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Comédia Grega: Espelho de 

Atenas

Muitas vezes chamada pelos antigos de “espelho da vida”, a comédia foi mais
uma extraordinária criação dos gregos. Visando a realidade do seu tempo, alcançou o auge
numa missão educacional e censora, na qual apontava para qualquer problema que afetasse
a comunidade, passando pelas esferas da política, filosofia e poesia. No entanto, não se
limitou ao efêmero e foi capaz de representar aspectos universais do Homem que não
poderiam estar presentes na tragédia, tornando-se assim, complementar desta. Muito se
ouve falar da grandiosidade da tragédia, mas até mesmo Sócrates, através de Platão (em O
Banquete), reconhece que o verdadeiro poeta deve ser trágico e cômico ao mesmo tempo.
Em Atenas, berço do teatro grego, e ao lado da tragédia, a comédia ocupou um lugar de
grande relevância na formação espiritual do seu povo naquele tempo.

De acordo com Nietzsche, a comédia ática floresceu no momento em que a tragédia estava
quase no seu fim, representada pelo último poeta trágico da Grécia antiga, Eurípides, no
final do século V. Para o filósofo alemão, o aburguesamento da linguagem e a adaptação do
mito à realidade (inovações feitas por Eurípides), tornaram possível o nascimento da
comédia. Outro ponto para o qual é preciso atentar é o seu forte vínculo com a embriaguez
dos ritos dionisíacos, de onde vêm as vestes fálicas e as máscaras animalescas do coro, tão
usadas nos dramas cômicos. No seu desenvolvimento, houve uma fusão de elementos
provenientes de diversas fontes, tais como as antigas festas dionisíacas, a sátira de
Arquíloco (poeta do século VII a.C. que chegava a atacar diretamente até mesmo pessoas de
alto cargo no Estado) e a própria tragédia. Mas somente quando a comédia entrou no
âmbito político que adquiriu real importância, e sua manutenção passou a ser considerada
um dever de honra dos ricos.  Tornou-se então uma instituição do Estado e pôde competir
com a tragédia. A figura do “herói” foi adotada, assim como outras formas líricas, num
esforço para organizar um ato dramático completo (inspiração na tragédia). Finalmente, no
ápice da sua evolução, com o poeta Aristófanes, chega ao ideal educacional, tomando para
si a tarefa da crítica pública.

Aristófanes foi o maior expoente da comédia grega, talvez por isso apenas suas obras
tenham sobrevivido. Para Platão, ele foi o único representante da comédia, pois,
diferentemente dos outros, ia além da troça que só visava o riso. Desde o início, tinha plena
consciência da sua força e, ao mesmo tempo em que sabia usar os requisitos da comédia
antiga (cenas de pancadaria, troça com a calvície de espectadores, etc.), também adicionava
idéias novas em todas as competições (que eram anuais), ficando à frente tanto dos outros
autores cômicos, como até mesmo da tragédia, uma vez que esta trabalhava com temas
dados. De uma audácia impressionante, não se intimidava ao criticar Cleon, político sucessor
do grande Péricles, e cuja vida era cheia de escândalos. Não procurava dar soluções para a
renovação do Estado, mas apenas “colocar o povo e o chefe diante do espelho”, como
afirma Werner Jaerger.

Outro assunto muito recorrente na obra de Aristófanes é a crítica à nova educação


filosófica. O poeta recriminava, por exemplo, o parasitismo dos sofistas e seu vínculo com
famílias ricas, mas acredita-se que ele não havia realmente percebido a natureza da
educação sofística. Via apenas a degeneração da moral do novo poder intelectual e a
comparava com os antigos valores da educação. Esse ceticismo em relação à filosofia e à
nova educação poderia ser explicado por diversos fatores, tais como a constante disputa
entre as teorias da filosofia naturalista, como também a queda de valores morais, infeliz
decorrência das idéias dos sofistas.  A única coisa que se via era o “mal” uso do novo
conhecimento pelos discípulos. É interessante frisar que, quando falamos em “nova
educação filosófica”, colocamos filósofos da natureza, sofistas, retóricos, socráticos, etc.
numa mesma classe. Em As Nuvens, sua comédia mais famosa, Sócrates, por ser conhecido
por todos (ao contrário dos sofistas, que muito raramente visitavam Atenas), foi
injustamente escolhido para ser o “herói” da peça e foi motivo de chacota em toda a cidade.
Sua caricatura personificava a figura cômica do típico “sábio vaidoso e satisfeito consigo
próprio”, embora sua sabedoria fosse questionável. Mas, normalmente, Aristófanes é
desculpado pelos estudiosos por ter cometido tal iniqüidade contra Sócrates, visto que essa
era a visão da maioria de seus contemporâneos e muito se lamentava sobre os efeitos da
nova educação.

Antes da queda de Atenas, que estava em conflito com Esparta (Guerra do Peloponeso),
morreram os últimos poetas trágicos, Sófocles e Eurípides, ocasionando o fim da tragédia
ática. Conseqüentemente, apenas a comédia de Aristófanes deteve o papel de manter o
“sentido ético da poesia autêntica” e “ensinar o que podia salvar os homens”, como afirma
Jaerger. Mas logo Atenas sucumbiu ao poderio de Esparta e com ela caiu a comédia,  
expressão mais autêntica da vida pública do seu tempo.

Bibliografia:
JAERGER, Werner. Paidéia: A Formação do Homem Grego. 4ª ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2001.
NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia. São Paulo: Companhia da
Letras, 1992.
Aristófanes. As Nuvens. Disponível na internet: http://temqueler.wordpress.com/.

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