Você está na página 1de 9
O METODO KODALY Traducao da ficha prdtica de trabalho La méthode Kodély, elaborada por Musique et Culture , Strasbourg- Franca ZOLTAN KODALY (Kecskemet 1882- Budapest 1967) E A PEDAGOGIA MUSICAL NA HUNGRIA Durante as viagens de investigacdo que ele empreendeu desde 1905, com a finalidade de coletar pacientemente as verdadeiras cangées populares da Hungria e de outros paises da Europa Oriental, em toda sua pureza (quase sempre em companhia de Bela Bartok), Kodély adquiriu duas certezas, primeiramente, que o fundamento de toda cultura musical autentica passa pelo conhecimento do folclore de seu proprio pais, e em seguida, que a musica é um bem de todo 0 povo, e no o apanagio de uma elite: “Que a musica pertenca a todos”, diz ele. Levado em seguida a elaborar os principios fundamentais do novo sistema educative hungaro, Kodaly, apoiando-se sobre a classificacdo das melodias populares, colocou a ponto um conjunto coerente e detalhado de diretrizes e recomendacées para todos os niveis escolares acompanhados de coletaneas de exercicios e cantos, a uma, duas e trés vozes, dos quais a maior parte é de sua autoria. Na obra Un regard en arriere', tanto quanto em outros escritos, o autor expée algumas ideias que conduziram sua trajetéria de reformas*: * A educagao musical desenvolve ndo somente as atitudes musicais da crianca, mas iguaimente as outras faculdades de sua personalidade, 0 que se reflete positivamente no conjunto das disciplinas escolares; * Accrianca nao deve aprender somente a lingua mas também a musica do seu pais; deve-se ensinar-Ihe os cantos populares adaptados a sua idade; * O canto deve ser unido o mais possivel ao movimento corporal; * Uma verdadeira cultura musical deve comecar desde o maternal, na escola, é muito tarde; * A misica “pertencendo a todos”, cada um deve poder aprecia-la e ama- la gracas a uma educacao musical apropriada; De Visszatekintés (Um regard em arriere - Um olhar para o passado), Zoltan Kodaly, Budapest, 1964. T.1, p.92. ? Quelques aspects de la méthode Kodaly (Alguns aspectos do método Kodaly) Erzébet Szonyi, Budapest, 1976, p.14. Cf. também J.Ribiére ~ Raverlat, Chant ~ Musique, adaptacion francaise de la méthode Koddly, Leduc, 1974. * Esta nao passa obrigatoriamente pelo estudo de um instrumento: “é sempre ld onde o canto foi a base que uma cultura musical aprofundada pode se desenvolver”. Convém notar que “(...) a educago musical huingara nao € propriamente um método, mas antes uma filosofia sobre o papel da musica na sociedade e na vida da’crianga, do adolescente e do adulto. Nossa atitude fundamentalmente otimista sobre a situacio da musica na Hungria atual se origina dessa fé em uma educacao musical valida (...)"° PRINCIPIOS FUNDAMENTAIS DO METODO Entre os princ{pios essenciais sobre os quals se apoia a proposta Kodaly consideremos sucessivamente a solmizacdo relativa, a escala pentaténica, os ritmos, sem, todavia procurar fazer uma exposicao completa e sistematica do método. 1. A solmizacao relativa Preconizado por Kodaly para aprender a escrita e a leitura musical e para desenvolver 0 ouvido, a solmizacio relativa é uma abordagem global e intuitiva das relacdes ‘entre os sons. Ela permite identificar e reproduzir a relacao intervalar existente entre dois sons. Exemplo: A relacéo DO-MI nao dé a indicacao da altura das notas como em nosso sistema “absolut” habitual, mas define o intervalo DO-MI na sua relagdo TONICA-MEDIANTE (= terga maior), nao importa qual a altura na gama dos sons. No pentagrama, a relago DO-MI pode ser: ou ou etc... eS G 2 o5 Nesse sistema, as notas sao representadas por sua consoante inicial: DO RE MI FA SO (aoinvés de sol) LA TI (a0 invés de $1) drmfs nt > Ibid. p.6 ‘Acima de t, as notas sao sinalizadas com uma virgula no alto: d’, e abaixo de d, so sinalizadas com uma virgula embaixo: s,. Exemplo*: 4unm654% drmfsit @rmrsl t’ ‘A escala de DO corresponde ao modo maior da tonalidade, a escala de LA ao modo menor. Eis a forma sob a qual um exercicio pode se apresentar: admdmisrts, Adadd ddha Essa notacdo musical sem pentagrama é certamente uma escritura musical completa que, por exemplo, na escala de sol maior se canta da seguinte maneira: ou em Mib A solmizacao relativa utilizada na Hungria desde o inicio na escola maternal até © mais alto nivel de especializacao, intervém em toda uma serie de atividades musicais: — Para a leitura: escrita e decodificacio solmizadas, depois escrita na pauta. = Nos exercicios de cultura vocal, nos quais uma estrutura melédica sera cantada com as mesmas silabas de solmizacéo em alturas diferentes, porque a cada vez ser experimentada dentro de uma tonalidade que em si, permanece a mesma. Exemplo: | dmsis md dms is md dmsis md © - == p= +f “ Exemplo inserido por esta tradutora, visando maior clareza na explicacso. — Na audicgo, onde os temas de uma obra, quaisquer que sejam as tonalidades nas quais estejam, sao escutados, sentidos e retidos em formulas solmizadas; = Nos exercicios de transposic&o, que, abordados dessa perspectiva, nado apresentam evidentemente nenhum problema. No momento de passar & solmizacdo “absoluta”, tal e qual praticada nos paises latinos (sistemas nos quais as sflabas DO RE MI FA SOL LA SI referem-se a alturas de sons absolutos), 0 método Kodaly prevé a designacao por letras como nos paises germanicos e anglo saxdes: A (la) B (sib) C (do) D (re) E (mi) F (fa) G (sol) H (si) No que concerne as vantagens da solmizacio relativa, que, tradicionalmente, ngo é usada na Franca, se poderia resumir a discussio precedente, esclarecendo que ela é um meio pratico de fazer jovens iniciantes ler a primeira vista e cantar, antes mesmo de dominar uma notacéo na pentagrama, signos complicados e conhecimentos tedricos, e de formar o sentido da tonalidade pelo jogo de relacdes progressivamente adquiridas, tanto pela audicio como pela leitura, que se impdem ao ouvido. Observe-se ainda que a solmizacSo relativa é utilmente completada pelo procedimento da fonomimica, conjunto de gestos da mao simbolizando as notas da escala, que permitem aprender a executar um canto relativamente simples sem recorrer a nota escrita, e 4 pauta. 2. A escala pentaténica Partindo de certas dificuldades colocadas pela escala diaténica com seus semitons, Kodaly prevé um inicio a partir da escala pentaténica (escala de 5 sons). Ainda mais porque os cantos populares htingaros (que Koddly havia coletado e escrito) s80 precisamente construidos, em sua maioria, sobre a escala pentaténica e porque fornecem um material ao mesmo tempo coerente e de esséncia cultural para a Educacao Musical. ‘As melodias hiingaras pentaténicas se caracterizam pelas seguintes relagées: a-i-s-m m-r-d Muito faceis de memorizar e reproduzir, e que permanecem proximas das estruturas da cango infantil. 5 No entanto, em sua conferéncia Z. Kodaly ~ le pédagogue (Curso de Vero de Dunakanyar), Erzébet Szonyi esclareceu que “No que concerne aos cantos alemaes e ingleses 0 inicio com Sol © vasto repertério de cantos folcléricos hingaros, escolhidos e clasificados por Kodaly em uma série de coleténeas progressivas, permite abordar todas as relacées, introduzir notas intermedidrias (semitons) e alteragdes ocorrentes. © ensino tem também a possibilidade de se valer de um xilofone pentaténico afinado da seguinte maneira: (com d= FA*absoluto) f5,| |I, ld | Jr} |r s| |I 3. O Ritmo O método huingaro adota das pesquisas de Dalcroze (1865-1950)° os diversos elementos do movimento ritmico que ele utiliza: a marcha, a marcagéo do compasso, os batimentos e o bater de palmas. A percusséo evocada acima pode a qualquer momento se revezar com todo tipo de instrumentos de percusséo, que a crianca manipula sempre com prazer. Os exercicios ritmicos, sempre ligados ao canto, séo muito importantes durante os estudos, mas contrariamente aos exercicios de Dalcroze, eles nado so jamais acompanhados ao piano porque Kodaly considerava o emprego desse instrumento tornado “falso” pelo temperamento igual como prejudicial & afinacao do canto. Da mesma forma que Chevais havia elaborado um sistema para estudar os ritmos com a ajuda de nomes, na Hungria se pronunciam sflabas para cada elemento ritmico: tau tr ti twa titi tite ti reuerer roors ~ Mi é igualmente justificado, mas ¢ absolutamente estranho 8s cangBes infantis francesas, nas quais se pode discernir muito cedo o sentido da tonalidade Do - Sol_em graus disjuntos, mesmo nas cangies das escolas maternais e nos versinhos. Aqui, no lugar de s-m ou de s-/-s, ‘se experimenta d- r-d~s". (p.12); Ver também J. Ribiére ~ Raverlat, op. Cit., e Un chemin pédagogique em passant par les chansons (Um caminho pedagégico passando pelas cancées). Leduc, 1974. © Le rythme, la musique et education (0 ritmo, 2 misica e a educagao) de Emile Jacques- Dalcroze, Lausanne, 1919. Cf. Ficha pratica La rythmique Dalcroze (A ritmica Daleroze).. Um exercicio ritmico se apresenta, por exemplo, assim: ALLA | ta titi ti tiri ta | ta pausa No seu repertério de cantos escolares’ Kodaly classifica os elementos ritmicos e melédicos em ordem progressiva. O ritmo é ensinado através dos cantos populares e melodias infantis. Os elementos ritmicos sé0 abordados na ordem a seguir: seminima, colcheia, pausa de seminima, compasso binério simples, compasso quaternério, compasso terndrio (este bastante raro no repertério hungaro)®. Em seguida, a sincope de dois tempos e a minima pontuada. Os outros valores, pausas e compassos so abordados mais tarde, porém, aprendidos muito mais cedo nas escolas primdrias que tem por opcéio Canto e Musica. ELEMENTOS DA LINGUAGEM MUSICAL E PROCEDIMENTOS PEDAGOGICOS Evoquemos agora alguns elementos mais ou menos complexos da técnica e da linguagem musical que o método Kodaly permite adquirir, colocando em marcha um conjunto de procedimentos pedagégicos especificos para a percepcao das formas musicais, do sentido dos acordes e da harmonia, da transposigao, da escrita em ditado musical e da audicao interior. 1. As formas musicais ‘As formas musicais so abordadas pelo viés de um sistema de improvisagéo baseado no procedimento pergunta-resposta. O professor canta uma frase melédica conhecida e a crianca deve improvisar uma sequéncia. O jogo, sempre repetido, se complica progressivamente. Ele pode também se aplicar apenas ao ritmo, comegando por ritmos simples (compasso binério). Assim se desenvolvem pouco a pouco as nogées de ténica-dominante-ténica, de cadéncias, e finalmente, a nogao de construc musical. A escuta de obras ou extratos de obras em gravagées, de feituras mais complexas, completa de forma util esses exercicios. 7 Iskolai énekgydjtemeny I~ IT (Repertoire de chants scolaires 1 escolares 1 e Il) de Z. Kodaly, em colaboragéo com Gybray Kerényi instrucdo publica, Budapest, 1943, ® Quanto a essa questo, se aborda cantos oriundos de outros folciores, em particular do folclore francés, rico em compassos de trés tempos simples e bindrios compostos. II; Repertério de cantos Conselho nacional de 2. A Harmonia Partindo sempre dos cantos aprendidos pelas criangas, passa-se de uma progressdo melédica na qual esta presente 0 arpejo para a nocao de acorde e a0 sentimento harménico. Dividindo a classe em 3 grupos, pode-se agora entoar 0 acorde. Para fazer sentir 0 respectivo caréter do maior e do menor, portanto, no se é obrigado a ensinar a escala completa de 7 notas. © emprego da cAnones e de cantos a 3 vozes ou mais permite igualmente fazer perceber as sonoridades dos acordes perfeitos. Passa-se assim muito rapidamente as inversdes dos acordes perfeitos, depois aos acordes de 7°. A crianga descobre dessa maneira os encadeamentos de varios acordes, consonantes ou nao. A cada estagio, a escrita acompanha a audicao. Os modos antigos, presentes em todos os folclores europeus, permitem abordar certas harmonias modais, que igualmente siio escritas. A escuta de obras musicais continua indispensdvel para completar a aq dessas nogées tedricas. 3. A transposicao Diretamente ligada & solmizacao relativa, a transposico torna-se rapidamente de grande facilidade para os estudantes hingaros. Por outro lado, ela é util para recuperar certas criancas com dificuldade no plano vocal. Assim: “Se a maioria das criancas tiver uma voz aguda, os que tiverem vozes mais graves que a média, parecerao cantar desafinado. Essas criangas poderéo aparentar ndo ter ouvido, a menos que seus casos sejam examinados com atengéo. Dando-Ihes um som inicial mais grave que o da média dos alunos, se poderd observar se sao capazes ou nao de reproduzir a melodia ou os motivos cantados”. (Ver nota de rodapé 1) Desde que as relagées intervalares sejam reproduzidas com seguranca pela escuta, em alturas diferentes, por todas as criangas, passa-se ao estagio da escritura. Os primeiros ensaios de notacéo nao indicam, portanto uma altura absoluta mas sim uma “notagéo que pode ser transposta” (ver nota de rodapé 2) por intermédio das letras de solmizacéio e depois pelas notas escritas no pentagrama. nmiynnyt | ss m | ismr|m gd, | Te ft Quando a noc&o de altura absoluta dos sons é adquirida, introduz-se a armadura de clave, a partir de ent&o o aluno descobre as diferentes tonalidades, nas quais ele evolui primeiro pela transposicéo depois pela modulacao. Exemplo: cho po Aa a= s m dmf mrdt d J s om dmf mrdt d 0 ouvido absolute se cultiva por exercicios e jogos diversos. Mesmo depois que as criancas aprenderam os nomes alfabéticos das notas (C, D, E, F, G, A, B), 0 canto solmizado continua em vigor. Mas fica bem entendido que a entonacéo da melodia depende entéo da clave e da armadura. A pratica da transposigéo cantada se completa pela prdtica regular, da transposicéo escrita e isso desde o inicio dos estudos. 4, O ditado musical Assim como na leitura cantada, o ditado musical constitui um elemento essencial do método htingaro. Desde o primeiro ano da escola primaria, faz-se a crianca anotar pequenos motivos sobre as notas s-m jé aprendidos no maternal. O professor os canta ou toca num instrumento e as criancas os anotam utilizando as letras de solmizacao relativa. Em seguida, aumenta-se 0 numero das notas e o tamanho dos motivos, depois acrescenta-se um ritmo que deve ser escrito paralelamente. Uma vez que 0 aluno esteja iniciado na pentagrama, escreve seu ditado nas 5 linhas. Finalmente, se aborda a utilizagio das claves e das armaduras, depois os ditados a varias vozes. Estes exercicios tém lugar cotidianamente. Nas escolas primérias que optaram por canto e musica, a notacao escrita é precedida de jogos diversos. Por exemplo: as notas de um canto sao representadas em fichas de cartolina. Estas séo misturadas e cada crianca deverd coloca-las na ordem da melodia que Ihe é ditada. Se comecara sempre por separar ditado ritmico e ditado melédico. 5. A Audicao Interior E um elemento muito importante da cultura auditiva. Exercicios como os indicados a seguir so praticados muito regularmente na Hungria. Exercicio: As criancas cantam uma cang&o conhecida, depois, a um sinal combinado do professor, eles se calam, mas continuam a cantar interiormente; ‘em seguida, a um outro sinal, eles retomam novamente em voz alta. Pode-se também fazer este exercicio com cantos estréficos, alternando-se estrofes mudas e cantadas. O exercicio pode assim ser executado batendo o ritmo do canto com as mos ou andando: seja a passos iguais (estrofes ou fragmentos cantados), seja sobre o ritmo do canto (estrofes mudas ou fragmentos mudos).* Pode-se imaginar numerosos tipos de exercicios de audicdo interior. Nas cangées a varias vozes, por exemplo, pode-se fazer a crianca passar de uma voz a outra no momento do retorno ao fragmento cantado em voz alta. ° Nota da tradutora: aqui entendi que a passos iguais quer dizer na pulsacéo da cancdo enquanto se canta e que nas estrofes mudas 0 ritmo da cancao pode ser executado pela prépria marcha, enquanto apenas se pensa na cancdo sem entoé-la em voz alta.

Você também pode gostar