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TCC/UNICAMP

V673p
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA
UNIColoMP

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

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PLANEJAMENTO ECONÔMICO E POLÍTICA INDUSTRIAL NO BRASIL E


CORÉIA DO SUL: HISTÓRIA E RESULTADOS NO SETOR AUTOMOTIVO

ALUNO: Breno Teixeira Vieira 042201

ORIENTADOR: José Bonifácio de Souza Amaral Filho

TCC/UNICAMP
V673p
1290005299/IE
Universidade Estadual de Campinas- UNICAMP
Instituto de Economia

BANCA EXAMINADORA

Presidente e Orientador: Professor José Bonifácio de Souza Amaral Filho

1' Examinador: Professor José Bonifácio de Souza Amaral Filho

2' Examinador: Professor Fernando Sarti

Campinas, 02 de dezembro de 2010

2
Resumo

O objetivo principal desse trabalho de conclusão de curso é, a partir da discussão e


análise da história das Políticas de Planejamento Econômico como fomento à
industrialização do Brasil e da Coréia do Sul, verificar os resultados obtidos na
indústria automotiva dos dois países. Entender as diferenças quanto às políticas
adotadas por estes é importante para que se determine o porquê de duas
economias de industrialização tardia apresentarem realidades econômicas distintas,
e tentar compreender quais medidas deram certo em cada um dos países,
verificando os benefícios de cada ação adotada pelos governos durante seus
programas de industrialização. Mais especificamente, analisaremos os números do
setor de autoveículos desde a implantação dessa indústria em cada um dos países
até os dias atuais para exemplificar a produção industrial dos paises, suas
características e sua inserção no mercado internacional; o setor automobilístico,
ainda, foi o escolhido como exemplo devido a sua importante participação no PIB
industrial dos dois países e ser um setor industrial considerado de elevada
importância para a maioria dos países industrializados, devido ao alto número de
empregos gerados, altos investimentos e alto spin-offtecnológico.

Palavras Chave: Política de Planejamento, Políticas Industriais, Indústria


Automobilística, Brasil, Coréia do Sul.

3
Sumário

lnlrodução ..............................................................................................................................................5

CAPÍTULO I

Considerações sobre Planejamento Econômico e Políticas Industriais ....................................... 7

CAPÍTULO li

Desenvolvimento Industrial Brasileiro e Sul Coreano nas Décadas de 1950 -1980 .............. 13

1- Desenvolvimento Industrial no Brasil ................................................................................... 13

2- Desenvolvimento Industrial na Coréia do Sul .................................................................... 19

CAPÍTULO 111

Evolução da Indústria Automotiva e Políticas de Planejamento Industrial no Setor


Automotivo ...........................................................................................................................................27

1- Evolução e Políticas voltadas para o setor automobilístico brasileiro ............................ 27

1.1 w Experiências automotivas genuinamente brasileiras ................................................ 40

2w Evolução e Políticas voltadas para o setor automobilístico sulwcoreano ....................... 44

Conclusão .............................................................................................................................................53

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................61

4
Introdução

O presente trabalho se destina ao estudo das Políticas de Planejamento


Econômico visando o desenvolvimento da economia, principalmente no setor da
indústria, através de Políticas Industriais. O tema é de alta relevância ao estudo da
Ciência Econômica e é abordado por diferentes escolas, que as vezes julgam tais
políticas como desnecessárias e maléficas ao desenvolvimento da economia, as
vezes as julgam bem-vindas e necessárias a esse desenvolvimento.

Mais especificamente, analisaremos o conceito dado pela academia e pelos


autores de diferentes escolas, e exemplificaremos a discussão com a apresentação
dos tópicos de Política de Planejamento ocorrida no decorrer do século XX no Brasil
e na Coréia do Sul. Dois países que eram considerados muito pobres e com baixo
desenvolvimento social, que, a partir dos programas de desenvolvimento
promovidos pelos estados nacionais, apresentaram fortes mudanças e se encaixam
entre as maiores economias do globo.

O estudo se compromete a analisar qua1s os benefícios obtidos com a


intervenção estatal, tentando responder se esta é um fator necessáno ao
desenvolvimento econômico e industrial ou se essa atividade por parte do governo é
prejudicial, retirando o caráter objetivo da condução econômica pela "mão invisível",
forças intrínsecas da economia de mercado que por si só levariam a economia ao
ponto ótimo de atividade e desenvolvimento.

Um ponto de partida desse trabalho é de que seria impossível, devido às


peculiaridades de cada economia, expressar em breves palavras qual o caminho
ótimo para a evolução da indústria automobilística de uma economia em
desenvolvimento, mas, desde o início, objetivamos o presente estudo para entender
melhor as variedades de política econômica que podem ser traçadas, atingindo
objetivos positivos, por mais que diferentes.

O primeiro capítulo se dedica ao estudo do conceito de Planejamento


Econômico e de Política Industrial. Traz a visão de diferentes escolas para cada um
desses e aponta aspectos positivos e negativos de sua utilização. Já o segundo
capítulo é uma revisão bibliográfica referente ao processo de industrialização
brasileiro e sul-coreano, apresentando as medidas governamentais adotadas e
alguns dos resultados obtidos nos dois países. Apesar de bastante diferentes, o

5
processo de industrialização de ambos tem o mesmo ponto de partida: duas
economias frágeis e basicamente agrárias somadas ao baixo desenvolvimento
social.

O terceiro e último capítulo se destina a análise dos resultados do


planejamento econômico específico no setor da Indústria Automotiva brasileira e sul-
coreana. Primeiro, apresentamos todo o histórico desta indústria no Brasil,
apontando datas e acontecimentos importantes para o seu desenvolvimento. Além
disso, apontamos em que ponto o governo exerceu maior influência através de
políticas de planejamento industrial e quais as principais medidas adotadas pelo
governo brasileiro.

Devido às características da indústria nacional, apresentamos também os


casos de algumas tentativas de grupos empresários nacionais de consolidar uma
marca que fosse verdadeiramente nacional, que não duraram muito tempo,
demonstrando, principalmente, em que ponto houve fragilidade da política
econômica que falhou em contribuir com o desenvolvimento dessas empresas. Caso
da IBAP, Gurgel e outras.

Também, expomos no tópico seguinte, um histórico detalhado da Indústria


Automobilística sul-coreana, demonstrando seu desenvolvimento e quais as
medidas especificas adotadas pelo governo do pais como fomento para este setor
específico e muito importante para o setor industrial daquele pais. Apresentamos
também algumas características semelhantes ao desenvolvimento da indústria
brasileira, mas principalmente, o que foi diferente entre as duas histórias.

Neste capitulo mostramos algumas tabelas e gráficos referentes à


performance das duas indústria tanto no mercado nacional quanto no mercado
doméstico, fazendo um link com a conclusão apresentada em seguida.

6
Capitulo I

Considerações sobre Planejamento Econômico e Políticas Industriais

O conceito de Planejamento Econômico é um tema bastante controvertido na


Ciência Econômica. Pode-se dizer que, ao mesmo tempo em que coleciona entre
seus grandes estudiosos apoiadores e entusiastas, também enfrenta fortes críticas e
grandes inimigos. Uma das formas na qual se expressa o Planejamento Econômico
governamental é através da utilização de Políticas de desenvolvimento dos diversos
setores produtivos daquela economia.

Como ensina William Arthur Lewis (LEWIS, 1960), existem diversas formas
de planejamento econômico por parte do governo. Entretanto, este autor faz uma
importante distinção entre os conceitos de planejamento econômico e o
autoritarismo típico das economias planificadas. Planejamento é facilmente pré-
compreendido como controle da economia, mas esse pode ocorrer por dois
instrumentos distintos: "O controle invisível, exaltado pelos defensores do Laisser-
faire, é o exercido pelo mercado; o visível, apregoado pelos partidários da
planificação, é o organizado pelo Estado" (LEWIS, 1960, p. 19).

Uma política de desenvolvimento produtivo estatal seria algo como retirar da


"Mão Invisível" de Adam Smith o poder absoluto de guiar uma parcela da atividade
do mercado, fazendo com que este atinja objetivos previamente programados e
desejados pelo governo, como representante do interesse social. É o
estabelecimento de objetivos a serem alcançados pela economia em períodos
previamente fixados.

O planejamento econômico estatal, portanto, serve para que, sabendo o


governo quais resultados econômicos pretende, possa este determinar "até que
ponto esse controle pode ser invisível, e até que ponto deve ser visivel. (... ) É
converter o interesse egoista em bem público" (LEWIS, 1960, p. 19).

Essa expressão se aplica principalmente à atividade governamental destinada


a dar aos setores econômicos a orientação que julgar adequada aos objetivos
fixados. Tem a finalidade de disciplinar a atividade produtiva para promover o
desenvolvimento econômico, impedir depressões e crises, adotar medidas que
amenizem ou anulem seus efeitos, entre outros objetivos.
7
A Política Econômica leva em consideração diversas características próprias
da economia do país na qual é implantada e pode variar desde simples medidas
como adoção de controle de preços e salários a medidas mais abrangentes como a
determinação de um reposicionamento da economia nacional frente às demais
economias do globo.

Porém o tema abordado neste trabalho não é tão simples como foi
apresentado em nossas breves palavras, e merece muita atenção.

Utilizando os argumentos apresentados por Lewis, "A economia de mercado


tende a determinar a produção e a distribuição de acordo com o interesse público, o
que se discute é se o planejamento não poderia fazê-lo melhor" (LEWIS, 1960, p.
26). A atuação do planejamento poderia, ainda de acordo com as idéias deste autor,
ser uma alternativa às determinações do "Mercado" ou, ainda e melhor dizendo, um
complemento a esta. Não se nega, dessa forma, a ação benéfica que o controle
invisível do mercado possui, mas existe a idéia de que ele pode ainda ser
melhorado.

Existem várias debilidades apresentadas por uma economia cujo controle se


dá unicamente por "forças invisíveis do Mercado", e algumas são sinteticamente
apresentadas por Lewis em sua obra. Esse autor argumenta que os pontos
negativos de uma economia livre da participação do Estado são mais fortes do que
as críticas a sua participação, pois, entre outras suposições:

"(. .. ) sob o sistema do /aisser-faire, o rendimento não é bem


distribuído; e como consequênc1a disto, produzem-se
mercadorias menos urgentes para o consumo dos ricos, ao
passo que faltam aos pobres educação, saúde, alimentação,
habitação decente e os confortos ordinários" (LEWIS, 1960, p.
27).

Também, o mecanismo de mercado não consegue atribuir caráter humano às


relações de salário. Talvez, numa sociedade em pleno emprego e na qual ocorresse
a concorrência perfeita, viveríamos uma situação em que os empregadores teriam
que agradar os seus operários garantindo seus direitos como trabalhadores, mas por
ser uma hipótese que só ocorreria após a combinação de dois fatores muito
improváveis, o Estado é uma proteção muito mais segura.

8
Decorrente do ponto acima, Lewis apresenta outro defeito da economia de
mercado, que é a sua instabilidade. O autor é bem claro quando se utiliza da
proposição de que "A iniciativa privada na criação de capitais produz ciclos,
desemprego e miséria" (LEWIS, 1960, p. 28). Desta forma, conclui o autor que a
economia de mercado não poderia funcionar de maneira adequada "sem o apoio
positivo do Estado" (LEWIS, 1960, p. 29).

Ainda sobre a discussão entre a utilização ou não da intervenção estatal na


economia, através de um planejamento econômico sólido, é de se considerar a
opinião expressa por Hyman Minsky em sua obra "Stabilizing an Unstabfe Economy"
(MINSKY, 1986)

Para ele, somente com a utilização de uma atividade de planejamento


bastante abrangente, abarcando medidas de política econômica bem desenhadas
em diversas áreas ao mesmo tempo, seria possível imaginar a capacidade de
controlar os problemas que surgem do modo de produção atualmente adotado em
grande parte do mundo, o capitalismo.

Ainda, para que um programa de reforma seja mais do que um simples


reflexo dos prejuízos constatados, ele tem que ser baseado em uma verdadeira
crítica ao sistema econômico atual, capaz de identificar o que está errado e explicar
o porquê dessas coisas erradas acontecerem.

A partir da idéia do Planejamento Econômico, surge, como instrumento para o


desenvolvimento de uma economia, o conceito de Política Industrial. Como descrito
por Gadelha:

"O conceito de política industrial tem sido tradicionalmente


trabalhado a partir de dois enfoques (... ). O primeiro, mais
amplo e normalmente classificado como horizontal ou
sistêmico, enfatiza a ação governamental sobre as condições
gerais que conformam o ambiente econômico, interferindo no
desenvolvimento industrial de forma indireta. Nesse enfoque, a
política industrial envolve as orientações para as condições de
infra-estrutura física, educacional e de ciência e tecnologia
(C&T), a política antitruste, as diretrizes governamentais mais
gerais para a indústria e até mesmo a política

9
macroeconômica, entre outros aspectos que interferem de
forma importante, porém indistinta, sobre o setor industrial. A
ação seletiva para indústrias particulares é descartada ou, no
máximo, é vista como um componente adicional da política
industrial, cujo impacto é considerado restrito e pertinente
somente em condições econômicas e institucionais muito
peculiares. (... )

O segundo enfoque, mais restrito, associa-se às políticas


seletivas verticais, vinculadas a metas para os diferentes
setores da indústria (industrial targeting) que norteiam a
utilização dos diversos instrumentos de estímulos e de
sanções. Mesmo reconhecendo a interdependência entre as
distintas políticas, esse enfoque privilegia a delimitação de um
espaço próprio para a política industrial." (GADELHA, 2001, p.
2-3)

Outros autores de enorme brilhantismo teórico se debruçam sobre o conceito


de Política Industrial. Wilson Suzigan e João Furtado apresentam duas visões de
diferentes escolas econômicas sobre o que seria a Política Industrial. Ao apresentar
a visão liberal, apontam que a Política Industrial teria utilização muito restrita e seria
destinada especificamente para solucionar pequenas imperfeições de mercado e de
natureza horizontal:

"Autores de extração liberal utilizam um arcabouço de teoria


formal para justificar intervenções por meio de política industrial
como forma de sanar falhas ou imperfeições de mercado, (... ),
sob o pressuposto de que a economia se encontra numa
trajetória de equilíbrio sub-ótimo, e com os supostos de
racionalidade substantiva de agentes com comportamento
maximizador, estruturas industriais dadas e conhecimento
disponível como um bem livre. (... ) E mesmo assim as
intervenções somente se justificariam quando seus benefícios
não fossem inferiores aos seus custos em termos de falhas de
governo (ou da burocracia) e de rent-seeking". (SUZIGAN e
FURTADO, 2006)
10
Já ao apresentar o pensamento da escola heterodoxa neoschumpeteriana,
estes autores concluem ser este pensamento mais adequado e condizente com a

formulação e implementação de uma Política Econômica como estratégia de


desenvolvimento, pois:

"essa abordagem descarta o pressuposto do equilíbrio e sob


hipóteses mais realistas de que o comportamento dos agentes
baseia-se em racionalidade limitada (ou condicionada) e de
que o conhecimento é predominantemente tácito e
idiossincrático. Propõe que há uma co-evolução de tecnologias,
de estruturas de empresas e de indústrias, e de instituições em
sentido amplo, incluindo instituições de apoio á indústria, infra-
estruturas, normas e regulamentações, tendo a inovação como
força motora. Assim, neste enfoque a Pl é ativa e abrangente,
direcionada a setores ou atividades industriais indutoras de
mudança tecnológica e também ao ambiente econômico e
institucional como um todo, que condiciona a evolução das
estruturas de empresas e indústrias e da organização
institucional, inclusive a formação de um sistema nacional de
inovação. Isto determina a competitividade sistêmica da
indústria e impulsiona o desenvolvimento econômico.

Esta segunda abordagem mostra-se mais adequada á


formulação e implementação de uma Pl como estratégia de
desenvolvimento, e seu amplo escopo implica a necessidade
de compatibilizá-la com a política macroeconômica,
estabelecer metas, articular instrumentos, normas e
regulamentações aos objetivos estabelecidos, coordenar o
avanço das infra-estruturas (física, de C,T&I e social) em
sinergia com a estratégia industrial, e organizar o sistema de
instituições públicas e entidades representativas do setor
privado que irão interagir na execução de estratégia".
(SUZIGAN e FURTADO, 2006)

Ou seja, como descrito pelo DIEESE de forma clara e didática em sua


publicação mensal "Nota Técnica":
11
"Uma política industrial pressupõe um conjunto de medidas que
forneça bases adequadas para o desenvolvimento do setor,
tais como:
- incentivos fiscais;
- investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D);
-créditos subsidiados;
-intervenção direta do Estado no processo produtivo;
- parcerias público-privadas;
- criação de zonas francas e de processamento para
exportação (ZPE), entre outros". (DIEESE, 2005, p. 02)

Conforme passaremos a discutir nos próximos tópicos, verificamos que tanto


no desenvolvimento econômico e industrial do Brasil quanto no da Coréia do Sul,
houve forte participação do governo através de Políticas Industriais compatíveis com
os planos econômicos de desenvolvimento elaborados por seus governos ao longo
dos anos.

Essas políticas adotadas foram em grande parte responsáveis pelo


crescimento vigoroso que as duas economias apresentaram desde que optaram por
abandonar as estruturas produtivas existentes no início do século passado, até o
ponto de se tornarem referências mundiais entre os países em desenvolvimento.

12
Capítulo 11

Desenvolvimento Industrial Brasileiro e Sul Coreano nas Décadas de 1950-


1980

1- Desenvolvimento Industrial no Brasil

Até a década de 1930, o Brasil era um país basicamente agrário, com


pequenas e incipientes indústrias que conferiam uma dinamização muito pequena e
de quase nenhuma importância para a economia nacional quando comparado ao
setor agro-exportador, baseado, principalmente, na economia do café. Como
explana Furtado, "no último decênio do século XIX criou-se uma situação
excepcionalmente favorável à expansão da cultura do café no Brasil" (FURTADO,
1995, p. 177).

Entretanto, toda essa situação favorável passou a inexistir e já dava sinais de


que uma futura crise poderia vir a acontecer desde o inicio do século XX, o que se
demonstrou claro com o convênio de Taubaté, em 1906, momento em que se iniciou
uma política de proteção ao café por parte do Governo nacional.

Esta política de defesa estabelecida foi suficiente para manter o


funcionamento da economia cafeeira por alguns anos, mas, como diz Furtado em
sua obra, perdeu eficiência com o fim do terceiro decênio deste século. Com a crise
mundial de 1929, este setor perdeu a força que tinha no cenário internacional,
devido ao grande desequilíbrio estrutural entre oferta e procura que vigia á época,
deflagrando a crise também no Brasil. Tal fato poderia levar o país á bancarrota
caso não ocorressem medidas econômicas mais amplas por parte do governo e o
início da busca por um deslocamento do centro dinâmico da economia brasileira,
além de uma profunda transformação da base produtiva.

Teve início, então, a tentativa nacional de industrialização que, ao longo dos


anos e dos diferentes governos, trilhou caminhos diversos, por meio de planos de
desenvolvimento até atingir o nível desejado e necessãrio para caracterizar o Brasil
como país industrializado na década de 1970. Como versa Luciano Coutinho, no
prefácio á obra de Otaviano Canuto, "ao fim dos anos 70 o capitalismo retardatário

13
brasileiro havia construído a mais avançada, a mais complexa e integrada economia
industrial dentre os países em desenvolvimento" (CANUTO, 1994, p. 7).

De acordo com os ensinamentos de Wilson Suzigan, pode-se afirmar que:

"antes dos anos trinta não havia preocupação sistemática da


política econômica com a promoção do desenvolvimento
industrial. Entretanto, isso não significa que não houve
iniciativas, mesmo que esparsas e nem sempre consistentes,
com uma visão de proteção da atividade industrial doméstica e
desenvolvendo certas indústrias, principalmente no período
entre a I Guerra Mundial e o final dos anos vinte" (SUZIGAN,
1997, p. 32- Tradução livre).

Uma real articulação nacional, só teve início a partir dos anos 30, pelas
razões já descritas, mas como relata Suzigan em sua obra, essa tentativa só
observou um grau de coordenação compatível com o conceito de Política Industrial a
partir da segunda metade dos anos 1950. Com maior destaque, encontram-se dois
planos nacionais: O Plano de Metas e o li PND.

Wilson Suzigan afirma que "Em ambos, houve uma opção política pelo
desenvolvimento industrial e um papel predominante do Presidente da República,
apesar de ocorrerem sob regimes políticos totalmente diferentes" (SUZIGAN, 1997,
p. 37- Tradução livre). Ainda conforme lecionado por este autor em sua obra, no
período do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, percebeu-se um foco na
organização de uma administração paralela, por meio dos Grupos Executivos,
Grupos de Trabalho entre outras agências como responsáveis pela feitura do
planejamento, criação dos instrumentos e alocação dos recursos para sua
implementação "independentemente de apoio específico do Congresso Nacional"
(BENEVIDES, in SUZIGAN, 1997, p. 38- Tradução livre) 1.

Já no li PND, sob um regime ditatorial, portanto muito mais rígido do que o


período de sucesso na política industrial anterior, o governo autoritário centralizou
todo o comando da política econômica inclusive retirando qualquer forma de
participação do Congresso Nacional na sua formulação, implantação e condução.

BENEVIDES, M. V. M. O Governo Kubitschek~ desenvolvimento econômico e estabilidade política, 1956-1961.


1

Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1976.

14
Os dois projetos nacionais tinham objetivos setoriais e metas industriais
claramente determinadas. O Plano de Metas, como o próprio nome diz, já deixava
claro seu propósito e contava com a participação dos grupos executivos. O li PND,
por sua vez, além do plano inicial, contava com Comissões de Desenvolvimento
Industrial e programas setoriais, regionais e específicos. Em ambos os casos, os
instrumentos e políticas auxiliares se tornaram razoavelmente inter-relacionados e
sincronizados, dados os objetivos do plano e dos objetivos setoriais ou das metas
industriais determinadas (SUZIGAN, 1997, p. 38- Tradução livre).

Wilson Suzigan demonstra quais foram e quais as funções atribuídas a cada


um dos instrumentos e das politicas auxiliares adotadas nos dois planos:

"Durante o Plano de Metas, a proteção começou a ser


administrada por um sistema composto por novas altas tarifas
alfandegárias ad vaiarem; taxas de câmbio múltiplas de acordo
com uma escala de prioridades; rígidas barreiras não-tarifárias,
particularmente a utilização de um teste de similaridade
nacional e índices de conteúdo nacional mínimo, e os primeiros
incentivos á exportação de produtos manufaturados. O
financiamento com a diversidade das operações do BNDE para
as indústrias básicas e com os bancos regionais; as políticas
de desenvolvimento começaram a administrar incentivos fiscais
que foram sistematizados pelos grupos executivos e pelas
agências regionais para o investimento e desenvolvimento
regional, e a ação do CNPq e CAPES significaram o começo
do processo de fortalecimento de atividades de pós-graduação
e pesquisas acadêmicas no pais (apesar da pequena ênfase
no desenvolvimento tecnológico ser outra deficiência do Plano
de Metas quanto aos fundamentos de Politica Econômica).
Políticas regulatórias começaram a ser implementadas através
de licenças de investimento pelos grupos executivos e pela
SUMOC (esta última para capital estrangeiro) e para atrair
investimento direto estrangeiro através de regulação
especifica, além de outras práticas regulatórias que já estavam
sendo utilizadas á época, principalmente controle de preços e

15
regulação do mercado de trabalho" (SUZIGAN, 1997, p. 38-39
-Tradução livre).

As medidas, portanto, foram implementadas em diversos pontos, com foco na


rápida mudança no viés produtivo nacional. Os resultados obtidos foram bastante
satisfatórios, e permitiram uma nova consciência que valorizava o crescimento
industrial do país como forma de atingir o desenvolvimento.

Em relação ao 11 PND, as medidas já adotadas foram estendidas e


intensificadas. Conforme Suzigan:

"A taxa de câmbio era periodicamente ajustada por meio de


mini-desvalorizações. Tal sistema teve início em 1968 e aliviou
o recorrente problema da sobrevalorização da moeda nacional.
Tarifas aduaneiras eram extremamente altas, mas tinham
pouco efeito prático (... ). De forma complementar, a promoção
das exportações de produtos manufaturados não se limitava
aos regimes de estorno de tarifas e isenções fiscais tradicionais
estabelecidos nos anos 60, mas também abrangiam créditos
fiscais, financiamento subsidiado e programas especiais de
promoção às exportações" (SUZIGAN, 1997, p. 39- Tradução
livre)

Além dessas acima descritas, outras medidas também foram tomadas para
incentivar o crescimento e a industrialização no setor de financiamento público, na
promoção de desenvolvimento tecnológico, além de políticas competitivas e de
medidas de regulação mais rigorosas.

Ou seja, em ambos os planos percebe-se a participação do Estado como forte


interventor na economia, buscando o crescimento econômico e desenvolvimento
industrial, que eram as metas a ser atingidas pelos dois planos. Mas esses planos
não se limitavam a ações na área de fomento às indústrias, atuavam também, como
lembra Suzigan, na área de infra-estrutura e educação. Enquanto o Plano de Metas
tinha foco nos setores de energia, transporte e educação, o li PND foi mais adiante e
também direcionou investimentos públicos às áreas de infra-estrutura de
armazenagem, telecomunicações e desenvolvimento social.

16
Ante todo o exposto, percebe-se o claro papel desempenhado pelo Governo
brasileiro no sentido de prover as condições básicas necessárias e eficientes para a
industrialização do país, mas, como demonstra Tiago Nery em sua obra, "a análise
do papel do Estado não pode ser feita sem levar em conta suas articulações com o
sistema internacional" (NERY, s/d, p. 6).

Veremos em seguida que as condições geopoliticas foram muito mais


benéficas para o desenvolvimento dos países europeus e do leste asiático (inclusive
a Coréia do Sul, pais que estudaremos mais detalhadamente a seguir), mas, como
aduz Nery, "tanto no caso dos paises asiáticos como no dos latino-americanos, as
funções desempenhadas pelo Estado resultaram de suas relações específicas com
o capitalismo internacional constitutivas de sua própria natureza" (NERY, s/d, p. 6).

Conforme traz Tiago Nery em sua obra, há diversas formas de relações que
podem ser construídas nesse caso, e entre diferentes atores econômicos. Estado,
setor privado nacional, setor privado estrangeiro e ainda os setores organizados da
classe trabalhadora são alguns dos exemplos de agentes que interferem na
formulação de politicas e no desenho das relações a serem constituídas.

No Brasil, como cita o autor, não houve a construção de uma sólida base de
financiamento que fosse, à época, capaz de sustentar as atividades governamentais.
Estas atividades, portanto, tiveram que buscar no capital estrangeiro sua
viabilização, divergindo a relação estabelecida com o capital estrangeiro com o
passar dos anos.

Se nos anos 1950 verificou-se uma parceria direta com o capital estrangeiro
privado das grandes corporações transnacionais, 20 anos após verificou-se o
recurso aos capitais por intermédio de bancos internacionais a juros internacionais
flutuantes, o que, como alerta Tiago Nery, aprofundou "os laços de dependência
externa na medida em que esses recursos, na maioria das vezes, não eram
utilizados para mudar as estruturas preexistentes, mas para sancioná-las" (NERY,
s/d, p. 8)

Este autor chega à mesma conclusão que Luciano Coutinho, abaixo


consignada, no prefácio da obra de Otaviano Canuto, de que:

"apesar dos desperdícios e da corrupção, os principais paises


da América Latina conseguiram, via endividamento externo,
17
realizar parte dos projetos nacionais de então (agroindústria,
petróleo, infra-estrutura, etc.), alterando suas estruturas
produtivas, bem como sua pauta exportadora, com crescente
participação de produtos industrializados. Sem dúvida alguma,
o Brasil foi o país que melhor aproveitou as chances desse
momento, ao fim do qual exibia - graças ao 11 PND - a
indústria mais integrada da América Latina" (NERY, s/d, p. 8-9).

Ao final do período em questão, o Brasil encontrava-se em grau de


equiparação à estrutura industrial produtiva dos países mais desenvolvidos do globo,
em relação às inovações oriundas da segunda revolução industrial (CANUTO,
1994), e é inegável a participação do Estado com seus planos de desenvolvimento
para que se atingisse esse patamar. Resultado: "Ao fim dos anos 70 o capitalismo
retardatário brasileiro havia construído a mais avançada, a mais complexa e
integrada economia industrial dentre os países em desenvolvimento" (COUTINHO,
Luciano in CANUTO, 1994, p. 7).

Tal afirmativa foi possível com a observação dos excelentes índices de


crescimento econômico apresentados pelo Brasil do final da década de 1950 até
1980, com um breve período de desaceleração e crise nos anos 1960, conforme
dados da tabela 1. Os números são bastante elevados e distantes da realidade
brasileira em outras décadas.

18
TABELA 1. PIB-
Variação real anual
1958 10,8
1959 9,8
1960 9,4
1961 8,6
1962 6,6
1963 0,6
1964 3,4
1965 2,4
1966 6,7
1967 4,2
1968 9,8
1969 9,5
1970 10,4
1971 11,34
1972 11,94
1973 13,97
1974 8,15
1975 5,17
1976 10,26
1977 4,93
1978 4,97
1979 6,76
1980 9,2
Fonte: IPEADATA

2- Desenvolvimento Industrial na Coréia do Sul

A Coréia do Sul (República da Coréia) por sua vez, antes do inicio dos
esforços pró-industrialização nos anos 1950, era um dos países mais pobres do
mundo. "Ao longo dos anos 1960 e 1970, um grupo de países em desenvolvimento
na Ásia começou a crescer rapidamente" assevera Yoo, e continua: "Poucos
esperavam que eles conseguissem isso, pois nenhum deles era particularmente
abençoado com recursos naturais ou tinham avançada ciência e tecnologia" (YOO,
1996, p. 1- Tradução livre).

19
Quase seis décadas depois, o pais cresceu ao ponto de figurar entre as 15
maiores economias do mundo, baseada numa economia voltada á exportação e com
intensa participação do governo como planejador e fomentador desse crescimento.
E não é só na área da economia que a Coréia do Sul atingiu desenvolvimento. A
influência do governo, diferentemente do ocorrido no início da industrialização
brasileira, propiciou, e mais do que isso, se beneficiou da melhoria dos índices
sociais como o alto nível de educação e maior homogeneidade social. Mas mesmo
assim, no fim da década de 1970 e no começo da década seguinte "a Coréia do Sul
olhava o Brasil com alguma inveja, como exemplo a ser seguido" (CANUTO, 1994,
p. 7).

Como explana Tiago Nery, "durante a Guerra Fria e a vigência do padrão-


dólar era possível verificar dois tipos bem sucedidos de desenvolvimento nacional"
(NERY, s/d, p. 3), um é o caso verificado na reconstrução da Europa, Japão e o
advento dos tigres-asiáticos, denominado desenvolvimento "a convite", e o outro,
que tem como melhores exemplos o Brasil e o México, o desenvolvimento
dependente e associado. Com o advento da Guerra Fria, a Coréia do Sul se tornou
uma posição geográfica de grande importância para os Estados Unidos, devido á
divisão do país em dois blocos- tendo o bloco norte aderido à causa comunista- e
á proximidade com a China comunista, atraindo, dessa forma, grandes volumes de
capitais norte-americanos.

Diferente do que ocorreu no Brasil, entre 1953 e 1962, a ajuda destinada á


Coréia do Sul pode ser estimada em 80% da Formação Bruta de Capital Fixo do
país, obtendo importância crucial para o financiamento da balança comercial
coreana, que, á época, apresentava déficit de aproximadamente 1O vezes o valor
das exportações. Ou seja, fica claro, nesse ponto, que foram essas condições
geopolíticas que garantiram o pontapé inicial para o desenvolvimento industrial
dessa economia pobre, e ainda mais, permitiu o acesso ao mercado consumidor
interno americano. Este ainda passou por um longo período de ampliação do
escoamento da produção coreana, já que, notadamente, a Coréia do Sul não
possuía (nem possuí) um mercado interno grande o suficiente para validar
investimentos de tamanho vulto na produção industrial de larga escala (NERY, s/d,
p. 4).

20
Os Estados Unidos da América ainda participaram da industrialização sul-
coreana através de interferências diretas na organização do país, conforme suscita
Nery, obtendo profundos impactos politicos no que tange a forma de liderança do
governo em relação ao progresso econômico.

Já foi dito acima que os indices sociais da Coréia do Sul também


apresentaram melhoras e, também nesse aspecto, a participação estadunidense foi
relevante. A revolução educacional sul coreana seria impensável e impossível de ser
realizada sem a reforma agrária dos anos 1950, que contou com a ajuda dos norte-
americanos, e foi responsável por gerar uma sociedade mais equânime, uma melhor
distribuição de renda, que por sua vez, "viabilizou a qualificação da mão-de-obra,
sem o que o desenvolvimento da indústria com base em alta tecnologia teria sido
impossivel" (NERY, s/d, p. 5).

"A eliminação da elite rural, a existência de uma burguesia


fraca e a ajuda americana permitiram o fortalecimento do
estado, abrindo caminho para o que alguns intelectuais
chamam de 'capitalismo burocrático', no qual o aparato estatal
se torna a arena central onde os ganhos e as perdas do capital
privado são decididos. A convergência desses fatores fez que o
estado coreano tivesse capacidade de intervir em todo o
processo, financiando, dirigindo e controlando o setor privado
em um nível tal somente comparável a econom1as
centralizadas, só que com uma eficiência superior" (NERY, s/d,
p. 5).

Existe outro fator muito importante e que precisa ser levado em conta. Como
tratado por Luciano Coutinho no prefácio à obra de Canuto, a Coréia do Sul tirou
bastante proveito devido a sua posição geopolítica:

"A Coréia do Sul, por sua vez, beneficiou-se


extraordinariamente da vizinhança com a estrela emergente da
competitividade mundial, lider do novo paradigma tecnológico e
organizacional - o Japão. A Coréia conseguiu driblar a crise da
dívida graças à possibilidade de substituir as fontes
convencionais de crédito, através de empréstimos bancários,

21
por novas operações de captação - securitizadas - no
mercado financeiro japonês. Além do suporte financeiro, o
capitalismo industrial coreano aproveitou a oportunidade
excepcional de se engatar diretamente na Terceira Revolução
Industrial e Tecnológica através do aprofundamento de
parcerias com a indústria japonesa - em pujante ascensão na
área do complexo eletrônico" (COUTINHO, Ji1 CANUTO, 1994,
p. 10).

E se o Brasil, como já dito, logrou êxito em completar sua industrialização no


padrão dominante, se aproximando dos países industrializados, a Coréia do Sul, por
sua vez, foi um dos únicos casos de industrialização tardia e periférica "em
condições de saltar para o restrito clube dos países avançados" (CANUTO, 1994, p.
1O), concentrando seus esforços no aproveitamento das oportunidades de ingressar
na Terceira Revolução Industrial.

Ou seja, com a questão do financiamento praticamente equacionada, restava


ao Estado sul coreano utilizar de todos os pontos positivos que dispunha e aliá-los a
um planejamento industrial para colocar a economia da nação nos trilhos do
desenvolvimento sustentável. O governo manteve seu arbítrio sobre as taxas de
depósito e empréstimo além de sua taxa de expansão; com a criação de cinco
bancos nacionais, detinha o controle de mais de 2/3 dos recursos investidos no país
fazendo uma política dirigida aos setores escolhidos para receber esses recursos,
decidindo para quais grupos e sob quais taxas e condicionamentos aqueles seriam
concedidos (NERY, s/d, p. 7).

Com isso em mente, adiciona-se o fato de que o governo sul coreano avaliava
e monitorava os projetos que financiava, "mantendo critérios comerciais mesmo
quando se tratava de projetos prioritários do governo, o que permitia um alto nível de
repagamento e um baixo nível de perdas" (NERY, s/d, p. 7). O Estado também
mantinha controle sobre o mercado de capitais, o acesso ao crédito externo, e
muitas vezes, obrigava que parte do capital financiador dos grupos fosse doméstico,
e por eles concedido: mais uma maneira de aumentar seu poder de controle sobre
esses grupos, demonstrando claramente que, "ao contrário dos preceitos
neoclássicos, houve uma política de forte intervenção estatal na economia" (NERY,

22
s/d, p. 8) sendo esta a única saida possivel para a melhoria das condições
econômicas do país- e comprovadamente viável.

Com relação mais precisa ao Planejamento, o governo coreano atuou, assim


como no Brasil, em diversos planos, porém mais bem estruturados. Foram cinco
planos quinquenais aplicados rigidamente, nos quais "o Estado não só estabelecia
metas como também financiava, controlava, punia e premiava" (NERY, s/d, p. 9),
sendo o responsável pela concessão de licenças e subsídios, definição sobre quem
produzia o que e quanto e a estruturação patrimonial das empresas.

Ou seja, os grupos industriais, chamados de chaebols, se submetiam


totalmente a essas regras, mas em contrapartida, recebiam toda a cooperação
governamental para o seu desenvolvimento. Dessa maneira, então, foram criados
vários dos grandes grupos industriais coreanos existentes até a atualidade.

O governo decidiu, na década de 1960, pela mudança na dinâmica


econômica da economia sul coreana, no sentido da escolha pela exportação. Na
década anterior, a política industrial se concentrava na prática das substituições de
importações, verificada também no caso brasileiro e de tantas outras economias em
desenvolvimento à época. O won (moeda coreana) estava valorizado, impondo-se
severas restrições às importações por meio de quotas de importação e outras
barreiras não tarifáveis. Na década de 1960, então, o governo decidiu por duas
desvalorizações do câmbio nacional, corrigindo a sobrevalorização anteriormente
verificada e introduziu diversos incentivos para os exportadores.

Como descrito no artigo escrito por Vinti Vaid (2010), o fomento de uma
economia forte também incluiu o setor automotivo. Para desenvolver essa indústria o
governo sul-coreano anunciou várias políticas setoriais nos anos 1960, que serão
detalhadas nos tópicos a seguir, proibindo montadoras estrangeiras de operar
autonomamente no país, levando a criação de empresas nacionais que iniciaram
suas operações em parceria e com ajuda técnica de grandes multinacionais.

Na década de 1970, adicionou-se um novo foco à Política Estatal. Dessa vez


o foco passou a repousar sobre as Indústrias Pesadas e Químicas, que objetivavam
a sua promoção e desenvolvimento, consideradas setor chave. Incluía aço e ferro,
metais não ferrosos, construção de navios, maquinário em geral, químicos e
eletrônicos (YOO, 1996).

23
Como articula Tiago Nery:

"Os enormes conglomerados industriais (chaebols)


praticamente foram criados pelo Estado, que os mantinha sob
controle estrito. As empresas estavam sujeitas a vários outros
controles gerais em troca do apoio governamental:

- com a propriedade e/ou controle de todos os bancos


comerciais e da Bolsa de Valores, o governo ajudou a orientar
os chaebo/s ern direção à acumulação de capital ao invés de
procurar aplicações financeiras;

- controle de preços negociados anualmente;

-controle de fuga de capital para o exterior" (NERY, s/d, p. 9).

O plano de desenvolvimento sul-coreano iniciado em 1962 objetivou a criação


de uma base industrial capaz de fomentar tanto a substituição das importações
quanto a promoção a exportação. Tecnologias importadas tiveram que ser adotadas
inicialmente, já que partir de rascunhos seria um caminho inviável para o
desenvolvimento de uma indústria competitiva internacionalmente.

A Coréia do Sul se tornou, então, com o resultado obtido com as politicas


acima descritas, na segunda metade dos anos 60 e inicio dos anos 70, uma
plataforma de exportação de produtos baseados na alta intensividade de mão-de-
obra não qualificada, trilhando a partir desse período os caminhos rumo à
industrialização pesada, modificando sua inserção na divisão internacional do
trabalho. Tiago Nery ainda ressalta outra mudança, ocorrida a partir de 1979,
quando os esforços concentraram-se "em um enorme processo de reestruturação,
com foco voltado para a exportação de produtos mais dinâmicos" (NERY, s/d, p. 8).

As politicas postas em prática visavam, além da transferência de tecnologia,


desenvolver a capacidade dos setores nacionais da indústria de absorver, digerir,
assimilar e melhorar a tecnologia transferida. A Pesquisa e Desenvolvimento
também foi alvo de um programa governamental em 1982, que inclusive focou a
capacitação profissional. Ainda, no momento de expor a indústria sul-coreana à
competição com os produtos internacionais, performances positivas eram premiadas
garantindo melhor acesso a financiamento e outros benefícios.

24
Para ilustrar essa mudança na economia e principalmente na sociedade
coreana, recorremos à citação de Yoo: "Enquanto a economia estava crescendo
rapidamente, a estrutura industrial passou por uma grande transformação. Como
mostrado na tabela 2, no início dos anos 1960, aproximadamente 70 por cento de
todos os trabalhadores estavam engajados na agricultura. coleta e pesca. Em torno
de 1970, a proporção de trabalhadores no setor primário declinou para 50 por cento"
(YOO, 1996, p. 5- Tradução livre).

Table 2: Changes in Industrial Structure

(percentl
·-'·""--,....... ·-=-~ ... . ~··-=-~·

Agriculture.
Mining Manufacturing Others
forestry & fisllery
- - - ··--- --- - --·-·---- -·-···-··- ·-·--·- -- ----
A. Gross Domestic Product by Sector
1960 36.9 2.1 13.6 47.4
1965 38.7 1.8 17.7 41.8
1970 25.8 1.3 21.0 51.9
1975 24.9 1.4 26.6 47.1
1980 15.1 1.4 30.6 52.9
1985 13.9 1.5 29.2 55.3
1990 9.1 0.5 29.2 61.2
B. Emp1oyment by Sector
1960 68.3 0.3 1.5 29.9
1965 58.6 0.9 9A 31.1
1970 50.4 l.l 13.1 35.4
1975 45.7 o.s 18.6 35.2
1980 34.0 0.9 21.6 43.5
1985 24.9 LO 23.4 50.7
1990 18.3 0.4 26.9 54.4
-~~---=---~__,_____ ~-·

Source: Economic Planning Boa.rd, Jla.:for Statistic:s of Xo.rean Economy, Various


issues an.d Bank of Korea. Eco1101JlÍC statistJ.cs Yearbook 1962

25
O crescimento da economia Sul-Coreana (atualmente a 15' maior economia
do globo) pode ser considerado como um exemplo para muitas economias em
desenvolvimento. Se a Coréia pode ser considerada uma economia dinâmica, em
parte isso é devido às políticas estatais referentes ao fortalecimento e
desenvolvimento do setor de ciência e tecnologia seguidas pelo país.

26
Capítulo 111

Evolução da Indústria Automotíva e Políticas de Planejamento Industrial no


Setor Automotivo

1- Evolução e Políticas voltadas para o setor automobilístico brasileiro

O primeiro carro motorizado chegou ao solo brasileiro em novembro de 1891,


trazido da França, aportando na cidade de Santos. Seu proprietário era ninguém
menos que Alberto Santos Dumont. Na época, o automóvel era uma imensa
raridade no continente sul-americano, além de item de muito luxo, e existia fila para
a importação desse produto entre as figuras ilustres da sociedade brasileira.

De olho nesse mercado ansioso pela novidade mundial que já começava a


tomar os grandes centros, a empresa americana Ford decidiu em 1919, trazer uma
filial da empresa norte-americana ao Brasil. A primeira linha de montagem e o
escritório da empresa foram montados no centro da cidade de São Paulo. Já em
1925, foi a vez da General Motors do Brazil abrir sua fábrica no bairro paulistano do
lpiranga. Alguns meses depois da instalação dessa segunda montadora, já circulava
pelas ruas de São Paulo o primeiro automóvel da marca Chevrolet.

Percebendo que o mercado brasileiro já não era mais promessa, apenas dois
anos depois da construção da primeira linha de montagem, a companhia iniciou a
construção da fábrica de São Caetano do Sul. Nos anos que se seguiram, o que se
percebeu foi a efetivação do interesse do brasileiro pelos automóveis, e a frota
nacional cresceu muito rapidamente.

No ano de 1939, teve início a Segunda Guerra Mundial, que é um importante


marco para a Indústria automobilística brasileira. Com ela, as importações foram
fortemente prejudicadas e a frota de veículos no Brasil ficou presa aos veículos que
já existiam no pais, se tornando antiga e desatualizada. Tal fato decorreu da
característica intrínseca à indústria brasileira, que importava todas as peças em suas
fábricas, não produzindo nenhum dos itens necessários à montagem do veículo.

O então presidente da República, Getúlio Vargas, apesar de sua política de


atenção aos interesses dos Estados Unidos, proibiu (ou ao menos dificultou

27
bastante) a importação de automóveis, visando à criação de uma Indústria
Automobilística efetivamente nacional, que fosse capaz de produzir o automóvel por
inteiro. Tal medida, apesar de parecer imprópria aos interesses econômicos dos
EUA, importante aliado econômico e político do Brasil à época, foi bastante favorável
a instalação de filiais produtivas das empresas norte-americanas no país, fato este
que impulsionou ainda mais a indústria de automóveis nacionais.

Com o Governo Juscelino Kubistchek, foram adotadas novas medidas que


impulsionaram o crescimento do setor; a Volkswagen, empresa alemã, foi a primeira
montadora européia a instalar sua fabrica no Brasil, já em 1956, em São Bernardo
do Campo/SP; ainda, neste mesmo ano foi criada a ANFAVEA (Associação Nacional
dos Fabricantes de Veículos Automotivos), com o objetivo de estudar temas da
indústria e do mercado de veículos e máquinas agrícolas, coordenar e defender
interesses das empresas associadas e patrocinar exposições automotivas e outros
eventos de caráter institucional.

Com a criação do GElA - Grupo Executivo da Indústria Automobilística, em


1957, criou-se o meio capaz de regulamentar as atividades da indústria
automobilística no Brasil, proporcionando melhores condições de crescimento para o
setor. Tais acontecimentos demonstram como o governo e o mercado brasileiros
estavam de olho no crescimento desse importante setor industrial no pais.

Conforme relatório da ANFAVEA:

"Nos primórdios, para estimular a produção nacional, o governo


concedeu alguns benefícios, como taxas de câmbio mais
favoráveis apenas para a importação de peças não fabricadas
localmente e crédito para financiamento de máquinas e
equipamentos destinados à instalação e ampliação do parque
fabril brasileiro. Passada a fase de implantação, o setor
automotivo cresceu a taxas médias de 20% ao ano, no período
de 1967 a 1974. Tal incremento só foi possível porque o
governo, nessa ocasião, criou mecanismos de crédito para o
consumidor adquirir veículos." (ANFAVEA, 2006, p. 23)

Percebe-se, portanto, que o governo brasileiro, visando contribuir para o


crescimento deste setor específico da indústria no país, implementou políticas que

28
viabilizaram seu desenvolvimento. Ainda, implementou regras que impediam ou ao
menos dificultavam bastante a importação de produtos importados e atuou também
na concessão de crédito para o consumidor interessado em adquirir o produto. Ou
seja, sua atividade focou, por incentivos em todas as etapas, o desenvolvimento e o
fortalecimento da indústria automobilística no Brasil, garantindo a implantação da
indústria no país e, uma vez implantada, um mercado consumidor capaz de absorver
o resultado do crescimento da produção nacional.

Dessa forma, atingiu-se a marca de mais de 1 milhão de unidades produzidas


por ano já no final da década de 1970. O passar dos anos dava cada vez mais força
para a nascente e agora crescente indústria automobilística, mas "as sucessivas
crises econômicas, no Brasil e no mundo, mudaram o curso (da produção e do
consumo) nos anos 80 e início dos 90" (ANFAVEA, 2006, p.23).

"De 1990 a 1992, vendeu-se anualmente um pouco menos que


no período 1975 a 1977 (média anual de 755 mil unidades).O
setor automotivo apresentava baixa produção, defasagem
tecnológica, pouca competitívídade internacional e apresentava
altos custos ao longo da cadeia. Para reverter a situação,
governo, indústria, concessionários e trabalhadores sentaram-
se à mesa em 1992 e 1993 e costuraram um acordo
automotívo, no qual foram traçadas diversas metas para o
setor' (ANFAVEA, 2006, p. 24).

Novamente, percebe-se que o mercado brasileiro da forma como estava


estruturado, seria incapaz de garantir a manutenção do crescimento do setor. Após
o longo período de estagnação do mercado interno e de baixos investimentos no
setor, a década de 1990 iniciou-se com sérios problemas de competitividade da
indústria automotiva nacional em comparação com o padrão internacional.

"( ... ) os baixos índices de robotízação e de automação, o baixo


nível da educação básica da força de trabalho, a alta
hierarquização dentro das empresas, a falta de confiança entre
os operadores e a gerência e a ausência de trabalho em grupo
foram obstáculos para o sucesso das novas formas de
organização da produção e do trabalho" (CARlO, 2006, p. 3).

29
Novas medidas de Política Industrial deveriam ser tomadas e, conforme
relatório da ANFAVEA, tais medidas foram executadas. Dentre as medidas, estavam
a redução da carga tributária, principalmente IPI e ICMS, e no preço ao consumidor
final, bem como a manutenção dos empregos e ampliação do financiamento. A
grande virada da indústria ocorreu a partir dos acordos setoriais de 1992, do
programa do carro popular de 1993 que, embora não discutido nos acordos, fora
iniciativa do governo Itamar Franco e da política industrial de 1995.

Tudo isso permitiu que a produção nacional dobrasse em cinco anos,


alcançando a escala necessária para a evolução tecnológica que se seguiu. Já em
1997, 2 milhões de unidades foram produzidas, estabelecendo novo recorde de
vendas internas e início de um período de investimentos muito forte no setor
automotivo. A segunda metade da década de 1990 representou um momento de
retomada dos investimentos e alta dinamização da demanda. Tudo isso bastante
relacionado às políticas setoriais adotadas.

O setor, até o início da década de 1990, estava bastante fechado para a


concorrência externa no mercado nacional. As barreiras à entrada de produtos
importados praticamente tornavam inexequível esta prática, protegendo as
empresas que aqui se situaram nas décadas anteriores. Entretanto, toda essa
estabilidade gerou uma acomodação no padrão de desenvolvimento do setor
automotivo, que só voltou a incorporar novas tecnologias produtivas e no produto a
partir da abertura do mercado para o comércio exterior.

Porém, devido às características relativas à indústria, a especificidade do


setor automobilístico no contexto da política industrial brasileira nos anos 90, e a
importância desse setor para a indústria nacional, o setor automobilístico foi alvo de
uma política própria, no momento em que o país como um todo estava abandonando
a forte tradição de elaboração de políticas setoriais, caracterizado, principalmente,
pela atividade da Câmara Setorial e dos acordos setoriais que envolviam tanto o
governo e os representantes da indústria automobilística, quanto os sindicatos como
representantes dos trabalhadores deste setor.

Já a partir da primeira reunião da Câmara Setorial da Indústria Automotiva, no


final do ano de 1991, as negociações evoluíram e resultaram em um acordo muito

30
mais significativo do que o que o governo da época esperava, além de surpreender
a todos os participantes. Esta reunião da Câmara Setorial teve a participação de
diversos entes relevantes do setor: "32 sindicatos patronais e de trabalhadores,
órgãos públicos de âmbito federal estadual e municipal, além de empresas dos
setores automotivo, de motocicletas, de autopeças e de indústrias conexas"
(COMIN, 1998, p 42).

Este primeiro acordo setorial, datado de 26 de março de 1992, nas palavras


de Alexandre Comin, "inaugurou uma nova fase para o complexo automobilístico no
Brasil" (COMIN, 1998, p. 42). Muitas alterações foram provocadas por este referido
acordo, e tem a redução de tributos e margens de lucro ao longo da cadeia produtiva
como a mais importante mudança ocorrida. Esta redução permitiu, e foi em grande
dose responsável, pela redução de mais de 20% nos preços dos veiculos naquele
ano. As reduções recairam principalmente em:

- Redução do IPI: 6 pontos percentuais;

- Redução do ICMS: 6 pontos percentuais;

- Redução nas margens de lucro das montadoras: 4,5 pontos percentuais;

- Redução nas margens de lucro dos fornecedores de autopeças: 3 pontos


percentuais;

- Redução na margem de comercialização das revendas: 2,5 pontos


percentuais.

"Ou seja, o governo (federal e estadual) contribuiu com 12% e


os empresários com 10% para que os veículos tivessem uma
redução de preços superior a um quinto, o que permitiria, (... ),
que o mercado se expandisse velozmente nos anos seguintes
como resposta às sucessivas quedas nos preços" (COMIN,
1998, p. 43).

Além das medidas fiscais Governo-Empresas, foram acordadas medidas nas


relações Capital-Trabalho, como a correção mensal e integral de salários, face à
inflação elevada da época, manutenção do nível de emprego com base no patamar
anterior ao acordo e a criação de um grupo de trabalho para discutir o tema do
Contrato Coletivo de Trabalho, entre outros.

31
Também, para contrapor a política de estabilização praticada pelo Governo
Federal no setor creditício, ocorreram medidas que buscavam a liberação de crédito
específico para o setor automobilístico. Como anuncia Alexandre Comin, a
implementação de um programa de financiamento para automóveis e outros
veículos com a participação do BNDES e demais bancos comerciais, a reabertura de
consórcios com regras favoráveis ao consumidor e a eliminação das restrições de
crédito direto ao consumidor para aquisição de veículos foram três importantes
medidas no sentido da flexibilização do crédito.

Como resultado das intenções demonstradas na Câmara Setorial e das


medidas previstas no Acordo Setorial de 1992, foram criados grupos de trabalho
(GT) encarregados de aprofundar questões específicas: 1- preços e crédito; 2-
comércio exterior; 3- tecnologia, qualidade e produtividade; 4- incentivos fiscais; 5-
investimentos no setor; e 6- relações de trabalho. (COM IN, 1998, p. 44).

Apesar do resultado positivo obtido com o primeiro acordo, o segundo


semestre do ano de 1992 foi marcado por uma profunda inércia institucional,
decorrente do tumultuado processo de impeachment do governo Fernando Collor de
Melo. Somente após a definição de um novo Ministro da Indústria, do Comércio e do
Turismo foram retomados os debates sobre o acordo. A partir deste momento, com
um novo governo definido e a economia dando sinais de que sairia do antigo
panorama de recessão, foi iniciada a formulação de um segundo acordo, celebrado
em 15 de fevereiro de 1993.

Com uma participação ainda mais ampla, após a entrada da "Força Sindical",
o Segundo Acordo Setorial Automotivo "estabeleceu metas ainda maiores para a
produção de veículos e adotou medidas relativas a impostos, condições de
financiamento de veículos, redução da margem de lucro na cadeia produtiva, além
de questões trabalhistas e relativas à tecnologia e qualidade". (COMIN, 1998, p. 45).

As reduções do IPI foram, então, escalonadas de acordo com a potência dos


veiculas, divididos em 4 categorias: 1- superior a 100 HP (36% para 30%); 2- inferior
a 100 HP e com mais de 1.000 cilindradas (31% para 25%); 3- veículos com menos
de 1.000 cilindradas (14% para 8%); 4- veículos comerciais leves (10% para 8%).

Essa redução dos impostos do âmbito federal foi acompanhada por sugestão
ao Conselho de Política Fazendária (CONFAZ) de empreender redução do ICMS, de

32
âmbito estadual. As sugestões foram de: 1- veículos com menos de 1.000
cilindradas (12% para 9% de ICMS); 2- Comerciais leves, ônibus e demais veículos
(manutenção dos 12% de ICMS); e 3- caminhões (12% para 7%) e máquinas
agrícolas (8,8% para 7%).

Com todas essas reduções, os preços sobre os veículos com menos de 1.000
cilindradas chegaram a cair 21,44%, que, somando com a redução anteriormente
praticada, atingiram a ordem dos 40%, fato inédito na indústria automobilística, e
que teve grande influência no fortalecimento do setor.

Fato que merece ser ressaltado, é que, apesar da grande renúncia fiscal
ocorrida em pontos percentuais das alíquotas, a ampliação extraordinária do
mercado interno tornou possível o aumento da arrecadação com os impostos acima
referidos, conforme ressaltado por Alexandre Cominem sua obra.

A Câmara Setorial e os Acordos Setoriais, entretanto, após sua


implementação, tiveram sua força reduzida depois que o governo passou a lidar
diretamente com os representantes das montadoras, e as opiniões antes
convergentes passaram a divergir em vários pontos. O governo expressou
manifestamente a sua intenção de ver a retomada da produção de veículos
"populares por excelência" e baixou a alíquota de IPI desses carros a praticamente
zero (foi neste momento que o Fusca, cuja fabricação havia sido interrompida pela
Volkswagen, voltou a ser produzido, apelidado de "Fusca Itamar").

Esta manobra não priorizou o desenvolvimento tecnológico do setor, que


abdicou momentaneamente do incremento da qualidade e passou a produzir carros
ultrapassados, mas com preços muito baixos devido à redução dos impostos.
Entretanto, com os preços ainda mais reduzidos, um número recorde de veículos
passou a ser produzido e o setor se beneficiou com o aumento das vendas, em
conformidade com o relato anteriormente citado da ANFAVEA.

Disto, infere-se claramente que, apesar de proceder a uma abertura e


desregulamentação do setor principalmente quanto às barreiras à entrada de novos
produtos, o governo e sua Política Econômica não abandonaram a indústria
automobilística aos sabores das forças de mercado. Ele trabalhou em conjunto com
este "ente" econômico criando as condições para que houvesse a importante
retomada do setor na década de 1990.

33
"Se, por um lado, os ganhos em termos de competitividade
decorrentes da reestruturação dos anos 90 não foram
suficientes para efetivar uma inserção externa mais ativa da
indústria local, foram fundamentais para conter o avanço das
importações após a abertura comercial. Nesse aspecto, há que
se considerar que, nessa década, a abertura comercial
promoveu uma mudança estrutural no comércio exterior do
País, na medida em que o aumento das importações, em todo
o período, foi significativamente superior ao aumento das
exportações" (CARNEIRO' in CARIO, 2006, p. 8).

A indústria automobilística nacional, incluindo o setor de autopeças, investiu


US$ 32 bilhões no periodo 1994-2005. Tais investimentos foram o suficiente para
resultar no aumento da capacidade produtiva (em 2006 de 3,5 milhões de
unidade/ano); a produtividade da indústria automobilística era igual a 7,79 unidades
produzidas por trabalhador em 1990, índice que em 2004 chegou a 24,8 unidades
por pessoa empregada. Com isso, o setor automotivo, incluindo toda a produção de
autopeças, passou a responder por 19,8% do PIB industrial de 2009 significando
grande aumento na escala histórica.

"( ... ) o faturamento da indústria automobilística teve um


comportamento semelhante ao dos investimentos. Na segunda
metade da década de 90, a média anual do faturamento foi
superior à verificada na primeira, atingindo, entre 1995 e 1998,
US$ 17,97 bilhões. A ligeira queda no faturamento, entre 1999
e 2003 (média deUS$ 16,22 bilhões), deveu-se, sobretudo, ao
aumento da capacidade ociosa nesse período. Todavia, em
termos de participação no PIB industrial, essa indústria
manteve em todo o período uma média em torno de 10%"
(CARIO, 2006, p. 5).

Ainda, esse setor da indústria não apresenta dados importantes só na esfera


produtiva. A intensificação da produção de veículos nacionais significou a

2
CARNEIRO, Ricardo. Desenvolvimento em crise: a economia brasileira no último quarto do século XX. São
Paulo: UNESP, 2002.

34
incorporação de inovações tecnológicas estritamente nacionais aos veículos aqui
produzidos e agora exportados.

Como exemplo, temos a motorização 1.0, lançada em 1990 e que, em 2005


respondeu por 55% das vendas ao mercado interno. Também, os motores
bicombustíveis já existentes desde a década de 1970 nos EUA foram desenvolvidos
e aperfeiçoados no Brasil e tomaram imenso vulto no país. Os modelos começaram
a ser comercializados em 2003 e, em apenas três anos, já respondiam por mais de
76% do mercado interno. Outro desenvolvimento nacional de grande sucesso foi o
segmento dos veículos comerciais leves derivados dos automóveis de passeio,
como Chevrolet Montana, Fiai Strada, VW Saveiro e Ford Courier. Estas são
produtos tipicamente nacionais, que já são exportados para diversos países, sendo
o Brasil o único mercado que sustenta os três segmentos de picapes: grandes,
médias e pequenas (ANFAVEA, 2006, p. 26).

De acordo com a ANFAVEA:

"Impulsionadas pelos bons números (... ) e com cenário


promissor do País e da região, várias montadoras decidiram
instalar fábricas no País. Renault, Peugeot Cítroen e Honda
são alguns exemplos. Outras resolveram ampliar e modernizar
as antigas fábricas e abrir novas, caso da Ford em Camaçari,
Volkswagen em São José dos Pinhais, General Motors em
Gravataí, e Toyota, em lndaiatuba" (ANFAVEA, 2006, p. 24-
26).

Com tudo isso, após os esforços do mercado e a conduta da Política


Industrial exercida pelo governo, plantaram-se condições econômicas para o rápido
progresso também em manufatura, em razão dos condomínios industriais e de
fábricas bastante produtivas, mesmo afastadas do núcleo pioneiro do ABC. Ao
chegar ao século 21, o limiar tecnológico da indústria automobilística nacional
superou a simples maturidade atingida com os esforços das décadas anteriores.

O relatório da ANFAVEA é bastante preciso nesse ponto ao relatar que:

"Vieram os primeiros modelos projetados no Brasil e de


aceitação mundial. São os casos de Meriva, EcoSport e Fax,
que abriram perspectivas bem mais amplas do que apenas
35
criar versões de modelos existentes. O Brasil capacitou-se a
exportar serviços de engenharia, a preços de trabalho
intelectual extremamente competitivos, em todas as etapas de
desenvolvimento, inclusive do veículo completo, bom e barato"
(ANFAVEA, 2006, p. 88).

Percebe-se, a partir da analise da sequência de fatos históricos acima


narrados, que a indústria automobilística brasileira, pelo menos até poucos anos
atras, sempre focou sua produção para que fosse possível o atendimento da
demanda do mercado consumidor interno. A Política Industrial brasileira buscou,
através de todos os pacotes anunciados, garantir que as empresas oriundas do
exterior, produzissem seus produtos internamente, evitando a importação de bens
estratégicos no desenvolvimento econômico e tecnológico do país.

Como versa Alexandre Cominem sua obra:

"Do ponto de vista nacional, este período coincide com a


intensificação da estratégia de desenvolvimento que ficou
conhecida como industrialização por substituição de
importações: da internacionalização de setores produtores de
bens de consumo, a nova estratégia passou a privilegiar os
bens intermediarias e, adicionalmente, a indústria
automobilística e outros bens de consumo durável. Calcadas
no fechamento do mercado interno (até anos 1990), as
políticas econômicas do período visavam oferecer condições
vantajosas ao investimen-to de empresas multinacionais e
nacionais nos setores eleitos e, ao mesmo tempo, fechavam as
portas do comércio externo de modo a garantir o mercado
interno a estas empresas" (COM IN, 1998, p. 22).

Esta política de Substituição das Importações foi, como registrado no relatório


da ANFAVEA, a política responsável por trazer ao país as empresas montadoras,
responsáveis por nacionalizar até 90% de seus veículos num curto espaço de
tempo. Esta medida fortaleceu o setor, mas ficou obsoleta e, a partir do fim dos anos
1980, precisou ser alterada.

36
Novamente citando Alexandre Comin, cujo trabalho especifico sobre o tema é
bastante claro e relata com objetividade as mudanças necessárias na política
econômica específica para o setor:

"O período de profundas mudanças estruturais da economia


brasileira que tem inicio em 1990 foi criando um ambiente
totalmente novo para a indústria brasileira, com reflexos
particularmente importantes no setor automobilístico. Do
trinômio abertura comercial/desregulamentação/privatização
que constitui a essência da nova fase da economia brasileira, o
primeiro elemento foi decisivo para a conformação deste novo
ambiente" (COM IN, 1998, p. 26).

As importações crescentes, somadas à expansão da demanda doméstica,


direcionaram as empresas a promover a modernização das suas linhas de produtos
e com a clara finalidade de aproveitar a redução dos impostos, muitas das
tradicionais empresas já estabelecidas no país passaram a se especializar na
produção de veículos compactos.

Conforme argumenta Cario:

"Mesmo aquelas que tiveram mais dificuldades com as


adaptações foram induzidas a realizar modificações nos
modelos, para não perderem a faixa de mercado. Além disso,
as montadoras passaram a aumentar suas importações,
trazendo de suas matrizes (ou de outras subsidiárias) os
modelos não produzidos domesticamente e, até mesmo,
aqueles produzidos com baixa escala produtiva, ampliando o
grau de especialização de suas plantas e aumentando suas
economias de escala" (CARIO, 2006, p. 5).

A partir dessa retomada ocorrida e verificada até os atuais dias, o número de


carros produzidos no Brasil cresceu bastante. O foco das empresas que sempre foi
o atendimento da demanda nacional por veículos permaneceu como central, mas a
participação de veículos brasileiros no exterior aumentou bastante, principalmente
na América Latina, devido a acordos comerciais no bloco do Mercosul -
principalmente com a Argentina, destino de 57,2% das exportações brasileiras.

37
Nas tabelas e gráfico a seguir, percebemos o movimento ora descrito.

Ocorre que, apesar do crescimento do viés exportador da Indústria


automotiva nacional, essa indústria permanece tendo como foco de destino aos seus
veículos o mercado interno. Tal assertiva é facilmente percebida quando
comparamos os dados da Tabela de produção mundial, na qual o Brasil (em 2009)
se apresenta como 6° maior produtor de autoveículos do mundo e ocupa o distante
12° posto em ranking de exportações (Coréia do Sul encontra-se na 4' colocação
nesse mesmo ranking). Esses dados podem, portanto, ser encarados como um
incentivo à indústria nacional para que continue crescendo também em sua
participação relativa ao comércio internacional.

-
Tabela 3 Comércio Internacional Brasileiro
ANO Importações E~rtações ANO Importações Exportações ANO Importações Exportações
1940 alto
1950 421 - 1971 83 13 1992 1.079 3.012
1951 257 - 1972 98 54 1993 1.809 2.660
1952 181 - 1973 208 63 1994 2.550 2.685
1953 41 - 1974 348 204 1995 4.795 2.415
1954 65 - 1975 302 334 1996 4.882 3.013
1955 32 - 1976 235 386 1997 5.105 3.929
1956 45 - 1977 226 490 1998 4.692 4.264
1957 88 - 1978 293 610 1999 3.873 3.078
1958 106 - 1979 276 760 2000 3.764 3.488
1959 106 - 1980 524 1.101 2001 3.717 3.614
1960 84 - 1981 469 1.566 2002 2.910 3.379
1961 25 1 1982 318 1.155 2003 3.246 4.679
1962 17 2 1983 368 1.187 2004 3.653 6.655
1963 18 - 1984 395 1.433 2005 5.257 9.391
1964 10 2 1985 436 1.604 2006 6.126 10.268
1985 8 3 1986 656 1.488 2007 8.690 10.684
1966 44 6 1987 826 2.453 2008 13.754 10.964
1967 49 2 1988 696 2.618 2009 11.270 7.050
1968 75 2 1989 678 2.570 em milhões de US$
1969 76 4 1990 733 1.897
*Fonte: ANFAVEA, Decex (BB) e I
1970 69 9 1991 849 1.915 Secex (MOI C)

38
Gráfico I - Exportações de veículos brasileiros por destmo (2009)

Ásia
Oceania

0,3%

Europa

Total
Aménca do Sul
475.325
63,8% autoveículos
Aménca do Norte

13,3%

Aménca Central

0,2%

Tab
ea -
i 4 E xporaçoes
t- deVeiCU
' IOS
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
França 3.619 3.735 3.873 4.046 4.269 4.319 4.239 4.697 4.322 3.886
Japão 4.455 4.166 4 698 4.756 4.958 5.053 5.967 6.550 6.727 3.616
Alemanha 3.723 3.916 3 872 3.913 3.924 4.081 4.183 4.664 4.501 3.584
Coréia do Sul 1.676 1.501 1 510 1.815 2.380 2.586 2.648 2.847 2.684 2149
Espanha 2.504 2.337 2 328 2.495 2.480 2.247 2.273 2.389 2.181 1 885
EUA 1.468 1 462 1 661 1 611 1.794 2 064 2.055 2.396 1.996 NO/NA
México 1.451 1 415 1.336 1 195 1 102 1 194 1.587 1.653 1.698 1 266
Rep. Tcheca 357 383 374 381 390 533 780 879 959 1.078
Reino Unido 1.128 992 1.161 1.247 1 301 1.316 1.242 1.317 1.254 829
Turquia 96 198 258 347 508 553 697 820 910 629
Bélgica 994 1 141 1.015 872 871 869 848 758 653 490.
BRASIL 371 391 415 536 759 897 843 789 735 475
Itália 912 814 734 704 596 498 596 651 561 383
Argentina 136 155 123 108 146 182 237 316 351 322
Portugal 225 223 238 231 219 211 219 176 170 123
Áustria 137 149 143 135 244 247 269 226 150 NO/NA
NO/NA - não disponível Mil unidades
(*) Estimattva (Acea)
Fontes· Adefa, Anfavea. Kama, OICA, OSO. SMMT, VOA, Ward's Communications.

39
1.1- Experiências automotivas genuinamente brasileiras

Entretanto, nem todas as histórias existentes no setor automobilístico contam


histórias de sucesso e prosperidade. O sucesso na tão importante "Indústria
Automobilística Nacional", se reservou aos fabricantes e às montadoras estrangeiras
que constituíram filiais importantes no Brasil que sempre gozaram de inúmeros
benefícios governamentais (como exemplificado anteriormente). Diferentemente do
que ocorreu em outros países, como se verá adiante, o Brasil não apresenta uma
marca nacional de peso no mercado; informação bastante contraditória quando se
imagina e analisa um dos setores cujo produto mais ronda a mente e o desejo dos
consumidores brasileiros.

A despeito disso, na história não foram poucas as tentativas de grupos


brasileiros de montar uma fábrica de veículos automotores capaz de competir com
os grandes p/ayers transnacionais.

Empresas como as brasileiras Brasinca, Lafer S/A, Miúra, Puma Veículos e


Motores, Indústrias Romi, Companhia Industrial Santa Matilde, entre outras, desde a
década de 1960 tentaram se estabelecer no setor automobilístico, mas por diversos
motivos (principalmente por falta de capacidade competitiva) não obtiveram o
sucesso pretendido por seus idealizadores, ou, no caso do Miúra e do Puma, não
conseguiram desenvolver suas atividades de forma sustentável por maior período de
tempo, apesar do bom nome frente a seus consumidores.

Na tentativa de desenvolver uma fábrica nacional, uma alternativa encontrada


foi a da venda de veiculas vinculada à venda de ações da empresa montadora. A
venda das ações possibilitava a capitalização da empresa que oferecia em troca,
além da distribuição de lucros e dividendos, benefícios na compra de veículos
futuramente produzidos.

O sistema foi primeiro utilizado pela Indústria Brasileira de Automóveis


Presidente, a IBAP. Entretanto, o que se iniciou como uma possibilidade viável
terminou com final trágico.

No início da década de 1960, um jovem empresário de São Paulo fundou a


IBAP, objetivando fabricar modernos automóveis com projeto brasileiro em uma
indústria de capital nacional, em contraposição aos automóveis existentes no país,
40
modelos em geral já defasados com projetos trazidos do exterior. A intenção era
produzir três modelos: um carro popular, um utilitário e um modelo de luxo. De todos
estes, por ser um projeto que requisitava menos ferramentas complexas devido a
sua carroceria feita a partir de um misto de plástico e fibra de vidro, o modelo de
luxo, chamado de "Presidente Democrata", foi o único que teve protótipos
construídos.

Cinco unidades foram produzidas e rodaram todo o pais como campanha de


marketing para vendas e na busca por acionistas para a empresa. Rapidamente o
número ideal de acionistas foi atingido mas a empresa não foi capaz de dar início a
produção em massa de seus produtos.

O mercado, à época dominado por interesses econômicos das grandes


empresas estrangeiras, não recebeu bem o marketing elaborado pela empresa. A
promessa era de que a IBAP objetivava a produção de cerca de 350 unidades por
dia, o mesmo número da Volkswagen, empresa consolidada e líder de produção e
vendas no país. Assim, a desconfiança sobre a idoneidade da empresa cresceu e
piorou ainda mais quando um navio cargueiro carregado de componentes
mecânicos italiano foi interceptado no Brasil, e a carga, endereçada à empresa, foi
considerada contrabando.

A IBAP, enfrentando as críticas e o ceticismo do mercado passou então a


sofrer fiscalização rigorosa do Banco Central e da Polícia Federal, além de ser alvo
de comissões de investigação no Congresso Nacional. A empresa foi considerada
por esses órgãos totalmente incapaz de produzir veículos automotores, e seus
diretores acusados criminalmente por "coleta irregular de poupança popular". Os
portões da empresa foram fechados em 1968, enterrando o projeto antes que os
sócios (consumidores) realizassem o sonho de adquirir o que seria o primeiro carro
de uma empresa brasileira com projeto e produção inteiramente nacionais.

Mas, uma empresa brasileira nascida a partir da idéia de se fabricar um carro


popular, permaneceu viva no mercado brasileiro por 27 anos, e foi responsável pela
venda de aproximadamente 43 mil carros, entre jipes leves, pequenos veículos e até
utilitários de maior carga. A GURGEL Motores S/A foi a empresa brasileira que
atingiu maior sucesso (inclusive internacionalmente) na produção e montagem de
veículos automotores, permanecendo ativa até o ano de 1996.

41
1.1.1- Breve Histórico da GURGEL Motores S/A.

A história da Gurgel se inicia com a idéia de seu sócio fundador João Amaral
Gurgel, que, na cidade de Rio Claro, no interior de SP, decidiu fabricar pequenos
automóveis populares genuinamente nacionais, atendendo aos interesses da
sociedade brasileira e com preços acessíveis. Tudo isso incorporando tecnologia
nacional e alguns diferenciais adaptados a realidade do pais.

Como dito acima, a empresa produziu e comercializou aproximadamente 43


mil veículos, distribuídos entre os 30 modelos lançados, com grande destaque para
o "Xavante", que, lançado em 1973, foi o produto de maior destaque durante toda a
evolução e existência da marca, sendo em boa parte responsável pelo seu sucesso.
Este modelo agradou rapidamente o público consumidor, por sair da concepção
tradicional dos bugues- veículos inicialmente produzidos pela empresa. Inclusive, o
Xavante foi alvo de grande encomenda por parte do Exército Brasileiro, que, ainda
na atualidade, utiliza-se de alguns desses veículos em quartéis e operações
militares.

Este veículo tinha apelo "fora de estrada" e não chegava a empolgar muito o
consumidor estritamente urbano devido a sua falta de estabilidade e conforto.
Entretanto, a fama desse veículo e de outros utilitários desenvolvidos pela empresa
levou a GURGEL a crescer no Brasil e fora dele.

No final da década de 1970, a empresa era a segunda "pequena fabricante"


(somente atrás da Puma Veículos e Motores) em número total de empregados e
tinha uma fábrica com 360 mil m'. Ainda, a empresa chegou a ser a maior
exportadora dentro da categoria de veículos especiais, exportando cerca de 25% de
sua produção, participando como expositora do Salão do Automóvel de Genebra no
ano de 1979 com todos os modelos à época fabricados. Após o fortalecimento da
marca apresentado na década de 1970, a GURGEL inclusive chegou a lançar
alguns protótipos de veículos elétricos no mercado, principalmente para empresas
que aceitassem participar de estudos de melhoramentos dos modelos.

Entretanto, os veículos elétricos da empresa, apesar do esforço da montadora


e de seus clientes, não conseguiram ser aperfeiçoados ao ponto de viabilizar uma
produção e comercialização em massa. Todas as evoluções dos modelos
esbarravam sempre na limitada eficiência e autonomia que os carros apresentavam,

42
além do tamanho e peso das baterias que duravam pouco e necessitavam de longos
períodos de recarga.

Com a década de 1980 a empresa iniciou a produção de carros mais voltados


para o mercado urbano, enquanto sua linha de utilitários seguia trilhando caminho
de sucesso entre os consumidores. Focando na idéia de produzir um minicarro
nacional e econômico, no ano de 1987 surgiu o projeto do Gurgel 280, designado a
ser o carro mais barato do Brasil, cujo projeto inicial objetivava sua comercialização
ao módico preço de US$ 3.000,00 (três mil dólares).

Posteriormente fixado com o nome de BR-800, o veículo não conseguiu ser


comercializado ao preço projetado, mas seu preço de US$ 7.000,00 (sete mil
dólares) ainda era o menor preço praticado no pais. Ainda assim, esse preço só foi
garantido a partir de beneficios oferecidos pelo governo que, percebendo a grande
importância da marca no cenário nacional, oferecia incentivo fiscal através da
redução do IPI (que na maioria dos carros tinha alíquota de 25% ou mais,
dependendo da cilindrada) para uma alíquota de 5%, atingindo preço total cerca de
30% inferior aos compactos de outras montadoras.

Lançado em 1988, o BR-800 foi produzido até 1991 e sua aquisição, de inicio,
só se dava através de aquisição de quotas de ações da empresa GURGEL Motores
S/A A campanha de aquisição atingiu relativo sucesso, e se demonstrou bastante
rentável para os seus adquirentes, pois antes do início da década de 1990, o preço
de mercado das cerca de 1.000 unidades produzidas apresentava ágio de 100%.

Em 1990 iniciou-se a venda dos veículos da GURGEL sem a necessidade de


aquisição compulsória de ações da empresa, mas o que parecia ser a época de
consolidação da maior fabricante inteiramente brasileira no setor automobilístico se
tornou o início de sua derrocada. Neste ano o Governo nacional reduziu a alíquota
do IPI sobre todos os modelos nacionais com potência inferior a 1.000 cm 3 ,
chegando a zerar esta alíquota no ano de 1994 e, em seguida, várias montadoras
transnacionais lançaram modelos de seus compactos com motorização compatível
com a alíquota zero, apresentando mais espaço e recursos que o BR-800 da
GURGEL com preço de venda semelhante.

Já com alto nível de endividamento, a empresa ainda conseguiu os últimos


empréstimos de bancos nacionais, suficientes para o lançamento do Supermini, que

43
apesar de ainda ser o menor carro fabricado no Brasil, era mais moderno e
espaçoso que seu sucessor, além de ainda ser bastante econômico e um pouco
mais potente que o BR-800.

Entretanto, as dívidas foram se somando e a empresa foi ficando cada vez


mais enfraquecida pela concorrência com as multinacionais, até o ponto de pedir
concordata em 1993. Em 1994 a empresa apresentou um último projeto na tentativa
de salvar a fábrica, que chegou a adquirir todo o maquinário para a produção de um
novo veículo, a ser produzido com o apoio do Governo Estadual do Ceará
Entretanto, as promessas de apoio não se concretizaram, a fábrica em Fortaleza,
que ficaria responsável pelas peças do motor dos veiculas nunca foi entregue e o
veículo sequer chegou a ser produzido.

Como última forma de manter a empresa em funcionamento, a GURGEL


buscou um financiamento de US$ 20 milhões junto ao Governo Federal, pedindo
novamente apoio ao Estado, mas, após resposta negativa, a fábrica teve sua
falência decretada, colocando um fim à história da empresa.

2- Evolução e Políticas voltadas para o setor automobilistico sul-coreano.

A história do setor automobilístico na Coréia do Sul tem como marco inicial


um fato totalmente distinto do verificado no Brasil e apresenta desenvolvimento em
patamares igualmente diferentes. Tudo isso devido às peculiaridades do
procedimento adotado pelos tomadores de decisão do Governo Sul Coreano desde
o inicio dessa referida indústria.

No início dos anos 1960, a Coréia era um país em desenvolvimento,


fortemente caracterizado pela pobreza de recursos, bases produtivas e detentora de
um mercado interno muito pequeno. O país não tinha nenhuma reputação
internacional em setores tecnologicamente desenvolvidos, possuindo apenas dois
pequenos institutos governamentais, com pouquíssimos cientistas capacitados para
o estudo de tecnologias modernas.

Mais especificamente no setor automotivo, o primeiro veículo considerado


nacional no país, adveio de uma pequena oficina mecânica, construído a partir de

44
partes de antigos jeeps americanos por um mecânico e seus três irmãos, no ano de
1955. Antes disso, somente carros totalmente importados circulavam no país. A
indústria automobilística do país se resumia a algumas oficinas mecânicas e de
reparo de automóveis (principalmente militares) que chegavam ao ponto máximo de
fornecer algumas das peças necessárias para o reparo dos veículos importados.

Após o sibal, como foi nomeado o primeiro carro sul-coreano, seu construtor
fundou a pequena Sibal Automobiles, que utilizava partes de jeeps americanos
importados e motores modificados, chegando a produzir cerca de 3.000 automóveis.
Mas a incipiente tentativa da primeira fábrica de automóveis da Coréia não obteve
sucesso, pois devido à grande falta de combustível no mercado a propriedade de
veículos particulares foi proibida.

Somente em 1962, sob as diretrizes do "Primeiro Plano Quinquenal", num


apoio à criação de uma indústria automobilística moderna, o setor voltou a ser objeto
de investimentos e a produção de veículos foi retomada. O governo formulou o "Ato
da Proteção Automobilística" restringindo a importação de veículos completos,
proibindo a importação de carros e reduzindo as tarifas sobre as partes importadas.

Como já dito anteriormente, na Coréia do Sul foi adotada a prática do Pick up


the winners, na qual um órgão do governo se responsabiliza pela escolha de quais
serão as empresas que se especializarão na produção de determinado bem, no
caso: autoveículos. Assim, por decisão do então Ministro do Comércio e da
Indústria, foi adotado o sistema de monopólio para a produção de carros, sendo a
Saenara, com grande apoio técnico da japonesa Nissan a empresa escolhida para
atuar no setor.

Outras empresas começaram a crescer, mas com o mercado produtivo de


carros totalmente regulamentado e fechado a novos entrantes, empresas como a
Kyunsung Precision lndustry, tradicional fabricante de barras de aço e bicicletas,
passaram a se aventurar no setor automotivo exclusivamente com a produção de
pequenas motocicletas e veículos comerciais.

Entretanto, a Saenara, empresa escolhida para o monopólio da produção de


carros não foi capaz de produzir carros com bom nível de qualidade, além de
fornecer carros com preço muito superior a qualquer outro disponível no mercado
internacional para importação. Assim, o governo apoiou a incorporação dessa

45
empresa pela Sinjin Automobiles, que passou a ser a única fabricante de automóveis
no pais, empresa que já tinha experiência no setor, montando kits enviados pela
Misubishi.

Como preconizado pela politica protecionista praticada à época, a Sinjin


estabeleceu acordo tecnológico com a Toyota, proporcionando ao setor a aquisição
de know-how de uma nova empresa de sucesso internacional, japonesa como a
primeira. Esse processo de aprendizagem foi determinante para o posterior sucesso
do setor automobilístico sul-coreano, conforme se verificará

À essa altura, o setor de autopeças havia se fortalecido, crescendo o número


de fabricantes nacionais pressionando o governo a rever a concessão de monopólio
na fabricação de carros. Conforme descrito por CATALAN (2007), o número de
fornecedores de autopeças passou de 13 (1950) para 500 (1962), o que demonstra
o vertiginoso crescimento do setor. Em 1966, a produção de veículos já era de 7.400
unidades, contra as cerca de 3.000 produzidas no início da década, e o país iniciava
suas primeiras exportações: ônibus, enviados primeiro para o Brunei, depois para o
Vietnam.

Nesse panorama, o governo anunciou o "Automobile Plant Permission


Standards", um conjunto de regras para a instalação de planta produtiva
encorajando ainda mais a parceria das empresas nacionais com as grandes
montadoras internacionais, e retirou o monopólio da produção de carros da Sinjin,
permitindo que outras três empresas iniciassem a produção de carros: Asia Motors,
Kia e Hyundai. Destas três, as duas primeiras já estavam inseridas na indústria
automobilística, com a produção de pequenos caminhões e veículos comerciais. Já
a terceira, era um dos chaebo/s de maior sucesso na Coréia do Sul, e abriu sua filial
automotiva, a Hyundai Motors, em parceria com a Ford americana.

O fim do monopólio foi bastante importante para o desenvolvimento da


indústria automobilística na Coréia do Sul. Em 1969, a produção de automóveis no
país atingiu o nível de 33.000 unidades/ano, apresentando retração na produção nos
anos que seguiram. Neste momento, o governo sul-coreano, percebendo o
decréscimo na produção de automóveis no país, resolveu reforçar o setor,
permitindo que a KIA aumentasse sua capacidade produtiva de carros e permitindo
que a General Motors se tornasse a nova parceira da Sinjin.

46
A política adotada permitiu que o mercado automobilistico apresentasse uma
tendência crescente na produção de carros. Entretanto, mais importante que isso,
tanto os produtores de autopeças quanto as montadoras, devido à transferência de
tecnologia possibilitada pelos acordos comerciais e licenças produtivas, se tornaram
mais sofisticadas tecnologicamente. O mercado interno de fornecedores passou a
ser capaz de produzir e fornecer a maioria das partes necessárias dos veículos
montados, caso da Hyundai e da General Motors Korea, que reduziram a
participação de peças importadas para 40% e 26% em 7 anos (1968-1975).

Jordi Catalan é muito preciso em sua afirmação sobre o desenvolvimento da


Indústria de automóveis sul-coreana em seu início:

"A despeito de duas significantes recessões, a produção


cresceu a uma taxa de 24% desde 1962. ( ... )O monopólio (na
produção) de carros privados, inicialmente garantido a uma
única empresa (... ) causou intensos distúrbios à produção. O
relaxamento desta política foi benéfico, mesmo que
aparentemente incapaz de eliminar por completo as variações
na produção. Ainda assim, a política de preservar o Mercado
para empresas nacionais e favorecer acordos e licenças com
produtores internacionais ajudou as empresas locais a
desenvolver capacidades estratégicas de imensa importância
para o futuro da indústria"- tradução nossa. (CATALAN, 2007,
p. 14-15)

A política industrial sul-coreana variou muito pouco nos anos seguintes, não
ocorrendo variações profundas em suas bases, mantendo sua tradicional aversão à
abertura do mercado para novos investimentos internacionais e liberação das
importações. Esses fatores contribuíram para que o país fosse capaz de suplantar
fraquezas verificadas no seu processo de desenvolvimento.

A partir de 1973, o governo sul-coreano implantou o "Long-Term Automobi/e


Promotion Plan", através do qual as empresas montadoras de carros foram
convidadas a inscrever planos para o lançamento de um carro popular. Além da
produção em massa, era requisito básico para a produção desse novo segmento de
veículos que ao menos 95% de seus componentes fossem oriundos da indústria

47
nacional de autopeças. Kia, Hyundai e GM Korea tiveram seus projetos aprovados,
mas somente a Hyundai focou o novo projeto como principal objetivo.

Após separar-se da Ford por desentendimentos administrativos, a Hyundai


lançou o "Pony", que foi o símbolo da nova geração de carros sul-coreanos. Um
projeto desenvolvido pela empresa sul-coreana, que em 1974 fundou seu próprio
centro de Pesquisa e Desenvolvimento. Apesar de não ser considerado um carro
moderno, o Pony lançado ao mercado em 1975 foi um carro popular, desenvolvido
por uma empresa sul-coreana que agora tinha total independência administrativa.

Este foi o inicio da hegemonia da Hyundaí, que tomou o posto de maior


produtora do país, antes ocupado pela Kia e reforçou sua participação em mercados
internacionais. O Pony foi exportado inicialmente para Equador, Bélgica, Grécia e
Holanda.

Objetivando ainda maiores ganhos de escala, o governo da Coréia do Sul


anunciou o "Order of Automobi/e lndustry Rationalization", que delegava
exclusivamente à Hyundai e à Daewoo Motor Corporation (nova denominação da
GM Coréia) a produção de carros de passeio. Essa nova regulamentação contribuiu
para o aumento da margem de lucro da Hyundaí, que ainda concentrava esforços no
desenvolvimento tecnológico de seus produtos, principalmente do seu carro chefe. A
intenção era, principalmente, a conquista de novos mercados, como o dos Estados
Unidos. A entrada dos carros sul-coreanos na América do Norte se deu através da
instituição da Hyundai Canada em 1983. Já em 1987, o principal mercado da
Hyundai eram os Estados Unidos da América.

Como verificado na tabela 5 abaixo, percebe-se o intenso crescimento da


Indústria sul-coreana em um curto período de tempo. Apesar de ter uma indústria
que já visava o mercado internacional, dirigindo boa parte de sua produção às
exportações, o país sequer figurava entre os 20 maiores exportadores de veículos
do mundo. Dez anos depois, em 1987, a Coréia do Sul já era a 12' maior
exportadora de veículos, em valor, logo após o Brasil (11' colocado).

48
Tabela 5- Exportação de Carros e Veículos Comerciais
I 1973 I 1987
1 Alemanha 6.483.517 1 Japão 44.288.960
2 Canadâ 3.103.489 2 Alemanha 37.442.083
3 Japão 3.494.511 3 Canadá 15.669.396
4 França 2.825.848 4 Bélgica 10.502.252
5 EUA 2.613.063 5 EUA 10.131.876
6 Bélgica 1.872.860 6 França 9.684.875
7 Itália 1.378.487 7 Itália 4.947.497
Reino
8 Unido 1.314.852 8 Suécia 4.890.615
9 Suécia 867.996 9 Espanha 4.116.020
10 Holanda 219.683 10 Reino Unido 3.911.305
11 Espanha 175.271 11 Brasil 3.059.590
12 Austrália 167.368 12 Coréia do Sul 2.788.923
13 Argentina 61.555 13 México 1.120.465
14 Áustria 55.459 14 Holanda 716.188
15 México 39.659 15 Dinamarca 543.025
16 Brasil 37.043 16 Áustria 510.104
17 Finlândia 31.416 17 luguslávia 489.669
18 Singapura 28.659 18 Finlândia 385.307
19 Líbano 28.659 19 Noruega 242.004
20 Dinamarca 21.516 20 PortuQal 232.071
Source: lntemational Trade Statistics Em US$ 1000,00

A política protecionista praticada domesticamente na Coréia do Sul foi


mantida, e a discussão sobre seu relaxamento só foi iniciada após a concretização
da força e da presença de marcas sul-coreanas no mercado internacional. Ainda
assim, essa discussão se prolongou até o fim da década de 1980. Inicialmente foi
implantada uma parcial redução dos controles sobre a importação de veículos
comerciais antes de o mercado interno sul-coreano ser liberado para os carros
importados.

Os anos 1990 vieram acompanhados pelo desaquecimento do mercado


interno sul-coreano e pela crise asiática, que ameaçou toda a economia dos países
em desenvolvimento do continente. Entretanto, o foco exportador das montadoras
sul-coreanas e a manutenção da sub-valorização do Won permitiu que as empresas
crescessem ainda mais.

49
As exportações de carros sul-coreanos cresceram rapidamente. Tal fato se
deu por vários motivos, principalmente pelos esforços em controle de qualidade,
expansão de serviços pós-venda, produção de maior variedade de modelos e táticas
de marketing mais agressivas. Ainda, o viés exportador da indústria automotiva sul-
coreana foi determinante para esse crescimento. Afinal, com o crescimento
expressivo de paises em desenvolvimento nas décadas de 1990 e 2000, as
oportunidades de crescimento aumentaram e foram bem aproveitadas pela indústria
sul-coreana.

No fim da década de 1990, a Coréia do Sul se tornou a 5' maior produtora de


veículos do mundo. As exportações para o mercado estadunídense que chegaram a
representar 80% do volume total de exportações da indústria na década anterior caiu
bastante (18,5% em 1996)3 , enquanto crescia a participação relativa às exportações
aos países em desenvolvimento. O padrão de concorrência internacional elevou-se
bastante, e estes novos mercados, por apresentar desenvolvimento tecnológico
inferior, respondiam mais sensivelmente ao preço do que à qualidade. E isso era
exatamente o que as empresas sul-coreanas tinham de melhor.

Entretanto, a indústria sul-coreana não abriu mão do seu desenvolvimento


devido ao aumento da concorrência, tanto no mercado interno quanto no externo. Os
esforços em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, marketing e design dos seus
veículos se mantiveram em alta, corroborando com a evolução das estatísticas das
empresas quanto à participação nos mercados mundiais. Também, conforme
afirmado por Lee em sua obra percebe-se que a indústria sul-coreana sempre se
manteve atenta ao crescimento da demanda por seus automóveis.

A Capacidade produtiva das empresas sul-coreanas cresceu conforme


crescia a demanda por seus produtos, mantendo uma taxa de utilização de suas
plantas produtivas capazes de atender o aumento das vendas.

Importante notar que a indústria automobilística sul-coreana não apresentou


queda significativa no market-share do mercado nacional após a abertura comercial
ocorrida a partir da segunda metade da década de 1990. Gradualmente, o governo
do país baixou as tarifas e impostos aos carros importados ao mesmo patamar dos
carros nacionais (8% de IPI e Imposto de Importação), atestando a capacidade
3
LEE, Daechang. 1997, p. 12

50
CêüOC/Ií:
competitiva destes últimos com os produtos oriundos dos mercados mais
tradicionais.

Tabela 6 • Produção, capacidade e utilização

1985 1990 1993 1996

Capacidade 642 2.065 2.874 3.525

Produção 378 1.270 1.985 2.811

Utilização 58,9% 61,5% 69,1% 79,7%

m11 umdades

Fonte: Kia Economic Research lnstitute

Tabela 7- Vendas domésticas por produtor


(unidades de veículos)

1990 % 1993 % 1995 % 1996 %

Hyundai 450 47.2 617,597 43.0 746,067 48.0 740,341 45.0

Kia 310 32.5 441,855 30.8 441,532 28.4 458,4 27.9

Daewoo 134,939 14.1 203,239 14.2 195,177 12.6 179,452 10.9

As ia 24,446 2.6 43,87 3.0 31 ,502 2.0 29,738 1.8

Ssangyong 21,862 2.3 18,183 1.3 36,878 2.4 55,489 3.4

Daewoo H. 12,579 1.3 74,742 5.2 61,281 3.9 121,039 7.4

Hyundai P. o 35,971 2.5 38,218 2.5 55,592 3.4

Samsung H. o o 3,184 0.2 2,754 0.2

2006 % 2007 %

Hyundai 581,092 49.9 625,275 51.3

Kia 270,597 23.3 272,33 22.3

GM Daewoo 128,332 11.0 130,542 10.7

Ssangyong 56,068 4.8 60,616 5.0

Renault Samsung 119,088 10.2 117,204 9.6

Others 9,077 0.8 13,368 1.1

Fonte: Kama

51
Cada uma das empresas fabricantes de veículos traçou seu plano para se
tornar uma montadora de volume global, apesar de ainda enfrentarem suspeitas
oriundas de setores específicos do mercado consumidor. A indústria sul-coreana
obteve sucesso no aumento tanto do volume de automóveis produzidos quanto da
capacidade produtiva (equalizando sua taxa de utilização de maneira bastante
satisfatória). Ainda, por se tratar de uma indústria composta por empresas ligadas a
grupos industriais - chaebo/s, as questões relativas a financiamento são mais
simplesmente solucionadas no próprio mercado financeiro interno.

Como percebe-se a partir da análise elaborada até este ponto, a indústria sul-
coreana apresenta a característica de ser bastante voltada para as exportações. O
mercado interno, historicamente foi considerado pequeno (o país possui
aproximadamente 48,6 milhões de habitantes e crescimento populacional muito
baixo4 ) e muito pobre. Entretanto, a sociedade sul-coreana se desenvolveu bastante
nos últimos anos e seu poder de compra cresceu muito. Automaticamente, o número
de pessoas com acesso aos bens e produtos aumentou muito e a Coréia do Sul, em
2008, ocupava o 15° lugar no ranking mundial de número de veículos por habitante
(2,9 habitantes por veículo- o Brasil tem uma taxa de 6,9 hab/veículos).

Seu mercado interno tem capacidade para absorver fatia considerável de sua
produção (cerca de 1,394 milhão de veículos no ano de 2009, que corresponde a
39,6% da quantidade produzida naquele ano), não podendo de maneira alguma ser
ignorado. Entretanto, esses números não sofrem variação muito importante nos
últimos anos, o que demonstra que o futuro para a expansão desta indústria
realmente encontra-se no aproveitamento do crescimento da demanda internacional.

A Hyundai estabeleceu-se no Brasil em 2008, com fábrica sediada no Estado


de Goiás. A marca é explorada por um grupo brasileiro, que se encarrega da
importação dos veículos e sua distribuição, além de montar kits CKD e produzir os
veículos nacionais. Além disso, o presidente mundial da empresa já sinalizou
oficialmente que deverá construir nova fábrica no Brasil, capaz de produzir,
inicialmente, até 100 mil veículos por mês.

4
De acordo com a Wikipedia- utilizando dados do World Factbook da CIA-USA

52
Conclusão

Brasil e Coréia do Sul sempre foram dois países muito distintos tanto cultural
quanto economicamente e distantes geograficamente, mas apresentavam algumas
características que os tornavam semelhantes às análises econômicas no início do
século XX: ambos eram pobres e fundamentalmente agrários desde o início de sua
história. Não apresentavam vantagens comparativas capazes de, por força das leis
neoclássicas de mercado, elevá-los ao status de países industrializados.

Entretanto, por decisão governamental - sem excluir os interesses políticos


externos - em algum momento de sua história, encararam o enorme desafio de
contrariar a história e promover a industrialização de suas economias.

No Brasil, tal decisão foi deflagrada com o enfraquecimento da antes


predominante cultura cafeeira. Juntou-se a isso a falta de abastecimento do
mercado nacional devido aos esforços das grandes economias mundiais em
abastecer seu próprio mercado consumidor durante as guerras. Ou seja, as
condições básicas para uma tomada de decisão estavam perfeitamente flagrantes:
havia necessidade da mudança da base econômica para um setor mais dinâmico
além de haver anseio do mercado consumidor por novos produtos nacionais
capazes de substituir os antigos importados.

Mediante esforços governamentais que durante todo o século XX elaboraram


diversos Planos de Desenvolvimento, a Indústria brasileira se consolidou e
conseguiu atingir patamar de respeitada competitividade com as economias
internacionais mais tradicionais e industrializadas.

Mais especificamente, a Indústria Automobilística nacional desenvolveu suas


bases graças à atuação da Política Industrial iniciada com o Governo Vargas. O
Plano de Metas e o 11 PND focaram o desenvolvimento da indústria de base
nacional, possibilitando que outros inúmeros setores da indústria se
desenvolvessem a partir de uma base consolidada. Inclusive, a indústria
automobilística usufruiu do desenvolvimento da indústria nacional do aço, da
indústria química, entre outras, e do crescimento do parque tecnológico brasileiro,
que possibilitou que as grandes empresas internacionais trouxessem filiais para
produzir seus veículos no Brasil, pois, além de uma forte reserva de mercado

53
consumidor, teriam a possibilidade de adquirir componentes de novos fornecedores
aqui instalados.

A partir daí, o mercado brasileiro foi tomado por empresas estrangeiras, que
passaram a produzir nacionalmente seus veículos, atendendo a demanda nacional.
Apesar de existirem tentativas de grupos brasileiros de iniciar as atividades para o
desenvolvimento de uma indústria originariamente e 100% nacional, tais esforços
não se concretizaram em marcas fortes e competitivas e até a atualidade a Indústria
Nacional é formada por filiais nacionais dessas empresas estrangeiras. Muitas delas
adquiriram com o tempo certa autonomia de controle gerencial, mas continuam
vinculadas às matrizes, e remetendo lucros ao exterior.

Pode-se dizer que, como verificado em outros setores da indústria nacional,


sem a participação do Governo nacional e de políticas eficazes de desenvolvimento
e industrialização, poderíamos ter um mercado restrito à venda de veículos
importados ou simplesmente montados no pais com todos os componentes
importados (como ocorria até o período entre guerras). A associação do
planejamento governamental com o mercado forneceu as condições necessárias
para o desenvolvimento do setor.

Conforme conceituação apresentada por Gadelha, percebemos que o Brasil


se utilizou basicamente de políticas industriais horizontais, na qual o governo
enfatiza sua ação sobre as condições gerais que conformam o ambiente econômico,
interferindo no desenvolvimento industrial de forma indireta. As medidas adotadas
envolveram as orientações para as condições de infra-estrutura física, educacional e
de ciência e tecnologia, as diretrizes governamentais mais gerais para a indústria e
até mesmo a política macroeconômica, entre outros aspectos que interferiram de
forma importante, porém indistinta, sobre o setor industrial.

Entretanto o enfoque da Política Industrial Vertical também foi atendido,


veiculando as regras para o setor específico da Indústria Automotiva, utilizando-se
de diversos instrumentos de estímulo ao desenvolvimento. A prática de
planejamento ocorrida no Brasil, não chegou ao limite de criar empresas estatais
com monopólio de mercado e controle unicamente governamental, estabelecimento
de metas ou punições especificas para cada uma das empresas, ou qualquer outra
atividade que caracterizaria suas atividades como de total planificação da economia.

54
O que se verificou foi uma parceria que buscou, principalmente, a associação com
as empresas interessadas em explorar o mercado nacional no sentido de atingir o
desenvolvimento e a maturidade da Indústria.

Já na Coréia do Sul, percebemos que a intervenção estatal foi muito mais


profunda do que a que ocorreu no Brasil. Isso não se deve exclusivamente aos
interesses do país à época, e sim a um conjunto de condições e determinantes,
tanto nacionais quanto internacionais, conforme explanado anteriormente.

A Indústria Automobilística sul-coreana nasceu mais recentemente que a


brasileira, e as condições sociais do pais possuíam problemas ainda mais
profundos. Ou seja, uma verdadeira intervenção governamental específica para o
setor teve de ser utilizada e os grupos industriais sul-coreanos, pré-existentes à
indústria automobilística nacional, foram encarregados de assum1r as rédeas da
produção dos automóveis que seriam produzidos no país. Para tanto, foi
estabelecido que poderiam contratar parcerias com as empresas estrangeiras que
estavam interessadas em se estabelecer no país.

Com o controle de grande parte do setor financeiro da economia, o governo


sul-coreano controlava as atividades de cada grupo industrial, dedicando montante
de capital suficiente para a realização de suas necessidades. Ou seja, apesar de
terem controle gerencial próprio, os chaebo/s tinham que obedecer as regras que
eram ditadas pelo governo, pois o sistema de metas, premiações e punições era
muito mais elaborado que no caso brasileiro. Além de atuar microeconomicamente,
o governo sul-coreano também atuou macroeconomicamente, proibindo a
importação de veículos importados, entre outras ações, alterando drasticamente a
balança comercial do país.

Também, interveio no setor de educação, com o claro objetivo de que os


trabalhadores tivessem condições de aprender com os procedimentos trazidos pelas
parcerias com as empresas estrangeiras, e assim, pudessem implantar melhorias,
desenvolvendo uma linha tecnológica estritamente nacional. O aumento dos
indicadores sociais da Coréia do Sul são um dos fatores essenciais para o sucesso
da Indústria Automobilística do país.

O que começou como uma grande produtora de tecnologia trazida de fora, ao


passar do tempo, se transformou em uma indústria que incorporou à produção

55
tecnologia nacional aliada a um design diferenciado, refletindo a afirmação feita por
Canuto de que a Coréia do Sul foi um dos únicos casos de industrialização tardia e
periférica em condições de saltar para o restrito clube dos países avançados,
exatamente por ter concentrando seus esforços no aproveitamento das
oportunidades de ingressar na Terceira Revolução Industrial.

Além da diferença na profundidade da Política Industrial desenvolvida entre


Brasil e Coréia do Sul e da diferença da origem das empresas que passaram a
produzir os veículos nacionais, outra diferença que se percebe entre as duas
economias é a do mercado aos quais os produtos se destinam. Enquanto a indústria
automobilística brasileira se dedicou ao abastecimento do grande mercado nacional,
encarando a exportação de produtos e componentes como secundária, a Coréia do
Sul fomentou a exportação como condição de sucesso para sua indústria

Nas duas economias ocorreu a proteção do mercado interno para os produtos


nacionais, mas a diferença consiste no padrão tecnológico que se pretendia
estabelecer para o setor. O Brasil se contentava em produzir automóveis com
tecnologia atrasada frente aos mercados centrais. As primeiras montadoras
brasileiras praticamente nacionalizaram os bens de capitais obsoletos da Europa e
dos EUA e começaram a produzir veículos no país. Isso era mais do que suficiente
para que o mercado consumidor brasileiro, com acesso praticamente vetado aos
produtos importados, consumisse os produtos oriundos dessas empresas.

De forma totalmente diferente, a Coréia do Sul promoveu alianças entre as


empresas nacionais, buscando trazer tecnologia de ponta para o país, e sempre
preocupada com o desenvolvimento de novas tecnologias. Isso era requisito
essencial para o país, pois pretendia competir em iguais condições com as
empresas tradicionais no mercado interno e externo.

Assim, na década de 1990, enquanto a Coréia do Sul já apresentava veiculas


com tecnologia própria, capazes de sobreviver à competição mundial, o Brasil teve
que passar por uma completa reestruturação no setor automobilístico, sem a qual
(devido à abertura comercial verificada) a indústria nacional estaria fadada ao
fracasso.

Entretanto, tanto Brasil quanto Coréia do Sul, atualmente, apresentam


números bastante significantes e que demonstram a importância desse ramo

56
específico da indústria na estrutura da indústria de cada um dos países, e a
relevância que cada um dos países tem frente à indústria de automóveis mundial,
conforme tabelas a seguir. Como se pode observar, nos últimos anos, Brasil e
Coréia do Sul, somados, representaram mais de 10% de todos os veículos
fabricados no mundo.

Tabela 8- Produção Mundial de Automóveis Mll unidades

PAiS l2ooo l2oo1 l2oo2 l2oo3 I2oo4 l2oo5 l2oo6 l2oo1 l2ooa l2oo9 Posições
anterio
China 2.069 2.334 3.287 4.444 5.234 5.708 7.278 8.883 9.299 13.791
'
2 Japão 10.141 9.777 10.257 10.286 10.512 10.800 11.484 11.596 11.576 7.935 200o
3 Estados Unidos 12.800 11.425 12.280 12.115 11.989 11 .947 11.292 10.781 8.694 5.712 5' Coréia
Alemanha 5.527 5.692 5.469 5.507 5.570 5.758 5.820 6.213 6.046 5.210 12' Brasil
'
5 Coréia do Sul 3.115 2.946 3.148 3.178 3.469 3.699 3.840 4.086 3.827 3.513 2001
6 Brasil 1.691 1.817 1.792 1.828 2.317 2.531 2.612 2.980 3.216 3.185 5' Coréia
Índia 801 815 895 1.161 1.511 1.639 2.017 2.254 2.332 2.633 10' Brasil
'
8 Espanha 3.033 2.850 2.855 3.030 3.012 2.752 2.777 2.890 2.542 2.170 2002
9 França 3.348 3.628 3.702 3.620 3.666 3.549 3.169 3.016 2.569 2.050 s• Coréia

10 México 1.935 1.841 1.805 1.575 1.577 1.684 2.046 2.095 2.168 1.557 11' Brasil
Canadá 2.962 2.533 2.629 2.553 2.711 2.688 2.572 2.579 2.082 1.490 2003
"
12 Reino Unido 1.814 1.685 1.823 1.846 1.856 1.803 1.650 1.750 1.650 1.090 6' Coréia

Rep. Tcheca 455 465 447 442 448 602 855 938 947 975 10' Brasil
" Tailândia 412 459 585 742 928 1.123 1.194 1.287 1.394 968 2004
"
15 Polônia 505 348 311 322 601 613 715 785 946 879 6' Coréia

15 Turquia 431 271 347 533 823 879 988 1.099 1.147 870 9' Brasil

Itália 1.738 1.580 1.427 1.322 1.142 1.038 1.212 1.284 1.024 843 2005
"
18 Irã 278 323 315 582 789 817 904 997 1.051 752 5' Coréia

19 Rússia 1.206 1.251 1.220 1.279 1.386 1.355 1.503 1.660 1.790 722 9' Brasil

20 Bélgica 1 033 1.187 1.057 904 900 927 918 834 724 523 2006
Argentina 340 236 159 169 260 320 432 545 597 513 5' Coréia
"22 Malásia 283 359 395 344 472 563 503 442 531 485 a• Brasil

23 Indonésia 293 279 299 322 408 501 296 412 601 465 2007
África do Sul 357 407 404 421 450 525 588 534 563 380 s• Coréia
"
25 Austrália 347 319 344 413 411 395 331 335 330 227 7' Brasil

26 Suécia 301 289 276 323 340 339 333 366 308 156 2008
Outros 1.460 1.477 1.742 1.725 2.054 2.335 2.339 2.864 2.874 2.049 5' Coréia
TOTAL 58.374 56.304 58.994 60.663 64.496 66.551 69.335 73.139 70.520 60.987 6' Brasil
Fontes/Sources: Anfavea, OICA.

57
Tabela 9- Produção Mundial Milhares de veículos

1961 1971 1981 1991 1994 1995 1996

Brasil
145 516 780 960 1.582 1.629 1.805
Coréia do Sul Nld Nld
134 1.498 2.312 2.526 2.813
Total Mundial
15.200 33.401 37.136 47.262 49.658 50.046 51.496
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Brasil
2.067 1.573 1.344 1.671 1.798 1.793 1.827
Coréia do Sul
2.818 1.954 2.832 3.115 2.946 3.148 3.178
Total Mundial
53.474 52.093 54.948 57.531 56.325 58.973 60.331
2004 2005 2006 2007 2008 2009

Brasil 2.21 3.185


2.528 2.611 2.971 3.220
Coréia do Sul 3.513
3.469 3.699 3.840 4.086 3.827
Total Mundial Nld
63.963 65.720 68.561 72.064 69.400
Fonte: Ward's, Motor Vehicle Facts & Figures (Southfield, Ml: Annuallssues)

Em números absolutos, a indústria automobilística brasileira e sul-coreana


concentraram seu crescimento em épocas diferentes. O crescimento da produção
brasileira só se deu de forma efetiva após a década de 1990, nessa década, porém,
a Coréia do Sul já figurava entre as 1O maiores fabricantes de automóveis do
mundo.

Outro dado bastante diferente entre as duas economias é a quantidade de


produtos consumidos em cada um dos países. O Brasil, conforme tabela abaixo, tem
registro de consumo nacional muito mais alto do que a Coréia do Sul. Este fato se
observa devido á diferença populacional entre os países; enquanto somos mais de
190 milhões de brasileiros atualmente, a Coréia do Sul possui praticamente Y. dessa
população. Este é um indicador bastante positivo para a indústria brasileira, pois
reflete um mercado consumidor capaz de oferecer a escala necessária para grandes
investimentos no setor.

Ainda, percebe-se que, enquanto o mercado doméstico sul-coreano


apresenta um índice de 2,9 habitantes por veículo, o Brasil apresenta maior
capacidade de absorção de novos produtos, pois tem esse mesmo índice em
patamar muito mais favorável - 6,9 habitantes por veículo. Ou seja, a indústria
brasileira ainda tem espaço para crescer internamente assim como no mercado
58
internacional, necessitando de ainda maior concentração de esforços e parcerias
entre o setor público e o privado para fornecer as bases para esse crescimento.

Tabela 10 -Licenciamento de autoveículos novos- Consumo interno- 2000/2009


Milhões de unidades
País/Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
China 2.089 2.365 3.243 4.302 5.061 5.762 7.184 8.792 9.380 13.622
EUA 17.402 17.472 17.139 16.967 17.299 17.444 17.047 16.460 13.493 10.601
Japão 5.963 5.906 5.792 5.828 5.853 5.852 5.740 5.354 5.082 4.609
Alemanha 3.693 3.638 3.523 3.502 3.550 3.615 3.772 3.482 3.425 4.049
Brasil 1.489 1.601 1.479 1.429 1.579 1.715 1.928 2.463 2.820 3.141
França 2.611 2.751 2.606 2.441 2.474 2.548 2.499 2.584 2.574 2.685
Itália 2.701 2.678 2.583 2.484 2.527 2.494 2.581 2.786 2.424 2.356
Índia 859 887 879 1.076 1.344 1.440 1.754 1.989 1.984 2.264
Reino Unido 2.520 2.772 2.885 2.943 2.959 2.828 2.734 2.800 2.485 2.223
Canadá 1.586 1.599 1.732 1.625 1.575 1.630 1.666 1.690 1.674 1.484
Coréia do Sul 1.430 1.451 1.622 1.318 1.095 1.142 1.164 1.219 1.154 1.394
Espanha 1.719 1.751 1.637 1.716 1.891 1.959 1.953 1.939 1.363 1.074
Autrália 787 773 824 910 955 988 963 1.050 1.012 937
México 889 946 1.018 999 1.123 1.161 1.199 1.152 1.076 776
Turquia 659 196 175 395 754 763 670 634 527 576
Bélgica 584 562 528 521 555 555 598 607 617 540
Argentina 307 177 82 156 312 403 460 565 612 487
Holanda 712 630 605 580 585 546 569 605 604 452
Polônia 521 350 328 393 367 283 295 372 401 372
África do Sul 341 367 350 368 450 565 647 612 489 354
Áustria 346 348 322 334 351 346 347 340 336 350
Suíca 346 348 322 294 295 292 298 317 321 294
Suécia 329 282 289 295 302 316 330 359 301 248
Grécia 315 303 289 278 316 295 294 307 293 237
Portugal 419 369 316 263 274 278 265 277 275 204
Mil un1dadesfThousand umts
Fontes: Anfavea
Os dados desta tabela compreendem vendas ou licenciamento de autoveiculos produzidos no próprio
país e importados.

Tabela 11 -Habitantes por Ve1culo


1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Coréia do Sul 4,2 4,2 3,6 3,4 3,3 3,2 3,2 3,1 3 2,9
Brasil 8,9 8,8 8,6 8,4 8,4 8,2 8 7,9 7.4 6,9
Fonte: AAMA, Anfavea, SMMT

A questão que resta e que praticamente determinará o futuro da Indústria


Automobilística brasileira é a seguinte: qual o padrão de investimentos que deve ser
adotado de agora em diante? Deve-se manter a recorrente preocupação em
fortalecer as empresas estrangeiras com filial no país para que elas passem a
produzir mais e melhor, atendendo às necessidades do país, ou deve-se objetivar o
desenvolvimento de grupos brasileiros, interessados em desenvolver tecnologias
nacionais, observando as peculiaridades e os interesses dos brasileiros?
59
Devido a todas as peculiaridades de cada uma das economias, não nos
propomos a afirmar que o padrão de desenvolvimento adotado pela Coréia do Sul foi
melhor e que deveria ter sido o adotado no Brasil. Mas, assim como a Coréia do Sul
fez no passado, o Brasil deveria aproveitar o momento em que novas tecnologias
(como a do veículo elétrico e de outras matrizes energéticas alternativas) estão se
mostrando e incentivar a criação de um grupo nacional capaz de figurar como
importante produtor no ramo, investindo em tecnologia nacional de ponta.

Além disso, não haveria maior barreira à absorção desses novos produtos,
vez que o número de habitantes que possuem veículos no país é bastante inferior
aos números verificados em outros países (como na Coréia do Sul), além de ainda
haver grande espaço no mercado internacional que poderia ser ocupado por novos
produtores preocupados com o futuro do mercado. Nos últimos anos, percebemos
que novas empresas estrangeiras demonstraram interesse no mercado brasileiro,
interesse esse efetivado com a construção de novas plantas produtivas, inclusive de
marcas sul-coreanas.

Se o interesse de todas essas empresas aqui instaladas é expressamente


demonstrado e facilmente percebido, podemos imaginar que o mercado
automobilístico brasileiro ainda tem espaço para novos entrantes. O Brasil merece
uma marca genuinamente nacional e com uma política industrial bem planejada
existiria espaço para o seu desenvolvimento.

60
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