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CRISTOLOGIA

CURSO DE BACHARELADO EM TEOLOGIA - EAD

Disciplina:

Cristologia - Prof. Dr. Pe. Hélcion Ribeiro

Vivo e moro em Curitiba. Tenho três amores: sou professor, padre e escritor. Dou
aulas de teologia. Sistemática. Lecionei em Florianópolis, São Paulo e Curitiba. Como
padre, trabalhei em Lages (SC), Florianópolis e atualmente em Curitiba (Paróquia
Sagrados Corações de Jesus e Maria). Como autor, publiquei vários livros quase
todos de antropologia teológica. Os principais são: Ensaio de antropologia cristã
(Vozes); Condição humana e solidariedade cristã (Vozes); Quem somos? Donde
viemos? Para onde vamos (Vozes); A realização de nosso Deus e a do homem
(Loyola); Teologia da religiosidade popular latino-americana (Paulus). Também
tenho escrito muitos artigos de teologia. No momento estou escrevendo outro livro
versando sobre o tema Antropologia teológica. Como estudo, fiz graduação de
filosofia, pedagogia e teologia. Fiz também mestrado e doutorado em missiologia,
e pós-doutorado em antropologia teológica. Hoje sou professor de cristologia,
escatologia e, lógico, antropologia teológica, no Studium Theologicum (Curitiba).

e-mail: helcionriobeiro@hotmail.com
Prof. Dr. Pe. Hélcion Ribeiro

CRISTOLOGIA

Guia de Disciplina
Caderno de Referência de Conteúdo
© Ação Educacional Claretiana, 2008 – Batatais (SP)

Trabalho realizado pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP)

Curso: Bacharelado em Teologia


Disciplina: Cristologia
Versão: fev./2010

Reitor: Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor Piva


Vice-Reitor: Prof. Ms. Pe. Ronaldo Mazula
Pró-Reitor Administrativo: Pe. Luiz Claudemir Botteon
Pró-Reitor de Extensão e Ação Comunitária: Prof. Ms. Pe. Ronaldo Mazula
Pró-Reitor Acadêmico: Prof. Ms. Luís Cláudio de Almeida

Coordenador Geral de EAD: Prof. Artieres Estevão Romeiro


Coordenador do Curso de Bacharelado em Teologia: Prof. Ms. Vitor Pedro Calixto dos Santos
Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves

Preparação Revisão
Aletéia Patrícia de Figueiredo Felipe Aleixo
Isadora de Castro Penholato
Aline de Fátima Guedes
Maiara Andréa Alves
Camila Maria Nardi Matos
Rodrigo Ferreira Daverni
Elaine Aparecida de Lima Moraes
Elaine Cristina de Sousa Goulart Projeto gráfico, diagramação e capa
Lidiane Maria Magalini Eduardo de Oliveira Azevedo
Luciana A. Mani Adami Joice Cristina Micai
Lúcia Maria de Sousa Ferrão
Luiz Fernando Trentin
Luis Antônio Guimarães Toloi
Patrícia Alves Veronez Montera
Raphael Fantacini de Oliveira
Rosemeire Cristina Astolphi Buzelli Renato de Oliveira Violin
Simone Rodrigues de Oliveira Tamires Botta Murakami

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial


por qualquer forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia,
gravação e distribuição na web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco
de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana.

Centro Universitário Claretiano


Rua Dom Bosco, 466 - Bairro: Castelo
Batatais SP – CEP 14.300-000
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Fone: (16) 3660-1777 – Fax: (16) 3660-1780 – 0800 941 0006
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SUMÁRIO

GUIA DE DISCIPLINA
1 APRESENTAÇÃO ................................................................................................ VII
2 DADOS GERAIS DA DISCIPLINA .......................................................................... VII
3 CONSIDERAÇÕES GERAIS .................................................................................. VIII
4 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ..................................................................................... IX
5 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR .......................................................................... IX

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


APRESENTAÇÃO ............................................................................................... 1

INTRODUÇÃO À DISCIPLINA
AULA PRESENCIAL ............................................................................................ 3

UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO À CRISTOLOGIA


1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 4
2 PONTO DE PARTIDA E CONCEITO DE CRISTOLOGIA ............................................... 4
3 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA CRISTOLOGIA ............................................... 4
4 OPORTUNIDADE E DIFICULDADES EM CRISTOLOGIA ............................................. 7
5 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................. 8
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 9

UNIDADE 2 – JESUS, DESDE A HISTÓRICA BÍBLICA DA SALVAÇÃO


1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 12
2 O AT COMO BASE E FUNDAMENTO DA CRISTOLOGIA NEOTESTAMENTÁRIA ............... 12
3 AS EXPERIÊNCIAS SALVÍFICAS NO AT ................................................................. 13
4 JESUS DE NAZARÉ, SUA HISTÓRIA E SUA ATUAÇÃO .............................................. 17
5 A HISTÓRIA DO HOMEM JESUS ........................................................................... 18
6 A ATUAÇÃO DE JESUS DIANTE DOS OUTROS ........................................................ 24
7 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................ 28
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 28
9 E-REFERÊNCIAS ............................................................................................... 29

UNIDADE 3 – O DESTINO DE JESUS: MORTE E RESSUREIÇÃO


1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 32
2 A MORTE DE JESUS .......................................................................................... 32
3 A RESSURREIÇÃO DE JESUS – O TESTEMUNHO NEOTESTAMENTÁRIO ...................... 36
4 QUEM É JESUS? – A REFLEXÃO TEOLÓGICA NEOTESTAMENTÁRIA ......................... 40
5 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................. 44
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 44
7 E-REFERÊNCIA ................................................................................................ 45
UNIDADE 4 – REFLEXÃO HISTÓRICO – DOGMÁTICA: A CRISTOLOGIA DOS
DOGMAS
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 48
2 O NT COMO NORMATIVO PARA A CRISTOLOGIA ................................................... 48
3 A EVOLUÇÃO DOGMÁTICA NOS CONCÍLIOS CRISTOLÓGICOS ................................ 49
4 AS TRÊS GRANDES RESPOSTAS E AS CONCLUSÕES DOS CONCÍLIOS. ..................... 57
5 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................. 58
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 58
7 E-REFERÊNCIA ................................................................................................ 59

UNIDADE 5 – CRISTOLOGIA SISTEMÁTICA


1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 62
2 AS CRISTOLOGIAS HOJE .................................................................................... 62
3 O HOMEM JESUS .............................................................................................. 64
4 O DESTINO DE JESUS: A MORTE ......................................................................... 73
5 O RESSUSCITADO: AUTORREVELAÇÃO DE DEUS E DO HOMEM ............................... 81
6 CONSIDERAÇÕES: ............................................................................................ 88
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 88

UNIDADE 6 – O LUGAR E O PAPEL DE CRISTO NO PLANO DE DEUS


1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 92
2 O LUGAR DO SALVADOR NO PLANO DE DEUS ....................................................... 92
3 TEOLOGIA DA SALVAÇÃO ................................................................................... 94
4 CRISTO SALVADOR ATUANDO ENTRE NÓS............................................................ 97
5 SEGUIR JESUS ................................................................................................. 99
6 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................. 101
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 101
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 101
GUIA DE DISCIPLINA
1 APRESENTAÇÃO
Seja bem-vindo! Você iniciará o estudo da disciplina Cristologia, que compõe
os cursos de graduação oferecidos na modalidade EAD do Claretiano.

A Cristologia é a base das disciplinas teológicas. Com base na visão Cristológica


que se constrói toda a teologia. Dizia Jesus: “Quem me vê, vê o Pai”. Ele é o revelador do
Pai e do próprio ser humano. A grande “novidade” do Vaticano II foi re-centralizar tudo em
Cristo e, a partir dele, repensar todas as questões da fé. Se assim não fosse, que sentido
teria em sermos “cristãos”?

Conhecer Jesus Cristo para amá-lo e segui-lo, enquanto cristãos, é o caminho a


que a Cristologia remete. Sem dúvida, o conhecer Jesus não é uma mera questão saber
quem é o biografado, nem do conhecimento de sua atuação e influência na história. Nós
cremos em Jesus Cristo vivo e atuante hoje, no passado e sempre (cf. Hebr. 13,8.).

Como teologizar é estabelecer as razões da própria fé, espero que você esteja
bem motivado para aprofundar os conhecimentos sobre Jesus Cristo. Para isto, você
deverá ler e estudar os textos indicados e complementares.

Observar a sua maneira (e a dos outros) de se relacionar com Cristo e


crescentemente responder: “E para você, quem sou?” (Mt. 16,15).

Aproveite seu estudo. Esta é a disciplina mais importante – mesmo não sendo a
única – de um curso de Teologia.

2 DADOS GERAIS DA DISCIPLINA


Ementa

A cristologia contemporânea, em geral, se acerca de Jesus Cristo – fundamento


da fé cristã - desde sua história (cristologia ascendente ou de baixo) para compreender a
totalidade e o significado de sua realidade histórico-escatológica em favor de Deus e dos
seres humanos, seus irmãos. È objetivo da cristologia conhecer e refletir sobre a pessoa e
o significado de Jesus Cristo - enquanto Verbo encarnado, Filho de Deus e Senhor exaltado
à direita de Pai - como sinal da ação salvífica de Deus, a partir dos dados bíblicos, em
especial do Novo Testamento. O acesso a Jesus, o crucificado-ressuscitado, não pode ser
outro senão o Reino de Deus por ele anunciado e vivido de modo antecipado, em gesto
e palavras; mas, ao mesmo tempo, leva-se em conta a reflexão histórico-dogmática da
Igreja ao identificar a “pro-existência” do Homem-Deus, como sinal da realização humana
e único salvador.

Objetivo geral

Os alunos de Cristologia do curso de Teologia, na modalidade EAD do Claretiano,


dado o Sistema Gerenciador de Aprendizagem e suas ferramentas, terão condições para
identificar Jesus Cristo à luz das Escrituras Sagradas, particularmente do Novo Testamento,
da fé da Igreja e das reflexões sistemáticas, de modo a reconhecer, com Senhor e Cristo,
aquele que existe desde toda a eternidade e se encarnou entre nós, para a nossa salvação.
Ao identificá-lo, deverá simultaneamente compreender o significado histórico de sua vida
e de sua transcendência, ou seja, de sua missão salvífica.

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GUIA DE DISCIPLINA
Bacharelado em Teologia

Com esse intuito, os alunos contarão com recursos técnico-pedagógicos


facilitadores de aprendizagem, como material didático mediacional, bibliotecas físicas
e virtuais, ambiente virtual, acompanhamento do tutor complementado por debates no
Fórum e na Lista.

Ao final desta disciplina, de acordo com a proposta orientada pelo tutor, os


alunos terão condições de interagir com argumentos contundentes, além de dissertar
com comparações e demonstrações sobre o tema estudado nesta disciplina, elaborar um
resumo, ou uma síntese, entre outras atividades. Para esse fim, levarão em consideração
as ideias debatidas na Sala de Aula Virtual, por meio de suas ferramentas, bem como o
que produziram durante o estudo.

Competências, habilidades e atitudes

Ao final deste estudo, os alunos do curso de Bacharealdo em Teologia contarão


com uma sólida base teórica para fundamentar criticamente sua prática educacional/
profissional. Além disso, adquirirão não somente as habilidades para cumprir seu papel
ATENÇÃO! de docente/profissional nesta área do saber, mas também para agir com ética e com
O segredo do sucesso em um responsabilidade social, contribuindo, assim, para a formação integral do ser humano,
curso na modalidade Educação
a Distância é PARTICIPAR, ou especialmente dos alunos.
seja, INTERAGIR, procurando
sempre cooperar e colaborar
com seus colegas e tutores. Modalidade

( ) Presencial ( X ) A distância

Duração e carga horária

A carga horária da disciplina Cristologia é de 60 horas. O conteúdo programático


para o estudo das seis unidades que a compõe está desenvolvido no Caderno de
referência de conteúdo, anexo a este Guia de disciplina, e os exercícios propostos constam
do Caderno de atividades e interatividades (CAI).

ATENÇÃO!

É importante que você releia no Guia Acadêmico do seu curso as


informações referentes à Metodologia e à Forma de Avaliação da
disciplina Cristologia , descritas pelo tutor na ferramenta “cronograma”
na Sala de Aula Virtual – SAV.

3 CONSIDERAÇÕES GERAIS
Neste Guia de disciplina, você teve a oportunidade de encontrar orientações e
informações práticas para seu itinerário acadêmico em relação à disciplina Cristologia.

Sempre que for necessário ou você quiser, poderá consultar o Guia acadêmico.

Agora, você deve dar outro passo. Conheça o Caderno de Referência do conteúdo.
Ele está dividido em seis unidades, com suas respectivas subunidades. Nesse Caderno,
você encontrará temas e conteúdos da disciplina. Eles são um roteiro para facilitar seu
estudo de Cristologia.

CRC • • • © Cristologia
VIII Claretiano – Batatais
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GUIA DE DISCIPLINA Bacharelado em Teologia

Minha sugestão é que você leia e estude todas as indicações complementares.


Faça todas as leituras sugeridas. Resuma textos. Escreva outros textos, coloque-os no
Portofólio. Participe dos fóruns. Preste atenção como você entende, ama e segue Jesus
Cristo. Observe também a posição e as afirmações que outros fazem sobre Ele. Esteja
atento à pregação dos padres, catequistas e outros líderes da evangelização. Faça isto
- não para dizer que eles estão certos ou errados - mas para perceber qual a cristologia
subjacente que eles têm.

Ainda mais: aproveite esta grande oportunidade que você está tendo de ampliar
seu conhecimento e sua fé, mesmo que seja à custa de seu esforço e de seus contratempos.
Não esqueça, porém, a graça de Deus. Alguém já disse: a cristologia se faz ajoelhado.

No mais, participe e comece a aprofundar seu conhecimento sobre Jesus Cristo,


para mais amá-lo, servi-lo e realizar-se como pessoa humana.

Participe e estude! ATENÇÃO!


Com a pesquisa, você não
impõe fronteiras em sua
aprendizagem e pode construir
4 BIBLIOGRAFIA BÁSICA um conhecimento amplo e
profundo sobre determinado
assunto. Sugerimos, portanto,
BINGEMER, M.C. Jesus Cristo: Servo de Deus e messias glorioso. São Paulo: Paulinas; que você leia os livros citados
nas bibliografias, básica e
Valencia (ESP): Siquém, 2008. complementar.
BOFF, L. Jesus Cristo libertador. Petrópolis: Vozes, 1972.

DUPUIS, J. Introdução à cristologia. S. Paulo: Loyola, 1999.

FORTE, B. Jesus de Nazaré. História de Deus. Deus da história. São Paulo: Paulus, 1985.

GARCIA DE ALBA, J. M. Cristo Jesus. Conhecê-lo, amá-lo e segui-lo. São Paulo: EDUSC,
1998.

HAIGHT, R. Jesus, símbolo de Deus. São Paulo: Paulinas, 2003.

5 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
MOLTMANN, J. Quem é Jesus Cristo para nós hoje? Petrópolis: Vozes, 1999.

MOINGT, J. O homem que vinha de Deus. São Paulo: Loyola, 2008.

SCHILLEBEECKX, E. Jesus. A história de um vivente. São Paulo: Paulus, 2008.

SCHNEIDER, T. (Org.) Manual de Dogmática. Petrópolis: Vozes, 2002. v.1.

SERENTHÁ, M. Jesus Cristo, ontem, hoje e sempre. Ensaio de cristologia. São Paulo:

Salesiana, 1986.

SOBRINO, J. Jesus o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994.

____ A fé em Jesus Cristo. Ensaio a partir dos vitimas. Petrópolis: Vozes, 2000.

RAUSCH, T. Quem é Jesus? Uma introdução à cristologia. Aparecida. São Paulo: Santuário,
2006.

TAVARES, S.S. Jesus, parábola de Deus. Cristologia narrativa. Petrópolis: Vozes, 2007.

ARIAS, J. Jesus, esse grande desconhecido. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

DUQUOC, C. Cristologia. Ensaio dogmático I. O homem Jesus. São Paulo: Loyola, 1992.

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© Cristologia • •
IX
Batatais – Claretiano
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GUIA DE DISCIPLINA
Bacharelado em Teologia

_____ Cristologia. Ensaio dogmático II. O messias. São Paulo: Loyola, 1980.

LAURENTIN, R. A vida autentica de Jesus Cristo. São Paulo: Paulinas: 2001. v.1e 2.

MAGNANI, Giovanni. Jesus, mestre e construtor. Novas perspectivas sobre seu ambiente
de vida. Aparecida: São Paulo: Santuário, 1998.

NOLAN, A. Jesus antes do cristianismo. São Paulo: Paulinas. 1996.

_____ Jesus hoje. Uma espiritualidade de liberdade radical. São Paulo: Paulinas, 2008.

PUIG, A. Jesus. Uma biografia. Lisboa: Paulus, 2005.

SESBOUÉ, B. Pedagogia de Cristo. Elementos de cristologia fundamental. São Paulo:


Paulinas, 1997.

VERMES, G. As várias faces de Jesus. Rio de Janeiro: Record, 2006.

THEISEN, G.; MERZ, A. O Jesus histórico. Um manual. São Paulo: Loyola, 2002.

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X Claretiano – Batatais
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CADERNO DE REFERÊNCIA
DE CONTEÚDO
APRESENTAÇÃO

Que bom encontrá-lo para fazermos juntos este estudo de Cristologia. Nossa
disciplina está disponibilizada em seu ambiente virtual (SGA-SAV). Neste Caderno de
Referência de Conteúdo, conforme você foi informado no Guia de disciplina, consta o
referencial teórico e programático, organizado em seis unidades, com suas subdivisões.

Para facilitar, iniciaremos com uma introdução à própria disciplina, pois faz
sentido entender logo o conceito, a história e as grandes questões da cristologia. Em
seguida vamos encontrar duas unidades bíblicas, que contextualizam e identificam Jesus.
Esta é uma parte muito importante porque a Bíblia é a norma maior da fé. Na quarta
unidade, estudaremos a história da formulação dos dogmas e contextos culturais da
disciplina. Compreender sistematicamente o significado teológico de Jesus, incluindo sua
morte e ressurreição, será a preocupação da quinta unidade. E, por fim, vamos retomar
as grandes questões, ressaltando a dimensão sotereológica da cristologia, que é o objeto
de estudo da sexta unidade.

Você já sabe que os recursos, o apoio logístico e o tutor estarão sempre à sua
disposição. Espero que este itinerário cristológico ajude você a compreender mais Jesus
Cristo, como fundamento de sua fé para que possa crer, amar e segui-lo melhor.

Bons estudos!

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INTRODUÇÃO À DISCIPLINA
AULA PRESENCIAL

Objetivos
• Estabelecer interação com os participantes do curso e
com o tutor, tendo em vista o necessário fortalecimento
do vínculo inicial para a construção do processo de
aprendizagem na modalidade EAD.

• Analisar e discutir os temas explicitados na disciplina


Cristologia.

Conteúdos
• Programa para o desenvolvimento da disciplina.

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UNIDADE 1
INTRODUÇÃO À CRISTOLOGIA

Objetivos
• Analisar o âmbito e o conceito de cristologia.

• Identificar as grandes etapas do estudo cristológico.

• Caracterizar as dificuldades e oportunidades atuais da


cristologia.

Conteúdos
• Ponto de partida e conceito de cristologia.

• Desenvolvimento histórico da cristologia.

• Oportunidades e dificuldades em cristologia.


UNIDADE 1
Bacharelado em Teologia

1 INTRODUÇÃO
Nesta unidade, você terá a oportunidade de conhecer a história da cristologia,
seu ponto de partida e seu conceito, bem como as dificuldades e oportunidades que a
disciplina propõe.

Vale ressaltar que a cristologia como todas as outras disciplinas teológicas,


pressupõe e exige a fé. Estudar Jesus Cristo, aqui, não quer dizer encontrá-lo como um
líder (político ou religioso), fundador de religião ou personalidade mais conhecida do
mundo. Tão pouco, vamos encontrá-lo a partir da piedade devocional. Ele é o Messias,
Filho de Deus vivo que viveu na Palestina, passou fazendo o bem e hoje continua sendo
irmão e Senhor de todos os homens e mulheres.

Bom estudo!

2 PONTO DE PARTIDA E CONCEITO DE CRISTOLOGIA


A cristologia é o tema central da teologia. A comunidade e a fé cristã não se
constituem por meio de uma religião ou de uma moral, nem mesmo de um conjunto de
doutrinas. O centro do cristianismo e, por consequência, da cristologia, está na pessoa de
Jesus Cristo. Uma pessoa viva, que é o revelador definitivo de Deus e do ser humano. Ele
é o fundamento e o conteúdo da fé, a origem e o sentido da existência humana. É o Filho
do Altíssimo que assumiu, em si, a carne humana, vivendo como um de nós.

Deste modo, toda a teologia, a fé e a comunidade eclesial são determinadas pela


compreensão de “quem é Ele, para Deus e para nós”. Não há nenhum outro fundamento
(cf. 1Cor 3,11; Mc 12,10ss) e orientação de fé, senão Ele. Assim, para compreender Deus,
o ser humano, o mundo, a igreja, a revelação, a fé, a graça, a salvação, a eternidade etc.,
Ele é o “caminho”, o mediador radical, mesmo que não seja a meta final (que é o Reino
de Deus ou Deus mesmo).

VOCÊ SABIA QUE: Para tanto, salientamos que a cristologia é o centro da teologia. É ela o ponto
A palavra “cristologia” foi de partida, sem ser a totalidade da teologia. Ela é como o centro donde partem os raios
usada pela primeira vez, em
1624, como título do livro de B. de uma roda de bicicleta.
Messneir, Christologiae sacrae
disputationes.
A história pessoal de Jesus Cristo é a referência permanente e o ponto de
partida da cristologia. Ela abrange a vida, a mensagem, as ações e o destino (morte e
ressurreição) de Jesus, contados à luz da páscoa. Não é a pura biografia de Jesus que
dá origem à cristologia, mas, a sua vida à luz da ressurreição – aliás, é como fazem os
evangelhos. Dessa forma, ela passa da história dos fatos para captar a consciência e o
significado destes na totalidade de quem é Jesus, Aquele que nasceu de Maria, mas veio
de Deus, como nosso salvador.

3 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA CRISTOLOGIA


Como reflexão a respeito de Jesus Cristo, a cristologia tem início no NT.
Implicitamente, pode-se dizer que o próprio Jesus Cristo seria seu iniciador. Mas, as
INFORMAÇÃO: questões sobre Ele começaram a surgir logo após sua ressurreição, quando os discípulos
Para saber mais sobre este precisaram compreender e explicar que o crucificado não era um fracassado, mas Deus o
assunto, leia os quatro discursos
de Pedro nos Atos dos Apóstolos.
havia ressuscitado.

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4 Claretiano – Batatais
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UNIDADE 1 Bacharelado em Teologia

Quanto mais se propagou a vida, a mensagem e o destino de Jesus, mais os


cristãos foram chamados a “dar as razões de sua fé”. Assim, logo no início surgiu uma
reflexão entre os judeus convertidos e outra reflexão entre os cristãos de origem grega.
Ambas queriam saber quem era Jesus, diante do crescente contato com o mundo greco-
romano.

A expansão de Igreja levou-a a um terceiro período, que também é conhecido


como o “período de ouro da cristologia” (século 3º ao século 7º), com os grandes concílios
de Nicéia (325), Constantinopla I (381), Éfeso (431), Calcedônia (451), Constantinopla II
(553) e III (681). Eles discutiriam questões de transcendental importância, num período
de inculturação da fé, saída do mundo semita, no helenismo: Jesus é verdadeiro Deus? É
verdadeiro homem? É, ao mesmo tempo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem? Como?
INFORMAÇÃO:
O período posterior é o da cristologia medieval. Entre os temas, destacam-se: A história da cristologia medieval
é bem mais desenvolvida, nesta
o significado (o porquê) da encarnação e a ciência (conhecimento, vontade e consciência) unidade, como informação. E não
de Jesus. será retomado o tema noutras
unidades desta disciplina, ao
contrário dos outros. De modo
O período subseqüente é o da cristologia escolática, em que se destacam duas geral, ela está muito presente no
grandes figuras: santo Anselmo (+ 1109) e santo Tomás de Aquino (+ 1274). atual cotidiano das igrejas cristãs.

A importância cristológica de Anselmo está em sua obra Por que Deus se fez
homem? (Cur Deus homo?).

Nesta obra e em alguns outros discursos, Anselmo faz a mais influente leitura
ocidental da cristologia sotereologia. Esta cristologia marcou todo o segundo milênio e INFORMAÇÃO:
permanece muito forte ainda hoje. Este livro foi traduzido para o
português pela editora evangélica
Novo Século, em 2003.
Anselmo se propusera a dialogar com os judeus e muçulmanos sobre quem era
Jesus por meio de uma lógica racional, sem apelar às Escrituras Sagradas (NT). Judeus e
mulçumanos não acreditam nelas.

O autor parte do contexto sociocultural. Vejamos:

Assim como é, não só indigno, mas é injusto, um senhor feudal perdoar a um


servo que o tenha ofendido gravemente, também não só é injusto é indigno da
parte de Deus, perdoar o homem pecador. Pois, se o senhor feudal o perdoa,
se tornará injusto para com os outros servos, além de abrir possibilidade
para que eles o ofendam também. Por outra razão, como e com que “moral”
um ofensor se dignará aproximar-se de seu senhor para suplicar-lhe o
perdão? Somente um terceiro, que possa fazer a intermediação e ao mesmo
tempo esteja comprometido com os dois lados, sem dever a nenhum, teria a
possibilidade deste gesto de sacrifício e compaixão.

Contudo, segundo Anselmo, é deste modo que Jesus se encarnou para poder,
morrendo na cruz, restituir a honra ofendida de Deus e obter o perdão de Deus ao ATENÇÃO!
pecador. Note-se que desde a bíblia
e da patrística, há várias
interpretações possíveis sobre
Se desde Tertuliano (+ depois de 220) vinha se afirmando a dimensão o significado “encarnatório”. O
sotereológica (de salvação) pela cruz, agora Anselmo elabora critérios teológicos suficientes predomínio do significado de
“morte na cruz pelos pecados”
para justificar a encarnação de Jesus. avultou-se no segundo milênio,
o que oportunizou a artistas,
dramaturgos, poetas e “místicos”
Santo Tomás de Aquino aceitou a “teoria da santificação” de Anselmo, mas, medievais desenvolverem tanto a
propôs-se a corrigi-la num ponto fundamental. Não era o direito do ofendido (Deus) que espiritualidade quanto a devoção
se deveria levar em conta. O importante era a bondade de Deus, que nos amou tanto e a literatura centradas na cruz.

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Batatais – Claretiano
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UNIDADE 1
Bacharelado em Teologia

a ponto de nos dar seu Filho único. Deus poderia nos perdoar de diversos modos, mas
escolheu este. A teoria de santo Tomás, mesmo aceita, nem sempre foi mais utilizada que
a “dramática” de Anselmo.

É bem verdade, que antes de Tomás de Aquino, Pedro Abelardo (+ 1142) já


havia proposto o amor de Deus como critério da encarnação. Como, porém, Abelardo se
fundamentou nas ideias de santo Irineu e a igreja no ocidente, que estava tão imbuída
do helenismo, teve dificuldades de recepção. Tomás capitalizou a explicação mantendo a
relação amor-cruz-morte.

A teoria da satisfação (anselmiana) foi a que os reformadores encontraram e


ATENÇÃO:
Note que na Igreja Católica, que se tornou fundamento, não só na cristologia, mas em toda a teologia decorrente da
a teoria anselmiana é muito Reforma e, até os dias atuais, esta teoria é muito frequente.
frequente. Contudo, não há uma
interpretação unívoca.
Merece atenção, aqui, a cristologia da Reforma com dois grandes teólogos:

Lutero (+ 1504), influenciado por questões pessoais e pelo pessimismo


agostiniano, afirmava que a ira de Deus só poderia ser satisfeita ou Deus só deixaria de
punir, mediante o sacrifício de seu Filho morrendo em nosso lugar. Jesus carregou nosso
pecado, sofreu as consequências, satisfez a Deus e obteve para nós a justificação. É assim
o nosso salvador.

Calvino (+ 1504), inclusive por sua formação jurídica, entendeu que Cristo,
oferecendo-se em sacrifício ao Pai em nosso lugar, como substituto nosso, obtém do Pai o
perdão, pois nós nascemos maus e depravados. Nós nascemos da carne e por isto somos
carne (cf. Jo 3,6). Esta corrupção é irregenerável, mas Deus, pelos méritos de Cristo,
pode salvar aqueles a que predestinou esta graça. Nem todos serão salvos, apenas os que
Deus escolhe ou predestina. Calvino também insistiu na ideia de tríplice função de Cristo:
sacerdote, profeta e rei.

Concílio de Trento (1545 – 1563) não elaborou uma cristologia própria. Aceitou
INFORMAÇÃO: diversas correntes da época, mas afirmou certas verdades de fé: a universalidade do
Por causa da cultura pecado de Adão, a necessidade do batismo para a salvação, o enfraquecimento da vontade
amartiocêntrica, nos tempos do
Concílio de Trento, parece que a por causa do pecado e, sobretudo, a necessidade de Cristo para a salvação.
salvação era apenas questão de
salvar dos pecados.
A partir do século 19, novas questões contextuais e universais oportunizaram e
continuam oportunizando criativas reflexões teológicas sobre o significado de Jesus para
todos os homens e/ou desde as culturas.

Uma nova e radical questão cristológica surgiu nesse período e é conhecida


como a questão do Cristo da fé e o Jesus histórico. A grande influência do “período de
ouro da cristologia” (séculos 4º e 8º) fazia parecer que tudo estava resolvido partindo da
ontologização de Cristo. Mas, a re-descoberta do Novo Testamento, de modo crescente,
obrigou uma volta ao Jesus da história. Não que se entendessem duas realidades distintas.
Mas, a do Cristo da fé era, de tal modo, hegemônica que o Jesus da história “quase”
desaparecia.

A questão surgiu com o pesquisador alemão Hermann Samuel Reimarus, com


seu livro, não traduzido, Sobre a intenção de Jesus e seus discípulos e se estende até hoje.
Inúmeros historiadores dividem três períodos desta pesquisa:

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• Na primeira fase (de 1779 a 1913), pesquisas históricas começam a


descobrir a história de Jesus. Descobre-se um Jesus “liberal”, pois querem
se afastar de toda “ideologia” e “mistificações”, seja dos textos do NT, seja do
ensino da Igreja. Albert Schweitzer, em 1913, fez uma grande síntese deste
período e qualificou os estudos como “filhos culturais” daqueles tempos em
que emergia uma figura que satisfizesse mais os ideais moralizantes ou
moralistas da humanidade.
• A segunda fase (1913...) atém-se, até hoje, ao chamado método histórico-
crítico. Martin Kähler cunhou as expressões “Cristo da fé” e “Jesus histórico”,
num livro seu de 1896, em que afirmava a necessidade de não separar o
chamado Jesus histórico do autêntico Cristo bíblico. Outros autores como
Rudolf Bultmann, Paul Tillich, Günther Bornkamm, Ernest Fuchs, Gerhard
Ebeling e Joachim Jeremias também aprofundaram a questão do Cristo da
fé e do Jesus histórico. Eles, mesmo fazendo suas distinções, afirmavam
a necessidade de manter a unidade para compreender Aquele que é
apresentado pela nossa fé.
• Já na terceira fase, desde 1954, continua-se a pesquisa histórica e procura-se INFORMAÇÃO:
desenvolver a compreensão de Jesus Cristo, a partir de elementos culturais Revistas semanais como Veja,
paralelos como a influência do documento de Qumran, a descoberta de Superinteressante, Isto é,
em geral trazem informações
evangelhos apócrifos, o contexto sociocultural, político e religoso dos baseadas no Jesus Seminar.
tempos de Jesus. Um grupo de estudiosos do “Jesus Seminar” (Califórnia Entre os teólogos que afirmam
a continuidade de Jesus no
EUA), tende a privilegiar, no tempo de Jesus, a descontinuidade dele
judaísmo encontram-se John
em relação ao seu tempo. O outro grupo prefere vê-lo inserido em seu D. Crossan e Marcos Borg.
contexto hebraico. No grupo que privilegia a
descontinuidade com a tradição
judaica estão E. P. Sanders,
Geza Vermes, John P. Méier.
Independente desta terceira
fase (Thrid Quest sobre o

4 OPORTUNIDADE E DIFICULDADES EM CRISTOLOGIA


Jesus histórico), na cristologia
contemporânea surgem novos e
fascinantes temas, como o Cristo
As históricas e grandes questões cristológicas podem ser resumidas em três: a Cósmico e a cristologia pluralista.
Veja sobre este assunto o
humanidade de Jesus, sua divindade e a simultaneidade divina e humana. No entanto, há interessante número 326 –
outra questão importante: o lugar da compreensão de Jesus. Neste sentido, fala-se muito, 2008/3 da CONCILIUM, Revista
Internacional de Teologia,
hoje, de Jesus histórico e do Cristo da fé, da cristologia de cima ou de baixo, da cristologia intitulado: Jesus como Cristo: o
cósmica e da exaltação. que está em jogo na cristologia?

Esta discussão surge partindo ora da dimensão divina que pré-existe e se encarna
na terra, ora da história de Jesus nascido de Maria, na Galiléia. Uma faz o caminho inverso
INFORMAÇÃO:
da outra. Seus autores constroem inúmeros argumentos para demonstrar a certeza de Para aprofundar o estudo da
seu ponto de vista. A verdade cristológica exige que as duas se completem. Uma não é história da cristologia leia o
verbete “história da cristologia”
completa sem a outra. in: LACOSTE, Jean-Yves.
Dicionário crítico de teologia. S.
Paulo: Paulinas - Loyola, 2004,
A grande tensão na cristologia e na fé cristã em geral é conciliar a humanidade
p. 480-491.
e a divindade de Jesus. Por causa do ponto de partida, há excessos e/ou insuficiências que
levam a considerar demais a humanidade, esquecendo a divindade ou vice-versa. Esta
dificuldade – natural, por sinal – só é real porque estudar, conhecer, amar e seguir Jesus
tem muitas faces.

Jesus Cristo não é uma pessoa linear, de um esquema só. Sua riqueza sempre
ultrapassa um ponto de vista. Não é em vão que no NT aparecem vários modelos de
análise cristológica. Nenhum deles é completo sem os outros. Esta sabedoria bíblica com
frequência é esquecida ou desvalorizada entre os teólogos.

Outra dificuldade foi a grande ontologização de Jesus. Quer dizer, os “séculos de


ouro” produziram uma riquíssima e feliz reflexão sobre o “ser de Jesus em si”. A procura

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UNIDADE 1
Bacharelado em Teologia

da compreensão sobre “quem é Jesus?” e não tanto “o que é Jesus?” criou um aparato
intelectual de altíssimo nível, que muitas vezes só é compreendido por especialistas.

A modificação do modo de viver, sobretudo a partir da revolução industrial, do


avanço da tecnologia e das ciências, atingiu o modo medieval de compreender quem é
Jesus. Novas culturas, que não só as europeias, também pedem novos estudos, exigem
novas apresentações eclesiais e teológicas sobre Jesus.

Mas, sobretudo, com a descristianização dos povos e a perda da hegemonia dos


cristãos, tem sido mais difícil “dar as razões da fé” em Jesus Cristo.

Os tempos atuais urgem novas maneiras de seguir a Jesus e relacionar-se


com Ele. A experiência pessoal, grupal e da comunidade de fé procura nova abertura
para o mistério de Deus, do mundo, dos seres humanos etc. Esta renovação passa pela
compreensão de quem é Jesus. Ele é o caminho. A cristologia tradicional vai dando à luz
ATENÇÃO!
É importante perceber que a cristologias plurais, capazes de sustentar a fé dos crentes nas novas situações humanas
Jesus Cristo é o mesmo sempre. e culturais.
Mudam-se os tempos, as culturas
e os modos de compreendê-lo.
A reflexão teológica sobre Jesus tem, então, a tarefa de comunicar, de modo
construtivo, o significado da história e da pessoa de Jesus, sem nunca perder de vista as
cristologias neotestamentárias. Todavia, deve-ser ter presente, também, a longa história
da dogmatização como fonte e certeza da verdade da fé.

Na história dos dogmas encontra-se uma adequada escola para evitar concepções
erradas sobre o Filho de Deus, que se fez nosso irmão para nossa salvação. Ele, o Senhor
dos vivos e dos mortos, é, contudo, uma pessoa viva e histórica e só Nele está a nossa
salvação. Por isso, a cristologia, que tem como normativo o NT e é guarda do patrimônio
da tradição e do dogma, se atualiza, ao mesmo tempo, como ciência (conhecimento) e
como vivência (experiência) da fé.

A tarefa e as novas possibilidades da cristologia permanecem, ao clarificar, hoje:

a) o significado da história do crucificado/ressuscitado;

b) a relação singular de Jesus com Deus, como seu Pai;

c) a unidade com o Pai e o Espírito Santo;

d) a relação de Cristo com todos os homens;

e) o sentido da história e do mal;

f) a salvação para todos os seres humanos, conforme o plano de Deus.

5 CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você se deparou com a problemática não de Jesus, mas da
cristologia. Entre as questões, surgiu a diversidade de cristologias, já no NT, as tensões
entre as teorias sobre Deus e o homem, o lugar da cristologia, bem como o papel do
dogma cristológico, suas dificuldades e possibilidades atuais.

A grande transformação da(s) cristologia(s) atual(ais) é o seu re-encontro com


a soteriologia, a qual é o estudo da ação e significado salvíficos de Cristo para nós. Verbo
de Deus que se fez humano, entre nós e conosco, é enviado do Pai para nos mostrar
quem somos (você deve recordar, aqui, seus estudos de Antropologia Teológica) e nos
levar à salvação, à realização plena. Para anunciar isso, Jesus falou da Boa Nova do Reino

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UNIDADE 1 Bacharelado em Teologia

de Deus, “passou pelo mundo fazendo o bem” (At 10,38), mas foi morto na cruz. O Pai o
ressuscitou e o constituiu Senhor nosso, colocando-o à sua direita.

Contudo, a cristologia re-descobre a soteriologia e faz o discurso sobre Aquele


nosso irmão que foi constituído como nosso salvador.

Já na próxima unidade iremos aprender sobre o AT como base e fundamento da


cristologia neotestamentária, as experiências salvíficas, Jesus de Nazaré, sua história e
sua atuação, e, também, o homem Jesus e a atuação de Jesus diante dos outros.

Até a próxima!

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KESSLER, H. Cristologia. In: SCHNEIDER, T. (Org.). Manual de dogmática. Petrópolis:


Vozes, 2002. v.1.

MARTIN, R. Jesus, relato histórico de Deus. Cristologia para viver e rezar. São Paulo:
Paulinas, 1997.

RAUSCH, T. Quem é Jesus? São Paulo: Santuário, 2006.

SERENTHA, M. Jesus Cristo, ontem, hoje e sempre. Ensaio de cristologia. São Paulo:
Salesiana, 1986.

LACOSTE, J.Y. Cristo/cristologia. In: DICIONÁRIO Crítico de Teologia. São Paulo: Paulinas
- Loyola, 2004.

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Anotações
UNIDADE 2
JESUS, DESDE A HISTÓRICA
BÍBLICA DA SALVAÇÃO

Objetivos
• Identificar ideias, fatos e pessoas como fundamento
e origem no AT, para a cristologia e a sotereologia
neotestamentária.

• Situar e compreender Jesus, filho de Maria e de Deus, a


partir da Bíblia.

• Analisar a atuação de Jesus no contexto histórico, para


melhor identificá-lo.

Conteúdos
• O AT como base e fundamento da cristologia
neotestamentária.

• As experiências salvíficas.

• Jesus de Nazaré: sua história e sua atuação.

• O homem Jesus.

• A atuação de Jesus diante dos outros.


UNIDADE 2
Bacharelado em Teologia

1 INTRODUÇÃO
Esta unidade quer aproximar você, criticamente, dos textos bíblicos para
perceber os profundos significados cristológicos subjacentes. Jesus de Nazaré é um ser
humano datado e localizado no povo e na tradição judaicos e, fora disto, não pode ser
compreendido. Imagine se Ele tivesse nascido na Espanha, durante a inquisição.

O AT, além do próprio significado histórico-salvífico em si, prepara a vinda de


Jesus e vai confirmá-la. Aliás, o próprio Jesus fez isto para que os discípulos de Emaús o
reconhecessem (cf. Lc 24,36ss).

Mesmo não sendo os evangelhos uma história de Jesus, é possível, hoje,


identificá-la a partir daqueles textos e reconstruir sua vida, paixão e morte. Ao mesmo
tempo, pode-se descobrir como Jesus situou-se diante de Deus, da sociedade e da religião
judaica.

É, porém, só à luz da ressurreição que se pode identificar o significado de Jesus


diante de Deus e da humanidade, como “Aquele maldito que foi aceito e glorificado por
PARA VOCÊ REFLETIR: Deus”. É a ressurreição que dá o sentido da fé cristã e lança luzes para a compreensão de
Neste momento é importante quem foi e é Jesus.
que você reflita sobre se o que
você sabe em relação a Jesus
está realmente fundamentado Os sinóticos apresentam uma cristologia desde a história de Jesus, o homem
na Bíblia ou a Igreja descobriu “a
que foi exaltado por Deus. João e Paulo acentuam a origem cósmica de Jesus (mesmo
posteriori”:
a) Alguns escritores dizem não esquecendo sua história terrena). Estes cinco textos elaboram cristologias fundadas
que a Igreja transformou o no espírito pascal, mas com características tão peculiares que as tornam distintas umas
Jesus histórico em Deus.
Outros afirmam que o judeu das outras.
Jesus foi romanizado e/ou
ocidentalizado. Isto tem algum
Tenho certeza de que conhecer Jesus, a partir da Bíblia, é uma aventura
fundamento?
b) Você consegue descobrir, nos apaixonante e inesgotável e que, após o estudo desta unidade, você será mais apaixonado
evangelhos, as diferentes por Ele e sua fé vai aparecer mais fundamentada.
identidades de Jesus?
c) Com os evangelhos, pode-se
escrever uma biografia de Bom estudo! Aproveite e aprofunde seus conhecimentos.
Jesus?

2 O AT COMO BASE E FUNDAMENTO DA CRISTOLOGIA


NEOTESTAMENTÁRIA
Para compreender Jesus, você deve introduzir-se na perspectiva vivida pelos
hebreus do AT. É necessário entender valores existenciais por eles vividos, que pertencem
aos mistérios de Deus e do ser humano, mas vão se tornar mais claro à medida que
entendemos quem é Jesus. Uma leitura temática do AT, mesmo sem ser exaustiva, abrirá
caminhos para a percepção do contexto espiritual em que Jesus nasceu, viveu, morreu e
ressuscitou.

Jesus creu em Deus como um judeu, não como um grego ou brasileiro. É desde
a longa tradição de seu povo onde nasceu, que Ele viveu, creu e morreu. O momento
histórico de sua vida não era o melhor da história do Povo Eleito. Todavia, este tempo
estava “carregado” pela longa tradição de bênçãos divinas: alianças e libertações, de
pecados humanos e de expectativas messiânicas. No NT chamou a tal tempo de “plenitude
dos tempos” (cf. Gal 4,4).

O judaísmo bíblico sempre interpretou os fatos presentes à luz do passado.


Por isto foi capaz de aliar-se com Deus, corrigir-se de seus erros e ter só em Deus sua

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confiança. Neste contexto, nasceu e viveu Jesus. É preciso buscar algumas características
da história judaica para compreendê-lo mais corretamente.

O judeu Jesus de Nazaré foi alguém profundamente imbuído de religiosidade de


seu povo. Sua história está moldada por costumes, leis, profecias, orações e tradições em (1) Halaká: Em hebreu,
que até o nome de Deus se evitava pronunciar, por reverência. Jesus respeitou a Torá, não “caminhos, proceder, norma”.
veio para modificá-la (cf. Mt 5,17). O que não significa que não tenha tido uma postura Entre os judeus, interpretação
da escritura, particularmente da
crítica diante das leis e costumes de seus contemporâneos. Afinal, grande parte deles lei, com múltiplas e detalhadas
criou tradições e costumes, a Halaká1 que atentavam contra o espírito das Escrituras. normas de proceder. Disponível
em:
<http://www.catolicanet.com/?sy
Foi Jesus mesmo quem indicou o método de interpretar sua história “segundo stem=dicionario&action=verbete
as Escrituras” (cf. Mc 14,49; Lc 24,44; 1Cor 15,3ss), quer dizer: na tradição da fé e da s&id=919>. Acesso em: 26 jan.
2009.
esperança de Israel. Interpretar Jesus “segundo as Escrituras” não significa encontrar
textos óbvios e cronologicamente crescentes, simbólicos ou alegóricos do que vai
acontecer. Antes, na “atormentada” relação entre Israel e Deus, é que se encontra a chave
de leitura mais adequada como pano de fundo na qual Jesus se situa e, ao mesmo tempo,
subverte-a reinterpretando-a

Assim, as categorias e esperança do AT são o horizonte para compreender Jesus.


Contudo, são também a ocasião de compreender o inaudito e indedutível “fato Jesus”,
para transcender a própria história de Israel, o que estudaremos adiante.

3 AS EXPERIÊNCIAS SALVÍFICAS NO AT
Você encontrará, sintetizadas, três experiências de salvação do povo judeu do
AT, que evidenciam a necessidade de compreender Jesus no contexto das tradições e
expectativas de seu povo. Você pode aprofundar outras experiências além das indicadas,
como a apocalíptica judaica, o comportamento dos patriarcas, sacerdotes e mediadores
que prefiguram o papel de Cristo.

A experiência da aliança

A história vetero-testamentária de Israel é feita no diálogo entre Deus e seu


povo. Deus fala, julga, promete, consola e, sobretudo, renova alianças. Ele é o Deus da
aliança, o que defende e salva seu povo, quase sempre infiel. É o Deus fiel à sua Palavra
salvífica, sem se deixar prender pelos conceitos, mas sempre se re-cria ao se manifestar
e agir.

O nome de Deus é clássico: “Eu sou aquele que sou para vós” (cf. Ex 3,14). Ele
será o Deus da bênção e da promessa. Ele é o Deus que olha e salva no presente, mas
tem olhos para o futuro definitivo. Ele é o que cumpre sua promessa. Isto se manifesta,
sobretudo:
• na experiência da aliança;
• na expectativa messiânica;
• na reflexão sapiencial.

Deus é aliado do ser humano, do seu povo. Quer assegurar sua liberdade e sua
salvação. Israel deve ser um povo livre. Por isso, Deus será sempre fiel à sua aliança,
mesmo que o homem não o seja.

Com a libertação do Egito, inicia-se nova eleição divina do povo, cujo pacto se
firmou no Sinai. Antes houvera a aliança com Abraão e as simbólicas com Adão e Noé.

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Nenhuma aliança, contudo era um pacto entre iguais. Deus sempre tomava a iniciativa.
Ele não usava sua onipotência para esmagar o ser humano, usava-a sempre para salvá-lo.
Esta é uma aliança assimétrica entre Deus, o Onipotente, e seu povo, limitado e pecador.

A fidelidade de Deus se exprimia, antes de tudo, por assegurar a posse da terra


a seu povo. Um povo escravo não é dono nem de si nem do fruto de seu trabalho. A posse
da terra é sempre símbolo de liberdade e de vida feliz. Isso se concretiza na geração de
muitos filhos e no aumento de propriedade, de rebanhos e de gado. Mas, a qualidade
de vida se efetiva na comunhão entre Deus e seu povo “Vós sereis minha propriedade
particular entre todos os povos” (Ex 18,5ss). Desta comunhão derivam todas as outras
bênçãos. A “memória” das intervenções de Deus é percebida sempre como ações salvíficas
em favor do seu povo.

O “Deus vivo” (1Sam 17,26-36; Sl 42,3) é experimentado como “fonte de vida”


(Sl 36,10), como o Deus dos pais que está sempre presente para abençoar, e salvar.
“Aquele que sou para vós” é o Deus libertador em sentido real, corporal, social e econômico.
“Lembra-te que foste escravo no Egito e que Javé, teu Deus, te libertou lá.” (Dt 24,17s;
15,12-15). Javé se digna até habitar no Templo de Sião (1Rs 8,12; Is 8,18; Sl 9,12) e lá
acolhe e abençoa sempre, os que o buscam. Os salmos e cânticos de Sião expressam esta
confiança e louvam o lugar em que ele habita.

Porém, quando a fonte de perturbação é interna, no coração, Javé aceita os


cultos de expiação e redenção para o perdão dos pecados. O sangue do animal sacrificado
na morte vicária pelos pecados deve ser substituído pela exigência de Deus: “quero o
amor e não sacrifícios” (cf. Am 5,21-25; Mq 6,6-8). E o próprio Deus dá o exemplo: ele
quer salvar, por isso perdoa (cf. Is 55,6ss; Ez 33,10-20).

Mesmo que Deus sempre se disponha a renovar a aliança, conceder o perdão,


abençoar com terra, gado e filhos, Deus quer abençoar sempre os peregrinos de Sião.
Parece que a salvação definitiva vai mais além, inclusive, da morte. A espera da salvação/
redenção universal vai se delineando como algo messiânico-escatológico. Isto vai ser um
presente sem pressupostos e/ou exigências. Porque Javé é bom, a terra dará colheitas
abundantes. Ele vai “criar um novo céu e uma nova terra” (Is 65,17; 66,22), onde não
mais haverá lamento e dor (Is 65,19s).

Enquanto isso, mediadores humanos de salvação surgem em Israel, como


reis, profetas, sacerdotes, que denunciam a violência, o pecado e a idolatria e mostram
caminhos de renovação para Deus. São servos de Deus em favor da salvação exílica e
pós-exílica.

Contudo, a grande promessa de salvação acontecerá por meio de um Messias


davídico ou Filho do Homem, como figura escatológica-individual.

Expectativas messiânicas

Só Moisés viu a Deus, com quem falou “face a face” (Dt 5,4). Só a ele foi confiado
o nome de Deus (cf. Ex 3,14). O povo não o viu, apenas o ouvia. Por isso, este é o povo
da Palavra. Deus diz a Moisés: “Javé teu Deus suscitará um profeta como eu no meio de
ti, dentre teus irmãos, e vós o ouvireis (...) Vou suscitar para eles um profeta como tu no
meio de seus irmãos. Colocarei as minhas palavras na sua boca e ele lhes comunicará tudo
o que eu lhes ordenar.” (Dt 18,15-18). Javé Deus promete sua presença por meio de um
INFORMAÇÃO: novo profeta, cujo protótipo é Moisés. Mas, esta espera também antevê um novo êxodo e
Para você saber mais sobre o
que estamos estudando leia Is uma nova aliança. A força da promessa dita pelo profeta estará na Palavra viva, eficaz, que
42,1-9; 49,1-6; 50,4-9; 52,13; produz o que significa, julga, abate e torna a erguer (cf. Is 55,10-11; Jr 1,10).
53,12.

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Nos Cânticos do Servo de Javé, em termos claramente profético – mosaico –


aparece, pela primeira vez, a expectativa messiânica. Ele será enviado em favor de todas
as nações, proclamará a justiça e guiará o povo num novo êxodo. Nele se estabelecerá
uma nova aliança entre Deus e seu povo. Seu sofrimento será causa de salvação.

Esta esperança da promessa profético-messiânica vai se atualizando sempre.


Espera-se um Elias redivivo, que “prepare o grande e terrível dia do Senhor” (Ml 3,25) ou ATENÇÃO!
É impressionante o oráculo de
um novo Moisés tão redentor como o primeiro (cf. Os 9,1). Espera-se que a Palavra de Isaias que expressa a inaudita
Javé rompa os céus e desça (cf. Is 63,1a). expectativa sobre o papel do seu
servo (Is 61,1-3). (Leia este texto,
compare-o com Lc 4,18-20 e veja
O povo da Palavra tem no Profeta aquele que é capaz de ler de modo lúcido e o resultado).
profundo a ação de Deus na história, o significado dos acontecimentos. E até intuir suas
decorrências futuras, não é esquecido o oráculo: “Eis que virão dias...” (cf. Jr 31,31ss).
Deus é quem refaz as alianças, mas quer vir morar entre seus filhos, a fim de que todos
o conheçam dos menores aos maiores (cf. Jer 31,36). O Messias será a sua mais amorosa
manifestação. Ao mesmo tempo, é Ele quem levará Israel à sua verdadeira realização.

A experiência de fé de Israel se mantém e cresce assinalada, mais que pelos


bens presentes, pela expectativa dos prometidos bens futuros. A partir do oráculo de Natan
(2Sm 7,14; Sl 89,20-28; 1Cro 7,4-14), o messianismo tem forte conotação davídica: o
Messias será um filho de Davi. Ele será aquele “Filho de Deus” por quem Javé vai restaurar
escatologicamente a nova ordem de justiça, paz e integridade. (cf. Is 11,1-9).

A história de Israel foi feita de esperanças e decepções frequentes pela sua não
correspondência e infidelidade dos reis e profetas. O pecado e a idolatria enfraquecem a
expectativa messiânica. Mas, mesmo nas contradições, Deus suscita chamas de esperança.
À época da restauração pós-exílica e dos acontecimentos decorrentes, nos períodos mais
recentes, surgiu um messianismo Apocalíptico que apontou ao advento de um cataclisma
cósmico. Seria o fim deste mundo cósmico. Com isso, a literatura Apocalíptica se estende
de 200 a.C. até 100 d.C. A primeira grande obra é a de Daniel (168-164 a.C.), além de 1
e 2 Henoc e 2 Baruc.

Frente à trágica perseguição dos selêucidas helênico-sírios (a partir de 220 a.C.


aproximadamente), à apostasia maciça de fé judaica, à profanação do Templo e à abolição
da Torá, surgia a candente questão: “até quando...?” Só Deus podia salvar, só Ele que
sempre salvara. É então que a profecia de Daniel 7,1-14 ganha força.

A figura de semelhante a um Filho do Homem, pairando no céu em meio às


bestas de pavorosa aparência indica o Messias escolhido, Filho de Deus, protagonista e
vencedor escatológico: o restaurador definitivo do Reino de Deus.

Deste Messias escatológico, apesar da ambiguidade (era uma figura coletiva


simbólica ou individual pessoal?) se espera a libertação dos povos estrangeiros, impuros
pecadores e opressores. Ele trará a vitória, os dominará e congregará um Israel santificado
e puro. Seu governo será sábio, justo e abençoado (cf. Sl 17,23-51; 18,7; 17-50; Br
29,3). Não basta mais a intervenção de um messias-rei terreno. Só de Deus é que pode
vir aquele que fará o julgamento e trará a salvação. E só este messias escatológico fará
um novo início de tudo (cf. Dn 2,34s; 3,33; 4,31; 8,55).

No último século antes de Cristo, estas expectativas tornaram-se muito fortes,


mesmo em se pensando na profecia de Natã (2Sm 7,1-16) sobre o oráculo do Emanuel,
aliado à palavra de Isaias (7,14).

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A Sabedoria de Deus como antecipação do Verbo Encarnado

A grande tradição de Israel é a sua histórica relação com Javé. Ambas estão
fixadas nos cinco livros do Pentateuco, que caracterizam as vicissitudes do povo e a ação
salvífica de Deus.

Numa faixa semita que vai da Mesopotâmia ao Egito, há uma cultura com
conotação religiosa cósmica. No centro da reflexão está a existência: se nasce, cresce,
desenvolve e morre. É a questão do sentido da vida pessoal: como realizar-se plenamente?
Como ser feliz? São questões antropológicas que afetam universalmente qualquer ser
humano, em qualquer tempo, debaixo do céu.

Na Palavra e na Sabedoria de Deus estão manifestos o sentido, a esperança e


ATENÇÃO!
Vale salientar que, em nosso a salvação de toda a história. O israelita se deixa guiar por elas, que ao lado do “anjo de
estudo, enfatizaremos apenas a Javé” e do Espírito, exercem funções distintas, mas inseparáveis e ao mesmo tempo, se
reflexão sobre a Sabedoria. Os
outros temas (Palavra e “anjo condicionam mutuamente.
de Javé”) serão estudados,
sobretudo, nas Disciplinas
Bíblicas e na Pneumatologia.
É necessário caracterizar logo que Sabedoria, para o semita, não equivale à
concepção grega. Também não é especulação filosófica. A sabedoria humana pertence
ao campo prático e moral da vida, relacionada a toda e qualquer realidade humana e
terrestre. “O princípio da sabedoria é o temor de Javé” (Pr 1,7; 9,10; Sl 111,10; Sir (Eclo)
1,14). Ela é uma virtude, fundada em Deus, desenvolvida tanto do âmbito doméstico e
tribal, quanto da corte real de Jerusalém. Mas, a sabedoria é, na realidade, um atributo
de Deus. Ela provém da boca de Deus (Eclo 24,3). Foi gerada por Deus antes da criação
do mundo (Pr 8,22-31). Reflete a glória de Deus. É imagem de sua bondade (Sb 7,25-26).
Tem uma missão no mundo (Sb 6,12-16; 9,10-18), especialmente junto a Israel, onde fez
sua morada (Eclo 24,8).

Na literatura sapiencial mais recente, ela é personificada e adquire maior relevo


(Pr 14,1). A Sabedoria é uma bem amada, uma hospedeira que convida para seu festim
(Pr 9,1-6). Saída da boca do Altíssimo (Si 21,3) é uma efusão da glória do Onipotente,
sua imagem e vive da intimidade de Deus (cf. Sb 7,25ss; 8,3). Está associada a tudo o
que Deus fez no mundo. Ela se divertia brincando na criação (Pr 8,27ss; 3,19ss; Sir (Eclo)
24,5). Ela continua a reger o universo (Sb 8,1). É ela quem garante a salvação (Sb 9,18).
É a distribuidora de todos os dons de Deus (Pr 8,21; Sb 7,11): vida e felicidade (Pr 3,13-
19; 8,32-36), todas as virtudes (Sl 8,7s). É ela quem faz os amigos de Deus (Sb 7,27s).
Participar dela é viver introduzido na vida de Deus, pois é o prêmio dos que buscam a
verdadeira felicidade (Pr 1,20-33; Sb 17,21-8,1).

O AT expressa constantemente a tensão entre o Deus da Aliança e a história


de Israel, quase sempre quebrada e fracassada. Deus intervém como Senhor da história
fazendo novas alianças e promessas. A promessa mais radical é a do envio de um messias,
mensageiro de paz e justiça, para todos os povos. O desejo messiânico se torna sempre
mais forte especialmente nas crises de Israel, que tem a certeza: “nosso auxílio vem do
Senhor” (cf. 115,9). Sempre se renova a esperança, suscitada pela promessa. Um dia, o
fracasso será superado para sempre. Por outro lado, a reflexão dos sábios no cotidiano da
vida e da morte se nutre da sabedoria, criada antes da criação e que fez morada entre os
homens. Possuí-la é viver na espera de Deus.

Afirmamos, anteriormente, que para compreender Jesus era necessário


compreender a história e, também, a espiritualidade de seu povo. O povo hebreu se
sentiu um povo escolhido por Deus em sucessivas alianças. Deus o protegeria dando-lhe
muitos filhos, terras e gado. Sem a bênção de Deus, eles perdiam tudo. Isto ficava claro
nos períodos de escravidão e cativeiro.

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Inúmeras vezes Deus se serviu de mediadores para confirmar seu amor pelo
povo. Por fim, Deus suscita nele uma grande esperança por um Messias escatológico. O
povo escolhido, apesar de seus inúmeros pecados, vive na confiança em Deus. A literatura
sapiencial, além de sua sabedoria experiencial, também acredita existir no próprio Deus a
Sabedoria, como aquela que articulada a relação de Deus com os homens.

Todas estas questões estavam muito presentes nos últimos tempos antes do
nascimento de Jesus. Havia grandes tensões e expectativas messiânicas. Para entender
Jesus, é preciso ter presente ao menos estas ideias.

Você deverá ter percebido nesta reflexão a afirmação insistente de que Deus
dirige a história. Ele preparou seu povo para o envio do seu Filho, na plenitude dos
tempos (cf. Gl 4,4; Ef 1,10). Certamente, você terá ouvido falar dum “pequeno resto” que
permanece fiel a Javé. Do povo de Israel sobraram uns poucos. Assim, para compreender
Jesus Cristo é necessário compreender o seu contexto imediato.

4 JESUS DE NAZARÉ, SUA HISTÓRIA E SUA ATUAÇÃO


É importante deixar claro, aqui, alguns pressupostos, antes de continuar seu
estudo.

No caso concreto, você é uma pessoa de fé, um cristão. Não é um ateu. Ao


mesmo tempo, você quer aprofundar, a nível teológico, o conhecimento sobre Jesus
Cristo, proclamado e crido pela Igreja para amá-lo e testemunhá-lo. Portanto, é necessário
racionalizar a fé, explicá-la, adequá-la a novas situações e transformá-la em fermento de
sua vida pessoal e da sociedade.

Seu estudo não será feito a puro nível histórico, como se ele fosse apenas
um personagem da história. É pressuposto dado que no homem histórico e real, Jesus
de Nazaré encontramos Deus encarnado. Deus se fez homem neste Jesus que viveu na
Palestina. Isto é uma situação única e inaudita.

Tem-se tentado descobrir o Jesus histórico em estado puro, independentemente


da fé proclamado à luz da ressurreição. Este é um estudo cientificamente importante que
envolve, no presente, estudiosos altamente gabaritados. Não é, porém, deste Jesus que
o teólogo se aproxima, mesmo ao levar em conta os resultados destas pesquisas. Na
verdade, é impossível reconstituir a história de Jesus. Quer por falta de documentos, quer
pelo significado histórico das interpretações sobre ele. O que os historiadores fazem é
tentar reconstruir, com muitos documentos, o tempo e o espaço que Jesus viveu.

Contudo, queremos, aqui, deixar de lado a pura fé, que não pensa na história
concreta de Jesus, como se ele não tivesse vivido e mergulhado num tempo histórico em
meio a um povo histórico. Ele era e é Deus, mas sem deixar de ser homem concreto,
datado e verdadeiro. Ele não é a soma de homem e Deus, nem um Deus em aparência
humana.

O estudo da cristologia também não pode estar fundado numa fé ou religiosidade


popular e nem no pietismo. Certas tradições que se vivem não têm outro fundamento senão
a piedade e/ou projeção de desejos pessoais e/ou grupais. Jesus Cristo, de quem vamos
nos aproximar agora é aquele que o NT, sobretudo os Evangelhos nos apresentam.

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5 A HISTÓRIA DO HOMEM JESUS


Não se tem de Jesus Cristo um conhecimento direto. Ele pertence à história,
mas nós só o conhecemos pela experiência e testemunho dos apóstolos relatados pelos
evangelistas, que modificaram sua compreensão sobre Ele à luz da ressurreição.

Assim, conhecer Jesus é buscá-lo em sua história global (nascimento, vida,


palavras e ações, mortes e ressurreição), à luz da fé pascal.

Ele na verdade é o misterioso filho da humanidade por meio de Maria, que viveu no
início da era cristã na Palestina. Trabalhou com suas próprias mãos. Pregou a boa notícia do
Reino de Deus. Foi escandalosamente crucificado e morto. Deus o ressuscitou, constituindo
Senhor à sua direita. Deus devolveu-lhe toda a glória que tinha, desde toda a eternidade,
mas que fora esvaziada quando Ele se fez homem como nós. Todavia, o significado de Jesus
está em ter sido humano, sem deixar de ser Deus, e é nosso salvador.

Há, em geral, duas formas de se aproximar de Jesus Cristo:


• Uma longa tradição da Igreja, após ter discutido e sintetizado em fórmulas
dogmáticas, a verdade sobre Jesus Cristo, priorizou sua divindade (mesmo
confessando sua humanidade). Historicamente, predominou o Cristo da fé;
• Nos últimos tempos, a pesquisa histórica tem ajudado a Igreja a redescobrir
a humanidade de Jesus da história, que na verdade está mais próximo dos
evangelhos (sinóticos), sem deixar à margem as contribuições dogmáticas.

Nossa opção aqui é partir da realidade de Jesus histórico, para, depois, estudar
as grandes conquistas histórico-dogmáticas e, por fim, sistematizar, teologicamente, o
significado de Jesus para nós.
INFORMAÇÃO:
Na Unidade 5 você poderá
aprofundar-se numa discussão Não é possível elaborar uma biografia científica exaustiva sobre Jesus, uma vez
atual sobre o Jesus da história,
que muitos pesquisadores se que as fontes documentais são insuficientes.
propõem. Essa discussão tem
um valor científico, porém não
Os evangelhos apresentam Jesus não para fazer história, como se entende
cristológico.
hoje. Fora do mundo cristão não há informações confiáveis e suficientes. Os evangelhos,
contando a história da vida de Jesus, querem, na verdade, dar os fundamentos da fé à luz
da ressurreição e é por isto que se pode fazer cristologia, mas não história.

Assim, começar a conhecer Jesus desde os evangelhos, e descobrir neles sua


história é o caminho não só mais adequado, hoje. É também caminho necessário, porque
a Bíblia é normativa para os cristãos. É dela que dependem os dogmas. Eles se tornaram
integrativos da fé. É assim que se deve aproximar de Jesus, para compreender a nossa
salvação.

O homem chamado Jesus

Jesus, cujo nome que quer dizer: ‘Javé Salva’, é de Nazaré, da ‘Galiléia dos
gentios’, região norte da Palestina, onde predominavam atividades pesqueiras, agrícolas
e pecuárias (gado de pequeno porte). Região marginalizada pelo centro do poder político
e religioso da Judéia (Jerusalém). É a pátria de Jesus, que ao seu tempo teria uns 200
vilarejos. Cada um deles teria entre 50 e 2.000 habitantes.

A tradição de indicar Belém como lugar de seu nascimento, parece hoje ser
bem mais um acerto de Mateus e Lucas, ao interpretarem algumas profecias, como a
descendência de Davi (cf. Lc 2,4 e a promessa de Mq 5,1). É desconhecida a data e o ano
de seu nascimento.

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A Galiléia era, ao tempo de Jesus, uma região perpassada por tensões


estruturais, entre judeus e gentios, camponeses e citadinos, pobres e ricos, governantes e
governados. A Galiléia era uma região influenciada culturalmente pelo helenismo e outras
mentalidades. Era mais aberta ao “humano e ao social”, e de uma religiosidade judaica
não tão ortodoxa. Dela dizia um rabino daqueles tempos: “Galiléia, Galiléia, tu odeias a
Torá”. Era um “povo maldito” que não sabe nada da Lei e tinha uma moral “fraca”, segundo
os da Judéia.

Jesus, filho de Maria, esposa de José, da descendência de Davi, nasceu um


pouco antes do fim governo de Herodes I (37 – 4 a.C.). Pelos anos 30 (d.C.) procurou
o batismo de João Batista, que prometia a salvação no iminente juízo de Deus, sob a
condição de expiação dos pecados.

Distanciando-se de João, Jesus andou pela Palestina, pregando o Reino de Deus


como Boa Notícia, sobretudo para os pobres, simples, pescadores e camponeses. Para ele,
Deus era Pai e Senhor (rei). Por sua bondade, o Pai se imporia até sem prévias condições
rituais. Mais que isso: Ele tem a certeza que Deus havia começado, por Ele, Jesus, a
exercer seu domínio (senhorio).

Assim, seus ensinamentos, em geral parábolas, impressionavam a todos. Como


carismático, curou a muitos. Por sua doutrina, chamou a atenção e provocou oposição de
muitos. Considerado como rabi, profeta e messias, colocou-se inteiramente a serviço do
Senhorio de Deus e das pessoas. Por sua crítica, sobretudo ao Templo e ao sábado, foi
(2) Tekton: artesão carpinteiro ou
preso, julgado, condenado e crucificado, provavelmente no dia 14 do mês Nisan, no ano
mestre de obras.
30, quando teria uns trinta e quatro e meio ou trinta e cinco e meio anos. Entre os inúmeros autores
atuais que descrevem o Jesus
histórico, você pode consultar
Jesus teria sido um tekton (construtor)2. Ao que tudo indica, seria solteiro; mais diretamente: MAGNANI, G.
isto está implícito nos evangelhos, mas não é comprovado. Praticou o judaísmo (galileu). Jesus construtor e mestre. Novas
perspectivas sobre seu ambiente
Frequentou sinagoga e o templo de Jerusalém. Desde que tornou pública sua vida, chamou
de vida. Aparecida: Santuário,
homens para serem seus discípulos. Algumas mulheres que o seguiam, sustentavam 1998, p.180-185.
financeiramente suas atividades. Nos primeiros tempos, sua atividade se desenvolveu,
sobretudo, entre populares. Fez muitas curas e milagres.

Após a chamada (para uns) “confissão de Pedro” ou (para outros) “crise da


Cesárea” (cf. Mc 8,27-30 e par.), deu nova orientação a suas atividades. E, então,
passou a diminuir os encontros com as multidões e também os milagres. Empenhou-se
na doutrinação dos discípulos. Nos últimos tempos de sua vida, evitou autoridades e,
decididamente, encaminhou-se para Jerusalém, onde foi morto.

Tais atividades se desenrolaram, incertamente, entre meio ano e três anos.


Marcados pela sua crucifixão, os apóstolos inicialmente sentiram fracassadas suas
propostas. No então, afirmando que “ele havia aparecido vivo entre eles”, retomaram sua
proposta. E os sucessores dos sucessores continuam afirmando, até hoje, a proposta de
Jesus.

A grande orientação da vida de Jesus

Desde a compreensão de “Deus como Pai amoroso” e “do significado do Senhorio


de Deus que está chegando”, Jesus começa sua atividade. É interpretado como rabi
‘mestre’, como profeta e até como Messias, títulos que ele mesmo não atribuiu a si. “Todos
os intentos de classificar Jesus dentro dos modelos de seu tempo se tornam inúteis. Não
é possível encerrá-lo em nenhum grupo pré-determinado” (J. A. Pagola). Ele não é um
sacerdote judeu, não é um saduceu, nem um fariseu. Não é Ele um zelota nem um asceta
de Qumram. Não é um rabino nem um profeta. Ele não é uma autoridade político-religiosa
nem um marginalizado social.

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Dois grandes temas envolvem e resumem a vida de Jesus: sua relação com
Deus e a pregação sobre o Senhorio ou Reinado de Deus (Malkut Yaweh). Só a partir daí
é que se pode compreender todo o significado de sua vida.

Deus foi a sua fonte de atuação e pretensão missionária. Em outra linguagem,


viveu para Deus e por nós. Já o AT concebia Deus como Pai Abba, por quinze vezes. Jesus
dirigia-se ao Deus não só na liturgia (hebraica), com a fórmula aramaica ‘Abba’. Esta
era a fórmula carinhosa, singela, direta e familiar e aparece cento e setenta e quatro
vezes nos evangelhos. (cf. Mc 14,36; Mt 11,25s; Lc 12,2; 23,24-46; Jo 11,41; 12,27s;
17,15.11.21.24 etc.).

Esta invocação, ‘Abba’, indica um modo de ser de Jesus e de relacionar-se com


Deus. O amor paterno-maternal inaudito de Deus manifesta-se num amor afetivo, numa
solicitude amorosa, numa misericordiosa ajuda e confiante fidelidade, que fez Jesus
mover-se numa esfera de intimidade com Deus. Tal imediatez e familiaridade deixaram, na
comunidade cristã primitiva, uma novidade muito significativa para continuar concebendo
Deus. Jesus fez desta relação algo muito peculiar que não só provocou a ira de seus
adversários; mas, sobretudo incluiu extensivamente nesta relação todas as pessoas,
especialmente os excluídos e mal-amados.

Entretanto, mesmo que Ele tenha feito uma distinção entre “meu” e “vosso Pai”
(cf. Mt 11,27; Lc 22,29 e outros), não implica exclusão: o amor de Deus, que é Pai, é para
todos. Fazer a vontade do Pai, ao extremo, inclusive dar a vida por Ele, foi o programa
prototípico de Jesus, que se esvaziou de si para revelar o Pai. É desta relação fontal que
Jesus encontra razões para ser revelador do Pai aos seus. Também desta relação fontal
surge sua boa nova: “o senhorio de Deus está entre vós” (Mt 3,2).

O Senhorio de Deus é a grande e radical pregação de Jesus. Neste tema se


concentram sua vida e sua morte. Jesus assume esta dimensão progressivamente. Ao
final de sua vida, tem a certeza de que a implantação definitiva do reinado/senhorio
passa por sua pessoa. Não em vão, decidiu-se partir para Jerusalém. Lá estava a grande
ATENÇÃO!
É importante observar que oposição ao Pai. Se necessário fosse, daria, como deu, sua vida por ele e pelos seus.
o senhorio é de Deus. Dele
é também a iniciativa. Dele
depende sua vinda. E Ele quer
Diferente de João Batista, a vinda do Reino não é uma questão apocalíptico-
que se estabeleça entre todos, escatológica. É, sim, a restauração e a consumação da criação, como espaço do governo
para que o mal seja banido. solícito e da proximidade de Deus (cf. Mt 6,25-34 e par.). Sem deixar de ser escatológico,
Que a criação seja sanada na
cura dos doentes, na restituição o Senhorio já está chegando. Está bem próximo (cf. Mc 1,15; Lc 10,9; Mt 10,7s), mesmo
da saúde, na libertação dos que se deva suplicar sua vinda: “venha a nós o vosso reino” (Mt 6,10; Lc 11,2).
prisioneiros e, sobretudo, na
proclamação do “ano da graça”
(cf. Lc 4,18-20). Pelo dedo O senhorio de Deus, diz Jesus e isto põe em sua prática, deve ser buscado em
de Deus, os demônios serão primeiro lugar (Lc 12,31; Mt 6,33). Javé que é “um Deus do perdão” (Ne 9,17), não quer
expulsos. Os cegos haverão de
ver e os coxos poderão andar. a morte do pecador, por isto faz chover sobre bons e maus, acolhe justos e pecadores,
Esta libertação faz parte da sem vinganças. A conversão para o Reino não é uma condição prévia. O bom Deus dá,
chegada do Reino (cf. Lc 11,20;
Mt 12,28; 11,5; Mc 3,27).
como sinal de seu reinado/senhorio, o perdão que leva à conversão; por pura graça: “se
vós, que sois maus sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais o Pai dos céus”
(Lc 11,13).

Mais ainda, se o Senhorio de Deus vai se aproximando, e aí Jesus ensina em


gestos e parábolas, então os pecadores notórios (para escândalo dos “piedosos”) vão
assentar-se à mesa da festa dos casamentos, vão ter pão com fartura, não serão mais
como “ovelhas sem pastor”. A solicitude de Deus é para com Jesus, sim; mas, também
para com todos (cf. Lc 6,20ss; Mt 11,5; 25,31-45). Se o senhorio de Deus está chegando,
os medos e as culpas devem ser superados. Os outros, até os inimigos serão tratados
como se trata a si mesmo. Quando o Senhor do Reino chegar, os pobres deverão ter
suprido a fome, o frio, a sede etc.

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Enfim, o pregador radical do Senhorio de Deus, quer implantar as novas relações


sociais, como Deus pensou ao início da criação. Quer o respeito pelos pequenos e pelas
mulheres, pelos marginalizados. Numa palavra, Jesus anuncia o Reino, que é vida e vida
em plenitude (cf. Jo 10,10).

Não é em vão que Jesus se toma de autoridade como intérprete do Pai ao


assegurar a chegada do Reino. Seus gestos, palavras e ensinamentos o levam, mesmo
dentro de contradições e oposições humanas, a ser admirado como “quem fala com
autoridade” (Mt 7,29; Mc 1,22), como quem pode dizer: “Ouviste o que foi dito pelos
antigos, porém eu vos digo.” (cf. Mt 5, 38), por exemplo, como quem “é o Messias, filho de
Deus vivo” (Mt 16,16), ou, ainda, como aquele que pode curar e até ressuscitar mortos (Lc
12, 17ss; 8,40ss; 7, 11ss). Ele pode perdoar pecados (Lc 5,20) e até expulsar demônios
(Mc 1,23ss; Lc 11,14-23).

O senhorio de Deus é, para Jesus, uma realidade que vem chegando da parte
do Pai mesmo, que às vezes, de forma “pequena como um grão de mostarda”, ou como
o fermento. Ele, porque é dom de Deus, tem significado salvífico dentro da história e
também fora dela. É terreno e celeste. Ele passa concretamente pela cultura, pela política,
pela economia, pela religião. Ele está acima e antes de tudo. Por isto deverá ser buscado
em primeiro lugar (cf. Mt 6,33). Os pobres em espírito, os famintos, os desejosos de
justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os perseguidos e todos os outros bem-
aventurados (cf. Mt 5,1-12) no futuro receberão com certeza este Reino. Mas isto, porém,
não é só uma questão de futuro. Jesus já o está antecipando escatologicamente. Jesus
histórico sabe disto, por isto faz curas, e milagres; os ensina e toma atitudes peculiares,
radicalmente, até dar sua vida.

J. Moltmann (1997) propõe uma atualização da compreensão bíblica sobre o


Reino, chamando a atenção alguns esclarecimentos teológicos, em forma de questões:

a) O reino de Deus é presente ou futuro?

b) O reino de Deus acontece no aquém, como reino terrestre ou é um reino dos


céus, no além?

c) O reino de Deus é uma causa somente de Deus ou também dos seres


humanos?

d) Não podemos ‘fazer nada’, ou também podemos realizar as obras messiânicas?

e) O reino de Deus é outro mundo ou significa que esse mundo se transformará


em outro?

f) O reino de Deus é a teocracia ou a união com o Deus vivo?

Depois ele insiste no caráter dinâmico e atual do reino, com incidência prática
na vida. Pois, trata-se:

a) da humanização do comportamento das relações humanas;

b) da democratização da política;

c) da socialização da economia;
INFORMAÇÃO:
d) da naturalização da cultura; Para se aprofundar mais no
assunto, leia a concepção de
e) da orientação da Igreja para o reino de Deus. MOLTMANN, Jürgen. Quem é
Jesus para nós Hoje? Petrópolis:
Vozes, 1997.
Os atos de poder e sinais (milagres)

Ninguém nega que Jesus fez milagres. Os sinóticos, na realidade, falam de


“dynameis” (atos de poder), enquanto João fala de “semeia” (sinais). Os milagres
de Jesus, não são uma violação à natureza, mesmo em sua corrupção (cegueira,

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lepra, endemoniamento etc.). É isto, sim, uma confirmação da contínua criação e do


aperfeiçoamento crescente da criação para indicar a ação de Deus. Eles não podem ser
lidos por uma ótica pré-científica ou científica, mas como ações de Deus que permite
ao “miraculado” e aos contemporâneos reconhecer a intervenção de Deus. Eles são
vistos desde a fé como expressão e presença amorosa de Deus. Eles são a realidade
antecipada do senhorio de Deus que liberta de forças maléficas, das escravidões pessoais
e socioeconômicas a que os doentes estão submetidos. (Lc 13,16). As 35 curas de
enfermidades, os três exorcismos, as três ressurreições dos mortos e as 19 superações
dos elementos ou milagres da natureza decorrem da capacidade curativa de Jesus e da
potencial capacidade receptiva do agraciado.

As ações curativas de Jesus são sinais para os homens de que o senhorio de


Deus já está entre eles, pois antecipam o destino escatológico da humanidade.
Convém observar que estes milagres são sempre ações em favor dos
marginalizados e excluídos. Jesus quer incluí-los no Reino. Assim, intervém
com curas e milagres pessoais, sem os grandes milagres comunitários de
ATENÇÃO! Deus no AT, indicando exatamente o início pequeno e discreto, significativo e
Você pode aprofundar o tema
dos milagres de Jesus em salvífico do senhorio de Deus.
diversas obras de teologia e/
ou de bíblia neotestamentária.
Recomendamos, porém, um
texto bem interessante: Thomas.
Rausch. Quem é Jesus? A pregação de Jesus
Uma introdução à cristologia.
Aparecida: Santuário, 2006, p. Jesus pretendeu ser o revelador definitivo de Deus e de seu Senhorio. Nisto está
151-154. sua missão. Pôs-se a serviço do Pai com sua Palavra. Absorveu-se nesta missão. Ensinou
com autoridade, vinda/buscada em Deus, não como os fariseus. E o povo se admirava e se
escandalizava com seus ensinamentos. E se perguntavam donde vinha tal sabedoria.

Assim, se o centro da mensagem de Jesus era o Pai e seu Senhorio adveniente,


é importante então ressaltar que ele não pregava uma teoria. Antes, era uma boa nova
(evangelho) para o ser humano. A pregação de Jesus tinha o intuito revelatório salvífico.
Era para a salvação humana. Realizava em si, o que pregava. Fazia acontecer o Reino do
Pai e pregava as coisas do Reino. Não foi um rabi profissional, era livre.

A originalidade de sua mensagem o levava bem além de um repetidor de Halaka,


e até mesmo da Torá. Era capaz de tirar o sentido original de uma perícope ou ensino, que
as tradições haviam sepultado. Pois, era capaz de ler com maior profundidade os sinais
dos tempos e clamar pela justiça de Deus, mais do que faziam os profetas. É alguém de
bom senso que expressa sua mensagem sem as diatribes dos fariseus.

Jesus usa uma linguagem capaz de fazer ouvintes e adversários entenderem o


que diz. Usa abundantemente a linguagem das parábolas para expressar as verdades de
Deus (que não são teorias). Por meio de sua experiência comparou o Senhorio de Deus
com a semente, com o grão de mostarda, com um tesouro escondido, uma rede jogada ao
mar, com um rei que prepara a festa de casamento do filho, ou com as virgens prudentes
e loucas.

Mais que mestre e profeta, por palavras e obras (At 10,38), foi capaz de fazer
seus ouvintes compreenderem o significado de suas ações e palavras em linguagem
escatológica, como ações salvíficas de Deus já presentes e que atingirão sua realização
plena no Reino definitivo, ou seja, em Deus mesmo.

Se a dimensão escatológica sinaliza traços proféticos em Jesus, a ética re-


proposta por Jesus indica seu ensino frente ao Reinado de Deus. Ele não ignorou a Lei e
os profetas. Antes, foi livre diante da Torá e da Halaka, apesar de ter afirmado que não

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veio abolir a Lei e os profetas, mas dar-lhes pleno cumprimento. Seu ensino aqui pode
ser resumido no mandamento do amor. Para Jesus é preciso voltar a priorizar o amor em
meio à multiplicidade de mandamentos e regras dos judeus. A ética de Jesus resume-se
em “amar a Deus de todo coração, de toda alma, com todas as forças e ao próximo como
a si mesmo” (cf. Mt 22,34-40; Mc 12,28-34; Lc 10,25-28). Este ensino já pertence, na
verdade, ao AT. Talvez a inovação que Jesus traz aqui é a precedência (primeiro lugar)
sobre todos os outros. Este amor dele inclui até amor aos inimigos (cf. Mt 5,38-48; Lc
27-36).

Jesus: seu modo de ser e de agir

Uma leitura atenta dos Evangelhos nos permite perceber atitudes fundamentais
de Jesus e de como ele foi compreendido pelos primeiros discípulos, os primeiros
cristãos.

Jesus, um homem livre, obediente e fiel

Este primeiro dado causa admiração, estupor e contestação: aos olhos de Jesus
tudo está subordinado à implantação do Senhorio de Deus e à imagem que ele tem de
Deus/Pai. Esta é sua causa e o fundamento de sua atuação. Assim, Ele se torna livre
diante de seus familiares (cf. Mc 3,21-33), diante dos especialistas da Lei, os Escribas (cf.
Mt 14,83-60), diante das tradições, ritos, prescrições e culto, que devem estar a serviço
do ser humano (cf. Mc 3,1-6; 2,23-28; 7,1-12; Mt 12,1-8; 19,1-8).

Esta liberdade radical desperta esperanças no povo, cujo resultado imediato é ATENÇÃO!
Você pode aprofundar este tema,
descobrir um novo sentido de viver e fazer-se discípulo de Jesus. Ela também é causa de lendo: Uma história de liberdade.
irritação diante dos defensores do “status quo”. In: FORTE, Bruno. Jesus de
Nazaré, a história de Deus, o
Deus da história. São Paulo:
Jesus não foi apenas um homem livre. Foi (e sua causa permanece) um Paulinas, 1985, p. 242-274.
libertador. Por isso, cura, salva, perdoa, orienta e cria caminhos de justiça e fraternidade.
Liberta das doenças e preconceitos do legalismo e subserviências dos fardos psicológicos
e moralistas, da prepotência humana (social, política, econômica ou religiosa) em vista da
fraternidade comum.

O que alimenta sua vida é fazer a vontade de Deus, seu Pai (cf. Jo 4,34).
Deus não é um alguém vingativo ou caprichoso, que busca interesses próprios. Deus está
voltado e totalmente dedicado para com os seus. Por isto procura o homem perdido (cf. Lc
15,4-7), preocupa-se com os últimos (Mt 20,1-16). É Pai acolhedor, que sabe perdoar (cf.
Lc 15,11-32), chama a todos para a festa (Mt 22,1-14). É a este Deus que Jesus obedece.
Anunciar esta mensagem é a causa dele. Mesmo quando Jesus é atingido pessoalmente,
como no Monte das Oliveiras, está ali para fazer “não a minha, mas a tua vontade” (cf.
Lc 22,42).

Porque é obediente sabe que veio para servir, não para ser servido (cf. Mt 10,45;
Lc 10,29-37). Não se preocupa consigo (cf. Mt 9,10-13; 11,19; Lc 16,13; nem com o poder
(cf. Jo 6,15). É um homem para os outros. Sua preocupação é não só com o necessitado,
seu irmão (cf. Lc 10,29-37; 22,27, mas também com seus adversários (cf. Lc 23,34; Mt
25,44).

Sua fidelidade ao Pai (e à sua causa) é tão radical a ponto de ele entregar sua
própria vida (cf. Mc 15,34; Lc 22,34; 23,46). Contra toda infidelidade (desobediência) “de
Adão”, ele faz a vontade de Deus, acima de todos os interesses próprios e/ou dos grupos
que o cercavam. Não em vão, morreu pregado na cruz, crendo em Deus até o último
momento, quando diz: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito” (Lc 24,46).

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6 A ATUAÇÃO DE JESUS DIANTE DOS OUTROS


Jesus solícito nas relações com as pessoas
No dia-a-dia das pessoas, Jesus foi uma presença significativa. Visitou-as
frequentemente, indo ao encontro de suas dores e sofrimentos, inclusive comparecendo até
em funerais. Teve apreço pelos amigos, visitava com frequência a casa de Lázaro e suas irmãs.
Ficava à disposição das pessoas e do povo em geral, até a exaustão, mesmo dispensando
mais cedo os apóstolos já cansados da jornada. Deu-se tempo para perder tempo com as
crianças e necessitados. Para acolher pessoas, superou preconceitos e discriminações.

Foi capaz de perceber, com profundidade, a raiz do mal que assolava a comunidade
judaica. Captou significados mais profundos das influências sócio-polítco-econômicas e,
VOCÊ SABIA QUE:
sobretudo, religiosas. Não podemos esquecer sua atitude frente a estas questões, dado
Mahatama Gandhi, o fundador
da Índia atual, inspirou-se nos que foi um crítico sagaz de seu tempo e circunstâncias. Manteve clara a opção pelos
evangelhos, particularmente pobres e pelo senhorio de Deus, preferindo ações (políticas) não violentas.
nas “bem-aventuranças”, para
descobrir o método da não
violência ativa. Com isso, assegurou a liberdade, a igualdade e a fraternidade não só políticas,
mas, sobretudo, diante de Deus. Por isto, enfatizava que a Lei, as tradições, o “jogo
econômico”, o poder político e religioso não só não podem se bastar a si mesmos, mas
devem estar a serviço das pessoas e das comunidades.

Além da dimensão crítica frente aos usos e costumes do tempo, Jesus reconheceu
e conviveu com homens e mulheres normais e sadios, com quem se compraziam em
convivialidades. Encontrou homens e mulheres de boa vontade, capazes de atos generosos
e os prestigiou. Até mesmo com os ricos e opressores manteve diálogo (às vezes ásperos),
em que a centralidade de Deus e do ser humano deviam estar acima de tudo (até do
sábado). Como não recordar, aqui, casos como o de Levi (o cobrador de impostos), de
Zaqueu, do centurião romano, de Herodes e de Pilatos? Nestas questões, ele se situava no
horizonte escatológico e não apenas sociológicos, mesmo que religiosos.

Jesus e as mulheres

Uma particular atenção se deve dar a algo inovativo, no contexto judeu, da


parte de Jesus: a questão do gênero. É sabida a posição machista judaica, até mesmo
diante de Deus. O homem rezava, entre outras coisas: “Dou-te graças, Senhor, por não
ter nascido mulher”.

Não é necessário recordar todo o contexto das opressões judaicas, tão pouco o da
mulher. Jesus tem uma posição ímpar diante delas. Recordaremos agora, algumas situações:
• Ele revela uma solicitude particular com as mulheres envolvidas com doenças
pessoais ou familiares. É atencioso para com elas. Não só com a sogra de
Pedro, com a viúva de Naim, com Marta (as irmãs do falecido Lázaro), com
a mulher que tinha uma doença já há dezoito anos. E atencioso, apesar de
irônico, com a estrangeira sírio-fenícia, que lhe suplica a cura da filha possessa.
(cf. Mc 7, 224-30; Mt 15,21’-28)
• Com as pecadoras, Jesus revela uma sensibilidade impressionante. No caso
da samaritana, o fato deve ter tido uma repercussão enorme a ponto de o
evangelista João dedicar ao encontro dois terços de um capítulo. Nota-se que
o seu evangelho tem apenas vinte e um capítulos (cf. 4,1-42). “Do mesmo
modo Jesus se dirige à mulher que se atiram a sua frente: - ”Mulher, ninguém
te condenou? Nem eu! Vai em paz. E não torne a pecar” (cf. Jo 8, 1-11). Ao
deixar lavar os pés, sabia bem que era ela. Contudo, era necessário libertar
aquela mulher dos machismos todos e inclusive libertar a eles mesmos. (cf.
Mt 21,31ss). Na questão do divórcio, sobretudo diante do direito do homem,
Jesus advoga o igual direito à mulher.

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• Em relação às mulheres que o acompanhavam, inclusive sua mãe, ele as


considerava discípulas e servidoras. Sua palavra para com elas era, sobretudo,
um estímulo a se tornarem mais do Senhor, a “fazer a vontade do Senhor”, a
“chorar não sobre ele, mas sobre elas mesmas e seus filhos”.

Ele teve, por elas, grande apreço. Isto está simbolizado na constante presença
delas em suas atividades. Era algo inovador para aqueles tempos, a ponto de Mateus, o
judeu que escreve para os judeus, ser o evangelista que mais fatos narra sobre mulheres.
E o ensino de Jesus deve ter sido tão marcante que o ortodoxo São Paulo chega a afirmar
que depois de Jesus, diante de Deus, não pode haver mais discriminações até mesmo
entre homem e mulher, pois, todos são iguais.

Jesus diante dos marginalizados e excluídos

A coerência de Jesus entre a centralidade de sua vida (o Pai e Senhorio de


Deus) e suas palavras e ações, se evidenciam por si só, especialmente diante
dos marginalizados e marginais. Se Deus é Pai amoroso e compreensivo,
se ele se sente seu Filho e revelador, então Jesus só pode manifestar isto
elegendo, como elegeu, pobres e marginais para manifestar a tradição dos
profetas, da Lei sobre os preferidos de Deus. Ou seja: onde começa a justiça
de Deus. Javé é o protetor dos pobres, oprimidos. É o defensor dos fracos,
estrangeiros, viúvas e órfãos. É misericordioso para com os pecadores. E esta
foi a opção histórica e preferencial de Jesus, indiscutivelmente – apesar de
todas as reduções posteriores.

A atitude de Jesus é justificada teologicamente pela consciência que ele tem


do Pai e de seu senhorio. Deus elegeu como filhos todos os homens e mulheres sem
distinção. Se entre os seres humanos há exclusões e preferências, Jesus advoga a
igualdade fundamental de todos diante de Deus. Por isto, exige uma mudança de conduta.
Ele próprio viera para as ovelhas perdidas de Israel (cf. Mt 10,2). Viera buscar o pecador
ao invés do falso justo (cf. Mt 9,13). Tal pressuposto leva Jesus às multidões abandonadas
como ovelhas sem pastor (cf. Mt 9,36), aos doentes, aos pobres, às prostitutas, aos
pecadores, aos publicanos e aos cobradores de impostos. Torna-se defensor das crianças
e das mulheres. Elege, em suas parábolas, samaritanos e outros marginalizados como
exemplos de dignidade e capazes de dignificação. Proíbe a extorsão econômica, a violência
física, a usura contra os pobres, a fraude na remuneração dos trabalhadores, a venalidade
na administração da justiça etc.

A mais significativa atitude de Jesus é o da mesa partilhada inclusive com os


pobres, o que lhe valeu até acusação das autoridades (cf. Mt 9,10; 11,19). “Estar
à mesa” indica fortes laços entre os comensais; expressa consanguinidade ou
grande amizade. Quem parte junto o pão é o companheiro.

“Estar à mesa” com os pobres é um gesto profético escatológico de Jesus, que


indica a chegada do Reino para eles. No banquete messiânico escatológico
de Deus, participam excluídos até então: doentes, pobres, estrangeiros,
pecadores, impuros. Deus quer salvá-los todos, levando-os à sua mesa.

A compaixão de Jesus pelos marginalizados é constante e seu fundamento é


o Senhorio de Deus. A centralidade está em Deus que quer a dignidade de todos e por
isso eles são os primeiros no Reino (cf. Mt 5, 1-8;25,37ss). Isso não é uma questão
socioeconômica. É, antes teológica, pertinente ao Senhorio de Deus, mas indispensável
aos crentes, conforme Jesus lhes indica (cf. Lc 14,12; 18,5; Mt 9,48; 25,31ss).

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A atuação de Jesus diante dos grupos influentes de seu tempo

Para compreender melhor a atuação de Jesus, ao seu tempo e extensivamente a todos


os tempos, convém estudar sua relação com os diversos grupos. Exemplificamos alguns:

a) João Batista.
O primeiro contato público de Jesus é com o Batista e seu grupo. Ali procurou
o batismo. Mas, em seguida, distanciou-se deles. As concepções sobre Deus
e sua vinda, são completamente diferentes. Diferentes também é o modo de
viver e atuar.

Jesus, o respeita, inclusive declarando João “o maior dentre os nascidos de


mulher” (Mt 11,11), mas nem por isto filiou-se ao movimento do “batizador”.
Jesus não foi asceta, será tratado como glutão (Lc 7,33s). Se João anunciava,
de modo Apocalíptico, a vinda de Deus, Jesus a realiza pelos exorcismos,
curas, perdões. Se João indicava a iminente vinda da vingança de Deus,
Jesus ressaltava a bondade divina. Sua pregação era sobre a graça divina,
que rompe a relação pecado-castigo.

b) Fariseus.
Os sete grupos de fariseus cumpriam rigorosamente a Lei. Respeitavam as
tradições, observavam o sábado, os ritos purificatórios, as orações, esmolas
e dízimo. Estudavam a Torá. Esperavam um Messias libertador de Israel e a
ressurreição final. Desejavam a libertação da Palestina. Mesmo convivendo
com os romanos, não eram amigos deles. Este grupo, na maioria, leigos
apesar de alguns “sacerdotes”, se sente separado das outras pessoas, pois as
consideravam ignorantes da Lei e impuros na observância dos mandamentos.
Davam à Halahá valor igual à Torá.

Jesus não escondeu sua simpatia por eles. Recriminou, porém, dois
subgrupos deles (“os de costas largas” e “os vagarosos”), também reprovado
pela população em geral. A salvação, segundo os fariseus, viria da “estrita”
observância da Lei.

INFORMAÇÃO: Não era este o caminho de Jesus, que propõe a dinâmica da salvação no
Para saber mais sobre o assunto,
leia sobre As sete espécies de apreço a Deus, que já vem chegando, e aos irmãos, sobretudo, aos pobres;
fariseus em SAUNIER, Christiane não à absolutização da Lei, mas a mudança de coração.
e ROLLAND, Bernard. Palestina
no tempo de Jesus. São Paulo: c) Saduceus.
Paulinas, 1983, p. 80.
De famílias sacerdotais, os saduceus pertenciam também às elites econômicas.
Recusavam as tradições orais judaicas. Não criam na ressurreição, apoiando-
se na ideia de uma retribuição imediata e material (isto, hoje, corresponderia
à chamada “teologia da prosperidade”). A prova disto estava na riqueza
e poder que detinham. Isto, para eles, eram bênção e a aprovação de
Deus. Sentiam-se por isto fiéis a Deus, que lhes era fiel. Detinham eles, o
poder sobre o Templo, consequentemente sobre o culto, esmolas, dízimos
e taxas. Exploravam o povo, inclusive obrigando-o a trabalhos pesados e
outras humilhações. Coniventes com os romanos, eles faziam, também,
INFORMAÇÃO:
Veja as inúmeras informações interesseiras alianças com os piores inimigos de sua fé. Dominavam o
sobre o “sinédrio”, no Índice Sinédrio. Pelo culto formal, apenas “esperavam”, para um dia, a vinda do
de nomes, assuntos e obras
fundamentais em THEISEN, Messias de Deus.
Gerd e MERZ, Annette. O Jesus
histórico. Um manual. São Paulo:
Jesus, com suas críticas desautorizando a suposta “autoridade religiosa” que
Loyola, 2002, p. 650.
julgam deter, concordava com eles contra a “tradição dos pais”, conservada
pelos fariseus. Ao mesmo tempo, porém, percebia a maldade dos saduceus e
a exploração a que submetiam o povo para se manterem no poder. Eles foram
os responsáveis pela morte de Jesus, mesmo que um deles (José de Arimatéia)

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não tenha consentido com isto (cf. Lc 23,51). Para eles, o programa de vida de
Jesus baseado na misericórdia e justiça, na fraternidade e na igualdade, não
só seria inviável, como também prejudicial aos seus interesses.

d) Herodianos.
Ao tempo de Jesus, os herodianos reinavam no país, em nome dos romanos.
Eles legitimavam o poder mantendo a ordem política e a paz nas regiões
judaicas, sem deixarem de ser uma realeza vassala. Estavam muito atentos
a qualquer pretensão messiânica, que contestasse seu poder. Recolhiam
forçados impostos e, inclusive, quiseram um pronunciamento claro de Jesus
(para, na verdade, incriminá-lo até sobre o assunto), (cf. Mc 12,13-17).
Também pressionaram Jesus sobre o significado do sábado, dia do sagrado
(cf. Mc 3,1-56). Foram eles mal amados pelo povo, sobretudo, por causa da
corrupção.

Enquanto para eles, o Reino estava na consagração do próprio sistema político,


Jesus lhes propõe a provisoriedade e a ambiguidade de todo e qualquer
sistema político-econômico. Contra eles, que adoravam o imperador como
divino, Jesus propõe Deus como único Senhor, no céu e na terra.

e) Essênios.
Foram os essênios homens e mulheres que se refugiaram no deserto, em
especial em Qumram, onde estabeleceram leis rígidas, sobre a pureza e
seus ritos. Recusavam o templo, manchado pela idolatria, na opinião deles.
Preferiam substituir os holocaustos pela ascética santidade de vida. Assim,
estariam apressando a vinda do Reino e do Messias libertador. Consideravam-
se os militantes de Deus, para combater os inimigos e demônios. Por meio de INFORMAÇÃO:
ritos, preparavam-se para as “guerras santas”, totalmente dedicadas a Deus, Confira as imagens de Qunram
disponível em: <http://www.
vivendo a pobreza, a castidade e a obediência. teologo.org/israel/photos/
photo92.html>. Acesso em: 26
jan. 2009.
Contra a posição deles (uma fuga espiritualista e ascética da realidade),
Jesus propõe o amor a Deus, o serviço ao próximo e a simplicidade de vida
até no julgamento do semelhante.

f) Zelotas.
O apressamento do Reino só se podia dar pela violência, como preferiam
os zelotas (antes conhecidos como “salteadores” ou “bandidos”). Este
movimento extremista, adepto da violência, queria restaurar em Israel a
teocracia. Para tanto, invocava condições de vida extremamente ligadas
à santidade do Templo e ao cumprimento da Lei. Eram rigorosamente
ortodoxos e integristas e detinham uma confiança absoluta em Deus e em
suas instituições. Exterminar os ímpios pela revolução armada era o meio de
apressar o Reino.

Jesus indica, a estes fundamentalistas, a autonomia do temporal, o


universalismo e a mansidão. A salvação de Deus é maior que o Templo e
os governos; mas, concorda e se posiciona, como eles, contra todas as
explorações sociais.

g) Samaritanos.
Apegados aos cinco livros do Pentateuco, os samaritanos são homens da Lei.
Com rigor, seguem as prescrições da circuncisão, do sábado, das festas etc.
Seu monte santo, porém, era Guarizin e não Jerusalém (Sion). Esperam um
Messias: Taheb, que não é um descendente de Davi, mas um novo Moisés
(cf. Dt 18,15). O Messias virá restabelecer toda a ordem no final dos tempos.
A salvação e o Messias não podem passar por Jerusalém, nem pelo Templo
de Salomão. ‘Ali tudo está corrompido’.

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Jesus lhes indica: nem em Jerusalém nem em Guarazin está o Reino de Deus
(cf. Jo 4,21). Ele está no coração, em espírito e verdade. Apesar de sua
religiosidade, Jesus indica novas e mais profundas relações com Deus. Não é
possível manter-se na superficialidade, nem no rigorismo, como já acenara
a outros grupos.

Todos os grupos tinham uma expectativa escatológica peculiar. Jesus não se


enquadra em nenhuma delas, apesar de ter com todas elas algum elemento em
comum. Na verdade, ele não é classificável em nenhum grupo ou movimento.
Teve e manteve uma peculiaridade própria, que lhe causou aplausos e
INFORMAÇÃO: condenações. Sua palavra clara era interpretada conforme o interesse. E isto o
O tema da família de Jesus, levou à morte. E morte de cruz.
em interessante abordagem
você encontra em MAGNANI,
Giovanni. Jesus, construtor e
mestre. Novas perspectivas
sobre seu ambiente de vida.
Aparecida: Santuário, 1998, p.
241-257.
7 CONSIDERAÇÕES
Você sistematizou seus conhecimentos sobre Jesus de Nazaré, sua história,
sua atuação e seu contexto. É um tema fascinante na cristologia porque faz perceber a
universalidade e atualidade do agir de Jesus, mesmo que tenha sido limitada em campo
judeu.

Os cristãos continuam agindo no lugar Dele e você tem esta missão também.
Por isso, relacione o estudo com suas atividades e com sua vida. Aja de tal modo que Ele
pudesse se identificar no seu agir e continue estudando.

A próxima unidade é importante. Em certo sentido, é continuação desta. Mas,


por ter sido a morte e a ressurreição de Jesus postas num grande destaque na tradição e
na espiritualidade, preferimos abordá-las numa unidade própria.

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARIAS, J. Jesus, esse grande desconhecido. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

DUQUOC, C. Cristologia. Ensaio dogmático II. O messias. São Paulo: Loyola, 1980.

FABRY, H; SCHOLTISSEK, K. O Messias. São Paulo: Loyola, 2008.

FREYNE, S. Jesus, um judeu da Galiléia. Nova leitura da história de Jesus. São Paulo:
Paulus, 2008.

FORTE, B. Jesus de Nazaré. História de Deus, Deus da história. São Paulo: Paulinas,
1985.

GNILKA, J. Jesus de Nazaré. Mensagem e história. Petrópolis: Vozes, 2000.

KESSLER, H. Cristologia. In: SCHNEIDER, T. (Org.). Manual de dogmática. Petrópolis:


Vozes, s/d.

LAURENTIN, R. A vida autêntica de Jesus Cristo. São Paulo: Paulinas: 2001. v. 1 e 2.

LEON-DUFOUR, X. Aliança, messias, profeta e sabedoria. In: VOCABULÁRIO de teologia


bíblica. Petrópolis: Vozes, 1972.

MAGNANI, G. Jesus, construtor e mestre. Novas perspectivas sobre seu ambiente de vida.
Aparecida: Santuário, 1998.

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28 Claretiano – Batatais
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UNIDADE 2 Bacharelado em Teologia

MOLTMANN, J. Quem é Jesus Cristo para nós hoje? Petrópolis: Vozes, 1997, p. 23-28.

MORIN, E. Jesus e as estruturas de seu tempo. Petrópolis: Vozes, 2003.

NOLAN, A. Jesus antes do cristianismo. São Paulo: Paulinas, 2008.

PUIG, A. Jesus. Uma biografia. Lisboa: Paulus, 2008.

RAUSCH, T. Quem é Jesus? Uma introdução à cristologia. Aparecida: Santuário, 2006.

SAULNIER, C; ROLLAND, B. A Palestina no tempo de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1983.

SERENTHA, M. Jesus Cristo, ontem, hoje. Ensaio de cristologia. São Paulo: Salesiana,
1986.

THEISEN, G. O movimento de Jesus. História social de uma revolução de valores. São


Paulo: Loyola, 2008.

______; MERZ, A. O Jesus histórico. Um manual. São Paulo: Loyola, 2002.

THOMAS. R. Quem é Jesus? Uma introdução à cristologia. Aparecida: Santuário, 2006, p.


151-154.

VERMES, G. Natividade. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2007.

______. As várias faces de Jesus. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2006.

9 E-REFERÊNCIAS
PENSAR. Qumram. Disponível em: <http://www.teologo.org/israel/photos/photo92.
html>. Acesso em: 26 jan. 2009.

CATOLICANET. Halaká. Disponível em: <http://www.catolicanet.com/?system=dicionar


io&action=verbetes&id=919>. Acesso em: 26 jan. 2009.

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Batatais – Claretiano
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Anotações
UNIDADE 3
O DESTINO DE JESUS:
MORTE E RESSUREIÇÃO

Objetivos
• Identificar as causas e razões da morte de Jesus na cruz.

• Validar a posição de Jesus diante da perspectiva da própria


morte.

• Analisar o significado histórico-pascal da ressurreição.

• Descrever as fontes bíblicas da fé na ressurreição.

• Justificar a fé dos discípulos no Senhor ressuscitado.

• Distinguir a cristologia da exaltação e da eleição do Cristo,


da cristologia da pré-existência e da encarnação.

Conteúdos
• A morte de Jesus.

• A ressurreição de Jesus: o testemunho neotestamentário.

• Quem é Jesus? A resposta cristológica do NT.


UNIDADE 3
Bacharelado em Teologia

1 INTRODUÇÃO
Na Unidade 2, você pôde compreender o AT como base e fundamento da
cristologia neotestamentária, bem como as experiências salvíficas, Jesus de Nazaré, sua
história e sua atuação. Além de estudar o homem Jesus e sua atuação diante dos outros.

Nesta Unidade 3 você deverá aprofundar as questões ligadas à morte e à


ressurreição de Jesus, bem como as cristologias do NT. É importante ter presente que é a
ressurreição que dá sentido à morte de Jesus.

Se você fizer uma rápida pesquisa entre as pessoas que o rodeiam, certamente
INFORMAÇÃO: perceberá uma supervalorização da morte de Jesus na cruz, por causa de nossos pecados.
A palavra “estaurológica” deriva Esta teologia estaurológica foi muito importante na espiritualidade do segundo milênio,
da palavra grega staurós, que
significa cruz e o complemento sobretudo na Idade Média. E ainda perdura. Mas, você deve convir com São Paulo: se
“lógica” indica a ciência, o Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé.
conhecimento. Aqui, no caso,
quer dizer: a compreensão, o
conhecimento ou a interpretação Os evangelhos e a Igreja não concebem o fim histórico de Jesus, sem considerar,
da fé, a partir da cruz de Jesus. além da morte, o outro elemento constitutivo: sua ressurreição. Liturgicamente, a Igreja
celebra sempre o chamado “tríduo pascal”. A espiritualidade move-se pela graça do
ressuscitado.

A teologia atual tem preferido fazer a sua reflexão levando mais em conta o
significado da morte e ressurreição como verso e reverso da mesma moeda, que na
verdade só se explica no contexto da vida encarnada de Jesus com sentido para o cristão
de hoje. Você vai estudar separadamente os dois temas, para poder explorar mais e melhor
seus significados. Depois disto, deverá aprofundar a percepção do NT em compreender
Jesus. Elas são sintetizadas em duas grandes linhas: a da cristologia da elevação e eleição
e a cristologia da pré-existência e encarnação.

Reveja seus conceitos sobre estes temas e justifique sua posição, sabendo que
o significado de Jesus é ainda maior, pois Ele, conforme o NT, não é o apenas nascido
da Virgem Maria. Ele é Deus que pré-existe, desde toda a eternidade. Para afirmar esta
verdade bíblica da fé, os teólogos e exegetas costumam, hoje, falar da cristologia da
exaltação e eleição do homem Jesus e da cristologia da pré-existência e encarnação de
Deus. Na verdade, não existe uma tensão entre as duas. Elas compõem um movimento
circular que vem do céu à terra e da terra sobe ao céu. O Cristo é o mesmo homem de
Nazaré. É assim que o NT nos apresenta Jesus. Estes são princípios que devem guiar sua
fé.

Continue avante e bom estudo!

INFORMAÇÃO:
Certamente você já ouviu falar
da famosa escultura “Pietà”,
de Michelangelo, que se
2 A MORTE DE JESUS
encontra na Basílica de São Agora, programe-se em questão de horário, material complementar de estudos.
Pedro, em Roma. Sobretudo,
a partir da Idade Média, muitos E prepare-se para adentrar num dos momentos mais significativos da vida de Jesus.
artistas tiveram o tema de
Maria recebendo, ao colo, seu
A morte de Jesus marcou demasiadamente os cristãos, sobretudo durante o
filho morto ao ser descido da
cruz. É um tema que pervadiu segundo milênio. Tanto a teologia (cristologia) quanto a liturgia, a piedade popular e as
a espiritualidade. É clássica a artes em geral, centram sua ação na morte de cruz (estaurologia). A interpretação da
expressão “Pietà” para designar
este momento plástico da mãe morte de Cristo estava ligada à questão do pecado. A partir daí, se vive certo “dolorismo”,
sofredora com seu filho aos que encheu nossas igrejas com cruzes, vias-sacras, crucificados, pietàs etc.
braços.

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UNIDADE 3 Bacharelado em Teologia

Figura 1 Pietà de Michelangelo.

Realmente não se pode compreender Jesus sem sua morte e morte na cruz. Ela,
porém, não é o centro nem o sentido de sua encarnação. Todavia, é o motivo pelo qual os
cristãos se reconciliam “oficialmente” com Deus.

Jesus diante de sua morte (perspectiva objetiva)

Sabia Jesus que iria ser morto e pregado na cruz? A resposta que pareceria
óbvia, na verdade não é tanto assim. Três vezes Jesus profetizará a morte do “Filho do
Homem” (Mc 8,31; 9,31; 10,33). Todavia, a morte na cruz não era algo em seu horizonte,
pois na Torá se ensinava: “maldito é o que é pendurado na cruz” (cf. Dt 21,23). As
questões que atingiam e ameaçam Jesus se davam dentro do povo judeu. Todavia, Ele
foi preso, condenado e pregado na cruz pelo poder romano, mas com a colaboração das
autoridades judaicas.

A morte de Jesus é consequência de sua mensagem sobre Deus e da pretensão


de sua autoridade.

Ela estava implícita nos objetivos e meios de seu comportamento inconformista,


o que provocava a ira das autoridades judias. A condenação como sedicioso e blasfemo, o
golpeou com um fracasso radical de seu projeto. Sua opção pelos pobres e marginalizados,
suas transgressões rituais, seus ataques ao sábado e aos ritos de purificação/impureza,
somados, sobretudo à sua pretensão de agir e lutar em nome de Deus foram os motivos
históricos que o levaram ao trágico fim de sua vida.

A partir da confissão de Cesárea (cf. Mc 8,27ss; Lc 9,18-21; Mt 16,13-20),


Jesus decidiu terminantemente ir para Jerusalém. O confronto com os saduceus e
sacerdotes se acirrou como perigo para a ordem cúltico-pública, mantida à mão de ferro.
A motivação (religiosa) política da expulsão dos vendedores no templo (Mc 11,15-18)

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UNIDADE 3
Bacharelado em Teologia

e da palavra sobre a destruição do templo (Mc 13,2; 14,56-61) foram o estopim para a
prisão, condenação e morte.

O processo judicial começou por causa das chamadas blasfêmias de Jesus (Mt
26,65; Mc 14,64) e de seu “desacato ao Sinédrio” (cf. Mt 17,12; Jo 18,21-23; Mc 14,60ss;
15,4s). Havia, também, antecedentes em sua pretensão de colocar-se na esfera do divino,
de sua consciência como enviado de Deus, chamado a instaurar o Reino de Deus na
terra.

A desproporção era tamanha: frente às instituições oficiais e às autoridades


representativas, à expectativa messiânica em curso e o respaldo do poder, Jesus se
apresentava sem a Lei, sem o Templo, sem dinheiro e sem poder vingativo. O resultado
só seria este: ser preso para ser condenado e morto.

O Sinédrio, neste tempo, não tinha poder para executar uma sentença capital.
Além do que, no processo de Jesus, parece não ter havido unanimidade entre seus
membros. Então, transferiu a causa para o âmbito civil: entregou Jesus a Pilatos, ao poder
romano, a quem tanto se odiava.

A causa religiosa-política foi transformada em delito político: insurreição e


questionamentos sobre o fisco (Lc 23,2.5). Pilatos interroga-o sobre isto e o condena.
Antes, porém, enviou-o a Herodes que apenas constatou sua inocência (Lc 23,15), sem
nada fazer. Os três fatos: crucifixão, inscrição sobre a cruz e condenação de Pilatos,
indicam de modo inquestionável a condenação romana, por manobra judaica.

Diante dos poderes estatuídos, a morte de Jesus aparece para todos como
INFORMAÇÃO: fracasso de sua pretensão e como abandono de Deus que depois se revela no
Entre outros interessantes grito da cruz: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” (Mc 15,34).
e atualizados estudos
contemporâneos sobre a morte
de Jesus, você pode aprofundar
a questão lendo: SLOYAN,
Gerard. Porque Jesus morreu na Jesus diante de sua morte (perspectiva subjetiva)
cruz? São Paulo: Paulinas, 2006,
p. 19-72. Jesus não buscou a morte. Antes, buscou a Deus e ao seu Senhorio. Porém,
contou com ela e foi integrando-a em sua vida como consequência de sua pretensão (a
causa de Deus). Também deu a ela, já durante sua vida terrena, um sentido peculiar: por
Deus e por nós (pró-existência total). Assumida a missão de enviado ao Pai, assume a
morte que se avizinha como entrega pela causa. Ele não a buscou (cf. Jo 18,22ss; 19,11;
11,53s), e nos últimos tempos, já quase não aparecia mais em público (cf. Jo 11,53ss).

Jesus foi suficientemente realista para se dar conta do perigo que o espreitava.
Os conflitos se avolumavam e as hostilidades se radicalizavam. O complô era visível (Mt
22,15; Lc 11,54; Jo 11,45-54). As ameaças contra sua vida deviam vir do Sinédrio, com
sua faculdade de mandar a apedrejar (cf. Lc 4,29; 13,34; Jo 8,59; 11,8), de Herodes, o
que mandara recentemente degolar a João Batista (Mc 6,26) e, mais tarde, Tiago o irmão
do Senhor (At 12,2) ou, finalmente, de Pilatos, o que podia e, de fato o fez, crucificar.

Os exegetas, hoje, afirmam que suas predições ou vaticínios sobre a morte do


“Filho do Homem” (Mc 8,31; 9,31; 10,33) são vaticínios ex eventu; isso é, parecem ter
caráter pós-pascal. A indicar isto, está a expressão “Filho do Homem” que não parece ter
sido usada pelo próprio Jesus, mas pela comunidade primitiva. Jesus, ao utilizá-la, o faz
sempre num contexto Apocalíptico: “o Filho do homem virá julgar no fim dos tempos”.
Ligá-la aos padecimentos é uma associação da comunidade cristã primitiva.

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Algumas frases de Jesus, tomadas em conjunto, parecem indicar a progressiva INFORMAÇÃO:


tomada de consciência de sua morte violenta. Observe-se que muitos exegetas Sobre isto, leia em sua bíblia: Mc
2,19ss; Lc 13,31-33; Mc 10,46ss.
fazem sérias restrições quando as tomam isoladamente. É claro, a comunidade de fé
indica ainda outras afirmações
que associam ao serviço
paciente do Filho do Homem,
Jesus aceitou sua morte violenta? Na verdade Ele não se opôs a ela e nem fugiu aplicando-as a Jesus. Veja, por
exemplo: Mc 10,38; 12,1-12;
dela. Ele a assumiu como desfecho da implantação do Reino de Deus. Por isto, submeteu-
14,2-7; 14,3-9; 15,35 e seus
se a ela como vontade de Deus, como sempre fora sua opção de vida (cf. Mc 3,35; Mt paralelos, especialmente em
21,28-31; Jó 4,34; 6,38-40). Quando tomou a decisão radical de ir-se para Jerusalém Mateus.

pareceu entender que seu destino definitivo lá está (cf. Jo 11,8; 55,57). Jerusalém, Jesus
o sabia do AT, é o lugar teológico onde se desenrolariam os principais acontecimentos
salvíficos, acontecidos na morte dos profetas. A única ida àquela cidade, conforme os
sinóticos, atesta esta perspectiva por parte Dele.

Na oração do Monte das Oliveiras, Ele resume sua posição (Mc 14,32-42): vence
sua última tentação (guardar sua vida para si) e resolve entregar sua vida nas mãos dos
pecadores que o matariam; ao mesmo tempo, ele a entrega a Deus como prova de sua
radical adesão à vontade divina.

Segundo a perspectiva joanina, por ter estado em Jerusalém diversas vezes,


Jesus teria maior consciência do perigo que o espreitava.

Jesus interpretou sua morte, já durante a vida, como doação/entrega. Ele fez de
sua vida um serviço ininterrupto para Deus e, por isto, aos homens. Mesmo na morte, sua
esperança em Deus (cf. Mc 15,34 citando Sl 34,6) é radical: viver por Deus e para Deus. INFORMAÇÃO:
Você pode aprofundar este tema
A interpretação que Jesus, durante a Ùltima Ceia, dera à sua morte era uma lendo: BERGER, Klaus. Para
que Jesus morreu na cruz? São
verdadeira afirmação de que Ele estava à disposição do Pai. Sua morte não seria um Paulo: Loyola, 2005.
obstáculo para a implantação do Senhorio (Reinado) de Deus.

Tanto Jesus quanto as primeiras comunidades cristãs interpretaram esta morte, ATENÇÃO!
à luz do AT, fazendo referência às imagens do “sangue da Aliança (cf At 9,14-28) ou do Temos observado nesta
disciplina, bem como na de
“Cordeiro pascal” (cf. Jo 1,29; Ap 5,6-12. Mas sobretudo as palavras de Jesus, pronunciadas, Antropologia Teológica, que
quer sobre o cálice, quer sobre o pão ou sobre os dois (pão e vinho, segundo as diferentes se a morte de Jesus tem um
caráter redentor. É preciso estar
narrativas dos evangelhos), indicam a disposição de Jesus de dar a vida “por muitos” (ou consciente de que tal gesto de
por nós ou pela vida do mundo) (cf. Mc 14,24; Mt. 20, 28; 1Cor 11,24; Jo 6,51). extrema doação, não é razão
última da encarnação do Verbo. A
morte deve ser compreendida no
Com toda certeza se pode afirmar que Jesus “aceitou sua morte na cruz” como conjunto de sua vida. Não vale
um ato expiatório e salvífico, em favor dos outros. Seu desejo de fazer a vontade de Deus apenas este momento, como
se o “restante” de sua vida não
e de viver em prol dos outros confirmam a interpretação de sua morte como um serviço tivesse significado. Além do que,
de salvação. se Jesus é realmente redentor
de todo pecado humano, é
sobretudo o revelador e o
A disposição final caminho de nossa realização
plena em Deus, na força do
A crucifixão e morte de Jesus são o fim de sua pretensão. Objetivamente, Espírito Santo.
seus discípulos não teriam mais razões para continuarem reunidos. Suas esperanças se
frustraram. A morte de Jesus indicaria a rejeição Dele até mesmo diante de Deus. Só
restava voltar. Aquele que ligara o anúncio da chegada de Deus à sua pessoa, agora
estava morto. A causa estava destruída. Tudo deveria ser sepultado. Fora legalmente INFORMAÇÃO:
crucificado; eliminado com sua pretensão. Para os judeus “era maldito todo aquele que Você pode completar o estudo
deste item, com a leitura das
fosse pendurado na cruz”. meditações de MARTINI, Carlo
Maria. Os relatos da paixão de
Cristo. Lisboa: São Paulo,1994.

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3 A RESSURREIÇÃO DE JESUS – O TESTEMUNHO


NEOTESTAMENTÁRIO
Com certeza, ao aprofundar o tema da morte de Jesus, você deve ter começado
a perceber a importância que a ressurreição adquire. Se tudo tivesse acabado na morte
de Jesus, nada teria significado. A morte Dele adquire valor por causa de sua ressurreição.
Aliás, a ressurreição de Jesus é o ponto fundamental de nossa fé. São Paulo chega a
afirmar que sem a ressurreição nossa fé se torna vã, vazia de sentido.

Este é o tema que você vai começar aprofundar. Ele é o mais importante em
nossa fé. Aproveite-o ao máximo. Mas, não esqueça: cristologia não é só uma questão
de razão científica, como já dissemos em textos acima. É uma questão de fé, que se faz
orando.

A convicção de que Deus ressuscitou verdadeiramente Jesus dos mortos, para


a nossa salvação é o conteúdo e o pressuposto de todo o NT. O NT sustenta
unanimente esta verdade que é a base radical de todos os relatos históricos,
de todas as confissões de fé, de todo o anúncio cristão, de todas as discussões
com os judeus, da releitura cristã do AT, da existência e missão da Igreja.

As fontes da fé e do testemunho pascal

Não existem, nem no NT ou nos Evangelhos relatos do momento da ressurreição.


Tudo quanto se conta ou narra sobre o tema, é consequência do fato. As aparições, as
confissões de fé, os hinos, as pregações e os resultados de vidas mudadas, convertidas, são
consequências. E a síntese é esta: “Ele está vivo”. Isso é algo insólito e inesperado. É algo
tão inovador que não se encontram paralelos ou referências anteriores e/ou posteriores
em nenhuma religião. Nem os discípulos, nem as mulheres que o acompanhavam esperam
alguma coisa assim.

Tudo recomeça com a “boa nova” dos Anjos às mulheres que vão cuidar do
embalsamamento do corpo do morto (o que não pudera ser feito por causa do sábado –
que começava ao pôr-do-sol de sexta-feira). É o anjo, diante do sepulcro aberto, quem
lhes anuncia: “porque procuram entre os mortos, aquele que está vivo?” (Lc 24,5). A partir
daí se desencadeará um processo novo e inovador. Tão novo que é vivido aos sobressaltos
de quem não é capaz de identificar a realidade nova: “é um jardineiro!”, “um peregrino!”,
“um fantasma!”. “Alguém que entra mesmo sem abrir portas!” Ele se faz ver. Aparece.

Apóstolos e discípulos vão percebendo, aos sobressaltos: o que fora crucificado


agora está vivo e se apresenta em nova realidade. É o crucificado, mas ressuscitado. Deus
o ressuscitou. Quer dizer: Deus não abandonou. Antes o confirmou, ressuscitando-o. Deus
não estava revivificando um cadáver (como Jesus fizera com Lázaro, com o filho único da
viúva de Naim, ou com a filha do oficial romano). Ele fazia nova a vida de seu Filho, que
acabava de ressuscitar. “Isto é muito bom”, repetiria o Criador. Então Deus descansou. Era
o oitavo e definitivo dia (cf. Gn 1,31).

As fontes desta notícia se enquadram em quatro categorias:

a) as confissões de fé;

b) o kerigma;

c) os textos narrativos posteriores;

d) os hinos.

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Confissões de fé

Confissões simples (Fl 2,11; Rm 10,9-11); confissões ampliadas (1Ts 1,9-10;


Rm 1,1-4); e confissões de fé completas (1Cor 15,1-11).

Provavelmente de três a seis anos após a morte de Cristo, Paulo recolheu a


mais antiga confissão de fé pascal (na comunidade de Damasco ou de Jerusalém?): 1Cor
15,38.11. Isso não é “invenção” paulina, pois se estava tão próximo ainda dos fatos que
se alguém a inventasse seria logo desmentido. A confissão de fé se tornou normativa
para a Igreja (cf. 1Cor 15,1) e contêm os três elementos que a fundam: Cristo morreu,
ressuscitou e apareceu. E se acrescentam, respectivamente, as interpretações de então:
por nossos pecados, segundo as escrituras, ao terceiro dia. Vejamos o quadro a seguir:

Morte Ressurreição
O fato morreu foi ressuscitado
Inciso por nossos pecados ao terceiro dia
Plano de Deus segundo as Escrituras segundo as Escrituras
Prova foi sepultado apareceu a...

O “terceiro dia” (cf. 1Cor 15,4) era uma expressão usual no tempo de Jesus para
designar um fato muito importante. E foi usada não para afirmar um fato histórico, mas
um acontecimento de plenitude escatológica.

Note-se que Jesus, conforme o plano de Deus, morreu para ressuscitar, para
vencer a morte e, de modo novo, permanecer com os seus. Porque ele morreu,
foi sepultado. Porque ele ressuscitou, apareceu a Pedro, aos doze e mais de
500 irmãos, muitos dos quais ainda estavam vivos ao tempo do apóstolo Paulo
(cf. 1Cor 15,6).

Sua morte por nossos pecados e sua ressurreição para nos levar à plenitude
são questões cristológicas de valor soteriológico. “Deus o ressuscitou” é a afirmação para
descrever a ação de Deus. Quer dizer: o início da criação de Deus (cf. Gn 1,1-2.4b) o
início, desde agora, atinge sua culminância na ressurreição de Jesus. Deus faz viver de
modo novo (nova criação) quem fora submetido à morte, para vencê-la desde dentro.
Deus colocou-se ao lado de Jesus, julgando o julgamento humano.

A expressão Maranatha (1Cor 16,22; Ap 22,20) é o grito aramaico–protocristão


que, exaltando Jesus, o Senhor, suplica seu retorno para trazer a salvação. Ela contém
provavelmente a mais antiga afirmação cristológica explícita.

O Kerigma

(At 2,14-36; 3,12-26; 4,8-12; 5,29-32; 10,34-43; 13,16-41)

O Kerigma de Pedro e Paulo, nos Atos dos Apóstolos, é o primeiro sim pascal
apresentado aos judeus. Contém já uma leitura cristológica do homem Jesus, a quem eles
haviam matado e Deus o ressuscitara.

Os textos dos Atos dos Apóstolos que caracterizam o Kerigma Pascal mantêm
um elemento vinculante da fé desde o início. Aquele que foi crucificado, pelos homens,
porque ele viera para os seus e não fora recebido por eles, desde o início, pois “preferiram
as trevas à luz”, (cf. Jo 1,11), Deus o ressucitara constituindo Senhor à sua direita. Ainda
mais: ele nos fora dado para a nossa salvação.

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Os textos de narrativas pascais posteriores

• Narrativa de cristofanias pessoais (aparições) (Mt 28,9-10; Lc 24,13-55; Jo


20,11-18.24-29) e apostólicas (Mt 28,16-20; Lc 24,36-53; Jo 20,19-25):

À medida que a experiência, o testemunho e a pregação pascais se desenvolvem,


também as narrações vão adquirindo maior profundidade e sentido.

Convém acentuar, porém: as aparições são sempre iniciativas do ressuscitado,


que às vezes aparece de forma incógnita (motivo de reconhecimento) e elas implicam
sempre numa missão (motivo de incumbência). Reconhece-se e se identifica o ressuscitado
e Dele se recebe uma missão.

As aparições não só confirmam a ressurreição, mas afirmam como Deus agiu com
o crucificado: o fez encontrar-se com seus discípulos, prometeu sua nova presença entre
eles para sempre e lhes atribuiu a tarefa de, testemunhar o ressuscitado, continuando a
missão de Jesus, até os confins da terra (Mt 28,19-20).
• Narrativa do túmulo aberto (Mc 16,1-8; Lc 24,1-11; Jo 20,1-11):

O cristianismo afirma que o túmulo estava vazio porque Jesus ressuscitara.


Foram as autoridades judaicas e soldados romanos que tramaram afirmar que o corpo não
estava mais lá, por ter sido roubado (cf. Mt 28,12-15).

A pedra tinha sido removida pelo anjo, (cf. Mt 28,2), não porque Jesus
ressuscitara, mas para mostrar às mulheres que elas deviam procurar quem
estava vivo e não morto. Por estar vazio o túmulo, não significa que Jesus
tivesse ressuscitado. Antes, por estar vivo é que ele não estava ali. Por outro
lado, o crucificado que ali estivera, agora está vivo. Ele é o mesmo.

O crucificado/ressuscitado, porém, assumiu uma nova e gloriosa condição


espiritual: o crucificado ressuscitou, por isto não está ali entre mortos. Ele “despertado do
sono da morte” pelo Pai, agora está ressuscitado. Ele é a criatura (re)nova(da), completa,
definitiva; enfim, o novo homem em sua plenitude. Deus completou Nele a obra da
criação. Nele, antecipadamente, já se sabe quem nós seremos. Agora Ele é um corpo
espiritualizado, pneumatificado (mas concreto, real). (cf. 1Cor 15,35-58).

Os hinos

(Fl 2,6-11; Cl 1,15-20; 1Tm 3,16; 1Pd 3,18-22; Heb 1,3-4).

Estes hinos foram usados, sobretudo, nos encontros litúrgicos desde as primeiras
comunidades. Sem dúvida a ressurreição de Jesus era um fato novo, inaudito e definitivo.

Para o AT, morrer é desaparecer. Não é deixar de viver, mas é ir para o sheol, onde
viveria o silêncio entediante (Sl 31/30,18; 87,4-13). Ali, dorme-se o sono da morte.

As aparições de Jesus, todavia, confirmam uma presença escatológica nova


para os discípulos. “Ele está vivo” entre os seus. Vivo da maneira concreta e real: Ele é o
crucificado que estivera com eles. O que não significa que esteja do mesmo modo, com o
mesmo corpo biológico. O que era biológico agora está pneumatificado.

Sem dúvida, a ressurreição não é um fato acessível à investigação histórico-científica.


Só se pode constatar objetivamente que aqueles homens e mulheres creram no ressuscitado,
que estavam certos de que Ele lhes apareceu e que o túmulo estava aberto e vazio.

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A fé na ressurreição tem a ver com a relação entre o homem e Deus. É


uma situação antropológico-teológica: “Mais antiga que todas as narrativas
pascais é a convicção cristã primitiva unânime de que Jesus crucificado foi
ressuscitado e exaltado, encontrou-se com seus discípulos, os chamou a serem
testemunhas e lhes prometeu sua presença permanente. Já a comunidade
primitiva foi fundada com base nesta convicção” (KESSLER, 2000, p. 362).

O testemunho pascal dos discípulos (e o nosso)

O verdadeiro objeto da fé pascal

Quando confessamos que Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos, ao terceiro


dia, para a nossa salvação, na verdade professamos nossa fé no ensino dos apóstolos. Eles
contaram terem visto e tocado o crucificado-ressuscitado. Fizeram, inclusive, refeições
com Ele. Eles reconheceram como ressuscitado aquele Jesus “que passara entre eles
fazendo o bem” (At 10,38), curando a muitos e que os chefes dos judeus o crucificaram.

Cremos hoje no testemunho dos apóstolos que nos transmitiram suas


experiências com o ressuscitado. Porém, nossa fé hoje, também está baseada
em nossa experiência mística. Ela está fundada:

• na mesma experiência que eles tiveram, por causa da prática dos


ensinamentos de Jesus que eles transmitiram;
• por partilhar sua Palavra e a Eucaristia do Senhor como eles fizeram e fazer
a mesma experiência pascal que eles nos transmitiram e como eles nos
transmitiram.
O fundamento da fé é o Jesus crucificado-ressuscitado que experimentamos
no testemunho das testemunhas que conviveram com Ele.

Significado da fé pascal

Para o próprio Jesus:

a) é reabilitada sua causa e sua pretensão;

b) é a desautorização do fracasso imposto que o levaram à morte;

c) é a confirmação de que o Pai estava com Ele;

d) que Ele é revelador definitivo do Pai e agente único do Senhorio de Deus;

e) Deus constitui Senhor a Ele, o portador definitivo da salvação;

f) Nele não só é antecipada toda a escatológica criação de Deus, mas também


levada à sua consumação;

g) Ele está glorificado à direita do Pai, constituído juiz e há de julgar vivos e


mortos.

Para Deus:

a) é confirmado seu contínuo poder criador, ao ressuscitar Jesus (Pela re-


novação da criação, chama o crucificado a uma nova vida e completa a
própria criação);

b) o homem Jesus, seu Filho muito amado, lhe foi fiel até o fim;

c) que é possível crer no ser humano e manter com ele a aliança pascal;

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d) a ressurreição esclarece porque a criação do ser humano era algo muito bom
“(cf. Gn 1,31);

e) Deus recebe o ressuscitado como culminância da consumação escatológica.

Para nós:

a) Jesus é a primícia da ressurreição. Nós o seguiremos (Cl 1,18; 1Cor 15,20);

b) Ele nos liberta do pecado, da morte e da Lei;

c) a fé no ressuscitado é a mais radical saída para todas as pretensões humanas;

d) é a garantia de nosso futuro;

e) Ele é a dimensão à plenitude definitiva;

f) Jesus nos revela definitivamente quem somos e para onde vamos;

g) é o doador do Espírito ressuscitado à Igreja e a cada um de nós.

4 QUEM É JESUS? – A REFLEXÃO TEOLÓGICA


NEOTESTAMENTÁRIA
Neste último tema da unidade, você terá a oportunidade de fazer uma síntese
de teologia bíblica sobre Jesus Cristo. Agora, você encontrará duas chaves cristológicas
de leitura, que poderão ser critérios permanentes para entender todas as questões
pertinentes às cristologias antigas e contemporâneas. Inclusive, você pode usá-las com
critério de reflexão e análise do que se diz nesta matéria ao seu redor.

Que havia acontecido com o homem Jesus, que andara com os apóstolos? Eles
viram Jesus pregado na cruz: era o fracasso de sua pretensão e de sua missão. E eles
desanimaram. De repente, sem nenhuma expectativa, surge o grito: “Ele está vivo e
apareceu”. Brota o medo, a apreensão, a certeza. Mas, afinal quem é Jesus?

Era certo: Deus havia agido e ressuscitara Jesus. Os apóstolos e discípulos vão
experimentar e reconhecer que está vivo aquele que fora crucificado.

As inquietações dos apóstolos frente ao crucificado e o impacto pela experiência


pascal deram origem às perguntas que são a origem e o desenvolvimento da cristologia.

As respostas se avolumaram em títulos dados a Jesus, em leituras fundadas e


interpretadas no AT e na busca do significado de sua pessoa.

Da cristologia nascente, após a páscoa, até a de hoje, a tarefa é responder


“quem é Jesus para nós (hoje)?” Que fez? Que disse? Que consciência Ele tinha de si?
Sabia que era Deus? É daí que surge a cristologia. E poder-se-ia procurar suas raízes na
própria autocompreensão de Jesus. Como se compreendeu a si mesmo e sua missão?

Todo o significado das respostas, porém, está em que Ele é o nosso Senhor e
Salvador. Tudo aconteceu para a nossa salvação.

Ele não fez uma análise de si mesmo, mas viveu entregue a Deus em favor
dos outros. Foi fiel a Deus e aos homens. Aqui pregou, fez amizades, cuidou do próximo,
especialmente dos doentes e excluídos. Nisto, foi descobrindo sua missão. Assumiu a morte
como um serviço. O Ressuscitado mostrou-se como obra do Pai. Enfim, não encontramos
Nele uma autoexplicação senão implícita.

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Esta primeira cristologia foi feita por Ele próprio. O modo de manifestar sua
pretensão e sua autoridade, sua liberdade e atuação desde dentro do judaísmo, sua
proposta sobre o Reino e o chamado a assumi-lo, sua relação com Deus e os homens etc.;
tudo isso aponta a uma chamada cristológica implícita. E ela pode ser sistematizada pelo
modo como Ele foi chamado (títulos), ou como Ele os usou.

Depois vai surgir uma cristologia explícita por obra dos apóstolos e da primeira
comunidade cristã, dando origem à cristologia, que é a resposta permanente e atualizada
sobre “quem é Ele para nós?”

A cristologia nasce, a partir das experiências pascais, nas perguntas sobre quem
Ele era, é e sempre será (cf. Heb 13,8). A primeira resposta, encontrada Nele
mesmo é uma cristologia implícita. Porém, as criativas e diversificadas respostas
foram, desde a páscoa, criando uma percepção muito rica, polifacetada. Elas,
porém, mantiveram uma unidade fundamental. Tudo convergia para aquela
experiência pascal vivida sobre o Cristo glorificado, que era o mesmo com
quem eles tinham vivido até a crucifixão.

Logo, nas primeiras décadas após a ressurreição, se impõem duas grandes


perspectivas explícitas. Uma cristologia do homem Jesus exaltado e eleito por Deus (o
homem que vivera na Palestina, entre os anos oito e seis a.C. e 30 d.C.) e outra, a do
Verbo pré-existente que se encarna. Uma cristologia desde a história e uma cristologia
cósmica da encarnação.

É bom lembrar que, desde o início, há uma variação muito grande de cristologias
nascentes. Aqui se enfatiza mais numa forma de síntese este procedimento.

Cristologia da exaltação e da eleição

Jesus evitou identificar-se como Cristo (Messias), por causa de conotações


político-nacionais. A primeira comunidade de seus seguidores em Jerusalém, no entanto,
usou deste designativo ‘Cristo’ para identificar Jesus. Se Jesus a evitou, autoridades
judaicas, no entanto, coagiram as romanas a condená-lo também por isto. Todavia, a
protocomunidade de Jerusalém, deu-lhe um novo significado. Deus ressuscitava Jesus,
fazendo-o “Kyrios (Senhor) e Cristo” (cf. At 2,36; 5,31). Também afirmava que Ele fora
estabelecido como “Filho de Deus” (cf. Rm 1,3ss; 1Ts 1,9ss; At 13,30ss). Faz-se uma re-
significação da concepção vétero-testamentária de Messias e de uma eventual perspectiva
política nacionalista.

Por um lado se expressa a inserção de Jesus, no contexto da promessa vetero-


testamentário e judaico (o Filho de Deus é o Messias de Israel). Mas, por outro
lado se sublinha que Israel não pode esperar mais um portador de salvação
diferente de Jesus crucificado e exaltado junto de Deus (que as Sagradas
Escrituras de Israel não podem referir-se a um Messias diferente de Jesus, que
é o Messias da humanidade inteira. (KESSLER, 2000, p. 208).

A protocomunidade, também, assume a expressão maranatha (vem, Senhor -


cf. 1Cor 16,22; Ap 22,20). Com base no Sl 110,1, eles professam a exaltação de Jesus
à direita do Pai, com poder messiânico e representação terrena de Deus (como eram
os reis no AT cf. Is 9,6). Reconhecer Jesus como “Senhor” (para além do tratamento de
cortesia cf. Mc 1,22.27; Lc 18,41), depois da páscoa para as comunidades palestinas, é
compreendê-lo como aquela figura escatológica que traz a salvação (cf. Jd 14-15) e , ao
mesmo tempo subordinar-se a este Senhor, e a nenhum outro, sua existência. Por isto se
reconhece: “Jesus é o Senhor” e só Ele salva (Rm 10,9-10; 1Cor 12,3).

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A expressão cristológica palestinense (o Senhor - Kyrios), logo foi interpretada


pela comunidade cristã judeu-helênica, e que, também, transfere funções de Deus ao
crucificado-ressuscitado, Ele é o Kyrios (cf. Heb 1,10; At 2,36). É o Senhor, inclusive, do
tempo. Por Ele tudo existe (1Cor 8,5-6). No Apocalipse, se enfatiza este título a Cristo:
Ele é o Senhor dos senhores, e não o é o imperador como pretendiam os romanos (cf. Ap
17,14; 19,16). Entre os gentios, parece já haver não apenas identificação funcional. Há
uma identidade ontológica de Jesus com Deus para além do que afirma 1Cor 8,6: um só
Deus e um só Senhor; Jesus Cristo.

Atribuir o título do Senhor ao crucificado, agora exaltado, significou reconhecê-


lo como único salvador escatológico, detentor de todo poder. Se a morte de
Jesus o levara ao fracasso, Deus o exaltou, colocando como Senhor de tudo.

Filho de Deus
Esta expressão do AT, Jesus atribuiu a si só de modo indireto. Foi muito usado
pelos primeiros cristãos (cf. At 13,32-41). Jesus é superior até mesmo aos anjos (cf. Mc
13,32). Assumiu plenamente o desígnio de Deus dando-nos a vida (cf. Rm 5,10; 8,32).
Por Ele fomos reconciliados com o Pai e por Ele nos tornamos filhos (cf. Rm 8,14-15; Gl
4,4-7; Jo 10,30.38).

É muito frequente este título no evangelho de João (3,25; 6,19ss; 6,40; 8,36;
1Jo 2,23). Ele expressa, sobretudo sua total submissão ao Pai enquanto sua condição
humana; mas também por sua elevação junto ao Pai. A confissão de fé que brota deste
título aparece inúmeras vezes (cf. Mt 16,16; Mc 15,39).

Jesus foi reconhecido como Filho de Deus, por sua ressurreição.

Ainda no NT, pode-se perceber, na cristologia da exaltação e da eleição, outros


títulos dados a Jesus, que tem sua importância. Por exemplo: “servo de Javé” (de Deus)
ou “servo sofredor”, “novo Adão”, “Filho do Homem” etc.

Deve-se observar que todos os títulos cristológicos dados a Jesus não são
suficientes para interpretar, em plenitude, quem Ele foi e como foi compreendido pelos
primeiros cristãos, ainda apostólicos.

São Paulo procurou fazer uma síntese identificando “o crucificado” com “o


ressuscitado”: para indicar que aquele homem, que fora eleito, aceito e
glorificado por Deus, era (é) o singular Messias salvador dado por Deus,
nascido de mulher, na plenitude do tempo.

Cristologia da pré-existência e da encarnação

A compreensão neotestamentária entendeu aquele Jesus não apenas como


eleito e exaltado por Deus. Há uma cristologia que afirma ser Ele alguém que pré-existia,
inclusive à própria criação. O pré-existente foi enviado em nossa carne: “Deus enviou seu
Filho ao mundo” (cf. Gl 4,4; Lc 9,48: Jo 20,21). Ele não se apegou à sua condição divina,
mas fez homem na carne de Maria (cf. Fl 2,6). De que forma Ele existia antes?
INFORMAÇÃO:
Vale salientar que os Se hoje sabemos que Ele é a segunda Pessoa da Trindade, que Ele é eterno
ensinamentos (tão claros)
(existe desde sempre, desde antes da criação de tudo), que Ele é Deus com o Pai e o
da Igreja foram conquistas
posteriores. Neste tempo (os Espírito Santo etc. isto não era assim para o povo neotestamentário. E é exatamente isto
primeiros) ainda não se explicava que eles descobriram, mas com outra linguagem.
(nem interessava) esta questão.

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Foi no homem Jesus que eles descobriram a sua pré-existência. Questão difícil
para eles por saberem da origem terrena, da história de vida e da cotidianeidade
de Jesus de Nazaré.

Por causa das questões decorrentes da páscoa, exigiram-se novas e mais


profundas respostas. Relendo as Escrituras, os primeiros cristãos (judeus, helênicos e
gentios) vão descobrir categorias novas capazes para interpretar Jesus, como portador
escatológico da salvação e consumador da história. Impunha-se uma questão de
soteriologia. Aquele que é o messias-escatológico só pode vir de Deus, só pode ser dado
por Deus, por isto Ele será o salvador.

E é no AT que eles começam a encontrar respostas: a ânsia messiânica também


remete para a Sabedoria, pré-existente e que está junto de Deus. Ela é solicitada a Deus.
Que Ele a envie, pois ela é mestre, guia, conhecimento, vida e salvação (cf. Pr 3,17; 8,12-
32; 1,32; 2,5-10; 3,2-16; Sb 9,10-17).

Para os judeus-helenistas, a Sabedoria era:

Uma figura cósmica do pensamento para fins soteriológicos. Ela serve para
pensar em conjunto a universalidade da atuação e da revelação de Deus em
toda a criação (participação dos povos na Sabedoria divina) e o significado
especial de sua atuação particular na história de Israel (posição incomparável à
da Torá) e assim, ao mesmo tempo, destacar a validade universal da Torá (como
planta secreta da construção do mundo e caminho abrangente da salvação)”
(KESSLER, 2000, p. 281).

A compreensão da Sabedoria e sua atuação serviriam para identificá-la com


Jesus. Jesus ou seria um justo ou filho da Sabedoria pré-existente ou alguém que ocupou
o lugar dela; “apossando-se de Jesus, Nele se tornava o caminho certo para Deus e
salvação” (Kessler, 2000, p. 282), ou como a Sabedoria, que era identificado com a Torá,
agora se personificava em Jesus. O certo é que os primeiros cristãos precisaram pensar
em linguagem metafórica e aí identificar o homem Jesus já ressuscitado como “algo”,
“alguém” previamente existente para a salvação. Ele então era de Deus (pré-existia);
depois se manifestou “na carne”, enviado por Deus e que retornaria a Deus.

Ele era do mundo de Deus e foi enviado ao mundo dos homens para, a fim de salvar,
remir (cf. Gl 4,52; Jo 3,16ss; Rm 8,31; 1Jo 4,9). Aqui entra a fórmula teológica do envio.

Alguns discutem se o “enviado”, segundo a concepção do tempo bíblico


pós-pascal deveria ou poderia ser pré-existente desde toda a eternidade ou
passaria a existir, antes da criação, por causa do envio. Não abordaremos esta
questão. Pressupomos a pré-existência eterna do enviado sem mais.

Com isso, Deus envia seu Filho, pré-existente (Sabedoria), na plenitude dos
tempos afim de que, por Ele, todos tenham vida em plenitude (cf. Jo 10,10). Ele será
o salvador de todas as limitações e desgraças humanas. Vem de Deus, para libertar o
ser humano. Vem para desenvolver todas as potencialidades do homem (criado) até
sua plenitude em Deus. Mas, fez-se necessário que o pré-existente e enviado assuma a
natureza humana para salvar o ser humano desde dentro de sua realidade. Só assim será
o salvador e mediador entre Deus e os homens, porque é um verdadeiro homem e Deus
verdadeiro entre nós.

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UNIDADE 3
Bacharelado em Teologia

5 CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, tivemos a oportunidade de estudar a morte de Jesus, sua
ressurreição e o testemunho neotestamentário, além de reconhecermos quem é Jesus e
a resposta cristológica do NT.

Os temas estudados, nesta unidade, levarão você a fazer uma síntese da


cristologia bíblica, em que pudesse transparecer dois “rostos” de Jesus, de acordo com
a perspectiva que se toma. Este reflexão global é importante, sobretudo, porque você
não pode estabelecer uma suposta e completa verdade cristológica só a partir de um
evangelho. Se cada evangelista dá uma direção à sua reflexão isso não quer dizer que seu
texto contenha a verdade toda da fé cristã, pois um se complementa nos outros.

Esperamos que no decurso deste tema você tenha tido, também, a vontade de
(re)-ler os próprios evangelhos, por dois motivos. Primeiro, porque é ali que você encontra
a cristologia fundamentada na Palavra de Deus. E segundo, porque a cristologia (enquanto
estudo das razões da fé) é complementada pela mística. Quer dizer, aprende-se para viver
e louvar a Deus, no caso a Cristo Jesus e quem lê os evangelhos, deve lê-los com o espírito
de oração, por se tratar da Palavra de Deus.

Continue lendo outros comentários de cristologia neotestamentária. Pois


enriquecerão sua compreensão sobre Jesus, o Cristo.

Na Unidade 4, vamos compreender o NT como normativo para a cristologia, a


evolução dogmática nos grandes concílios cristológicos, as três grandes respostas e as
conclusões dos concílios. Até a próxima!

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEAUDE, P. De acordo com as escrituras. São Paulo: Edições Paulinas, 1982.

BERGER, K. Para que Jesus morreu na cruz? São Paulo: Loyola, 2005.

BOFF, L. Paixão de Cristo, paixão do mundo: os fatos, as interpretações e o significado


ontem e hoje. Petrópolis: Vozes, s/d.

BONY, P. A ressurreição de Jesus. São Paulo: Loyola, 2002.

BORG, M; CROSSAN, J. A última semana: um relato detalhado dos dias finais de Jesus. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.

BROWN, R. Um Cristo ressuscitado na páscoa. São Paulo: Ave Maria, 1996.

DUNN, J. D. G. A teologia do apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003.

DURRWELL, F. Cristo nossa páscoa. Aparecida: Santuário, 2006.

FEINER, J; LOEHRER, M. (Org.). Mysterium salutis: compêndio de dogmática histórico-


salvífica. Vol. III/2: o evento Cristo. cristologia do Novo Testamento. Petrópolis: Vozes,
1973.

______. ______. Vol. III/6: o evento Cristo. 6. Mysterium paschale. Petrópolis: Vozes,
1974.

GOURGUES, M. Jesus diante de sua paixão e morte. São Paulo: Edições Paulinas, 1985.

KESSLER, H. Cristologia. In: SCHNEIDER, T. (Org.). Manual de dogmática I. Petrópolis:


Vozes, 2000, p. 362.

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UNIDADE 3 Bacharelado em Teologia

MARTIN RODRIGUEZ, F. Jesus, relato histórico de Deus: cristologia para viver e rezar. São
Paulo: Paulinas, 1999.

MARTINI, C. Os relatos da paixão de Cristo. Lisboa: Editora São Paulo, 1994.

RATZINGER, J.B. XVI. Jesus de Nazaré. São Paulo: Planeta do Brasil, 2007.

SCHILLEBEECKX, E. Jesus, a história de um vivente. São Paulo: Paulus, 2008.

SLOYAN, G. Por que Jesus morreu? São Paulo: Paulinas, 2006.

______. Por que Jesus morreu na cruz? São Paulo: Paulinas, 2006, p. 19-72.

TAVARES, S. (Org.) A cruz de Jesus e o sofrimento do mundo. Petrópolis: Vozes, 2002.

THIESEN, G; MERZ, A. O Jesus histórico. Um Manual. São Paulo: Loyola, 2002.

TORRES QUEIRUGA, A. Repensar a ressurreição: a diferença cristã na continuidade das


religiões e da cultura. São Paulo: Paulinas, 2004.

7 E-REFERÊNCIA
Lista de figura

Figura 1 - Pietá: Disponível em: <http://www.romaviva.com/Vaticano/michelangelo-


pieta.jpg>. Acesso em: 26 jan. 2009.

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Anotações
UNIDADE 4
REFLEXÃO HISTÓRICO – DOGMÁTICA:
A CRISTOLOGIA DOS DOGMAS

Objetivos
• Identificar o processo teológico da compreensão de
Jesus Cristo como verdadeiro homem e ao mesmo tempo
verdadeiro Deus.

• Caracterizar a busca do verdadeiro sentido de Jesus


durante o período que antecede o Concílio de Nicéia.

• Demonstrar a conquista teológico-dogmática estabelecida


no Concílio de Nicéia, e de que Jesus é verdadeiro Deus,
e no 1º Concílio de Constantinopla, de que é verdadeiro
homem.

• Evidenciar como Jesus Cristo é, ao mesmo tempo,


verdadeiro Deus e verdadeiro Homem sem afirmar que
são dois ao mesmo tempo, segundo os ensinos dos
Concílios de Éfeso e Calcedônia.

Conteúdos
• O NT como normativo para a cristologia.

• A evolução dogmática nos grandes concílios cristológicos.

• As três grandes respostas e as conclusões dos concílios.


UNIDADE 4
Bacharelado em Teologia

1 INTRODUÇÃO
Na Unidade 3, estudamos a morte de Jesus, sua ressurreição e o testemunho
neotestamentário. Reconhecemos também quem é Jesus e a resposta cristológica do NT.

Com isso, vamos iniciar uma nova etapa do nosso curso, na qual pressupondo
INFORMAÇÃO:
Vale salientar que nosso o NT como normativo para a cristologia, deveremos aprofundar a evolução dogmática nos
texto tem um caráter mais grandes concílios cristológicos, as três grandes respostas conciliares e suas conclusões.
de história das ideias
dogmático-cristológicas. Assim,
recomendamos que em paralelo Os temas que iremos abordar aqui têm uma natural dificuldade. A razão está na
ao seu estudo, você leia, passagem da linguagem bíblica para a filosófica. Muitos conceitos são realmente difíceis,
também, BOFF, L. Jesus Cristo
libertador, o capítulo intitulado: mas não impossíveis de sua compreensão. No entanto, não desanime e bom estudo!
‘Humano assim só podia ser
Deus’. O autor segue outro
(válido e oportuno) esquema em
que descreve, por um lado, a
interpretação da humanidade de
Jesus e, por outro, sua divindade.
É bem interessante. Confira!
2 O NT COMO NORMATIVO PARA A CRISTOLOGIA
Nós professamos a fé de que Jesus, o crucificado/ressuscitado é verdadeiro Deus
e verdadeiro Homem, ao mesmo tempo. Porém, está é uma afirmação de fé; resultado de
um longo processo de compreensão.

Hoje quando lemos o NT, encontramos várias expressões, cujo sentido, à época,
era diferente do que pensamos. Ou dito de outro modo, convém lembrar:

a) os evangelhos e outros textos do NT são livros de fé, escritos após a


ressurreição de Jesus;

b) ninguém, durante a vida histórica de Jesus, jamais pensou que Ele fosse Deus;

c) o AT sempre ensinara que Deus é um só. O próprio Deus dizia: “Não tereis
outros deuses, além de mim... Eu sou o único Deus.” A isto se chama
monoteísmo rígido;

d) os primeiros cristãos (período do NT), após a ressurreição descobriram que


aquele homem que tinha vivido com eles, que fora exaltado à direita de
Deus, sim, era Deus mesmo feito homem entre eles.

À luz da ressurreição, passaram a compreender o significado daquele Homem


“especial”, de sua missão e de sua pregação, como uma efetiva presença de
Deus entre eles. Ele era Deus mesmo.

Após a ressurreição, começaram a entender, de acordo com as Escrituras, que


Jesus não era só um profeta, um messias, o Filho de Deus etc., que lhes anunciava o
Reino de Deus e a promessa de salvação. Tornava-se claro: Deus se fizera humano entre
eles. E à luz desta nova compreensão, deixavam de ser judeus para compreender certas
afirmações de Jesus como fios de uma grande revelação:

Jesus era Deus e por isto, Ele próprio, era salvador. Assim, foi possível se
reunirem de modo novo, à luz de Deus.

Quando no NT se fala de Deus, se entende sempre Deus Pai. Só mais tarde se ousa
aplicar a Jesus (uns poucos textos: Jo 20,28; Rm 9,5; Jo 5,20). Porém, todas as expressões
ali encontradas deixam entender que realmente Jesus é o Senhor”, Ele é Deus mesmo.

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UNIDADE 4 Bacharelado em Teologia

“De modo idêntico, o Espírito Santo jamais foi chamado de Deus, no NT”.
(RAHNER, 1965, p. 568).

Como você já sabe, o significado de Jesus Cristo, para nós, não é apenas o
de alguém do passado (museificado). É antes a expressão viva e permanente de nossa
salvação. Quer dizer: em todos os tempos, as pessoas devem compreendê-lo como Ele é
(Homem Deus). Então, torna-se importante compreendê-lo na linguagem do tempo e da
cultura contemporânea. E isto desde o começo do cristianismo tenta-se fazer, não sem
inúmeras dificuldades.

É preciso continuar crendo no mesmo Jesus, mas conforme a mentalidade dos


cristãos. Isto é problemático porque não se pode inventar um Homem-Deus, chamado
Jesus para cada tempo. “Ele é o mesmo ontem, hoje e sempre” (cf. Heb 13,8). O que
muda é a forma de compreensão. Porém, a própria forma de compreensão (teologia)
tem suas “regras”. Assim, o NT é normativo, como já vimos. Na história, porém, se
desenvolveram grandes discussões e estudos, conhecidos, sobretudo, como “período de
ouro da cristologia”, entre os séculos 4º e 8º.

3 A EVOLUÇÃO DOGMÁTICA NOS CONCÍLIOS CRISTOLÓGICOS


Como os cristãos foram saindo de Jerusalém e da Palestina indo evangelizar e
residir nos universos das culturas grego-latinas, foi necessário, cada vez mais, adaptar o
“kerigma da fé” às novas realidades.

Nos primeiros séculos

Mas, como compreenderam Jesus os dos segundo e terceiro séculos? Surgiram


inúmeras respostas.

Na continuidade deste tema, você vai encontrar muitos termos que formam
a base da cristologia dogmática. Eles, em geral, têm uma origem etimológica
grega. Devem ser bem compreendidos. Procuramos, numa linguagem bem
simplificada, dar o respectivo significado. Porém, indicamos também o
Glossário cristológico in Garcia de Alba (1998) e Forte (1985). Você pode
recorrer ainda a outros dicionários já indicados neste texto.

Num primeiro período (após os escritos do NT até o chamado período niceno),


surgiram “grandes correntes”. Na primeira delas se discute e se contesta a divindade de
Jesus. Um grupo (os judeus cristãos) enfatiza Jesus como um homem eleito (escolhido) e
exaltado (glorificado) por Deus; o outro grupo (adocionistas) se apega à ideia que Deus
adotou Jesus como seu Filho.

Uma segunda corrente discute e contesta a humanidade de Jesus, para afirmar


sua divindade. Para estes docetas, o éon celestial Cristo teria se “apossado” de Jesus de
Nazaré, desde o batismo até a ascensão, após a páscoa. Tinha a aparência de homem,
mas, era divino; porém, preso num corpo humano.

A terceira corrente se pôs entre estes dois extremos e afirmava que em Jesus, o
ser divino e humano, estava ligado numa unidade paradoxal. Esta corrente era constituída,
no oriente grego, pelos Padres Apostólicos e pelos antignósticos (Inácio de Antioquia,
Irineu), que afirmava esta unidade, pois só assim Jesus seria o mediador entre Deus e os
homens, para a nossa salvação.

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UNIDADE 4
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No ocidente latino, um grupo de orientação jurídico-moral (que dará início


à cristologia latino-ocidental) reconhece em Jesus o divino e o humano por causa da
necessidade de remissão de nossos pecados. Sim, Jesus é Deus porque só Deus pode nos
redimir, mas é humano porque só assim sabe do que nos redimir.

Na quarta corrente, que introduz na igreja a influência do platonismo médio,


um subgrupo, dá ênfase na compreensão de Jesus como Logos (Palavra) do Pai. O Pai
“pronuncia”, para a nossa salvação, a sua Palavra (Logos). O Logos está subordinado ao
Pai (subordinacionismo). Outro subgrupo afirma que:
• Cristo é Deus. Deus se torna Cristo.
• Cristo é Deus, por isso é também Pai. Foi Ele, o Pai, quem apareceu na terra,
sofreu, foi crucificado e se auto-ressuscitou (patripassionismo).

Todas estas questões criaram um estado de espírito tão agitado que o povo,
além dos bispos e teólogos, não só discutiu o assunto em locais públicos, mas também
começou a tomar partido, à medida que elas se agudizam.

Várias questões surgidas poderiam ser aceitas na Igreja, desde que entendidos
de modo histórico-salvífico. Mas, na realidade, as interpretações estavam sendo,
crescentemente, feitas em perspectiva metafísico-essencial.

As questões se agravaram mais, quanto Ario (256 - 336), em atrito com seu
bispo, Alexandre, de Alexandria, afirmando que o Logos-Cristo não pode ser da mesma
substância do Pai (que como o Deus é um só). Cristo pertence, como criatura à ordem
cósmica (e não divina), portanto. Deus não pode se transformar, diz Ario, e por isso, Cristo
só pode ser extradivino (Ele se encarna, sofre modificações. Não pode ser eterno, pois). E
no caso (intracósmico) é criatura, mesmo que seja a “primeira”, antes da criação.

Se assim é, deve-se perceber que Jesus Cristo, homem de elevada estatura


moral, agraciado como Filho adotado, não é igual a Deus; mas, depende Dele (aqui aparece
um subordinacionismo exagerado e um adocionismo moral). A posição de Ario leva a uma
conseqüência: Jesus não pode revelar o Pai (porque não O conhece totalmente) e menos
ainda pode salvar-nos (por não pertencer ao mundo de Deus). Sua função é somente
cosmológica.

Concílio de Nicéa (325 d. C.) e as consequências

A situação teológica, e inclusive política, se complicou. Então, o imperador


Constantino convocou um concílio, do qual participaram trezentos e quarenta e oito
pessoas, representantes de três partidos (teológico e/ou políticos).

As decisões de Nicéia (credo niceno) afirmaram a divindade de Jesus e sua


igualdade com o Pai, contra as ideias de Ario.

A grande intenção do Concílio foi re-afirmar a fé na redenção, portanto a ênfase


na questão sotereólogica, como o NT ensinara. Assim, o Concílio não quis entrar em
discussões metafísico-helenicas, mas manter a dimensão bíblica em sentido histórico-
salvífico. Contudo, não pode evitar usar alguns termos filosóficos não bíblicos; sobretudo,
consubstancial (ser da mesma substância). Ligou a encarnação à salvação. Vinculou Jesus
ao Pai, na mesma igualdade, ambos eternos. “Ele o (Deus-Logos) se fez homem para que
fossemos divinizados”, como tinha ensinado Santo Atanásio.

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Eis o ensino do concílio:

“Creio em um único Deus, o Pai todo-poderoso, criador de todas as coisas


visíveis e invisíveis. Creio num único Senhor, Jesus Cristo, o Filho de Deus, o
único Filho, gerado do Pai, isto é, da substância do Pai; Deus de Deus, luz da luz,
Deus verdadeiro do Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai,
por meio de quem todas as coisas vieram a existir, tanto as celestiais quanto
as terrenas. Por nós, homens, e por nossa salvação, Ele desceu, encarnou-se,
tornou-se humano, padeceu e ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus, e virá
para julgar os vivos e os mortos. E creio no Espírito Santo(...)”

Após o concílio, que afirmou a igualdade entre Jesus Cristo e o Pai, por que os
dois têm a mesma substância ‘homoousios’, surgiram novas discussões. Alguns conceitos
não estavam tão claros como se pensava, sobretudo, a palavra homoousios, que poderia
ser entendida por uns, como “igual” e por outros, como “semelhante”. Se, pois, o Filho
fosse da mesma e igual natureza, como podia ser diferente do Pai? Então um grupo propôs
uma nova interpretação, acrescentando a letra “i” homoiousios, que é: semelhante. O Pai
e o Filho teriam uma substancia semelhante.

A discórdia pública aumentou. O bispo Atanásio (296 - 373), a duras penas


consegue uma solução correta:

Deus tem uma só homoousia (substancia), mas três hypostases (peculiaridades).


O Pai e o Filho têm a mesma e única natureza; mas o Pai não é o Filho e vice
versa, porque cada um tem uma peculiaridade. (Aqui começam a aparecer
elementos da discussão futura sobre o Espírito Santo e a Trindade).

(1) Ousia: (Οὐσία), é um


substantivo da Língua grega
Concílio de Constantinopla (381 d.C.) e as discussões posterioes formado a partir do feminino
do particípio presente do ver
Ao final do Concílio de Constantinopla I, estabeleceu-se o acordo: a substância, “ser”, εἶναι, einai. É por vezes
ousia1, de Deus é uma só, que se realiza em três expressões, hypostases. Deste modo se traduzida para português como
substância ou essência, devido
poderia compreender definitivamente a divindade de Cristo junto a Deus Pai. à sua vulgar tradução para latim
como substância ou essência. É
O Concílio de Constantinopla tem importância por que foi dado o esclarecimento termo utilizado em Filosofia e em
Teologia. (Wikipédia, 2009).
conclusivo de Nicéia, que afirmara a divindade de Cristo.

Apenas resolvida a questão da divindade (uma ousia e três hypostasis), surge


agora outra questão:
• Este Jesus, que é Deus verdadeiro, ainda pode ser compreendido como
verdadeiro Homem? Em que sentido, de que modo o Filho de Deus se fez
homem em Jesus Cristo? Ou como Jesus ainda pode ser humano?

Afirma-se assim também a divindade do Espírito, do mesmo modo como em


Nicéia se afirmara a divindade do Filho. A questão da divindade do Espírito Santo foi muito
discutida. Todavia nós não a estudaremos aqui, pois não é tema cristológico como tal.
Este assunto certamente você o estudará ao abordar da questão da Trindade, em outra
disciplina.

O concílio de Constantinopla afirmara, ainda, resolutamente que, além da


perfeita divindade, em Cristo, há uma hipóstase que inclui a perfeita divindade e a perfeita
humanidade. Quer dizer: nela há duas naturezas (por motivo sotereológico). O concílio
definiu esta verdade (dogma) sobre Cristo Homem e Deus, mas deixou muitas questões
abertas.

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UNIDADE 4
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Para responder a isto, novas discussões surgem. As propostas podem ser


sintetizadas em dois esquemas:
• Logos-sarx (Verbo e corpo humano).
• Logos-antropos. (Verbo e ser humano).

Aqui você deve recordar da disciplina de Antropologia Teológica, a compreensão


grega do ser humano constituído de pneuma e sarx (espírito e corpo), (Unidade
12), diferente da concepção semita do ser humano, antropos, como totalidade
manifesta como basar, nephes e ruah (Unidade 3). Lembre que a palavra sarx
indica o corpo, a carne, a exterioridade do ser humano. Enquanto antropos
indica a pessoa humana, o ser humano.

O esquema Logos-sarx

Muitos teólogos vinham afirmando que o Logos (Filho de Deus/Deus mesmo)


havia assumido o corpo (sarx) sem alma (pneuma) de Jesus. Apolinário de Laodicéia
(310 - 390) sintetizou e levou ao extremo esta teologia do Logos-sarx. Ele afirmava que:
o Filho de Deus substituiu a alma lógica ou racional (espiritual) do ser humano para poder
se encarnar. Ou seja, Deus e a sarx (carne) produziram uma síntese: Cristo.

O modelo negava assim a verdadeira natureza humana (corpo e alma humanos),


para dar lugar ao Logos no corpo humano. Deste modo, Cristo não poderia pecar por não
ter o princípio vital humano; mas, por outro lado, como era humano (tinha corpo humano),
poderia ser nosso salvador, enquanto Homem, porque era Deus também.

Tal esquema foi rejeitado. Sem a alma humana, o Cristo não é perfeito Homem,
dirão os teólogos do outro grupo Logos-antropos. E se não é humano, então, não nos
salvará. Gregório de Nazianzo (330 - 390) vai afirmar: “O que não foi assumido (pelo
Logos na encarnação), também não é redimido; o que, porém, é unido a Deus também é
ATENÇÃO! salvo”. Quer dizer se no Logos-sarx, o homem perdeu o que lhe é próprio (alma racional),
Vale salientar que aqui está então não era verdadeiro homem. O Concílio de Constantinopla I havia afirmado que
valendo o conceito de homem
composto das duas unidades; o Logos eterno, o Filho de Deus, tinha assumido também o homem completo (corpo e
mas Apolinário dizia que o alma). E só assim que era o verdadeiro redentor.
Logos só podia se encarnar
num corpo sem alma humana,
para se transformar em Cristo, o O esquema Logos-antropos
salvador).
O novo esquema “oficial” da Igreja levantava novas perguntas e respostas. Há
dois grupos muito influentes, cujas respostas são válidas: os da escola de Alexandria e os
da escola de Antioquia.

As grandes perguntas são:

Como afirmar que Cristo é perfeito Deus e perfeito Homem sem afirmar que
são dois? (Escola antioquena: cristologia da distinção) ou como afirmar que
Jesus é “um e o mesmo’ sem afirmar que sua unidade é plena e independente
antes da união, porém depois é absorvida pela divindade? (Escola Alexandrina:
cristologia da dualidade).

• A Escola antioquena (cristologia da distinção):

Não fazia especulação metafísica, mas procurava compreender as Escrituras.


Por isto entendeu a divindade e a humanidade do Verbo encarnado como duas realidades

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distintas (mas não separadas). Dá-se uma unidade moral entre elas. Há uma cooperação
entre duas naturezas, que parte da verdadeira experiência de Jesus de Nazaré e se liga
ao Logos-Filho divino. Por causa do alto grau de santidade de sua profunda humanidade,
de sua constante procura em fazer a vontade de Deus e de sua máxima dedicação aos
outros, há, no Homem Jesus, uma radical composição com o Logos divino, que realiza a
obra salvifica sem ser prejudicado pelo lado humano.

A união entre as duas realidades cria uma singular e nova realidade de um Jesus
Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro Deus.

Na prática, esta tese poderia criar algumas dificuldades quando exagerada. Foi o
que aconteceu com Nestório (380 - 451) que insistia na questão de dois sujeitos distintos,
moralmente unidos; porém não se pode atribuir à divindade os atos e paixões próprios
do humano.

Em consequência disto, Maria só poderia ser mãe do Homem Jesus


(antropothokos), ou no máximo “mãe de Cristo” (Christothokos), nunca “mãe de Deus”
(Theotokós). Tal posição e suas conseqüências levam a tese da distinção a uma verdadeira
separação (dois Filhos: o de Deus e o de Maria). E conseqüentemente o ser humano não
poderia ser salvo.
• A escola Alexandrina (cristologia da unidade):

A figura de maior destaque é Cirilo de Alexandria (370 - 444) que, contrariando


a cristologia da distinção propunha a da unidade: depois da união não se pode mais dividir
natureza em Cristo.

Se antes da encarnação do Logos era possível haver uma natureza divina que
se vai unir à humana, depois não se separam mais as naturezas. Portanto, o que nasceu
do Pai e o que nasceu de Maria é um e o mesmo.

O concílio de Éfeso (431) e as reações

Querendo continuar a interpretação autêntica de Nicéia, o concílio de Éfeso foi


realizado em meio a muitas tensões e divergências (teológicas, políticas e sociais). Mas,
afirmou claramente:

Quando se afirma e somente quando se afirma que no Verbo encarnado existe


uma unidade entre a natureza humana e divina, então o sujeito último é o
próprio Deus-Verbo, porque foi Ele quem veio na carne e nasceu de Maria
(consequentemente ela é mãe de Deus). Assim, de modo misterioso, a
divindade e a humanidade completam o Senhor único Jesus Cristo e Filho,
desde o seio de Maria.

A decisão do Concílio não foi bem aceita, sobretudo, pelos orientais: o imperador
Teodósio, intervindo, quase obrigou uma conciliação, sem resultados.

Contudo, não estavam erradas as conclusões se os da escola antioquena não


obrigassem aos alexandrinos, e vice-versa, a aceitarem seus conceitos. Após, muita
discussão aparece o consenso no chamado “Decreto de União” (433):

“O Senhor Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus... gerado pelo Pai antes de todos
os séculos... nascido de Maria virgem, segundo a humanidade por nós e para na
nossa salvação... consubstancial ao Pai... é um só Cristo, um só Filho”.

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Na fórmula, faz-se primeiramente a distinção (dos antioquenos), mas depois


afirma a “união sem confusão” (dos alexandrinos).

A interpretação de um teólogo, Eutíques (monge de Constantinopla) levantou


novos desafios e confusões graves, inclusive por questões terminológicas, de palavras. E
novo Concílio deverá ser convocado, para o qual o papa do ocidente, Leão Magno, enviou
importante carta, conhecido como Tomus Leonis.

Assim, tal documento usando uma linguagem “dialética”, constrói em paralelos


antitéticos tanto as propriedades divinas quanto humanas. Para sublinhar, no final, ser
“o mesmo sujeito” de uma e outra substancialidade. A união em uma só pessoa não faz
desaparecer as características de cada natureza. Mas, esta importante contribuição ainda
não foi suficiente. Outro concílio é convocado.

O concílio de Calcedônia (451)

As dificuldades particulares eram inúmeras. Também as terminológicas. Por fim,


produziu-se uma fórmula de consenso. Após uma introdução explicativa, vem a definição
de Calcedônia que pode ser dividida em duas partes (uma mais descritiva e a outra mais
elaborada e mais técnica).

Um e o mesmo sujeito principal de todas as afirmações (divino e humano), de


modo inconfuso e imutável, mas também indiviso e inseparável.

A seguir veremos o texto do Credo de Calcedonia, para poder comparar o seu


significado, procure num Manual de cristologia. Dê preferência a um texto em que os dois
conceitos aparecem lado a lado:

“Seguindo, pois, aos santos Padres,


todos nós ensinamos unanimemente que se deve confessar um só e mesmo
Filho
nosso Senhor
Jesus Cristo
Mesmo

perfeito quanto à e perfeito quanto à


divindade humanidade

verdadeiramente Deus e o mesmo verdadeiramente humano


de alma racional e corpo

consubstancial ao Pai e o mesmo consubstancial nós segundo


a divindade segundo a humanidade,
“em tudo semelhante a nós,
exceto o pecado”;
nos últimos dias, porém,

antes dos séculos nascido o mesmo (nascido) da Virgem Maria,


do Pai a que deu à luz Deus
segundo a humanidade por
nós e para nossa salvação;

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um só e mesmo
Cristo
Filho
Senhor
Unigênito

conhecido
em duas naturezas
inconfusas/imutáveis indivisas/inseparáveis
a distinção das naturezas de modo algum é anulada pela união,
mas a propriedade de cada natureza é conservada,
concorrendo para formar um só prósopon e uma só hipóstase;
não cindindo ou dividindo em duas pessoas (prósopa), mas

um só e mesmo
Filho unigênito
Deus-Logos
Senhor
Jesus Cristo;
________________________________________________________
como outrora os profetas a seu respeito
e ele próprio, Jesus Cristo, nos ensinaram
e o símbolo dos Padres nos transmitiu”.

O grande resultado de Calcedônia, sem fazer ontologização, sustenta a unidade


da pessoa de Jesus Cristo, na permanente distinção: homem e Deus. Porém, o Concílio
não discutiu a questão de como e onde se realizaria a união entre as duas naturezas. E
isto será motivo de novas discussões teológicas, que serão em parte resolvidas pelo II
Concílio de Constantinopla.

II Concílio de Constantinopla (553)

Leôncio de Jerusalém foi quem mais conseguiu harmonizar as novas dificuldades


de interpretação de Calcedônia afirmando que na união inconfusa e imutável do Logos, não
foi Deus quem mudou. O próprio Deus (Logos), por meio da encarnação é complementado
com o humano. A unidade (união hipostática) acontece pelo fato de que o Logos recebe
(complementa-se com) o humano, para formar a pessoal especial e peculiar do Logos
encarnado. É por isto que se pode afirmar “nosso Senhor Jesus Cristo crucificado na carne
é um da Trindade”.

A natureza humana de Jesus Cristo não tem uma existência própria, pois subsiste
na hipóstase do Logos. Isto não anula ou nega a perfeita humanidade dos homens porque
em Jesus ela se amplia em perfeição. Ou como diz Walter Kasper:

a doutrina da subsistência da humanidade de Cristo não expressa nenhuma


carência, mas ao contrário, a máxima perfeição da humanidade de Jesus. A
máxima união possível com Deus não amputa nem reduz o ser do homem,
mas, antes o leva à verdadeira e plena realização.” (KASPER, 1996, p. 235).

Como acabamos de ver, nada falta à humanidade de Jesus Cristo ao unir-se


à realidade de Deus (Logos). A natureza humana de Jesus se abre à divindade para a
concretização desta realidade misteriosa e excepcional do caso Jesus.

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UNIDADE 4
Bacharelado em Teologia

III Concilio de Constantinopla (680/1)


A partir da conclusão de Constantinopla II, aparece outra questão: mas, em
Jesus haveria uma única atuação (agir – energeia) e uma única vontade (telós), se há
duas naturezas?

As teorias do monoenergismo (um só agir) e monotelismo (uma só vontade)


foram condenadas pela Igreja. E no Concílio de Constantinopla III, a Igreja definiu que
são duas as faculdades físicas do agir e da vontade de Jesus. Cada uma segundo a sua
natureza (divina e humana).

Porém, o agir e o querer concretos na pessoa de Jesus não entram em conflito


porque Ele sempre quis e fez a vontade de Deus. O agir e o querer de Jesus se orientam
pela vontade divina e em plena concordância com Deus. A santidade humana de Deus o
leva a agir e querer livremente, desde sua humanidade, que se sente só poder se realizar
(e de fato se realiza) em Deus (cf. Jo 6,38). Jesus, ao obedecer ao Pai (Deus), não nega a
sua humanidade. Pelo contrário. Quanto mais livre humanamente, mais divino Ele é.

A encarnação do Logos é a condição da possibilidade do movimento antropológico,


no qual o homem se relaciona com Deus e se diviniza. Ou seja, atinge sua plena realização.
No Verbo encarnado, isto atinge a plenitude à qual fomos chamados.

No início desta unidade, você leu que iria fazer uma estudo sobre o
desenvolvimento histórico das ideias dogmáticas da cristologia. Para aprofundar a questão
foi sugerido que você também lesse o texto de Leonardo Boff. A seguir apresentamos uma
síntese do texto sugerido para que você faça uma revisão de seu estudo. Lembre-se que
o oportuno texto do autor, usando outro método, visa caracterizar “um Deus humano” e
“um homem divino, sem se ater ao processo histórico da dogmatização”.

Vejamos a seguir algumas ideias do capítulo sugerido de Leonardo Boff Humano


assim só pode ser Deus mesmo:

a) Duas grandes respostas: “Deus se fez homem para que o homem se fizesse
Deus” (escola Alexandrina) e “Um homem, todo inteiro, foi assumido pelo
Verbo eterno” (escola antioquena).

b) O Concílio de Calcedônia (451) estabeleceu uma fórmula (quase definitiva)


para todas as questões, reconciliando as duas escolas: da dualidade (Deus
e homem) e da unidade (uma só pessoa), sem separação, sem divisão,
sem confusão (sincretização), nem mudança.

c) “Jesus é o homem que é Deus e o Deus que é homem”.

d) Jesus é o homem que se voltou totalmente para Deus e para os outros.


Entendeu-se com o ‘ser para os outros’ e ‘a partir dos outros’. Esvaziou-se
para ser Deus na totalidade e para ser homem na totalidade.

e) “Quanto mais o homem se relaciona e sai de si, mais cresce em si mesmo


e se torna homem (...). Quanto mais Jesus estava em Deus, mais Deus
estava Nele. Quanto mais o Homem Jesus estava em Deus, mais se
divinizava. Quanto mais Deus estava em Jesus, mais se humanizava.”

f) Em Jesus, Deus infinito se tornar humano e, portanto, limitado em nossa


condição de um ser humano concreto. Pela ressurreição, porém, surge a
ATENÇÃO!
Vale lembrar que não plenitude máxima do homem: assim, agora, é Jesus.
sintetizamos aqui os tópicos seis
e sete de BOFF, porque não
vêem ao caso imediato de nossa
discussão. Contudo, sugerimos Assim, Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, Um e o mesmo, ao
sua leitura até o final do capítulo mesmo tempo, é o nosso salvador, desde a vida de Deus e desde a nossa vida. Era Deus,
indicado.
com o Pai e o Espírito Santo e se fez um de nós, igual a nós em tudo. Ele, pois, é o nosso
Irmão maior, Senhor e Salvador. É por Ele e só por Ele que atingiremos ao Pai: Ele é o
caminho, o revelador e que nos leva à plenitude salvífica em Deus.

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UNIDADE 4 Bacharelado em Teologia

4 AS TRÊS GRANDES RESPOSTAS E AS CONCLUSÕES DOS


CONCÍLIOS.
Após a ressurreição de Jesus, começam a surgir muitas perguntas sobre quem é
Ele. São Paulo recorda sempre que o crucificado é o ressuscitado. Nos evangelhos surgem
respostas: é o Senhor, o Messias, O Filho de Deus, o Filho do Homem etc.

Depois do primeiro século, quando já não havia mais quem tivesse conhecido
pessoalmente Jesus, e, sobretudo, no meio helenístico, apenas se ouvia seu ensino, muitos
começaram a propor uma nova e grande questão:
• quem é Ele realmente?

Há três grandes linhas de respostas, até se chegar à dogmática cristológica.


Se o NT é normativo para a fé, os dogmas cristológicos são integrativos da fé. Todavia, a
pesquisa cristológica deve, naturalmente, continuar por, ao menos, duas razões:
• Jesus Cristo é o salvador de todos os povos e em todos os tempos; por isto
deve ser anunciado (e explicado) sempre.
• A cristologia é a ciência que, levando em conta a normatividade
neotestamentária e a constitutividade dogmática da fé, busca explicar aos
contemporâneos, quem é Jesus.

A questão do divino e do humano e a união das duas sempre foram tensões na


Igreja, pelas dificuldades de equilíbrio. Ora se pende mais para uma, ora para a outra.

Linha teológica

À medida que se foi distanciando no tempo, foi-se compreendendo que Jesus


era o salvador definitivo de Deus. Por isto o Concílio de Nicéia afirmou: ‘Ele é verdadeiro
Deus, da mesma natureza do Pai’.

O Concílio de Constantinopla I ensina ainda: ‘sendo Deus um só, se nos apresenta


em três expressões hipóstases. Uma delas é o Verbo que vai se encarnar. Por isto Jesus
é Deus verdadeiro.

Linha Antropológica

Em reação à insistência sobre a divindade de Jesus, foi necessário recuperar a


sua humanidade. Por isto o Concílio de Constantinopla I também afirmou ser Ele verdadeiro
Homem (unidade de corpo e alma, em conceitos gregos).

Linha de Síntese

As duas afirmações eram corretas. Ter-se-ia, porém, que falar sempre da mesma
pessoa. Se era verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, como poderia ser uma só pessoa?

O Concílio de Nicéia ensinou:

a) O Filho do altíssimo (pré-existente) começou a ser humano desde o seio de


Maria (mistério da encarnação do Verbo). Desde então, as duas naturezas
(divina e humana) se completam dando origem a Jesus, sem criar uma
terceira realidade.

b) Se Jesus Cristo é homem verdadeiro e Deus verdadeiro, como se dá a união entre


ambos? O Concílio de Calcedônia não só afirma a união hipostática (das duas
naturezas), mas afirma que elas, estando unidas, são inconfusas, imutáveis,
inseparáveis e indivisas, na mesma e única pessoa de Jesus Cristo.

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UNIDADE 4
Bacharelado em Teologia

c) Diante de novas perguntas, no Concílio de Constantinopla II, se assume esta


afirmação como verdadeira:
• Um da Trindade é quem sofreu na carne”. Os sofrimentos e a morte humanos
são sofrimentos e morte de Deus (Logos); a glória e a santidade de Deus
(Logos) pertencem também ao humano, porque as duas naturezas estão
unidades e não podem se separar.

d) Uma nova questão surge: “sendo duas as naturezas, seriam também duas as
vontades, duas as atuações?”. Sim, será a resposta.

Vejamos, agora, o ensino de Constantinopla III:

No Verbo encarnado há uma vontade humana e uma vontade divina, um querer


humano e um querer divino. Eles se conjugam e não se contradizem porque Jesus humano
(que em tudo foi igual a nós sempre agiu em nome do Pai e procurou a vontade divina).

Todas as grandes e significativas questões cristológicas surgiram porque foi


necessário compreender o mistério de Jesus dentro do quadro da ontologia cristológica,
sempre movido pela questão teológica, com preocupação sotereológica: Ele é verdadeiro
Deus e verdadeiro homem, para a nossa salvação.

5 CONSIDERAÇÕES
Se você achou teórica demais esta unidade, conclui algo certo, muitos também
pensam assim hoje. Contudo, este tema no passado foi tão popular que chegou a ser
discutido até nos botequins de esquina e causou muita briga. Em determinada época e até
recentemente (do século 4º até o 20), foi considerado o único tema da cristologia. Esta
cristologia dogmática é importante, entretanto, para não só evitar concepções e práticas
pastorais erradas, mas para compreender melhor, desde a razão, quem é o Senhor Jesus,
Deus e Homem verdadeiro.

Assim, conhecendo o processo cristológico, cujo desenvolvimento foi brilhante


nos séculos de ouro da cristologia (século 4º ao 8º), você está mais instrumentalizado para
compreender quão distantes da fé estão certas afirmações e atitudes pastorais, incluindo
situações da religiosidade popular, diante de Jesus Cristo, discernido pela fé cristã.

A seguir, você terá a oportunidade de sistematizar estes dois conhecimentos:


bíblico e dogmático, numa grande síntese.

Até a próxima!

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOFF, L. Jesus Cristo libertador. Petrópolis: Vozes, 1972.

FORTE, B. Jesus de Nazaré. História de Deus, Deus da história. São Paulo: Paulinas,
1985.

FEINER, J.; LOEHRER, M. (Org.). Mysterium Salutis: compêndio de dogmática histórico-


salvífica III/3: o Evento Cristo. 3. A cristologia na história dos dogmas. Petrópolis: Vozes,
1973.

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58 Claretiano – Batatais
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UNIDADE 4 Bacharelado em Teologia

GARCIA DE ALBA, J. Cristo Jesus. Conhecê-lo, amá-lo e segui-lo. São Paulo: EDUSC,
1998, p. 199-211.

HAIGHT, R. Jesus, símbolo de Deus. São Paulo: Paulinas, 2003.

KASPER, W. Dio e chiesa. Brescia: Queriniana, 1996.

MEUNIER, B. O nascimento dos dogmas cristãos. São Paulo: Loyola, 2005.

RAHNER, K. Theos nel Nuovo Testamento. In: Id. Saggi Teologia. Roma: Paoline 1965,
p. 568.

RAUSCH, T. Quem é Jesus? Uma introdução à cristologia. Aparecida: Santuário, 2006.

RUBENSTEIN, R. E. Quando Jesus se tornou deus. A luta épica sobre a divindade de Cristo
nos últimos dias de Roma. Rio de Janeiro: Fisus Ltda, 2001.

SERENTHA, M. Jesus Cristo, ontem, hoje e sempre. Ensaio de cristologia. São Paulo:
Salesiana, 1986.

7 E-REFERÊNCIA
Chamada numérica

1 Ousia: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ousia>. Acesso em: 27 jan.


2009.

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Anotações
UNIDADE 5
CRISTOLOGIA SISTEMÁTICA

Objetivos
• Sistematizar um discurso exaustivo sobre Jesus Cristo.

• Argumentar sobre a originalidade de Jesus, justificando


sua posição cristológica.

• Aprofundar criticamente o significado teológico da morte


de Jesus.

• Caracterizar a ressurreição como auto-revelação de Deus


e consumação da criação.

• Diferenciar os aspectos teológicos, cristológicos e


antropológicos da ressurreição.

• Justificar a criação como nova criação.

• Caracterizar a ressurreição como “consumação


escatológica”.

Conteúdos
• A cristologia hoje.

• O homem Jesus.

• O destino de Jesus: morte.

• O ressuscitado: auto-revelação de Deus e do homem.


UNIDADE 5
Bacharelado em Teologia

1 INTRODUÇÃO
Esta unidade propõe levar você a um grande processo projetivo de síntese e
sistematização do que foi estudado até aqui.

Assim, aqui você encontrará com Jesus Cristo, um ser humano original, não
só por ser divino e humano ao mesmo tempo. Você se lembra do conceito de “união
hipostática”?

Com tais conhecimentos (bíblico e histórico-dogmático, que são normativos e


integrativos da fé) vamos encontrar com Jesus, Aquele que se compreendeu ai mesmo
a partir de Deus; que foi solidário conosco, a ponto de dar sua vida por nós. Tal amor
solidário e representativo, fez com que o Pai o ressuscitasse e deixasse claro que o havia
constituído nosso salvador, como Ele era desde o início da criação.

Tenho a certeza que esta unidade é empolgante. E conhecendo melhor Jesus


Cristo, você será capaz de se humanizar mais, vivenciando-o para amá-lo e servi-lo mais
profundamente.

Você estudará as cristologias hoje, o Homem Jesus e seu destino, morte e o


ressuscitado, bem como auto-revelação de Deus e do homem.

A princípio, retornaremos ao tema da cristologia como tal, para que você


perceba melhor não só o caminho que faremos, mas também tenha critérios teológicos
para perceber as cristologias existentes ao seu redor e as polêmicas (frequentes) que se
levantam em torno deste tema.

Propomos uma leitura global e englobante da encarnação. Você deve compreender


e fundamentar Jesus como uma grande unidade.

Assim, iremos aprofundar teologicamente os significados salvíficos da morte e


ressurreição de Cristo, como resposta de fé para hoje.

É necessário que você aprofunde alguns conceitos de cristologias a fim de


facilitar a compreensão de quem é Jesus, o Cristo. Ao refletir sobre Ele, você
deve saber onde está e de onde parte. Assim poderá fazer um discurso, uma
reflexão coerente. É importante conhecer a experiência teórica que outros já
fizeram. Deste modo, conseguirá perceber melhor a sua posição bem como a
dos outros.

Bom estudo!

2 AS CRISTOLOGIAS HOJE
A cristologia é feita no plural. Na verdade não existe a cristologia, mas as
cristologias. E porque é assim?

Nenhum estudo por mais completo que seja abarca toda a pessoa de Jesus,
homem e Deus, entre nós e nosso senhor salvador.

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62 Claretiano – Batatais
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UNIDADE 5 Bacharelado em Teologia

O próprio NT apresenta ao menos cinco modelos diversos. Este fato indica,


não só a necessária intercomplementariedade (nenhum se basta por si só). Aponta à
possibilidade de muitos enfoques. Quer dizer podem ser diversos os pontos de partida,
pois, eles devem estar adequados aos ouvintes/leitores.

A cristologia é para a compreensão dos que crêem, no tempo e circunstância


que eles vivem: o mesmo Jesus é apresentado conforme a capacidade e exigência dos
“crentes” desde que tal cristologia tenha sempre presente, como norma o NT e o dogma
como integrativo. Isto não quer dizer que ambos sejam uma camisa de força; mas uma
orientação que não se pode ignorar.

Numa grande síntese, se pode dizer que a cristologia tem tido dois grandes
modos de proceder (métodos): “a partir de baixo” ou “a partir de cima”.

A cristologia a partir de baixo começa enfocando a história humana de Jesus


para depois compreendê-lo também em sua divindade. A ênfase está em Jesus histórico,
tendo como base os evangelhos sinóticos. E a cristologia a partir de cima, mesmo que
tenha predominado na história, parte do Filho eterno de Deus e utiliza uma linguagem, ATENÇÃO!
Para aprofundar seus
predominantemente, ontológica (helenista, ocidental. conhecimentos confira os
concílios.

O ponto de partida da cristologia

Cristologia a partir de baixo

A cristologia “a partir de baixo” é que vai predominando hoje como critério para
aproximar-se de Jesus. Por quê?

Não só por causa das mudanças sócio culturais do mundo, mas também pela
crescente “des-europeização” da Igreja. Não só porque a segunda usa uma “gramática”
que leva (quase hereticamente) a perceber Jesus em si, ontológico, como alguém (quase)
estranho aos seres humanos reais, mas também pela compreensão da mudança do
papel da Igreja, como “serva” e “instrumento de salvação” (cf. LG e GS). Por que ainda:
para responder “quem é Jesus Cristo, para nós hoje?”, é necessário, não apenas nova
linguagem, mas que leve também em conta as perspectivas antropológicas da cultura
contemporânea. E ai, inclusive, a recuperação de uma cristologia sotereológica.

Desde o século 13 houve uma crescente separação entre cristologia e sotereologia.


Se antes, no período de ouro da cristologia (do século 3º ao 8º), havia uma preocupação
em se afirmar sempre quem era Jesus Cristo para a nossa salvação, progressivamente
foi-se construindo uma cristologia sobre o ser de Jesus Cristo, desligado de seu papel de
salvador de todos. A questão salvífica voltou a integrar a reflexão atual especialmente na
cristologia de baixo.

De forma muito simplista se poderia dizer que a cristologia a partir de baixo é


encontrada nas cristologias da libertação, feminista, contextual (asiática), negra (africana
e norte-americana). No passado, ela existiu por meio das correntes de pensamento
da chamada Escola Antioquena, do pensamento franciscano na espiritualidade e artes
medievais etc.

A cristologia a partir de cima

A cristologia a partir de cima, com fundamento joanino e paulino, predominou


entre o clero e intelectuais, sobretudo da cultura branca “masculina” e europeia. Parte-se
da ideia que Jesus é o Verbo pré-existente (desde toda a eternidade) e, um dia, se fez
humano no seio de Maria. É usada predominantemente pelos que trazem uma tradição
doutrinário helenista-ocidental (com corte mais europeu e eclesiocentrico). A grande

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UNIDADE 5
Bacharelado em Teologia

INFORMAÇÃO: preocupação é ressaltar a kenose de Deus, que ao se humilhar, não se sentiu indigno
Alguns afirmam que sua forte de assumir a natureza humana, a fim de elevá-la até Deus. Tal cristologia, identifica nos
presença, em contraposição às
cristologias a partir de baixo, evangelhos, inclusive nos sinóticos, a presença de Deus no homem Jesus.
se deve ao fato de que ela é a
preferida pelos bispos e papas.
Assim, o que dizer sobre estas duas cristologias hoje?

Tanto quanto são normativos, os evangelhos, em termos de cristologia a


conceber Jesus Cristo como Deus Eterno, exigem concebê-lo em sua história humana. E a
recíproca é verdadeira: conceber a humanidade Dele exige reconhecê-lo como “Emanuel”
(Deus conosco). Uma sem a outra, nos levará não só evitar as discussões já superadas
pelos tempos dos concílios cristológicos (e que seria perda de tempo), mas a evitar
também os erros (heresias) passados, cuja solução integra a fé cristológica. Note-se que
cultura pós-moderna (inclusive católica) é centralizada no ser humano, não mais nas
forças cósmicas (discurso diferente do das questões ecológica e cósmica contemporâneas)
nem teocêntricas.

Perspectivas cristológicas
Como é impossível escrever uma “síntese cristológica”, então se percebe que
todas e quaisquer cristologias sofrem a influência e cultura de seus teólogos.

As cristologias atuais têm sido feitas mais apropriadamente “a partir de baixo”.


Esta posição, inclusive, supera a discussão recente sobre a perspectiva cristológica, ora
centrada na morte (e ressurreição), ora na encarnação ou na história.

A primeira (que predominou no segundo milênio, especialmente depois de Santo


Anselmo), enfatizou o papel sotereológico da morte de Cristo. Chegou-se na radicalização
de alguns, a afirmar-se que a razão da existência de Jesus era para morrer na cruz, a fim
de nos salvar de nossos pecados.

A segunda perspectiva, com enfoque encarnatório, em resumo afirmou que a


razão do Filho Eterno se fazer homem (encarnação) era para revelar quem é Deus, quem
somos nós e como Deus nos comunica sua vida divina. É a perspectiva joanina.

A terceira corrente (a partir dos sinóticos) percebe, à luz da páscoa, a vida, a


atuação e o destino de Jesus como proximidade de Deus entre nós para a nossa salvação.

As três perspectivas, somente são legítimas se forem intercomplementares


e não auto-excludentes. Por julgar, que o enfoque histórico é o que, hoje, torna mais
acessível, para nós, o encontro com Jesus Cristo, que fazemos esta opção metodológica.
A reflexão sobre a plenitude de Cristo (é isto a cristologia) nos levará, desde a história do
homem de Nazaré, à luz da páscoa ao encontro do projeto de salvação de Deus, realizado
Nele, seu Filho e nosso Irmão.

3 O HOMEM JESUS
Jesus, um homem original

Mesmo quando localizado no contexto da Galiléia do 1º século d. C., Jesus viveu


a religiosidade de seu povo que era portador de uma grande tradição vinda de Abraão,
passando por Moisés, pelos patriarcas, profetas, reis e sacerdotes de seu povo. Era uma
religiosidade que ocupava o centro da vida do povo, mesmo nos períodos de escravidão
(vivida muitas vezes como sentido de pecado da idolatria). Exatamente nestes períodos,
se acentuavam a preocupação com as promessas salvíficas, feitas nas antigas alianças e
as expectativas messiânicas.

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Jesus é um homem judeu, plenamente inserido na cultura de seu povo.

Viveu Jesus, ao tempo dos imperadores romanos Otavio Augusto (27 a.C. a
14 d.C.) e Tibério (4-37 d.C.); do governo de Herodes o Grande (até o ano 36 d.C.), o
perfeito romano, que administrou Judeia romana e detinha o poder de nomear o sumo
sacerdote e controlar o sinédrio no governo de Jerusalém (entre 4 e 41 d.C.). José Caifás,
influenciado pelo seu sogro Anás, foi sumo sacerdote por dezessete anos.

Sem influir muito Roma, contentou-se em geral, em dominar a região, apenas


mantendo a paz (romana) entre seus e cobrando os impostos por meio de funcionários
locais, que incluíam nesta cobrança, seus salários (motivo de constantes descontentamentos
populares).

Contudo, ao tempo de Jesus, a presença romana e a convivência do Sinédrio e


dos saduceus, sobretudo, era motivo de tensão política (invasão estrangeira), econômica
(exacerbação de impostos) e religiosa (o imperador Cesar era um deus, “o divino”). Após
a destruição do templo, pelos romanos, só sobraram os fariseus e os primeiros cristãos
INFORMAÇÃO:
(ainda uma espécie de seita, dentro do judaísmo: os do caminho (cf. At 9,25).
Para você se aprofundar mais
sobre o significado da virgindade
Pouco se pode dizer da infância de Jesus (abreviação de Yeshua) que significa de Maria e o nascimento de
Jesus, leia RATZINGER, Joseph.
“Deus salva” ou “salvação de Deus”. Sobre fatos e histórias de seu nascimento, deve-se
Introdução ao cristianismo. São
fazer uma distinção entre verdade histórica e significado salvífico, como os evangelhos Paulo: Loyola, 2005, p. 201ss,
da infância pretendem transmitir. Maior atenção ainda se deve dar a idoneidade dos fatos especialmente 204. Há também
muitos textos, facilmente,
descritos nos evangelhos apócrifos, surgidos a partir do final do século 2º. A intenção dos
encontrados sobre os evangelhos
evangelhos da infância (Mt e Lc 1 e 2) é teológica, e em geral sem repercussão no restante da infância.
dos evangelhos.

Teria Jesus nascido provavelmente em Nazaré, e não em Belém, no ano 7 ou 6


INFORMAÇÃO:
a.C., algum tempo antes da morte de Herodes, o Grande (4 a.C.) vivendo com seus pais, o Para você conhecer o significado
justo José e Maria e seus “irmãos”, em Nazaré, por isso era chamado “nazareno”. tradicional da Igreja Católica,
outras igrejas e exegeses
atuais sobre o assunto, leia
Atraído pelo movimento de João Batista, Jesus tornou-se independente e pelo THEISSEN,Gerd e MERZ,
Annette. O Jesus histórico.
ano 27/28 começou seu ministério público, com aproximadamente trinta e três anos de
Um manual, p. 218 ss. PUIG,
idade. Foi crucificado em 14 de nizan (7 de abril) do ano 30. Tinha trinta e seis anos, mais Armand. Jesus. Uma biografia, p.
ou menos. Este período de vida pública (27/28 – 30) caracterizou não só a vida, mas 170-184.

também, de modo surpreendente, marcou a história da humanidade.

São as pregações, as atitudes e o destino de Jesus, durante estes dois ou três


anos, que constituem a centralidade (não o fundamento) da cristologia. Não é acaso que a VOCÊ SABIA QUE:
Buda ‘Sidartha Gautama’
parte mais consistente dos evangelhos seja dedicada ao seu ministério público, sobretudo ensinou, após sua iluminação
a pregação sobre o Reino de Deus. São poucos os capítulos dedicados ao seu nascimento durante 45 anos. Maomé
‘Mouhamed’ pregou durante 20
e morte; bem menos à ressurreição (GAMBERINI, 2007, p. 52).
anos, e Moisés dirigiu o povo por
40 anos?

Vejamos a seguir o quadro que dividi a vida de Jesus narrada pelos quatro
evangelhos:

Mt Mc Lc Jo
Infância 1- 2 0 1-2 -
Ministério Público 3-25 1-13 3-21 1,19-17
Paixão e Morte 26-27 14-15 22-23 18-19
Ressurreição 28 16 24 20-21
Fonte: Acervo pessoal.

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Jesus foi conhecido como pessoa normal, mesmo que com um algo a mais,
que o tornava diferente. Entre os seus contemporâneos, se conhecia seu pai, sua mãe e
seus irmãos. Sabia-se de sua profissão. Os evangelistas o mostram como quem viveu as
realidades humanas, como todos os outros homens e mulheres. Dizem eles: foi em tudo
semelhante a um de nós. Alegrou-se em festa de casamento.

Frequentou a casa de conhecidos (a de Lázaro, Maria e Marta, a da sogra de


Pedro) e de desconhecidos (fariseus, cobradores de impostos ‘Mateus’, Nicodemos).
Participava das liturgias nas sinagogas e no templo, acatava a Lei e as tradições, a modo
de dar-lhes pleno cumprimento mesmo que as “desobedecesse” circunstancialmente.

Manteve um grupo de seguidores (discípulos), constituído de homens e mulheres.


Ao que tudo indica, foi célibe, num contexto ambíguo, prezava a constituição da família
e ao mesmo tempo, aceitava figuras religiosas ascéticas (João Batista, os celibatários de
Qumran). Sentiu fome, sede, cansaço. Comoveu-se pelos amigos. Solidarizou-se com
marginalizado (doentes, prostitutas, crianças e outros excluídos). Condoeu-se pelo povo
desorientado. Exerceu medicina curativa. Aceitou em seu grupo pessoas de procedência bem
diversificada, como Judas e João, Mateus e Tiago. Curou cegos, aleijados, endemoniados
etc.

Ensinou com autoridade. Gerou admiração e perseguição; foi amado e odiado. Por
causa de suas ideias, foi duro, exigente, com sua família; rigoroso com seus adversários e
benquisto entre os pobres. Valorizou coisas belas. Apreciou a natureza e o a simplicidade.
Foi didático em seus ensinamentos; e foi chamado de “mestre” rabi. Por muitos, inclusive
adversários, foi compreendido como profeta. Gostava de refeições com amigos. Chegou
a ser chamado de “glutão”. Foi severo com os que exploravam a religião em proveito
próprio.

Jesus encarou, com destemor, a morte. Sentiu seu peso e suas dores.
Crucificado, morreu abandonado por seus amigos.

Viveu o “sucesso” das multidões. Sofreu a perseguição, o julgamento e a morte


do poder político-religioso. Sobretudo, em sua vida pública, foi pregador itinerante. Como
nós, também cresceu em idade. Alfabetizou-se e leu as Escrituras. Sofreu as tentações,
especificamente em relação à fama, às riquezas e ao poder. Viveu angustias psíquico-
INFORMAÇÃO: mortais. Seu saber, profundo na Tora, mas limitado como o saber de qualquer pessoa,
Para aprofundar mais no assunto
sugerimos que leia os estudos inclusive passível de erro. Determinado em sua vontade e atento às necessidades da
Geza VERMES, entre eles. pessoa.
Natividade. Rio de Janeiro/São
Paulo: Record, 2007; As várias
faces de Jesus. Rio de Janeiro/
Jesus foi uma pessoa humana em tudo igual a nós. Todavia, também foi
São Paulo; Record, 2006.
diferente de nós. E não o foi, apenas porque não pecou (como se costuma
acrescentar). Mas, por seu modo de ser diante de Deus e dos outros.

A radical diferença de Jesus e nós é uma questão de fundo e fundamento religioso


(aqui não se fala ainda do ser divino de Jesus). Não é ainda uma questão teológica. Ou,
se quiser, é uma questão radical de antropologia.

Porque é diferente de nós, o próprio Jesus nosso irmão? Ele o é, pelo fato de ter
assumido a plenitude do homem, em sua originalidade. Ele é o ser humano original, radical,
projetado por Deus desde o início, desde antes da criação (histórica) do ser humana. No
dizer de São Paulo e dos Santos Padres: Ele, “o segundo Adão”, vindo do céu (cf. 1Cor
15,45-47; Rm 5,12-21), é o primogênito dentre os irmãos (cf. 1Cor 15,48; Rm 8,29),

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Você deve retomar o significado bíblico de primogenitura. Complemente o


sentido consultando dicionários ou vocabulários bíblicos ou então reveja seus
estudos bíblicos do AT. Os primogênitos tinham, desde a legislação mosaica
direito a duas partes na herança. Ao primogênito era assegurado o respeito de
todos os outros irmãos; dele também era a responsabilidade, especialmente,
quando um dos irmãos necessitava um socorro especial. Mas, aprofunde o
tema, também para compreender o lugar de Jesus primogênito entre nós e
para nós.

Jesus é diferente porque sendo um dos nossos, como nós, é Aquele que vem como
“homem novo” (original no pensamento de Deus). Quando Ele centraliza sua vontade, seu
querer, de modo absoluto em Deus, é Ele capaz de fazer sempre a vontade de Deus. Ele é
diferente, por ter-se colocado todo a serviço de Deus e dos irmãos. Sua solidariedade, tão
extrema, revela profundamente, que Naquele homem encontramos Deus mesmo.

Jesus, o homem que se compreendeu a partir de Deus

O próprio Jesus (ressuscitado) ao conversar, pelo caminho, com os discípulos


de Emaús ensina o método de interpretá-lo à luz das Escrituras (cf. Lc 24,13-35; Mc 16,
12-13). É obvio que se Jesus procede assim, Ele afirma desde a antropologia bíblica que,
como todo ser humano, Ele é criatura, imagem e semelhança de Deus. Todos (e tudo)
procedem de Deus na criação. O centro do ser humano é Deus. Deus é quem dá sentido
à humanidade de todo e qualquer ser humano, seja na origem e no desenvolvimento seja INFORMAÇÃO:
no fim (parusia). O tema da parusia ‘vida em
Deus, céu’, será estudado na
disciplina de Escatologia.
Jesus compreende esta realidade de si mesmo. E se auto-interpreta a partir
de Deus e por nós. Pôs sua vida a serviço de Deus e da humanidade (no gesto
imediato, aos seus contemporâneos, especialmente aos excluídos).

Aqui é importante perceber, numa leitura teológica sobre a vida de Jesus, ao


menos cinco situações:

a) a relação pessoal com o Pai (sua fiel confiança);

b) um homem orante;

c) o testemunho dado por Ele sobre o Pai;

d) o redimensionamento da imagem de Deus;

e) valor salvífico do Reinado de Deus.

Jesus centrou sua vida no Pai. Só se pode compreender Jesus a partir de sua
relação com o Abbá. Sem dúvida, sem deixar de notar que da parte de Deus houve sempre
uma atenção particular sobre o Homem Jesus (anunciação, batismo, morte e ressurreição
etc.). Por outro lado é fundamental ressaltar que Jesus elegeu a Deus como fonte e razão ATENÇÃO!
Não confunda ser místico com
de sua vida. Ele viveu para Deus, o Deus de Israel, seu Pai. uma pessoa que só vive em
oração, “fora do mundo”. Místico
• Vale salientar que Jesus, porque creu em Deus, foi um homem místico. é o que mantém profunda ligação
com Deus e age em favor dos
filhos de Deus. Quer dizer:
Assim, como “a boca fala do que o coração está cheio” (cf.Lc 6,45), isto se
oração e ação.
evidência. Jesus pôs em Deus as razões e fundamentos do seu agir, do seu falar e de sua
oração. Sua vida foi alimentada na fé e na confiança em Deus, até o extremo na noite da
cruz.

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Os evangelhos insistem que Ele constantemente se retirava para rezar. E fazia


isto, sobretudo à noite. O piedoso judeu foi um homem orante (cf. Mt 15,36; 26,26; Lc
4,16). Os sinóticos não deixam de ressaltar isto. Lucas, por exemplo, insinua esta vida de
oração, ao relatar a vida pública de Jesus (cf. Lc 3,21.23-46). Em momentos de decisão
ou ocasiões importantes, os sinóticos evidenciam o Jesus orante. Isto é ainda mais claro
no evangelho de João.

Jon Sobrino (entre outros) acentua não só esta piedade de Jesus, como comenta
a profundidade da oração do Senhor, superando ingenuidades, mecanizações, hipocrisias,
opressões, narcisismos. Acentua positivamente a oração de Jesus como um compromisso
situado, concreto e amoroso e sempre com sentido de totalidade. E, resume dizendo:

O fato mesmo de Jesus orar mostra que existe para Ele um pólo referencial
último de sentido pessoal, ante o qual se põe para recebê-lo e expressá-lo.
Esta oração é algo distinto de sua prática e de sua possível reflexão analítica
sobre como construir o reino; é uma realidade na qual expressa diante de
Deus o sentido de sua própria vida em relação à construção do reino, sentido
afirmado e questionado pela história real. Por isso, a oração de Jesus aparece
como busca da vontade de Deus, como alegria de que seu reino chega, como
aceitação de seu destino. Em síntese, aparece como confiança em Deus bom,
INFORMAÇÃO: que é o Pai e como disponibilidade diante de um Pai que continua sendo Deus,
Você pode aprofundar este tema
em SOBRINO, Jon. Jesus, o mistério. (SOBRINO, 1994, p. 211)
libertador, p. 207/211, além de
vários outros autores.
A vida de oração de Jesus revela não somente sua fé em Deus. Contudo, se
torna clara a própria confiança em Deus. Uma confiança cotidiana que se manifestava,
não só ao invocar a Deus; mas, sobretudo, atribuindo a Deus seus milagres, a origem e
significado de sua vida. A confiança absoluta e radical se evidencia no modo como Ele
assume a própria morte pela causa de Deus.

A relação de Jesus com o Pai, ultrapassa seu comportamento pessoal e


transparece no modo como Ele fala, invoca e dá testemunho de Deus. Nas situações
graves pressionado pelos opositores, Ele indica Deus como seu testemunha-defensor,
expulsa demônios por Deus (cf. Lc 10,17; Mt 12,28), prolonga as ações do Pai nas suas
ações (Jo 14,10), porta-se como filho e atribui ao Pai o perdão, a misericórdia, a bondade.
Defende o Pai diante dos exploradores e opressores.

Enfim, Jesus entende que suas ações e reações, ensinos e obras (milagres),
tudo deve testemunhar sua relação com o Pai.

Ele acolhe os pecadores, levando-os a libertação de si mesmos e de marginalização


que os envolvia (cf. Mc 2,10ss; Lc 7,28ss) como sinal do Reino do Pai chegando. Porque
o Pai acolhe a estes pequenos, Jesus, que dá testemunho do Pai, os acolhe também.
Ele se aproxima dos pecadores. Nele, é Deus quem está se aproximando, porque o Pai
acolhe bons e maus, faz chover sobre justos e injustos, sem com isto ser o juiz da pessoa
humana, apesar de não acolher nem o pecado e nem a injustiça.

O testemunho que Jesus dá do Pai o leva a reprovar até mesmo a oração dos
que querem ser justos sem o ser, sobretudo por desprezarem os outros, os pobres (cf.
Lc 18,9-14). Do mesmo modo, dá testemunho de Deus ao expulsar demônios, símbolos
do poder do mal e da destruição (cf. Mc 3,21ss; Jo 10,20ss). Hospeda-se na casa de
pecadores (Zaqueu, por exemplo), porque a salvação de Deus deve chegar também a eles
(cf. Mc 2,15-17).

Jesus, o testemunho de Deus, acolhe as crianças, as mulheres, os pecadores,


“as mulheres públicas”, os doentes, enfim os desprezados. Ele sabe que está trazendo a
cura, a boa nova, aos que precisam de Deus e se veem cerceados, porque os chamados

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“justos” os impedem (Lc 7,36-50; Jo 4,7-42; Mt 18,12-14; Lc 15,4-10). Sabe e afirma em


alto e bom som que, na casa do Pai, prostitutas e pecadores precederam aos “piedosos
do templo (cf. Mt 21,31).

Com sua morte, dá um radical testemunho de que Ele é enviado do Pai e que mesmo
no “abandono do Pai” (Mc 15,34), Ele confia ao extremo. Não em vão, todo o testemunho que
Jesus dá do Pai se manifesta na ação do Pai, que o ressuscita (cf. At 2,24).

Jesus redimensionou a imagem de Deus. A compreensão Dele sobre Deus é


impressionante. Não só os contemporâneos de Jesus, mas também os judeus antigos atribuíram
a Deus a qualidade de “pai”. Jesus, porém, tratou a Deus com “seu Pai” e agiu como filho.

Mesmo que tenha diferenciado, e com razão, o modo de Deus ser pai Dele e
nosso, criou, para todos, uma aproximação singular de Deus para com todos
os seres humanos. Deus, não é distante e nem um julgador implacável. Ele
não é nem um vingativo e nem um indiferente para com seus filhos. É um
Deus amoroso, sempre atento pelo bem de seus filhos.

Jesus faz compreender que Deus se aproxima de todos, especialmente dos pobres.
Ele vem a ser um Deus próximo, que ama e perdoa, que sabe de nossas necessidades
e é misericordioso para com todos os que o procuram. Jesus faz saber que Deus, o Pai,
o enviou a nós como expressão de seu amor providente. E em nome do Pai, Jesus cura,
perdoa, encontra “os perdidos”, reconcilia os inimigos de Deus e dos homens.

A nova imagem de Deus, mostrada por Jesus não é irênica nem ingênua. Deus
não se deixa convencer pela hipocrisia do orante (Lc 18, 9-14). Nem se deixa manipular
pelos “poderosos de seu tempo” que julgam “determinar” em seu nome a Lei e o ensino
dos profetas (cf. Mc 3,4; Lc 14,2s; Mt 12,11; Lc 6,24).

Jesus o apresenta como Senhor que não se convence com mecanismos idolátricos
da religião, particularmente da religião opressora (cf. Mc 7,1-23; Mt 15,1-20; Lc 11,38;
7,14; 13,10s). Deus, porque é justo, reprova a religião que oprime e discrimina, inclusive
lesando o direito do próximo (cf. Mt 7,13; Mc 7,14-23; 12,40; Lc 11,42. 46. 52).

É preciso lembrar que para Jesus, Deus não é uma questão de discussão e de
teorias, é sim preciso fazer a sua vontade na prática (cf. Mt 7,21).

As parábolas de Jesus sobre o Reino (e em especial a do “bom samaritano”,


do “juízo final”) e as declarações sobre as bem-aventuranças, são indicativos claros de
quem é Deus e o que Ele pode. Para tanto, a expressão de Jon Sobrinho aqui pode ser
apresentada como uma síntese:

Jesus não tem muito a dizer hoje sobre a questão de Deus se esta é vista
puramente a partir do ateísmo, da existência ou da não existência de Deus.
Mas, tem muito a dizer, até o dia de hoje, se perguntamos quem é o Deus e o
que fazer de Deus. Jesus não ilustra o fato que Deus exista, mas ilustra qual
Deus exista (SOBRINHO, 1994).

Jesus deu um valor salvífico ao Reino. Ele creu no Senhorio (Reino, Reinado) de
Deus que se aproximava. Creu que o reinado de Deus passava pela sua pessoa. Anunciá-
lo, por palavras, obras e até pela própria vida, foi sua missão. O que fez e disse foi em
função deste Senhorio.

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É importante perceber que Jesus anunciou que este Senhorio de Deus é salvífico.
E no exercício de sua missão, Jesus o comprovaria ao curar doentes de toda espécie, ao
perdoar pecadores, ao reconstituir a dignidade dos excluídos e discriminados, ao expulsar
os males e seus poderes diabólicos.

Por causa do Reinado de Deus que chegava, Jesus “restitui a vista aos cegos,
anuncia a libertação dos prisioneiros e o ano da graça do Senhor (cf. Lc 4,18ss). Porque
é salvador o Senhorio anunciado aos pobres, multiplica-se e se reparte o pão. As
“ovelhas perdidas” devem ser encontradas. Os pecadores precisam ser redimidos. As
crianças e mulheres passam a ser consideradas como iguais. Homens e mulheres são
companheiros.

O valor salvífico do Senhorio de Deus, segundo Jesus, cria a oportunidade para


todos poderem participar, como convidados do grande banquete do Rei, e, um dia, morar
nas muitas casas preparadas na casa do Pai. No Senhorio de Deus, que Jesus anuncia
por palavras e obras, não mais haverá tristeza, luto ou dor. Porque o Senhorio de Deus
é verdadeiramente salvador, Jesus não teme entregar sua vida “por todos”, inclusive
desejando ardentemente fazer a ceia de despedida com os seus amigos, porque Ele só
tornará a beber com eles o fruto da videira quando o Reino (salvífico) estiver implantado
definitivamente (cf. Lc 22,14ss e par.).

Jesus, o homem por nós

Pouco sabemos de toda da vida de Jesus; pouco de sua infância e praticamente


nada de sua adolescência, juventude e de sua vida adulta. Conhecemos, pelos Evangelhos,
sua vida pública, de uns dois ou três anos. Ela é expressivamente significativa e dela se
deve dizer: “Ele viveu fazendo o bem” (cf. At 10,38). Ele viveu para servir (Mc 10,45).
Esvaziou-se de si mesmo, de seus interesses e egoísmos para pôr-se a serviço dos outros.
Não lhe importaram a fama (cf. Mt 9,10-13), o dinheiro, a segurança pessoal (cf. Mt 8,20;
Lc 16,13). Não buscou para si o poder. Abriu mão da segurança de uma residência, do
auto-sustento, do conforto e, até da própria família. Inclusive da constituição de uma
família própria.

Fez de si um Homem livre para amar. Para pôr-se à disposição dos outros. Fez
sua vida em prol dos outros. Porque havia centrado sua vida em Deus, viveu
para os outros.

É do seu ensino que decorre a afirmação de 1Jo 4,20: “Quem diz que ama Deus,
mas esquece o irmão é mentiroso”. Jesus radicalizou seu amor por Deus e pelos outros.
Sua preocupação mais radical ainda foi o ser humano necessitado. Fez do seu, um amor
amplo que se tornou universal: amou a todos, a exemplo de seu e nosso Pai.

Frente aos outros, foi sincero e serviçal (Lc 22,27). Aproximou-se desinteressadamente
dos pobres, dos excluídos, dos doentes, dos perdidos. Buscou os pecadores, os desolados.
Acolheu os fracos e os impuros (cf. Mc 1,23-38; 40-45; 5,25-34). Defendeu o povo humilde e
explorado (Mc 6,34; Mt 9,36) e até oprimido pela religião (Mt 23,4).

Da sua relação com Deus, brotou um empenhativo amor pelos outros. Fatigou-
se para atender a todos. Foi solicito para com os que o procuravam. Procurou quem não
podia procurá-lo (por causa das discriminações legais). Sofreu e chorou com os sofredores.
Animou as amizades. Devolveu a auto-estima. Soube confiar até o extremo (mesmo da
traição). Criou novas formas de convivência. Descobriu princípios mais convincentes e
profundos na Lei e nos Profetas, não veio para mudá-los, mas para aperfeiçoá-los (Mt
5,17). Oportunizou novos vínculos de solidariedade para com o próximo (que era gente

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real, não objeto de discurso). Lembrou os mandamentos fundamentais do amor a Deus


e ao próximo. Como viveu para servir, deu o mandamento aos discípulos, que eles o
imitassem no serviço (cf. Jo 13,15).

Da sua relação com Deus, gerou forças libertadoras para os que o procuravam,
inclusive para os ricos que o convidavam para seus jantares (esnobes): em suas casas
também deveria entrar a salvação. Para isso, era preciso que eles nascessem de novo em
espírito e verdade (Jo 3,3).

Valorizou-lhes a fé (como a do oficial romano, pai da menina morta, Lc 7,9-10);


atendeu o jovem rico por quem depois se entristeceu (Mt 19,22; Mc 10,22). Desmascarou
as armadilhas, para que as “ovelhas perdidas da casa de Israel” também tivessem
oportunidade de retornarem ao bom caminho. Na aparente rejeição à própria mãe e aos
irmãos indicou o caminho mais nobre que “apenas” o de sangue e foi assim que sua mãe
se tornou discípula Dele (cf. Mt 12,50). De modo igual o texto sagrado fala de seu irmão
Tiago, que depois se tornou bispo de Jerusalém.

Como ensinara ao amor aos inimigos (cf. Mt 5,4ss), assim também viveu e
suplicou o perdão do Pai por aqueles que o crucificavam (cf. Lc 23,34).

Jesus, o homem por Deus e por nós

Foi Jesus verdadeiramente um ser da raça humana, como nós e se autocompreendeu


como humano a partir de Deus. Por isso exatamente viveu pela causa de Deus.

Ele existe por causa de Deus. Sua vida, por causa de Deus. Deus é seu centro.
Então o querer, o pensar e o agir de Jesus são discernidos a partir de Deus: “Vim para
fazer a tua vontade, o Pai” (cf. Jo 6,28); “não se faça a minha, mas a tua vontade” (Lc
22,42; Mc 14,36). O simbolismo da eleição do Pai no batismo e na transfiguração, além de
indicar o motivo da “eleição” divina, pode apontar outro sentido:

Jesus foi eleito porque se deixou (parece ser uma questão passiva) eleger. Se
assim é, é porque Ele se fez todo de Deus (questão ativa). Deus elege todo ser
humano para ser seu filho (no Filho, inclusive desde antes da criação – cf. Ef
3,3ss). Jesus, o nascido de mulher (Gl 4,4), Filho de Davi segundo a carne (Mt
9,27), compreende profundamente que a razão de seu ser era fazer a vontade
de Deus. Só a partir de Deus é que Ele se autoconcebe. Deus é seu único
Senhor. Fazer sua vontade é realizar-se de modo pleno como humano.
INFORMAÇÃO:
Reveja o conceito de “novo adão”
nos cadernos das disciplinas
de Antropologia teológica, nas
Como São Paulo afirma, Jesus é o ser humano novo, o novo Adão (etiológico e/ Unidades 3 e 5, e Introdução
Geral à Bíblia e História de
ou histórico). Israel. Deus antevia em Cristo
Jesus o ser humano perfeito,
por antonomásia. Assim, volte
Na verdade, Nele nós encontramos não só o “ser humano novo”, mas, o iniciador ao seu caderno de Antropologia
da humanidade nova. Nele temos a origem e o destino final do ser humano pessoal e Teológica e releia, na Unidade 3,
sobretudo, os tópicos 2, 3, 4 e 5.
coletivo. Nisto, Jesus humano-divino é o modelo e o exemplo da filiação divina.

É por isto, que o Vaticano II, na Gs, 22, ensina que só Ele nos revela quem
verdadeiramente somos. Por estar totalmente aberto a Deus, e isto faz a diferença entre
nós, Ele pode pôr-se a serviço dos homens e mulheres de seu tempo (Ele é de todos os
tempos), (cf. Mc 10,45).

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Se o povo de então se sentia atraído por Ele, procurando até tocá-lo para ser
curado, o ouvia por saber que Ele falava com autoridade e reconhecia Nele alguém vindo
de Deus. Porque percebia Nele alguém tão humano, se divisava, em sua pessoa, os traços
divinos que Deus sonhou para todo ser humano. Primogênito dentre os irmãos revelava
isto em sua vida toda dedicada a Deus, toda em favor dos irmãos. Enfim, era realmente
humano, mas de um modo diferente. Diferente por que foi verdadeiro e profundamente
humano.
INFORMAÇÃO:
Para você se aprofundar no Um teólogo alemão, H. Schürmann, caracterizando esta solidariedade de Jesus
assunto, confira o conceito de
Schürmann, que já é clássico em pelos outros, cunhou o termo “pró-existência”. Da vida totalmente voltada para o Pai, Jesus
cristologia, no respectivo verbete viveu o amor de Deus inesgotável para o ser humano. Ele fez-se livre para servir.
“pró-existência” do Dicionário
Crítico de Teologia, p. 1452, ou
em Hans. Kessler, op.cit. p.363/4. Jesus não apenas testemunhou o tão grande amor de Deus por nós, mas deu
o exemplo de viver por nós e para nós. Existiu para Deus e para nós. Mais que atos de
benevolência e/ou bondade, Ele viveu movido pela solidariedade radical, que não substitui
o outro, nem o limita. Mas, viveu para promover, elevar e dignificar o outro a ponto de dar
a vida por nós e por Deus.

Compreendendo-se como um ‘homem para os outros’ (pró-existente) Jesus


adquiriu progressivamente maior consciência de sua missão e de seu papel de mensageiro
do Senhorio de Deus. Foi descobrindo-se “Filho amado de Deus”. Por isto “deu a vida em
resgate de muitos” (cf. Mc 14,24; Mt 20,28).

Neste seu modo humano de viver, os primeiros cristãos da Palestina vão


descobrir o inaudito em Jesus: este Jesus, escolhido por Deus, é nosso salvador.
Por Ele atingiremos nossa realização humano-escatológica.

Os cristãos da América Latina, na sequência dos tempos atuais, o descobriram


como libertador dos oprimidos (e se vai descobrindo que Ele deve ser
libertador também dos opressores de todos os tipos, inclusive religiosos e
fundamentalistas).

Já na África negra, os cristãos o encontram como o “bem” e o grande


“Ancestral”, que cuida da vida, saúde e felicidade da comunidade; como o
“mestre da iniciação” a ensinar e introduzir os “menores” (iniciantes no radical
sentido da vida). Ainda os negros por toda parte o perceberam como o grande
discriminado.

Os cristãos provenientes do hinduísmo olham para este homem Jesus que olha
para eles e o reconhecem como o grande líder espiritual (guru) ou um grande
avatar, capaz de como Deus universal, encarnar-se para eliminar os males do
mundo e despertar a bondade por toda parte.

Para os indianos, vindos de grandes e permanentes sofrimentos, Jesus é Aquele


que é capaz de reconstituir a unidade do cosmo por causa de sua ressurreição
e dar o sentido pleno do amor abnegado, mesmo de dentro do sofrimento.

Para chineses, Jesus pode representar o amor dolorido de Deus, capaz de


reconciliar e redimir, por uma vida de bondade que leva à sempre maior
comunhão da humanidade inteira. As mulheres, especialmente na teologia
feminina, querem ver ressaltar em Jesus a antropologia integrativa do
INFORMAÇÃO:
O que você acabou de estudar masculino e do feminino de cada ser humano.
no quadro, pode ser aprofundado
com o auxilio de inúmeros Assim, outros homens e mulheres vão prolongando cristologicamente, pelos
livros e revistas. Indicamos tempos a fora, o significado que Jesus deu à sua vida: ‘vida pelos outros’.
alguns: KESSLER, Hans. op. cit.
340-347; BOURGEOIS, Henri.
Libertar Jesus. Cristologias
atuais. São Paulo: Loyola, 1989.

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A tão inaudita dedicação de Jesus por nós o levou a se tornar homem sem
pecado. Condiciona-se a si mesmo e a sua causa por Deus e pelos outros: não há espaço
para idolatrias, interesses próprios. Tudo Nele se torna de Deus e para Deus, por nós e
para nós.

Jesus é capaz de continuar um processo de auto-esvaziamento, sem se tornar


alienado ou alienante. Ele é senhor de sua vontade, de seu querer, de seu agir, de seu
saber (aprender) e de sua liberdade. De modo tão senhor de si, torna-se capaz de ser
todo de Deus e viver inteiramente por nós. Ele mesmo traduz deste modo o quanto Deus
é bom para com seus filhos e filhas, a ponto de se aproximar de todos para garantir a
incondicional salvação.

É por isto que se pode dizer: em tudo, Ele foi igual a nós, menos no pecado. Como
Deus não poderia pecar. Mas, como homem sim. Não pecou porque viveu inteiramente
para Deus e por nós. Todavia, foi tentado como nós o somos. Ninguém está isento da
tentação. Mas, todo ser humano pode também, como Jesus, não pecar porque se é livre.

Iluminados pela ressurreição, os apóstolos descobriram que Naquele que “vós


homens de Israel, matastes, crucificando-o pelas mãos dos ímpios, Deus o ressuscitou. Ele era
um homem provado por Deus diante de nós como milagres, prodígios e sinais” (cf. At 2,23).

Neste homem a Igreja descobriu não só o messias de Deus, mas Deus mesmo
entre nós, o Emanuel. No homem Jesus, a Igreja descobriu Deus encarnado.

“O homem Jesus de Nazaré revelou em sua humanidade tal grandeza e profundidade


que os Apóstolos e os que o conheceram, no final de um longo processo de
decifração, só puderam dizer: humano assim como Jesus só pode ser Deus mesmo.
E começaram então a chamá-lo de Deus “(BOFF, 1997, p. 193 ou 131).

Não foram os apóstolos, nem a Igreja que divinizaram o homem Jesus. Não o ATENÇÃO!
Vale salientar que neste estudo,
fizeram um deus, como procediam os romanos, os gregos e outros mais. Ao contrário
se deve ter presente não
descobriram que no Homem Jesus, Deus se fizera um de nós, por nós e para nós. Foram apenas a história dos dogmas
os apóstolos e a Igreja nascente que precisaram de novos critérios e conceitos para cristológicos, mas também, deve
estar aberto para compreender
compreender Jesus e o próprio Deus. o significado da Trindade Una
ou da Unidade Trina, que alguns
dizem: ‘Tri-unidade’. Este tema
será desenvolvido em outra
disciplina no decorrer do nosso

4 O DESTINO DE JESUS: A MORTE


curso.

Para muitos cristãos, a morte de Jesus, na cruz, para nos salvar de nossos
pecados é a razão última de Ele ter-se feito humano entre nós. Só pela cruz Ele seria o
nosso salvador. No entanto, esta reflexão (estaurologia), utilizada sobretudo no segundo
milênio, e a piedade popular deram uma importância tal que parece isto ser a verdade
plena e quase única.

Inúmeros teólogos centralizaram todos os estudos cristológicos por meio desta


ótica. Evidentemente a questão da morte de Jesus passou a ter novas interpretações.

Hoje, um número significativo de cristólogos tem preferido fazer seus estudos ATENÇÃO!
É importante que você neste
centrados no significado global da vida de Jesus, desde seu nascimento até a ressurreição. momento, retorne ao tema
Mas, isto é questão para outro momento de nosso estudo. E agora importa ver este grande estudado nas unidades bíblica
tema do destino de Jesus, detalhando as teologias de sua morte e ressurreição, que será e dogmática sobre a morte
de Jesus. Feito isto, retome o
analisado no próprio contexto do Verbo feito um de nós, para nossa salvação. O tema está estudo, porém, com uma ótica
localizado no todo da vida de Jesus. mais abrangente, como resposta
para o nosso tempo.

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No decorrer da história teológica, foram elaboradas diversas teorias sobre a


morte de Jesus. Todas elas procuraram fundamentar a fé daqueles que o buscaram, nas
circunstâncias de tempo e espaço em que viveram.

A morte de Jesus, na grande tradição eclesial

Muitos cristãos creem que o Verbo eterno se fez humano para morrer na cruz,
a fim de reparar a tão grande ofensa feita a Deus por nossos pecados. Só um ser perfeito
(na verdade, o próprio Filho de Deus) poderia satisfazer, por nós, a ira divina (teoria da
satisfação, cujo autor mais importante é Santo Anselmo).

Outros cristãos pensam que a morte de Jesus tornou-se um mérito nosso junto
a Deus também para conquistar o preço do perdão (teoria do mérito). Fundamentados
na Bíblia, outros preferem enfatizar a morte de Jesus como um sacrifício pelos nossos
pecados. Um sacrifício que poderia selar a aliança nova e definitiva dos homens e Deus (A
ênfase na eucaristia traz esta ideia muito viva).

Contudo, o sacrifício de Cristo poderia ser entendido em vista da expiação


de nossos pecados (ideia forte de corrente da Epistola aos Hebreus). Ainda poderia
ser o sacrifício do Servo sofredor, que carrega os pecados do mundo e cujo sangue era
derramado por muitos (teoria do sacrifício). Finalmente um quarto grupo de cristãos dá
valor à ação de Deus, que por meio da morte de Jesus nos resgata, nos redime de nossos
pecados (teoria do resgate).

As duas primeiras (teoria da satisfação e do mérito) são grandes explicações


que alimentaram a fé dos cristãos a partir de interpretações teológicas. As outras duas (do
mérito e do sacrifício) também marcam a fé cristã e tem seu fundamento, especialmente
na tradição bíblica.

Estas teorias têm grande valor para interpretar a ação salvifica de Jesus. Elas
podem ser estudadas em muitos textos e livros, como se indicará ao final desta unidade.
É importante ressaltar: elas têm sua validade ainda hoje; porém, são encontrados muitos
limites nelas – que não podem ser ignorados.

Todas elas enfatizam a morte na cruz, por causa do pecado, o que não deixa
de ter sua verdade. Elas, porém tem o limite de perceber o significado de vida de Jesus,
apenas em sua morte. Ele existiu por causa dos pecados a serem redimidos pela sua
morte. Hoje, também, continua-se percebendo a riqueza de cada uma delas. Nota-se,
porém, que elas devem ser assumidas de modo conjunto e não isolado para manterem a
validade global, mesmo que ainda limitadamente.

Elas foram importantes nos séculos passados e alimentaram a fé cristã.


Hoje, influenciadas, por novos estudos bíblicos (e até históricos); elas não têm todas
as possibilidades interpretativas bíblicas e, sobretudo, não são tão convincentes para os
tempos atuais.

Tomadas isoladamente, estas teorias fazem aparecer, de modo indireto, Deus


como alguém (um grande senhor feudal ofendido) que exige a reparação das ofensas
contra Ele. É necessário que alguém satisfaça tal exigência ou conquiste méritos diante
Dele, movendo seu coração para o perdão.

Vencendo a piedade popular medieval, que enfatizava o medo, o sofrimento


e pecado, consegue-se, hoje, fazer uma leitura bíblica mais global. E desta leitura se
compreende o significado da cruz como resposta de amor de Jesus e, mais amplamente o
significado da cruz no contexto de toda a vida de Jesus para a nossa salvação.

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Aqui, de modo algum, se quer negar o valor salvífico da morte de Jesus na cruz.
Apenas está se chamando atenção critica para a insuficiência das teorias históricas e/ou
da não exclusividade das duas predominantes teorias bíblicas.

Desde Tertuliano, em linha oposta a Irineu de Lion, começa gradativamente


a passar para o centro da sotereologia a questão do pecado e do perdão. Daí, ainda o
atual significado da centralidade na cruz (e a quase eliminação de outros significados
soteriológicos). A cruz e o pecado pareceram ser o sentido e a razão da encarnação.
Todavia, a cristologia atual, inclusive por influência do Vaticano II, tem reencontrado
outros significados, que estavam latentes nos textos bíblicos, tanto para a encarnação
quanto para a cruz.

É fato de que pela cruz se estabelece a redenção dos pecados (a salvação em


sentido positivo vai mais além do que esta positiva realidade negativa). A cruz é sinal do
amor e doação tanto de Jesus quanto da Trindade.

Mas, era ela necessária? Santo Tomás já respondeu a questão: não se trata de
uma possibilidade. Ela é o fato, a realidade. Poder-se-ia perguntar então: ela foi querida
por Deus e buscada por Jesus? E a resposta absoluta é: “não”.

A cruz é uma consequência de atos humanos, de modo imediato dos chefes


romanos, instigados pelos líderes judeus de então. A decisão da morte na cruz, sócio-
politicamente e consequência dos conflitos decorrentes da pregação de Jesus, da rejeição
humana (de todos os tempos) à sua mensagem e da condenação política e religiosa.
Desde a perspectiva judaica, podem-se inferir duas situações imediatas: a desautorização
da pretensão de Jesus (maldito todo aquele que pende na cruz), e a eliminação de mais
um profeta.

Os textos neotestamentários apresentam diversas teologias da crucifixão e morte,


como as citadas anteriormente. A tradição de produzir novas explicações, sem contrariar o
texto bíblico, tem sido a rica experiência da Igreja, para responder, na fidelidade a fé, às
questões humano-religiosas nos diversos tempos. É por isto que a cristologia se torna um
conhecimento dinâmico. Ela atualiza a fé circunstanciada.

Agora, vamos aprofundar as quatro teorias mais significativas da tradição da


Igreja sobre a morte de Jesus:

a) teoria do sacrifício;

b) teoria da redenção e resgate;

c) teoria da satisfação;

d) teoria do mérito.

Teorias bíblicas

Teoria do sacrifício

A ideia de sacrifício e da vitimização sacrificial estava presente no povo hebreu,


tanto do AT quanto do NT Ela expressa, sobretudo, a fé em Deus. Oferecia-se a Deus
uma vítima para sacrifícios de aliança, de holocausto, de expiação pelos pecados ou de
louvação.

O sacrifício, nas diversas representações, teve como intenção a vontade de


entrar ou de permanecer em comunhão com Deus, render-lhe graças, pedir perdão
ou louvá-lo. O sacrifício era também celebrado como memória atualizante dos gestos
passados. Ele assegurava a certeza da presença perene de Deus e de sua assistência

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divina junto ao povo. Também por meio do sangue da vítima se julgava aplacar (ainda que
provisoriamente) a ira de Deus, ferida pela maldade humana. Inocente era a vítima a ser
sacrificada pelo pecador, apesar de que Deus, por meio dos profetas, insistia na pureza de
coração, na hombridade dos atos pessoais: corações puros! Os cânticos isaianos do Servo
sofredor expressam bem o significado do sacrifício. Sua teologia se torna clara, sobretudo,
no texto de Is 53.

No caso da morte de Jesus, o sangue derramado “por nós homens e pela nossa
salvação” como iniciativa de amor de Jesus em oferta ao Pai, tornou-se, em realidade, o dom
supremo do Pai à humanidade (cf. Rm 3,24-26). Seu valor implica no oferecimento de nossas
vidas, como sacrifício vivo, santo e aceito por Deus (Rm 12,1), em favor dos irmãos.

A morte de Cristo é, ao mesmo tempo, sacrifício e expiação, pois o ser humano


é incapaz de reparar, por si só seu pecado. Não pode satisfazer a justiça divina ultrajada.
Só Cristo, pode fazer isto de modo pleno e eficaz. Ele substitui os homens.

O mundo bíblico estava baseado na cultura de sacrifícios cruentos e expiatórios,


e na cultura romana, com base às questões legais de justiça. A morte de Jesus recebe a
interpretação teológica adequada da teoria do sacrifício.

Mais profundamente, porém, no existir humano, o sacrifício evidencia a ideia de


doação de si mesmo, a ponto de morrer doando sua vida por nós.

A válida ideia de outrora evidencia hoje um limite no aspecto vindicativo e


cruento, por não se coadunar com a bondade de Deus. O valor da ideia também contém um
limite: seja por ignorar a misericórdia de Deus seja por não levar em conta a ressurreição
de Jesus.

Teoria da redenção ou do resgate

A teoria da redenção ou do resgate também é bíblica como a anterior. Estava


ligada à ideia de escravatura e libertação. Para alforriar um escravo era preciso pagar seu
preço. Seguindo a lei do AT o parente mais próximo do “escravizado” tinha a obrigação de
pagar seu resgate, redimindo-o.

Cristo é o parente mais próximo do ser humano, que está escravizado pelo seu
pecado. Só Cristo é livre, porque vem de Deus, e por isto pode pagar o preço devido. Aliás,
o próprio Jesus se apresentou como resgatador e libertador (cf. Mc 10,45; Mt 20,28). Isto
também fica claro nos textos de 1Tm 2,5-6; Tt 2,14.

Os textos de Gl 3,12; 4,5; 1Cor 6,20; 7,22-23; Ap 5,9-10; 14,3-4, falam de


pagar o resgate a quem Deus deveria nosso preço (é daí que surge a “teoria do direito
do demônio”). O resgate se estabelece entre Deus e o demônio numa situação salvífica
supra-histórica. A morte de Jesus seria a preço da reaquisição da liberdade humana.
Todavia, na história, o homem permanece sempre em situação de risco e da perda da
liberdade. Isto, hoje, dificulta a plena aceitação da teoria.

Teorias teológicas

Teoria da satisfação
ATENÇÂO: Este tema já foi comentado anteriormente ao se falar da cristologia de São
Volte e releia o texto na Unidade
1, item2, para perceber melhor o Anselmo.
sentido desta teoria.
Se o homem ofendeu gravemente a Deus, é necessário que Deus se faça
humano para poder reparar de modo infinito a ofensa feita. Cristo, em nosso lugar (daqui
vai surgir a teoria da satisfação vicária). É o único capaz de satisfazer adequadamente

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Deus ofendido. A pena do pecado é o sofrimento e a morte de cruz. Deus castiga o Cristo,
que morre por nós – em vista do nosso pecado – e assim a justiça divina é recomposta.
Fomos curados graças ao seu sacrifício e à sua morte na cruz.

Esta teoria, hoje, deixa de ter tanto valor, mesmo num ordenamento jurídico,
por enfatizar um mecanismo atroz de pagamento do mal por outra situação maldosa. Isto
não se harmoniza nem com a experiência humana de Jesus e nem com nossa experiência
diante de Deus. Entretanto, a teoria mantém seu significado permanente à medida que
se descobre a solidariedade de Cristo por nós, a ponto de dar sua vida em busca da mais
completa fidelidade ao Pai.

Teoria do mérito

A morte de Jesus obtém, alcança, para nós, não só o perdão dos nossos
pecados, mas também restaura a ordem perturbada pelo mal. A morte cancela, destrói, a
desordem do pecado e nos garante a renovação da ordem perdida, abrindo a possibilidade
da ressurreição, da vida nova. Deus aceita, como radical adesão humana à sua vontade
divina, a santidade de vida nossa vivida mesmo na dor e no extremo da morte de seu
PARA VOCÊ REFLETIR:
Filho, que nos “merece” assim a salvação. Se “adão” criara seu deus, seu ídolo, fazendo
Você poderá aprofundar estas
exatamente o contrário da vontade divina, agora, Cristo o recupera em amor tão grande, teorias, lendo entre, outros
assumindo a morte na cruz, e obtém, “merece”, obtem o perdão dos pecados e a salvação textos, BOFF, L. Paixão de cristo,
paixão do mundo. Petrópolis:
para todos. Vozes, 1977, p. 108-126 e
SERENTHA, M. Jesus Cristo,
ontem, hoje e sempre. Ensaio de
Estas quatro teorias, que predominaram e predominam na teologia e na vida cristologia. São Paulo: Salesiana,
da Igreja, nem sempre são “convincentes” na atualidade para muitos cristãos. 1986, p. 425-444.

Vários teólgos tem proposto novas interpretações.

Iremos enfatizar aqui apenas duas razões teológicas, a partir do pressuposto


sotereológico da cruz e não toda a sotereologia da encarnação do Homem Deus.

Teoria da entrega ou da solidariedade.

A teologia da entrega, também compreendida como solidariedade, é uma das


interpretações mais fortes, na cristologia atual. Ela predomina em autores como: Karl
Rahner, Christian Duquoc, Edward Schillebeeckx e Jon Sobrinho.

A morte de Jesus só tem significado mediante sua relação de Jesus com Deus
INFORMAÇÃO:
e conosco. Nesta relação surge uma teologia da entrega ou da solidariedade, (significado Para aprofundar nossos estudos
antropológico), que foi o modo de Jesus viver e entender sua morte: A “entrega Dele por leia os textos: Mc 9,31; 10,33-
34; 14,41; 15,1.15; Mt 20,28;
Deus e por nos” é uma questão muito presente nos evangelhos. Lc 22,27; Jo 10,17. Pesquise
também em outros textos
neotestamentários como: Gl 1,4;
O próprio Jesus indica que o Filho do Homem vai ser entregue às mãos do
2,20; Ef 5,2.25; Tt 2,14; 1Tm 2,6.
Sinédrio, dos pagãos. Ele será escarnecido, flagelado e morto (cf. Mc 14,41). Ele viveu a
condenação e a morte como auto-entrega a Deus e a todos os homens, como consequência
de sua vida terrena (pro-existência). Jesus deixou-se levar de mão em mão: traído por
Judas é entregue aos soldados, que o entregam aos sumos sacerdotes, que o entregam
ao Sinédrio, que o entrega a Pilatos e Herodes, que o entregam aos soldados para o
crucificarem.

Abandonado por todos (incluídos aqueles a quem dedicara sua vida), e em sua
extrema solidão, Jesus entrega, num grito lancinante, seu “ruah” ao Pai (cf. Lc 23,46; Jo
19,30). Paulo, interpretando, para sua comunidade, sintetiza: “Minha vida presente na
carne, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por
mim” (Gl 2,20; cf. Ef 5,2.25; Tt 2,14).

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A entrega de Jesus, pelos sofredores e pecadores, na condenação e na cruz, é


um adentrar-se na extrema miséria humana, com todas as consequências perversas e
diabólicas. Jesus sofre e morre pelos homens e mulheres oprimidos e sofredores de todos
os tempos. Sua entrega também nas mãos dos opressores e inimigos (de Deus e dos
irmãos) é também um gesto de solidariedade radical (Ele não apelou à violência) em favor
daqueles que são vítimas de seus próprios pecados, para permitir-lhes que se afastem do
mal que fazem e se reconciliem com Deus (cf. Mt 23,33).

Na paixão e morte, o significado da pro-existência de Jesus se torna translúcido


porque Ele entrega sua vida pelos que sofrem, pelos que são excluídos. Também a entrega,
pelos opressores e injustiçadores. O paradoxo não é ambiguidade, mas um profundo ato
salvifico, cujo significado não se dá nas estruturas humanas. Só um homem-Deus poderia
agir assim.

Significado da entrega
Nesta teologia da entrega ou da solidariedade descobre-se um segundo aspecto:
o significado teológico. Deus mesmo entregou seu Filho único. Deus o entregou ao mundo
para salvar o mundo. Não poupou o próprio Filho, para evidenciar o quanto nos ama
(cf. Rm 4,25; 8,22; Jo 3,16s; Rm 8,31s). No Filho, é Deus mesmo que se entrega aos
pecadores e às vitimas do pecado. Deus se entrega no seu Filho, não por uma prepotência
divina sobre o Filho, mas enquanto este radicaliza, como seu, o querer do Pai. Nem sua
vida, nem sua morte lhe pertencem; elas pertencem ao Pai.

Deus, ao mesmo tempo, se entrega pelo Filho às mãos dos pecadores, para que
estes consumam sua obra perversa. Sem os pecadores perceberem é, desde dentro da
morte e do pecado, que Deus vai lhes redimir. A fé cristã professa que um da Trindade
morreu na cruz. Jesus crucificado é a Segunda Pessoa da Trindade. Na morte do Verbo
encarnado, Deus entra em contato com o sofrimento sem se deixar sucumbir por ela
(Jesus é ressuscitado pelo Pai, que destrói a morte). Por esta entrega, Deus nos redime
da nossa morte.

Sofrendo a morte de Jesus, em si mesmo, Deus se põe em contato inseparável


e inalienável com o mais perdido pecador para redimi-lo.

Nesta radicalidade da morte, Deus se revela quem é: Ele é amor (1Jo 4,8). É
aquele que ama o ser humano, numa entrega total para que ninguém se perca (cf. Jo 3,16).
Deus é Jesus e Jesus é Deus. Nesta identificação profunda e absoluta, compreende-se a
relação exclusiva entre Deus e o homem Jesus, como Aquele que viveu por nós e para nós.
Esta entrega à morte para vencê-la por nós e para nós, significa a autocomunicação de Deus
para o “não-Deus” (o ser humano) de modo a atingir à plenitude na ressurreição do Filho.

Esta entrega resume o significado do ensino de Jesus, que antes de ser uma
dimensão ética, é teológica: “Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la. E quem perder
a sua vida, a salvará” (Jo 12,25).

Teoria da representação

A teologia da entrega, também compreendida como solidariedade, constitui, ao


lado da categoria representação, uma das interpretações mais fortes, na cristologia atual.
Ela predomina em autores como: Karl Rahner, Christian Duquoc, Edward Schillebeeckx e
Jon Sobrinho.

É importante ressaltar no tocante à morte de Jesus a expressão: “por nós”. “por


muitos”, “por vós” (cf. Mc 14,14; Mt 26,28; 1Cor 11,24; Lc 22,19; Jo 6,51). J. Jeremias
afirma que tal conteúdo (pro, por) tem tanto o sentido de “em favor de”, mas também “no
lugar de” (representação vicária).

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Sua entrega à morte é um serviço da libertação nossa frente a todos os tentáculos


do pecado, das opressões e da morte. É também uma entrega no lugar dos pecadores,
necessitados e até dos inimigos e opressores. Neste sentido, pode-se, antes de leitura
ética, compreender o texto de Lc 6, 27,35, como teológico e aplicá-lo ao sentido da morte
de Jesus. Sua morte manifesta, de modo radical, o seu amor pró-existentemente.

Jesus morre não apenas em favor de nós, mas também em nosso lugar.
Esta teologia tradicional, que mantém uma proveniência jurídica, tem sido
renovada em grandes teólogos atuais: Wolfgang Pannemberg, Walter Kasper,
Urs Von Balthazar, Joseph Ratzinger, entre outros.

A morte de Jesus como representação de um por muitos; não livra nem substitui
a morte dos outros e muito menos a responsabilidade pessoal de cada um. Ela significa:

a) a libertação fundamental que Jesus produz no sentido de abrir as


possibilidades de, doravante, vencer as escravidões humanas (o mal, o
pecado e a morte);

b) criar a possibilidade de uma vida nova em Deus.

Jesus é o iniciador e condutor de uma nova humanidade, como “primogênito


dentre muitos irmãos e irmãs (cf. Rm 8,29). A nova e verdadeira humanidade (o novo
Adão) é marcada, com o sangue de Cristo e não mais com o sangue do “velho Adão”. Se
antes, o homem “velho” olhou para si, agora o “homem novo” é capaz de se esquecer de
si, para fazer sua a vontade do Pai, e dar a vida para salvar os que o Pai lhe dera, pois
nenhum pode se perder (cf. Jo 6,37-39). Jesus assume a missão confiada pelo Pai, com
a dedicação extrema até a morte. E esta fidelidade o faz apresentar-se diante do Pai em
nome de todos.

Se na teologia da entrega, há dois níveis ou significados:

a) a entrega de Jesus Cristo por nós (significado antropológico);

b) a entrega de Deus em Jesus (significado teológico).

Aqui, na teologia da representação também há dois planos ou significados.


O primeiro plano, antropológico,que é o mais fundamental, Jesus poder apresentar-se
diante do Pai como todo o amor humano possível, até a morte, pela causa de Deus.

Um dentre nós amou tanto a Deus quanto os seus irmãos, que se tornou capaz
de representar, em si mesmo, toda a possibilidade humana de amor a Deus
sobre todas as coisas, com todo entendimento, com todas as forças, de todo
o coração (cf. Lc 10,27). Um dentre nós foi capaz de transcender-se a ponto
de dar a vida para fazer a vontade de Deus (a de não perder de nenhum dos
irmãos).

Se “Ele se entregou por mim” como diz São Paulo (Gl 2,20), oferecido por Deus
a nós, também o caminho inverso ocorre. Nas atitudes deste filho da humanidade, nascido
de mulher sob a Lei (cf. Gl 4,4), foi feita, não a vontade de Adão (cf. Gn 3,6; Lc 22,42),
mas a do Pai (significado antropológico).

Visto que em sua vida e sua morte, Jesus é o ser humano verdadeiro que
corresponde inteiramente a Deus, sendo, portanto, em seu relacionamento
com Deus e os outros, o protótipo do ser humano, como tal, Ele representa
em si todos os demais seres humanos, não como eles sempre são, mas como

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ainda deverão tornar-se; afinal, todos deverão conformar-se à sua imagem, e


deverão fazê-lo através da comunhão com Ele “ por meio Dele”, “em” e “com
Cristo”. (KESSLER, op. cit. p. 380).

A morte de Jesus é, então, a possibilidade de Deus crer realmente no homem


e a possibilidade do homem encontrar em Jesus, como diz Ratzinger, a “representação
afiançadora”, que afirma Jesus como garante da possibilidade de o homem voltar a Deus,
entregar-se a Ele e recompor a aliança agora tornada definitiva pelo sangue na cruz. A
morte de Jesus vence o pecado e seus poderes escravizantes, inclusive o amedrontamento
da ira de Deus, e por Ele possibilitar, não substituir a própria entrega de cada um a Deus.

O sacrifício de Jesus “pelos pecados do mundo inteiro (1Jo 2,2) é a mais pura
representação do amor humano a Deus. A oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada
uma só vez por todas”, na cruz (cf. Heb 10,5-10), não apenas nos santifica, mas também
nos apresenta como hóstias vivas de suave odor ao Pai (cf. Ef 5,2).

Amando-nos até o fim, dando a vida por nós, seus amigos, fazendo-se um
conosco, Ele se torna nosso representante junto ao Pai. Pois é seu desejo que onde Ele
estiver, nós estejamos com Ele. “Ele uniu a si, de certo modo, todo homem” (Gs 22,2).
Deu assim a todos a possibilidade de se associarem ao seu Mistério Pascal (cf. Gs 22,5).
Chama os seus a tomarem suas cruzes e O seguirem (cf. Mc 10,39), dando-lhes o exemplo
para que sigam os seus passos (cf. 1Pe 2,21).

No outro plano, se encontra o significado teológico. Deus aceitou o sacrifício único


de Jesus como prova do amor humano. Deus nos vê pelo seu Filho, que é o nosso irmão. E
quem poderia melhor representar o ser humano diante de Deus, senão o Homem Jesus?

A cruz de Jesus não é o significado da quantidade de dor, mas a expressão


maior da dedicação humana a Deus. Nela, o ser humano não precisa mais
oferecer a Deus cultos e sacrifícios, sangue de animais ou bodes. Na cruz, não
é oferecido nada de tudo quanto pertence a Deus. Nela, só é oferecido o que
é próprio do homem: sua liberdade.

A cruz torna-se, pois, a radical e inaudita oferta de liberdade humana, em sua


capacidade máxima de amar a Deus. Porque a oferta (entrega) de Jesus na cruz ao
Pai é uma ação humana de amor, que resposta pode Deus lhe dar senão também em
amor? Deus só pode mesmo recriar a humanidade e o cosmo, começando tudo de novo,
e ressuscitar seu Filho. E torná-lo primogênito dos mortos.

Sem a cruz de Jesus deixa de ser um movimento primeiro de cima para baixo,
como diz Ratzinger (cf. Introdução ao cristianismo, p. 209). É nela que o Pai reencontra
o velho e o novo Adão e os chama de volta ao paraíso. Jesus sintetiza em si a realidade
humana (fizera-se até pecado por nós (cf. 2Cor 5,21) e era o Filho amado do Pai (cf. Mt
3,17; Mc 9,7). Numa síntese feliz, H. Kessler afirma:

Justamente em sua morte Ele representa, por isto, os muitos e os faz, através
do efeito ‘multiplicador’ da graça (2Cor 4,15), partícipes de sua própria justiça
de Deus (5,21). Esse, um ser humano, representa o lugar de Deus junto a todos
os seres humanos e o lugar destes junto a Deus; ao invés de nos substituir,
Ele mantém esse lugar permanentemente aberto para nós e nos introduz em
sua própria atitude interior. A representação de Jesus contém, assim, um
movimento exclusivo (que cabe unicamente a Jesus) e um inclusivo (que inclui
e convida os outros)”. (KESSLER, op. cit., p. 380/1).

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Inúmeras outras ideias e teorias foram apresentadas, mesmo recentemente,


sobre a morte de Jesus.

Assim, resumidamente temos quatro planos:

a) Histórico:
• condenado politicamente, por desacato ao Estado Romano (subversão) e
messianismo/pretensão de realeza;
• religiosamente, a questão do “sábado”;
• a pretensão de filiação divina.

b) Bíblico:
• Morte como sacrifício, redenção (resgate);
• Figura do servo sofredor, profeta mártir escatológico.

c) Teológico:
• Deus o fez pecado por causa de nós;
• Como satisfação a Deus;
• Como mérito por nós junto a Deus;
• Por solidariedade e representação.

d) Sotereológico:
• para o perdão dos pecados (dimensão negativa);
• para nossa salvação (dimensão positiva).

Há uma imensa gama de interpretações. Todas elas têm (ou tiveram) sua
validade. Não há uma que seja suficientemente globalizante. Sempre são pontos de vistas
que podem partir de universos sócio-culturais, religiosos ou teológicos diversos.

As explicações teológicas, como as outras, estão condicionadas ao tempo e


às culturas. Elas não podem ignorar as de dimensão bíblica (morte como sacrifício e
como resgate). Impuseram-se historicamente duas grandes teses teologias (satisfação
e mérito). Na atualidade, aparecem dois enfoques predominantes: o da entrega (ou da
solidariedade) e o da representação.

Contudo, o grande significado da morte de Jesus só pode ser compreendido a


partir da dimensão sotereológica. Mesmo que ela tenha sido compreendida, no passado,
prioritariamente como salvação e/ou redenção dos pecados; hoje se tende a perceber o
caráter redentor da morte pelos pecados.

Hoje, há uma forte ênfase em compreender toda a vida encarnada de Jesus Cristo
(não apenas sua morte), como ação sotereológica (salvifica). Particularmente, são postas duas
questões sobre a morte: o aspecto redentor dos pecados da humanidade e a solidariedade
representativa de Jesus (um amor pró-existente: por Deus e por nós, homens).

5 O RESSUSCITADO: AUTORREVELAÇÃO DE DEUS E DO


HOMEM
No início do século 20, os manuais de cristologia mal acenavam à questão da
ressurreição. O tema não merecia mais que umas linhas, em complementação à morte
do Senhor. A ressurreição era tomada como um fato que dizia respeito praticamente só à
pessoa de Jesus, sem nenhuma incidência para a humanidade toda.

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Desde a metade do século passado, a partir da obra do francês François Durwell


“A ressurreição de Jesus, mistério da salvação” (1950), redescobriu-se a importância do
tema para a fé.

Você terá, agora, uma oportunidade de aprofundar a reflexão cristológica sobre


a ressurreição de Jesus. Inicialmente encontrará, no texto, algumas questões que ajudam
a dirimir alguns pontos para assim facilitar o entendimento desta maravilha divina, que
não apenas continua a obra da criação, mas a re-cria e a leva a sua plenitude.

Lembre-se que sem a ressurreição a nossa fé é vã, como já dizia São Paulo.

Diante do tema fundamental da cristologia, a ressurreição, devemos logo no


início, eliminar algumas dúvidas e o faremos de modo incisivo:

a) A Igreja crê que Deus ressuscitou o crucificado. E o fez:


• para desautorizar a rejeição e a condenação infligida pelos homens;
• para evidenciar que a plenitude da vida só se encontra em Deus mesmo.

b) A ressurreição de Jesus é um acontecimento escatológico, com incidência


histórica. Portanto, não pode ser comprovado cientificamente e não existe
ATENÇÃO!
Vale lembrar que, reencarnação,
nenhum outro caso conhecido na história. A ressurreição de Jesus não é
reanimação de cadáver ou como a de Lazaro (este voltou a viver esta vida terrena e depois morreu
“experiência de morte” em nada novamente).
tem a ver com a ressurreição.

O NT não responde como era o corpo do ressuscitado. Limita-se a dizer que


o ressuscitado era Aquele Jesus que convivera com eles. Ninguém viu o momento da
INFORMAÇÃO: ressurreição, mas todos os que viram o ressuscitado sabiam (não só criam) que Ele era
A ciência só pode constatar
a reação dos apóstolos e Aquele que vivera com eles e morrera crucificado.
suas consequências (por
causa da ressurreição). Não é
competência científica pesquisar
Os textos bíblicos sobre a ressurreição e as aparições, escritos em tempos
a ressurreição. Ela é um fato diferentes, por evangelistas com objetivos diferentes, nem sempre se manifestam de
escatológico, não empiricamente acordo nos detalhes. Isto não é sinal de contradição ou desautorização dos fatos, mas
verificável.
experiências tão inauditas e surpreendentes que nem sempre os detalhes são importantes,
como por exemplo: número de aparições e a quem, terceiro dia vazio, peixe assado etc.

A realidade do ressuscitado é nova e inaudita. São Paulo escreve que o


corpo biológico (animal) se transforma em corpo espiritual. Não é des-encarnação ou
i-materialização, mas corpo possuído pelo Espírito de Deus (cf. 2Cor 3,17). Não é vida
histórica (1Cor 15,45), mas é vida vivificada e vivificante. É vida não mais para si, mas
vida aberta como comunhão com Deus, com os outros e com o cosmo (mundo). É vida
espiritual.

Quando, se escreve nos evangelhos que Jesus “pegou” o pão, e o “comeu”,


mostrou “as chagas”, “atravessou” paredes, “subiu” ao céu, “falou” etc. quer se afirmar a
concretude da identidade do ressuscitado, levando em conta a experiência dos ouvintes
do evangelho e sua capacidade de compreensão, Isto aparece principalmente nos textos
de Lucas, que escreve para os gentios e judeus helenizados. Os relatos da ressurreição,
com ênfase na questão corporal, pretendem, sobretudo afirmar que o ressuscitado é o
mesmo crucificado, em sua totalidade, superando a dicotomia grega de corpo e alma:
quem ressuscitou foi o Nazareno em sua totalidade agora espiritual.

Se quando nasce de um ovo, um passarinho ou, de uma semente, uma planta,


quem fica valorizando a casca do ovo ou da semente? O que passa a ter importância é a
nova vida. Assim, também procede o NT sem se ater ao como era o novo corpo. Mas, e

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se encontrassem o corpo de Jesus, dois mil anos depois? A nossa fé não se baseia num
cadáver morto, mas na realidade escatológica aceita pela fé.

Portanto, a aceitação da ressurreição é um ato de fé religiosa (não é comprovação


nem cientifica). Ela é uma realidade escatológica. E isto é o fundamento da fé cristã e da
cristologia.

A “ressurreição de Jesus” não é uma ideia absurda. Nela, e para além dela, os
cristãos encontram a explicação, racional e razoável, para os profundos anseios humanos.
Eles afirmam: “o ser humano existe a caminho da plenitude da vida humana, que só se
realiza em Deus, ao poder vê-lo face a face, sem nunca mais morrer”.

A ressurreição de Jesus tem a ver com o futuro, mas já é vivido na fé, hoje. Por
isto o modo de viver Dele é algo desconhecido para nós: sabermos, no entanto que Ele
mantém a integralidade de sujeito humano, vivendo junto de Deus e como Deus.

Jesus ‘crucificado ressuscitado’ é quem tomou a iniciativa de se fazer ver. Suas


aparições não são manipulações ou visões. Elas não dependem do ser humano.

Foi, fundamentados na ressurreição, que os apóstolos atemorizados diante


do fracasso e escândalo da cruz, compreenderam o sentido global da ação de Deus (a
ressurreição de Jesus) e destemidamente reabilitaram a causa e a pretensão de Jesus. A
comprovação disto está na presença do cristianismo, com sua contribuição, até hoje, por
toda a parte do planeta.

Depois destas questões preliminares, com caráter apologético, é preciso


aprofundar o significado teológico da fé na ressurreição. É importante ressaltar desde
o início, que seu caráter é singular, único, inaudito e inusitado. Nenhuma outra religião
apresenta esta ideia, ou melhor, este acontecimento real, de dimensão escatológica,
porém.

A fé pascal é uma atitude pessoal do cristão baseada em suas próprias


experiências (como o foi a dos apóstolos), mas fundamentada na tradição cristã, cuja
origem está no relato bíblico do encontro dos apóstolos com o ressuscitado. A fé pascal
não é só um ato de crer no que os outros (especialmente os apóstolos) disseram.

Cada crente refaz, em seu coração, a experiência imediata do encontro com o


Ressuscitado. Crê Nele como seu Senhor que está vivo e exaltado pelo Pai e é
seu único salvador. A fé, que leva à experiência pascal, inclui a experiência de
salvação (que pressupõe a graça do perdão) e a experiência de eternidade.

Ela inclui crer que, no ‘crucificado ressuscitado’ Deus salvou definitivamente o


ser humano, particularmente Jesus. Ele é a antecipação de nossa salvação. O Pai levou
Jesus à consumação (cf. Heb 5,9), cuja sequência lógica e de conteúdo encontramos nos
resumos dos discursos de Pedro (kerigma da fé, cf. At 2,22-36; Heb 12-26; 4,9-12; 10,34-
43), nas epístolas (Rm 8,34s; Ef 1,22-23; 1Pd 3,18-22) e nos “Credos” da Igreja.

A fé pascal crê neste Jesus que passou pelo mundo fazendo o bem (At 10,38),
que Deus estava Nele e com Ele, reconciliando consigo o mundo (2Cor 5,18), que Nele Deus
esteve (e está) conosco (Emanuel, Mt 1,23). Ela crê que Ele nos revelou o Pai (cf. Jo 1,18)
e foi constituído para a nossa salvação. Crê-se que, por Ele, Deus reinicia a humanidade
e o cosmo de modo definitivo e último para a plenificação. E se crê, finalmente, por sua

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ressurreição, Deus nos deu o Espírito Santificador o que nos conduzirá à nossa plenitude
humana: viver em Deus.

A fé pascal, contudo, tem uma implicação radical, que, aliás, decorre das
próprias aparições do ressuscitado. É frequente esquecer que todas as
aparições estão vinculadas ao mandato missionário.

Na medida que cristologia e sotereologia foram se distanciando, também ficava


mais patente o esquecimento do sentido das aparições do ressuscitado. Jesus não apareceu
como que para dizer “ressuscitei”, mas para apelar à continuidade de sua causa, que era
(é) a causa do Pai: “ide e pregai o Evangelho. Ensinai e batizai, fazei discípulos” (cf. Mc
15,15s; Mt 28,19ss).

A missão é continuar o processo de antecipação histórica do Senhorio salvífico de


Deus, sobretudo pelo testemunho. É preciso refletir: a ressurreição, a nossa vida histórica
, fazem sentido no cumprimento do mandato missionário, pois em Jesus, Deus reconcilia
o mundo (Mc 16,16-20).

A intencionalidade missionária das aparições indica também a dimensão


comunitária da ressurreição. Quem a recebe deve comunicá-la aos outros, a fim de que se
vá constituindo o povo de Deus (dos batizados), desde então até o fim dos tempos.

Vale lembrar que o evento da ressurreição é distinto do das aparições. Enquanto


as aparições têm um caráter histórico, a ressurreição é um acontecimento escatológico.

Se as primeiras são acessíveis só a testemunhas previamente escolhidas e não


a todos (cf. At 10,40), e não são proporcionais a outros acontecimentos humanos, a
ressurreição é um acontecimento em Deus, cuja singularidade diz respeito ao futuro do
ser humano (mesmo com as implicações atuais, sejam pessoais, sejam comunitárias).

“Sei que meu redentor vive” é um brado de fé pascal. Mas, como encontrá-lo
hoje? Ao responder esta questão, Leonardo Boff diz com propriedade, lembrando, que “o
cristianismo não vive de uma saudade, mas celebra uma esperança”. O autor enumera
várias maneiras da presença do ressuscitado hoje:

a) no Cristo cósmico pertinente à terra e ao próprio cosmo;

INFORMAÇÃO:
b) no ser humano (o maior sacramento de Cristo);
É importante você ler agora,
em BOFF. Leonardo. Jesus
c) nos cristãos anônimos e latentes;
Libertador, Petrópolis: Vozes
(várias edições), os capítulos: d) nos cristãos explícitos e patentes;
“Onde encontramos o Cristo
ressuscitado hoje?” e “Como e) na Igreja (sacramento primordial da presença do Senhor).
vamos chamar Jesus Cristo
hoje?” Lembre-se que o contexto
As aparições de Jesus (1Cor 15,5-8), sua ascensão, exaltação, entronização à
sociocultural do livro, já não é
mais o do tempo atual, mesmo direita do Pai ou recuperação da glória que detinha antes da encarnação (cf. Jo 17,5; 1Tm
nas reedições do autor. 3,15) etc., são variações bíblicas que interpretam o mesmo fato básico da ressurreição,
em ângulos diferentes de tempo e objetivos, que a própria liturgia tem sabido em explorá-
los dentro do único mistério pascal.

Como diz C. Duquoc: “Nas experiências da Páscoa se ligam assim visão, audição,
êxtase. Páscoa, Ascensão e Pentecostes se juntam sob a força do Espírito” (In: LACOSTE,
2004. p. 1533).

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Significado teológico da ressurreição

A ressurreição é fator determinante não só da fé. Ela o é também da cristologia.


Só à luz da ressurreição é que se faz cristologia, pois só ela revela a identidade de Jesus e
seu papel salvador. “Se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa pregação, vã é a vossa fé” e
“ainda estais em vossos pecados, e os falecidos estão perdidos” (cf. 1Cor 15,14.17s).

Ressurreição, como ação de Deus: conteúdo teológico

Na ressurreição de Jesus, Deus se revela quem realmente Ele é: “amor”. Amor


que se comunica, sobretudo por meio de seu Filho, que é a situação pessoal, definitiva
e eterna do encontro entre Deus e o homem. O Filho se torna a ocasião da revelação de
Deus e da plenificação do ser humano.

“Se a encarnação é um ato pelo qual o Senhor se faz servo, a ressurreição é o


ato pelo qual servo é constituído Senhor” (CARDEDAL, 2001, p. 487).

É por isto que se diz do Deus de Jesus: “Ele é senhor dos vivos e dos mortos”
(Mc 12,27), “Deus para nós é um deus de salvação; só o senhor Deus pode libertar
da morte” (Sl 68,21). Libertando da morte, Deus ressuscita, primeiramente seu Filho e
depois todos os outros (cf. 2Cor 1,9).

Como ação de Deus, a ressurreição completa, consuma a obra criada. Em Jesus


Deus supera a morte e faz o ser humano viver para sempre, irreversivelmente diante
Dele. Jesus ressuscitado é constituído o pai desta nova humanidade, cuja plenitude é
participar da vida de Deus. Por outro lado, pela ressurreição de Jesus, Deus se aproxima
da humanidade, recusa toda injustiça e rejeição, sobretudo quando feitas contra os
crucificados da história; rejeita as forças do mal e garante a salvação do ser humano. Salvar
é algo inerente a Deus. Por isto chama à vida não mais histórica, porque esta é limitada
e contingente, localizada e finita, à vida imperecedora, que é vivificante, universalmente
personalizante. Seu poder derrota a morte (todas as espécies de morte).

Na ressurreição de Jesus o primeiro sinal que os discípulos compreendem é:


Deus atuou Nele, ressuscitando (cf. os discursos de Pedro nos Atos dos Apóstolos). Ao
proceder assim Deus culmina sua auto-revelação como Deus da vida e que se “intromete”
na vida humana a fim de que ela atinja sua plenitude. Ao ressuscitar o crucificado, restitui
sua glória anterior colocando-o à sua direita. O prolongamento da ressurreição dos outros
homens é a comprovação que nem a morte, e nem o ser humano, a própria história tem
a última palavra.

O Deus vencedor da morte é o futuro do ser humano, pois Ele é fiel à sua
palavra. Diante da ação do ressuscitamento de Jesus, todo homem e toda mulher podem
crer que o mal, o pecado (injustiça, miséria, opressão) e a morte não têm consistência em
si mesmos, apesar das aparências históricas. Esta ação de Deus revela de modo definitivo
que Ele é “Deus conosco” (Mt 1,23) e “estava no seu Cristo e reconciliou consigo o mundo
(cf. 2Cor 5,18);

A ressurreição, com revelação de Jesus: conteúdo cristológico

Confirmadas por Deus, a pessoa, a vida e a obra de Jesus, Ele é revelado agora
como o Adão definitivo, primogênito dentre os vivos e mortos, dentre todos os irmãos. Ele
é o consumador da obra de Deus. Sua vida histórica terrena confirma também que Ele era
Deus conosco (Emanuel). Adentrado na história, inclusive na realidade do sofrimento, do
pecado e da opressão, Ele é o redentor e salvador da humanidade. Sua vida, não só vivida
a partir da vontade de Deus, mas de Deus encarnado evidencia que a comunhão vivida
em favor de Deus e dos irmãos, se torna indestrutível.

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Se a ressurreição revela que Jesus era Deus entre nós, ela revela também que
Ele entra na glória do Pai, que como Filho já a possuía antes da criação do mundo (Jo
17,5). É daí que surge a validade da fórmula teológica tão frequente: “Ele ressuscitou” por
sua própria força divina.

O conteúdo cristológico da ressurreição mostra adequação dos títulos, a Ele


atribuídos: Messias, Senhor e Filho (cf. At 2,36; Rm 1,4), porque a encarnação se consuma
na ressurreição, por obra do Espírito. Quem Ele era se evidencia na ressurreição. Por
isto, toda a expectativa de Israel por meio da aliança e das expectativas messiânicas,
por meio dos patriarcas/profetas, na vida abençoada por Deus (terra, gado e filhos),
libertações, históricas, tempo abençoado em Sião, perdão dos pecados e esperança da
salvação definitiva e universal, vão se realizar no e pelo ressuscitado. É Ele a síntese e
INFORMAÇÃO: fonte escatológica de todos os anseios e expectativas de Israel e de todos os homens e
Reveja na Unidade 2. Jesus na
História bíblica, o tema: O AT mulheres de todos os tempos.
como base e fonte da cristologia
neo-testamentária.
Jesus ressuscitado é a causa da salvação de todos os demais (cf. Heb 5,9), que
arrasta atrás de si a imensa procissão humana (cf. Heb 12,2). É o homem que veio de Deus,
o último Adão convertido em espírito que faz viver (1Cor 15,44-49). É quem antecipa e
concretiza a esperança humana da ressurreição dos mortos (At 4,2), a realização humana.
Ele consuma a fé e antecipa o final da história. Ele evidencia o sentido e a razão da
criação, como processo orientado para Deus.

A criação e a história são contínuas e processuais. Mas, sem sentido, sua razão,
está no fim. Este processo é garantido pelo homem-Deus ressuscitado que vive em
Deus como Deus mesmo. Por isto para os cristãos, surge a certeza (não a esperança) da
fidelidade de Deus (Ele foi fiel para com seu Filho) e de Cristo (que foi fiel ao Pai e aos
homens): nosso futuro absoluto é Deus. Ele não só vence todo pecado, mas consuma seu
plano, traçado desde a origem do mundo: sermos santos e perfeitos por meio de seu Filho
(cf. Ef 1,3ss).

A ressurreição como consumação humana: conteúdo antropológico

Jesus ressuscitado carregou consigo as “chagas da crucifixão”. Ele permanece


hoje tão verdadeiramente Deus (dogma de Nicéia), quanto verdadeiro homem (dogma
de Constantinopla). É, ao mesmo tempo, um e o mesmo (dogma de Calcedônia). Sua
identidade permanece a mesma.

Há, porém, que se afirmar o fato de que:

Enquanto em Jesus histórico, a divindade se mantinha uma posição kenótica,


agora na parusia lhe é restituída toda sua grandeza e glória. Constituído
Senhor e Cristo, o ressuscitado é Deus, como Pai e com o Espírito. Deve-
se, contudo ressaltar que o ressuscitado continua sendo inseparável e
indivisamente humano. A união surgida na encarnação do Verbo, no seio de
Maria, permanece.

A chamada união hipostática (as duas naturezas, divina e humana, inconfusas,


imutáveis, indivisas e inseparáveis, conforme o ensino de Calcedônia) permanece na
realidade nova Daquele que “subiu ao céu e está à direita do Pai”. O mistério de Deus
se une à realidade do homem desde a encarnação, por isto Ele é verdadeiro Deus e
verdadeiro homem, na vida (história), e além da morte (ressurreição).

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Se a ressurreição revela que Aquele homem era Deus desde toda a eternidade,
ela revela, por outro lado, que Naquele homem a humanidade se tornou inseparável
de Deus também na eternidade. Nele, permanecem as duas naturezas unidas junto a
Deus, mas inconfusas, imutáveis, indivisas e inseparáveis, conforme o próprio ensino de
Calcedônia.

É evidente que a união acontecida no ‘Deus homem’ não se estende ao Pai e ao


Espírito Santo. Deus é, em sua unidade, trino (três pessoas divinas). A segunda Pessoa da
Trindade, o Filho permanece unido em suas duas naturezas (humana e divina).

Sem dúvida, a união não se desfaz (nunca mais), por isso a ressurreição atinge a
realidade total de Jesus Cristo, Aquele que é um só e o mesmo, aquele que é o crucificado-
ressuscitado.

Ninguém pode afirmar que a morte e a ressurreição atingiram apenas a natureza


humana. Elas são realidades pertinentes ao mesmo e único Verbo encarnado.

Na cruz morreu um da Trindade e, na ressurreição, ressurgiu o que morreu: um


da Trindade.

Agora se pode sintetizar assim:

O ‘crucificado ressuscitado’ (unido hipostaticamente) saindo da história (pela


morte) entra na eternidade e recupera toda a grandeza de Deus mantida
kenoticamente, enquanto a natureza humana atingirá também a sua
plenitude. Mantêm-se a identidade das duas naturezas, mas doravante elas
se manifestam em plenitude. A natureza divina do Verbo ressuscitado se
apresenta com seu poder e glória. A natureza humana transforma o corpo
corruptível (bazar) em corpo incorruptível.

São Paulo precisa: “semeado corruptível, o corpo ressuscita incorruptível; INFORMAÇÃO:


semeado desprezível ressuscita reluzente de glória; semeado na fraqueza, ressuscita Para completar nossos estudos,
leia todo o capítulo 15 de 1Cor,
cheio de força; semeado corpo psíquico, ressuscita corpo espiritual. O que foi feito alma começando pelos versículos 35-
vivente (...) torna-se espírito que dá vida” (cf. 1Cor 15,42b – 45). 58 e leia depois 1-34.

Na linguagem paulina a ressurreição transforma o homem terrestre em celeste.


A corruptibilidade será revestida de incorruptibilidade. O mortal será revestido de
imortalidade (cf. 1Cor 15,50-53). INFORMAÇÃO:
É preciso relembrar estes
conceitos da disciplina de
A ressurreição atinge, de modo diverso, as duas naturezas do mesmo e único Antropologia Teológica, na
Unidade 3, tópico 5. Antropologia
‘crucificado ressuscitado’, Verbo encarnado.
do Antigo Testamento, p. 24ss).

A natureza divina retoma seu poder e resplandece em sua glória. A natureza


humana se consuma em plenitude, revelando primogeniamente, quem realmente é
Aquele que fora criado corruptível (na carne, na história) como imagem de Deus e agora
se assemelha a Deus incorruptivelmente. A ressurreição (de Jesus, e depois a de todos os
outros) faz o ser humano manifestar-se em plenitude.

Este é o mistério da vontade de Deus, o que quer que ninguém se perca, pois
em Cristo quer salvar a todos. O homem ressuscitado é a realização máxima e irreversível
das aspirações humanas mais profundas. Jesus, como primícias dos que morreram,
atingiu esta plenitude. Isto o faz garantia da fidelidade da promessa de Deus a todos os
homens.

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Quando isto acontecer, então se verá que Deus tinha razão ao ver o homem
criado como sua imagem e semelhança e exclamar que não apenas era “bom” com as
outras criaturas, mas “muito bom” (cf. Gn 1,31). E, então, seguirá o sétimo dia, o do
“descanso” de Deus. E seguirá porque a criação está consumada e Deus celebrará, com
todas as suas criaturas, a festa que no céu nunca se acaba. O fim é a festa eterna de Deus,
em que o homem continuará sendo aquele que Deus tendo-o levado à perfeição, há de
amar como sua criatura especial, por meio de seu Filho.

Contudo, o caráter sotereológico tem sua revelação máxima na ressurreição


de Jesus. Ela é o futuro do ser humano, em promessa. Ao mesmo tempo, antecipado
e garantido em Jesus Cristo. Vivemos nesta esperança cristã que é causa de profunda
alegria, força de libertação, descrédito do mal (da injustiça e do pecado), compromisso
com a vida e a libertação, pois o Senhor vive para sempre e nos chama a viver com Ele.

6 CONSIDERAÇÕES:
Nesta unidade, nos dedicamos ao estudo do significado teológico sistemático de
Jesus de Nazaré. Após a retomada conceitual de cristologia, procuramos entender como
Jesus se autocompreendeu a partir de Deus e em favor de nós.

Certamente, ter-se-á entusiasmado mais por Ele. Realmente, a centralidade


Dele, na fé cristã, faz jus a quem Ele foi, é e continuará sendo sempre.

Também, aprofundamos dois temas teológicos, na grande tradição do segundo


milênio: a morte e ressurreição de Jesus, sobre o que o cristianismo produziu diversas
interpretações. As teorias da representação e da solidariedade ganham espaço nas
compreensões contemporâneas, sem ignorar as anteriores.

Certamente estas ideias devem ter ficado bem claras para você. Caso contrário,
é convidado a revê-las e/ou ampliar sua leitura, até mesmo recorrendo a outras fontes
indicadas.

Na próxima unidade estudaremos o lugar do salvador no plano de Deus, teologia da


salvação, cristo salvador atuando entre nós, além de compreendermos como seguir Jesus.

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEAUDE, P. De acordo com as Escrituras. São Paulo: Edições Paulinas, 1982.

BERGER, K. Para que Jesus morreu na cruz? São Paulo: Loyola, 2005.

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UNIDADE 5 Bacharelado em Teologia

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DURWELL, F. Cristo nossa páscoa. Aparecida: Santuário, 2006.

FEINER, J.; LOEHERER, M.(Org.). Mysterium salutis: compêndio de dogmática histórico-


salvífica III/6: o Evento Cristo. 6. Mysterium paschale. Petrópolis: Vozes, 1974.

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MOLTMANN, J. Quem é Jesus Cristo para nós hoje? Petrópolis: Vozes, 1997.

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______. Natividade. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2007.

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Anotações
UNIDADE 6
O LUGAR E O PAPEL
DE CRISTO NO PLANO DE DEUS

Objetivos
• Justificar a pré e a pós-existência de Jesus, bem como
sua encarnação, como ação salvífica do Pai.

• Identificar o papel sotereológico de Cristo desde toda a


eternidade.

• Analisar e discutir sobre o significado salvífico da


encarnação (vida toda de Jesus).

• Distinguir a salvação em seus aspectos positivos e


negativos.

• Analisar a necessidade do seguimento, como consequência


de toda a cristologia.

Conteúdos
• O lugar do salvador no plano de Deus.

• Teologia da salvação.

• Cristo salvador atuando entre nós.

• Seguir Jesus.
UNIDADE 6
Bacharelado em Teologia

1 INTRODUÇÃO
Seus estudos vão se encaminhando para o grande significado da revelação de
Deus e do mistério de Jesus desde sua encarnação (nascimento, vida, morte e ressurreição).
Agora, como que a concluir, você encontrará:
• Aquele que sendo humano, como nós, na verdade é Deus pré-existente desde
toda a eternidade e veio, entre nós, para nós salvar.
• Aquele que tendo vivido como um de nós, hoje continua vivo e vivificante, e
por isto nos levará à salvação plena em Deus.

Seria bem pequena se sua missão fosse apenas nos salvar de nossos pecados.
O significado de Jesus salvador é muito maior.
ATENÇÃO!
Para compreender melhor Espero que ao aprofundar o tema você possa (re)descobrir a grandeza Daquele
os conteúdos propostos é que, vivendo com o Pai e o Espírito, foi constituído iniciador e consumador de toda a obra
importante que você realize as
atividades e as interatividades criada.
propostas. Além disso, leia o
máximo possível dos textos
indicados complementarmente. Nós professamos a fé de que o Verbo eterno se fez um de nós. Encarnou-se,
para a nossa salvação.

A teologia da salvação (sotereologia) não é algo tão sistematizado, sobretudo


porque o que antes estava unido à cristologia, desde o período medieval,
foi separado e quase deixado de lado. Aprofundou-se “quem é Jesus”, mas
ATENÇÃO! deixou-se pelo suposto porque Deus se fez homem. Ou melhor, a grande
O estudo de Santo Anselmo (Cur contribuição de Santo Anselmo resumia todo o significado de salvação como
Deus homo?) merece ser lido
não só pela sua plasticidade e salvação dos pecados. Esta ideia perdurou durante todo o segundo milênio,
lógica, mas para compreender sem maiores aprofundamentos. Só depois do Vaticano II, o tema tem sido
todo o significado da salvação retomado inclusive como integrante da cristologia.
que predominou no 2º milênio.
Desse modo, consulte a obra:
ANSELMO, Santo. Porque Deus
se fez homem? São Paulo: Novo
Século, 2003. Bons estudos!
Além disso, veja também as
interessantes observações de
Ratzinger na obra: RATZINGER,
Joseph. Bento XVI. Introdução
ao cristianismo. Preleções sobre
o Símbolo Apostólico. Com um
novo ensaio introdutório. São
Paulo: Loyola, 2005. p. 172–181.
2 O LUGAR DO SALVADOR NO PLANO DE DEUS
Jesus Cristo, filho de Maria é o Filho de Deus, consubstancial ao Pai e consubstancial
a nós. É distinto do Pai e do Espírito. É perfeito na plenitude humana. Mas, é distinto de
nós que estamos ainda a caminho. Ele sintetizou em si a possibilidade histórica máxima
de dedicação a Deus e aos homens e às mulheres de toda a história. Como nosso irmão
maior, é o iniciador e condutor da nova humanidade rumo à consumação da obra criada,
a ser apresentada como obra sua, no fim dos tempos, para glória de Deus e felicidade
sem fim do ser humano. É Ele quem viveu entre nós. “Trabalhou com mãos humanas,
pensou com inteligência humana, agiu com vontade humana, amou com coração humano.
Nascido de Maria, tornou-se, verdadeiramente, um de nós, semelhante a nos em tudo”
(Gs 22).

Eterno com o Pai e o Espírito Santo, gerado antes de todo o tempo para ser
o Adão perfeito na história (que incluiu sua encarnação, morte e ressurreição), sem
deixar de ser Deus, é nosso salvador por ter recebido do Pai esta missão. Ele tem uma
originalidade tão própria, que mesmo sendo judeu do primeiro século da era cristã tornou-
se um homem universal.

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Jesus Cristo, em sua vida terrena, viveu a bondade, a misericórdia e a solicitude


para com todos, especialmente com os pobres e excluídos. Ele teve uma vida
de tal modo pró-existente (pro Deo e pro nobis = para Deus e por nós), a
ponto de esvaziar-se, não só de sua divindade pré-existente desde toda a
eternidade, mas também dar a sua vida em favor dos homens e mulheres, de
quem se fez irmão.

Ele, em tudo, fez a vontade de Deus, pois a colocou como centro e fonte de sua
vida. Passou pela vida fazendo o bem. Foi tentado, como todos os outros seres humanos,
mas não capitulou, nem mesmo diante da última tentação, livrar-se da morte.

Este homem era Deus entre nós (Emanuel). Não fez, entretanto, desta condição
uma ocasião de privilégios. Esvaziou-se de si mesmo e foi reconhecido por alguns como
apenas o filho de carpinteiro, cujos irmãos e irmãs viviam entre eles. Outros se espantavam
de seu ensino com autoridade, acorriam a Ele para que os curasse de suas doenças, males
e outros poderes demoníacos. Anunciou que chegava o Senhorio de Deus e creu que
isto acontecia por meio de sua pessoa. Fez o bem e reintegrou os excluídos, perdoou os
pecadores e consolou os aflitos.

Tão humano foi que após a ressurreição começaram a reconhecer Nele Deus
entre nós (Emanuel). Na leitura retroativa de sua vida, obra e mensagem, descobriu-se
Nele, também, o messias prometido, o salvador único.

Ele exigiu silêncio sobre certos fatos de sua vida histórica, fatos estes
que poderiam explicitar quem Ele era [o conhecido segredo messiânico (cf. Mc 3,13;
5,43; 8,30; Mt 8,4-9; 9,30; 12,16; 17,9; Lc 5,15). No entanto, adversários, pagãos e,
sobretudo, “demônios”, reconheceram-no como “Filho de Deus”, Deus mesmo. Alguns
momentos de sua vida, como a transfiguração, as declarações do Pai sobre Ele como Filho
eleito, o perdão dos pecados (que só Deus podia conceder), a entrega de si como pão
partido e vinho derramado (última ceia) etc., poderiam evidenciar sua realidade divina,
compreendida após a ressurreição.

Todavia, esta kenose de Deus, que chegou a ponto de ser crucificado como
herege e subversivo, revelou-o, na ressurreição, como o Deus que salva seu povo. O nome
Jesus significa “Deus salva”. Ele realizou em si seu nome.

O vivente e o vivificar

Jesus continua vivo hoje, não apenas na memória. Ele está presente no universo
cósmico, quando dois ou três se reúnem em seu nome. Os pobres e excluídos, seus irmãos
menores, atestam sua presença kenótica. Todavia, Ele é encontrado em todo bem, ou
seja, na compaixão, na solidariedade de todos os homens e mulheres do mundo, que
mesmo sem o conhecerem, buscam a justiça e a paz. Ele é encontrado, de modo público,
quando se defendem os direitos humanos, se cuida da saúde e da educação; quando se
fortificam a liberdade, a igualdade e a fraternidade; quando se promove a justiça e a paz,
sem violência.

Hoje, Ele está vivo junto de Deus com os anjos e todos os irmãos que nos
precederam na vida. Está vivo, também, com contagiante poder de libertação, junto a
todos os homens e mulheres de boa vontade, que o acolhem na fé explicita ou implícita.
Ele está vivo, entre nós, na Igreja e, em particular, na Eucaristia.

Ele não só está vivo, como também vivifica homens e mulheres por meio de seu
Espírito, o que o torna contemporâneo nosso. O Espírito é seu defensor junto a nós, ao

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mesmo tempo que nos faz participar da sua condição filial. Milhares de cristãos, na força
do Espírito, o seguem como o Caminho, que leva à Verdade e à Vida.

Este homem ungido pelo Espírito foi proclamado na Páscoa, Senhor e Cristo. Por
isso, continua sendo o mesmo, ontem, hoje e sempre (Heb 13,8). Pré-existia como Deus
e fez-se humana imagem visível do Deus invisível (Cl 1,15). Nele tudo se sustenta e tudo
se encaminha para Ele.

A escandalosa divisão entre crentes e não crentes por questões filosóficas,


econômicas, políticas e outras, não tem fundamento senão na própria situação humana.
Os homens preferem, muitas vezes, seus ídolos e não buscam “o Caminho, a Verdade e a
Vida” que Ele é. Outras vezes, as divisões ocorrem também porque seus seguidores não o
seguem “em espírito e verdade”; defendem, antes, interesses próprios, manipulando-o a
bel prazer, como outrora fizeram os chefes judeus que o condenaram à morte.

A Ele se busca de coração sincero na oração incessante, na leitura (e prática) de


sua palavra e no empenho pelos pobres e deserdados da terra.

Pela vida de Jesus, Deus se aproxima sem condições prévias da humanidade.


São João enfatiza: “foi Ele (Deus) quem nos amou primeiro” (Jo 3,16). “Ele nos deu seu
filho único, para que todo aquele que Nele crer, seja salvo” (Jo 3,17; 10,17; 1Jo 4,7).
Jesus Cristo, nova relação de Deus conosco, tem também a dimensão de enfrentar o que
há de mais negativo entre os seres humanos: a solidariedade no mal.

Como pode o ser humano salvar-se, separado Dele, ignorando o significado pleno
de sua vida? Como pode o homem buscar a Deus e libertar-se dos males que o contagiam?
Como reconhecer estes males e reconciliar-se com Deus? Ele é, pois, o caminho.

Aquele que comeu com pecadores e publicanos (cf. Mc 2,16; Lc 15,2), que
conversou com pecadora pública (Jo 4,1-42), deixou lavar seus pés pela pecadora (Lc
7,36-50), que frequentou o “mau ambiente” dos marginalizados, dos cobradores de
impostos, dos endemoniados e por fim foi trocado na morte pelo criminoso Barrabás e
crucificado entre dois ladrões - é o Filho de Deus que viveu entre nó e se mantém atuante
entre nós. Ele nos vivifica.

3 TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
A estaurologia

Alguns teólogos, mesmo sem discutirem o sentido de salvação, produzem sua


reflexão sotereológica centrada na cruz por causa do pecado. Para eles a salvação é
estaurológica, quer dizer: é feita a partir da cruz. Esta é uma posição considerável, mas
não única.

A cruz não foi buscada por Jesus. Ela é expressão da rejeição Dele e do plano
salvifico de Deus, pelos seres humanos. Ela é fruto de pecado contra Deus, mesmo que
Deus tenha tirado partido dela, convertendo-a em sinal de salvação, como compreenderam
os primeiros cristãos que nos legaram este patrimônio verdadeiro e consistente.

A teologia da cruz aponta a presença do pecado humano, que deve ser redimido
e reconhece que Jesus verdadeiramente mergulhou no mundo abjeto dos homens, que
não querem reconhecer e aceitar Deus, sobretudo pelas suas atitudes.

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O pecado aqui se apresenta em dois níveis:


• Pecado direto contra Deus: por querer concorrer com Ele próprio. Pecador,
neste sentido, é o ser humano que quer ser Deus, quando é simples homem.
Pretende substituir-se a Deus sem poder sê-lo. Pecador é também o que faz
das coisas, do poder, do prazer etc. seu deus; e adora a criatura como se fosse
o criador.
• Pecado contra os filhos de Deus: pecam contra Deus agindo contra seus filhos.
A ação salvifica deve levar em conta, então, todos os opressores, dos mais
diversos quilates. Desde os que humilham e ferem a dignidade dos filhos de
Deus (lembrar de Caim) até aqueles que os oprimem, roubam, extorquem e
prostituem os filhos de Deus.

Tais pecados permanecem sendo atos crucificatórios, que exigem, não apenas
o perdão salvifico (Pai, perdoai-lhes. Não sabem o que sabem – cf. Lc 23,24); exigem,
sobretudo, a conversão do coração dos opressores.

Quer dizer:

A cruz, pela morte de Jesus, se tornou salvadora também para os opressores


e injustos à medida que lhes oportuniza a sincera “metanoia” (conversão) e
dócil aceitação do crucificado/ressuscitado para a mudança da vida. Nela, eles
podem reconhecer todos os rostos dos crucificados e pervertidos. Eles podem
reconhecer que nas cruzes de suas vítimas se encontra o verdadeiro Filho de
Deus (cf. Mc 15,39).

Esta perspectiva estaurologica, na verdade, reduz o significado da encarnação


ao pecado e a sua necessária redenção.

Deus poderia salvar o pecador de outra maneira?

Como São Tomás de Aquino já respondeu, isto não é questão de um condicional.


O fato é que o pecado é redimido pela cruz como prova de tão grande amor de Jesus pelos
pecadores e por Deus. Não deixa, porém de ser um amor assimétrico.

Uma mentalidade amartiocêntrica criou a afirmação de que todos são pecadores.


Todavia, esta perspectiva não é bíblica (inclusive para os judeus atuais). A bíblia está cheia
de relatos de homens e mulheres bons, justos e santos.

Aos pecadores, o salvador os justifica e redime. Aos que o seguem, Ele os


acompanha e eleva. Homens e mulheres, em todos os tempos e lugares, não são
necessariamente pecadores, mesmo que participem neste mundo de pecado, como Jesus
que, no mundo, se fez um conosco, ou como Maria, sua mãe, e tantos outros justos do
AT e NT.

Convém recordar que se Jesus não pecou não foi porque era Deus. Não pecou
porque nem Ele e nem qualquer outro homem é obrigado a pecar.

Se assim não fosse, Jesus não seria igual a nós (e nós iguais a Ele).

A graça realizadora (processo santificador)

A encarnação do Verbo não se esgota na necessidade da cruz como fonte de


remissão dos pecados. Mesmo que ela seja salvífica/redentora, nossa fé nunca deixou

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de afirmar. O que, porém, muitos parecem ignorar é o aspecto positivo e propositivo da


salvação.

Convém recordar que “Deus amou tanto o mundo que de seu filho unigênito
para todo aquele que Nele crê seja salvo” (cf. Jo 3, 16; 16,27). Foi Deus quem tomou a
iniciativa de nos amar. É exatamente por isso que fomos criados. A promessa do salvador
ATENÇÃO!
é um desejo de Deus desde antes da criação. Portanto, antes de qualquer pecado.
Aqui valeria a pena aprofundar
a questão de justificação, não Reduzir a vinda de Jesus até nós ao fato do pecado, não só apequena o próprio
só pela fé e pelas obras, como
é a discussão que vem desde a Deus, mas também agiganta de tal modo o ser humano que se torna capaz de condicionar
Reforma, mas, o tema deve ser Deus.
refletido com mais profundidade
na Teologia da Graça. Vale,
igualmente, reencontrar e Se Deus torna justos seus filhos o faz não porque eles são necessariamente
consultar os discursos de Bento injustos e pecadores (ideia muito desenvolvida na teologia medieval). Deus não os criou
XVI em 20 e 27 de novembro de
2008, sobre este tema. assim, os homens e as mulheres concretos, necessariamente, não são assim. Se assim
fosse, ficaria desautorizado tanto o próprio Deus quanto o significado da solidariedade e
representação de Jesus Cristo no plano divino. Ao contrário, Deus ajuda, com sua graça,
o crescimento constante de seus filhos e filhas, que vão se tornando sempre mais justos e
santos até a perfeição de poderem viver com Ele. A salvação tem fundamentalmente um
aspecto positivo

Jesus Cristo, o salvador querido por Deus

Mais que insistir no meio (redenção/salvação pela cruz ou realização/plenificação


humana), nossa ênfase agora está no autor da salvação: Jesus Cristo.

Jesus é o nosso único salvador. E o é desde o início da criação. Fomos criados


Nele, por Ele e para Ele, desde toda a eternidade (cf. Ef 1,3s). E este é o plano
de Deus: fomos criados por Ele, para sermos salvos por Ele.

ATENÇÃO!
Você pode retomar esta ideia
na Unidade 3 da disciplina
Antropologia Teológica.
O Verbo salvador foi constituído salvador antes de existirem as criaturas que
seriam salvas por Ele. Primeiro surgiu o salvador; depois surgiriam os que Ele haveria
de salvar. Muito antes do pecado, estava já decidido por Deus o papel salvífico do Verbo
eterno, considerando que só por meio Dele seríamos salvos. E esta é a razão primeira de
sua encarnação. Sem dúvida, é o nosso salvador quem nos faz criaturas novas, realizadas
na força do Espírito, para participação da vida da Trindade.

INFORMAÇÃO: Ao assumir nossa carne, nossa realidade humana, Jesus Cristo abre duas
Aqui surge a oportunidade
de outro importante tema perspectivas:
da cristologia: a dimensão
cósmica de Cristo. Desse • Vem santificar (além de sanar o pecado e suas consequências) toda a realidade
modo, você pode aprofundar cósmica, não apenas pela sua presença. Ele também se tornou matéria
seus conhecimentos lendo as cósmica (carne humana). A natureza cósmica e, particularmente, a humana,
seguintes obras:
a) BOFF, Leonardo. Evangelho detinha, por vontade do Criador (como dizia Santo Irineu) a capacidade de
de Cristo cósmico. A busca na conter o próprio Deus em forma humana. Aquele da Trindade que, saindo de
unidade do todo na criação e
si, desceu e se fez um dos nossos, na verdade, não precisava assim proceder
na religião. Rio de Janeiro/S.
Paulo: Record, 2008. para nos salvar. Mas, o fez em gesto de amor, esvaziando-se a si mesmo para
b) DUQUOC, Christian, O único nós enriquecer (cf. Fl 2,8).
Cristo. A sinfonia adiada. São
Paulo: Paulinas, 2008. • Nesta primeira perspectiva, ao se tornar cósmico pela encarnação no seio de
c) DUPUIS, Jacques. Rumo a
Maria, e, sobretudo, por sua ressurreição, Cristo aperfeiçoa e completa toda
uma teologia do pluralismo
religioso. São Paulo: Paulinas, a criação, dando-lhe de modo escatológico o acabamento (consumação) final.
1999. Ele leva o ser humano e a natureza toda ao cumprimento do plano salvifico
d) MALDONÈ, Jean Michel.
Cristo para o universo. Fé
de Deus.
cristã e cosmologia moderna.
São Paulo: Paulinas, 2005.

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• Por outro lado, Jesus Cristo é o nosso Salvador porque leva o ser humano e
toda a criação à sua plenitude, sendo o modelo exemplar e evidenciando toda
a possibilidade da carne humana assemelhar-se a Deus.

Nosso salvador torna-se, então, o iniciador da nova humanidade como homem


perfeito e plenificado aos olhos do Pai o Criador.

Ao constituir seu “corpo” do que tanto fala São Paulo eleva cada ser humano e
todos à perfeição que a ressurreição lhe confere (cf. Jo 12,32; Gl 3,28).

Desse modo, ao se pensar em tantos homens e mulheres de seu tempo (Zacarias,


Isabel, João Batista, Simeão, a profetisa Ana, José seu pai, aos quais a bíblia chama de
justos, além dos apóstolos, Marta, Maria, Lazaro, as mulheres que o serviam etc.) porque
Jesus haveria de pensar neles como necessariamente pecadores?

Ao pensar em tantos outros homens e mulheres que a Igreja apresenta como


modelos de santidade, na esteira de Jesus, como não reconhecê-los em sua perfeição,
plenificado no e pelo Salvador?

Fora do cristianismo houve e há, também, tantos homens e mulheres que se


tornaram tão humanos (humanizados e humanizadores), que já na história Cristo morava
neles, salvando-os, isto é, levando-lhes à humanização plena. Os Padres gregos diriam que
pela ação do Espírito Santo também eles estavam sendo divinizados; os latinos diriam:
deificados.

Nós preferimos dizer, em consonância com nosso tempo, à luz da fé: o salvador
os estava salvando para que eles atingissem sua meta, ver a Deus, ou seja,
serem salvos pelo que os santifica e os tornavam plenamente humanos.

4 CRISTO SALVADOR ATUANDO ENTRE NÓS


A presença de Deus entre nós, por meio de um da Trindade feito um de nós,
significa explicitamente o desejo de Deus em nos salvar. No AT, lembrando que isto já foi
dito anteriormente, os grandes gestos salvificos eram realizados em favor do povo ou de
tribos/nações. Com a presença do Verbo, relatado no NT, a ação divina é personalizada
nas curas, nos milagres, nos perdões, nas reintegrações de marginalizados, na dedicação
concreta ao próximo e até ao inimigo. A (nova) manifestação de Deus individualiza e
personaliza seus filhos. Deus não pode mais ser considerado uma força cósmica genérica.
Agora, Ele é salvador por meio de cada pessoa que, por sua vez, pertence ao “corpo de
seu Filho”.

No decorrer do tempo enfatizou-se (por demais) a salvação espiritualista no


céu, após a morte. Isto em parte significou esvaziar o processo salvifico, desde o presente
até o céu. Ao mesmo tempo, reduziu-se a salvação à questão dos pecados.

Entrementes, é importante recordar que a salvação inclui a salvação também no


presente. Isso significa que a encarnação de Jesus não é um processo que se completou
historicamente na cruz. Ela é um processo, cujo início está “desde antes da criação” (cf. Ef
4,3-14), se densificou durante a vida histórica do Verbo Encarnado, se mantém atuante e
produzida pela ação do Espírito Vivificador e só se completará na parusia.

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ATENÇÃO! Vale lembrar que o presente histórico é o tempo do “hoje, pois, a salvação entra
Para saber mais leia Helcion
Ribeiro. Por uma sotereologia
nesta casa”. Assim, a salvação tem e mantém uma incidência histórica.
com incidência histórica,
Studium. Revista Teológica, Se o Senhorio de Deus já está chegando, pela pessoa de Jesus Cristo, ele
Curitiba, ano 1, n. 1, 2007 p.
69-104. se prolonga por toda parte até os confins do mundo, não só porque é ordem/mandato
missionário (cf. Mt 28,19-20), mas porque o próprio Filho e o Espírito Santo levam adiante
este Senhorio salvador.

A presença salvadora de Cristo, seja pela Igreja, pelas religiões, seja por todos
os que fazem o bem, vai se evidenciando:

a) na superação dos males (físicos, morais e espirituais);

b) nas ações libertárias (em geral desconhecidas e/ou ignoradas);

c) no desenvolvimento humano do tempo presente;

d) na construção de uma sociedade participativa e justa para todos;

e) na produção da paz;

INFORMAÇÃO:
f) no amor ilimitado ao próximo.
O evangelho é ou deveria ter
uma força revolucionária, isto se Desse modo, o processo salvifico do Emanuel continua, sobretudo, na ação dos
os cristãos lhe dessem o crédito
devido e total. cristãos que, não apenas rezam o Pai nosso (venha o vosso reino, dá-nos o pão de cada
Experimente escrever dia, livrai-nos do mal). O Deus salvador está entre nós quando, em resumo, o evangelho é
um texto próprio em que vivido intensamente. Isto é tornar atuante a ação salvadora de Deus, que é dom e missão
envolva o libertário contido
simultaneamente nos seguintes pascal do Cristo ressuscitado.
textos:
a) Mt 5,3-11 (as bem- A totalidade do processo salvífico não se esgota no utópico aperfeiçoamento
aventuranças).
b) Lc 1,46-55 (o magnificat de deste mundo. O “meu reino não é deste mundo”, diz Jesus (cf. Jo 18,36), mas ultrapassa-o.
Maria). A fé em Cristo nos faz crer que a realização última do ser humano (salvação: ver a Deus)
c) Mt 5,9-15 (o Pai nosso). está em Deus, como espaço que Ele mesmo preparou desde sempre (cf. Jo 14,23). Aí
d) Mt 25,31-47 (o juízo final).
não haverá mais choro, nem lágrima (cf. Ap 1,4). Nossa salvação última será o resultado
da ação de Cristo que nos apresentará todos ao Pai, sem que nenhum dos que o Pai lhe
INFORMAÇÃO: dera tenha se perdido (cf. Jo 6,39). Então, será a festa eterna, o banquete de todos os
Você certamente conhece convidados do Pai. Assim, a “u-topia” se transformará um “topia”, homens e mulheres,
a palavra “topografia”, que
porque salvos por Cristo, encontrarão seguros o coração de Deus, morada definitiva e
significa a ciência que estuda os
lugares. Topos, palavra grega eterna.
que significa “lugar”; u-topos,
então vai significar “lugar
Cristo é o Caminho, para a Verdade e para a Vida (cf. Jo 14,6). Ele se faz o
nenhum”. Utopia também serve
para designar uma vontade caminho, pois é verdade Deus e verdadeiro homem. Tornou-se o mediador, por ser Deus
que não se realiza em lugar entre nós (Emanuel) e por ser homem pleno diante de Deus.
nenhum. A frase: “a ‘u-topía’ se
transformará em ‘topia’” quer
dizer: “o irrealizável tornar-se-á Nós professamos que não há outro salvador senão Jesus Cristo. Isto não implica
realizável”. dizer que Deus não se sirva de outras situações a pessoas para continuar o processo
salvífico. A singularidade salvífica de Jesus Cristo pertence ao centro do plano de Deus.

A presença de outras situações é identificada, como se viu na Unidade 1 deste


curso, pelo próprio Deus:

a) ao fazer alianças salvíficas em favor assimetricamente, de seu povo, dando-


lhe gado-terra-filhos e proteção;

b) ao produzir expectativas messiânicas para que oprimidos e exilados possam


voltar à liberdade – que só será radical por meio do messias definitivo;

c) por meio de sacerdote, patriarcas, reis e, sobretudo, profetas, tiveram um


papel de destaque, mesmo ao antecipar o revelador definitivo;

d) porque na Sabedoria divina foi reconhecido como dom salvador em prol dos
que eram tementes a Deus.

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Mas, a presença salvífica de Deus nunca se limitou ao povo judeu. Deus é o


Deus de todos. Se em Israel se concentrou, exemplarmente, a divina a ação salvadora,
não se pode esquecer centenas de outras situações salvíficas do mesmo Deus, por meio
até de sinais (até aparentemente) ambíguos.

Como não reconhecer salvificamente o valor de outras religiões, de outros sábios


e profetas, do surgimento de valores crísticos (“liberdade, igualdade e fraternidade”,
dignidade da mulher, direitos humanos, superação do analfabetismo e de tantas doenças,
democratização etc.).

Jesus, em sua encarnação, realizou gestos salvíficos ao reintegrar pessoas,


ao anunciar o Senhorio de Deus chegando e ao reuni-las fraternalmente. Anunciou a
libertação aos cativos e passou fazendo o bem, até a morte na cruz. Além disso, continua
salvando por meio de tantos outros homens e mulheres, que se empenham no bem
humano, por meio de ações positivas e construtivas da sociedade.

Porém, isto é tudo?! O inquieto coração humano se realizaria com estas


conquistas... e depois morreria acabando tudo?

Nós cristãos temos, na fé, a certeza de que a morte não põe fim à vida, mas a
transforma. Assim, nossos olhos se erguem para Deus e encontramos Cristo, o Salvador.
Ele é nossa esperança e nossa certeza. Ele revelou seu papel econômico-salvífico, desde
sempre. Ele é, para nós, o primogênito dos vivos e dos mortos. É nosso exemplo e
representante genuíno, pois sintetiza em si a história humana e cósmica que se apresenta
já salva por Deus. Ao mesmo tempo, atrai a si todos os irmãos (cf. Jo 12,32), a fim de
integrar o “corpo de Cristo”, como dizia São Paulo. O Verbo, que se fez humano em Maria,
se mostrou singular no processo de salvação que Deus quer (quis e há de querer) para
todos os homens.

5 SEGUIR JESUS
Nenhuma cristologia, hoje, pode negligenciar o apelo ao seguimento de Jesus.
Da interrogação de André sobre onde mora Jesus, decorreu a resposta: “vinde ver”. E ele
foi e passou à tarde com Jesus. Daí em diante não o abandonou mais (cf. Jo 1,35-42). O
contrário fez o jovem rico, que tinha muitos ídolos (cf. Lc 18,18-30).

Conhecer Jesus só faz sentido se for para seguí-lo. Conhecê-lo não é


primeiramente saber o que Ele foi nem aderir a uma doutrina, ou ser membro
de uma igreja cristã, antes é ser capaz de reconhecer sua pessoa e, Nele,
“estas coisas não reveladas aos sábios e aos entendidos, mas aos pequeninos”
(Mt 11,25).

Conhecer Jesus para seguí-lo é aceitar concreta e existencialmente seu projeto


de vida: ser criatura nova, filho(a) de Deus ou verdadeiramente humano, como
Ele foi. Conhecê-lo para seguí-lo implica em fazer-se membro efetivo da grande
família de Deus, a nova comunidade onde valem as pessoas humanas à luz de
Deus, como irmãos entre si.

Conhecê-lo para seguí-lo envolve fazer a vontade de Deus acima de tudo. Isso
significa saber centrar em Deus seu querer e seu agir, esvaziando-se de si mesmo ou

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“perdendo sua vida”, para ganhá-la enriquecida (cf. Mt 16,26). Desse modo, seguir Jesus
é amar como Ele amou a Deus e ao próximo, sobretudo aos mais necessitados. Seguir
Jesus é implantar o grande projeto de salvação de Deus, ali no cotidiano de cada um,
acolher o outro, porque todo o outro é imagem de Deus e irmão do próprio Jesus Cristo.
É comprometer-se, localmente, na construção do Reino de Deus.

Assim, estudar cristologia implica em amá-lo e seguí-lo; escutá-lo, a seus pés


escolhendo a melhor parte (cf. Jo 10,42) e antecipando as bem-aventuranças já na terra.
E como só Ele é o salvador definitivo, deixar-se reconciliar com Ele, receber seus dons e
repartí-lo com os irmãos. Seguí-lo é deixar-se cristificar para que o mundo seja cada vez
melhor, até sua definitividade, quando Cristo der por consumada sua obra, e apresentar
tudo ao Pai (cf. 1Cor 15), com o cuidado que não se perca nenhum dos que o Pai lhe
entregou (Jo 6,39). É, por fim, acolher para amá-lo e seguí-lo com o grito confiante:
“Maranatha”. Amém!

Veja a seguir dois excelentes textos que enriquecem seu aprofundamento


teológico:

Jesus de Nazaré, o Crucificado ressuscitado, é o Filho de Deus em forma de


um ser humano real e contingente: dentro da medida existencial de uma vida
humana histórica, verdadeira e completa, Ele nos trouxe - por meio de sua
pessoa, pregação e praxe de vida, e por sua morte - a viva mensagem do
ilimitado dom de si mesmo, que Deus é em si mesmo e quer ser também para
nós, seres humanos. A nossa história, e dentro dela o que aconteceu com
Jesus, é fato contingente, não necessário. Todavia, Deus não seria Deus sem
esse acontecer histórico. Por isso, esta história, a nossa (que não podia ter
acontecido), é, todavia, o único caminho realista para falarmos alguma coisa
com sentido sobre a essência de Deus. Pelo dom histórico de si mesmo, aceito
pelo Pai, Jesus nos mostrou quem é Deus: um “Deus humanisssimus”. Como
o homem Jesus pode ao mesmo tempo ser para nós a figura de uma “pessoa
divina”, o Filho, presente por imanência total, que transcende o nosso futuro,
isso é para nós um mistério, a meu ver teoricamente insondável, apesar de ter
sido vivido por Jesus de Nazaré de uma forma para nós não contraditória e até
cheia de sentido. Às vezes está mesmo na hora - e que hora santa! - de louvar
e adorar em silêncio, e de nos lembrarmos criticamente da grande tradição da
“teologia negativa”. Nós, afinal, depois de tudo o que sabemos sobre Ele, não
sabemos quem Deus é (SCHILLEBEECKX, 2008, p. 674).

Quando, no movimento que vai do presente para Cristo, um homem supera a


prova do escândalo e se decide a reconhecer no humilde Nazareno o Salvador do
mundo, centro e medida da história, os seus olhos se “abrem” (cf.. Lc 24,31) e
se tornam capazes de captar, mais profundamente do que é “visível”, a presença
e a força do movimento inverso, que vem de Cristo e de sua história irrepetível
para o nosso “hoje”, fazendo Dele um “hoje” de salvação na irrupção do dom
libertador de Deus. A confissão da singularidade de Jesus Cristo abre-se então à
experiência atual, vivificante e alegre, da graça que Nele foi dada aos homens, e
vive o encontro, transformador e exigente, com Aquele cujo caminho seguimos.
“Hoc est Christum cognoscere, beneficia eius cognoscere” (Melanchton). O
verdadeiro conhecimento de Cristo é a experiência do bem que Ele é para nós, e
dos frutos de vida plena que, Dele, glorificado pelo Pai, promanam para aqueles
que o acolhem na audácia da fé. O reconhecimento da singularidade de Jesus
traduz-se assim na experiência de sua contemporaneidade: Jesus, humilde e
redentor, faz-se presente a nós, aqui e agora, em todo poder contagiante de
seu caminho de libertação (FORTE, 1986, p. 326).

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UNIDADE 6 Bacharelado em Teologia

6 CONSIDERAÇÕES
Nesta última parte da unidade, estudamos sobre o significado salvador de Jesus
Cristo, homem e Deus verdadeiro e ao mesmo tempo, no plano de Deus.

Desse modo, no decorrer deste estudo, você deve ter percebido o quanto é
importante voltar a recuperar a tradição cristológica dos evangelhos e dos primeiros
séculos do cristianismo, bem como a integração de cristologia e sotereologia.

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANSELMO, S. Porque Deus se fez homem? São Paulo: Novo Século, 2003.

DUPUIS, J. Rumo a uma teologia do pluralismo religioso. São Paulo: Paulinas, 1999.

FEINER, J; LOEHRER, M. (Org.). Mysterium salutis: compêndio de dogmática histórico-


salvífica. III/7: o evento Cristo. 7. A atuação salvífica de Deus em Cristo. Petrópolis:
Vozes, 1974.

FORTE, B. Jesus de Nazaré. A História de Deus, Deus da história. Ensaio de uma cristologia
como história. São Paulo:Paulinas, 1986, p. 326.

GESCHÉ, A. A destinação. São Paulo: Paulinas, 2004.

LACOSTE, J. Y. (Org.). Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Loyola-Paulinas, 2004.

PEDROSA, V. Mª. Salvação/salvador. In: Dicionário de Catequética. São Paulo: Paulus,


2002.

RATZINGER, J. B. XVI. Introdução ao cristianismo. Preleções sobre o Símbolo Apostólico.


Com um novo ensaio introdutório. São Paulo: Loyola, 2005.

RIBEIRO, H. Por uma sotereologia com incidência histórica. Studium Revista Teológica,
Curitiba, ano 1, n. 1, p. 69-104, 2007.

SCHILLEBEECKX, E. Jesus. A história de um vivente. São. Paulo: Paulus, 2008.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegamos ao final da nossa disciplina. Esperamos que você tenha ficado
duplamente satisfeito, por ter se empenhado profundamente em seus estudos e por ter-
se encontrado, enquanto estudava, com Aquele que é nosso único salvador e se fez um
de nós, por nós e conosco. Ele é o nosso Deus. Um dia haveremos de encontrá-lo e viver
eternamente com Ele, para a glória de Deus Pai.

Você pode continuar aprofundando seus estudos, pois a firmeza nesta disciplina
cria bases sólidas para toda a vida de fé, e não apenas durante este seu empenho na
graduação de Teologia. Assim, procure constantemente ler os novos livros e estudos de
cristologia, que forem surgindo.

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