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DELTA, Vol. 14, N° Espectat, 1998 (209-225) Sogre a CLASSIFICAGAO DAS (On Word Classes) Maézio A. Perint, Yara G. Lrseraro, Maria Elizabeth F. Saraiva & Liicia Furctncio (Universidade Federal de Minas Gerais) Aastract: In this article we discuss some basic questions relative to word classification, namely: the type of unit that should be classified (words, not lexemes): the need to set up clear objectives to classification: and the rigorous distinction between classes (based on paradigmatic relations) and functions (based on Syntagmaiic relations). We then consider the traditionally accepted distinction between “adjectives” and “nouns”, and we show that this is not a class distinction, but rather a functional distinction. Thus, adjectives and nouns are not distinct word classes in Portuguese, Resumo: Neste artigo discutimas algumas quesiGes bdsicas relativas é classificagiio das palavras, a suber: 0 tipo de unidade a ser classificada (palavras, e néio lexemas): a necessidade de estabelecer objetivos claros para a classificagtio; e a distingda estrita entre classes (baseadas em relacées paradignuiticas) e fungdes (baseadas em relacdes sintagmdticas). A partir dai, discutimos a questéo da distingao tradicionalmente aceita entre “adjetivos” e “substantivos”, emostramos que essa distingdio nfio € de classe, mas de fungdo. Ou seja, adjetivos ¢ substantivos no se distinguem enquanto classes de palavras em portugués. Key worps: Word Classes; Adjectives; Nouns; Noun Phrase. Patavras-crave: Classes de Palavras; Adjetivos; Substantivos; Sintagma Nominal. 0. Intodug&o Este artigo relata parte dos resultados de um projeto em andamento na ‘UFMG, que trata da estrutura interna do sintagma nominal em portugués, em relacdo coma classificacio das palavras. Desse projeto j4 resultou apublica¢do, em 1996, de um ntimero especial da Revista de Estudos da Linguagem: o titulo desse texto, omitido pela Revista, € O Sintagma Nominal em Portugués: Esirutura, Significado e Funcdo (autores: Mario A. Perini, Sigrid T. Fraiha, Licia Fulgéncio ¢ Regina Bessa Neto). No presente artigo consideramos especificamente o problema da 210 DEL.T.A., Vol. 14, N° Espectac classificagao das palavras, assim como certo nimero de questes teéricas que a nosso ver no est&o suficientememe esclarecidas na literatura; essas questies sera abordadas a partir de uma discussdo da distingdo entre “adjetivose “substantivos”. 1. Classificar o qué? A primeira pergunta importante a ser considerada é: ao classificarmos, que espécie de unidade deve ser levada em conta? Classificamos lexemas ou palavras? Os lexemas correspondem a conjuntos de formas vinculadas paradigmaticamente através da relacio tradicionalmente denominada “flexdo”. Por exemplo. temos 0 lexema correr, que compreende as palavras corres, corro, corriamos etc. Podemos entao perguntar: ao classificarmos estamos agrupando palavras ou lexemas? Acreditamos que a classificagao, no que nas interessa. 6 de palavras, ¢ nio de lexemas; isso porque as diferentes palavras que compdem os lexemas tradicionalmente definidos podem ter comportamento gramatical muito variado, tanto sob a perspectiva semantica quanto sob a morfossintatica. Assim, dentro do lexema chamado “o verbo correr”, temos corriamos, que tem comportamento muito diferente do de correr ou correndo. A palavra correr tem distribuigdo algo parecida a de um “substantivo” tradicional. e por isso mesmo alguns autores a chamaram “substantivo verbal” (ou “forma nominal do verbo”). Ja correndo seria antes um tipo de “advérbio”, e assim por diante. Colocando a coisa em termos semanticos, diremos que correr tem potencial referencial (é 0 “nome de uma coisa”), 0 que corriamos e correndo nao tém. Conclufmos que uma classificag’o com 0 objetivo que colocamos para anossa— a saber, 0 objetivo de descrever a ordem dos constituintes —deve considerar palavras, ¢ no lexemas. Esuritamente falando, caneta e canetas seriam classificadas separadamente, ¢ com efeito devem sé-lo, se a classificagaio estiver dirigidapara a descrigdo da concordancia nominal, j4 que sua distribuigio difere, ainda que minimamente: um plural ndo ocorre exatamente nos mesmos ambientes que um singular. Naturalmente, isso é levar o detalhamento a um ponto excessivo; em particular, no caso da descrigao da ordem dos termos, nao 6 necessério chegar a tais minticias. Isso no quer dizer que seja impossivel classificar lexemas. $6 que, Perini et alli 2iL * pelo que vemos. os objetivos tradicionalmente colocados para a descrigZo morfossintatica ndo teriam muito o que fazer dessas classes, pois seriam compostas de membros distribucionalmente muito diferentes. De outros pontos de vista, pode fazer sentido classificar lexemas; por exemplo, todas as palavras que compdem o lexema correr tém tracos sem4nticos comuns, relacionados coma idéia de “deslocamento rapido”. Essas diferentes classificagdes no sao mutuamente exclusivas pois 0 sistema de classificacdo presente na competéncia do falante-ouvinte é complexo por natureza. Uma forma se associa paradigmaticamente a algumas segundo certos critérios, € a outras segundo outros critérios, ficando essas associagdes (¢ conseqiientes classificagies) superpostas ¢ simultaneamente dispontveis. As bases da taxonomia Apesar da muita discuss4o que tem havido a respeito da nogéo de “classe” na literatura recente (veja-se, por exemplo, a discussdo em torno de protétipos, “squishes” etc.), alguns aspectos ainda esto por explicitar. Vamos expor aqui brevemente alguns pontos que nos parecem basicos. 2.1. Classificando por objetivos O primeiro deles € que uma classificagao sé faz sentido se atrelada a um objetivo (no caso, um objetivo descritivo). Isso porque o nimero de tracos Gistintivos morfossintaticos e semanticos associados a um item léxico é muito grande. Considerando em especial os tracos semAnticos, s¢ os levarmos todos em conta acabaremos sem diivida com uma classe para cada item: afinal de contas, o/ho nZo tem exatamente a mesma matriz semantica de nariz. Assim para se fazer uma classificago com base em tragos é necessério selecionar os tragos que interessam, desprezando os demais. E 0 que todo mundo faz, claro. O que falta é uma explicitagao dos critérios de sele¢&o dos tracos. A maioria das classificagées se louva simplesmente na sele¢do tradicional, que nao é preciso criticar aqui. Temos uma proposta que nos parece mais razoavel: derivar a selegdo dos tragos da conveniéncia descritiva, No inicio, nosso horizonte serd uma descrigdo um tanto restrita, ou seja, subordinaremos tudo a conveni€ncia de descrever a ordem dos termos dentro do sintagma nominal. Eventualmente, claro, ser4 preciso caminhar para uma descric¢do muito mais ampla. Nao sabemos bem como vai ficar a taxonomia mais adiante, mas no momento o caminho parece claro. Vamos 212 DELTA, Vol. 14, N° Espectat selecionar como relevantes para a taxonomia todos aqueles tragos (semnticos ou Morfossintéticos) que sejam necessdrios para a descrigio da ordem dos termos internos do SN, Isso nos fornecer4 um critério no arbitrério para a escotha dos tracos. O resultado sera uma classificagio na qual cada classe é composta de elementos cujo comportamento relative & ordenacio no SN é idéntico. Sustentamos que tais classes devem fazer parte da competéncia dos falantes, jd que estes so capazes de gerar e avaliar corretamente os SNs: de um modo ou de outro, eles classificam os diversos elementos de modo a colocé-los corretamente dentro do SN. Como se vé, a taxonomia é uma decorréncia da anilise; ou seja, os elementos que determinam ¢ taxonomia sao todos componentes da descrigao da ordem dos termos dentro do SN. Por outro lado, ha fatores importantes para a descrico da ordem que nao podem figurar na taxonomia, por nao servirem para distinguir as palavras entre elas. Assim, por exemplo, 0 carater restritivo ou n&o-restritivo de um termo pode. em certos casos. ser correlacionado com a ordem, donde a diferenga entre o bonito barco (ndo- testritivo) e 0 barce bonito (restritivo). No entanio, essas duas acepges parecem estar disponfveis a toda e qualquer palavra potencialmente qualificativa, nZo havendo qualificativas que. por exemplo. nao possam ser restritivas. Consegtientemente, a restritividade no constitui trago distintivo presente no léxico, € nao pode servir como uma das bases da taxonomia (o que equivale a dizer que a descrigiio da ordem dos termos vai além da simples taxonomia das palavras envolvidas). Além disso, sabe-se que ha fatores pragmiticos (textuais) que atuam. na determinagao da ordem dos termos: foco de contraste, preparacao, dadidade (ver Perini ei al., 1996, p. 121-125). Tais fatores tampouco podem ser levados em conta no presente estudo. porque nao se vinculam a palavras ou a itens léxicos, mas antes a unidades maiores, isto é, ao discurso como um todo, incluindo a situago extra-lingiifstica. Dentro do universo vocabular que nos interessa, nao é possivel determinar quais as palavras que podem ser dadas, por exemplo. Podemos dizer que 0 artigo @ nao pode ser dado, mas 0 efeito da dadidade se observa nos nomes, e & entre os nomes que a oposi¢ao dado/ novo sé manifesta. $6 que no se trata de palavras dadas ou novas, mas de conceitos. Isso vale para os demais fatores de natureza pragmitica, de modo que serdio deixados de lado neste artigo. ~ Perintet alli 213 Como se vé, 0 problema da descricio da ordem dos termos do SN transcende a questao da taxonomia. Nao é posstvel descrever 0 SN totalmente 4 mancira dos tagmemicistas, isto 6 em termos de uma série de nichos ordenados, cada um deles ocupado por uma classe de elementos. 2.2. Classese fungées As classes siio associagdes paradigmiticas de elementos, e nisso se distinguem das funcdes morfossintaticas ou semAnticas. Esse prin bastante bem estabelecido, é freqtientemente esquecido na pratica da andlise, de forma que tanto na gramitica tradicional quanto em trabalhos modernos se encontra a cada passo confusbes implicitas entre classe e funcdo. A seguir tentaremos explicitar o problema. ‘Vamos partir de um enunciado qualquer, digamos uma oragiio como Assis comprou um gravador japonés. E possivel identificar diversos tipos de Telagdes morfossintaticas ou seménticas que esto realizadas nessa frase; por exemplo, Assis é sujeito da frase; e japonés tem acepeio proventiva (Cproveniente do Japao”). Podemos dizer, corretamente, que Assis (ou, mais precisamente, o sintagma nominal Assis) nessa frase fanciona como sujeito, € Japonés funciona como proventivo. Note-se que isso s6 vale para esses itens nessa frase particular; ndo se pode dizer da palavra Assis que 6 um sujeito (pois pode ser. digamos, objeto direto) nem da palavra japonés| que ¢ proventiva (pois pode ser agentiva, como em a invasdio. japonesa). Em vez disso. diremos que (como mostra a frase examinada) Assis pode ser Sujeito, e japonés pode ser proventivo. Essas potencialidades (“poder ser sujeito”, “poder ser proventivo”), embora sejam depreendidas a partir do exame de enunciados particulares, sio © que pode ser atribuido as palavras fora de contexto, isto é, em seu estado de diciondrio. Por isso nio faz sentido perguntar (sem contexto) se Assis é sujeito Ou objeto direto; mas faz sentido perguntar (ainda sem contexto) se Assis pode ser sujeito ou objeto direto. Paralelamente, nao se ‘pergunta sem contexto se japonés é proventivo (pois pode ter outras acep¢Ges), mas pergunta-se se pode ser proventivo, agentivo etc. Aidéia é que designagdes como “sujeito”, “objeto direto” ow “acepedo Proventiva” se referem a fungdes, a0 passo que “poder ser sujeito”, “poder ter acep¢ao proventiva” se referem a tragos léxicos que podem ser utilizados como base para uma taxonomia. Em termos saussurianos, relagdes como 214 DELTA. Vol. 14, N° EspectaL “sujeito de” ou “em acepgao proventiva” sto sintagmiticas, pois $6 sc definem dentro de um contexto e em dependéncia deles; ao passo que potencialidades como “poder ser sujeito” e “poder assumir acepgdo proventiva” sio tracos Paradigméticos. que relacionam membros de classes cuja associagiio nfio aparece nos enunciados, mas na estrutura do léxico. em outras palavras, O que relaciona Assis com comprou na frase acima € o fato (sintagmatico) de que Assis 0 sujeito de comprou, j40 que relaciona Assis com Pereira, fora de qualquer contexto. 60 fato (paradigmitico) de que ambos os itens tém — no que nos interessa — as mesmas potencialidades morfossintaticas e sem&nticas. Uma conseqiiéncia disso & que niio se pode utilizar expressdes como “esta palavra estd funcionando aqui como adjetivo”, se entendemos “adjetivo” como nome de uma classe, A nosso ver G contraditério afirmar de uma palavra em determinado contexto que “funciona como” membro de uma classe, porque a nogao de “classe” é paradigmatica, ¢ portanto livre de contoxto por definigao. O que éum adjetivo, afinal de contas? E simplesmente um item que pode funcionar de determinadas maneiras; se um itern esta “funcionando como” adjetivo. 6 um adjetivo, e pronto. Se nao éum adjetivo, entdio nao pode funcionar como adjetivo — tudo isso como corolérios da propria nogao de “classe”. Quando al guém diz que “esta palavra pode ocorrer como substantive ou como adjetivo™, provavelmente tem em mente outra coisa: interpretamos essa afirmag%o como equivalente a “esta palavra pode ocorrer como X ou como Y", onde X e Y sio funcées sintaticas ou semnticas. Seria bom aplicarmos maior rigor no uso das expresses que usamos, principalmente em um ponto como este. onde a confusdo é tao freqiiente. Talvez as coisas fiquem mais claras se estabelecermos de uma vez por todas 0 que queremos dizer com “adjetivo”: uma fungio ou uma classe; € se, uma vez estabelecido o valor desse termo, nos mantivermos fitis a esse valor. Se “adjetivo"é o nome de uma classe, entdo que fique explicito que se tata de algo que se predica de palavras em seu estado de diciondrio, e nao de ocorréncias de tais palavras em contextos determinados. Procurando uma terminologia livre de tais confusGes, propomos 0 termo “trago” para designar uma potencialidade léxica—- um ou mais tragos podem definir uma classe, formada esta pelos elementos que possuem aqueles tragos. Para as fungées. talvez o melhor fosse utilizar sempre o préprio termo “fungZ0 tradicional em sintaxe; no entanto, em semAntica “fungo” ¢ tio ambiguo que preferimos dizer “acepgao”. Assim, diremos da palavra (item léxico) japonés que tem 0s tragos semanticos <+Proventivo, +Agentivo>, o que significa que pode Perm et alli 215 assumir, segundo ocnunciado onde ocorre, as acepcdes “proventiva” ou “agentiva” (entre outras, evidentemente). Um item pode ter ambos os tragos em sua matriz Jéxica, pois os tracos no exprimem mais que potencialidades; mas em um contexto dado 0 item assume apenas uma acepgo cada vez: nao é possivel construir um enunciado onde japonés scja, ao mesmo tempo. “proventivo"e “agentivo”. Adotamos também a convengao de colocar os tragos entre Angulos, <> (quando sdo de natureza seméntica) ou entre colchetes, {] (quando s4o morfossintaticos), € as acepgdes entre aspas. “”, 2.3. Classes como feixes de tracos ‘Outro ponto que queremos explicitar aqui é a natureza da classi! ficagzo baseada em feixes de tracos distintivos. Rétulos como “nome”, “preposigi0”, “verbo” etc., NO que pese seu uso quase exclusivo nas andliscs, s6 podem ser entendidos como abreviaturas de matrizes de tracos. E mais: sé podem ser entendidos como termos aproximativos, ou seja, quando classificamos as palavras. em dez (ou cem) classes estamos sempre deixando de lado os casos minoritérios ou que se consideram, por alguma razo, menos importantes. A tinica maneira rigorosa de falar das classes de palavras é utilizando 0 conjunto completo dos. tracos relevantes. 3. Exemplos ‘Vamos examinar mais detalhadamente a classificaco das seguintes Palavras: mau, ruim, caneta e paternal, Em primeiro lugar é preciso definir os tragos a serem utilizados na Classificagdo desses itens, A pesquisa relatada em Perini er al., 1996 reveiou que alguns tragos sem&nticos so relevantes para adeterminagao das possibilidades de ordenamento dos termos no SN: por. exemplo, e, entre outros; aqui vamos limitar-nos a esses dois. Dara simplificar a discussio. Segundo a andlise proposta no trahalho citado, acep¢io “qualificativa™ estd disponivel a itens que aparecem tanto antes quanto depois do nticleo do SN; a acepgao “referencial” sé se realiza (por definigaa) no Préprio nticleo. Analisando as quatro palavras escolhidas em termos desses dois tragos, leremos: ma <+Q, +R> ruim <#Q, +R> caneia paternal <+Q, -R> 216 DEL.T.A., Vol. 14, N° Espectat. As quatro palavras examinadas se distribuem, em um primeiro momento, em trés classes, definidas pelas matrizes de tracos <+Q, +R>, <-Q, +R> ¢ <+Q. ~R>. Esses tragos permitem descrever as possibilidades posicionais de cada palavra, através de certas regras inclufdas na andlise; essas regras especificam que um elemento marcado <+Q> pode ocorrer antes ou depois do nticleo; um elemento marcado <-Q> nao pode ocorrer antes do nticleo: e somente clementos marcados <+R> podem ocorrer como niicleos. Isso prevé as seguintes possibilidades: mau pode ocorrer como nucleo; e pode ainda ocorrer posposto ou anteposto ao nucleo; Tuim pode ocorrer nas Mesmas posi¢des que ma caneta $6 pode ocorrer como micleo: Paternal pode ocorrer posposto ou anteposto 20 micleo, mas nao como 0 proprio nticleo. Essas previsdes szio confirmadas para trés das palavras em exame. Mas no caso de ruim ha uma falha, porque essa palavra nado pode ocorrer anteposta ao micleo: wm livro riim / *wn ruim livro. E no se conhece nenhum trago seméntico de ruim que possa ser responsabilizado por esse fato. Por conseguinte, marcaremos rai como uma exceciio a regra que estipula que os elementos marcados <+Q> podem ocorrer antepostos. Ou scja. temos que reconhecer que as possibilidades de ordenagdo nao sao inteiramente determinadas pela sem4ntica dos diversos itens envolvidos. Desse modo, admitiremos a necessidade de marcar os itens (ou alguns deles) com tracos idiossincraticos. que os identificam como exceges; no caso, marcaremos ruin com 0 trago [-Ant]. 0 que quer dizer que essa palavra é uma excecio 4 regra ou Tegras que estabelecemn as possibilidades de anteposigao. Assim, ruin teréa matriz, <#Q, +R>, [-Ant}, diferenciando-se de mau, que é<+Q. +R>, [Ant]. O que temos em mos, portanto, é certo mimero de tragos distintivos. cada um dos quais corta 0 universo dos itens léxicos em duas classes. Os tragos. em seu conjunto, definem diversos cortes, e portanto diversas classes; *Na verdade bé redundiincias nessa notagéo, mas isso ado precisa preocupar-nos no atual estigio da investigago, Por exemplo, ago érealmente necessério especificar que mau é [+Ant] pois isso jé € determinado pela regra mencionada, que estabelece que um item <+Q> pode ser anteposto, Discutir esse tipo de questio s6 faria sentido se estivéssemos empenhados em desenvolver uma notagdo formalizada e maxiraamente econSmica,o que nos parece prematuro. No momento tata- sede observar ¢ sistematizar dados, ado de construir uma teoria geral: em outras palavras, nosso objetivo & descritivo, niio explicativo. e por isso no nos acuparemos de climinar eventuais redundincias da notagio utilizada. Perintet alli 217 como vimos, considerando os quatro itens mat, ruim, caneta € paternal e os trés tragos , ¢ [Ant], definimos quatro classes. Cada classe compreende certo ntimere de itens cujo comportamento relativo & ordenacZo dentro do SN é semelhante. Ataxonomia¢ a andlise Essa defini¢do de tacos tem uma relac&o muito intima com a andlise Propriamente dita da ordem dos termos no SN. Pode-se perguntar se 6 a anlise que deriva das classes ou as classes que derivam da andlise; mas essa pergunta nao faz muito sentido, ¢ nao pode ser respondida de maneira direta. Acontece que uma analise é em grande parte feita de gencralizagies, e as generalizagOes implicam na postulacdo de classes; nesse sentido, construir a andlise ¢ estabelecer classes sao tarefas concomitantes ¢ interdependentes. Digamos que se parta da observacaio de fatos: 0 item mau pode ocorrer tanto antes quanto depois do nticleo. Outra observacao particular & que mau possui 0 trago semAntico <+Q>. ou seja, pode ter acepedo qualificativa. Aqui estamos ainda em um estagio de generalizago muito incipiente, eno que diz respeito a mau nZo temos mais que duas afirmagies particularizadas. Teremos uma anilise a partir do momento em que tentarmos uma generalizacio. Por exemplo, podemos dizer que mau pode ocorrer anleposto ou posposto porque tem 0 trago <+Q>. Isso cquivale a dizer que “todo item marcado <+Q> pode Ocorrer anteposto ou posposto ao nticleo”— e essa afirmacdo j4 é mais do que uma simples observacao. Engloba uma generaliza¢o, e portanto jaéuma andlise (ou parte de uma andlise). Mas mesmo para formular essa generaliza¢io somos obri, gados a estabelecer classes: a afirmagilo “pode ocorrer anteposto ou posposto 20 micleo” se predica ndo de umitem léxico, mas de uma classe de itens, ou: seja, de todos os. itens marcados <+Q>. O estabelecimento de classes é essencial paraa formulagao das generalizagdes, ¢ portanto paraa claboragdo da andlise. E. por outro lado, as Classes $6 fazem sentido dentro de uma anélise: senZo como justificariamos a escolha do trago e nio, por exemplo, um trago que exprimisse o carater “desfavoravel” ou “desagradavel” da semntica de max? Naturalmente, porque © taco 6 relevante para a descrig&o das possibilidades de ordenacio da palavra mau, a0 passo que o fato de que essa palavra significa uma coisa desagradével ndo tern importancia para a descrigo das suas possibilidades de ordenacdo. 218 DELL.T.A., Vol. 14, N° Especta. Assim, no se pode dizer que a taxonomia precede a andlise, nem vice- versa; nem sequer que uma “depende” da outra. Antes, a taxonomia é um dos aspectos da andlise. A andlise da ordem dos termos do SN lanca mio de fatores independentes de qualquer taxonomia léxica (notadamente fatores de ordem textual € pragmiatica); por isso ndo se pode identificar a taxonomia com a andlise. Masa taxonomia Gum ingrediente basico da andlise, 4 que se observa que certos tipos de itens. definiveis em termos de suas propriedades seminticas ou formais. se comportam de maneira especial do ponto de vista da ordenagao. Voliemos agora & questo do tago formal [-Ant] que. como vimos, identifica o item nim como excegio. Esse wag, a0 caracterizar um item segundo seu comportamento deatro do SN, automaticamente estabelece uma nova classe: denire os itens marcados <+Q> é necessério distinguir dois grupos: aqueles que s&o proibidos de ocorrer antepostos e aqueles que nao sofrem essarestrigdo. Isso € parte legitima da taxonomia, pois se justifica em termos das conveniéncias da descrigdio. O fato de uma das classes definidas por [-Ant] ser muito menosextensa do que a outra nao afeta a questo em si; apenas nos autoriza a chamar esses casos minoritétios de “excecdes”. Assim, uma pessoa que aprende o item mau precisa ficar sabendo uma séric de coisas, entre as quais: (a) esse item tem os tragos <+Q, +R>: ¢ (b) esse item nao € excegiio 2 regra que autoriza os itens <+Q> 4 ocorrerem antepestes ao niicleo. Naturalmente, certas estratégias de aprendizagem oferecem atalhos, como considerar que um item nao ¢ excegdo até prova em contrério. Mas 0 resultado final ¢ 0 mesmo: as excegdes se classificam a parte (dentro da classe mais geral a que pertencem), o que automaticamente coloca as niio-excecdes também & parte. Consideramos pois uma classe 0 conjunto de todos os itens cujo comportamento relativo 4 ordenagao no SN seja idéntico, ou seja, que tenham exatamente a mesma matriz de tragos — compreendidos ai 0s tragos idiossincraticos do tipo [Ant]. 5. Representagao das classes em tacos As classes, como vimos, se definem através de matrizes de tragos; & esses tragos sdo em parte semanticos, em parte formais (isto é. morfossintaticos). H4 uma diferenga nitida entre tragos semanticos e formais: estes Uitimos muitas vezes so ad hoc, pois n’o encontram motivacio independente em outros setores da gramitica; é 0 caso do trago [Ant], como qual estamos lidando. J4 os tacos semAnticos nav so ad hoc: séo essenciais ndo apenas para efeitos de descri¢ao da ordem das termos no SN. mas ainda Perintet alli 219 Para a caracterizagao do significado propriamente dito das palavras. Assim, por exemplo, a marca <-Q> no item caneta nos informa que esse item nao ocorre anteposto ao nticleo, ¢ também que caneta nao pode exprimir uma qualidade atribuivel a um objeto. A importincia dessa distingdo vem de que um traco semantico tem, por assim dizer, existéncia independente, sendo essencial para descrever um fato, a saber, 0 significado de um item. Mesmo se nao for relevante para outros propésitos, o ago seméntico precisa figurar na andlise porque sendo Certos itens ficario com sua caracterizacdo semintica incompleta. J4 um waco formal tira toda a sua razio de ser de sua utilidade gramatical. 6. Sobre a natureza dos tragos Ha um aspecto do comportamento gramatical dos iteas que precisa ser sempre levado em conta, que é sua flexibilidade categorial, ou seja, sua grande capacidade de mudar de classe (sem@ntica e/ou morfossintética) segundo as necessidades expressivas do falante. Essa flexibilidade categorial levanta certos problemas pera a andlise. ‘Voltemos ao item caneia: foi proposto acima que esse item. scja marcado, no Iéxico. com 0 traco <-Q>. significando que nao pode ocorrer modificando (ou qualificando) o niicleo: nao tern potencial qualificativo. No entanto, nada impede, cm principio. que a partir de amanhi caneta comece a ser usado Gualificativamente. E 0 que acontece as vezes com itens originalmente <-Q>, como cabeca, que passou recentemente a ser utilizado (em certa variedade coloquial) qualificativamente: um filme cabeca (um filme inteligente). Como € que isso pode acontecer, seo termo era <-Q>, ¢ portanto nio tinha potencial qualificativo? Nao estarfamos, com essa marca, negando 2 possibilidade de uma coisa que é comprovadamente poss{vel? A pergunta tem razio de ser, ¢ pode ser respondida langando-se mio da distingdo entre sincronia e diacronia. Ao se falar de “potencial” deve-se distinguir duas nogoes: primeiro, 0 Potencial que ym item possui de ser zado de determinada mancira sem que seu uso cause efeito de inovacao (coisas como: efeito humoristico, variedade ou dificuldade de interpretacio etc.). Nesse sentido, caneia & certamente destituido do potencial expresso pelo trago , devendo ser marcado <-Q>; ¢ 6 nesse sentido que a nogio de “potencial” nos interessa. 220 DEL.T.A., Vol. 14, N° Espectay, Jaa nogao diacrénica de “potencial” se refere 4 possibilidade de um. item ser utilizado de determinada maneira como inovagiio. Assim, hoje, 0 uso de caneia como qualificativo é em principio possivel, mas constituird inovagdo, acarretando os efeitos meacionades. Foi o que ocorreu com eabeca as primeiras veres que se falou de papo cabeca, filme cabeca etc. A diferenga esti em que a primeira nog&o de “potencial” se refere ao armazenamento de uma possibilidade como parte da convencio lingitistica vigente (o que chamamos “lingua portuguesa"); a segunda nogZo se refere as possibilidades de mudanga dessa conven¢io. Embora no nos interesse neste momento, a nogSo diacr6nica tem relevancia ¢ distingue 4 sua moda os itens léxicos entre eles. Assim, caneta pode, concebivelmente. passar a ser utilizado qualificativamente; mas certamente o mesmo nao vale para corriamos, sempre ou em. Por isso, € importante distinguir o potencial de uso (sincrénico) do potencial de mudanga (diacr6nico); aqui nos interessa 0 primeiro. Essa posi¢ao tem corolirios para a interpreta¢do do que, precisamente, nos dizem os tragos utilizados na andlise. Assim, quando utilizamos um tra¢o qualquer, digamos <+T>, para marcar um item, estamos dizendo 0 seguinte: “esse item (ou, mais exatamente, essa palavra; ver a se¢ao 2) pode ser utilizado como “T”, ¢ esse uso 6 aceito pela comunidade como parte da convencao, endo come uma tentativa de modificar a convengao.”” 7. Substantivose adjetivos 7.1. Onmicleo do SN Vamos exemplificar a aplicagio dos princfpios discutidos ao caso dos elementos habitualmente colocados sob orétulo de “adjetivos” e “substantivo: Para isso comecaremos examinando 2 nogZo de “nticleo do sintagma nominal — uma nogiio que se encontra na base da distingo entre adjetivos ¢ substantivos, mas que nao est definida de maneira satisfatéria na literatura a que tivemos acesso (por exemplo, nos artigos reunidos em Corbettet al. (1993). Agui apresentaremos a solugao proposta em Perini et al. (1996). Mostrou-se nesse texto que a definigdo de base puramente posicional. como por exemplo a proposta em Perini (1995), no funciona. A razio principal PERDM et alli 221 € que, ao se tentar definir o néicleo posicionalmente, tanto os termos que precedem quanto os que seguem o presum{vel micleo podem ocorrer repetides. Assim, qualquer defini¢o dependennte da posigiio (digamos, “o terceiro termo a partir do final do SN”) esbarra no fato de que nfo se pode saber de antemao quantos termos repetidos esto presentes em um SN particular. Nao obstante, estamos convencidos de que é necessario atacar 0 problema da definigdo do nicleo. a fim de permitir a propria formulagzo das questes de ordenagdo dos termos: se 0 objetivo da anilise €, por exemplo, discutir a posicao do adjetivo no SN, essa posico serd definida em relagdo a que? Aconclusio aque se chegou é que o nticleo do SN no é uma entidade definivel formalmente (a partir de sua posic&o no sintagma, ou de outros fatores, como 0 controle da concordancia); antes, trata-se de uma fungdo seméntica, a saber, 0 nticleo ¢ 0 termo do SN que est tomado em acep¢ao referencial —- ou seja, como “designaco de uma coisa”. As bases que permitem ao ouvinte determinar qual dos termos de um. SN veicula a acepgio referencial esto expostas em Perini et al. (1996: 75 qq). Aqui damos apenas um exemplo: seja o sintagma 0 carro amarelo: a palavra amarelo, em virtude de sua matriz semAntica armazenada no léxico, pode ser referencial (como em 0 amarelo esid na moda) ou enti qualificativa (casa amarela). Mas carro s6 pode ser referencial. Portanto, em o carro amarelo a palavra carro é referencial (“R”) e amarelo qualificativo (6Q”). Ha razes para crer que em cada SN hd sempre um centro dereferéncia, & apenas um; no caso em pauta, € carro, e é esse 0 micleo. Isso explica, entre outras coisas, a facilidade. que tém os ouvintes de identificar o micleo deum sintagma, j4 que essa identificacko éresultado direto da propria compreensio do sintagma. Seria pouco plausivel argumentar que 0s ouvintes encontram o niicleo apartir de um. cémputo da posigao do elemento dentro do sintagma. 7.2. Adjetivosesubstantivos A anélise do nticleo do SN resumida acima acaba inviabilizando a defini¢do formal de “adjetivo” e “substantive”. Acontece. que a detinigéio formal se bascaria no potencial funcional de cada Palavra: 0 conjunto de fungdes sintaticas que cada uma pode ocupar. Por exemplo, diriamos que paternal & um “adjetivo” porque ndo pode ser nticleo do SN, e Jodo & “substantivo™ Porque pode. Se o micleo do SN pudesse ser definido em termos formais — 222 DELTA, Vol. 14, N° EspectaL. digamos, através de sua posic&o exclusiva dentro do sintagma — teriamos que “adjetivos” e “substantivos” seriam classes morfossintaticas distintas. ‘Mas apartir do momento em quese nega a diferenciagiio morfossintitica entre o micleo e os demais termos do SN (em particular os modificadores realizados por “adjetivos” tradicionais), torna-se impossivel aplicar essa definigao: os “adjetivos” eos “substantivos” tradicionais tm o mesmo potencial funcional sinidtico, isto 6, ocorrem no mesmo conjunto de fun¢bes sintaticas, Logo, pertencem, formalmente falando. a uma tinica classe. O que distingue esses tipos de palavras sdo suas potencialidades sem4nticas: paternal se distingue de Joéio por no ocorrer em acep¢do referencial (paiernal nao é “o nome de uma coisa”). As potencialidades formais observadas desses itens so decorréncia automatica de suas potencialidades semAnticas: cada item tem este ou aquele comportamento formal em virtude de significar isto ou aquilo?. De certo modo isso nos leva de volta 4 intuigdo tradicional de que o Substantivo seria a palavra que nomeia as coisas. Mas nossa andlise se diferencia da tradicional em pontos cruciais: negamos que o substantivo ¢ 0 adjetivo existam como classes auténomas, morfossintaticamente caracteriziveis. Em vez disso. a diferenga tradicionalmente percebida entre “adjetivo” ¢ “substantivo” se interpreta como uma diferen¢a entre palavras que podem ser nomes de coisas (isto 6, que podem ter acepgao referencial; ou ainda, que sao marcadas <+R>) ¢ palavras que nio podem. Essa posi¢aio permite capturar um fato extremamente importante. mas que nio se encaixa na andlise tradicional: a existéncia de grande niimero deitens que podem ocorrer em acepedo referencial ou qualificativa, como amigo: Meu melhor amigo [acep¢ao referencial] Um gesto amigo [acep¢ao qualificativa] Qualquer sistema que sé considere duas alternativas (substantivo X adjetivo) precisa deixar de lado a diferenga entre paternal, Jodo e amigo, Porque aqui temos trés tipos de comportamente distinto (semantico ¢ morfossintatico), Essa no é uma afirmagio de valor geral; pode haver, ¢ certameate hf, casos em que tzagos puramente formais distinguem grupos de palavras em classes diferentes. Por exemplo. niio vemos: maneira de caracterizar semaantiCamente os substantives masculinos face aos femininos. PERINT et alli 223 A presente proposta descreve os fatos a partir de fatores semanticos inevitdveis, que precisam de qualquer maneira figurar na andlise: Jogo Gum. nome de coisa, € 36 isso; paternal é uma qualidade, e $6 isso; amigo pode ser as Guas coisas. A presenga desses tragos na potencialidade semAntica dessas palavras € algo que consideramos um fato, ndo uma decorréncia desta ou daquela teoria. 8. Conseqiiéncias para a taxonomia 8.1. Principio As conseqiiéncias desta andlise para a questo da classificagao das palavras sdo 6bvias: morfossintaticamente. adjetivos e substantivos nao se distinguem. Teremos gue colocd-los juntos em uma s6 classe formal, 4 qual podernos chamar nomes (seguindo Camara, 1970). Epreciso observar, contudo, que isso no significa que nfio haja distingdes morfossintaticas entre as palavras em geral. Certamente a diferenga entre um ‘verbo ¢ um substantivo nao pode ser reduzida totalmente fatores de significado: © verbo se confuga, ocupa uma fungio sintética propria etc. Mesmo denuro do SN. muitos elementos poderdo ser colocados em classes ‘a parte por razdes formais. Por exemplo, nao se conhece nenhuma razio semintica para que 0 artigo ocorra €m sua posi¢ao caracteristica a cabega do sintagma. Logo. 0 artigo precisa (pelo que sabemos hoje) ser segregado da classe dos nomes, formando uma classe que se define por um comportamento sintatico proprio, Ocomportamento dos diversos elementos do SN (exceto o dos nomes) esta ainda pouco esuidado. Uma tarefa que se coloca de imediato é a de investigar quantos ¢ quais tipos de comportamento formal se podem distinguir dentre os elementos que comparecem no SN. E provavel que palavras como todos, 0, meu, outro, cinco etc. nio possam ser inclufdas dentro da classe dos nomes. A se confirmar essa hipdtese, elas escapariam as regras que governam. 4 posi¢ao dos nomes, exigindo regras prdprias. Uma consegéncia seria que elas teriam que se colocar em classes diferentes da dos nomes. 8.2, Osnomes O caso dos nomes, no momento, fica assim: {a) parece que existe uma classe, morfossintaticamente distinguivel. que 224 DEL.T.A, Vol. 14, N° Especiat englobaria grosso modo as classes tradicionais dos “adjetivos” mais os “substantivos” (com o provavel acréscimo de alguns “pronomes”). Os membros dessa classe se caracterizam por sua distribuigdo: ocorrem na Parte final (a “Area direita”) do sintagma. A idéia é que a classe dos nomes poderia ser definida posicionalmente. Ainda grosso modo, os nomes correspondem aos elementos “lexicais” mencionados na literatura tradicional; os outros seriam os “funcionais”. Evitamos utilizar essa nomenclatura porque nos parece aprioristica e baseada em critérios mal delimitados: mes por trés dela hf uma intuicdo que pode ser valida; (6) cntre os nomes existe ume grande variedade de tagos semanticos. Alguns desses tragos seminticos sao relevantes para 0 posicionamento dos itens, outros nao. Assim. por exemplo, o item Jodo denota um objeto concreto, ¢ o item santidade um objeto abstrato; mas essa oposigio (concreto/ abstrato) ndo funciona na determinagio da posi¢ao dos itens dentro do SN. Desse ponto de vista, Jodo ¢ santidade sao idénticos, e sua oposigz0 nao interessa para cfeitos de taxonomia. Por outro lado, 0 item japonés pode ser proventivo (nascido ou proveniente do Japdo) ou agentivo (praticado pelos japoneses); j4 0 item violenio n&o pode ser nem proventivo nem agentivo. mas pode ser qualificativo. Acontece que essa diferenga se reflete nas possibilidades de posicionamento: as acep¢bes agentiva € proventiva s6 so disponiveis em posic&o posposta. de mancira que se antepusermos japonés 0 resultado serd mal formado (*urnjaponés carro, *4 japonesa decisdo) porque o item anteposto fica sem acepgdo possivel. J4 violento pode ocorrer anteposto ou posposto. porque a acep¢do qualificativa é disponive] nas duas posigdes; donde serem bem formados tanto zemporal violento quanto violento temporal. Simplificando bastante, a situagdo € essa. Temos laxonomias nos niveis morfossintatico e semantico. E, a partir do momento em que decidimos descrever a ordem, no podemos escapar de nenhum desses niveis: a descrigio da ordem dos termos no SN precisa ter uma cara morfossintatica e uma cara seméntica (além de ourras caras, como a funcional, da qual néo nos ocupamos. neste trabalho). 8.3. A taxonomia que buscamos Quando falamos de “nomes”, por exemplo, estamos nos referindo a uma classe definida formalmente, E podemos deixar escapar alguma referéncia 2 uma subclassificagao dos nomes segundo critérios semfnticos: alguns podem ser agentivos, outros nao etc, Essa maneira de falar pode sugerir que no Perintet alli 225 fundo a taxonomia que buscamos seria essencialmente formal: os tracos morfossintaticos definiriam as classes, depois os semAnticos definiriam as subclasses. Mas no € isso. Rétulos como “nome” (ou, digamos, “verbo”) sao apenas abreviaturas de matrizes de tragos, e representam aproximacées, A Unica maneira rigorosa de se falar da classificacao das palavras é utilizando diretamente as matrizes, Assim, uma palavra como Jofio se distingue de sem através de certos tragos, ¢ de amigo através de outros tracos. O fato de que 10 primeiro caso os tragos sao (também) formais, e no segundo sé semanticos, n&o precisa ser colocado em primeiro plano. Vamos entender a taxonomia como resultado de tracos gramaticais. alguns formais ¢ outros semAnticos, sem hiererquia de tipos. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS Camara, J. M. Jr (1970) Estrutura da Lingua Portuguesa. Petrépolis: Vozes. Corserr. G. G.; N. M Fraser. & S. McoLasHaN. (orgs.) (1993) Heads in Grammatical Theory. Cambridge, England: Cambridge University Press. Perust, M, A. (1995) Gramdtica Deseritiva do Portugués, Sio Paulo: Atica. etalli (1996) O Sintagma Nominal em: Portugués: Estrutura. Significado eFuncio. da Revista de Estuclos da Linguagem n° Especial. B. Horizonte: UFMG.

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