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Abril/Junho de 2009
RESUMO
Este artigo teve como objetivo estudar as complicações sistêmicas mais freqüentes no consultório
odontológico, visando a sua prevenção, diagnóstico e tratamento. Nesta segunda parte foram abordadas as
principais complicações relacionadas ao sistema respiratório, sistema nervoso e à administração de
medicamentos.
Descritores: Anestesia. Cirurgia bucal. Complicações. Odontologia.
INTRODUÇÃO DESENVOLVIMENTO
Procedimentos odontológicos podem, 1 - Sistema respiratório
raramente, resultar em complicações sistêmicas de
severidade bastante variável para o paciente1,2. Estes Hiperventilação
episódios podem estar ou não relacionados a A hiperventilação caracteriza-se por um
enfermidades sistêmicas pré-existentes ou ocorrerem aumento do volume de oxigênio inspirado durante
em decorrência da administração de medicamentos uma unidade de tempo, podendo levar a um excesso
utilizados na prática odontológica. na captação de oxigênio e eliminação excessiva de
A hematose pulmonar pode ser afetada dióxido de carbono (CO2) pelos pulmões resultando
quando alterações psicogênicas ou de na diminuição da pressão parcial de CO2 no sangue
hipersensibilidade, como a hiperventilação ou a asma, arterial (PCO2)3-6.
são desenvolvidas nos pacientes durante o tratamento A ansiedade é considerada a principal causa
odontológico. da hiperventilação3-5,7-9. Os sinais e sintomas mais
O sistema nervoso é responsável pelo notados são: sensação de sufocamento, aumento da
ajustamento do organismo ao ambiente. A convulsão freqüência respiratória entre 25 a 30 movimentos
resulta de alterações da função nervosa, podendo respiratórios/minuto (normal: 14 a 18 movimentos/
se desenvolver no consultório odontológico quando minuto), aumento da profundidade dos movimentos
associada a fatores como estresse ou administração respiratórios, dor torácica; distúrbios visuais, tonteira,
de certas drogas 2 . Estas drogas como os vertigem, palpitação, taquicardia, xerostomia, dor
anestésicos, analgésicos e antiflamatórios podem abdominal, mialgia, espasmos musculares, tremor,
também desenvolver reações tóxicas ou alérgicas tetania, perda da consciência, formigamento nos
durante o tratamento odontológico1. dedos das mãos e pés e na região perioral3-12.
Este artigo discutiu as manifestações É importante saber diferenciar a
clínicas, a prevenção, o diagnóstico, e o tratamento hiperventilação de outras situações como distúrbios
das principais complicações sistêmicas relacionadas respiratórios (crise asmática aguda, broncoespasmo,
ao sistema respiratório, sistema nervoso e à embolia pulmonar), crise de angina, acidose
administração de medicamentos durante o tratamento metabólica, intoxicação por ácido acetilsalicílico,
odontológico. perda da consciência (síncope) ou febre elevada9,12.
1
Programa de Pós-Graduação em Odontologia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
Belo Horizonte, MG, Brasil
2
Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil
3
Departamento de Cirurgia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG,
Brasil
4
Departamento de Clínica, Patologia e Cirurgia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
Belo Horizonte, MG, Brasil
Contato: wagnercastro@ufmg.br
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Abril/Junho de 2009
A hiperventilação pode ser classificada em sentado com os braços para frente. Deve ainda
aguda e crônica. A forma aguda tem uma menor solicitar ao paciente que auto-administre o
freqüência e pode ser observada em ataques de broncodilatador aerossol (Salbutamol, por exemplo),
pânico podendo coexistir com doenças como asma, e em seguida ofertar ao paciente oxigênio (5 a 7
doença pulmonar obstrutiva crônica e doença litros/minuto). Caso os sintomas não regridam,
isquêmica do coração. A forma crônica é uma administrar 0,3ml, via subcutânea, de adrenalina
entidade clínica sem outras patologias subjacentes e 1:1000 (ampolas de 1ml) e solicitar assistência
é mais freqüente com episódios periódicos ou médica3,8,17,18.
contínuos7,9,10,12.
A prevenção da hiperventilação consiste no 2 - Sistema nervoso
controle da ansiedade do paciente, podendo empregar
inclusive métodos farmacológicos como a sedação Distúrbio convulsivo
consciente 8 . Caso ocorra um quadro de A convulsão decorre da alteração da função
hiperventilação, o cirurgião-dentista deve interromper cerebral normal, caracterizada por períodos de
o tratamento e remover todos os materiais da boca atividade motora, fenômenos sensoriais e mudanças
do paciente; tranqüilizando-o e colocando-o em uma de comportamento e consciência3,4,19 .
posição mais ereta e confortável. Pode ser necessário As convulsões, na sua maioria, são do tipo
em alguns casos a administração de diazepam 10 tônico-clônicas, ou seja, contrações musculares
mg via intravenosa (injeção lenta) e reagendar o sustentadas, intermitentes com períodos curtos de
paciente utilizando a sedação nas próximas relaxamento4,8.
consultas3,4,8,11,13. As desordens convulsivas podem ser
idiopáticas ou causadas por vários fatores como
Crise asmática traumas físicos, estresse emocional, febre alta,
A asma é um distúrbio inflamatório crônico desordens metabólicas, lipotímia, abstinência de
das vias aéreas, determinada pela interação de fatores drogas psicotrópicas e álcool, lesões intracranianas
genéticos e ambientais e desencadeada por uma (acidente vascular cerebral, tumores, abscessos
reação de hipersensibilidade a estímulos conhecidos cerebrais), e overdose de anestésicos locais3,4.
(estresse, esforço físico, AAS e outros AINEs, O quadro do estado de mal epilético é
alimentos, mudança climática, infecções virais, caracterizado por convulsões persistentes, mais de
irritantes químicos como conservantes de alimentos, 20 minutos, ou rápidas e repetidas sem períodos de
aditivos, substâncias antioxidantes e sulfitos, etc) ou recuperação intermitente. O paciente corre risco de
não 3,4,14,15. morte devido a grandes alterações metabólicas como
Caracteriza-se por edema brônquico acidose, hipóxia, hipoglicemia, febre, e aumento da
associado a aumento da secreção de muco e pressão intracraniana11. As crises de ausência são
diminuição da ação ciliar nos pulmões, resultando de curta duração (10 a 30 segundos) com perda da
em uma limitação variável do fluxo aéreo, consciência, sem manifestações motoras ou perda
freqüentemente reversível (espontaneamente ou sob do controle postural. As crises tônico-clônicas são
tratamento). Os principais sintomas são episódios autolimitantes e possuem duração de 2 a 5 minutos
recorrentes de ofegar, sibilância, dispnéia, sendo precedidas por auras ou alteração do olfato; o
desconforto torácico, incapacidade de assumir a paciente geralmente grita e perde o tônus muscular19.
posição supina, freqüência respiratória maior que 30 Se o paciente estiver em uso de medicação
movimentos/minuto, incapacidade de falar, fala anticonvulsivante, deve-se verificar se a mesma foi
monossilábica, uso da musculatura acessória da utilizada pelo paciente, avaliando com o médico sobre
respiração, cianose, alteração do sensório e tosse, a necessidade de controle da ansiedade8.
principalmente à noite e na parte da manhã ao Caso ocorra um episódio de convulsão no
despertar3,14,15. consultório, deve-se interromper o tratamento,
Para a prevenção da crise asmática o remover objetos da boca do paciente, colocá-lo na
cirurgião-dentista deve identificar e remover os posição supina e observar se as vias aéreas
gatilhos desencadeadores da asma e ainda solicitar superiores estão desobstruídas (mento puxado em
ao paciente que traga para o consultório sua sentido oposto ao tórax). Caso o paciente vomite,
medicação inalatória β2-agonista de curta ação deve-se colocar a cabeça do paciente de lado para
(broncodilatador)8. que o conteúdo seja drenado para fora. Deve-se
O cirurgião-dentista deve ser rápido no conter os movimentos bruscos da cabeça e ofertar
tratamento da crise asmática, interrompendo o oxigênio (3 litros/minuto), além de monitorar os sinais
tratamento, tranqüilizando o paciente e colocando-o vitais 8,11 . Podem ser aplicadas drogas
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e antimicrobianos, sendo que a lidocaína e a penicilina horas. No caso de parada cardiorespiratória, deve-
são as drogas mais comumente associadas a reações se iniciar procedimentos de reanimação,
alérgicas. Além dessas, o cirurgião-dentista deve considerando a possibilidade de cricotireotomia e
estar atento a outras substâncias que potencialmente solicitar auxílio médico3,13,17,18,21. Os pacientes com
desencadeiam crises alérgicas, como o história médica de reações a drogas são os que
metilmetacrilato (monômero das resinas acrílicas) e apresentam maiores riscos de reações anafiláticas,
o látex3,4,8. entretanto elas podem ocorrer mesmo sem história
As reações anafiláticas são ocorrências sugestiva20.
dramáticas, de instalação súbita15, apresentando um
quadro de sintomatologia progressiva, causado, Metahemoglobinemia
normalmente, por uma reexposição do paciente a A hemoglobina é constantemente convertida
determinado antígeno23. Caracteriza-se por um mal em metahemoglobina pela oxidação do ferro da
estar, reações cutâneas (rubor, urticária, prurido), molécula heme, do estado ferroso (Fe2+) para o
rinite, dificuldade respiratória (broncoconstrição, estado férrico (Fe3+). Desta forma, ela é incapaz de
dispnéia, cianose), edema de laringe (rouquidão, ligar-se e transportar oxigênio 3,8 . O sistema
estridor), broncoespasmo (taquipnéia, tosse e falta enzimático metahemoglobina redutase e o ácido
de ar), sinais cardiovasculares (arritmia, taquicardia, ascórbico atuam na reconversão da hemoglobina, de
hipotensão, palpitações, disritmia), parada forma a manter em situações habituais 99% das
cardiorespiratória e morte 3,24. Os eventos mais hemoglobinas no estado ferroso 25 . A
graves decorrem da ação conjunta da histamina e metahemoglobinemia é uma desordem hematológica
de autacóides mais reativos, como os leucotrienos e congênita ou adquirida que ocorre quando a
as prostaglandinas 8. As reações alérgicas são hemoglobina é oxidada em uma velocidade maior
raramente acompanhadas de vômitos, convulsões, que a capacidade enzimática normal para sua
cólicas abdominais e diarréias1. redução3.
O tratamento do choque anafilático deve ser A metahemoglobinemia adquirida ou tóxica
iniciado com a reclinação e ventilação do paciente ocorre devido ao contato com certas substâncias
(6 litros/min) e monitoramento dos sinais vitais3. A químicas, capazes de aumentar a formação de
adrenalina mostra grande atividade agonista nos metahemoglobina como a acetonilida, derivados da
receptores χ, β1 e β2, além de inibir a liberação de anilina, derivados do benzeno, nitratos e sulfonamidas.
mediadores pelos mastócitos, o que a torna essencial A prilocaína, como anestésico local de uso parenteral,
para reverter a fisiopatologia dos eventos associados e a benzocaína, de aplicação tópica, em altas doses
com a reação anafilática e anafilactóide13,17,18,23. A podem aumentar o nível de metahemoglobina. O
administração de adrenalina em solução milesimal, metabólito principal da prilocaína é a ortotoluidina,
nas reações brandas é de 0,1 a 0,3ml – SC e nas que é capaz de oxidar o ferro e bloquear a ação da
reações severas a dose é de 0,1 a 0,5 ml, sendo enzima redutase3,8.
administrada por via SC ou IV, repetida a cada 5 A metahemoglobinemia é uma reação dose
minutos, até no máximo três doses. Em crianças, a dependente, portanto as suas manifestações clínicas
dose máxima é de 0,3 ml, devendo-se aplicar 0,01 variam progressivamente com as concentrações
ml/kg de adrenalina. O acesso venoso com plasmáticas da metahemoglobina e seus sintomas
administração de soro fisiológico deve ser realizado. estão relacionados com uma diminuição da
Em caso de broncoespasmo, administrar 7mg/kg de oxigenação dos tecidos (Tabela1). Geralmente os
aminofilina diluída em 20ml de soro glicosado, em níveis sanguíneos máximos ocorrem de 3 a 4 horas
infusão endovenosa lenta. Administrar o após a administração da droga, ou seja, quando o
antihistamínico cloridrato de prometazina (Fenergan) paciente já deixou o consultório, e persistem por 12
1mg/kg, via endovenosa, repetindo a dose a cada 6 a 14 horas23,25.
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