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Capítulo 5

TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO
Juliana de Sousa Ribeiro de Carvalho e Christina Hajaj Gonzalez

INTRODUÇÃO
O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) está incluído, desde a 5a edição do Manual
Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM), na categoria de Transtorno
Obsessivo-compulsivo e Transtornos Relacionados, e é caracterizado pela presença de
obsessões e/ou compulsões, definidas no Quadro 5.1.

Quadro 5.1 Definição de obsessão e compulsão segundo o DSM-5.


Obsessões são definidas por:

1. Pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes que, em algum momento, durante a perturbação, são experimentados
como intrusivos e indesejados e que, na maioria dos indivíduos, causam acentuada ansiedade ou sofrimento

2. O indivíduo tenta ignorar ou suprimir tais pensamentos, impulsos ou imagens ou neutralizá-los com algum outro pensamento ou ação

Compulsões são definidas por:

1. Comportamentos repetitivos (p. ex., lavar as mãos, organizar, verificar) ou atos mentais (p. ex., orar, contar, repetir palavras em silêncio)
que o indivíduo se sente compelido a executar em resposta a uma obsessão ou de acordo com regras que devem ser rigidamente
aplicadas

2. Os comportamentos ou os atos mentais visam a prevenir ou reduzir a ansiedade ou o sofrimento ou evitar algum evento ou situação
temida; entretanto, esses comportamentos ou atos mentais não estão ligados de uma maneira realista com o que visam a neutralizar ou
evitar ou são claramente excessivos

Adaptado de American Psychiatric Association (2013).1

Os sintomas podem ter impacto relevante na autoestima e na vida acadêmica,


ocupacional e social. O TOC costuma ser subdiagnosticado e subtratado, pois os
pacientes frequentemente ocultam seus sintomas pela vergonha da irracionalidade dos
seus pensamentos e comportamentos.

EPIDEMIOLOGIA
• Prevalência ao longo da vida: 2 a 3%
Nos adultos, há uma proporção semelhante entre homens e mulheres. Nos meninos, a
• idade de início costuma ser mais precoce, o que possivelmente contribui para a
preponderância desse sexo nas amostras de TOC na infância e na adolescência.

ETIOLOGIA
O TOC pode ser explicado a partir de aspectos psicodinâmicos, genético-ambientais,
neurobiológicos, neuroquímicos e cognitivo-comportamentais, ou ainda, mais comumente,
pela interação entre esses diversos aspectos.
Nesse transtorno, suspeita-se que haja uma disfunção orbitofrontal-límbica-gânglios
basais, e o tratamento com inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) ou
terapia cognitivo-comportamental (TCC) promove alterações estruturais e funcionais no
cérebro dos pacientes.
Apesar dos dados conflitantes, sugere-se que, no TOC, haja o envolvimento do sistema
serotoninérgico: evidências indiretas bem documentadas dos efeitos antiobsessivos dos
potentes ISRS. Entretanto, não parece que a desregulação serotoninérgica responda por
tudo. É possível que ela module ou compense outros sistemas disfuncionais.
Os genes predisponentes do TOC não foram identificados de modo consistente até o
momento. Há evidências de cotransmissão de TOC, síndrome de Tourette e tiques motores
crônicos em famílias.
Não há fator ambiental específico associado, mas sabe-se que infecção estreptocócica
pode o causar súbito aparecimento de sintomas obsessivo-compulsivos por anticorpos
dirigidos contra os gânglios basais.

QUADRO CLÍNICO
O TOC geralmente surge na adolescência ou início da idade adulta, de maneira insidiosa,
com evolução crônica e progressiva. Na maioria dos casos, não há fator precipitante do
início dos sintomas.
Há diversas apresentações de sintomas, que podem, inclusive, sobrepor-se ou
desenvolver-se em sequência. O uso da Yale-Brown Obsessive Compulsive Scale (Y-
BOCS) ou ainda o CY-BOCS (para crianças) auxilia na avaliação do tipo e da gravidade
dos sintomas, além do tempo consumido com obsessões e compulsões. Há alguns
padrões sintomáticos principais: obsessão de contaminação seguida de lavagens ou
esquiva compulsiva do “objeto contaminado”; obsessão de dúvida seguida de compulsão
de verificação; pensamentos obsessivos sem compulsão; necessidade de simetria e
precisão com alentecimento; acumulação. Outros: obsessões de conteúdo agressivo,
sexual ou religioso, compulsões de repetição ou contagem etc. O Quadro 5.2 destaca
pontos fundamentais da avaliação psiquiátrica no TOC.

Quadro 5.2 Destaques da avaliação psiquiátrica no TOC.


1. Avaliar sintomas atuais

2. Considerar classificar a gravidade dos sintomas

3. Avaliar o efeito dos sintomas no bem-estar, no funcionamento e na qualidade de vida.

4. Avaliar se existe risco à própria segurança ou de terceiros

5. Investigar comorbidades, com destaque para transtorno bipolar e uso do de antidepressivos

6. Avaliar antecedentes psiquiátricos, hospitalizações, uso de medicações (doses, duração, resposta, efeitos colaterais) e psicoterapias
pregressas

7. História médica geral: condição atual de saúde, uso de medicações, hospitalizações, alergias, história prévia de trauma craniencefálico,
perda de consciência ou convulsões

8. Fazer revisão de sistemas (incluir sintomas que podem ser confundidos posteriormente com efeito colateral de medicações)

9. Registrar história de desenvolvimento psicossocial e sociocultural: especialmente períodos de transição na infância e na adolescência;
capacidade de manter relações interpessoais estáveis e gratificantes; história sexual, incluindo disfunções; história educacional e
profissional, incluindo serviço militar; potenciais estressores; suporte social

10. História psiquiátrica familiar

11. Exame do estado mental, especialmente aparência, estado geral, atitude, cooperação com a entrevista, alterações psicomotoras, insight
e cognição
Adaptado de American Psychiatric Association (2007).2

CURSO
• De 24 a 33%: curso oscilante
• De 11 a 14%: curso fásico com períodos de remissão completa
• De 54 a 61%: curso crônico e progressivo
• 80% melhoram no decorrer de 40 anos.

DIAGNÓSTICO
O Quadro 5.3 mostra os critérios diagnósticos e especificadores do TOC.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
• Esquizofrenia
• Depressão
• Hipocondria
• Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)
• Transtornos fóbicos e ansiosos
• Depressão pós-parto
• Ruminações obsessivas da depressão
• Síndrome de Tourette
• Transtorno alimentares
• Transtorno dismórfico corporal
• Transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo grave.

Quadro 5.3 Critérios diagnósticos do transtorno obsessivo-compulsivo (DSM-5).


A. Presença de obsessões, compulsões ou ambas

B. As obsessões ou compulsões tomam tempo (p. ex., tomam mais de 1 hora por dia) ou causam sofrimento clinicamente significativo ou
prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo

C. Os sintomas obsessivo-compulsivos não se devem a efeitos fisiológicos de substâncias (p.ex., drogas ilícitas, medicamento) ou a outra
condição médica

D. A perturbação não é mais bem explicada pelos sintomas de outro transtorno mental (p. ex., preocupações excessivas, como no transtorno
de ansiedade generalizada; preocupação com a aparência, como no transtorno dismórfico corporal; dificuldade de descartar ou se
desfazer de pertences, como no transtorno de acumulação; arrancar cabelos, como na tricotilomania; beliscar a pele, como no transtorno
de escoriação [skin picking]; estereotipias, como no transtorno do movimento estereotipado; comportamento alimentar ritualizado,
como nos transtornos alimentares; preocupação com substâncias ou jogo, como nos transtornos relacionados a substâncias e transtornos
aditivos; preocupação sobre ter uma doença, como no transtorno de ansiedade de doença; impulsos ou fantasias sexuais, como nos
transtornos parafílicos; impulsos, como nos transtornos disruptivos, do controle de impulsos e da conduta; ruminações de culpa, como no
transtorno depressivo maior; inserção de pensamento ou preocupações delirantes, como nos transtornos do espectro da esquizofrenia e
outros transtornos psicóticos; ou padrões repetitivos de comportamento, como no transtorno do espectro autista)

Especificar se:

Com insight bom ou razoável: o indivíduo reconhece que as crenças do TOC são definitivas ou provavelmente não verdadeiras ou que podem ou
não ser verdadeiras

Com insight pobre: o indivíduo acredita que as crenças do TOC são provavelmente verdadeiras

Com insight ausente/crenças delirantes: o indivíduo está completamente convencido de que as crenças do TOC são verdadeiras

Especificar se:

Relacionado a tique: o indivíduo tem história atual ou passada de um transtorno de tique


Adaptado do American Psychiatric Association (2013).1

COMORBIDADES
• Tiques: 28 a 62% dos indivíduos com síndrome de Tourette têm TOC
• Transtorno opositor-desafiador (TOD)
• Transtornos de humor, como depressão e transtorno afetivo bipolar
• Transtornos ansiosos (pânico, transtorno de ansiedade generalizada e fobia social)
• Transtornos alimentares
• Abuso ou dependência de substâncias
• Transtorno de controle dos impulsos, como dermatotilexomania e tricotilomania
• Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

TRATAMENTO
A Figura 5.1 mostra a diretriz da American Psychiatric Association para tratamento do
TOC. As doses de ISRS no TOC podem ser vistas na Tabela 5.1.
Figura 5.1 Algoritmo para o tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo. TCC: terapia
cognitivo-comportamental; ISRS: inibidores seletivos de recaptação de serotonina; IMAO =
inibidores da monoaminoxidase. Adaptada de American Psychiatric Association (2007).2
Tabela 5.1 Dose dos ISRS no TOC.
Eventualmente doses
Dose de início Dose máxima
ISRS Dose usual (mg/dia) acima da máxima
(mg/dia) (mg/dia)
(mg/dia)

Citalopram 20 40 a 60 80 120

Clomipramina 25 100 a 250 250 *

Escitalopram 10 20 40 60

Fluoxetina 20 40 a 60 80 120

Fluvoxamina 50 200 300 450

Paroxetina 20 40 a 60 60 100

Sertralina 50 200 200 400


* Níveis plasmáticos de clomipramina e desmetilclomipramina 12 h após a última dose devem ficar abaixo de 500 ng/mℓ
pelo risco de convulsões e atraso na condução cardíaca. ISRS = inibidor seletivo da recaptação de serotonina. Adaptada de
American Psychiatric Association (2007).2 100% de magenta

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental
disorders. 5.ed. Washington: American Psychiatric Association, 2013.
2. American Psychiatric Association. Practice guideline for the treatment of patients with
obsessive-compulsive disorder. Washington: American Psychiatric Association, 2007.

BIBLIOGRAFIA
Arnold PD, Richter MA. Is obsessive-compulsive disorder an autoimmune disease? CMAJ.
2001;165(10):1353-58.
Bloch MD, Landeros-Weisenberger A, Rosario MC, Pittenger C, Leckman JF. Meta-
analysis of the symptom structure of obsessive-compulsive disorder. Am J Psychiatry.
2008;165(12):1532-42.
Goodman WK, Price LH, Rasmussen SA, Mazure C, Fleischmann RL, Hill CL et al. The
Yale-Brown Obsessive Compulsive Scale. I. Development, use, and reliability. Arch Gen
Psychiatry. 1989;46(11):1006-11.
Goodman W, Price L, Rasmussen S, Mazure C, Fleischmann RL, Hill CL et al. The Yale-

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