pinturas e desenh os de C h ristian Bérard, ce nóg rafo francês qu e co n trasta co m ple-
tamente com a ob ra de Bakst, mas que m antém m u itos pont os comuns. Bérard
criou quadros cênicos delicados, quase imponder áveis, qu e sugeriam o sujeito se m
jamais o reproduzir. Ele evitava cores fortes , ac redi ta ndo que elas "atuavam em
detrimen to da audição", e ac hava qu e "a coisa m ais import ante para o ce nógrafo é
ob ter a a rmação co rre ta do qu ad ro cê n ico e excl u ir o m áxim o possível "!' . Apesar
da habilidade como ar tista de belas-artes, se u trabalh o teat ral era tridim e nsi o nal,
e Bérard era famoso por observar o palco constante men te dos assentos extremos
do teatro. Sua sensibilidade rela tiva às belas-art es o permitia julgar o peso, o to m e
o im pacto de cada figurin o, ind ividu almente e no relacion amento co m os o utros ,
além de saber qua ndo real çar ou não u m a co r com lu z extra.
Um carrossel de memórias
As estruturas das composições das belas-artes são um ponto de refe rên cia útil e m
relação às peças contemporâneas. The Rose Tattoo, de Te n nessee Williams, é am-
bi entada em uma pe quena casa em uma co m un ida de sici liana, perto de uma ro-
dov ia nos Esta dos Un idos . A descri ção cê nica evocativa ped e "pa ra revelar aque -
les mi stérios pró pr ios de criança exagerada , co m se n time nto e humor em igua l
m edida, sem zombaria e com respe ito pelos anseios reli giosos que simbolizam".
Lembrei-me do retábulo de A Imaculada Conceição, qu ad ro pintado por Ciovanni
Battista Tiepolo, em 1769. A obra possui uma estru tura trian gul ar e, em seu áp ice,
está a figura ce n tral ela Vir gem M aria de pé dentro de uma m oldura ret an gul ar. O
olhar do observador é direcion ad o para o pont o ma is alto da pintura por m eio de
uma pomba branca pairando no ar, ou se ja, o Espírito Santo, que está acima da
cab eça da Virgem M aria e se liga a ela por u m feixe de lu z muito pou co percep-
tíve l. Essa imagem ce ntra l é ce rca da por alguns an jos equ ilibrados e o utro n em
tan to, forma ndo os dois lad os ele um triân gul o in visível. Eles não estão simétricos,
revelando quan tas m an eiras dife rentes existem de rep etir o mesmo te m a. Era exa-
tamente a inspiração que eu precisava para apresen ta r o mundo da viúva Serafina
e de sua amada filh a Rosa. Embora ambie ntada nos Estados U nidos atuais , é u m a
socieda de siciliana transposta, ce rca da por vizinhos, su pe rstições e fé reli giosa,
muito como ter ia sido de volta à ter ra natal. Ao plan ej ar a produção, co m Hele na
Kaut-Howson, diretora anglo-po lonesa, e a lgu ns ato res do Th éâtre de Complicit é,
uti lizei algumas folhas gra ndes de papel ar tesa na l indiano róseo, que suge riam para
14 Boris Kochno, Christian B érard, Lond on : Tham es and Hud son , 1988.
mim a co r das rosas. Comecei a co nstru ir um a
im agem desenh and o-a co m uma ca ne ta verm elh a
de ponta fina. Imagin ei qu e pesqui sar sobre aque-
la casa seria co mo investigar a alma da mulh er, e
a casa seria u m altar para sua vida passada, qu e é
ape nas aludida na peça. Em u m exter ior pequ en o
e decadente, aqu ele seria um palácio de cor, um a
pared e de m em ória s do seu casame nto e da infân-
cia de Rosa, tud o imbuído de co r-de-rosa, co mo se
vistos através de len tes rosadas. A tram a da pe ça se
desloca mui to rapidamen te do inte rior para o exte-
rior; assim , a ideia do diretor de co locar toda a casa
em um palco giratório pareceu responder à suges-
tão do autor de um a casa co mo um ca rrossel de
parqu e de diversões. Ta m bém deu aos atores, bem
trein ad os nas habi lidades do tea tro físico, opo rtu-
nidades de combinar movimentos com música e
de tomarem part e do recurso de mudan ça de ce na.
C omecei a desen volver um a im agem baseada na
4.3 - Croq ui es trutural deta lhando a composição com posição de T iepolo (Figura + 3), desenhando
de Ti ep olo Serafina sentada sob re um sofá cor-de -rosa, co mo
o ce ntro de um a rosa, situado sobre um tapete redondo verde, co mo o seu cálice ,
Acima da cabeça de Serafin a, h á lima pequ en a Virge m Mar ia, iluminad a por um a
lu z decorativa e pendurada em um a rosa etérea semi transpa ren te. Ela está cercada
pelos obje tos de sua vida: de u m lado, man equins sem cabeça , co m roupas sern ia-
cabadas: do ou tro, móveis pesados tipo sicilianos, repr esen tando sua vida an terior.
Dentro da forma triangular da pequ en a casa revestida com tábuas, tod as as forma s
dos móveis e ob jetos são curvadas e circulares. O mundo própri o de Serafina é
exposto para dem onstrar o co ntraste direto com seu am biente externo. Esse altar-
-memória bastant e colorido estava sempre ce rcado por vizinhas vestidas de preto,
qu e ficavam ob servando de fora co mo uma plat éia no palco , enfatizando a com-
posição circular e proporcion ando a base de um triân gulo invisível. Tcnn essee
\ Villiam s descreve sua peça co mo um a peça de asce nsão, e, no último momento,
o cam in ho ne iro iVlangiacavallo, agora salvado r e aman te de Serafin a, esca la o te-
lhad o e, do topo dele, joga sua ca misa de seda verm elh a para o cé u. A transferên cia
da com posição de Ti epolo para Tennessee \Villiams fez uma intercon exão estru-
tur al que deu força e peso à mise-en-sâm e de Th e Rose Tattoo . O exterior da casa
era o lado inverso do int erior e girava à vista do público, As par ed es revestidas co m
t ábua s, a varanda, o terraço e o ce rcado eram revestidos de tint a verme lha brilhant e
e, em seguida, pin tad os com tinta bran ca rala, result ando em um brilho róseo des-
botado, captando a qu alidad e do projeto origina l. A cor, o movimento giratório e a
composição repr esentaram cla rame nte a ideia origina l de expo r o coração daquela
mul he r co mo se fosse u m carrossel br ilh ante e expressivo de m em ór ias fixado no
mundo co ncreto, duro e alien ígena da Améri ca urb an a,
Tcnnessec W illiarns esc reveu Tlie Rose Taitoo em 1950 e a ret ratou como realismo
poético - um gêne ro dram ático em qu e o tempo está co n fina do e em suspensão
no palco, Assim , Wil liarn s descreve a expe riênc ia teatr al: "Por du as horas, nós nos
rendemos a u m mundo de valores em con Aito feroz me n te ilu minados", e sugere
que, como o público só observa esses co nAitos no palco, sem a necessidade de se
envolver ou par ticipa r das suas soluções, pode mos nos entregar ao "calor qua se
líquido da s afinidades humanas in controladas",
Realismo poético
Nes sa época, na G rã-Breta n ha, novos au tores e novas ideias estava m surg indo, pas-
sando do natur alism o cênico ilusion ista dos anos do pós-gu err a para u m teatro de
imagens co ntem po râneas poé ticas, Para co m pleme nta r essa nova produção liter á-
ria, as ideias acerca da cenografia também estavam passando por mudanças impor-
tantes. lideradas pela designei co nve rtida em pintora de ce n ários [ocelvn Herber t,
uma das figuras mais inAuentes do novo teat ro e a prim eira cenógrafa br itânica ,
Herbert tin ha visto as produções de Bertolt Brech t de O circulo de giz caucasiano
e Mãe Coragem e seus filhos e recri ou, em Londres, A alma boa de Setsuan, a
pa rtir da criação origin al qu e Teo O tto fizera com Brecht em Zuriqu e, em 1942,
Ela ficou impression ad a co m a sim plicidade e a qualida de do Berlin er Ense rnb le,
atribuíve is não só a Brech t, mas também a Caspa r Iehe r, pintor e designei qu e
inspirou Brecht desde o iníc io, A ob ra posterior de Brecht foi muito in Auen ciada
pela de Karl von Appen . [ocelyn Herbert buscou cria r u ma forma equivalente de
realismo poético no palco e, dessa m aneira, in flue nc iou uma geração de ce nó-
grafos, trazendo nova força vita l ao teat ro brit âni co, Seu s don s para o desenho,
seu bom senso e sua expe riência lh e permitiram reali zar co m pos ições cê nicas de
cadeiras e m esas, par ed es e varais de beleza incompar ável . Herb ert utili zou tod as
as possibilidades do palco do Royal C ou rt Th eatre, incluindo as tubulaçõ es e os
aquecedores da parede posterior do teatro à com posição de The Kitchen, de Arno ld
\Vesker. Os equipame ntos de iluminação ficavam sem pre visíveis e eram incluídos
nos dese nhos, fazendo parte do quad ro cênico. I-I erbert prestava muita ate nção
em exposições de arte e pint uras, utili zando-as co mo fontes de referên cia, sem-
pre ac ha ndo interpretações m odern as equivalentes. Ela utilizava a co r de forma
eco nô mica, muitas vezes coloca ndo detalh es co ntrastantes em um a co m posição
gera l se um objeto espec ífico precisasse da atenção do público. [ocelyn Herb ert
respondeu visualme nte ao desejo de Ceorge Devine para o Royal Cour t Theatr e:
"Lim par o palco e deixar entrar a lu z e o ar".
Cor e composição
Em 1965, o Berl iner Ense mb le veio a Lond res com Coriolano, A ópera dos três
vinténs e A resistivel ascensão de Arturo Ui. Foi um mom ento inesqu ecível para
todos que assistiram às montagens, não só pelo co nteúdo das peças, m as pela mise-
-en-scê ne sur pree nde nteme nte bela e clara. Pela prim eira vez, vimos a força do
sím bolo visual no palco e como a cor podia ser utili zada de mod o emotivo. A
ce nog rafia das peças foi de Karl vou Appen e era dram ática na observação e no
retrato dos det alh es pessoais verazes, co ntrapostos a um fund o épico maior. 1 a ver-
são brec htiana de Coriolano, de Shakespeare, os grandes muros da cidade foram
co nstruídos sobre um palc o giratório. j Tele, tud o estava pintado em ton s de cinza,
e os figurinos ecoava m o tem a. Havia um a riqueza de detalhes pessoais dent ro de
ca da uni form e, fazendo o públi co ac reditar que todo soldado também era filho de
um a mã e, co m um a história própri a. Subitament e, Volúmnia, mãe de Coriolano,
irrompeu através da port a ce ntral. A figura minúscul a de I-I elen e \Veigel , viúva
de Brecht, surgiu em um robe esca rlate estonteante. O elem ento de co r esca rlate
posto centralmente e sendo em oldurado pela composição de soldados vestidos de
cinza em am bos os lados torn ou claro, imediatam ente, qu e era ela, e não seu filho,
qu em detinha o poder. O Berliner Ense m ble dem onstrou um novo m étodo de
utili zar a co r e a composição , trabalh and o a partir do exterior do ator por meio do
uso de localid ades indica tivas e imagi nadas, estim ulando o público a ac reditar no
que podia ver e imaginar o qu e não podia. Rompeu -se o natura lismo cê nico para
se util izar o palco co mo Brecht e Ne hc r descreveram - "apresentar um enunc ia-
do significativo a respeito da realid ade" - , trabalh and o nos fund am entos da peça,
descobrindo o que os atore s realm ente precisavam , o qu e estava acontecendo co m
eles e através deles e com pondo uma resposta eloque nte de cor e forma .
o dinamismo do espaço
Caspe r Ne he r gostava de desenhar e era muito rápido e fluente. Tinha uma m e-
mória visua l retenti va, sendo capaz de transpor imagen s úteis da sua própria ex-
periência em imagen s cê nicas. Seu s prime iros croqu is de aqua rela, não utili zad os
para Mãe Coragem, de Brecht, parecem ecoar seus dias na artilha ria de ca m po
bávara, durante a Prim eira G ue rra Mundial , onde, apesa r de haver man obras
ativas, ele sem pre estava pintando, usando um pequeno esto jo de aqua relas qu e
ca rrega va para todo s os lugares. Doi s desenhos reali zados depois da guerra assu-
mem a form a de uma paisagem horizontal , com uma linha de hori zonte alta;
uma característica de diversas co m posições de Ne he r. No primeiro desenho, há
uma terra desolada, incluindo um gru po de solda dos co m trajes esc uros e seus
armamen tos in clin ad os na direção do ce ntro, formando um a linha vertica l. O
foco é Yvette, a prostituta do acampam ento; vestida de branco, ela é emo ld ura da,
do outro lado, por outra figura vertical escura , pequ ena , ma s posicionada na beira
da co m posição. Esse croqui refin ado de um ca m po de bata lha vazio, em qu e as
pessoa s formam os ele me ntos da paisagem , parece falar de toda s as gue rras e de
todos os tem pos. O segundo desenho é uma variação dessa co m posição. Ne he r
conserva o form ato hori zontal, m as adic iona um a sim ples ce rca de madeira, po-
sicionada na diagon al , atra vés do palco , criando um a en cenação dividid a. A din â-
mi ca espac ial é alterada, e, ao dividir o espaç o, permite que o espectador assista a
du as ações ao m esmo tempo, conscienti zando-se da diferença de status entre as
pessoas de am bos os lado s da ce rca. Em sua com posição, Cas pa r N eh er in corpora
o espíri to filosófico e políti co qu e foi a raison d' être do seu co m prom isso de co la-
bora r co m seu irmão em arte Bertolt Brecht.
Prática constante
Brecht adm irava muito a abo rdage m práti ca e própri a de op erário de Ne he r, de-
monstrando qu e a arte e a estética possu em um papel importante a desempenhar ,
apesa r do de sconforto e das prova ções da gue rra. O dramaturgo ale mão regis-
tra essa admiração no po ema "A respeito de um pin tor". Como mu itos artistas,
Caspa r Ne her pintava ou desenhava algo todo s os dias, independentemente das
circunstânc ias e dos m ateriais disponív eis. Esse hábito, essa práti ca constante,
aguça e desen volve a bu sca contínua para se entender o enigm a da co m posição
com co r, qu e é a estru tura da arte. Da m esm a form a qu e um m úsico prat ica
esca las e exerc ícios técni cos diariam ente an tes de se envo lver em trab alh os m aio-
res, ou qu e um bailarin o trab alh a incessantem ente em um a barra , o artista visual
trab alh a para alc an çar a facilid ad e de expressão da linha, da co r e da co locação
de uma forma ou um obje to no espaço. Parece mui to simples, mas existem varia-
ções e possibilidades in finitas e, muitas vezes, esse processo é a judado pe lo olhar
de u m co laborado r, qu e pode atestar qu ando a composição está na medida certa.
Essa é a beleza da expe riência co m pa rtilhada do trab alh o tea tral. i ão só o artista
visual pod e se inspirar e se motiv ar pelo texto, mas o au tor também pod e se inspi-
rar pela qualidade de um a linha ou pel a int ensid ad e de uma co r.
i TOpoema de Brecht a respeito de Cas per Neher, "Os amigos", ele de fine a impor-
tância da cor e da co m posição, enqua nto percorre u ma cidade destru ída:
A LÓGICA DA COR
O desenho é sensação. A cor é raciocínio. A cor tem uma lógica teia rigorosa
como a {arma.
Pierre Bonnar d (1867-1947)
Conside re um retân gul o co m 247 ce n tíme tros de altura e 168 ce n tíme tros de
largura; ou se ja, com uma altura qu e é qua se o dobro de sua largura. Pintado
pelo ru sso Boris G rigor iev, em 1916, a pintura está dividida vertica lme n te , qu ase
ao meio . A me tade esquerda , levem ente na diagonal, retrata Vsevo lod M eyerh old
(1874-194°) , diretor de teat ro ru sso. Sua figura gesticu ladora, co m ca rtola e lu vas
bran cas, m ostra um hom em vestido co m traje a rigor preto . A m etad e direit a
retr ata os vermel hos e laranjas int en sos de um bailarin o do Ball ets Russes, com
os m ovim ent os copiando os de M cyerhold . O eleme n to espan toso dessa pintu-
ra não é a na rrativa, mas a co m pos ição das im agens, forçando sua presen ça em
relação à moldura do retân gul o e perfeitam ente casa da com a estru tura de cor.
O qu e lem os e acei tamos co mo preto é, de fato, púrp ura. As lu vas, a cam isa e o
co le te, qu e são tidos co mo bran cos, são, de fato, um a mistur a de rn al va , rosa e
lar anj a. Esses indícios de la ranj a e rosa são muito su tis e se ligam ao lar anj a e ao
rosa vívidos da seg u nda figura, qu e preen ch e a o u tra m etade do retân gul o . Nessa
figura , o branco das m a ngas e dos sapa tos do bail ari no é um tom m ais int enso
de malva, tam bém co m toqu es de rosa e la ranja. O púrpura do tra je a rigo r de
Meyerho ld defin e o tom grave e o ma lva/branco da ca m isa e das lu vas esta belece
o tom agudo da esca la de cores escolh ida por C rigor iev. Tod as as o u tras co res se
tornam int erval os: os sus te n idos e bem óis qu e ace n tu am a co m pos ição principal.
A pintura é uma convergên cia harm ôni ca de quatro cores, c u idadosa me n te po-
sicionadas no espaç o retangular e qu e ca n ta m e dançam com o se tivessem vida
pr ópria . É a pe nas uma da s muitas pinturas semelhan tes presentes n o Museu do
Estado Ru sso, em São Pet ersburgo, uma fonte primária útil par a ce nógrafos qu e
quere m en ten de r a l ógica da co r, ir além do títu lo da narrativa e se tornar co m po-
sitores do espaço cê n ico.
A diretora francesa Aria ne Mnou chkine, no ciclo teat ral de dez horas de duração
das qua tro tragé dias gregas Les Atrides (199112) , no Th éâtre du Sol eil , e m Par is,
m udou tod a a ce na de vermelh o para pr eto sim ples me n te fazendo os atores inver-
ter em se us figurinos. Em um seg u ndo, a a tmosfera se alte ro u da n ormalidade par a
a tragédia , e os espe ct adores ficaram impressionados com a ou sada simpli cidade
e a cl ar eza do sign ificado. O Legend Lin Dan ce Theater , de ' I~IÍ pé, e m ' laiwan ,
sob o co ma ndo de sua formid ável co reógrafa e diretora artística Lee-Ch en Lin ,
dem on stra qu ão eficaz é o pro cesso na releitura qu e fez das lendas da mitol ogia
ta iwa nesa. Lin esta be lece alguns prin cípi os u n ive rsais muito importantes de re-
prese ntação, Isso não é algo feit o a pe nas por uma pe ssoa . O ritu al da representa-
ção é feit o por tod os, incluindo os especta dores. O ato r deve ap re nde r a se tornar
úni co co m seus materiais e não a co ns ide rá-los co m o acessó rios qu e apeiam sua
representação . O s espe ct ado res podem e n trar no teatro como pessoas cé tic as, m as
devem sair como pessoas transformadas, e isso se alcança por m eio da convicçã o
co m pleta do s atores na obra qu e estão apresentando. Os a to res têm de en trar em
143
outro mun do ao lon go da duração da repr esentação, e os espectado res devem se-
guir esse exe m plo. Na releitura co ntem porânea que fez das lendas de fantasmas,
Lin concebeu um espaço reta ngular suspenso com cortinas de seda cinza e as
bordas tingidas de rosa. Com movimentos imperceptíveis, uma bai larina avança
lentamente a partir do fundo do palco, segurando no alto um pedaço de seda
vermelha dobr ado em um a vareta e co brindo seu corpo. O efeito é o de um re-
tân gul o verme lho vertica l se deslocando através do qu adr ad o de seda cinza, como
um a pintura de Kazimir Malevich (1878-1935), suprema tista russo. O retâng ulo
verme lho alca nça seu ápice à m edid a qu e se aprox ima dos espectado res. De re-
pente, a atriz que o ca rrega se a joelha. O ut ras bailarinas pegam o retâ ng ulo, pois
ele não está fixado à vareta, e o estendem através da hor izo ntal do espaço cênico,
revelando sua carregadora anterior, uma noiva fan tasma: o corpo bem branco e os
seios desnudos m inúscu los, como botões de rosa. A transformação é espe tacular
e muito sim ples. Subitamente, as garotas começam a girar a seda em u m círculo
em torn o da noiva, e, novam ente, o espaço muda . As cores avançam e recu am no
espaço, que é co nsta nteme nte preen chido e esvaz iado. A área fora do palco, atrás
da seda cinza, fica sem pre entrevista, co mo um espaço ativo, e as bailarinas qu e
desocuparam o espaço são vistas co m tons cinze ntos, nas beiras da co m posição.
Esses dois eleme ntos visua is fund am entais, cores co loca das de ntro da co mpo-
sição do espaço, estão totalm ente unidos, e não por acaso, mas por concepção
cuidadosa e investigação rigorosa da história a ser contada.
144
vida, clima etc., expressos por meio de tecido s, padrões e decora ções, iluminando
o contexto h istórico e sociológico do dram a. Os viajantes co ntem porâneos têm a
oportunidade de registrar digitalm ente tud o o qu e veem, mas, ao mesm o tempo,
de jun ta r coisas sim ples, co mo passagen s de ônibus, anúnc ios e pap éis de bala
- os obje tos do cotidiano são uma referên cia viva para a criação de um a paleta
individua l de cores. Os artistas visuai s possuem um ap etite voraz para registrar,
recor da r e co leta r informações t áteis diret as, levand o-as ao ateliê para , por meio da
expe rime ntação com diversas técni cas, recriar mem órias no espaç o cê nico. Kurt
Schwitters (1887-1948), artista plástico e perfonner alemão, colecionava obj etos des-
car tados - despojos da vida diária - e os utili zava para criar suas assemblages. Ao
remove r ob jetos do cotidiano de seu contexto origin al, ele os recolocava em um a
nova paisage m inventada. Uma passagem de ônibus comum suge re um pássaro no
céu, solas de sapato, invólu cros de qu eijo, suca tas, arames e pen as: tud o assume
uma nova identidade. Sch witters serve como lembrete de qu e a cur iosidade artís-
tica - a necessi dade de brincar com cores e ob jetos no espaço - é um fund am ento
da cr iação. Correr riscos e tran sitar pelo desconhecido querendo sabe r o que acon-
teceria se... tende a ser mai s gratificante para o criador e para o espe ctador do qu e
form ar um espec ialista em manipular um a fórmula segura.
147
4.4 - Mo saico dos persona gen s de The Creek Passion
148
criador de instalações conceituais, que vira em Praga em 2001. As raízes de seu traba-
lho estão na realidade social que, a partir de "um objeto corriqueiro, geralmente do-
méstico, ou de uma memória de infância, [ele] transmuta em uma realidade muitas
vezes implacável, mas marcada pela resiliência e inventividade humana"!'.
A emoção da composição
Brincar com papéis e tin tas para encontrar o meio qu e m elh or expresse o espír ito
da peça tem, talvez, seu paralelo na ma ne ira pe la qual um com positor selecio na o
tom mu sical. M exer em tud o é assustador e essenc ial, uma agonia e um êxtase, mas
o mo me nto da descobert a, o compromisso diretam ente co m o papel e o meio é o
15 Cu)' Brett, coc urado r da exposição Ci ldo M eireles, feita no Tat e Mo dem , em Lond res,
em out ubro de 20 0 8 .
de se apa ixonar, embora temporariam ent e. It u m compromisso, e é preciso temp o e
espaço para se explorar todos os desconh ecidos que só se ap resen tam ao criador de-
pois que a prime ira marca é feita no papel. Essa é a emoção da com posição: a busca
e a caça. TO processo, escolhas são feitas e decisões são toma das o temp o todo. Que
cores usar e qu al é a escala de cor que aparece? O verde-escuro é realm ent e pre to? E
o outro extremo é um a cor de pergaminho, um equivalente do bran co? Subitam en te,
os int ervalos de cores interm ediárias se apresentam e atraem discórdias, os sustenidos
e os bem óis da cor, para perturbar a harmonia. Ao mesmo tempo, o trabalh o deve ser
comunicável aos outro s, pois essa é a natur eza da ce nog rafia.
Superfícies flexíve is
Paradoxal men te, qua nto mais realizo trabalh os, me nos fáceis eles se torn am ; isso
co nfirma que, em meu desenh o e em mi n ha pintura, não há fórmula fixa, e tudo
é uma questão de assumir riscos e encon trar novos caminhos. Não sou um progra-
ma de computado r. No entan to, aprendi a tent ar dese nvolver técnicas com meios
distintos nos qua is isso pareça impossíve l. Apre nd i a cometer erros, e isso é algo que
sempre co mpa rtilho co m m eu s alu nos. Todos vão ter suas próprias preferê nc ias
pessoais e dese nvolver um repe rtório. Em bora goste da sensação de um bom papel,
e eu os acu mule para algum vago uso futuro, muitas vezes prefiro realizar meus
traba lhos em pap el grosso e anti go, pap el-cartão, mad eira, qu alquer coisa qu e não
ten ha nada a perd er ao ser tran sform ada em alguma outra coisa: é barata e substi-
tu ível. Porém , levo em conta qu e a su pe rfície sobre a qu al algué m trab alh a deve
ser capaz de dar um a resposta ao criado r, para qu e a cu m plicidade en tre artista e
instrum ent o tenha um a cha nce de acontece r. As vezes, ensopo e estendo um pap el
grosso sobre um a tábua e o preparo com emulsão branca caseira, permitindo qu e
marcas insatisfatórias voltem a ser rapid am ente coloridas de bran co. Isso chí um a
sensação de liberdade qu e é fund am ental qu and o co meço a fazer do nad a alguma
co isa. No entanto, é fácil ficarmos presos a um a técn ica, e isso é algo co ntra o qu al
devemos nos precaver. Certa vez, comecei a pint ar folh as gran des co m diversas
cores e, em seguida, co rtei-as e criei figur inos de tama nho reduzido usando co la.
Só então co nstatei qu ão mais rápid o e mais simples seria não ser tão capr ichosa e
simplesmen te desenhá-los.
15 1
trab alh o m anual se tornou cada vez m ais co lecio nável e, em ce rtos casos, até adqui-
riu um valor m aior qu e a remuneração inicial da produção. À m edida qu e pilh as de
e-mails cresce m e são lidas às pressas, a comunicação desenhad a ou a esc rita a mão
sign ifica, cada vez mais, algo importante, enquanto, por ou tro lado, a com u nicação
eletrônica é assoc iada à facilidade e à velocidad e. It igu al em relação à a rte m anual:
torna-se algo de valor. D e fato , vale a pena trabalhar nos desenhos.
Concentrando a atenção
Ao trab alhar ou c riar em grande esca la, é essenc ial sabe r como m anipular a cor
e co m po r o espaço para conce ntrar a atenção do público . Isso é importante se o
evento aco ntece e m um espaço livre ou especialmente co nstruído, e os especta-
dores têm à disposição diversos pontos de vista ao lon go da açã o. A prim eira coisa
é co nside rar a form a de todo o espaço e m sua co m pleta dim en são, in cluindo os
co n ju ntos de assentos, e obse rvar os plan os qu e pod em ser explorados: o piso, as
paredes, o telh ad o, as diagon ais, as dim en sões ve rtical e hori zon tal. Uma pintura
bidimen sion al possui a m esm a geo metria sub jace nte, m otivo pelo qu al a co nsulta
às be las-artes pod e ser tão útil para o criado r cê nico. O trabalh o e m u m espaço au-
top rojetado permite qu e os artistas do som e os artistas da lu z sejam in corporad os à
estru tura desde o início, em vez de e m pregados no final do pro cesso de produção,
para aprimo rar o qu e já está ali. A criação de um a paisagem sonora pod e dar co r
e dim en são ao espe tác ulo, e deixar espaço real para a lu z pod e demon strar o qu ão
pouco o cen ário - um termo já ob solet o - é necess ário para proporcionar uma ex-
per iên cia rica e variada ao espec tador. O som e a lu z são líderes primári os para dire-
cionar o olhar do s espe ctadores e, nessa form a de teatro, o criador principa l precisa
ser algué m que saiba com o explorar ao m áximo o pot en cial do espaç o e sinc roniza r
a trindad e da ce nografia: imagem , som e lu z.
Ne sses espaços, a estru tura dram ática, geralme nte sem espaç os de bastidores co nven-
ciona lme nte oc u ltos, co ncentra a atenção dos espec tado res em uma direção, enqua n-
to a próxima im agem está em preparação em outra parte. Um som ou um a lu z fará
qu e o públi co se vire e siga os sina is para direcion ar o olha r. É um velh o truque m edie-
val, frequ entem ente u tilizado em dram as em espaços públicos, e pode ainda ser visto
hoje no teatro de fantoches Pu nch and [udy ou Le G rand G u igno l. Particul arm ente,
é apro priado para eventos, histórias e fábul as, qu e são ma is expositivos do qu e psicoló-
gicos, e são apresentados principalm ente po r m eio de m ovim ento e música.
Espaços mágicos
Esses são os princípios subjacentes ao planejamento do evento em uma tenda
-I .ddi o] \ lanhood Elld, \ tenda eleve ser construída especialmente para replicar
a estrutura de uma capela do século . TI - onde, como diz a história, Eddi pregou
-, porém, não deve ser uma reprodução. o topo da tenda, nas vigas de madeira,
11m coro de pássaros - cantores c trapezistas, trajados de azul e verde brilhantes,
destacados pela iluminação - utilizara a dinâmica vertical para atrair a visão do
público em direção ao ápice da estrutura, semelhante a lima capela. Isso permi-
tirá ao coro de jovens e velhos anglo-saxões se agrupar nos palcos laterais, em
ambos os lados do conjunto de assentos, mais ou menos invisíveis. prontos para
entrar em ação mais adiante em um plano horizontal. O uso da linha diagonal,
da altura máxima do conjunto de assentos até o fundo da tenda, ao nível do piso ,
é o local da entrada monocromática do coro de focas cinza qlle, rastejando, saem
do mar e terno e ingressam na capela/tenda através de uma pequena abertura
no piso. Em contraste com as grandes imagens, a sequência começa com uma
pcquena foca carregando um peixe em sua boca e percorrendo com os olhos o
imenso espac,·o. Essa imagem é lima tradução direta de Perso111/(/ge et Oiseallx
(1963), pintura de Miró, na qual um pontinho vermelho na parte inferior da obra
chama imediatamente a atenção do observador antes de a grande figma escura na
paisagem ser facada, Portanto, os dois extremos de cor e composição estarão esta-
belecidos. Os tOJlS cinza-escuro das focas, representando as notas gr<l\es. passando
pelos tons meio púrpuras dos velhos anglo-sa.-{Jes e os vermelhos e azuis mais
brilhantes do coro de [ovcns anglo-saxões, até os azuis c verdes mais claros c os
cinza-claro dos pássaros e trapezistas. , essa composição de cor, será colocado o
elemento principal do espaço: o conjunto dc assentos; ou seja, uma arquibancada
padrão com cadeiras de plástico interligadas, tlrmcmcntc fixadas para atender
às normas de sa úde e segmança, ocupando dois terços do cspaço da tenda. Por
mais feio quc parecesse aos atores , a sensação, para os espectadores, devia ser a de
entrar em um espaço mágico, Receberam muito a minha atenção aqueles criados
pelo mestre da cor, Luis Harrag.in ( 1902-19 88), arquiteto c engenheiro mexicano
que usava as cores de maneira dramática em seus edifícios para realçar as formas
geométricas inadequadas criadas pelas limitações de determinado local. Imaginei
o conjunto de assentos como um triângulo tridimensional, em uma cor vibrante,
seguindo a diagonal desde o ponto mais alto da tenda, no [uudo. até o nível da
encenação, no palco frontal. Por que, cn1<10, não utilizar tecidos antichamas em
diversos tons de verde para revestir os assentos, em referência ao antigo monte
mortuário que. até hoje, se mantém corno parte da paisagem adjacente à capela
real elo século, r ,\ última pe~'a do quebra-cabeça elas cores envolve o piso real
elo palco, que é. frequentemente. o funelo no qual os atores são vistos elo auditório
elevado, () piso é o componente visual principal da composição, equivalente à
tela elo pintor. e ua cor e mais importante do que o fundo ou as paredes laterais,
e l (,1 o. divc rsos fatore devem cr levados em consideração. e a segurança dos
atores é o principal deles. o entanto. por meio da análise geométrica. vê-se que
o piso do palco é um retângulo que utiliza a .irca horizontal m.ixuna, com elois
braços retangulares estreitos alongados em ambos os lados da paisagem ele assen-
to verdes. como uma tomada e um plugue, luito provavelmente, a construção
ser.i de painéis ele madeira. cncai ados em bases metálicas padrão. oferecendo
urna upcrfícic para pintura. ão ci que cor deverá cr; so sei que deverá er
forle e vibrante, o contraponto do conjunto de as. entos que o circunda. e não
1I1n pedaço ele pintura cênica finginelo ser algo que não é. Da janela do meu
ateliê, vejo o mar c o céu. e observo que. muitas vezes. eles são uma coisa só, c
me Ill'TgUllto se um azul-violeta funcionara, lm caso positivo. no momento final,
quando o fundo da tenda é erauiclo para revelar o mar real. à noite. com barco
dl pe ca. fogo ell artificio e uma pequen,l lua pálida, uniria- e a cor do piso elo
palco a pai agcm marinha, " se a lua uâo estivesse vi ívcl ou se estivesse no lugar
erra elo, uma lua reserva ele latão seria bai ;lela elo lado de fora da tenda para cair
perfeitamente no lugar.
Escala e impacto
Tamanho e esc ala faz em parte de qualquer co m posição ele co r, e aprendi qu e , d esde
qu e o obj eto contenha a essê ncia de sua forma e se ja produzido perfeitamente, o
espectador vai capt á-lo em tamanho real. Uma bo a regra pr ática é qu e , se a co m po-
sição não puder ser muito gra nele, produza um obje to muito pequeno, e utili ze cor
para real çar seu tamanho. E m Bleus, Blancs, Rouges (1967) , hi stória ela Revolução
Fran cesa recontada por Roger Plan chon , utiliza-se uma carTIlagem amarela rn in ús-
cul a co m duas cabeças olhando par a fora ela janela, sim bolizando a fuga de Lui s
XV I e Maria Antonieta el e Paris a Varennes. Esse obj eto evidentemen te não rea lista
foi fabri cado co m granele detalhamento, com o uma miniatura perfeita de um carro
Holls-Ho)'ce, e puxado atrav és do palco por um barbante , co m as cabeça s dos fanto-
ches reais ace na nd o sob re molas ao reconh ecer em a multidão, e m tamanho real ,
qu e se am on toava para vê-los. A verd ad e, a bel eza e o tempo investido na fabrica ção
dessas co m posições e o ama relo polid o brilh ant e da carru agem tornam o ob jeto
perfeitamente verossímil, apesar de seu taman ho em mi niatura.
A na rrativa ela peça ele Plan ch on era bastante pontuada pela int erven ção elos fan -
tasm as elo po vo m ort o ele Pari s (/es morts), qu e se ergu iam ele um fosso e invadiam
o espaço cênico. Eles ca rrega \'am im en sos fan toc hes, feitos de ca bos de vassou-
ra, papéis velhos e bar ban tes. As co res vibrantes dos trajes dos revolucioná rios
- az ul, bra nco e verme lho - foram tod as branqueada s; assim, some n te um resto
m an ch ad o de cor restou co m o lembrete significativo da existênc ia anterior deles.
Em outra cena, representando a tom ad a da infam e pr isão da Bastilha , em 1789,
uma rép lica perfeita, em esca la, da prisão recon struída a partir el e esta m pas popu-
lares do período (estampes popu/aires) e ra ca rrega da por qu at ro revoluci on ários
(sans-cu/ottes), sobre um a padi ola militar. A m aqu ete era bastante grande para
esco nde r um ator dentro e, no mom ento da tom ad a, ele sim plesme n te se ergu ia
no int er ior e ab ria as port as.
Feito a mão
Essa ideia pode ser vista no Festival dos Fan tasmas de Taiwan , onde estão casas
em escala pe rfeita, feitas ele papel e bambu, e decorad as co m cores e padr ões
maravi lhosos. As vezes , os criadores são ainda mais am biciosos e criam hotéis de
pa pe l, em bo ra sem banh eiro s. São utili zados para receb er bem os fantasma s de
volta à terra, mas só por um períod o muito cur to (Figura + 6). Durant e o dia, as
casas de papel são expostas publi cam ente sobre tampos de m esas, on de frut as,
comidas e dinheiro são cu ida dosa me n te co loca dos na frente das port as, no caso
de os fantasm as precisarem come r. A noite, as casas são ca rrega das em proci ssão
sobre padiolas de bambu pela s ruas até a beira-mar, onde, com a a juda de mergu-
lhad ores, são postas para Au tuar no mar e dep ois incendi adas. A visão de milhares
de pessoas senta das em silêncio pert o do mar , obse rvando da orla ao hori zon te
mi niaturas perfeitas se m ovend o e em cham as e despedindo-se dos fantasm as por
ou tro ano , é profundamente tocante e bela, Em contraste , em 2 0 0 8, ano do rato no
ca lendá rio chinês, existiam carros alegó ricos motori zad os co m ratos im en sos, fan-
tasiados de noivas oc ide nta is, pop siars, líderes de banda etc. - era m ratos maiores
que elefan tes, co mo seus irm ãos rea is. G ue rreiros gigantescos sobre pern as-de-pau,
co m braços im en sos esten elidos e rostos co loridos indi cando sua idad e e seu status,
enc he ram as ru as: cada im agem era mais incrível elo qu e a outra.
155
(
No e n ta nto, aprendi muito visitando J lung Hsin -Fu , o m estre dos corta dores de
papel, qu e cria m áscaras e figuras de pap el perfeit as, às vezes co m 5 m et ros de
comprimento, int eiram ent e a partir dc lima pcça de pap el d obrado . I~ a versão
con tem porâ nea da pr ática an tiga e m ística da dobradura de pap el , qu e faz part e
dos ritu ais cotidianos . A tecn ologia laser é utili zad a ju n to co m facas tradi cion ais,
m as a c riaç ão deve ser feit a a m ão; o co nta to d o a rtista co m o pap el é par te esse n-
cial da c riaçã o. De form a mai s sign ifica tiva, o pap el co rre to deve se r escolh ido
para o tema , ma s, se ele não puder ser enc ontrado, terá de se r feit o sob cnc orne n-
da. Essa ligação do a rtista com os materi ais, co m a escolha da co r e do tamanh o
e, assim , co ns ide rando a ação da lu z sobre os planos escultura is das m áscaras e
figuras, co nstró i uma co m pos ição qu e possui in tegr ida de tot al. As co nstruções são
tão equi libradas c orgânicas qu e ba stam as m ais leves varas de bambu para ap oiá-
-Ias; nenhuma c ngen haria ou anim atrônica pesad a ou one rosa é necessária. C o m
exceção dos exem plos hi stóricos dos m estres do passad o , em expos ição no Cou n ty
Museum , em Hsin chu , essa incr ível arte em pap el é temp or ári a e br eve. Contará
sua hi stóri a por m eio de form a, formato e cor e, em seg u ida , se rá qu eim ad a e refei-
ta , imitando o eterno ciclo da vida para a morte . C om o eles dizem , o teatro não é
m ais qu e um hotel tempor ário.
DIREÇAü
ACHANDO O CAMINHO
A direção de um a produção traz à tona a visão do desconh ecido por meio da co-
laboração de seus artistas criativos: diretor, autor, ce nóg rafo, coreógrafo e ilumi-
nador cên ico. De distintas perspectivas, eles se reún em para plan ejar a estru tura
de uma produ ção, que será mater ial izada no palc o pelos atores. A colaboração
é mais do qu e um idea l: é a força cr iativa mais importante para qu e as ideias
seja m discutidas, batalh adas e, finalm ente, coeren teme nte realizadas. E m geral,
as decisões finais ca be m ao diretor, cu ja visão co ma nda a direção da produção . Às
vezes, o diretor é também o autor e o ce nóg rafo, ma s o ponto imp ort ante é qu e
cada pessoa da equi pe criativa tem um pap el inde pe nde nte e int er-relacion ad o
a desempen har. M iche l Saint-D eni s, diretor teatral c diretor da Old Vic Th eatr e
School, sem pre sustentou qu e as "pessoas qu e trabalham em teatro devem sabe r
como valorizar o trabalho de cada pessoa envolvida e o qu e ele acarreta, ind e-
pendentemente da área". Deve haver um a visão clara , e as ideias para a produção
precisam ser expe rime ntadas e testad as de todo s os pontos de vista: conceitua l,
estético e pr ático. Na da deve ficar em desequilíbri o. A colaboraçã o é a batalha
pe la harmonia no palco, em que tod os os participant es com pa rtilha m e bu scam
contribuições m útu as a fim de gan ha r força por meio da unidade.
L." T_
W!f/
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- :.:::"
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-- .
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5.1 - Colagem registrand o as discussões com o diretor para a ence nação de S oln ess, o con strutor
r_l ... T"
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.... . .
-I.,,,, .. , ~
KiPkela ~:,.
09 pn
lakpYflep8
-, .
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mas qu e estão receb endo a culm inação de meses de trabalh o det alh ad o some nte
um a vez, no espaço de du as ou três hor as. lt nesse teste rigoroso, qu e tem de ser
ap licado em cada aspec to da produção, qu e muita co isa pod e esta r impl ícita c su-
ge rida, sem ser dita diretamente. Essa é a plataform a de lançam ento da produção.
Surpreendentem ente, o m elh or trabalh o nem semp re resulta da paixão im edi ata
pela peça . Às vezes, a expe riênc ia mais rica chega dep ois de uma bat alh a real para
enten de r o texto, co nhecê-lo e descobrir co mo destravar suas po rtas fech ad as e, às
vezes, impen etráveis. Uma co m binação criter iosa de pessoas, talvez n em sem pre
de acordo, pode trazer habilidades diferentes e ines pera das ao projeto e é um a
boa receita para o sucess o.
Na prime ira e imp ortantíssima reunião, uni cam ente escuto e faço uma lista na
primeira págin a de um novo cade rno de desenho, co mprado espec ialme nte para o
projeto. Discutindo a respeito do futuro trabalh o envolvendo Solness, o construtor,
de Ibsen , escrevi o segu inte enqua nto Stephen Unwin , o diretor, falava:
Fresco r; igual a uma peça nova; claro; um poeta do teatro; linguagem da fala
comu m; pessoas reais; imagem cênica imaginada ; recriar as direções cênicas;
confiar na escrita; ausência de Inglaterra vitoriana; Oslo extremo norte; provin-
ciano; moral; democratas sociais; casas para o povo; realista visionário; fanta sia;
Deus; escuridão; paradoxo; cinza/azul; desconfortável; N ietzsche; simbólico;
exato; despoiado; [ormas realçadas; ilumin ação direcional forte; halo; aura; es-
paço, claustrofobia; biombos [aboneses. (F igura 5.1)
Nas sem anas segu intes, como a direção da produção evolu iu por mei o de diversas
discu ssões, versões de maqu etes e desenhos, qu ase não recorri a essa lista nem m e
lembrei de qu e estava à m ão. No enta nto, ao observa r a produção final no palc o,
percebi qu e ela co ntin ha tudo o qu e havíamos conversado naquela primeira reu-
nião. No rma lme nte, as primeiras ideias são as melhores, m as precisam dem on s-
trar isso por meio da investigação de todos os ca m in hos possíveis e, m edi ante um
processo co n junto entre diretor e ce nóg rafo, gan har seu espaç o no palc o.
16 0
ciadas em fun ção do uso do espaço dram ático. Em uma criação verd ad eiram ente
frutífera e colaborativa, o ce nóg rafo trabalh a ao lado do diretor para fazer o espaço
falar através dos atores. A boa colaboração entre os dois é o ce rne da criação tea-
tral bem-suce dida. Os dois precisam dem on strar respeito às habilidad es artísticas
mú tuas, para coloca rem em prática os pensamentos e as ideias co n juntas. A ce-
nografia e a direção devem trabalhar lado a lado , como dois hemi sférios de um
cé rebro; o talento visual e espac ial do ce nóg rafo comple me n tando e trab alh and o
co m o talento literário e narrativo do diretor , para mold ar o rumo que a produção
tom ará. A direção é a visão com a qual todos os envolvidos na criação da produ ção
co nco rda ram em trabalh ar a favor.
Pragmática
Como isso pode ser alcança do é facilm ente dem onstrad o por meio dos desenh os
que locali zam os mo me ntos imp ortantes da tram a, em que a disposição do cspaço
cênico é tão eloquc ntc qua nto as falas que os personagcns proferem de ntro dele,
Os desen hos quc ficam sobre a mesa da produção c nas pared es da sala de ensa io,
em um muse u vivo, são os gu ias para todos qu e investigam a h istória e se afastam
dela conforme a peça se desdobra e se torn a clara. O posicionamento das pessoas
no espaço deixa claro um pont o da tram a, dem on stra ondc est á o poder naquele
momento, c como isso mud a através da progressão da ce na. O cspaço cênico
deve se manter vivo e an imad o, qucr mediante a colocação de um a pessoa, um a
cade ira, um ob jeto ou um a lu z, mesmo quando o foco está co nce ntrado em um
momento ce ntral íntimo. Não é bom proj etar uma bela ce na qu e parcce perfeita
na maqu ete e descobrir, na sala de ensaio, quc os ator es precisam estar, exata-
m ent e, onde os eleme ntos cêni cos foram plan ejado s para ficar. A maqu ete não é
u ma exposição dc desígn teatral que criou perfeitamente a mobília para uma casa
dc bon ecas e pessoas em mini atura. Su a força cc nográfica é parecer insatisfatória
e incompleta até ser apoderada e ocupada pelo s ator es no palc o e se torn ar viva.
Todas as partes distint as do palc o devem viver em momentos diferentes do espc-
táculo mediant e o uso da iluminação ou da colocação dos atores. Os cspaços que
se tornam inut ilizáveis e bloquead os são cspaços mortos e podem , rapida me nte,
fazer a encenação parcccr pesada e desinteressante. O s atores têm de ser capazes
de se desloca r pclas diversas partes do palc o em diferentes form as e co nfigurações,
de ma nei ra fluente e natural, para que o olha r do público seja co nstantemente
levado das extrem idades do espaç o cê nico para os m en ores ele me ntos enfocados .
A direção ou a mise-en-scêne aclara e realça as palavras falad as ou can tad as.
A responsabil idad e por essa situação não ca be some n te ao dir etor. Os ce nógrafos
tam bém devem co ns ide rar seus m ét od os e suas expecta tivas, pen sando qu e m e-
lhori as pod em se r feitas. O ce nógra fo ital ian o Lu cian o Darn ian i, qu e crio u diver-
sos trabalh os co m Giorgio Stre h le r, na Itál ia, e co m Roger Plan ch on , na França ,
afirmou: " D istintos diretores reagem de m an eiras difer entes às prop ostas e, m u itas
vezes, acham difíci l ver o qu e e u vej o". Os ce nógrafos devem saber qu an do ce de r
e quando ser orien tados pela intu ição estética. O s diret ores precisam de tempo
para digerir e pe nsa r quando recebe m os dese n hos, os croqui s e as ideias. O que
talvez seja óbvio para u m artista visua l treinad o n em sem pre o é para u m diret or ,
e este tem de se acos tu mar a ler o desenho. Darniani também afirma:
D enominador comum
Assim co mo qu alquer acordo n egociad o, deve hav er um denominad or co m u m
para se ava nç ar. Com o o dir etor ou o ator, o ce nóg rafo é um int erpret ad or do tex-
to e precisa ser flexível na a bor dage m, até um consenso ac orda do ser descob ert o.
Mise-en-scene
E ra a época dos famosos festivais \Vorld Th eatr e Season , em Londres, qu e apre-
se n ta ram o mundo dos gra ndes dir etores euro pe us e o rep ert óri o in crível dos
teatros naciona is, exib indo seu pr ópri o pat rim ôn io cultu ral. As p roduções e ram
encena das nos idiomas origina is, se m legendas. A época m ar cou o início de via-
ge ns int ern acionai s mai s fáceis e da acessi bilida de ao teat ro int ern acion al por
m eio do cresc ime n to do s festivais de teatro , qu e, atu alm ente , são aceito s co m o
part e da vida teatr al norm al . A capacida de de ouvir as peças em se us idiom as
origina is para ap rec ia r seus sons ab riu as po rtas à lin gu agem internacion al do
teatro , qu e se co mu nica por me io de seus valores de produção e tam bém de suas
palavras. Essas pr od u ções da E uropa, qu e viera m visitar a In glatcrra , tro u xeram
um tipo distinto de dir eção - aque le da mi se-en -scene . c ru qu c a m ontagcm era
claramente atribu ída ao dir etor, cu jo trabalho era uma int erpret ação nova e
origina l de peça s clássicas bem co n hecida s ou criações origina is de um gru-
po teatr al qu e estivera desenvolvendo o trab alh o co n ju n to durante um lon go
per íod o de tempo. Esse co nceito de tempo de pr ep aração para uma produ ção
emergiu co mo a difer en ça m ais import ante en tre o teat ro do tip o europe u e
166
seus congê ne res inglês e nort e-am eri cano, rel acion ando-se com doi s sistemas
de financiame nto com pleta mente difer entes. Na Grã-Br et anha, naqu ela época,
como agora, os teat ros eram obrigados a ge rar m ais produções, co m tempos
de pr ep ara ção m en or es todos os anos, depend endo da quantia da subvençã o
estatal. Na Europa, os diret ores diri giam co m pa n hias teatr ais e desen volviam
trab alh os co m a com pa n h ia durante um lon go per íod o de tempo, só ap rese n-
tando os resultad os qu and o co nside rava m esta r prontos, e produ zindo , como
alguns a inda faze m, não mais do qu e du as montage ns po r ano. Isso permitia
qu e o dir etor e o ce nógrafo trab alh assem e retrabalhassem as ideia s, tend o por
meta pro duções de qu ali dad e real qu e e ram em issárias da po lítica c ultura l de
seu país. Alé m disso, essas produ ções testemunhavam o ressur gim ento do antigo
deco rado r cê nico em um novo pap el criativo: co mo ce nógra fo, trab alh ando ao
lado do diretor, c riando uma iconografia no palco ca paz de sintetizar visualmen-
te a int en ção e o espírito da m ontagem. É sign ificativo qu e a asce nsão do diretor
tea tra l cria tivo euro pe u ocorresse quase sem pre m edi ante o revigoram ento de
peças clássicas de dr am aturgos m or tos. Em co ntraste , a G rã-Breta n ha, ob rigada
a desenvolver produ ções m en or es, testemunhou ou tro tipo de criativida de: o
surgimento de um novo per íod o d ram atúrgico, qu e também qu estion ou a posi-
ção do dir etor. Alguns dos novos autores se tornar am dir et or es de suas própri as
peças, ut ilizando some nte el em entos cê nicos mínim os, para asseg ura r qu e fosse
a voz do autor aq ue la a ser ouv ida em alto e bom som, e não a int erpret ação do
dire tor. Port anto , du as tend ên cias com ple ta m en te difer entes de teatro se desen-
volve ram. Em ret rospecto, elas tinham muito a dar um a a ou tra.
Entrando em cena
Ta n to a mise-en-sc êne europ éia co mo o m ovim ento de no vas peças britâni cas
compartilhava m um novo co nceito de dir eção, qu e teve consequê ncias pro-
fu ndas para o cenógrafo . Até essa época, as peças eram pr ed omin antem ente
esc ritas e m ont ad as em ce nas distintas, co m um a interrupção entre ca da um a
de las, ge ralmente atrás de um a co rtina front al ou, às vezes, em um pan o fron-
tal especial de senhad o co m o parte do ce ná rio. O s especta dores entravam no
audi tó rio com a cor tina fron ta l fechad a e, qua ndo a ilumin ação da plat éia se
apagava , a co rtina se ergu ia, expo ndo o palco iluminado. Um a das influ ên cias
durado uras dessas novas produ ções foi a introdução de um cenário unifi cad o
que era visível pa ra o pú blico quando este e ntrava no aud itór io. Os espectado res
entravam em cena quando se sen tavam, e ape nas um a troca de ilumin ação era
su ficiente para indicar a mudança do temp o real para o temp o d ram át ico. Junt o
co m isso, havia o novo propósito de ac ha r um a metáfora ou um sím bo lo visua l
que servisse co mo ce n ário unifi cado para toda a peça, em vez de cená rios que
req ue ressem int errupções e ntre as cenas para montage m da próxim a. Em um
ce ná rio unifi cado , as mudan ças dram áti cas de tem po ou local podiam ser feit as
com o máximo de elegâ nc ia e co m o m ínim o de movi men to, mo difica ndo-se o
foco da ce na no espaço em vez de o ce ná rio. A direção, a coreografia, a mú sica e
a lu z torn aram-se ferr am entas para a criação de mudan ças cê nicas cine má ticas
nas quais os atores cruza m o palc o enqua nto o mobil iári o está sen do movi do,
em um a série de pequ enas imagens sobrepostas, criando uma unidad e ininter-
ru pta de direção e visão no palco.
Aprimorando o texto
Em 1969, o diretor francês Roger Plan ch on , com o T h éâtre Na tional Popul a ire,
de Ville ur banne, na Fran ça, veio a Londres apresen ta r Georges Darulin, cria da
co m o ce nóg rafo Ren é Allio. Não foi montad a co mo um a co mé dia de costu-
mes, mas como u ma tragicomédia hu mana am bien tada no mu nd o real de uma
pro pr iedade rur al burgu esa aflue n te, típi ca de um segme nto grande e reconhe-
cíve l da socieda de provin cial fran cesa. A história do pequ en o propri etári o rur al
Georges Dandin , traí do pela esposa de du as caras, Angé lique, por qu em era
apa ixona do, é com ovente e dolorosa. Su a humilhação e derro cada final foram
ap resen tadas em relação ao dia a dia da fazenda, onde o pão era assado e os
trab alh ad ores agrícolas faziam amo r no ce leiro, cegos para a tragédi a human a
qu e aco ntec ia no meio del es. No palco , Plan ch on criou dois mundos paral elos,
retratand o cidade e ca m po, de vez em qu an do entrelaça dos sutilmen te, e mes-
mo assim parecend o separados. Ren é AlIio, int erpret and o a direção, c riou um
úni co pain el cê nico de grande bel eza, realçad o co m iluminação poéti ca, qu e
mui to con tribu iu ao entendime nto da peça. A mo n tagem de Georges Dandin
era firm em ente fixada na própri a época de Moli êre, ou se ja, meados do sé-
culo À'V11. O s atores usavam trajes de época qu e revelavam o efeito da ida de,
mas qu e pod iam ter sido quase co nte m po râneos se fossem bem obse rvados.
O ce ná rio da casa de fazenda e dos anex os é visto na atua l Fran ça rural, mas
se situava com pletamente na época, sen do exposto com ta nta cla reza qu e era
desnecessár io pen sar em tran spô-lo para outro tempo. Por m eio dessas ob ser-
168
va ções meticulosas, os es pecta dores ingressavam im edi at am ente no mu nd o da
peça; um mundo de falsid ad e e intri gas em qu e aque la casa de fazenda isolada
se torna uma metáfora da sociedade prov incia l francesa. A direção cênica de
Moliere, de 1668, simplesme n te diz: " I a fren te da casa de Georges Dand in".
Plancho n e sua co m pan h ia cria ram um ca mi n ho para a p rodução pe rco rre r que
pôs em relevo e estimulo u ca da uma das diversas artes do teat ro: rep rese ntação,
pintura, iluminação, ornamentação do cenário e confecção de adereços. A mise-
-en-scime é vali dada quando a dir eção, o uso do espaço e da lu z e a cenografia
fala m co m uma úni ca voz, iluminam e aprim ora m o texto co m sign ifica do novo
e original.
Texto e ação
Posteriormente, tive a oportunidade de estudar diversas produções do Th éâtre
Na tional Populaire , qu ase tod as assina das por Plan ch on , e obse rvar como fo-
ram mon ta das. Foi minh a ed ucação teat ral real , en te nde ndo a importân cia do
diretor teatral como líde r da criação. Nesse caso, aprendi a re lação do texto
com a ação; a maneira de criar a beleza no palco , trab alh ando do obje to menor
ao m a ior ; e co mo nad a e ra bom o bastant e em sua form a e fun ção se também
não transm itisse sua p rópri a beleza e sua força teatral. As p roduções eram cons-
truídas por meio da criação de diversas pequ enas im agens evocativas dentro
das cenas. Estas e ram trab alh adas dr am át ica e visua lme n te, mui tas de las sen -
do d escartad as, e, no fim , as im agen s reman escentes ligad as form avam ce nas
inteiras. A visão e o texto eram tot al m ente in teg rados desde o in ício do traba-
lho, e cada pessoa era par te esse ncia l d o processo de ensaio. Vi como criar um
mundo inv isível fora do palc o , indica do sim ples me n te pela m an eira pela qu al
os atores c hegava m, às vezes corre ndo, co m muita ur gên cia. As en tradas e as
saídas eram incorpo radas às primeiras ideias cenogrã ficas, e diversas variações
eram exploradas. Depois, expe rime ntei jeitos in comu ns de trazer os ato res para
o palco - jeit os de indi car o mund o de onde tinham vindo, co mo, por exe m plo,
a id éia d e com bina r um a litei ra do século À'VIll co m um ca rro Roll s-Royce para
indicar o mundo aris tocrático de Pe rcy Cim let, no épico loh n Brown's Body,
de [oh n M cC rath (F igur a 5.2). Per ceb i co mo um ob jeto bem escolhi do podia
gera r significado e dizer muita coisa. Na peça, ca da im agem visua l e ra testad a
de diversas ma neiras e ava liada pel o gru po de ato res, técni cos, assiste ntes de di-
reção e cenógrafos. Todos po d iam opinar. 1 aque le períod o , Planch on era tanto
c
autor co mo diretor e, de vez em qu ando, ce nóg rafo, apo iado por uma equ ipe
especia liza da de in térpr et es. Se u pensam en to e seus requi sitos sem pre vin ha m
de um a bu sca ten az pelos m eios de ca racte rizar a verdade, frequ entem ente por
m eio de aconte cim ent os cô m icos e gags, tanto visuai s quanto verb ais. E le não
se import ava co m as prát icas teatrais das décad as ante riores, chegan do ao teatro
co m um olha r tot alm ente origina l e, às vezes, ingênuo.
17°
seu amo r pejo trab alh o e pela representação. Ela se dedi cou a pro ver um a pla-
taforma públi ca para o tal ento de todos os arti stas, com o com prom isso similar
de fazer um teatro qu e tivesse identidade e propósito claros. Na que la époc a,
na G rã-Breta n ha , [oan Littl ewood era úni ca - só vinte an os dep ois, as dir etoras
indepe nde n tes co meçara m a se torn ar co n hec idas . A mudan ça estava no ar. A
compa n h ia do Royal Sh akespea re T heatre qu eria expa ndi r sua políti ca de ex-
c ursões e criou um a nova produ ção de A megera domada, co m palc o e plateia
autossu ficientes . Era o veícu lo ideal para du as mulh er es - a dir et ora Di Tr evis
e eu - c riare m um a no va produção. Agarr am os a oportunidad e da peça dentro
da peça para traçar o ret rat o de um a co m panh ia de pobres ato res mambembes:
eles mal gan ha m a vida percorre ndo tod o o int eri or do pa ís, mas se tran sfor mam
nos personagens fantás ticos da peça que estavam apresentando, in titul ada A
megera domada - Uma crônica da época. A peça descreve de forma memorá-
vel a atitude bem co n hecida dos hom en s em relação às mulh er es e, talvez, de
mo do mais int er essante, dem on stra os pior es aspec tos da obsessão inglesa co m
classe soc ial. Co nside ra-se divertid o um lord e fazer uma brin cadeira crue l co m
uma pessoa de u ma classe inferi or , pobr e, um bêb ado e inca paz. O prólogo da
peça começa co m o aparecime n to de um gru po de atores ma m be m bes que está
muito cansado e para com o obje tivo de desca nsar fo ra da tab ern a. Eles veern
o pob re C h ristophe r Sly, expulso da tab erna, e são in cumbidos pel o rico lorde
de levar o bêb ad o para casa e, no mom ento em qu e ele ac orda r, aprese n ta r-lhe
a peça, fazendo-o ac redita r, e m sua ressaca, qu e era, de fato, o lord e da man são
sen horial. O paj em do lord e é instru ído a se vestir de mulh er e fingir ser a espo-
sa de Sly. Por din heiro e pela sobrevivê nc ia, os ato res co ncordam em co laborar
com a farsa.
E m u ma casa de fre nte para o m ar, eu estava trab alh ando co m idcias para a
mont agem, obse rvando as pessoas ca min ha ndo em lent a pro cissão ao lon go
do estrei to qu ebra-m ar. En tão , ficou visível um a fam ília vol tand o de um piqu e-
niqu e. As mulheres encabeçava m a procissão. A prim eira pu xava um velho carri -
nho de bebê po r me io de uma corda, e uma seg un da, exausta, u ma jovem em
gravidez avança da qu e tamb ém ca rregava um beb ê, em purra \'a-o. Não havia lu-
gar no ca rrin ho para a criança, pois ele estava che io de cade iras de piqueniqu e,
um a mesa, ped aços de mad eira tirad os da água, brinqued os e tod as as par afern á-
lias de um a famíli a qu e passou um dia na praia. Du as outras mulh er es vinham
atrás, arras ta ndo crianças pequ en as que choravam . Aque la era u ma imagem
forte que tod as as mães reco nhecem . Pou co atrás delas, vinham os homens,
17 1
:;.3 - D esenh o para A m egera domada
173
Avançando na mesma direção
o relacion am ento en tre o ce nóg rafo e o diretor pode ser complexo e fr<Ígil. A
p rod ução precisa ser definida desde o início em um prazo de exec ução qu e per-
m ita deb ate, co m prom isso e persua são. Se o ce nóg rafo e o diretor con seguirem
co meça r do ze ro, isolando os probl emas em vez de bu scar soluções in stantân eas,
há uma possibilidad e real de trab alho con ju n to
em uma par ceria de confiança. Frequ entem ente,
o cen ógrafo espe ra qu e o dir etor lh e diga o qu e
fazer e, em segu ida, exec u ta diversas versões para
achar a solução co rre ta; o diretor, por sua vez, es-
pera qu e o ce nóg rafo proponh a a solução qu e será
a base de tod a a pro dução . Para alca nça r um a har-
moni a cria tiva, os dois devem ter a hon estid ad e
de co meçar o trab alh o co m os m esm os dir eitos.
Acim a de tud o, eles precisam investir tempo na
prep aração do pro jeto pa ra desen volver um mé-
tod o de encenação e u m a lingu agem indi vidu al
5.4a - Desenho do en saio de O jardim das cerejeiras para a peça. Sem tem po para inves tigar ou come-
ter erros, as decisões ce rtas ou erradas têm de ser
tom adas, e as soluções precisam se r encon trada s
a qu alquer custo. Não há espaço para o acaso. O
pintor Rob ert Rau sch enberg afirm ou:
17 Mi ch ael Kim m ch nan . " Raus ch en he rg, thc Irrep ressibl e Ragm an of Art ". Neli' York
Ti mes. 27 ago sto. 2000.
174
mas são diferentes todas as noites, ch eias de possibilidad es de qu e as coisas possam
dar errado . Essa é a em oçã o e a tensão da aprese n tação ao vivo. Dep ende do cen ó-
grafo, com o inventor original, conduzir a visão na dire ção correta, sem esperar qu e
lhe digam o qu e fazer. Por outro lado, não se deve espe rar qu e o cen ógrafo adivinh e
o qu e se esco nde na m ente do diretor. E is por qu e desenh os rápid os, qu e são outra
forma de discurso, são tão valiosos, dand o realidad e aos pen sam entos do diretor e
um a im agem co nc reta para o diretor e o ce nógra fo qu e, assim, pod em avança r na
mesma direção (Figuras 5-4a, b, c e d ). O cen ógrafo deve ser capaz de direcionar o
olhar do diretor, utilizando o que é dado com o maior proveito. A coisa mais difícil
a se su pe rar é o diretor qu e não sabe ou qu e não consegu e ver como utili zar as
ideias qu e foram acordadas . A criação nasce qu ando o diretor tira do teatro aqu ilo
que é sing u lar. Com um espaço vazio e um ator, os
ma iores feitos da ima gin ação são possíveis. Certa
vez, m e lembro de ter dito :
So me n te um bom en te ndime n to en tre o dir etor 5.4c - Desenh o do e nsa io de O jardim das cerejeiras
e o ce nógrafo pod e alca nça r a m agia arro jada e
sim ples, qu e não custa nad a, m as qu e é muito po-
derosa e só existe em um palco .
175
artistas rnultitalentosos, cu jo esco po seja sim plesme nte realizar um bom traba-
lh o. Ind ep end entem ente da inteligên cia do plan o de negócios ou da eficiência
do depart am ento de marketing, se o trabalh o não for bom, não fará sentido ter
um teatro. Um diretor pode ter um a influ ên cia imp ortante na criação do clima
cultural de uma com unidade e na organização do teatro .
A criação teatra l foi citada pelos líderes em presariais co mo exemp lo da boa prá-
tica, dem onstrando como a independ ência c o trabalh o em equ ipe pod em ser
co m binados produtivam ente. O motivador prin cipal é a produ ção, e seus valores
são coloca dos antes do lucro. C ha rles Han dy, influ ente pensador e autor espec ia-
lizado em ética em presar ial e do trabalho, afirmo u:
Não há nada mais estimulante do que a pessoa se perder em uma causa que é
maior do que ela mesma, algo que fa z o desprendimento valer a pena, na qual o
orgulho pelo trabalho e a paixão pelo seu propósito são as forças motoras e na
qual o sucesso é compartilhado, e não nutrido pela própria pessoa em segredo" .
UM SENSO D E DIREÇÃO
18 [ulia Rowntrec (org.), "Business in the Arts" [debate], Three Mi lls lsland, Broml ey by
Bow: London International Festival ofTheatre, julho de 1999.
sitor para enriquecer o drama do autor, para tomá-lo factível e estimulante. O
teatrodeve mexercom o espectador. Deve mexercom ele porque o que o especta-
dor vê no palco é parte da realidade, com pessoas reais atuando, fa zendo isso e
aquilo, sofrendo e se alegrando'".
A arte da direção
Esta seção trata da arte da direç ão e não dos diretores. Considera o senso de
direção qu e um artista visual ou um ce nógrafo pod em assumir como pont o de
partida para a criação cêni ca co ntemporânea. Não fará diferen ça se for um texto
clássico, uma nova obra mu sical, um a grande ópera ou um a obra original. É
sempre im portant e imaginar primeiro onde a jorn ada term inará, mesmo se não
ficar ime diatamente evide nte co mo chega r ali. As an tigas civilizaçõ es exploraram
e ma peara m o mundo, construí ram fortalezas e esfinges, nom earam mont anh as
e rios como pont os de referên cia, criaram um testam ento público e um legado
para as futuras gerações. No nort e da Grécia , em Vergina, a tumba de Felip e II
da M aced ônia , agora um mu seu ima ginativ o, dirige o visitante ao mundo sub-
terrân eo da mitologia grega. Descendo na escuridão, o visitante é gu iado pelos
artefatos de ouro que aco mpanhavam o rei assassinado, iluminand o o ca minho
até o lu gar de seu descan so final. Não muito lon ge dali, ficam as encos tas do
Monte O limpo, o lar de Zeu s, deu s do cé u e senhor dos hom en s. Em uma jorn a-
da, pode-se viajar desde as profun dezas do escuro mundo subterrâneo até o pico
da montanha coberto de neve, eterna me nte iluminado pelo Sol e pela Lua, e
vislumbra r os extrem os da expe riênc ia human a que os dramaturgos tentam cap-
turar. Atua lme nte, a arte públi ca, muitas vezes em forma de escultura e algumas
vezes de arqu itetura, é enco n trada em todo o mundo. Uma obra realmente boa
e ade quada me nte locali zada pode expressar de man eira eloque nte as aspirações
e as esperanças da sociedade em que está situada. Fala sem palavras para os ob-
servadores. No Parqu e Ibirapu era, em São Paul o, há um monum ent o eno rme e
expressivo, com 50 me tros de comprime nto. Uma hom en agem em granito aos
primeiros desb ravado res, os Band eirant es, em sua busca para descobrir novos ter-
ritórios . Visto à noite, ilu minad o por refletores, o M onum ento às Band eiras é di-
feren te em todos os ângulos. Ca da person agem possui sua postura individual, mas
19 N. M . Go rchakov, Th e Vakht angov School o{ S tage Art, Moscou : Foreign Lan guages
Publi shin g House, 1960.
também segura ou toca em outro personagem. H ã um todo compos to de diver sas
partes distintas. Um do gru po assume o comando. Como as esc ulturas pú bl icas
freq uentemen te fazem, exp ressam prop ósitos e desejos, espe ranças e medos, por
me io de sua massa e estru tura. O bserva ndo aque le mo numen to e sabendo ago ra
o tam anh o im en so do país qu e eles decidir am desbravar , só pod em os nos m aravi-
lhar co m sua audác ia e sua corage m . Será qu e ele s fizera m u m m apa, ai nda que
tosco e im agin ad o?
Ao se conside rar um a viagem , um map a co n fiável e cla ro é a prim eira co isa ne-
cessá ria. Ao sc plan ejar uma nova obra, procurand o qu e rumo segui r em relação a
ela, visua liza r a estru tura e a geog rafia do texto ou do lib reto aclara os pen sam en -
tos efêmeros e forn ece o m od elo a ser segu ido (Figura 1.8). E m seg u ida, pod e-se
decompor o tod o em unidad es m en ores ou ce nas, fazendo-se map as me n ta is que
mos trem aos outros o sen tido da cena, ou seja, para onde ela cam in ha e como
ca da mapa leva ao seguinte, até o des tino fina l ser alcançado . Esses mapas não são
mai s do que os elementos básicos de cada cena, ma s eles criarão uma base sólida
sobre a qua l construir toda a peça. T udo começa com o espaço: caminhar por
ele, sen ti-lo, avaliar seu potencial, escutar sua ressonância e imaginar o que seria
bom ver ali . Pode ser um teatro convenciona l ou um espaço refei to. Cada espaço
possu i se us atributos específicos, os qu ais devem ser identi ficados e casados com
as qua lidades ind ividua is do texto ou da m úsica. Como o ator está no n úcleo do
drama, tam bém im agine co mo ele pode ficar no espaço e qu al se ria sua relação
co m os espectado res. Essa avaliação básica, do ponto de vista su b jetivo e objetivo,
forn ecerá a base para a criação e a direção da obra.
Mapeando a produção
Ao considerar a encenação de The Creek Passion, ópera-drama de Bohuslav
Martin ú, ao ar livre, na antiga cidadela de Eptapirgio, no alto da cidade de
Salônica, era fácil perceber como esse local emotivo e dramático poderia ser uti-
lizado de modo sedutor e arranjado para agradar um grande público. Um cortejo
à luz de velas de um coro de cem pessoas, cantando durante o movimento sobre
os baluartes da fortaleza, mostradas em silhueta contra o céu noturno iluminado
pelas estrelas, não exigia nenhum gênio para ser inventado, j TO entanto, a essência
dessa versão, que planejamos encenar pela primeira vez - a assim chamada versão
política - , não começa, como as posteriores começaram, dentro da igreja com
5.5- Lina Lambrakí como Mãe Co ragem
179
Então, encontrei-me com Lina Larnbraki, a grande atriz grega, que tinha inter-
pretado a personagem Mãe Coragem (Figura 5.5). Conversamos acerca de injus-
tiças . Ela concorda em se unir aos refugiados e, então, sai da multidão de pessoas
despossufdas e fala diretamente para o público. Os refugiados estavam sempre
carregando suas poucas posses e, então, percebi que, para fazer os espectadores
entenderem que a avó estava se tornando outro personagem, teria de haver uma
diferença espacial. O resultado foi a criação de uma imagem horizontal de refu-
giados deitados no chão e, a partir disso, o surgimento da figura vertical da mãe
universal, com duas crianças pequenas desgrenhadas ao seu lado. Ela caminha
para a frente do palco, e a orquestra para de tocar. Está calada e olha diretamen-
te para os espectadores. Mantida sob sua própria luz de comentarista (criada por
Henk van der Ceest, iluminador cênico holandês), no momento final da ópera,
quando é Natal, ela diz:
Os moradores de Lycovrissi voltaram para casa para se aquecer 110 canto da la-
reira. As lamparinas iluminavam as mulheres fiando ou tricotando... MAS... , na
montanha Sarakina, as crianças sentem fome. Sarakina está em franca revolta.
O padre Fotis conduz seu povo para a luta. Um homem bom não é capaz de ver
crianças passando fome ou morrendo dela diante de seus olhos sem se revoltar e
exigir uma explicação, MESMO DE DEUS! A hora chegou!
A voz dela aumenta durante a fala. Ela para de falar de forma brusca e olha para
o público. Silêncio. A orquestra recomeça a tocar e ela volta para o anonimato da
multidão de refugiados, forçada novamente a procurar abrigo enquanto os outros
estão celebrando em suas casas. Essa simples ação, resultante do contexto da res-
sureição de Cristo, utilizando um movimento vertical ascendente em contraste
com imagens horizontais de água e morte retornando ao chão, deu o mapa geral
da montagem, permitindo que as cenas Íntimas, com apenas duas ou três pessoas,
fossem tão poderosas quanto os grandes momentos de procissão mais óbvios.
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de mais nada, isso dependeria do posicionamento satisfatório da orquestra de
dezessete músicos e maestro , e do relacionamento com os cantores. No início
do segundo ato , há uma bela ária cantada pela personagem Agafya, de 29 anos:
"Ah, pobre de mim. Ah, pobre de mim! Ali, pobre de mim!. .. J:<~ tão difícil... É
tão mau . . . ser uma garota . .. principalmente quando você está apaixonada".
Infelizmente, ela não está apaixonada por ninguém . Trata-se de uma fanta-
sia, motivo pelo qual a personagem buscou os serviços de uma casamenteira,
Fyokla. Comecei a imaginar Agafya como uma garota vivendo sua segunda ado-
lescência, deitada em sua cama, lendo revistas de cinema e sonhando com um
inatingível marido boa-pinta. Isso me levou a desenhar Agafya em sua cama,
sendo capaz de ver o maestro e, a partir disso, pensando que ele também podia
ser um ator e se tornar a corporificação do sonho de Agafya. Uma coisa sempre
leva a outra depois que o processo criativo é iniciado: tomei a decisão de deslo-
car e atualizar uma ópera que se passa na São Petersburgo de 1842 para a Nova
York de 1953 e trazer a imagem de todos os russos como imigrantes malucos, vi-
vendo em Nova York como se estivessem na velha pátria. Agafya se tornou uma
garota norte-americana de primeira geração, sonhando com uma vida nova e
diferente - uma situação familiar para muitas pessoas. O espaço tinha a forma
de um retângulo estreito; assim, ao começar com aquela ária, tentei colocar a
orquestra e o pódio do maestro decorado como o topo de um bolo de casamen-
to, fazendo uma linha diagonal com a cama de Agafya. Em seguida, construí
uma série de diagonais imaginárias saindo daquele único eixo, a fim de achar
um lugar para todas as outras peças do mobiliário e os objetos associados com
os outros personagens. Em breve, uma instalação de objetos e móveis bizarros
estava se formando ao longo do comprimento da câmara retangular, e ficava
evidente que não eram necessárias paredes para separar as duas casas indicadas
pela ação. O rumo que essa pequena obra tomou se origina de uma ideia muito
simples: assegurar que todos temos o coração partido, e que sentimos muito o dile-
ma de uma garota triste e solitária chorando em seu quarto. Novamente, aprendi
que a grande solução começa a partir do ator, permitindo que as decisões visuais
tenham uma validade e uma verdade reais.
ocul tadas pelas ca misas penduradas. Um guarda napo bran co (rolo de pap el
toa lha ) e m ca da assen to servi ria como toalh a de mesa. Em trinta m inutos, o
palco estava montad o. O s atores c hega ram pa ra o e nsa io c, qu ase sem pe rcebe r,
dissera m: "Ah, aqui é o ce mitério!", co mo se fosse a co isa mais óbvia c natural
do m undo" (Figur a 5.6). ' o mom ento da ce na do jantar dc gala, eles sim ples-
men te virava m as cade iras, posicionavam-nas em linha ret a, co mo se estivessem
atrás de um a mesa. Posteriorm ente, adicionamos uma m esa, mas ela bloqu ea va
os atores atr ás dela, e e ra muito melhor sc m . Lembrei-m e de qu e as coi sas mais
sim ples são se m pre su ficientes.
20 [ulia Pascal [direção], 1\t the End of the Earth, ence nada em 2006 no Hou sc Th eatrc,
em Londres.
caminhar", de Kipling, tornou-se minha canção de marcha. Olhei novamente
para a minúscula capela branca que eu conhecia tão bem e percebi que ela
tinha a forma exata de uma tenda, como os antigos tabernáculos. Imaginei,
então, o evento em uma tenda. Um que canta a respeito das condições meteoro-
lógicas e tem o mar como seu fundo . Um coro de velhos anglo-saxões versus um
coro de jovens anglo-saxões cantariam 11m para o outro através do espaço. Isso
sugeriu dois palcos laterais, como no teatro ka!Jukí japonês, e, imediatamente.
deu uma forma ao projeto. Teria de ser incluído um espa(;o para a banda de
percussão das crianças, que faria os ruídos do mar, e outro para uma orquestra
profissional completa. No vazio superior da tenda, vigas de madeira, reproduzi-
das da antiga igreja, poderiam hospedar 11m coro de p,íSS,HOS, que seriam tanto
cantores como trapezistas, representando as visões cotidianas da vida por meio
de uma reserva natural.
O fundo da tenda daria para o mar, permitindo 4"e UIll coro de focas,
constituído de crianças e carregando peixes para os anglo-saxões. aparecesse
no início do espet áculo . o fim. na escuridão, todo o fundo da tenda poderia
abrir. rev elando barcos de pesca decorados no mar, um coro de pescadores
(po is o padre Eddi ensinou os primeiros anglo-saxões a pescar ) e um sliov;
de fogos de artifício no mar. f: sempre importante imaginar primeiro onde
você terminar á a jornada, mesmo se ainda não se sabe como chegar lá. Com
a colaboração de um diretor de movimento e de um produtor, começamos
a procurar um local adequado para converter essa fantasia em realidade. c o
encontramos exatamente em nossa porta (Figura 1.8). Ficamos tão e."Citados
como se tivéssemos acabado de desembarcar nas praias de um Brasil desco-
nhecido e, naturalmente, precisávamos mapear o local para sermos capazes de
convencer outras pessoas e de le va n tar a grande sorna de dinheiro necessária
para um evento em uma tenda. Como sabiam muito bem os antigos cartógra-
fos, mesmo se o destino for vago, fazer um mapa bonito e pictórico ajuda a
entusiasmar companheiros viajantes e patrocinadores. A perspectiva mais esti-
mulante é ser capaz de estabelecer uma colaboração de artistas de diversas
áreas para trabalharem em partes desse projeto. para contratarem um composi-
tor e para criarem um trabalho que é difícil de definir - nem teatro. nem ópera,
nem arte perfonn ática, mas uma forma inventada , respondendo à geografia e à
comunidade cuja Iustoria ela conta .
Invenção direcional
Essa noção do que é direção parece tão relevante hoj e qu anto foi n aqu ela época fe-
bril, em que era predom inante o espírito de m uda nça e aven tura. Foi u m período
em que era bastante natural ver artistas cr iativos de tod o o mundo aplicando seus
ta lentos em diversas áreas distint as, co mo design gráfico, criação de figurinos, ar-
quite tura, cenografia, direção e re presentação, co n forme a n ecessidad e e o desejo
ditavam . D essa in teração, surg iu a profissão de dir et or teatral: algué m com visão
para reunir em uma ú nica voz, e co m uma assina tura pessoal, tod os os ele mentos
díspares qu e in tegra m a cr iação de uma produção teatr al. Os dir et ores desen vol-
veram filoso fias, varian do do uso do teatro par a aprese n ta r uma postura políti ca à
consideração do espaço cê n ico co mo u m a tela sobre a qu al a hi stória pod e ser de -
sen h ada. Concomita nte com a asce nsão do diret or , h á a evo lução da ce nogra fia,
que se torn a m ais do qu e a criação de uma decoração de fund o, assu m in do u m a
função cr iativa ce n tral na reali zação do espe tác u lo. A reelabora ção e a revisão de
textos cláss icos provou- se um veíc u lo frut ífer o para a in venção diret oria], e, em
1970 , u m a co nfra ria de diret ores pós-brechtian os estava esta be lec ida nos teatros
europe us su bsidiados nacion almente . Roger Plan ch on e Ariane Mnouchki n e, na
França; Giorgio Strehl er , em Milão; Yuri Lubimov, em Moscou ; Pet er Stein, em
Be rlim . Eles demon straram qu e, m edi ante uma síntese co m ple ta do texto e do
visua l, a h istória pod er ia ser reelaborad a co mo um nov o dram a con te m po râneo.
Uma nova man eira de co nside rar o teat ro se desenvolveu , utili zando a iconogra-
fia das bel as-art es para criar ence nações qu e eram tanto belas como im ed iat am en-
te en te n didas, sobre tudo pel os novos públicos do períod o posteri or à Segunda
G uerra M u ndial qu e esses criadores teatr ais procuraram atrair. Eles co nce be ram
uma lin gu agem cê nica din âmi ca qu e tod os co m partilha ra m e n a qu al cada pe-
queno ob jeto tinh a tant a im por tâ nc ia qu ant o u ma gran de estru tura cê n ica. Na
peça Gilles de Rais, de Plan ch on , qu e co n ta a h istória de um cava lei ro do séc u lo
XIV, a qua lida de de uma ú nica pedra co locada co m cu ida do no espaço e de um
ramo de urti gas selvagens - apa ren te men te inocen te, ma s qu e , posteri or m ent e ,
passa a ser usad o como instrum ento de tortura - foram cu ida dosa e amorosa-
mente produzid as para unir suas formas e suas fun ções. Essa ate nção tot al ao
de ta lhe visua l refleti a a ate nção em relação à representação , dando às m onta-
gens u m a clar eza úni ca e muitas vezes sur pree n de n te . A iluminação ní tida dessas
produções, m u itas vezes alcançada por m eio do uso de reflet ores de cinema no
teat ro, impregn ava as ce nas com uma cl aridad e reali sta encon trada em pin tores
medievais de paisagen s.
Papéis permutáveis
No en tan to, ne m tudo é perfeito . C om o tempo, os artistas cria tivos se co nce n-
trar am ca da vez mai s em suas especial iza ções, torn ando-se peritos em seus pró-
pri os ca m pos e ficando cada vez m enos famili ari zados com as práti ca s mútuas.
Os diretores se acostumaram a pedir e a receb er efeitos cê nicos e tecnologia s para
aprim orar as montagens e da r ao públi co o qu e ele agora espe ra ver. Atualmente ,
desenvolveu- se um a nova lin gua gem tecn ológica, qu e, muitas vezes, só é en te n-
did a par cialmente pelo s outros colaboradores, resultando na obten ção de uma
mística por part e desses profi ssionai s da tecnologia e de uma conseque n te auto-
nomia de práti ca. C on tu do, h,í nova s vozes preconi zando uma outra m elodi a a
ser ca n tada. Possivelmente, isso ocorre por causa do cresc ime n to e da diversifi-
cação da educação teatral. Na Europa, antigame n te, os c urs os de ce n ografia se
ba sea vam qu ase exclu sivam ente em faculdades de art e e estava m incluídos como
part e da disciplina de bela s-art es. Como a prática das belas-artes se exp andiu e
virou live ari, baseada em perfonnances, muitos desses c ursos , agor a também ofe-
recidos em uni versidades, receb eram a denomin ação de design de periormance,
com ce n ografia sen do ap enas um do s muitos ca m in hos para os estuda n tes esco-
lh er em dentro de um portíólio compl exo. O s cenóg rafos são formados para sere m
criadores e exe cu tores e para se tornarem espe cialistas em manipular luz e som .
Atu almente, cada curso po ssui um correspondente internacional , que provo ca
tro ca s de expe riênc ia e promove o ente ndime n to cultural. Esses estu da n tes de-
sen volvem habilidad es ada ptáveis compl et as: exigem qu e se jam levados a sério e
qu e receb am uma plataforma para mostrar do qu e são capazes. Frequentemente,
esses joven s e motivados criadores teatrai s não estão dispo stos a espe rar até ter em
um a gran de chan ce em uma companhia teatral esta be lec ida. Na maioria do s
casos, eles se reunirão em um grupo colaborativo e criarão uma obra. Visam criar
juntos, em um teatro não convencional no qual o m étodo de trabalho é a pesqui-
sa, a respost a às dúvidas e o desenvolvim ento de formas de exp ressão. Não são es-
tranhos à tecnologia, qu e não é mais nov a. Sabem com o requer er financiamento
das font es eur ope ias e também da s de seu local de residência ou na cionalidade e,
muitas vezes, são sur pree ndente m en te enge n hosos e bem-su cedidos. A formação
de gru pos int erdi sciplinares sign ifica qu e as estru tur as conven cionais podem ser
alteradas. Um arti sta visual pod e se tornar um produtor. Um autor também pode
ser um ator. Ao mesmo tempo, as fun çõ es pod em ser definidas e permutáveis.
Essa mudança de base está se infiltrando para cim a, desafiando a gravidade e
alt erando lentamente a prática do teatro profi ssional.
A visão criativa
A visão de mundo atualizada (pp. 19-23) revela qu e os ce nógra fos estão criando
sua próp ria obra, no que talvez outrora fosse cha mado de direção, e, mu itas vezes,
virando codiretores, oc upados co m toda a ence nação ao lado de um diretor literário
que, na divisão justa de trabalh o, passa mais tempo com o trabalh o m otivacional
dos atores. O grande exemplo é a designer britâni ca [ocelyn Herb ert (1917-2°° 3).
Em parceria, ela criou filmes e peças teatrais co m poetas e dram aturgos, incluind o
Sam ue l Beckett (19°6-1989) e o poeta Ton y Harrison (1937), com quem reelaborou
mui tas obras clássicas gregas em teatros co nvenc iona is e em grandes espaços ao ar
livre, na G récia. Apesar dos inevitáveis altos e baixos do processo de produ ção em
que artistas trabalh am juntos, os result ados foram tão perfeitos que se torn ou ind e-
cifrável dizer quem fez o qu ê. Ne nh um crítico pod eria escrever frases tolas como
"embora a ce nog rafia fosse brilh ant e, a direção era lenta e m edí ocre", ou qualqu er
variação afim. Alcança r sinc ronicidade na ence nação é um objetivo que mu itos
aspiram, mas pou cos realm ente consegue m. Isso vem de um a paixão e um a crença
compartilhadas a respeito da importân cia do trabalh o a ser feito. A habilid ade con -
siste em pôr o assunto co mo a preocupação prin cipal , e os criado res em papel se-
cu ndá rio, a fim de encontrar um jeito de apr esentar esse assunto aos espec tado res.
Em 2007, N icho las Hytner, diretor do Royal Na tional Theatre, em Londres, em seu
discurso na Leadership in C ulture C onference, na Royal Society of Arts, afirm ou
que "a visão criativa é o result ado de um a luta coletiva". Disse ainda: "O diretor
de uma peça é me nos um visioná rio e mai s um sintetizador.. Em bora um diretor
possa ser, de vez em quand o, tanto visioná rio com o sintetizado r".
Se um artista visual qui ser criar um a obra teatral e reunir um a equ ipe selecionada
para interpretá-la, isso parecerá satisfatório dentro dos parâm etros de perfomwnce,
sem alvoroços. Ao discutir esse assunto, a maioria dos ce nóg rafos afirma ser capaz
de se move r facilmente entre desenh o e direção, pois encenação é o que normal-
mente faze m. Eles são formados e, então, profissionalmente, praticam a soluçã o
de probl emas e o pensam ento lateral. Mo vim entam-se facilm ente entre as áreas e
desenvolvem um a lingua gem comum. Em geral, os ce nóg rafos, tanto jovens co mo
os mais expe rientes, identifi cam seu trabalho com o uma colcha de retalhos de ati-
vidades distint as, ocasion alm ente com o desígn ers de ce ná rios e figurinos, às vezes
co mo iniciadores e criado res de um a obra, outras vezes como estrelas do sliow bu -
siness que ganha m bastante para subsidiar o desen volvimento de paixões privadas,
espera ndo seu mom ento de realização etc.
Um teatro para observar as coisas
Atua lme nte, um a mudan ça está ac ontece ndo no teat ro, possivelmente influ en-
ciada pelo desen volvim ento das belas-art es, em qu e a instalação artística é tud o
m en os teatro falad o. Em 2 0 0 7 , no Tate Modem , a exposição The Worldas a Stage
(O mund o como um palco ) pro curou defin ir as mudan ças em uma investigação
da relação entre arte visual e teatro . No m esm o ano, a Prague Quadr ennial , o
term ôm et ro qu adri en al da ce nografia mundial, mostrou , sem n enhuma dú vida,
qu e milh ares de joven s cen ógrafos qu e parti cipam do Scen ofest e da part e de
esco las já estavam ac om pa nhando as mudan ças. Eles expõe m e demonstram
ideias de performance e ence naç ão que são part e do novo map a ce nog ráfico
qu e esc revem. O esc ultor britâni co Martin C ree d, co m seu Work No. 850, no
Tate Britain, fez atletas passarem co rre ndo através de gale rias de pinturas e
esc ulturas neocl ássicas gélidas e sere nas. C reed descreve sua ob ra como "um
teatro para ob servar as coisas", tal qual Brecht afirma em seu poema "Sob jul-
garnento'? ', no qual ele ac onse lha o ator: "Você deve mostrar o qu e é, mas, ao
m ostrar o qu e é, você deve suge rir o que pod e ser e o qu e não pod e, e talvez
se ja útil ". O s atl eta s de C ree d co rre m com prem ên cia misteriosa, poi s não sa-
bem os de onde e para onde ; só sabe m os qu e eles são impelidos a se propelir:
"pa ra com ple ta r o trabalho". Nesse caso, o artista é o criador/diretor de sua
própria obr a, e parece corre to e natural qu e assim se ja. Na Alemanha, I-lein er
G oebbe ls, importante compositor mu sical , enge n he iro de som, arti sta visual e
esc rito r, tornou-se o motor e o criador de suas própri as obr as. Ele inclui textos e
atores como trunfos para a obr a ima gin ada por ele . Ele é muito mai s do qu e um
dir et or. N o Brasil, a expe riente cenógrafa Ion e de M ed eiro s ensaia seis atores
com pre cisão militar, digna de exército, em sua adaptação de O processo, de
Kafka . Ela com pôs todo o espaç o cêni co e sabe como utili zar ca da centímetro ,
ao m esm o tempo dei xando a história clar a e choca nte . M ed eiro s faz o passado e
o presente colidirem textual e visualm ente. William Kentridge, pintor e criador
de fanto ch es sul-africano, anima seus desenhos e os convert e em filme s, alé m
de diri gir ópe ras na M etropolitan Opera, em N ova York. O s artistas de in sta la-
ções criam eventos em galeri as, qu e os obse rvadores percorrem e com os qu ais
interagem ; os mus eu s utili zam ce nógrafos par a aprese n ta r exposições temáti cas.
Punchdrunk, companhia teatral da Gr ã-Bret anha , oc upou um prédio int eiro,
21 Bert old Brecht, Pocms: Part Two 1929-1938, Lond on : [ohn W illett e Ralph Manheim ,
M ethuen , 1976, p. 308.
incluindo escr itórios e ba n heiros, cr ian do eve ntos simultâ neos em espaços dis-
tin tos que os espec tadores podiam segu ir na sequê nc ia qu e qu isessem. Nesse
caso, os espec tado res dirigiam sua própri a jorn ada pelo espaç o, em bora todos
terminassem no mesmo destin o.
o ATOR CENOGRÁFIC O
Assim como os ce nóg rafos assu me m a responsabi lid ade pela criação da apa rênc ia
cênica total - elementos cê nicos, figurinos, ade reços e mobili ário - , cada ind iví-
duo deve decidi r onde recai sua área de interesse e suas prioridad es. Manifesto
meu crescente inte resse de trabalh ar em colaboração com o diretor para obter o
pleno potencia l do ator no espaço.
o ser humano está no cen tro do teatro vivo, e tanto o diretor como o ce nóg rafo
começam trabalh and o a partir dele: o eleme nto vivo ma is poderoso do espaço . Da
mesma forma que a prim eira tarefa do diretor é liberar boas atuaç ões dos atores
para contar a história da peça, o ce nóg rafo traz habilid ades e conhec ime ntos visua is
específicos para a produção. Uma peça pode aco ntece r sem ce ná rio, mas sem pre
há no mínimo um ator a ser consi dera do, e esse ator tem de vestir alguma coisa.
Portanto, os figurinos torn am-se uma extensão do ator no espaço. Criam todo um
mundo realçado pela ilum inação e que pode ser en ten dido sem qualquer ce nário.
Quando os designers se redefi nem como ce nógra fos, indicam que estão dispostos a
ir além de simp lesmente desenhar cenários e figur inos para a cr iação de um quadro
cênico atraen te. Significa que estão preparados para observar e estudar os atores no
ensaio, compreende r como um a atuação se desen volve e como o am bien te cê nico
e os figur inos podem trabalhar juntos para melh orar o desempenh o do ator. Ne m
sem pre é fácil. Os atores são móveis, imprevisíveis, perigosos e têm um poder de
transformação no palco todas as no ites. O trabalh o do ce nógra fo é ac har uma ma-
neira de se com un icar com os atores, avaliar suas necess idades e desejos e tomar as
decisões corretas que alcançarão um resultado único e harmon ioso.
No início de um novo proj eto, mu itas pessoas do ele nco e da produção são estra-
nh as um as às outras, travand o conhec ime nto a partir do primeiro dia de ensaio,
para iniciar um a aventura juntos. Esse é o início de um intenso períod o de traba-
lh o no qual todos, muito rapidamente, precisam se con hecer e se co nscientizar das
ca pac idades e incertezas até, milagrosam ente, um a produ ção nascer. No entanto,
assim qu e a produção em ce na termina, e o qu e parecia tão im po rtante evapora,
outro processo começa , com um novo grupo de pessoas. Tu do o qu e fica é a me-
mór ia da expe riênc ia e algumas fotografias e críticas. Depois do térm ino da prod u-
ção, os desen hos dos ce ná rios e figuri nos, ou seja. os remanescentes concretos da
prod ução, adq uirem um valor distinto. Concebidos como desenh os de trabalh o,
tornam-se o registro da prod ução: evidências para historiado res e pesquisadores e
também para um crescente número de colecionadores de arte. Há um fascínio em
relação aos dese nhos de figur inos; eles não são apenas pinturas, mas tam bém exi-
bem como os atores podem ser totalme nte transformados em outros perso nagens
por meio da cor, da forma e da textura dos figurin os (Figura 6.1 ).
li : 1.1
:!i' ~/[ :-t.. j iJ.. 'J/ V'1..r' ) /Y 'J
Linguagem
Os atores se co mu nicam com o ce nóg rafo por m eio de um vocabulário emocio-
nal, e o esta be lec imen to de um den ominador co m u m para o diálogo exige tem po
e paciên cia de am bos os lados. Há um a lin guagem do ator que é ut ilizada para
descrever os pro blemas que afetam seu desempenho; muitas vezes, ela está inti-
mamente ligada aos figuri nos, aos adereços e ao mobi liário. E isso tan to mascara
co mo revela expectativas, ansiedades e vu lne rabilidades , qu e são verba lizadas como
impressão: "ten ho a impressão de qu e a ca uda desse vestido está mu ito lon ga para o
person agem qu e estou repr esentando"; "ten ho a imoressão de qu e o comprime nto
dessas mangas pod e ser ma ior"; "ten ho a impressão de qu e a cadeira pode ser maior!
menor/mais baixa/mais alta"; "ten ho a impressão de que essa porta está no lu gar er-
rado". Pou cos atores possuem u m vocabul ário visual- em geral, não por sua culpa.
Raram ente, as esco las e os cursos de arte drarn ática ensi na m isso. 1\ boa comun ica-
ção co m os atores co meça com a capacidade de escu tar, co m mu ita atenção, sua
lin gu agem frequentem ente hesitante e de int erpretá-la co rre ta me n te. O cenógrafo
precisa ter tanto au toridade co mo Aexibilid ade e ter o apo io total do diretor desde
o in ício, pa ra qu e os atores fiquem familiarizados com a linguagem da imagística
visua l qu e se liga ao texto e possam dar um a nova perspectiva ao traba lho.
Observações da vida
Em Los Angeles , no Cetty Museurn , em um canto obscuro, existem nove pequenos
desenhos de Veronese referentes a Édipo Tirano. São desenh os de trajes contem-
porân eos para um a montagem teatral, sendo, possivelm ente, os primeiros desenhos
de figuri no registrados em papel. Desenhados r ápida e despreten siosamente, a habi-
lidade natural de Paolo Veron ese leva-o a coloca r as figuras em poses expressivas
sobre o papel. C laramente, são observações da vida diária, de pessoas em seus trajes,
mas transport adas pelo giz verme lho de Veronese para o mundo de mito e misté-
rio da C récia Antiga. São desenhos de trabalh o; nove figur as bem agrupadas, co m
observações e rabiscos explican do o que é necessário. Embora sejam pequ enos, os
desenh os parecem grandes e vibrantes, irrompend o para fora da moldura do papel.
C om um saudável desrespeito à posterid ade, foram dobrados em quatro e, sem
dú vida, guardados em um bolso. São trabalhos artísticos, mas são trajes co ntem po-
rân eos vistos no mundo cotidiano da Verona de m ead os do século XVI.
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6.3 - Desenho do eoro pa ra ll appy Birthday Brecht
a Índia e a África, locais qu e os países ocide ntais pilh aram em sua busca intermi-
nável por novas inspir ações. Les Atrides, produ ção de Arian e Mn ou chkine, criada
com o cc nógra fo C uy-C laude, na Ca rtouc hc rie, em Paris, utili zou de maneira
brilha nte essa possibilid ade int ercultural, co m bina ndo influ ên cias do Or iente e
do Oci de nte. O s rostos dos atores são pintad os como máscaras, com as bocas e os
olhos in tensa me nte ace ntua dos e co loridos. As expressões vinha m de seus gestos
e movi me ntos corporais e também de suas vozes estilizad as. A are na vazia em
que atua m força o públ ico a ficar ciente de suas formas extraordin árias, individual
e co letivame nte, em silhue tas contra as pared es de pedra de cor oc re. Em um
segundo, a ce na passa da agressão forte para a tragédia, sim plesme nte por meio
de um a mudança de figurinos, de verm elho para preto. O uso de um gru po de
atores como coro de comentário s ou discord ân cia, ocupando a arena e confron-
tand o o públi co, é um recurso tão pod ero so hoj e quanto foi no teatro da Crécia
Anti ga, sendo frequentemente utili zado na ópera . Esse recurso chí ao artista visual
a oportu nidade de con struir um quadro arrojado no palco , em cor e forma, e,
en tão, mudar dramaticamente a ima gem , descon struindo ou dividindo o grupo
em im agen s indi viduai s que formam um a composição totalm ente diferente no
palco. O co ro se torna um recurso ce nográfico para mudan ça do humor c da
atmos fera das ce nas, utili zando co m ligeireza a cor dos figurin os vistos en bloc
para descrever a passagem do tempo e os acontecime ntos dramáticos. Um grupo,
ou coro, dirigindo-se diret am ente par a o públi co , é um instrumento pod eroso.
Quand o o coro trabalha junt o, a mudan ça de sua form a física a partir de dentro
assume o valor de um eleme nto cê nico plástico e móvel (Figura 6.3).
o corpo
o corpo é a estru tura sobre a qual o ce nógrafo
cria e fabri ca figurinos, e a prática constante do
desenho de modelo vivo é a ânc ora para os ar-
tistas desenvol verem a com pree nsão anatômi ca
que sustenta a cria ção do figurino . Cada part e do
corpo possui causa e efeito sobre outra part e qu e,
por sua vez, fala a respeito da man eira pela qual
o corpo expe rim entou a vida. O deslocamento do
peso no corpo e o impulso da cabeça atra vés da
espin ha dorsal comunicam a idad e, a profi ssão e
o status. As constrições de corpetes e roupas de
bai xo, as alturas dos sapatos e os pesos de perucas
e penteados também afeta m a postura corporal.
Além do estudo formal do modelo vivo, os qu a-
dros históricos, as pinturas e as fotografias são a
fonte primária de refer ên cia para a reinterpreta-
ção, assim com o as notas pe ssoais e os esboços
-;.../ observados da vida di ária (Figur a 6-4)' O figurino
....Hf'j &1& THÊ Mo""'I"I t .7 ...... Pty é o m eio artístico que descrev e classe soc ial, his-
1"10010 "Gil W' "(I!)"
tória e personalidade. Também pod e criar toda
6.4 - Desenh o de Sarna ntha Cones como modelo para a atmosfera cê nica, sendo um a maneira direta e
Agnes, personagem de [ul ía Ford em Escolade mulheres imediata de trabalho com os atores.
199
int en sas a respeito de atitudes e estados de espírito, co mo no caso das mulh eres
repree nsivas cobe rtas de preto em A casa de Bemarda Alba, de Fed eri co Ga rcía
Lorca, cu jo vestido verd e descrito por Adela é como o grito de um pássaro selva-
gem pela libert ação de sua existênc ia enga iolada.
Confeccionando o figurino
Por mai s brilh ant e qu e seja o desenho de um figurino, a ca bine de provas é onde
começa o trabalh o real referente ao figurin o criativo, qu er seja confecc iona do
do zero quer seja recriado a partir de filas de mater iais usados e sem vida de uma
lo ja de alugue l de roupas. O desenh o é apenas o guia. O trabalh o real de criação
do figurino é um a iniciativa con junta do ce nóg rafo, do ator e da costure ira traba-
lhando juntos, observando diretamente um ator no espe lho da ca bine de pro vas.
Assim , todos os envolvidos pod em ver o corte, a forma e a construçã o e também as
combinações de cor. O ce nóg rafo deve ser cap az de desenhar co m a tesoura sobre
o ma terial disposto sobre o ator ou supo rte de figurino, para entende r a form a de
urna época e sabe r como adapta r isso às proporções do ator. É essencial começa r
com a roup a de baixo usada na época e com os co rpe tes, qu e dão estrutura ao
corpo, e forn ecer sapatos corretos, que imp onh am a postur a do ator. Então, um
calicô liso - o padrão b ásico repr esentado a partir do desenho - pod e ser aju stado
sobre a roup a de baixo. A atriz precisa ter co rpe tes, sapatos e saias no ensa io, de
modo qu e possa se acostuma r com o peso e a postur a im postos pelas roupas. O
cenógrafo e a costure ira podem trabalh ar rápida e diret am ente sobre o corpo do
ator, para ape rfeiçoa r ou alte rar a form a e o corte, esculpindo o materi al de aco r-
do com as proporçõe s corporais ant es de cortar o tecid o real. Um a boa mem ória
visual e um bom conh ecimento da forma da época são inestim áveis para qu e a
essênc ia se ja preservada e, ao mesmo tempo, crie-se algo individual e apropriado
à visão da produ ção. Essas sessões de trabalh o em uma ca bine de provas são os
momentos mais íntimos entre um ator e um cenógrafo, nos quais a co n fiança é
fund am ental. I ão devem ser mom entos tensos ou apressados, e os atores devem
volta r para a sala de ensa io se sentindo con fiantes e satisfeitos, com um qu adro
claro de com o será sua aparênc ia firmem ente gravado na memória. O trabalho na
cabine de prova é urna extensão do trabalho do ator em relação ao texto. Quando
o person agem da peça aparece no espe lho da ca bine de prova, todo s pod em co-
meçar a imaginar o qu e aque la pessoa usaria como ado rnos ou [oias, e tod os os
outros det alh es que person alizam as roup as.
20 0
A marca do ator
Na tura lmente, os atores se sentem muito vulne ráveis qu ando se observam qu ase
nus em um espe lho ma] iluminado . Todos os ator es têm bastant e consci ên cia de
seus pio res defeitos físicos. No enta nto, o figurino pod e com pe nsar essas defici-
ências reais ou im aginárias. l ato e psicolo gia, associado s a um entendime nto do
perso nage m a ser repr esentado , devem ser as lin gu agen s na ca bine de prova, com
um a calma serena e impositiva esta be lec ida. E m geral, a habilidad e da costure ira
em corta r e manipular o mat eri al pod e evitar uma crise. Sempre esc uto com
atenção a man eira com o os ator es falam a respeito de si mesmo s e de suas neces-
sidades, pois isso mostra qu e eles sabe m e entende m seus próprio s físicos e gostos.
Tu do isso a juda em rela ção ao figurin o. Quando um ator está disposto a colabo-
rar na confecção do figuri no, o result ado é mais bem- suc edid o do qu e qu ando
algué m se posta como um man equim diante do espe lho, com os bra ços esten-
did os, dizendo "me tran sform e". O ator também deve ser sens ível ao costurei ro,
cu jo trabalh o também fica exposto, deixando o profission al muito vuln erável. O s
cost ureiros são artistas e devem ter tempo para, a partir de um tecido plan o, criar
um a estru tura cilíndrica sobre o corpo; e devem ser orientados para aume ntar
ou alte rar sutilme nte um a form a para qu e ela se ade que a um ator específico. O
de senho do figurino é um sinal de respeito ao talento artístico do costure iro, tanto
quanto é para o ator, e deve haver bastante espaç o em sua int erpret ação para qu e
a individ ualidade do costure iro contribua para o item acabad o. Um con junto de
figuri nos em um a arara, pronto para ser entregue, é tão excita nte quanto um a
nova coleç ão de mod a: são roup as espe rando para ser usadas. A marca do ator já
está incorporada às costuras, à orn am entação e ao tecido .
Tecido
A esco lha dos tecidos é fund am ental para a rep resentação de um desenho de figu-
rino . A sensação das amostras de tecido permite qu e os ator es pensem em como
pod em utili zar os figurinos dram aticamente. Assim como na vida comum , é agra-
dável vestir boas roupas, feitas de materiais favoráveis. Se um tecido for escalado por
enga no em um estágio de tom ada de decisão, jamais será adequa do para o pap el.
Ne nhuma quantidad e de trabalho fará um tecido se comporta r de man eira que
ele não possa. Ca da tecido deve ser avaliado pelo peso, caime nto, durabilidade,
relação co m o desenho, capacidade de se ade quar ao person agem , pot en cialid ade
2 01
de época, capacidade de ser melhorado com corante ou tinta, relacionamento
com outros materiais presentes no palco e facilidade de manutenção.
A entrada dos atores é disfarçada por uma parede de cartazes espalhafatosos. Uma
xarnã moderna e sua trupe de atores, todos parentes, emergem exuberantes para
contar uma história moral tradicional de mito e misticismo, medo e poder. Eles
utilizam versões contemporâneas de trajes tradicionais, confeccionados com os
materiais favoritos de Lee Byong-Boc: palha , estopa, plantas e terra, revestidas com
metros translúcidos de organza bastante colorida. Os atores, porém , adicionaram
seus próprios toques: um sortimento incongruente de tênis, chapéus de feltro,
meias de tecido acrílico, e alguns fumavam cachimbos e cigarros enquanto obser-
vavam a ação, sentados na lateral do palco. A partir da primeira aparição da xarnã,
não resta dúvida de quem detém o poder. Antes de nos oferecer uma palavra da
história , ela produz uma enorme rede caça-borboletas que estende para o público
e passa adiante, sem sair do palco. Somos instruídos a colocar dinheiro na rede,
senão a história nos traria má sorte; claro que obedecemos. Isso se repete diversas
vezes durante a noite, exatamente quando a tensão dá a impressão de aumentar.
202
No palco, ela dedi ca algum tempo a co n ta r o dinhei ro, para ver se o sufic iente foi
co le tado par a perm itir a co n tinuação , e ela também ped e a opinião de se u elenco .
Aos pou co s, com cada vez mais ou sadi a, a hi stóri a é contad a. Fazem os o qu e nos é
pe dido, inc lu in do um a ida ao palc o para tom ar parte de uma dan ça qu e n ão tem os
ide ia de co mo exec uta r; m esm o o ma is reti cente entre n ós se envo lve. E o tempo
todo ela é tan to o perso nagem como a m u lher de negócios astuc iosa . Perce bem os
sua ma líc ia e ast úcia en qua n to ela man ip ula o p úblico ao máxim o, e, qua ndo a
aprese n tação term in a, o trab alh o do dia está feito. Ela con ta o dinh ei ro e parte,
ign orando o p úblico qu e foi tot alm ente seduz ido. Lee Byon g-Boc afirma : "Tea tro
não é nad a m ais do qu e im agens e hi stóri as dr am áti ca s qu e preench em a vac u ida de
de um espaço vazio co m a presen ça do ator com figur ino".
Prático e poético
As peças de Sarnuel Beckett também pr een ch em um espaço vazio co m a presen -
ça de u m ato r. Em Not I, u ma estrut ura técni ca co m plica da, qu e su porta uma
atriz em pos ição ver tica l a algu ns m et ros ac ima do piso do palc o, aparece para o
p úblico como u m vazio negro em que ape nas se vê um a boca em movi mento,
aparen temente suspe nsa no espaço. A atriz e o ce nóg rafo precisam trabalh ar em
coope ração próxim a para alca nç ar algo assim, pois, se a ilu são não for perfeit a , a
peça será destruída. Dep end e de um equ ilíbrio delicad o . Em Kraf)p 's Lasi Tape,
um ator solitá rio em um espaço vazio, co m as ru ínas de sua vida invisíve is em u ma
gaveta aberta pe la metade, precisa transm itir todo o seu m undo passado e presen-
te. Embora pareça não haver nada no palco, é preciso u ma grande qu an tidade de
trabalho par a se alca nça r esse nada, a mesa e a cade ira co rre tas e ob jetos para o
ator qu e se jam tanto práti cos qu anto poéti cos. Há muito trab alho invisível en tre
o ator e o ce nógrafo. Samu el Beckett sab ia disso muito bem em sua descri ção
técnica de ta lha da a respeito dos requisitos para Winni e , em Happ)' Day«. Esse é
um texto em qu e o au tor fornece tan tas instruções - de fato, ele proporciona o
calicô da produção -, qu e, a princípio, par ece qu e toda m ontagem deve ser igua l
à an terior. No entan to, cada \Vinnie apresen ta uma h istór ia com pletame n te dife-
re nte.a m od o de falar, a infl exão e a escolha dos ob jetos da bolsa qu e ela põe n o
alto do seu m ontículo, co mo um a natureza-m ort a de C hardin, m ostra qu e, um a
vez ali, há uma estru tura sólida par a a peça, tanto qu e a im aginação pod e voar.
a figur ino de \ Vin nie só é visto da cin tura para cima e, a partir desses detalhes,
de seu chapéu, de sua bo lsa co m perten ces pessoa is, o p úblico po de imaginar sua
vida prévia, 110 estilo antigo. O que o públ ico não vê é como ela é capaz de ficar
senta da no interior do mon tículo sem se mover. Inicialmente, W inn ie precisa ser
amarrada com segurança em uma cadeira , com um bo m apoio posterior, sobre a
plataforma. Esta precisa ser calcu lada para que sua figura sen tada a deixe bastante
alta para ocultar seu marido, Wi lly, que fica invisível na parte posterior do mon-
tícu lo (F igura 6.6 ). Se esse arranjo falhar, arruinará a fala de Winnie e também
a risada , quando a mão de Willy apa rece de repente , po r trás, para entregar a ela
um frasco de remédio qu e ela mesma aca bara de descartar. O qu e não se vê é a
com plicada subestrutura do montícul o. A atriz tem de en trar nele; ou se ja, deve
have r uma abe rtura ocu lta. Também fica muito quente nesse espaço fechado;
assim, um vent ilador elétrico é utilizado, tornando necessária uma espuma grossa
e à prova de som den tro da superfície do montículo. Ela precisa de um suporte
para os pés para aju dar a apoiá-la. Deve haver um acolchoamento discreto, pri-
meiro em torno da sua cintura e, depois, em torno de seu pescoço, qua ndo a atriz
parece sub merg ir mais fund o no montícul o. Como pescoços são ma is finos qu e
cinturas, uma peça extra qu e seja compatível com o resto do mo ntículo tem de ser
adicionada ao figurino. A atr iz deve ficar fisicamente confortável e relaxada, pois
representar \Vinnie é um feito imenso na memória de qualquer profissional. O
traba lho exige teste e ajuste cuidadoso e paciente entre a atriz e o ce nógrafo antes
do in ício de qu alqu er coisa, segu indo exata me nte as instru ções de Beckett, que,
na tura lme nte, as elaboro u co m perspicácia.
Usando O espaço
O palco é um espaço vazio preen chido aos poucos e que é, de novo, esvaziado
por constantes padr ões de mud ança cr iados pelos movim entos dos atores na ce na.
Freq uen temen te, os atores têm uma intuição muito boa sobre onde devem estar
e sobre como devem usar o espaço de modo eficaz. Em Stratford-Upon-Avon,
no planejamento de uma montagem no Swan Theatre , com um pequeno palco
aberto cercado por plateia nos três lados, tivemos de criar a ilusão de que a peça
acontecia em uma im en sa casa de cam po. A única ma ne ira pela qua l pod íamos
fazer isso era descrevendo a casa invisível por meio das ações dos atores. Casais
dançando irrom piarn no palco como se a da nça tivesse começado em outro re-
cinto e se espa lha do por toda a mansão (Figura 6'7 )' Os casais ench iam o palco
com sua energia e cor; enquanto eles dançavam, uma figura solitár ia era deixada
para assumir o coma ndo da cena segu inte , que contrastava com a anterior pelo
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206
6.7 - Swan Th eatrc: desenhos preliminares para Rondo, dc 1':Jgar
um a produção , an alisando a int era ção en tre ator, obj eto , espaço e texto. O s atores
receb em diversos temas para trabalh ar e um a sinopse da estru tura das ce nas, com
um diálogo básico a ser desenv olvido posteriorm ente em um roteiro com pleto.
Na sala de ensa io, há um sortime nto de obj etos sim ples: cade irin has, corda, algu-
mas ben galas e materiais básicos para a construção de algo qu e possa esta r falt an-
do ou ser necessário . Pen sa-se muito a respeito de como ac har font es de materiais
sem custo para figurinos e ade reços, como um a coleç ão desprezada de toalh as
de m esa, variando de confecções elaboradas de renda e tecido de seda orna do a
plástico colorido.
O Opera Tran satlanti ca visava uma man eira teatr al de se mover rapidam ente atra-
vés do tempo e do espaço para criar peças de iomada , obra s qu e contassem histó-
rias de identidad e cultural e de como as pessoas se deslocam de lugar em lu gar
por m eio da história e do tempo. Obj etos reais sim ples são utili zado s de man eiras
inesperadas, dep end endo int eiram ente da criatividade e da capac idade do ator de
rea lizar tran sformaçõ es im agin ativas diante do públi co . C erto dia, trabalh ando
em um a ce na qu e ocorr e na praça de uma pequ en a cidade, ce rcada por casas
pequenas, testemunhamos o qu ão pod ero so isso pod e ser. A ce na era am bientada
em um a pequ ena cidade da Ven ezu ela em algu m momento do séc ulo XX. É de
noite, está escur o e sile ncioso, e quatro port as bastante coloridas estão bem fech a-
das. Três soldados bêbado s, qu e aca baram de perd er seus em pregos, surge m pro-
curan do algué m para culpar. Eles começam a lan çar ofen sas contra os donos das
casas , jogam garrafas de ce rveja nas portas e, em pou co tempo, a ce na tranquila
se co nve rte em um tumulto repul sivo. No devido tempo, os solda dos perdem o
in te resse e partem , deixando um a atmos fera assustadora no ar. Cau telosamente,
as donas de casa abrem suas port as e sae m para ver se tudo está seg uro . Não tín ha-
mos vontade ou capacidade de co nstru ir casas, n em mes mo port as, pois o ob jetivo
era ma nter a flu ên cia en tre as ce nas. Subitam ente, uma atriz dob rou uma toalh a
de m esa resplandece nte em um lon go retângul o e a mant eve em sua fren te, para
oc ulta r int eiram en te sua figura. A im obil idad e da atriz transfor m ou a toalh a de
mesa nu ma sólida port a de m ad eira. En tão, lentam ente, ela aba ixou um pou co
a toalh a e obse rvou aten tame n te de soslaio, abrindo gradua lmen te a port a. Foi a
ma is bela descob ert a, sobre tu do qu ando tod as as qua tro portas fazia m a mesma
co isa. Essas ações sim ples reve lam co mo a boa encenação po de dizer m ais do
que efeitos dispendiosos. Quand o elas ac havam qu e era seguro sair, limpavam
cuidadosamen te as portas, as dobr avam e segu iam para a pr óxim a cena. E m u m
ato su bseq ue n te, a hi stóri a se desenr olava em três casas difer entes, visitadas em
ráp ida sucessão por um ven de do r idoso e seu co m panhe iro m ais jovem . Duas pe-
que nas e rob ustas ca de iras, uma az u l e outra co r-de-rosa, eram co locadas no m eio
do espaço cê nico. Par ecia qu e as ca de iras estavam co nve rsan do no espaço vazio.
Descobrimos qu e, quando a ce na era ap rese ntada na fren te de uma cade ira, esta
se torn ava o in terior de um a casa, e qu an do a ce na era invertida e ap resen tada
na direção oposta à da ou tra cadeira, esta se torn ava a casa vizinha. Quando d uas
pessoas se sen tavam nas cadei ras e co nve rsavam lad o a lad o, pareciam esta r em
ou tra casa. Essas descob er tas ce nográ ficas foram real izad as pel os próp rios atores
tra ba lha n do co m ob jetos reais e tran sm itindo a crença para o públ ico de qu e duas
pequenas cadei ras po diam co rresponder a tod a uma vizinhança. D uas pe quenas
cadeiras, qu atro toalh as de m esa e alguns atores valo rosos e im aginati vos eram
tod o o n ecessário para retr at ar uma pequen a cida de e cr iar um teat ro rico, como
resultado de po ucos m eios, que podia ser u m camin ho a segu ir para red escobrir
o que envolve realmente o dram a e como os atores e os ar tistas po de m reali zar
jun tos criações ines quec íveis.
A MATÉRIA-PRIMA
Apesar de todas as inovações e novas tec no logias na produ ção teatral, o ator ain da é
o mensageiro do mito. Sua ligação ativa e direta com o espectador, o pacto en tre eles,
o ato de dar e o ato de receb er, continuam sendo a síntese ma is instigante e exci-
ta n te da experiênc ia teatral. Em "Retrato do passado e do presente em um", poem a
208
de Bertolt Brec ht, ele aconselha seus atores : "In de pe nden temente daqu ilo que você
retrata , você deve sempre retratar! Como se estivesse acon tecendo ago ra" 22.
E sse bom co nselho pode se aplicar igua lmen te aos ce nógrafos. Esse era o princípio
básico de Caspar Neher (1897-1962), ar tista plástico e ce nógrafo, qu e, co menta ndo
a respe ito dos dese n hos qu e c riou co m Brecht durante seus anos de co labo ração,
de 1923 a 1929, descreveu : "p in ta ndo telas co m pessoas". O s desenh os de e he r,
des de as pr im eiras mo n tage ns de Brecht a té as últimas obras oper ísticas, retrat a-
ram sem pre o número co rre to de a tores n ecessário s em cada m om ento-ch ave da
produção. Neher é realista a respeito da quantidad e de espaço necess ária para os
atores, de co mo eles pod em ficar de pé e se sen tar; ele sabe que, sem integrar o ator
ao quadro cênico, a im agem fica in compl et a. Seu s desenhos, e m bo ra verídicos,
são pouco rígidos e impressioni stas, mu itas vezes feitos rap idamente co m ca ne ta e
tinta sobre papel úmido, m as se tornava m o esque ma para a m on tagem. Ele criava
imagens aternporais, co mo se estivessem aco ntecendo ago ra, como aq ue las rep re-
sentadas em sua visão das três bruxas observando M acb eth en quan to ele atravessa
a maldita charneca, na ópera de Verdi pa ra a J-Jambmgisch e Staatsope r, em 194223.
A força de ssa imagem é construída sobre uma paisagem hor izo n tal ; dois te rços de
cé u ameaçador se encontrando com um terço de árvo res er içadas escuras. A figma
pro eminente de Macbe th aparece suavem en te elevada sobre uma ped ra, com a
ca beça um pouco acima da linha das árvo res, sendo co m pat ível com as visões de
mundo que Neher deve ter visto co mo solda do do exé rcito bávaro, nas trinch eiras
profundamente escavadas du rante a Prim eira G ue rra Mundial?' . A co m pa ração
entre Macbeth e a autocromia de Paul Castelna u, de 1917, a respeito da visão do
olho do soldado a part ir das trin ch eiras, é impressionante" . O ator ven do esse dese-
nho, o u a fotografia, não co nsegue deixar de sen tir o m edo de M acb eth atravessa n-
do u ma terr a de nin gu ém, na esteira de uma pai sagem devastada pela gue rra, tão
brilha n temen te refletida na partitura de Vercli.
22 Bcrtold Brecht, Poems: Part Two 1929-1938, London : [ohn Will ctt e Ralph Ma uhei m,
Methucn , 1976, p. 308.
23 O skar Pausch (org.), Caspa r Neher 1897-1962 [catálogo de exposição ], T heatcr
Mu seum: Viena , 1987,
24 Brccht Poem s, "About a Paint er ", ill : Pari 1'wo 1913-1956, London : [ohn Wi llett ,
M ethucn, 1987,
25 David Okuefuna. The \Vollderflll \Vorld of Albert Kahn: Colour Photographs [rotn a
Lost Age ill Books, London: BBC Books, 200 7, foto A12048.
2° 9
A forma humana
Imaginar que uma cena está completa sem um corpo humano é um erro , e fazer
maq uetes sem figuras tamb ém é uma prática imperfeita. Atua lmen te, a maqu eie
de papel-cartão branco, dese nvolvida a parti r da prá tica de ce nografia na televisão,
tornou-se um estágio int erm ediário ace ito no processo de pro jeto, ma s ela não é
nada mais qu e uma representação tridim ensional sem vida de como o espaço
pod e ser utili zado, e não tem nada a ver com o pro jeto para a performance. Uma
maq ue te de papel-cartão branco não é mais do qu e um a man eira conve nie nte de
suposição ao custo de um a prop osta e guar da pou ca relação co m o produto final.
Ocasiona lmente , um a figur a recort ada nesse ma terial e fixada sobre um a base de
pape l-cartão é adiciona da, mas não faz mais do que indica r quão alta em esca la é
a pessoa em relação a um a entrada, a um a jan ela ou a um móve l. Como os atores
são ce ntra is para o trabalh o, o maior cu idado deve ser tom ado na confecçã o das
figur as tridim en sion ais em escala, com cor e textura. As figur as pod em ser abs-
traíd as ou poéticas, mas devem dem onstrar como o espaço deve ser ocupado por
pessoas rea is, quant o espaço ocuparão indi vidu almente ou em grupos, e como
com pleta m o mun do cr iado pelo ce nógra fo para torn ar o drama im ediato e pre-
sen te. A fim de confecc iona r figur as tridim en sion ais em esca la, qu e co ntenha m
ene rgia interior, é fund am ental ser um ávido observado r da form a humana e
ter o háb ito de notar como as pessoas ficam de pé e carrega m seu peso e idade
desde as espinhas dor sais até as ca beç as. A prática rigorosa e cons ta nte dese nvolve
a ca pac idade. Um ca ntor sabe que a voz precisa ser exercitada, e os bailarinos
sabe m qu e devem ensaiar diariam ente; isso não é diferente para ce nóg rafos e
artistas visua is. C ontemplar, ver e desenh ar a figur a human a é a preparação e
a rotin a básicas para um ce nóg rafo cu jo trabalh o se ja pinta r telas co m pessoas.
Isso não significa criar figuras esque má ticas de pessoas, mas ver através da pele
supe rficial do corpo, alca nçando a armad ura esque lética de apo io. Isso exige, no
m ínimo, um conhec ime nto básico de ana tomia. Atua lmente, a ana tomia é uma
ma tér ia raram ente ensina da em faculdades de arte e muito menos em uni versi-
dad es, ainda qu e se ja um conhec ime nto fund am ental para qualquer pessoa qu e
prec ise entende r a fisicalid ade dos atores. Essa disciplina serve de base para toda a
ce nog rafia e, sem ela, a arte se torn a ape nas um a form a abasta rdada de design de
int eriores ou design decorativo.
2 10
Entender os atores
E n tende r os atores e a man eira de trab alh ar co m eles não é algo qu e se alca nce
por obse rvação ac ide nta l. Quando um ce nóg rafo assume a responsabilidad e de
trab alh ar dir etam ente com os atores, ele deve ser capaz de falar a m esma língu a,
de en tendê -los. Sem isso, nã o pod e haver coes ão no trabalh o, e tod os farão suas
próp rias co isas, individualm ente. M ari aelen a Roqu é, artista têxtil venezue la na/
ca talã, qu e cria tanto moda quanto teatro , estuda cuidadosam ente o físico do s
atores an tes de começar a trab alh ar em suas cria ções ori ginai s. Ela descreve o
p rocesso de criaçã o em sua sala de trab alh o, dirigindo-se ao ator (que não está
prese n te) dir et am ente:
Ago ra que estou no meio do desafio, sigo diretamente para as cores, texturas e
[ermas para você. Elas devem ser você. Devo ter você nelas. \leiam os. Ac ho que
estou acha ndo um cami nho.
o grupo gosta mu ito disso. Ca da tra]e é um a nova com posição , uma novidade
ou um problem a para resolver.
Norma lmente, eu deveria ter você aqu i agora para testar isso, mas acho que
podemos avançar sem você por enquanto... D esafios... A doro o risco, como o ar
que respiro, e adoro vestir as pessoas como elas são.
Roqu é refere-se a três elementos muito importantes durante o trab alho com os
atores:
lo Co res, texturas e forma s. Isso liga a pesqui sa ce nográfica aos atores. Cada m erca-
do, cada país, cada loja possui uma infinidad e de tecidos a ser provad os, co lec io-
nados e ca ta logados, prontos par a uso. Esse recurso é uma pesqui sa dir et a, pron ta
para ser usad a criativame n te na transformação de um ator em seu person agem .
Ma nter-se informa do a respeito de novos produtos da indústria têxtil e ter a noção
de como usar o tecid o e aprovei ta r suas propri ed ad es naturais são co ndições pré-
vias. Um rico tecid o de época p recisará crescer em esca la se tiver de ser visto
de uma grande distânc ia, e sua veraci da de terá de ser criada não sim plesmente
211
m ediante a co m pra em uma loja, m as por m eio de sua recri ação co m revestim en-
tos, cores, tin gim entos ou branqueam entos, para lh e dar vida e profundidad e con-
vince n tes. O estudo e a ob servação das peculi arid ad es do co rpo do ator ligam-se
ao estágio mais decisivo da criaçã o - o desenho co m a tesoura - , cr ian do form as
que a justam a figur a ainda plagiad a do co tidiano par a o mundo do espe tác ulo .
~stá tud o no co rte .
3. Risco e responsabilidade. Todo artista visual trab alh ando diretam ente com um
ator, muitas vezes em íntima pro ximid ad e, tem a responsabilidade de en tende r
seus sen time n tos de vulne rabilida de. Muitas vezes, olhar-se em um grande espe-
lh o é um m om ento muito deli cado e sensível, e o criado r e a equ ipe de in terpre-
26 C ha r1es Spe ncer, LeOll Bak sl and lhe Baileis Russes, London: Academ y Editions,
1996, p. 186.
212
tad ores precisam trabalh ar com calma e eficiência, para estimular a co n fianç a e a
segura nç a e para qu e o ator saia se sentindo forte e encare centenas de espec tado-
res. Ao me smo tempo, assim como o vestuário cotidiano, muitas vezes um olh ar
exte rno é nec essário para se levar em conta as possibilidades qu e o usu ário da
roupa jamai s pensou . Uma com binação de core s, uma mistura de mat eriai s, um a
diferen ça de forma e corte para realçar qualidade s naturais que pod em esta r oc ul-
tas e um estímulo para assumir riscos são part e desse grande jogo. M esm o a uti-
lização de roupas cotidi ana s no palco, talvez obtidas em um brech ó, geralme nte
exige algum tratamento adicional ant es de se aju star à persona cêni ca do ator. E o
risco e o peri go são como comida e bebida para o artista criativo. Frequentem ent e,
espe ra-se qu e os artistas, de palco ou visuai s, repitam o qu e fizeram antes, em bo ra
a tend ên cia de am bos se ja a de se aventurar em território s novos e inexplorados.
Isso é o qu e mant ém a perlormance viva e diferent e de qu alquer outra coisa, co mo
M ariaelena Roqu é, entre outros, demonstra de maneira tão eloquc nte" .
Um processo bídírecíonal
Assim co mo um a quantidade cada vez maior de cenógrafos qu e ten cion am cruza r
os limites de sua arte, Maria elena Roqu é é uma artista que assume riscos pessoais,
sendo capaz de se identificar com e entende r outros artistas-", Parece lógico que,
para se trabalh ar com atore s, seja ab solutamente necessário sabe r o qu e se sente
realm ente e como nego ciar os desafios imprevistos que sem pre ap arecem . Ca da
vez mais faculdades de arte e algum as univ ersidad es qu e en sinam ce nog rafia
estão criando oportunidades par a qu e seus alunos parti cipem de 1I'0rkshops in-
terdisciplinares nos quai s podem experime nta r diretam ente o qu e está realm ente
envolvido em falar, se mover e int egrar um quadro cênico vivo total. A criação de
obra s cur tas muito sim ples, que estimulam cenógrafos a atuar e atore s a se torn ar
artistas visuai s, é possível em razão de uma lin guagem intercambi ável qu e, se não
for esque cida , deverá constitu ir a base para rem ediar os mal-entendidos interdisci-
plin ares qu e continuam a existir. O s atos de escrever e dirigir também pod em ser
um a expe riênc ia compartilhada pelas duas disciplinas. O s participantes pod em
27 M ariaelena Roqu é desvesteix Carles Santos [exposiçã o retrospectiva ], Museo ' Icxtil,
Ba rcelo na, 20 0 6 .
28 Ana N u no, "T hrce Sn ap sh ots a nd a Fish St ew" , in : Ca rles Santos, Long Lil'e lhe
Pia no, Ca ta lunya : M anuel C ue rre ro: Gcnc ralita t dc Ca ta lu nya. 2 006 , p p . 338'"9'
aprende r o que se sente ao ser um ator, como isso é difícil e o qu anto pod e ser
eficaz o ator utili zar de fato o ambi ente que o ce nó grafo criou em vez de tratá-lo
como um obst áculo a ser evitado. Os ce nóg rafos pod em aprende r que , qu and o
um ator tem a oportu nidade de entende r o qu e é ce nog rafia e co ntribu ir com a
cr iação, o trab alh o co meça a viver e ficar coeso . Isso não aco ntece co m mu ita
frequência e não é um a qu estão de atores co m desemp enho brilhan te. Em vez
disso, a questão envolve o mom ento raro e maravilhoso em qu e o ator dem onstra
a habilidade de seu própri o instrum ento e repr esent a co mo part e do tod o, em pol-
gando e calando os espec tadores.
Um salão de arte na casa dos Klabi n; o ce ntro do movimento de arte mod ern a
de 1929:
[enny contrata lvlaria Feu como copeira para servir os convi dados. Ma ria co-
nhece Fulvio, imigrante ita liano como ela, e sugere para Jenn)' que ele pode-
ria fornecer deliciosos embu tidos italianos para o evento. Fulvio, ain da que
açougueiro, é um pintor secreto e usa a oportunidade para apresentar alguns
exem plos de seu trabalh o junto com os embutidos. Maria também sugere a con-
tratação do gatuno M enegh etti como garçom, e ele traz Abelardo, o palhaço,
como en tretenimento cômico para os convi dados. N a realidade, todos eles estão
associados para roubar o dinh eiro dos convidados: um plan o idea liza do pela
aparen temente honesta e simples Ma ria Feu. Abelardo convi da os espectadores
da vida real para se reunirem em tomo dele em um círculo e lhes conta uma
história. Meneghetti aproveita a oportunidade para subtrair as carteiras dos bol-
sos dos convi dados, orientado por Ma ria. Abelardo, a um sinal de Meneghetti,
termin a seu núm ero e eles fogem , no exato mom ent o em que um dos convidados
dá o alarme. Jenn )' fica chocada, e Maria mantém uma inocên cia impassível. A
confusão se instala.
Uma históri a sim ples, m as qu e dep end e do pod er dos ato res para faze r co m qu e
os especta do res m ovam suas cadeir as e alte rem fisicamente o espaço, co n forme
a exigê nc ia da aç ão. O s atores se ben eficiam de sua força dramát ica ficando de
pé sobre suas ca de iras/ce n ários, São capazes de co ntrace na r com os especta do res
qu e , em razão do siste m a livre de assentos, posicionaram ao acas o as cade iras do-
br.ivcis qu c pcgaram ao en tra r no espaç o, en torno do s atores. O início estático em
qu e os per sonagens con ta m suas histórias não dá indicação do que acontecer á:
só quando os atores com eçam a se ligar mutuam ente m ediante co n ta to visual e
diálo go é qu e o espaç o meio dram ático se torn a vivo e os espectadores mudam
automati cam ente seus assentos e rearranjam o espaç o.
Comunicação visual
A comunicação com os atores por meio de desenhos de les em ação os aj uda a ver
e deixa muito claro o pintando telas com pessoas. No lI'orkshop de produção de
O casamento, na Universidade Carnegie ~ lellon , em Pittsburgh, com um grupo
de artistas, decidi dispensar quase totalmente as notas de ensaio convencionais e
concisas, compiladas pelo contrarregra , e elaborar todas as notas na forma de de-
senhos colados diariamente sobre uma grande parede. Os atores eram solicitados
a observar os desenhos como uma referência daquilo que estavam fazendo, e os
6.8 - Desenh os de atriz co m casaco
21 7
Imagens símples
Edward Go rdon Craig (1872-1966), prim eiro verdadeiro cenógrafo no sentido
holístico, refletiu profundamente sobre a relação entre o artista visual e o ator" .
Craig tende a ser repudiad o e co nsiderado um excêntrico rebelde cujo objetivo
era o de se livrar dos atores e su bstituí-los por su pe rma rione tes que ele poderia
co ntrolar. Ta realid ad e, não era isso o qu e esse artista visioná rio, filho da fam osa
atriz ElIen Terry, estava propondo. Ele escreve u muito e co m grande discer-
nim ento a respeito de atores e int erpret ação e, co mo dir eto r/cri ad or , oferec ia
co me ntários diretos e sim ples para os atores. Alguma s ide ias dele são tão co ntem-
porâneas qu e poderi am ter sido redigid as hoje. Em 1928, a ca rta esc rita para u ma
atriz que rep resentava lad y Ma cbeth a aconsel ha a não se preocupar com o fato
de os cenários não parecerem adequados: "Os cenários NÃO TÊ~ I If,IPORTÂ, e lA,
são um a besteira; eles jamais tiveram ou terão importância on de uma at riz esti-
ver para enlevar "!' ,
Josef Svoboda (1920-2002), grande arquiteto, ce nóg rafo e diretor tch eco , em seu
teatro Laterna Ma gika, em Praga, sofreu do me smo m al-entendido. Ele de senvol-
veu o ní vel mai s sofisticado de lu zes e projeções, incluindo o uso de proj eções
simultânea s em tela sinc ronizadas co m as ações cê nicas. Su a tecn ologia era tão
avançada qu e ele era capaz de ter lu zes específicas fabricadas de acordo com
suas próprias diretri zes. Em 1999, na retrospect iva de obras teatrais na Pragu e
Quad rennial, Svoboda estava em um h umor reflexivo. Pergu nt ei-lhe a respeito de
seu trabalh o, qu e ele realm ente estimava , e ele me cha mo u a atenção para um a
imagem sim ples: as costas de um ator su bindo um a grande esca da ria, soz in ho, no
escuro, no palc o de Édipo Rei, de Sófocl es. No s degrau s, as dobras de seu casaco
descartado capturavam a lu z, falando de maneira eloque nte a respeito da derrota.
Essa ima gem poética perm an ece co mo uma das mais poderosas de nosso tempo,
onde o cor po do ator, em síntese co m a lu z e a ce nog rafia, tran smit e co m pleta-
me nte o m om ento dram ático" .
30 Edward Cordo n Craig, 0 11 lhe Arl af lhe Theaire, London : Routl edge, 2008 .
31 J. Mi ch ael Walton , Craig 0 11 Theatre, Londo n: M ethuen Dram a, 1999, p. 178.
32 C iorgio Ursini Ursi«, JosefSvoboda:sc énographe, Paris: Union des th éâtr es de l'Europe,
1992 , p. 37·
218
 nsia pelo íntimo
o ce nógrafo qu e trab alh a co m o ator, co mo o pintor qu e trab alha co m u m pincel
so bre a tela, deve perceb er , m edi ante obse rvação e a no tação m eti culosa, o que o
ator po de trazer para a c riação. O ator aprese n ta um m ovim en to leve e ligeiro?
Pesa do e grave? Ele co nsegue se tra nsformar e m o utra pessoa co m facilidad e? É
acrobá tico? Os atores conte m po râ neos precisam ser profi cientes e m inúmer as ha-
bilidad es: ca n ta r, dan çar , se r fisicam ente aptos (m u itas vezes a ponto de pa recer
co rre re m peri go), sabe r co m o lu tar, de safiar a gravidade e, claro, ar ticular as fal as.
O ator traz uma sensaçã o de risco para a a re na, e essa é u m a qu alid ad e especia l
da experiê nc ia teatr al. Apesar da globa lização do s produtos music ais, ainda há
uma ânsia pelo íntimo, pel o bruto, pelo se r hum ano ca paz de atua r usando hab i-
lidades físicas o u ci rce nses: recursos sim ples qu e ele triza m o especta dor. As vezes,
é uma rea lida de in evitável qu e os figurin os tenham de ser desenhad os, os ma te-
ria is co m prados e os o rça me n tos feit os m u ito an tes de os atores serem realme nt e
esca lados, e isso pod e pro vocar problemas e nor mes. 1 o e n ta n to, também pod e
acon tece r de os ato res parecer em ou sere m ca pazes de par ece r exata men te co mo
os desenhos, resu ltando e m u m casame n to perfeito .
33 Níkos Kazautrikis, Christ Recruciiied. tradu ção para o inglês ele lonathan Criffin,
London : Fabcr anel Fabcr, 1962, p. 28.
220
1-
~(5 . .J 1~ 11
6.9 - Desenh os de figurino para Danul a Stcnka, em Vicl or)', de Iloward Barker
221
de época foram maravilhosamente confeccionados por um sapateiro artesão, a
partir das melhores sedas e couros, em cores maravilhosas, e estávamos pedindo
para que elas os estragassem. Havia uma preocupação justificada de que o calor
dos refletores do palco secasse a terra e ela ficasse poeirenta, afetando as cordas
vocais e as gargantas do elenco; assim, adotamos um chuveiro em forma de barra
e começamos a irrigar a turfa, fazendo-a ficar mais barrenta. Procurei mostrar
fotografias das consequências da guerra, com corpos e artefatos deixados na terra
para apodrecer, e fui recebida com certa hostilidade. Achamos que teríamos de
abandonar a ideia, que tinha parecido tão simples, quando, de repente, Danuta
Stenka, no papel da personagem que estava procurando o corpo de seu mari-
do morto, lançou-se fisicamente sobre a terra e, de modo espontâneo, começou
a cavar com as mãos, fazendo sulcos e cobrindo de sujeira seu puritano traje
branco e preto (F igur a 6.9). laqueie ato, ela aliviou completamente a tensão
que tinha se estabelecido, e, sem nenhuma das nossas complicadas explicações
intelectuais, demonstrou a força do sentimento do ator usando o material de
maneira livre e arriscada. Depois de ter feito isso, o restante do elenco percebeu
que o ato de estragar os figurinos era uma vantagem . Parecia que os pés e as bai-
nhas das atrizes pertenciam a tempos passados e desfavoráveis, e que suas cabeças
pertenciam ao presente e ao futuro . A peça é ambientada precisamente naquele
momento da história inglesa. Aquela reação forte intuitiva é um lembrete, para
todos nós , que atores falam em termos de sentimento, e isso é algo que não deve
ser ignorado. Em geral, um sentimento e uma reação intuitiva são pontos positi-
vos para se trabalhar, de modo que o espaço cênico se torne um habitat natural
de propriedade do ator.
o ator é a ponte
Trabalhar com atores e en ten der sua disciplina é um a part e realm ent e im po rtan te
no portfólio de habilidad es de qu alquer cenógrafo. O ator sem p re é parte de um
qu ad ro maior. O probl em a é qu e o ator não consegue ver o mes mo qu ad ro qu e o
público . Para solucionar isso, o ce nógrafo e o ator deve m traba lhar em parceria, o
que significa qu e os dois lados precisam co m pree nde r o ponto de partida de ca da
um . O s ce nógrafos têm de en tender qu e um co lega nã o visual , qu e pod e nã o esta r
capac itado para olhar, mu itas vezes ac ha difícil ler desenhos e en tende r co mo
a imagem no pa pe l pod e se relacionar ao personagem qu e ele vai representar.
Freque n teme n te, m esm o os espec ializados ama ntes da arte leem os títul os an tes
222
de olhar para as pinturas em uma galeria de arte. Willi am Hogarth (1697-1794),
gran de cro nista do dia a dia londrin o do séc ulo XVII, dese nvolveu um código
gráfico em sua série sobre a vida em Londres. Nessas im agen s, cada pessoa é 11m
ator, claramente desatento de si mes mo e do caos em qu e está vivendo. I-I ogarth
é o espectador, exam inan do as diversas pequ en as ce nas, tod as acon tecendo si-
multaneamen te; seu olhar, objetivo e frio, registra tais mom entos cênicos, que
atualmente existem como um mapa que orienta os observadores contemporâneos
através das ru elas som brias e labirínti cas da Londres em briagada de gim. Hogarth
utiliza as esqu isitices, deformidades e ca racterísticas de cada ator co mo estru tu-
ra de suas com posições, be ne fician do-se da força física das figur as entrelaçadas.
Você pode desenvolver um sistema contemporâneo de notação visual que pode
ser útil para os atores nos ensaios, expondo a aparência deles em relação aos ou -
tros e no con texto do quadro cênico. Ind ep end entemente da discip lina - ópera,
dança , mús ica, drama ou cabaré -, o ator é a ponte entre o palc o e o espec tador
e, como todas as pontes, há um po nto de encontro no ce ntro.
ESPECTADORES
o GRANDE MISTÉRIO
o trabalh o do ce nógrafo só se co mpleta quand o os primeiros espec tadores ocu-
pam o teatro e chega o mom ento de torn ar públicas as sema nas de preparação
privada . Sen tados no m eio do públi co, o diretor e o ce nóg rafo podem ver se a
peça, que parecia tão precisa na privacidad e da sala de ensaio, conseg ue ser clara-
me nte en tendida. O processo de criação teatral só se co mpleta qua ndo os espec-
tadores se torn am parte do evento, e um a nova fase do trabalh o co meça quand o
a montagem passa do sub jetivo para o objetivo. A partir desse mom en to, as ideias
do texto, a pesqu isa, a cor, a co mposição, a direção e os atores são julgados pela
visão e a au dição dos espec tado res. Nas aprese ntações, toda a produ ção int egrada
pode ser vista de ma ne ira crítica e distinta cada vez, comparando-se as reações de
um grupo de espectadores com outro. A inten ção de cada mom ento ficou clara?
A ideia teve a reação emocional esperada? O públi co foi levado ao mundo cria do
na peça? Tu do poderia ter sido mais bem posicion ado e com posto?
Educando o público
Nos teatros come rciais de grandes cidades, é difícil ter qualquer contato direto
com o públi co, só sendo possível julgar o impacto da obra a parti r da duração dos
aplausos no final. As peças em turn ê oferece m a oportunida de ún ica de sermos
hóspedes de um a cidade e, por meio de bate-papos após o espetác ul o, nos colo-
carmos em contato direto com o públi co. Isso desen volve um a fidelidad e que es-
timulará a audi ência a continua r voltando para assistir a outras produções, dep ois
que ela se famili arizar com o espírito da companhia. O trabalh o educa tivo co m o
públi co possui benefícios mútuos. Ele pode assistir às montagen s sem ter de viajar
para as grandes cidades, e a companh ia teatral pode obter feedback direto e ser
capaz de avaliar como o espetáculo foi recebido e utili zar essa inform ação no mo-
mento de plan ejar futura s turn ês. Um program a de educação e difusão integrad o
ao trabalho da companh ia teatral, com todos os seus m embros comprome tidos
em participar de sessões e conversas de conhec ime ntos profission ais em grupo
226
ou individualmente é uma man eira importante de atrair públi cos no vos e jovens
pa ra a descoberta de uma ativid ade gru pal agrad ável. Costumava-se achar qu e a
ma gia do teatro seria de struída se os segredos fossem revelados ao público. Muito
pe lo contrário. Ele fica fascin ado ao ser adm itido nos bastidores para ob servar
co mo um a peça é visuali zada e ver as maqu etes e os de senhos. Fica enc antado
co m o proc esso, e isso influencia muito a maneira como recebe o trabalho . Ele já
terá um a no ção de envolvim ento e entendime nto. Quando, por meio de conver-
sas após o espe tác ulo, os ator es, o diretor e o cen ógrafo se reúnem com o público ,
este vê os ator es qu e acabaram de dei xar o palco em seu personagem e com o
figurino reaparec erem alguns momentos depois como pessoas comuns, em seus
trajes de rua, cansados, ma s felizes de participar daquela conversa. Subitam ente,
os pap éis se invertem, pois, dessa vez, é o público qu e deve atuar para a com pa-
nhia e fazer perguntas a respeito da montagem.
Só estou interessado em teatro físico e só vejo teatro físico. Só vim assistir a essa
peça porque está no plano de estudos do meu curso. Ma s quando vi aqu ela
garota entrar pela porta, com toda a luz ch egando atrás dela, disse para mim
mesmo : há um problema aí. Então, quando vi a mulher de Soln ess en trar,
pen sei: nã o posso culpá-lo pelo fato de ela ser tão infeliz, e quem gostaria de
viver com algu ém como ela ? E, então, quando descobri qu e eles com eçaram a
vida conjugal morando na casa dos pai s dela , qu e se incendiou e seus bebês
morreram , pensei: não posso culpá-la por ser infeliz, pois ela realm ente jama is
teve uma chance.
Então, sem tomar fôlego, ele prosseguiu e resumiu todo o enredo da pe ça, dizen-
do: "só gosto realm ente de teatro físico , ma s ach ei esse espe táculo ma gnífi co ".
O jovem foi aplaudido de pé por sua atu ação, por nós no palco e pelo resto do
público.
227
o elemento ausente
o púb lico, pa ra qu em tod o o esforço de meses de trabalh o foi feito, perm an ece
um mi stéri o: um gru po de pessoas díspares qu e decidir am fazer a m esm a co isa
na m esm a noite e se reúnem em um grande espaç o cha mado teatro . Quando
ch egam , são todo s estranhos distintos, mas, em segu ndos, torn am-se um a co m u-
nidade : um públi co que os atores rapidamente descr evem com o bom ou mau, um
pouco preguiçoso esta noite, um tanto enfadonho ou realmente rápido e brilhante.
Isso oferece um nom e e uma iden tidad e a esse conceito abst rato do qual o públi-
co em si não tem consciência. Há um momento no processo de ens aios em que
os atores não conseguem fazer mai s nada com o mat erial, a não ser apresent á-lo
diante do ele me nto au sente: o público. Tão há fórmula infalív el de como agradar
uma plateia, em bora existam muitas teorias. A solução de Shakespear e foi ter um
personagem qu e apa recia no fim da peça co m UIll epílogo em qu e tod os eram soli-
citados a apl audir. Algumas pessoas são mais cí nicas em relação ao público .
o escritor austríaco Thornas Bernhard , por exem plo, também pessimi sta a respei-
to do valor do aplauso do público , descreveu em seu po em a "L e But ":
As pessoas não entendem nada, mas aplaudirão até a morte; se tiverem vontade
de aplaudir, aplaudirão as coisas mais absurdas; aplaudiriam até mesmo seus
próprios funerais; aplaudem todas as bofetadas que recebem; uma bofetada as
atinge da ribalta e elas aplaudem; não há perversidade maior que a perversida-
de do público teatral" .
O s atores precisam ser m uito receptivos e co nscientes e estar pron tos para reagir
ao público, qu e se co m por ta de man eira difer en te todas as noites. O público é vo-
lát il, imprevisível, presente; respira o me smo ar dos ato res. Pode ser influenciado
adv ersam ente pelo tempo, pe lo trânsito ou por muitas outras condi çõ es pessoais
exte rnas sobre a qual a com pan h ia teatral não tem co ntrole. Há sem pre uma sen-
sação de tensão e excitação no s doi s lado s do espaço cê nico, e uma an siedade por
parte do público quando ele se pergunta se a noite qu e sacrificou vai corresponder
a suas expectativas. Quando funciona , e públi co e ator se ligam atrav és da linha
divisória do palco para a pla teia e vice-versa, ambos se tornam um, e os dois lado s
sabe m disso. O espe tác ulo converte-se em um a expe riência úni ca e ine squ ecível.
22 8
Quand o realmente fun cion a, os ator es e a equipe de produção sabe m qu e entra-
ram em co ntato com espectadores an ônimos e, no tempo dramático da apresenta-
ção, chega ram a conhecê-los e a afetá-los de um a maneira qu e só pod e aco ntece r
quando o públi co receb e a d ádiva de um a apresentação teatral ao vivo.
Posteriormente, Weige lme deu um livro de dese n hos de Tadeusz Kul isiewicz,
artis ta gráfico polon ês, registrand o a atuação de \ Veigel co mo ivlãe Coragem
na excursão do Berlin er pel a Polôni a. Esse livr o é o m eu tesouro mai s pr ecio-
so, e me in sp irou a registra r e desenhar os atores em prepar ação e em e nsaio.
Weigel não apenas m e deu o livro , mas, vendo qu e e u era jove m e tin ha mu ita
von tade de ap re nde r, trouxe-me a blusa qu e llSOU e m A mãe e o casaco qu e
usou como Mãe Coragem e, dessa ma neira, ap resentou-me à arte de Caspar
Nehe r, que tin ha m orrid o em 1962. Weigel me ofe rece u a compree nsão de
que tud o que é exibi do no teat ro de ve estar co rreto de todos os pontos de vista
- dos atores. dos espectadores, do cenógrafo e dos técnicos - e que devemos
sempre fazer perguntas a respeito do m e nor de talhe, até que todos fiquem
satis feitos. Ali estava e la, representa nd o Volú m n ia, um papel épico, mas pres -
tando a te nçã o no obj eto m ai s humilde. O m a is im po rta n te e ra formular a per-
gu n ta: "O que qu eremos qu e o espectado r entend a di sso ?". Weig el m e passou
um a blu sa e pediu para e u se n tir o tecido, e m e rev el ou que le h e r se m p re
esfregava o m at erial e n tre os dedos d e uma m an eira se ns ua l. E ra fund am ental
am ar o m at erial. Ela m e falou a resp eito do longo tempo qu e haviam pas sado
fazendo expe riê nc ias com a blu sa, poi s qu eriam qu e o p úblico entendesse
im ediat am ente sua hi stór ia , qu e n ão se ria co n tada n o palco . Tempos depois,
li essa d escri ção, que co rres po n de palavra por pal avr a ao qu e \Vei gel di sse para
mim e jamai s esqueci :
[A blu sa] era para ser azul, ma s azul como calic õ que foi para lavar centena s
de vezes. Outrora, tinha tido um padrão? Ainda era visível? Tinha um tom
de azul ou cin za ? Paim [o tintureiro] fez testes e manipulou a blu sa atra vés
de todo s os estágios conc ebív eis. Luxo com material não luxuoso . No fim, foi
a blusa mais bonita da história teatral.
As ve zes, as coisas mai s sim ples são as mais in esqu ecíve is: belas porqu e são
verdadeiras. Quando esse c ur to aprendi zado c hego u ao fim , H el en e \Vei gel
di sse par a e u m e lembrar de qu e a "c riação e n volve torn ar d eci sões, e tom ar
d eci sões é o refl exo d e uma visão pessoal " .
O s cenóg rafos vive m na corda bamba: estão e n tre se re m bon s cola b o ra d o res ,
capazes de compartilhar e endossar as visõe s de outras pes soa s, e , ao m esmo
tempo , manter em control e de su a pr ópria c riatividade . Normalm ente , essa
fru stra ção se con centra m ai s vigo rosa me n te sob re com o a peça d ev eri a se r
montada e apresentad a para engajar um p úbli co co n te m po râ n eo. Em geral ,
um diretor voltado ao lit er ári o , m esmo qu e visualmente con sciente , es tá in-
ter essad o principalm ente e m es cala r bem o e le nco e realizar uma bo a pro-
dução . Um ce n óg rafo espacialm ente co nsc ie n te pod e se perguntar como um
bom ele nco e urn a boa produ ção pod em se r a in da mai s a prim o rad os p elo es-
paço cênico , util izand o o públi co como co m po ne n te visua l no pr oj et o. Uma
da s atrações de um espaço teatr al não co nve nciona l é qu e isso u ne atores e
especta do res em u m a ave n tura e explo ração co n ju nta do espaço . Os espec ta -
dores parecem dispostos a se ave n tura r par a assistir a montagen s no s espaços
mais dista ntes e in comu ns, deslocand o-se par a pedreir as, pi scinas e m su búr -
bios , hangares de aviões, lagos e ilh as. Os espec ta dores e os atores to rn am-se
parte do pla no ce nog ráfico, em um espaço cênico fluid o, sem um ponto de
vista fixo, co m u m teatr o de palc o ita liano . E m ce rto m om ent o, os espec ta do -
res podem se ve r em íntima proxim id ad e física co m os atores e, no mome nto
segu in te, bas tan te distantes. E les deve m aceita r qu e, nesse tip o de teat ro , não
vão necessa riame nte ver tud o, no mesmo n ível, o te m po todo . Rap ida m en te ,
aprendem a não espe rar qu e ca da de ta lhe da hi stória se ja ilus trado par a ele s,
e tam pouco que o palco se ja pr ee nch id o com a evi dênc ia op ressiva de um
gra nde orçamen to de prod ução, m as são cap turados por u m a sensação do
eve n to ou da ocas ião e pel a expec tativa de um a n ova experiê ncia . Isso não é
m elhor ou preferíve l qu e u m bom teatr o, aprese n ta do em um palc o ita liano,
mas im põe u m desafio para que as mon tage ns co rres ponda m às expecta tiva s
sem pre renovadas do públ ico.
Um narrador visual
In depe nd ente m ente da forma de teat ro escolh ida co m o ade qua da para a
pe ça, ela deve a juda r os espec ta do res a se conce ntrare m n o texto, sobre tudo
se tiverem a c ha nce de assisti r a um trab alh o novo ou estran ho. A form a e m
si é capaz de se torn ar part e da estru tura dr am áti ca e, às vezes, isso po de pro-
porciona r soluções alte rna tivas par a e ncenar peças qu e for am an ter io rmen te
classificadas como probl em áti cas. Ocas iona lmen te, gos to de espec ula r a res-
pei to de pro jetos, sem as restr ições e ans ie da des das produ ções rea is. Te n to
perceber se ex iste m m anei ras de rep en sar aque las su pos ições, e m especial se,
apa ren temen te, a peça pr e cisa ter um públi co muito m a ior. Gosto de inves ti-
gar, na privacida de do ate liê, as po ssib ilid ad es de un ir o públ ico e os atores em
um espaço, co ncen tra ndo o olha r daqu el e e m um eve n to, só para su rpree ndê-
-lo ao cr iar ou tra ce na, desp er cebid a, que levar á a hi stóri a ava nte de m an eiras
ta lvez ines pe radas . Esto u inter essad a em co mo a ce nogra fia se torna o na rra-
dor visua l, e o ce nógrafo, o ca rtógra fo do espaço, e em qu ão rap ida men te o
público pod e apre n der as regras do jogo e o qu e se espe ra del as.
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7.2 - Desenho da ap resen tação de Apocalipse 1.11 , no C uarte l San C arlos, e m Ca racas
Perigo
Refleti a respeito desse tema como espec tadora ao ver o Teatro da Verti gem , do
Brasil, apresentar sua peça Apocalipse 1.11 no C ua rtel San C arlo s, em Caracas.
Era uma visão extraordiná ria. C ent en as de pessoas grita ndo , brigando e protes-
tando para entrar na prisão de San C arlos: um a horripil ant e construção do séc ulo
>-'\1111 , de onde, em tempos passado s, ce ntenas de prision eiros se esforçava m para
fugir. De fato, era o espaç o mai s ic ônico em qu e eu já tinh a estado. Ironi cam ente,
exigia-se cond ução com gu ia para se chega r até o local, e a com pra do ingresso só
torn ava a entrada mais desejável. Todo s alme javam a expe riênc ia do enca rce ra-
mento temporário. Ge radores importados permitiam a iluminação do prédio , que
normalmente não tinh a eletricidade , suavizando seu perfil opressivo e dilapidado
contra o cé u noturno e criando uma atmos fera sedutora e rom ânti ca naquela casa
do horror. Os privilegiado s donos de ingresso entravam passando por gua rdas e ca-
cho rros em um p átio. Então, viam uma garota fran zina sentada sobre a cumeeira
do telh ado, desatenta à multidão expec ta nte abaixo. Lentam ente, as apa vorant es
port as de entrada era m abert as, e nós, os espec tadores , nos torn ávam os parte da
história, sendo conduz idos a um espaço qu e jam ais veríamos em outra situação,
que fora preparado de modo enge nhoso e hábil para nós. Uma vez no espaço,
estávamos no mundo compa rtilhado do ator e do espectador, pa rticipa ndo de um
jogo em que não co nhecíamos as regras com antecedênc ia, mas, ao comprar o
ingresso, tín ha mos esco lhido jogá-lo.
É um jogo peri goso, física e em oc iona lme n te. I ós, os espec tado res, devem os
ser ativos. I ão há esca pa tória. É impossível recostarmos em assentos de veludo
vermel ho e , durante momentos int ermináveis, devanear ou dormir, despertando
alg um tempo dep ois tend o perdido muita co isa. Naqueles espaç os confinados,
os atores ficam tão próxim os de nós fisicam ente qu e nos tornamos part e da ação
observada pelos ou tros espectadores. ossos direitos foram tirad os e devemos agi r
como somos co ma ndados.
Isso traz de volta para a discu ssão teatral o conceito de peri go; ou se ja, o ator com o
um se r imprevisível e extravagan te ca paz de manipulação física e m ental. Nós
nos des locamos pelo espaço de m od o dócil e passivo, su b juga dos pela von tade
dominan te dos nossos sen ho res temporári os. Uma rota foi pr ep arad a para nós e,
como prisioneiros, apren demos com rapi dez as regras básicas de sobrevivência.
O ator é o che fe, e a prim eira co isa será sair do cam in ho se estivermos situa dos
involuntari am ente onde o ator precisa estar. Abrimos ca m in ho par a um gru po
de atores nu s, co rre ndo no m eio de espectadores parados; e, mil agrosam ent e ,
isso fu nc iona (Figur a 7.2). O s ca m in hos apa rece m, os espaços se alargam e se
reduzem, como gotas de óleo Autu ando sob re a água. A Auidez do espaço sempre
renovado substi tui o dese nvo lvimen to textu al, literár io ou narr ativo com o qua l
estamos acos tu ma dos no espaç o teatral , dividid o e conve nciona l. Há muito pou co
desenvolvim ento psicol ógico ou de ca ráter en tre os person agen s, pois esse teatro
de evento exige um tipo de periormance expositiva , de máximo volume. Um a
forma distinta de temporal idad e é aprese n tada: uma em qu e o passado e o pre-
sente são reun idos de u m a man eir a provocativa e desafiad ora, que é a reali dad e
do momento. Não há h u mo r nem alívio. Pensei a respeito da máxi ma de Bertolt
Brec ht de qu e "u m teat ro em qu e não se ri é um teat ro para se rir"" , e repri mi o
dese jo el e rir an te o ridícul o do even to.
No entanto, co mo os an tigos teat ros de fant och es Punch and [udy ou Le Grand
G uig no l, essas perlormances em ble má ticas falam aos pen sam entos mais profun-
dos em nós, prisione iros sile nc iosos e ate ntos, efe tivando e co nc ret iza ndo nossas
imagens de son hos e fantasias de ma ne ira sur p ree nde n te . O som e a luz se tor-
nam os m eios ce nográficos qu e anim am e nos co nd uze m atr avés do s espaços.
N ossos se n tidos visual e auditivo são m anipulados par a se co nce n tra r no s obj eto s,
3; Bertolt Brecht, iVlessingkauf Dialogues, traduzi do para o inglês por [ohn Wil lett,
London: Methuen, 196, .
reai s o u co ns tru ídos, qu e tran smitem um signi fica do m et afóri co n o espaço a lé m
de sua realidad e. Fr equentem ente, a iluminação sú bita de um o b jeto co n trasta
viole n ta me n te e m escala co m a a rqu ite tura iluminad a e co n ta toda uma hi stóri a
qu e as palavras não co nsegue m tran smiti r. Nossa ate nção é a traída pel o som de
algo m ui to agitado , um rato-prisio neiro, vivo, con fina do em u ma ga iola , ten tan-
do cscapar de m an e ira desespe rada, na ex tre m idade de U III ime n so cspaço dra-
m át ico: o abando na do refeit ór io da prisão, co m se u alto tet o ar queado real çad o
co m lu z e so m bra . A manipula ção da escal a n o int eri or do es paço a rqu ite tô nico
provoca um co n fro n to e n tre o espectado r e a im agem nã o verbal , qu e desa-
fia d iret amente a per cep ção a respeito de o nde es ta mos e d o qu e e n te ndemos
da imagem. M ed iante essa inter ação de lu z e som , os seg redos do es paço são
revel ad os.
Invenção cênica
A m o nt agcm venezuela na de Variaciones sobre un Concierto Barroco, do arqui-
teto e ce nógrafo Edwin E rminy, começou co m pesqui sas se melha ntes e co m
a reali zação de pequen os workshops expe rime n ta is com a tores e espec tado res,
O s arqu ite tos são en sinados a co ns ide rar o Auxo de pe ssoa s através do cspaço, o
posicion amento, a manipulaçã o e a m ovim entação do públi c o co mo parte da
invenção cê nica . Os especta dores, alhe ios ao se u import an te pap el , são trat a-
dos como fu nda me nta is para a h istóri a e, n essa co nvicção, o espaço cê nico un e
grafica me n te o doador c o rec eptor . O texto foi ada pta do do romance C oncerto
barroco, dc Ale jo Ca rpe n tie r, esc ritor c u ba no ligad o à co rre n te d o reali smo m á-
gico, se ndo uma peça de jornad a qu e se desloca no tempo, de 1704 até os dias
de ho je, e no espaço, incluindo América Latina, Espanha e Veneza, onde a his-
tó ria se interrompe, m as não termina. D esde o início, decidiu-se desenvolver o
trabalho e m um grande cspaç o vazio , onde os asse n tos poderiam se r arranjados
e rearranjad os de acordo com a co nve n iê nc ia. O espaço cên ico é d efinido por
nada mais que doze velhas por tas de m ad eira pintad as de vermel ho vivo: algu-
mas ficam deitadas sobre o piso, sob re paletes usado s, para se torn arem palcos
distin tos, e outras ficam fixada s verti calm ente em estru turas de anda im e. O local
tinha de ter basta nte espaço para os atores utili zar em toda a diagon al como um
eixo pa ra a ação da peça. A co r, um vermelho vivo, é utili zada para uni r as áreas
de assento do público com o espaço cên ico, cob rindo todos os assen tos com trajes
vermel hos: capas com elásticos, especialmen te co nfeccio nadas em um tam anho
universal para se a justa rem a ca de iras e co n juntos de assentos. o teatro vazio,
essas 350 ca de iras verm elhas lembravam , de modo sinistro, uma plat eia silenc iosa
de mu lhe res em trajes de Aam en co espe rando a tourada co meçar. As port as são
tanto en tradas como saídas. Gra nde atenção é dada à chega da do públi co ao te-
atro . As pessoas são convidadas a en trar e desempenhar seus pa pé is. O públ ico é
primeiro agrupa do na frente do teatro, mas, em vez de en trar pelo saguão, é con-
duzido através de um a port a dos fund os para áreas técni cas do teatro raramente
vistas e, em segu ida, para o auditório. No ca m in ho, os especta dores atravessam
u m co rredo r onde podem vislum brar o artifí cio do teatro , perceb endo um a ins-
talação co nstruída de ade reços e figurinos descart ad os e ped aços de ce nário de
óperas passadas, levem ente ilu m inadas. Isso tem um a aparênc ia de semiacabado
e temporá rio, mas, quando o púb lico chega m ais pe rto da entrada, a instalação se
torna m ais específica. Filas de assentos de teatro de veludo vermelho supérfluos,
com um a gaze jogada sobre eles, e iluminados por um a luz azul a partir de baixo,
apo iarn um minúscul o bar co feito de restos de madeira encontrados no chão da
oficina. Imediatam ente, os espectadores de passagem reconhecem aqu ilo co mo
um oceano. Um can to m isterioso é ouvido fraca me nte à m edid a qu e o pú blico
se aproxima em fila india na e ingressa por um a port a verme lha mantida aber ta
po r um a atriz, qu e recepcion a cada especta do r indi vidu alm ente, co mo se fosse
seu co nvidado pessoal. Isso é reali zad o no idiom a local, e o públi co fica sur preso
e enca ntado co m o esforço da atriz para falar co rre ta me nte. A an fitriã apr esenta
seus convidados U IlS aos outros, ao acaso, tom ando cu idado para não co nstrange r
aq ue les que só querem se sentar, sem participação. Nos vinte minutos reservad os
para essa entrada do público, a noção de teatro co mo cele bração é firm em en te
estabelecida, e o públi co está mais do qu e pronto para desempenhar seu pape l.
Ind ep endentem ente das previsões som brias de qu e os espe ct adores não qu erem
ser envolvidos, nos diversos países visitados, esse recurso jamais foi um probl em a
e sem pre fixou o tom para conta r um a história forte e vertiginosa co m tem as
po líticos e culturais. J o espaço cê nico diagon al , no ce ntro, há outra mo ld ura de
po rta vermelha, sem esta r presa a qu alquer su por te, co m a port a feita de peq uenas
molduras sem vidro e qu e se abr e para um pequ en o espaço cê nico vazio. Os
atores, por meio de suas ações, convence m o público de qu e a abe rtura da porta
indi ca um interior ou um exterior mediant e a direção para a qu al eles caminham .
Tudo e todos qu e ope ram o espe tác ulo - polias, co rdas, co rtinas, técni cos e con -
trarregragem - são visíveis para o públi co, qu e fica intr igado pela magia sim ples
apresentada dian te de seus olhos.
Um banquete de delícias
O público é o co nsum idor : co nsc iente e sofisticado . Para alguns, é muito envol-
vente ser um espec tador observando pessoas fingirem ser outras pessoas. Alguns
24°
espectadores se irritam qu ando um ator fala com eles. A performance ao vivo
exige um a ligaçã o direta entre o doador e o rec eptor e invad e a privacidad e pes-
soal. It o oposto do relacion am ento indi vidu ali zado a partir de um asse nto para
uma tela . Eles espe ram qu e a tecn ologia moderna este ja a seu serviço, de mo do
qu e possam participar sem esforço. Procuram m agia , enca n ta me nto, tran sform a-
ção e efeitos cê nicos qu e impression em o olha r e confor tem o espírito. Também
procuram a opo rtunidade de ser tran sportad os de suas próp rias vidas para ou tra
rea lida de por pou co tempo. Isso pod e ser alcança do m edi ante m eios elabo rados
ou sim ples. É nesse caso qu e o ce nó grafo desempenha um pap el importante.
Grandes somas de dinh eiro pod em ser gastas para imitar a realid ad e, utili zando
efeitos e ma quinaria cê nica qu e se tornem as estrelas do sliow, ou o cenógrafo
pode ut ilizar a inven ção e as ilusões de esca la para proporcion ar um banquete
de del ícias para o públi co .
o elemento ativo
Isso convida os atores e os espectadores a par ticiparem do teatro co mo ce lebra-
ção, co m música, co m ida e narr ati va, valendo-se do públi co como ele men to
ce nográfico ativo. Por um curto período de tempo , os espe ctadores se permitem
redescob rir a singe leza do jogo e da ilu são. Há um a em po lgaçã o co m pa rtilha da
entre atores e públi co no encon tro m útuo em íntima proximidad e no espaço
tea tral, e sabe-se qu e, durante algumas horas, a força da produção tran sportará
tod os do co tidiano par a a terr a da imagin ação. A convicção dos atore s conseg ue
fazer os especta do res enxergare m beleza e riqu eza onde só existem trap os. As
prod uções em esca la na tura l pod em ser c riadas do nada e, qu an d o aprese ntadas
co m tot al cre nç a, criam um teatro rico como resultado de pou cos m eios. M ais
gra nd iosas que o m aior espe tác ulo, em po lgam o públi co m edi ante sua simples
invenção. Em seu poem a "Os mestres compram barato", Brecht descr eve a arte
da cenografia:
241
ENCENAÇÃO SUSTENTÁVEL
Uma ence nação deve falar com seu públi co e provocar uma reação emocional.
Precisa estar em contato com a cultura contem porânea , mas, ao mesmo tempo,
oferece r aos espectadores a oportunidade de participar de um a expe riênc ia qu e
é singularme nte teatral. Às vezes, os produtores e os criadores teatrais declaram
que sabem, ou consegue m imaginar, o que o possível público realmente qu er, e
conce be m produções em torno dessa hip ótese. Na realid ade, isso é um mistério, e
é inde finível. São tão vastas as man eiras de se fazer fun cion ar quanto o número de
pessoas que conseguem fazer isso, e tud o o que podemos esperar é que a verdade e
a paixão pessoais se comunique m com a pequ en a parcela da popul ação qu e esco-
lh e pro curar isso por meio do ato de comprar um ingresso para o teatro . Em geral,
felizm ente há algo para todos, desde obras cláss icas, ópe ras, espetác u los circen-
ses a mu sicais e trabalhos contemporâneos . It parte da respon sabilid ad e daqueles
qu e realizam essas apr esentações conside rar objetivame nte seu produto e an alisar
aqu ilo qu e ainda faz do teatro um padrão de arte viável e duradouro.
Os espec tado res são profundamente afetados pelo espaço cên ico . A esco lha do
teat ro ou do espaço cê nico pod e ser a prim eira motivação para a compra de um
ingresso. A nova Ca sa de Ó pera, no porto de Cope nhague, é parte da renovação
do antigo estaleiro naval e foi inau gurada em 20 0 5 . Com sua arquitetura de não
poupar gastos, de Henning Larsen, e as form as naturais serpenteantes e distorcidas
da iluminação escultura l inovadora de Ol afur Eliasson no saguão do teatro , os
espectado res sentem qu e ir à casa de ópera por sua arquitetura é um motivo tão
bom qua nto ir para assistir a um a produ ção. A arqui tetura se torn a o ator. Toda a
expe riênc ia - vestir-se para a peça, come r, beb er cha mpa nhe no bar ou no terr aço
qu e oferece a melhor vista da cidade cintilando à noite - qu ase suplanta tud o o
qu e pode esta r no palco.
36 [ohn McCrath, A Cood N ight Out: Popular Theatre: Audi ence, C lass, and Form ,
Lonc!on : Mcthuen , 1981.
7.5 - "Eles se esqueceram de mim ", em O iardim das cereieiras
perfeit a en tre form a e conteúdo . Su as m ontagen s, revoluc ionár ias para a époc a,
influen ciaram públi co e profission ais de tod o o mu nd o. No en tan to, em pouco
tempo, Bayreuth tornou-se parte do roteiro tur ístico musical, atrain do afic ionados
por expe riênc ias ope rísticas qu e gosta m do jogo de compa rar uma expe riência in-
satisfatória com outra. As pesadas produ ções co ncei tua is wagne rianas , dominadas
pelo dir etor , muitas vezes oprim iam os ca n tores e os músicos, co mo o com positor
co n temporâ neo C la ude Debussy (1862-1918) co me ntou: "O que ac háva mos qu e
era uma nova alvorada era de fato um ocaso".
M esm o hoje , há exem plos sim ilares dessa realid ad e importad a, com o em um
evento recente em um grande teatro , co m um palco co m pro scêni o prolongad o
on de os especta do res se sen tam nos três lad os do palc o. Ouviram-se suspiros de
júb ilo e espa n to qu ando o públi co en trou no teatro e o quadro cê n ico foi atmosfe-
ricam ente iluminado diante deles. Um a casa de campo vitoriana com um terra ço
qu e levava a um gramado real e a uma lagoa real com <igu a real. Muitos do s espec -
tado res ca m in ha ram até a frente do palco para exam inar mais de pert o. Algu ns até
subi ram no palco, caminhando sobre a gram a, pois era claram ente um territ ório
muito familiar. Eles se maravilharam com o reali smo - "exatame n te com o temos
em casa", alguns disseram - , e , em bora alguns espe cta dores talve z tivessem ficado
ligeiram ente decep cion ado s co m as m argarid as de plástico, ace itaram-nas co mo
"tão reais quan to possível para o teatro". Perc eb eram o qu e viram como real , m as
também ace ita ram a lin gua gem cên ica especial na qual as árvores e as casas vi-
torianas era m feitas de gaz e e madeira pintada. Conseguiam enxergar atrav és da
casa semi tran sparente de gaze pintad a com tijolo s vermelhos, ma s ainda a consi-
deravam rea l, em bo ra sou besse m claramente qu e não era. Para agrega r a essa int e-
ração en tre palc o e realid ad e real, o person agem morto da peça, o fantasm a de u m
vigário, apa rec ia só sobre o gram ado real, enqua n to os per son agens vivos apa re-
cia m some nte no int eri or da realidade teatr al referente à casa e às árvores em gaze .
No fina l ela tempo rad a ele qu atro sema nas ela peça, o int er esse elos especta elores
pe lo espe tác u lo ela rea lida ele no palco tinha sielo tão granele qu e a ad m inistração
decidiu que, em vez ele jogar fora a grama real , poderia, de repente, organizar uma
ação ambie n ta lm e nt e consciente e dar superfícies ele cená rio real para as pessoas
co locare m e m seus jardins, co mo lembran ças vivas de sua expe riênc ia na peça.
Di vul go u-se u m a da ta pa ra a en trega e uma fila enorme se formou fora elo teatro,
com espectado res ávidos para transplantar uma forma de rea lidade para outra. E é
essa ide ia ele tran splantar uma rea lida de para ou tra qu e é a essê nc ia do deb at e da
rea lida de. O pin tor M arc C haga lI (1887-1985) retratou sua realid ad e im agin ad a do
vilarejo de Vitebsk, na Bielorr ússia, que, de fato, era destituído das cores ou ima-
ge ns agora imortalizadas em suas p in turas. ChagalI transportava o mundo real em
sua m ente, m as e ra ca paz de exte rna lizá-Io por m eio de tinta e co r. Atu alm ente,
os observa dores leern essa tran sposição co mo reali dad e, e as image ns fam iliares se
tornaram pa rte da iconografia cenográfica.
A imaginação do público
Os espectadores são muito in flue nc iados pelo qu e vee m n o teatro e também
pel o qu e ouve m. Quando os a rtistas teat rais, liter ários o u visua is trab alha m para
construi r um mundo verossímil pa ra os atores contarem suas histórias aos espec-
tadores, esses artistas deve m considerar exa ta men te que tip o de reali da de dese-
jam cr iar. Precisam escolher ob jetos, co res e texturas qu e comu nicarão a hi stóri a
da peça para os especta dores, qu e identifi ca rão a intenção e reagir ão a ela. No
entanto, para ser real m en te poderosa, a justaposição ele objetos rea listas ou ver-
dadeiros no espaço cê nico sem pre precisa ela adição da imaginação do públ ico
par a co mple tar o qu adro. A im aginação, co mo os sonhos, fornece ma is det alh es
ela rea lidade ela viela do que qualqu e r pincel elo pin tor cênico. Considerando a
cr iação de u ma noção de rea lidade como con texto para a peça teatral, a escolha é
reali zar uma rep rodução artificial qu e represen ta a rea lida de ou inves tiga r co mo
acha r a essê nc ia do ob jeto rea l e, em segu ida, os meios apropriados pel os quais
interpretá-Ia. Um objeto, quando tira do de seu contexto normal e reaprese ntaelo
ou até mesmo transformado pelo ar tista, ad qu ire u m a nova vida e pod e per m itir
qu e os especta do res ve jam algo fam iliar co mo se fosse a pr im eir a vez . Além disso,
ao posiciona r o ob jeto de modo po ten te pa ra que se ja ú til para o texto e para o
ator, o espaço "azia também se torna po tente e pleno de significado. Torna-se
tant o o que NÃO está ali co mo o qu e EST I\ ali.
Memória e reconhecimento
o trab alh o co m a m emóri a e o reconh ecim ento é uma man eira de atingir os
espectadores de modo bas ta n te dire to. Geralmen te, a m em ó ria não é m ais do
que uma verdade recordada pela metade. Pod e parece r mais real que a realidade.
Ao m esm o tempo, a m emór ia está co nsta n te men te no passad o e no pr esente. É
a base para h istórias, anedotas e co m un icações en tre as pessoas. Con forme enve-
lhecemos, a memória de curto prazo - aquilo que aconteceu o ntem - torna-se
uma fug itiva escorregad ia; a m em óri a de lon go pra zo, no e n ta n to, torn a-se u m a
sólida companheira de vida . Objetos, co res, texturas e c heiros ativam as memó-
rias e, às vezes, o fazem de maneira tão intensa qu e u m a pequena sugestão pode
ac iona r um mundo co m ple to de lembran ças qu e parecem tão reais co mo no m o-
mento em que aconteceram . A escolha, a seleção e a co locação dos objetos em
um espaço de forma a estimu lar a memória do espectador é, e m grande medida,
part e da a rte do ce nógrafo. O trab alh o co m o reconhecim ento da co m posição
das imagens visuais é o u tra m a nei ra de ut iliza r a tin ta sobre a te la . Como nos
sonhos, nos quais a real idade é intensi ficada, os ob jetos da memória podem ser
justap ostos, remo nt ad os ou descon strufdos par a par ecer m ais exa tos o u m ais reais
do que o evento verda deiro. O ce nógrafo pod e criar um mundo eclético de ide ias
associadas mediante a utilização de objetos que , quand o jun ta dos, formam sua
nova e próp ria real idad e poética .
A recente ret om ada do int er esse pe lo trabalho do pi ntor dinamar qu ês Vilh elm
Harn m ersh oi (1864- 1916) revela um a icon ografia sim ilar. O espectado r é adm i-
tid o em um recinto fechado com u m co m um mundo m ais além visto através de
port as ou con jun tos de port as duplas e qu e co n té m ainda ou tro espaço imagi-
nado, mas não visível. As co res são obsc ureci das e tê m to ns próx imos; há pouco
drama evide n te. As vezes, no escuro, há um a figura sen tada ou um objeto dom és-
tico entrevisto. As pinturas são dominad as por um person agem pr in cipal, co m
a lu z sem pre vindo do fund o da pintura para a frent e, iluminando o mi steri oso
m undo m ais além .
38 Paula Rego, Ce lestina '« House, New Haven : Yale Ce nt re for British Art, 20 0 2.
248
a inda fun cion am dentro de toda a composição , possibilita a extraordiná ria dinâ-
mi ca da ce na. O espectador, ou observador, pod e perc eber a pintura e ima ginar o
que está aco ntece ndo atrás de um a pared e, através de um a porta ou vislum brado
co mo reflexo em um espel ho . O s estudos para as pinturas são variações do rela-
ciona mento entre su jeito/ator e obj eto e podem ser um registro de um ensa io para
atores. Esse mundo atmosférico é resumido no pequ eno desenho 'Eva Friends,
rea lizado em 20 0 0 co mo parte da série i\ casa de Ce lestina. Uma velha está senta-
da sobre um a cade ira baixa, dirigind o o olha r para o obse rvado r. Ela está exausta,
co m o pé do endo. Perto de si, sobre uma cadeira mai s alta, um homem sexualiza-
do e estranho está sentado. Há um relacion am ento entre essas du as pessoas muito
difere ntes, mas isso não é óbvio. Ele parece ao mesm o tempo jovem e velho e tem
um olhar enigmá tico dirigido para um a direção distinta. Seu s trajes suge rem um
gosto elega nte, e seus cab elos são possivelm ente enca racolados, talvez tingidos
de loiro. A capaci dade de Rego de utili zar o realism o para criar mistérios leva o
co tidiano para outro mu nd o, um mundo que só existe na que le tempo e espaço.
Felizme nte, a pintura é mai s perman ente qu e o teatro e, ao contrário dele, fica
em domíni o públi co co mo uma realidade, e nã o como uma mem ória.
25°
que jamais chegam a desfazer suas bagagens e quc estão sempre prontas para par-
tir. Uma velha geladeira , cheia de porcelana antiga , trazia à tona a memória das
pessoas a respeito dos hábitos de seus avós. A visão minúscula dos arranha-céus de
Nova York, feitos de sacos de papel pardo , trazia à memória dos espectadores o
quão insignificante a cidade era para aquela geração de refugiados. É uma diversão
ccnogr áfica criar essas vinhetas diretamente no espaço, caçando objetos sem gastar
muito dinheiro, e entrar na vida dos personagens que o habitam. Os espectadores
gostam de ter a oportunidade de percorrer o espaço cênico e tocar os objetos, que
não perdem nada de sua magia teatral - ao contr ário, despertam nos espectadores
suas próprias memórias. Ele s têm a oportunidade de ver o mundo através dos olhos
dos personagens da ópera e identificar situações que estão incorporadas à memória
como uma velha fotografia desbotada, que parece mais real do que uma versão
digitalizada colorida. Era uma descoberta real observar diretamente que deixar os
espectadores entrarem no assim chamado mundo mágico dos bastidores só melho-
ra sua experiência de assistir às periormances subsequentes. Eles se sentiam parte
do evento, participantes familiarizados com toda a experiência, refutando o antigo
mito de que o que acontece nos bastidores é somente para os cozinheiros. O casa-
mento foi concebido para ser montado em um espaço fabril retangular, e requeria
que os espectadores olhassem primeiro em uma direção e, em seguida, fossem
capazes de se virar facilmente em seus assentos para olhar na direção oposta. Isso
destacou novamente a incompatibilidade entre o trabalho em espaços flexíveis e a
rigidez dos convencionais assentos dc poliuretano unidos cru uma arquibancada.
A pesquisa atual para o desenvolvimento de uma forma barata de assento de pape-
lão, que atende a todas as normas de scgurança requeridas, podc ser uma solução.
Esse sistema permite que os espectadores virem seus assentos individuais por meio
do próprio peso corporal, ainda que por motivos de linha de visão esses assentos
devam ser colocados em arquibancadas padrão. Há a possibilidade de que esse
assento possa ser desrnont ável e fabricado de modo tão barato que os espectadores
podem incluir seu valor no preço do ingresso e levá-lo para casa depois .
Salônica, norte da Grécia, final de junho de 2005. Em uma noite fria e vento-
sa, seiscentas pessoas subiram a encosta de uma colina escarpada na direção da
ex-prisão da cidade. Elas pagaram para entrar no lugar em que, duzentos anos
atrás, as pessoas teriam estado dispostas a pagar qualquer preço para escapar. Há
agora uma pequena praça onde os carros podem ser estacionados: antes, aquele
era o ponto de encontro dos prisioneiros prestes a ingressar naquele lugar som-
brio. Uma taverna local está ansiosa por fazer bons negócios. Os espectadores
se sentem curiosos e ansiosos. Alguns vieram por causa da ópera, outros, apenas
por causa da experiência de conhecer o interior de um edifício proibido que,
outrora, hospedara alguém que conheciam. Como não há bastidores, todos os
atores devem estar em seus lugares antes que os espectadores sejam admitidos a
algo que parecerá ser um espaço vazio. Um pátio possui tendas que servem como
camarins para os atores, um vestiário temporário, uma oficina de reparos rápi-
dos e outra tenda, mais arrumada, para uma grande quantidade de músicos que
25 2
constituem a orquestra da Romênia. O sinal é o dobre de sino da antiga igreja. Ao
seu som, as pesadas portas da prisão se abrem c os espectadores sobem degraus
perigosos, atravessam outro conjunto de portas reforçadas de metal e, finalmen-
te, percorrem uma área de tela metálica tripla enferrujada onde os prisioneiros
devem ter visto seus visitantes, sem nenhuma esperança de passar nem mesmo
uma azeitona através dos furos. Uma igrejinha antiga com uma janela quebra-
da , apoiando o campan ário, está bem trancada. Através de um pequeno vão na
janela, uma icon óstase e ícones dourados podem ser vistos, indicando sua idade.
Muros azuis descascados com delicados entalhes bizantinos de cordeiros, carnei-
ros, pássaros, abelhas, folhagem entrelaçada na pedra e o mármore espalhado no
chão estão esperando classificação. Os espectadores permanecem calados e pen-
sativos. Dobram uma esquina e veem dois antigos fogões enferrujados e grandes
panelas: relíquias da antiga cozinha ao ar livre , Não h á fonte visível de água para
lavagem. Os banheiros e a água só existem em uma das alas mais modernas da
prisão, onde uma exposição foi montada pelo Museu Kazantz ákis, de Heraclião,
em Creta, lugar de nascimento do escritor. j o intervalo, a exposição procura
explicar aos espectadores a popularidade mundial de Tlie Greek Passion e mostrar
a gênese da ópera . Os espectadores dobram uma última esquina e ingressam no
auditório: uma arquibancada com assentos, precariamente pousada sobre os anti-
gos muros, mas sem tocá-los, atendendo assim às normas de utilização referentes
a um patrimônio da humanidade pela Unesco. Os lugares não são numerados,
e aqueles fisicamente mais aptos se dirigem ao ponto mais alto da arquibancada,
que oferecc a melhor visão de todo aquele local extraordin ário. Um cheiro forte
de camomila, orégano e tomilho vem do chão abaixo do conjunto de assentos, e
uma oliveira muito pequena, brotando do que talvez fosse um poço abandonado,
conseguia impedir um passadiço central. Os espectadores indicam uns aos outros
que um dos imensos muros está coalhado de pequenos buracos para janelas, que
haviam sido, evidentemente, celas. Na frente do muro, um lance de escada de
pedra. em perigo de desmoronar, conduz ao interior escuro da torre principal
e da ameia com vista para a cidade e o mar. A ansiedade dos espectadores é
palpável e demonstra a filosofia da diretora francesa Ariane Mnouchkine, que
acredita que a experiência do público começa no momento em que ele atravessa
a porta do edifício, e não só quando ele se senta no auditório. Os músicos da
orquestra afinam os instrumentos, temerosos quc uma possível chuva os impeça
de tocar. Surpreendentemente, venta muito para junho, e os espectadores vie-
ram preparados "para Zeus, no Monte Olimpo em frente, mostrar sua ira", como
descreveu um espectador. As notas musicais sublimes da abertura da ópera de
Martin ú soaram, e o personagem um pouco embriagado do velho lobo do mar,
o capitão Fortunas, aparece de uma das pequenas portas, que ficar á associada ao
café local, e caminha para a frente do palco. Capta com seu olhar todo o público
e diz, com muita ironia: "Esse mundo é um paraíso... um paraíso". Essa ligação
muito direta entre o ator e o espectador define o tom da noite e alivia a tensão.
O capitão Fortunas convidou os espectadores para o mundo de Lycovrissi, e daí
em diante, estarão com ele nesse paraíso e se esquecerão de que estão sentados
como um grupo de espectadores em uma prisão . Esse é o poder do ator. A música
empurra a história para frente, em uma série de cenas sobrepostas que mudam
somente por meio da luz e do simples rearranjo do mobiliário. Assim, os especta-
dores não têm dificuldade de acreditar que um muro de pedra é um leito de rio
ou, em outra oportunidade , o topo de uma montanha, pois os atores tomam posse
do espaço com total confiança e autoridade. Contudo, no final de três horas, de-
pois de terem testemunhado o assassinato do pastor Manolios, ou seja, da figura
de Cristo, com base em blasfêmia, e de terem visto a falta de caridade cristã de
um grupo em relação a outro, que não tem nada e está desesperado por ajuda, os
espectadores voltam para a própria realidade. Esse é um mundo que eles conhe-
cem muitíssimo bem e, no final, estão em silêncio. Toda noite, algumas pessoas
choravam.
Criar uma obra totalmente nova, como a ópera-coral Eddi o( JV]anhood End. para
uma comunidade-alvo específica. é uma oportunidade para investigar e pesquisar
a interação entre os provedores e os receptores do evento e de pensar realmente o
impacto e o efeito da encenação proposta sobre os espectadores, Manter o públi-
co interessado e fascinado durante duas horas, sem um intervalo, não é uma ta-
refa fácil. Um triunviralo, composto de compositor, diretor de movimento e cria-
dor visual. somou suas ideias, experiências e paixões para dar vida a esse simples
poema de Kipling, Conversamos a respeito de manter os espectadores surpresos
por meio de música, luz e movimento, para fazê-los olhar para cima. para a cena
se desenrolando no alto da lenda e, em scguida, em contraste, para baixo, para a
imagem muito pequena de uma foca carregando um peixe na boca e procurando
algum lugar para colocá-lo, Estávamos trabalhando do máximo para o mínimo
e explorando os sentidos auditivo c visual. O ritmo da poesia se prestava a uma
trilha sonora de iaz: contemporâneo e imaginamos os espectadores unidos pela
música orquestral e coral em prazerosa celebração, reagindo a uma atmosfera e a
um tom preparados para eles antcs mesmo de terem entrado na tenda. Decidimos
gastar parte do nosso orçamento limitado disfarçando os assentos e revestindo-os
254
,, , <
,~, , ' .
A liberdade de uma nova cria ção também repr esenta sérios de safios tanto para os
criado res como para os espectadores. Temos a respon sabilidade de mo strar qu e
o teatro rico e bel o pod e ser realizad o sem a criação de montanhas de resíduos,
Qualquer dinheiro qu e estiver disponív el pod e ser gasto na criação de uma in-
fraestrutura boa e confortável , de modo que os espe ct adores possam sair de seu
m un do e ingressar em outro durante aqu ele cur to espaço de tempo, Desde o
sécu lo XIX, os espaç os teatrais foram co nside rados sím bolos esta tais, evidê ncias
sólidas das realizações e aspirações culturais da socieda de. Préd ios e monum entos
maravilhosos foram construí dos, criando um rico patrim ônio arqu itetônico mun-
dial desde o Amazon as até o Avon ,
Sempre haverá um lu gar para isso e para os espec tadores que gosta m da expe riên-
cia da casa de ópera. Acentua-se a sensação de bem -estar en tre aqueles qu e têm
co nd ições de co mprar u m ing resso, sendo a solução idea l para as cor po rações
en treterem os visitan tes do exterior. Atualm ente, todo s sabe m qu e o preço a pagar
por isso é alto em termos de manuten ção, calefação e do qu e pod e realmente
ser criado ali. A co nstrução cê nica co ntínua e repe titiva, que raram ent e pod e ser
reutilizad a, não representa u m bom exem plo para os espec tadores, qu e aplicada-
m en te reciclarn garrafas c jorn ais e cultivam suas própri as verduras. O s arquite-
tos, freque n teme nte os líderes em reação, co meçaram a qu estion ar a valida de e a
viabilida de de criar edifícios qu e duram para sem pre e estão fazendo expe riênc ias
com sistemas constru tivos temporário s, eficazes em termos de custo e co nsu m o
de ene rgia. Simultan eam ente, há um públi co ca da vez m aior para eve ntos tea-
trais m ais informais, qu e espel ha m um cresce n te reconhecim ento de qu e as artes
podem de sempenhar um pap el pod eroso na recuperação urbana . A vida é uma
qu estão de esco lhas qu e faze mos, e tod os os criadores teatrais, incluindo os ce-
nógrafos, devem se consc ien tizar de qu e o trab alho qu e son ha m e realizam está
sem p re à m erc ê da escolha dos espe ctadores. Atualm ente, é evide n te qu e a enor -
m e qu ant idad e de opções qu e os espec tado res têm para expe rime n ta rem novos
trab alh os está respondendo a um a dem anda clara. O s novos públi cos pro curam
produções e even tos qu e acontec em em espaços altern ativos, desde an tigos gal-
pões de locomotivas e tend as até refeitórios, hospit ais e fábri cas aba ndo na dos. A
respon sabilidade dos criado res é reali zar produções inovad ora s e susten táveis, pois
a man eira com o a obra é ence nada "afeta indubitavelm ente não só como um
espe tác ulo fala para o seu públ ico, mas também qu em é o p úblico?" .
39 C hris Wilk inson , "D rama with out Thcatre", Prospect lvlagazine. setembro dc 20 0 6 ,
6
P·7 .
"
EPILOGO
Sou figurinista. Portanto, cenografia não tem nada a ver com igo.
Errado . A ce nog rafia deve co meçar co m o entendime nto do ator no espaço e,
se o ator veste algu ma coisa, o figurin o torn a-se o prim eiro ingrediente do livro
de receitas ce nog ráfico.
Se você quiser, não será sonho. lv las se você nela quiser, então permanecerá
um sonho. Os sonhos e as ações nela estão teia amplamente separados como
muitos acreditam . Inicialmente, todos os atos dos homens foram son hos. e se
tomam sonhos novamente.
Se 11m ce nóg rafo tem lima ide ia 011 11m son ho, com o ele consegue concretizá-lo
se nela está em lima posiç ão de con trole ali autoridade em lima companhia
teatral? Qll em vai a livi-lo 011 ficar interessado?
j o início, provavelmente ninguém. É assim o tratamento normal em relação
Por que precisamos ser chama dos de cenógra{os? Por qu e não de design ers de
teatro?
Amedid a qu e trabalhamos cada vez mais na aren a int ern acional, ce rta me nte
é útil ter um a descri ção mundial da nossa profissão. Quand o os arqu itetos co-
meçaram a co nstru ir novos teatro s e su bco n trata rarn consulto res técni cos es-
pecializados no assunto, eles também se descreviam co mo designers de teatro
e, mu itas vezes, design de teatro pod e esta r associad o ao edifício em vez do que
aco ntece dentro ou, frequentemente, fora dele, em um tipo distinto de espaç o.
Tam bé m é bom nos lembrarmos consta nteme nte das origens do dram a em
suas raízes gregas - sk/no-grafika -, ou se ja, a escrita ou o desenh o do espaço
cênico . Como muitas palavras co m postas, ce nografia descreve um co ncei to,
não é só um título . O design de teatro imp lica uma art e aplicada , e a ce nografia
ca rrega consigo a impli cação de qu e pod e ser uma atividad e primár ia.
259
a circuns tância, há fon oaudi ólogos, d ramaturgos, ilu minadores cênicos e desig-
ners de som e sonoplastia para apo iar os atores no confronto com os espectado-
res. É verdade qu e, quanto mais joven s, m ais atores int erdisciplinares desejarão
co labo rar, m as isso possivelmente tam bém reflet irá o tipo de pessoa qu e pagará
para vir e ver o trabalho. A reali zação do me u próprio trabalh o como criadora
também me de u a opo rtunidade de traba lhar com aqueles artis tas que mais
ad miro - ou tros ce nógrafos -, e esse tipo de co laboração, na qual os profis-
sionais falam a mesma lin guagem criativa, produ ziu alguns resultad os muito
inventivos e bem-sucedid os.
Essas são algumas pergun tas frequen tes. Há muitas outras. Nos últ imos sete anos,
colocando em prática as reflexões apresen tadas neste livro, o conceito de ceno-
gra fia ficou absorvido em nosso voca bulário co mo um indicador de mud an ça,
mas a inda há problem as e, mu itas vezes, os ce nóg rafos são percebidos co mo um
problema.
Desde a virada do séc ulo XX, todo s nós nos consc ientiza mos cada vez ma is de qu e
é nossa respon sabilidade indi vidu al viver e trabalhar na direção de um a sociedade
de despe rdíc io zero, se quiser mos sobreviver ao eno rme dan o que já é eviden te
em todo o mu ndo . Mesm o para os mais descontentes, isso não é mais um a ques-
tão de esco lha, mas um imp erati vo qu e até as crianç as pequ ena s são capazes de
entender. O tea tro deve fazer sua parte e, em seu int erior, o ce nóg rafo é, sem
dúvi da , a pessoa que ma is gasta dinh eiro em materiais, muitos dos qu ais têm uma
vida útil mui to cur ta. Devem ser enc on tradas estratégias alterna tivas para a cria-
ção de encenações ricas e visualm ente em polgantes qu e proporcion em ao públi-
co e aos atores u ma grande noite. Exige repe nsar co mo os espaços são ut ilizad os
e o que é posto ne les exata me nte; deve-se enxergar isso co mo um a opo rtu nidade
de lib erar um a arte qu e está se torn ando rapid am ente um a vítima das avaliações
de risco e das normas restritivas de saúde e segura nça , frequ entem ente utili zadas
para impossibilitar um even to, não para viabiliz á-lo.
Basicam ente, a lingu agem da ce nog rafia é a lin gua gem da arte, co m um vocabu-
lário co mum : fala de volumes, espaços, cores, esca las e materiais não co mo co n-
ceitos abstratos, mas co mo ca mi nhos práticos para decifrar o código d ram ático.
De mo do ativo, nós nos envolvemos com um a folh a de pap el em bran co ou co m
uma maqu ete em escala e ficamos estimulados com as possibilidad es desconh e-
cidas, muito pouco imagin áveis. Cada obra qu e realizam os é um novo desafio no
sentido de desenvolver nossa prática pessoa l e, em última aná lise, melh orar a ex-
pe riê nc ia do espec tado r. o enta nto, frequ entemente, muitas pessoas só qu erem
que façamos o qu e fizemos antes, apesa r do fato de qu e todos nós esta mos atua ndo
em um m un do em constan te tran sform ação. Esta mos abarca ndo os novos tem-
pos com trabalho reflexivo e apro priado ou esta mos continua ndo a reproduzir
a pr áti ca existente? O ce nóg rafo precisa estar nivelado co m colegas artistas qu e
estão cruza ndo fronteiras e linh as divisórias. Atualm ente, as belas-artes abarca m a
performance. As instalações em galeria se torna m perkmnan ces sem atores onde os
espec tadores são aque les qu e se deslocam pelos espaços. Os estilistas criam rou-
pas qu e se torn am mobiliário performativo . O s arquitetos não ergue m mais edi-
fícios como mo nume ntos para toda a vida . O s edifícios são proj etad os com uma
vida út il limitada, e a tem pora lidade é a atração. Atua lme nte, diversos edifícios
são descritos co mo esculturas ha bitadas por pessoas. Os espaços co loridos dos edi-
fícios de Sant iago Calatrava (1951), arquiteto espa nhol, afetam profundam ente o
com portame n to e as atitudes das pessoas, fazendo-as se sen tir m elhores. O grande
desenvolvim ento da ar te públ ica não é m ais a proví ncia do heroísm o, m as, mu itas
vezes, os even tos int erativos qu e se torn am um espe tác ulo urban o.
E m 1º de junho de 2008, o Un iversal Studios, em Los Ange les, foi destru ído por
um incêndi o. A Cl\'l\' reportou qu e todo s os ce ná rios e ob jetos cêni co s ficaram em
ruínas, e os prime iros relatos informaram qu e o incêndio co meço u nos dep ósitos
cenográ ficos. Ta lvez se ja um a profecia.
"É a síntese sem emendas de espaço, texto, pesqu isa, arte, at ores, diretores
e espectado res."
PMI ELA HO\\'ARD
AGRADECIMENTOS
O fereço este livro ao meu tio Henry Catoff, que m e deixou vê-lo de senhar e se-
gura r suas régu as-tê quando eu era criança . E, sobretudo, a todos os alunos qu e
encon trei no passado e aos no vos qu e agora tenho o privil égio de conhecer, em
tan tos países, e que estão sem pre dispostos e prontos a parti cip ar do s debates.
Agradeço tam bé m à minha editora Talia Rod gers e aos m eu s assisten tes editor iais
Ben Piggott e Anna C alla nde r, qu e ideali zaram a no va visão de mundo, e a todo s
os me us co legas qu e con tribuíram para isso, demonstrando qu e a pergunta ainda
não foi respondida.
E, finalmente , para Benj amin , Lil y e Dylan , m eus netos e neta , com am or.
-
LISTA DE ILUSTRAÇOES
268
ÍNDICE REMISSIVO
As pági nas qu e também aprese n ta m ilu strações estão indi cad as em azul.
A
Abramovié, Marina 260 ato res 191- 22 3
Acqua rt, André 76 co m o coro 197
Afegani stão 8, 90, 119-20 com o mensageiros do mito 208-9
A alma boa de Setsuan 139 co m o ponte 222-3
Aleman ha 188 corpos 198
Allio, Ren é 168 e concei to de peri go 235-6
altar-memória 138 e figuri nos 164-6,1 91-20 3
"Os amigos" 142 e maquet es em esca la 2 10
An da luzi a 102- 3 en te n de r 211-4
Apocalipse 1.11 234 e pesqui sa 96-7
Appen, Karl von 139-40, 230 habilidad es n ec essár ias 2 19
Appia, Ado lp he 28-9 lin gu agem performát ica 216
Espaço Rítm ico 28, 32 no espaço 4 7, 204-8
arco do pro scên io 30, 32, 4 2, 7 5 risco e responsabilidad e 2 12-3
arq uite tur a 28-35, 4 2-4, 46 , 48-9, 54-5, 69, At the End of the Earth 8
96, 105, 114, 128, 147, 177, 185, 236, Les Atrides 143, 196-7
242,24 5,26 1 Aula Veneris 111-2
como esc u ltura 26 1 au tor ia da pro d ução 189
e vestuá rio 93, 104-5
ar te em pap el 155-6 B
arte folk 132-3, 136 Bach, [ohann Sebastian 29
Ascensão e queda da cidade de Bakst, Léon 136-7, 212
Jv lahagonn)' 75 Ball ets Ru sses 136,1 4 2, 212
assen tos em teat ro 118, 2 51-2 Bark er , H oward
As You Like lt 82-3, 133 ver VictoT)'
Barragán , Lui s 153 Canetti, Elia s 82
bate-papos apó s o espetáculo 226-7 Carlos I, Rei 79-80
Bayreuth, Festspielhaus 243-4 Carlos n, Rei 79-80
Beckett, Samuel 83, 187 Carpentier, Alejo
ver também Happ)' Days; Krapp 's Last verVariaci01zes sobre um Concierto Barroco
Tape; Not I ca rros alegóricos 155
Beeth oven , Ludwig van 43 cartografia 183-4
Behind the Creen Curtains 70 Cartouch erie (Paris) 197
Belgrado: Festival Internacional de Teatro A casa de Celestina 248
(Bitef) 49 O casamento 7, 55-7,86-8, 115, 116-7,
Teatro Nacional 37-8 148-9, 151,216-7,25 0-1
Un iversidade de Artes 49-50 casas de ópera 31-2,256
Bérard, Christian 136-7 Ca stelnau, Paul 209
Berliner En semble 139-40,230-2 Ca tedral de Barcelon a 35-6
Bernhard, Th om as 228 La Celestina 68-9,89-90,104, 237-8
Bleus, Blancs, Rouges (Azuis, brancos, verme- ce mitério do East End (Lond res) 182-3
lhos) 76-8, 154-5 ce nogra fia
Bonel, Edward 75 como narradora visual 233
Border 'Narfare 7 1-4, 72-3, 128-9 definições 19-23, 257,263
Boudouroglou, Foulis 219-20 e direção 157-6 1
Brasil 188 estudo acadêmico 12 1, 186, 214
Bread an d Puppet Th eatr e (EUA) 77-8 linguagem 26 1-2;
Brecht, Bertolt 75, 188, 208-9, 230, 23 5 perguntas frequ entes 257-60
vertambém "A respeito de um pintor"; O trind ade (image m, som e lu z) 152
círculo de giz caucasiano; Coriolano; visão de mundo 19-23, 27,1 87
"Os am igos"; A alma boa de Setsuan, ver também direção
"Os mestres compram barato" ; A mãe; cenógrafo 15-8
Mãe Coragem; "Retrato do passado e Centro Cultural Rex (Doréol) 49-52, 50,110-1
do presente em um"; "Sob julgamento" Chagall, Marc 136, 246
Brook, Peter 7 1 Chardin , Jean -Baptiste-Sim éon 77, 100, 203
Burgess, [ohn 76 A lar of Apricots 134-5
"Le But " 228 Chelminski, Bogclan 80
Chopin, Fr édéric 107
c O círculo de giz caucasiano 139
cade ira/palco 215-6 colaboração 75,88-9, 115, 14 1-2, 157-62,
caderno de desenho 80-2 173-7,191,25 7-8,259
Calatrava, Santiago 262 concentrando a atenção 152
C allot, [acqu es 122 Cones, Samantha 198
270
consciênc ia crítica 135-6 ver também co laboração
constru tivismo 39, 130 diretor es: pap el 163-6, 185
contadores de h istória 36, 38 Dix, O tto 122
Copenhague 83 Dou Ciova nni 30
Casa de Ó pe ra 112,242 dram a mu sical 85
cor e co m posição 125-56,23 9 dram as de realidade doméstica 245-6
direção do olha r do espec tador 144 dram aturgia cenográfica 75, 12 1
e textura 128 The Dublin Trilogy 69
lógica da cor 142-4
sim bo lismo 197, 198-200 E
uso econômico da cor 145-6,147 écriture scénique 84-5, 162
uso emotivo da co r 126-7 Eddi o(J'vlanhood End 8,59-60,89,119,
tam anh o e esca la 154-5 153-4,1 83-4, 254-5
Coriolano 140, 23 1 Édipo n ei 218
coro como recurso 197 Édipo Tirano 196
Cottesloe Theatre (Londres) 103 Eliasson, O lafur 112, 242
County Mu seum (Hsinc hu, C h ina) 156 em que (lista de sentenças) 63,66-8
Craig, Edward Gordo n 11 , 41 , 218 end-stage 7
Creed, Mar tin 188 ver palco italiano
criatividade 181-3, 238-40 English Touring Th eatre 227
Cristo recrucihcado 53,114,1 79,219-2 0 ensaio, pro cesso de 67-8
Cuartel San Ca rlos (Ca racas) 234 sala de (co mo mu seu vivo) 96-7, 107, 194
equipe de in terpretadores 2 12-3
D Eraritjaritjaka 82
Dami ani , Lucian o 75, 163 Erminy, Edwin 238
David, Jacqu es-Loui s 77,79,95-6 esca la de co res 126-7
l\Jlarat assassinado 79 Escola de mulheres 198
Debussy, C laude 244 esc ultura pública 177-8
Delacroix, Euge ne 77 espaço 18, 27-44
Delarozie re, François 109 alte rna tivos 32-3, 256
dese nhos 63,67,9 5,96-7, 103, 14 1, 149-52, co mo "má qu ina neutra" 38-9
161,1 75,209 como metáfora 237-8
ver também figurin os, desenh os de disposição do 47, 161-2
Deutsches T heater 29 e atores 48, 204-8
Devine, George 140 e especta do res 242
Dia ghil ev, Sergei 136, 212 e som 43-4
direção 157-90 geo me tria do 27-9
arte da 177-8 mágicos 153-4
materialidade do 113 flexibilid ade 47, 54-5, 74,11 8,1 50,1 62
recicl agem 33,45-6 forma e conteúdo 242-3
Espaç o Cenográfico (São Paulo, Brasil) 214-5 fotografia 102-3, 112-3,129-30
espectadores 225-56 de lla Francesca, Piero 96
corno assisten tes 47-8, 232-4 Franço is, G uy-C laude 75, 197
como comuni dade 35,228 Frigerio, Ezio 75
corno participantes 51-2, 143-4, 241,
251-2,255-6 G
concentra ndo a atenção 152 A gaivota 199
educando 226-7 Ga rcía Lorca , Fede rico
e experiência teatral 242-4 verYetma
imaginação 246 Ga rland, Patrick 102
preconceitos 227 Geest, Henk van der 56,86, 180
Estate s Theatre (Praga) 31 Cehry, Frank 190
exposições 111-2 Georges Dandin 168-9
expresslOl1Ismo 29, 122 Getty Museurn (Los Angeles) 196
G ibson, Ian
F The Assassination of Federico García
Fallingwater (F iladélfia) 190 Lorca 102-3
fantoches 154-5, 235 Gilles de Rais 185
[eedback crítico 226 Goebbels, Heiner 82, 188
Felipe 11 da Macedônia, a tumba de (Vergina, Gógol, l ikolai 56-7,217
G récia) 177 ver também O casamento
festivais 166 Go ntcharova, Nata lia 136
Festival de Edimburgo 82 Gorcha kov, 1 ikolai 176
Festival de Teatro de C hichester 230 Goya, Francisco de 122
Festival dos Fantasmas (Taiwan) 155-6 G rana da 102-3
figurino 67 , 10 5-6, 110-2, 220-2, 254-5 Le G rand G u igno l 152, 23 5
desenhos de 97, 192-4,196,20 1,2 12 Les Grandes 1\1isêres de la Guerre (C allot) 122
e atores 165-6, 191-203, 2 17 The Great Game 8, 90
e ce nog rafia 257 The Greek Passion 7, 53,84-6, 112-5, 145-8,
Helene Weigel com 23 1-2 178-80, 219-20, 253-4
prova e confecção 200- 1 Creuze, [ean-Baptiste 96
reciclado 172 G rigoriev, Boris 142-3
roupa de baixo 200 Grotowski, Jerzy 6 1
sim bolismo da cor 197-200 G uerra Civil Inglesa 121
tecidos 201-2 Guinness, Sir Alec 100-2
H J
Hamburgische Staatsop er 209 O jardim das cerejeiras 107-8, 174-5, 195,
Hamlet 189 243-4
Harn m ershai , Vilhe lm 248 Jafa (Israel) 34
Hand spring Puppet C ornpan y 11 0 [olin Brown's Body 129-31, 169-70
I-Iandy, C harles 176 judai cas, com unidades 11 0
Happy Birthday Brecht 197
Happy Days 93-4, 203-5 K
Harri son, Ton y 187 Kafka, Fran z
Harry Ran sorn Hurn aniti es Research ver O processo
Lib rary and Museum (Universidade Kahn, Albert 114
do Texas, Austin) 212 Kantor, Tad eu sz 61
HaveI, V áclav 78 Kaut-I-Iowson, Helen a 57-8, 80, 137, 220
Hedda Cabler 41, 94-5 , I n , 198-9 Kazantz ákis, Níkos 53-5, 85-6,114,1 79
Hell erau (Aleman ha) 28 Kentridge, Willi am 188
Henrique IV (parte 11) 42-3 , 66, 193 Kilian , Adam 132-3, 134
Herb ert, [ocelyn 139-40, 187 Kiplin g, Rud yard
Her rnann , Karl- Ernst 75 ver Eddi of Manhood End
l-I erzl, T heodor 258 The Kitchen 139-40
HK 34-5 Kolalas, Sakis 146
H ogarth , William 222-3 ,248 Krapp's Last Tape 203
Hollar, V áclav 78-9, III Kulisiewicz. Tad eu sz 231
Holst, C ustav 43-4 Kwon Ok-Yon 202
Hoxton l'viusic Hall (Londres) 31-2
Hung l-Isin- Fu 156 L
Hytner, Iicholas 187 Larnbraki, Lin a 179-80
Larsen , l-Ienning 242
I Leadership in C ulture Conferen ce (2007) 187
Ibsen , I-Ienrik Leaving 78
ver Hedda Cabler; Solness, o construtor Lecoq , [acqu es 61
ilu minação 85-6,88-9, 123, 149, 167-8, 180, Lee, ~"' i ng C ho 21
21 8 Lee Byong-Boc 202-3
ilu são teatral 236 Legend Lin Dance Theater (Taipé,
im agística da arte 89-92 Taiwan ) 143-4
lon a (ilha) 99-100 Leonard o da Vin ci 109, 11 8, 190
I Went to the House But Did not Enter 82 ler uma peça 62-3
I Wish Your Wish 79-80 Lesueur, Irm ãos 96
Lichten stein , Roy 79
Lirnaur o, Cindy 149 A megera domada - Uma crônica da
linguagem 69 época 171-3
atores 194 Meireles, Cildo 148-9
ceno gráfica 122-3,1 85 M eissner, Krystyn a 57
das roupa s e materiai s 198-200 memórias 110-1
perforrn ática 216 M enclclsohn, Erich 29
Littl ewood, [oan 170-1 Mcnil Foundation (Houston) 136-7
Londre s 223 O mercador de Veneza 100-2
Lubimov, Yuri 185 "Os mestres compram barato" 241
Luís )...TVl , Rei 154 Metropolitan Opera (1 ova York) 188
Lupa , Krystian 247-8 Meyerhold, Vsevolod 136,142-3
Milosevié, Slobodan 37
M Mir ó, [oan 79, 144
Macbeth (Shakespeare) 84, 98, 99-100, 218 Petsonnage et Ciseaux 153
lvlacbeth (Verdi) 209 mise-en-scêne 161-2, 166-7, 169
Les machines de l'ile 109-10 Mn ouchkin e, Ariane 75, 143, 185, 197, 253
A mãe 231 mobiliário 39-40, 4 1-3, 87-8,115,127,
ivlãe Coragem 79, 139, 14 1, 179-80, 230-31 206-8,215
O Mahabharata 71 .loliêre
Malevich , Kazimir 144 verGeorges Dandui
manuscritos com iluminuras 132, 136 Monte Olimpo 177
mapa imaginário 62, 178 Monteverdi, Claudio
maquetes 41,46-7,57-8,126-8,133-4,1 61, Vespro del/a Beata Vergine 102
166,229 Montezllma 240
em escala 210 Morandi, Giorgio 100
maqu ete de papel-cartão branco 210 ivlorpurgo, Michael 110
máquina de linha de visão 229-30 motivos decorativos islâmicos 113
maquinistas 30 movimento de novas peças britânicas 167-8
Maria Antonieta, Rainha 154 Mozart , Wolfgang Amadeus 31
Martin ú, Bohuslav mudanças de cena 30, 167-8
verThe Greek Passion ; O casamento Munch, Edvard
massa de mod elar 145-7 A dança da vida 126-7
materialidade 112-4 Museu Albert-Kahn
McGrath , [ohn (Boulogne-Billancourt) 114
ver Border \Var{are; lohn Brown's Bod» Museu Carnavalet (Paris) 96
Mcl.eish, Kenn eth 127 Mu seu do Estado Russo (São
Medeiros, lone de 188 Petersburgo) 130,143
A megera domada 83-4, 171-3, 172 Mu seu Kazantz ákis (Heraclião, Grécia ) 253
274
museu vivo 96-7, 161, 194-6 palco transversal 58, 74, 172
mú sica 29-31,43-4, 62 papéis, permutabilidad e de 186
e texto 62 parede da mem ória 115
music halls 31 Paret, Peter
Imagined Battles - Heflections ofWar in
N EuropeanArt 121 -2
Nantcs (França) 109 Parque Ibirapuera (São Paulo, Brasil) 177-8,
Narcisse 212 190
Neher, Caspar 75, 139-42, 206,209,2 30-2, Pascal, [ulia
24 1 ver At the End of the Earth; The Petition
altura de Neher 206 peça de jorn ada 39
Neuenschwa nde r, Rivan e 79-80 Pensando a respeito de Sandy, Sandy 79
Not I 203-4 personagens
Noite de Beie 109,1 23 I inguagem dos 69
registro no quadro dos 63-7
o Pessoa, Fernando 109, 122
objetos pesquisa 93-124
da memória 247-8 colaborativa 115
descartados 87-8 criativa 94-5, 111-2
O 'Casey, Sean de campo 102-4
ver Behind the C teen Curtains; The figurin o 105
Dublin Trilogy; Within the Ca tes histórica 93-4
Ode à alegria 43 materiais 112-4, 122-3
Odéon (Paris) 33 mem órias 11 0-1
Oistat (O rganisation Intern ationale des museu vivo 96-7
Scenogra phes, Tech niciens et Architectes prim ária 109-10
de Th éâtre] 265 visual 95-6
O ld Vic Th eatre (Londres) 230 The Petition 45
Old Vic T heatre Scho ol 157 Picasso, Pablo 68, 136
Ópera dos três vinténs 75, 140 pinturas
O pera Transatlanti ca 206-8 natur eza-mort a 134-5
orquestras 30-1 sacos de papel pardo 150-1
O tto, Teo 139 piso do palco 33, 39,77
Pittsburgh (EUA) 56-7, 115
p Carnegie Mu seum of Art 148
pad rão de azule jo 105-6 Ca leria Mill er 115, 116-7
palco italiano 7-8,74, 153-4 Universidade Ca rnegie Mellon 216-7
ver também end-stage
Planc hon , Roger 7 5, 154-5,163,168-70, 185 "Retrato do passado e do presente em
ver também Gilles de Rais um " 208-9
Os planetas 43-4 The Revenger's Tragedy 105
planil has 9 1 Riley, Bridget 250
plasticid ad e 134 Robertson , Tom 245
Please Take a Seat! 49-52, 214-6 Roer ich , Nicolas 212
Pléiades 44 Roias, Ferna ndo de
Polôni a 107, 132-4,220 ver La Celestina
Praga 148-9, 18 1-2 Romeu e [ulieta 90
Academia de Artes Cênicas 83-4 Rondá Adafllla, (workshop) 39-40
Prague Quadr ennial 8, 188, 218 Roqu é, Mariaelena 211-3
prisões como espaços teatrais 33-5, 53-4, The Rose Taitoo 137-9
234-5 ,253-4 Royal Albe rt Hall (Londres) 118
O processo 188-9 Royal Co ur t T hea tre (Londres) 139-40
programa s de peças 106-7 Royal Na tional T heatre (Londres) 110, 187
públi co Royal Shakespeare Theatre 171
ver espec tadores Ruskin , [oh n 95
Punch and [udy (teatro de fantoches ) 152, 235
Punchdrunk (com panh ia de teatro ) 188-9 S
Safed (Israe l) 103
Q A sagração da primavera 212
qu ad ro da peça 63-6 Sain t-Denis, Michel 157
sala de ensaio (com o mu seu vivo) 96-7, 107,
R 194
Rau sch enberg, Rober t 174 Salam anca
reali smo poético 139-40 Universidade 104-5
reali sm o teatral 244-5 Salônica (G récia) 147,252-4
e mistério 248-9 E ptapirgio 112-4,1 78
reciclagem 87, 104-5 Teatro Nac iona l do orte da Grécia 53-5
ree lab ora ção de textos clássicos 166-7, 18 5 Universidade Aristóteles 83-4
referências cruzadas 102, 104-5 Salonika 114
Rego, Paul a Salvad or (Bahia)
ver A casa de Celestina Centro T écni co do Teatro Cas tro Alves 84
reinventar a imagem visua l 82 "São Paulo Stories " (workshop) 214-5
Rembrandt van Rijn 79 Sce no fest 152
A resistível ascensão de Arturo Ui 140 Scenomanifesto! 49
"A respeito de um pintor" 141 Schwi tters, Kurt 145
Senh or do Bonfim (Salvador , Bahi a) 79-80
Serroni, José Carlos 214 , 265 su prern atism o 144
Sh akespeare, William 63-6 , 84 , 86,228 Svoboda, Josef 38, 2 I8
ver também As You Like It (Como lhe Swan Th eatre (Stratford-on-Avon ) 204-6, 207
aprouver); Hamlet; Henrique IV (parte
2); Macbeth; A megera domada; O T
mercador de Veneza; 1 oite de Rei»; Tairov, Alexander 136
Rom eu e [ulieta ; Sonho de uma noite Taiwan 83, 14 3, 26 5
de verão; Trabalhos de amor perdidos T àpie s, Antoni 249
Shostakovich, Dmitri 102 Tate Britain (Londres) 188
Si mpósio Internacional sobre Arquitetura e Tate Modem (Londres) 112,1 88
Espaç o de Periormance 49 Tbilisi (G eórgia) 98-9, 100, 120
Sim pson, Michael 76 Tch ékhov, Anton
sinc ronicidade de ence nação 187 ver O jardim das cerejeiras; A gaivota
sistem a de arqu ivam en to 102 Teatro da Vertigem (Brasil) 234
si te speciiic, produçõ es 45-6, 59 teatro
Sm ith, John (líder do Partido Trab alhista da barroco 29-31
G rã-Breta n ha) 99 baseado em texto 61
"Sob julgam ento" 188 da Grã-Bretanha 166-7
sofás 41 de arena 39-40, 74
SófocIe s de evento 235
ver Édipo Hei de fantoch es 154-5,235
Solness, o construtor 90 , 128, 158, 160, 199, de rua 36-8
227 em forma de estúdio 33
som eur opeu 166-7
espaç o e 4 3-4 kabuki 133, 184
texto e 62 Lat ern a Magika 218
Songs ofWars I Have Seen 82 Nacional de Caracas 240
Sonho de uma noite de verão 245 tecidos 123,211
Sounding Jerusalem (festival de música) 43-4 tecnologia 186
Stein , G ertrude 82 tenda
Stein , Peter 7 5, 18 5 evento em uma 59-60,15 3-4, 184
Stenka , Danuta 80 , 220-2, 221 tecnologia da 119
storyboard 63 Terry, Ell en 218
Stravin ski, Igor texto 61-92
ver A sagração da primavera ach ar um caminho em um 9 1
Strehler, Giorgio 7 5, 16 3, 185 como cerca viva 89-92
Strindberg, Augu st 32 e ação 169
su btexto 100-2
e visão 78-9,8 3-4, 169 vinhetas 148-9,250-1
so m do 62 Vishniac, Roman 102
"Te xt, Space a nd Vision " (lVorkshops) 8 Vit eb sk 246
T h éâtre de C orn plicit é 137 Vivaldi , Antonio
T h éâtre du Soleil (Pari s) 143 ver Montezuma
T héâ tre Na tiona l Popul aire (V ille ur ban n e, Vizna r 102-3
Franç a) 76-8, 168-9
T hea tre Royal (Lo nd res) 170 w
Theatrum 1vI ult erum 111-2 Wagn er , Rich ard 243-4
T iepolo, C iova n n i Battista Weather Project 112
retábulo de A Imaculada Conceição 137-8 Weigel, Helen e 140, 230-2
iotal-musée 202 Wesker , Arn old 139-40
Trabalhos de amor perdidos 83 W illiarns, Tennessee
Tra rn way (C lasgow) 71-4, 128-30 ver The H.ose Tattoo
T ree , H erbe rt Bee rbo h m 245 Wil son , Rob ert 34-5
T revis, D i 103, 172-3 Within the Cates 69-70
Tricycle Theatre (Lo nd res) 90, 119-21 lVorkshops 83-4
TlVo Ftiends 249 interd isciplinar es 21 3
The World as a Stage (exposição) 188
U World Theatre Season (Lon d res) 166-7
Un ive rsal St u dios (Los Angel es) 262 Wri ght, Frank Lloyd 190
Un wi n , Ste ph e n 107, 160 W spólc zesn y Teatr (Breslávia, Pol ôni a) 57-9,
80
V
Vakh ta ngov, Yevgeny 136, 176 x
Escola de Artes C êni ca s (M osco u) 176 Xenákis, Iánnis 44
Variacionessobre un Concierto Barroco 238-40
Veneza y
casa de ópera 240 Yerma 102-3
gue to 101-2
Verdi, C iuseppe Z
ver Macbeth Z elazowa Wola (Polôn ia) 107
Veron ese, Paol o 196
vestuá rio 261
e arquitetura 105
feminin o 111-2
vertambém figuri n o
Victory 7-8, 58-9, 80-2, 81, 121 -2, 220-2, 221
SOBRE A AUTORA
University of
Parn ela Howard é ce nógrafa e diretora teatral. Professora emé rita da
), é espec ialista
the Arts London (C entral Saint Martins College of Art and Design
tem ente co nvidada a falar em
em teatro mu sical e eventos mu sicais. É frequen
receb eu
un iversidades e faculda des de tod o o mundo . Em 20 0 8 , Parn ela Howard
a. It m embro
a Ordem do Imp éri o Britâni co pelos serviços prestad os ao dram
ra do Sce no fest - Festival
emé rito da co m issão de ed ucação da Oi stat e criado
of Perform ance
Interna cion al de Cenografia, agora part e da Prague Quadr ennial
Design an d Space.
279
Fonte Electra
Papel Co uc h é malte fosco 90 gim'
D uo Design 300 gim'
Impressão ywgraf Editora G ráfica Ltda.
Data Junh o de 2015
jJ MIS TO
--
Papel produ zido a part ir
de fonte s reeccn eavete
FSC FS CO C044162