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MEMORIAS

PARA A HISTORIA
1)0

EXTINCTO ESTADO DO MARANHÃO


CUJO TERRITORIO COMPREHENDE HOJE AS PROVINCIAS DO

warn, PIAUH7, O R iO -F tti IAIIUOM S


C0LL1GSDAS E A N N O T A B A S
POR

h is t o r ia
DA COMPANHIA DE JESUS
na extincta Provincia do Maranhão e Pará
PELO PADRE JOSÉ DE MORAES
da m esm a Companhia.

TOMO P R IM E IR O

m@ « M i n ca®
I I P . DO C O M M ER C IO , D E 1IR IT © Os B R A G A
TRAVESSA DO OUVIDOR N. 17

■18 CO
> or£
AO PUBLICO.

I.

J i l l E s c a s s e z de noticias im pressas da historia p atria,


*(*}\ tornando-a pouco conhecida e apreciada inda mesmo
p o r acfuelles quo com especialidade se dedicão ao cul­
tivo dos estudos historicos, excitou-nos a levar a effeito hum
plano, que, com quanto superior ás nossas forças, prom ette
a litteratu ra brazileira os mais lisongeiros resultados, se
Deos perm ittir a realisaoao do nosso em penho, ou por nós
ou por o utrem que m elhor satisfaça esse desideratum.
O desem penho deste plano, facilitando hum completo c
veridico exame da historia do nosso paiz, perm ittirá aos
estudiosos e a m a n te s das nossas cousas, o conhecerem os
feitos notáveis, im portantes e gloriosos de nossos antepas­
sados, que sao patrim onio commum de sua posteridade.
Por outro lado a riqueza de factos, tão interessantes como
curiosos e originaes, que, em verdade, abundão na nossa
historia, descortinará mais uma senda aos litteratos Brazi-
leiros, cujos talentos não forem escassos, e nem desam pa­
rad a a im ag in ação ; pois poderáõ perpetua-los na scena e no
rom ance, quando queirão robustecer o espirito nacional com
a recordação das benem eritas acções de nossos antepas­
sados. "
Existem esparsos por differentes archivos, bibliothecas e
secretarias docum entos e m em orias do m aior interesse para
a historia patria, tanto na America, como na Europa, e m ui "
particularm ente em Portugal. CoJligidos em hum corpo, com
o que já se acha im presso, mas raro, form ando uma obra de
consulta, facil para todos que quizerem consagrar ao serviço
da historia do nosso bello paiz seus talentos e diligencia;
pareceu-nos tarefa de não somenos utilidade para as letras
entre nós.

1
.íins reunir em hum só corpo as m em órias c docum entos
interessantes da historia cio Im pério, á medida que fossem
descobertos c copiados, seria obra su p erio r ás forças de'um
individuo, e talvez ás de qualquer associação litteraria do
nosso paiz, a menos que não fosse assistida do poderoso auxi­
liar do G overno; pelos dispêndios que dem andarião a cópia
o im pressão, além de esforços pessoaes e paciência, sóm ente
aproveitáveis quando o am or da scion cia e segura critica os
dirigem , sem fallar do tempo que se consum iria para que
sem elhante trabalho poclcsse m erecer o acolhimento dos
entendidos.
. Limitando o nosso esforço a hum a p arte da historia na­
cional, a em presa sob todos os aspectos se tornaria fácil;
emssim se iria preparando gradualm ente as bases da grande
historia nacional, m onum ento destinado á penna mais habi­
litada qne de entre nos surgisse, c que aos enlevos de hum
cslylo harm onico e correcto, reunisse outras condições que
constituem o historiador o fanal dos povos no futuro, e seu
juiz no passado.
Procedendo-se d e s fa rte a respeito de outros pontos do ím -
peiio, teríam os cm breve e suavem ente collecções im pressas
de m em órias im portantes, que jazem desconhecidas; onde os
amigos c apaixonados da historia patria encontrarião riq u e­
zas sem conta, que lhes proporcionarião ensejo de, illu stran ­
do seu nome, fazer ao paiz e as letras inestim ável serviço.
Pede a verdade que confessemos qne alguma cousa já
existe_ encetado com este proposito, graças á esclarecida
direcção que deu S. M. o Im perador ao preparo de cópias
de m uitos m anuscriptos im portantes, que se achão nos a r­
chives c bibliothecas de Portugal, e mesm o de França (1);
e de uma dessas copias, p o r perm issão do hum ill Listrado
conselheiro da coroa (2), he que podem os levar ao prelo (3) a
presente historia, inda que incom pleta ; m as este m agnanim o
pensam ento do Soberano, de tanto interesse para o Brazil,
merecia em sua execução ter tido outro desenvolvim ento,
hm nosso hum ilde p en sar ganhar-se-ia duplam ente, se no
. fj) Sirva de exemplo a obra do Capuchinho Franccz F r. Ivo de E vreux, in*
titulada H istoire des choscs adrenues cu M a ra g m n , rs annècs 1615 d 1615.
(i) 0 Sr. Ministro do Imperio, conselheiro João de Almeida P ereira.
(•]) Sei iam os injustos sc não declarássemos aqui, que muito devemos á g c -
iiciosa cooperação do nosso digno comprovinciano o S r. comincudador José
An tomo vaz do Espirito Santo, am igo dedicado do seu paiz.
m
lugar onclc sc extrahem essas cópias sc fizesse loco a im­
pressão, pondo o Governo á venda os exem plares que en­
tendesse conveniente, tanto aqui como nas Provincias, tira
um a despeza fecunda, não devendo lastim ar-se o empate
que em principio, o por algum tempo, houvesse na extraccão
de taes obras, pelos proventos que se colheria com a vulgari-
sacão de tantas riquezas sepultadas no pó dos archivos o
expostas á perda irreparável.
, As cópias dos m anuscriptos, q u e se achão depositadas na
Secretaria do Im perio, de mui poucos são conhecidas; sua
vulgarisação he difficilima, e os que vivem nas Provincias
estão im possibilitados de consulta-las e aprecia-las; por­
ta n to , assim corno estão, de pouco proveito podem ser as
riquezas encerradas em taes docum entos.
lie pois bem visível a necessidade da publicação dessas
cópias por meio da im prensa, mas com certa ordem c classi­
ficação, para que a obra senão to rn e uma indigesta m iscella-
nea, agglom crados sem critica o sem nexo tantos m ateriaes.

Ií.

0 Im perio do Brazil se compõe de duas grandes regiões,


bem discrim inadas em qualquer carta geographica, que
constituirão duas grandes colonias da Monarchia P o rtu -
gueza. Huma a do Morte ou Amazônica, antigam ente denomi­
n a d a — Estado do Maranhão—, do prim eiro nome do famoso
gigante dos r io s ; outra do sul, denom inada Estado do Bra­
zil, sujeitos am bos á Corôa portugueza, mas sob differentes
adm inistrações.
0 segundo, precedendo ao prim eiro, na descoberta e co-
lonisação, e conseguindo no futuro im pôr-lhe seu nome,
estendia-se do rio da P rata ao cabo de S. Roque, limite que
posteriorm ente alargou-se, reinando D. João V, até a serra
da Ibiapaba. Tinha por chefe do governo um vice-rei; e
sendo sua prim eira sede a cidade da Bahia, teve esta por
ultim o de ceder o lugar á do Rio de Janeiro.
0 prim eiro, m enos rico em população, mas superior ao
segundo em territorio e riquezas naturaes, partia da serra
da Ibiapaba c term inava na direcção de sul á norte no rio
Oyapock. A’ frente do seu governo tinha hum capitão-gene-
IV

ral, im m cdiatam enlo sob a depcndencia da M etropoli, quo


em principio residia na cidade de S. Luiz do Maranhão, fi­
xando-se por fim a sede do Estado na capital da capitania,
hoje provincia do G rão-Pará. D urou esta situação até 1774,’
cm que as duas Capitanias do M aranhão e do G rão-P ará fi­
carão entre si independentes, e im m ediatam ento sim eitas á
Metropoli. G
O Estado do Brazil tinha sob sua dependencia differentes
capitanias, aclualm ente provincias do Im perio. 0 do Mara­
nhão tinha outras, que, por cessão, com pra ou abandono dós
donata rios á M etropoli, forão incorporadas ao seu governo •
passando de onze capitanias (*) a quatro, que são presente­
m ente as provincias do Piauby, M aranhão, G rão-P ará e
Amazonas.
Felizmente a vinda do Rei D. João VI para o Brazil acabou
com essas distineções, que sóm ente autorisava a difficulclade
de communicações das duas Colonias entre s i ; sendo todo o
te rrito rio .americano sujeito ao dominio portuguez, elevado
em 1816 á cathegoria de Reino, sob a unica denom inação de
Brazil, e com hum a só adm inistração. Este grande rasgo de
politica, que cobre de respeito e veneração à m em oria desse
grande soberano, tão pouco cornprehendido em seu tem po,
facilitou a independência do nosso paiz, e, o que he mais
im portante, o de não separar-se hum a só peça cio colosso
fundado por Portugal.
0 Im pério do Brazil, creado sobre a base do reino portuguez
de 1816, forma um todo, que será de indestructivel solidez se
os Brazileiros tiverem o preciso tino de conservar a unidade
religiosa, o laço o mais poderoso para a m anutenção da na­
cionalidade adoptada, e, com a preclara dynastia com que
nos m im oseou a Providencia Divina, o system a de governo
que nos legou o Fundador do Im perio.
Sem estas condições nenhum a b arreira poderem os oppôr ao
espirito de dissolução que tanto nos atorm entou no prim eiro
alvorecer de nossa emancipação politica, e que ainda póde
accordar, am eaçando destruir o E stado, talvez, o mais hom o­
gêneo que exista no globo ; em qucpredom inão em sua quasi
totalidade, um só idioma, idênticos costum es, e o firm e e o
m ais inabalavel esteio de sua unidade, a religião catholica.
( ) Eis os nomos das onze Capitanias : — M aranhão, Cumá, G uiupy, Caeté,
G rão -P ara, Joannes ou Marajó, Camilla, G urupá, Rio Negro e Cabo cio N orte,
'pie posteriormenlc se chamou a Guicnna Porlugneza.
m m em 1mm su corpo, a p arlir Jo anno ,1c Ili 12 época cm
quo co,,moon a ym gar a colonisação e conquista p õ r K o t ?
sa rc lo v o s da Franca, Portuga!, ITospinlm, K l e m e
one
x oom
oil vilórhia solicitai,
s S f f Te, Sadquirindo-os,
í oc!™ c,n los P»n> a nossa
prom historia,
over nela ini
l>rensa sua v u lp ris a ç ã o ; constituir,Jo. po a sim dizer I nn
arm azém m o Je factos, e adaptado ao fim que tem os cm n
Convem m uito que possuam os uma h isto ria“ !„? l
form a e veracidade, da posição que já oecupanm s e m o vi-
í e m o o a o c e u p a r n i n dia e m f a c e d o g l o b o ■q u a n d o á America
am parada do dons oceanos, sem receio tie i „ S s l/àrba e t
cas, sob o impulso da m ais em inente civilisacão a c h ristã do
quo sera a herdeira e m antenedora, so u b e r' i^ te n h h cnm
a sua hegem onia por Iodas as regiões d erra F n r o im
S1 rnacao,
: a lao bella quao feliz p arte do mpor sua t Btt^raculosã
undo
0 que portanto iizerão nossos antepassados d e b a n d e e
de notável deve-nos m erecer o m aior zelo e respeito n o r!
que lie sobre esses esforços que assenta a grandeza do colos
r o w ts r ^ r » s bamos- d ~
^ t ; ° e S raf e
dos precedentes, distinguindo-se apenas pelo estvlo „n

: U! düJdnian(l0> quanto as épocas notáveis de n n « n h;ctA


K ° « r r * &
im pressas, que muita |" “ p o d lm
de incorrecto e

' : r tf,» i a S t f t t t c K 8Tan,le mcre’cim“ to:


0 im pulso dado por S. M. o Im perador, na cópia de fan
los o rno interessantes m am iscriptos, deve se r continuado õ
eííicazm eníe auxiliado, sob pena de expor-se o p a i f á Serd?
t e t oeuiiientos tào preciosos á sua historia. Basta o*que iá
co tem extraviado, e desgraçadam ente som rem edio

■s --uricnte
a m S 1D ^ n To [n1!í,
p aia paiz, mreunindo
í -r ° f ediamos
em um com
corpo«certo,
sob oe titulo
vantajo-
de
V ii

—Memorias para a Imloria do anliijo Kslaiio do Maranhão,


— tndo quanto so iia escripto do im portanto, o so ;U * ! ; i i

inedito ou im presso, mas mui raro a respeito das q u alm


provincias m ais septentrionaes do im perio: Amazonas. Crão-
P ará, M aranhão e Piauhy, que o u lr’ora constiti iifso a rrn el Ia
vasta colonia portugueza.
Parece de razão que nesta classe de trabalhos se devora
preferir a ordem chronologica, sem pre que se désse a pos­
sibilidade; m as nao se verificando a hypolhcse por não
possuirm os todas as m em órias e docum entos, entendem os
t[ue podíam os usai dc aibitrio, fazendo im prim ir cm prim eiro
lu g ar o que julgássem os de mais im portante.
P u tre todos os m anuscriptos dc que temos conhecim ento,
sobre a historia do Estado do M aranhao, demos preferencia
á obra do P adre José de Moraes, da Companhia dc Jesus,
intitulada : Historiei do, Gompanhia dc Jesus da Provincia do
. Maranhão, que ás reaes cinzas da Fidelissima Rainha Se­
nhora Nossa D. Marianna d’Austria, offerees seu author o
Padre José dc Moraes, filho da mesma provincia anno
de 1759.
Com quanto de data mais recente que outros m anuscrip­
tos, e já com a perda da segunda parte, e por certo a de
m aior m erecim ento, como o proprio au th o r observa no seu
prologo; m ilita em favor desta obra a circum standa de ser
trabalho mais com pleto, nasepochas de que trata, que a m or
p arte das m em orias dc que tem os noticia, sem exclusão dos
AnnaeS' de Perrodo (*); occupando-se algum as de factos de
hum a época, mui lim itada, e sem certos detalhes, indispen­
sáveis para a inlelligencia de m uitos pontos historicos, hoje
de diíílcil explicação, anthorisando a duvida sobre a sua
existência. P or ou tro lado accresce que, bem que não prim e
esta producção pelo estylo, o ser escripta por bom chronista
authorisado pela Com panhia, de que era m em bro distincto,
lie m ais hum a garantia da veracidade dos factos relatados.
_0 estylo do au th o r sobre pesado, m uitas vezes obscuro,
nao passa de hum a pallida imitação de Jacyntho F re ire ; m as
be a obra rica em factos e de docum entos de muito valor,
de circum standas pouco conhecidas, que rectificào e escla­
recem m uitos factos da historia p atria , alguns bem p ro b le-
0 E ste au th o r hc m ui resum ido cm algum as cpnchas notáveis da h isto ria
do M aranhão, que deverião m erecer-lhe o utra altenção, sobretudo ern relação
a conquista dessa P ro v in cia pelos P nrtuguezes, c expulsão (losIfollando 7.es.'
m,".liens, e outros do proposito <lesii^ui’ados on esquecidos
{)or auto res quo. nao ton do boa fé, procurarão pela conspira-
oai) do siioncio calar os ocos dos leitos dos sciis adversarios.
Aden do que,tendo sido o nosso paiz creado pela mão dos
.]es mias sobre tudo as provincias que form avão o antigo
estad o do M aranhão, convinha dar preferencia a hum a h is­
toria cm que vem notados com extrem o zelo, especificados
os afanosos esforços dos filhos dessa valorosa Com panhia,
iniqua e cruelm ente recom pensada; corporação tão solida­
m ente organisada, que liie coube o dom de não ter nem ju ­
ventude e nem caducidade; tornando seus filhos, typos de
saber e de virtudes, os prim eiros granadeiros da Igreja, e
sabendo inspirar por sua dedicação sem horisontes, o inex­
tinguível odio dos inimigos do Crucificado (*).
í ) I>a‘‘a 'M'ul avaliar-se os bons serviços que prestou na America a Compa-
iiliia de J e s u s , c a injusliçíi, senão iniquidade, com que foi tratada pelos
governos da tran ça, da Hcspaiiha c de Portugal, sem nos referir-m os aos ser­
ve os que por aqui fez, c que por todos os modos se procurou, c ainda se
jirociira desconhecer ou illm lir; basta que citem os o testem unho de D. Antonio
de Ulloa e de D. Jorge Ju a n , mandados pelo governo hespanhol cm 1735
com a commissao da Academia Franccza, da qual fazia parte M. dc la Conda-
m ino, que tinha ido medir o arco do m eridiano no equador.
0 nome de Ulloa lie demasiado conhecido na republica das letras, por sua
prolmida iliusfraçao, talentos adm inistrativos c honestissim o caracter, para que
sc ponha cm ouvida o seu testem unho cm hum a informação secreta dc que
Joi encarregado pelo governo do seu paiz; testem unho tanto mais apreciável,
quanto Ulloa estava dominado das ideas da época, pelo que respeita á institutos
religiosos. 1
Nossa inform ação, toda confidencial, aoim nist.ro Marquez da Ensenada, que
foi publicada cm Londres cm 182(5 por David Barry, sob o titulo — N oticias
sect elas da Am erica , be quo sc pódc aquilatar o valor dessa magnifica cor-
poiaçao, a inesma cm toda a parte ; sem pre excitando, por sua heróica firmeza,
virtudes Christas, o esforços tão intclligcntes como assignalados em defesa da
causa da Igreja, os tiros da inveja c da calum nia, cortejo obrigado de todo o
verdadeiro m erecim ento.
Não nos podemos furtar ao prazer de consignar aqui hum a curta citacão, sen-
tm doqiic nao possamos lazer dc toda a obra, que lie m uitíssim o interessante, e
a dillcrentes respeitos.
Pelo que toca aos hospitacs do Perú, Quito e Nova G ranada, cuio estado era
desgraçadíssimo, dizem os Commissarios Hespanhoes o seguinte a pag. 329 :
« Si se encarga de cllo a los Gobcrnadorcs, cs lo mismo que agregarles una
mmva ícnta a las m uclias que ya se han apropriado. Si se da á las religiones
lospitalaiias, como a la dc N uestra Sonora de Belen en todos aquellos reynos,
o a Ja dc òau Juan de Dios será agregar riquezas á las comm unidades sobre
as m uehas que alli tienen sin beneficio del publico, ui esperanza de tenerlo.
Mdo uno arbítrio hay, el unico á nuestro parecer, que pueda salvar los incon­
venientes de aquellos, y es que todo este negocio se ponga al cuidado y zelo
de los 1 adres de la Compaiiia, pues aiinquc su Instituto no soa de hospitali-
I\
Poucos dados biographicos temos á respeito do Padre José
de M oraes, que depois da supprcssão de sua illustre Com­
panhia, se cham ou Jose Xavier de Moraes da Fonseca
Tinto. E esses dados colhem os da leitura desta obra, e de
algum as notas do catalogo dos m anuscritos de Évora!
ignoram os o lugar do seu nascim ento, parecendo sor sua
p atria P ortugal, onde viera á luz em Tins do século XVII
bem que fizesse sua entrada na Companhia na vice-Provincia do
M aranhão desde o anno de 1798, segundo consta de hum dos
catalogos da Companhia que lemos, cuja cópia se acha no
archivo da Secretaria de Estado dos Negocios do Im pério.
Em 1730 ou 1737, passou a servir nas Missões do P ará, pa-
roclnando algum as das aldeias á cargo da Companhia de
Jesus, por m uitos annos.
dacl, cl dirigir este negocio no és ser Iiospiírite m s, ni es menos piadoso y
agradabie a Dios et de loniarlo a sn cargo, que cl de la predication y onsefianza
del Dyangclio, piles uno y oiro son actos do caridad, la qnal in ninguna reli­
gion de las que hasta el presente so Indian estabelecidas en Ias índias, so nola
com tanta yciitaja como on esta, sobre cnyo asunto nos dilatarem os lo n e c e s­
sario quando tratem os de las religiones. »
E mais adiante, pag. 3 3 2 :
..................... , porque al demas el don dc gobierno de que
como todos convicnen está dotada esta religion, su z e lo , sii dicacia, sn
car;dad, cl amor particular con que m ira y trata á los índios, son prendas que
sc liallan tan elevados en todos sus individuos que los liacen dignos y únicos
acrcedores á tanta contianza quanta pide el cuidado de los índios, los quales
verdaderam ente m enores, no tienen hoy quien los m ire ni aun con aipiclla
preçisa caridad de próximo. »
Em outra parte, tratando das Missões dos índios, pag, 38 í, assim sc e x ­
pressão os mesmos commissarios:
« Todas las religiones predican el Evangelio, y todas san proprias para ins­
truir en la fé de Jcsu-Christo, y para doctrinar en ella á los in fie lc s; pero cri
donde se liacc preciso que cl agrado, el carino, la suavidad, y la dulzura vayan
liaciendo-se duenos de la voluntad, para que adquirido por estos medios el
trninío dc la confianza hallen lugar las persuasiones, cs preciso hacer eleccioii
de sugetos en quienes concurran estas circunstancias, pues de ellas solas se
debe esperar el buen exito de la conquista, y faltando será trabaiar para no
conseguir.
« E stas circunstancias particulares sc India en la religion de la Com pania,
la aue parece está dotada m as sobrasalientem ento ; porque desde los prim eros
p x, s que dan sus hijos en el noviciado, ernpiczan a adquirir distinctas pro­
priedades, perfeccionando las que tenian antes. Dc aqui naco que ninguna o tra
religion lia hecho tanto fructo en lasm isiones dc las índias, porque los genios
de sus individuos se acomodan bien á lo que es preciso que concurra en los
que ban de tencr por exercício la conversion de unas gentes tan barbaras v
ignorantes como son los índios.
Posteriorm ente foi para o collegio da cidade de Belém
onde seu m érito no cultivo das letras lhe m ereceu a distinc-
cao de substituir na graduarão de chronista da Provincia
de sua Ecligiao, ao Padre Bento da Fonseca, que passou á
Lisboa á exigência do Governo, e onde servio de P rocurador
da mesma I rovincia. Este facto revela o seu m erecim ento
e a consideração em que era tido.
A tem pestade que estava a desabar sobre a Companhia
de Jesus, em hum século de tanta depravação, o apanhou
quando a obra que em prehendera não se achava completa
tendo-se perdido os m ateriacs por elle organisados para a
cJaboraçao da segunda parte de sua historia. Perda sensível
o por ora parece que irrem ediável.
Sendo a presente historia preparada na época em que o
« Asi lo está manifestando et progresso que lienen hecho en el MaraTíon
donde hubieran podido llegar hasta su desembocadura, redi,cindo todas las na-
c ones que pioblaban las dilatadas orillas de este rio, y Ias mas contim ias á
e tas, no menos que las que habitan en tas demas que le tributan suas aguas
si la osadia dc los Portugueses dei P ará no se Io hubicra estorbado ’
« JNo debemos dar asenso á los exem plares que en varias relaciones citan
L s demas religiones de Io mucho que adclantanen las que les pertenecen por
UC Io que en ellas sc pondera,.lleva la maxima de embelezar á los m h ístfo s
de por aca en sus ideas, pues bien mirado y reconocido por sugetos que te n -
dC 10 qUC SUCede en “« M o s payses, se vendrâ á aTeriguar
lUa d T f a ^ c í ^ S imie,lt0’ ° qUC nÍllbrUlia PUCde *iaccr en est0 com petenda á
• " Es P°r esta r ?zo,n nos hemos ceíiido unicam ente á haccr la com oara-
m ! o \ m l ^ ,7 V1f 1í Q| lt0l ád0ildc tcnc:rios tai] individualisado este a sín to
|ue no sei a facil el que las demas religiones se atrevan á contradicir-lo sin el
peligro de no poder satisfacer á las reconvenciones que se les harian si in
v e r quo suze!o y los progresos d e é l, ó sus costumbres y moda
(] ii i paieccr-sc a las do la Corn pania, ó que eran tan proprias como las
de estos para la reduccion dc los índios, » P 1
Uí^nnnhnf' 528 ’ .tratando do estad° tlas Parochias daquella parte da America
1(espanhola, exprim em -se desta sorte :
(f Los unicos Curatos que se les debeii dejar á las religiones, son los de
fm0>ieS m odernas> ?ue son precisam ente deM isiones, pero esto ha de ser
en la foi ma que queda dicho cu el cap. 5 dc esta P arte I I : porque en las Mi-
s.ones no tienen ocasion de utilisar-se como en los curatos, y es mas proprio
del caiactei ícligioso este exercício que cl dc Curas. Pero quando las relíd o ies
o T u í t I f l T r en íl- COil fcrT y zcl° (lue sc debejen tal caso p o t S n
af.ics ar-se todas á la Compama, que las adm illiria con grande am or y con h
f â Z g ,a « « * * * > - * t o m payses de iSfieles
« Ilalla-se esta religion fu era de los desordenes de que hasta aqui hemos
liablado, porque su gobierno diverso en todo al d e la s o tra s .n o le consiente en
sus indivíduos; asi no se vc en elíos la poca religion, los éscandaLs y el ex-
Al
mm rjiiez do Pom bal, ajudado polos sous dons ileis apontes
o conde de Bobadella, no sul, o sou irm ão Francisco Xavier
ce Mendonça Furtado, no norto, promovia a d estruirão da
Foinpanlua do Jesus pelos reprovados meios hoje bem co­
nhecidos e p aten tead o s; ressente-se cm algumas partes do
tem or e dos sustos, em que vivião os Jesuítas da America
conda quem sc tentava o prim eiro golpe. He por isso cuie
no corpo desta obra sc leem estranhos elogios á adm inis-
liarao de Mendonça burlado, e d e sen digno irm ão, o celebre
m inistro de D. José L, que aliás não erão credores de tantas
com placências. Parece que se temia a perda do m anuscripto.
e duplicadas tyrannias, se o historiador ousasse escrever
toda a verdade a respeito destes personagens.
Não sabem os o destino ultimo do P adre José de Moraes
nem quando adoptoii o nome de José Xavier de Moraes da
r on se ca Pinto; sc foi dos presos nos horrorosos carceres
da Junqueira, sc dos desterrados nas costas dos Estados da
ígeeja, e que depois voltarão a Portugal, no reinado de
H. Maria I. Nossas conjecturas ievão a acreditar que o Pa­
di e José dc Moraes se resolvera logo a abandonar a roupeta
da Companhia, assim que chegara á Lisboa, visto a nota
que sc acha inscripta no fím da prim eira p arte; não tendo
loiças, em razao da idade, para su p p o rtar os m artyrios do
tiavio dc conducta que es tan comun cn los dem as, y aunque quiera empezar
ajguna especie di abuso, lo purga y extingue enteram ente cl zelo dc un go-
Ijierno sabio con el quel sereparan irim ediatam entelas tlaquezas delafragilidad
« A quibrilla siempre la pureza on la religion, la honestidad sc hace carac­
ter de sus individuos y el fervor Christiano, hecho pregonero de laju sticia y do
ia lritegridad, esta publicando cl honor coil quo se mantiene igual cm todas las
p a rte s; dc modo qne comparados cn parte d en el todo un Jesuita del Peru
sea crioIJo o Europco, con un Jesuita dc olro revno (deponiendo de dl anuella
inconsiderable pasion nacional quo ds incorregible y general cn aquellos pay-
se.s b Poc‘ran cqmvocar-so sin quo se encucntre cosa quo los distingua • v del
m ismo modo un Colégio d una provincia di ella, parece que á cada instante del
í l n !ransp0r a dc ^ r o n a a afl«?elles payses. y que acaba de llcgar á ellos,
scgiin conservan en todo la formalidad del gobicrnoy la precision dclasbuenas
costum bres, como preciso instituto de la religion.
in Ín/ n,j<1ÍH(;l0l‘ al Puclio vicio que bay cn aqucl pays es preciso pervierta
la conducta de alguno de sus individuos, pero inm ediatam ente se percibe la
leitta, se pone el reparo al dano, y por medio de la expulsion, se m antiene
siem pie eu un ser cl estado dc la religion; por esta razon cs muy com un el
ver en aquellos payses expulsos de la Compaíiia con abundancia, y el veria
asi mismo expulsar continuam ente, quando larcpeticion delasam onestaciones
y consejos no pueclen conseguir la total cnm ienda. Este es cl unico medio dc
lograr la íntcgridad y el buen orden, y este cl do m antener-se, sin que la cor-
rupcion entre hacicndo destrozo cn las buenas costum bres. »

i
XII

desterro ou do cárcere que prom etüa o frenesi fanatico do


jansenista Pombal. De outra fórma talvez se não possa ex­
plicar a presença do m anuscripto e nota, em hum archivo
publico de P ortugal, com o nome ulteriorm ente adoptado
pelo autor.
Portanto dando á estam pa a presente obra, pensam os ha­
v er feito á historia e litteratura patrias um pequeno m as
valioso se rv iç o ; e ficarem os bem pagos se fôr lida pela m o­
cidade estudiosa, e aproveitada pelos que, cultivando essa
historia, se esforção por enriquecer nossa litteratura, pondo
em relevo os feitos que nobilitão e engrandecem a naciona­
lidade brazileira.
Possão nossos gloriosos antepassados sob a lousa do se -
pulchro estrem ecer de jubilo, vendo não olvidados seus
nomes e seus feitos por aquelles á quem derão hum a patfia.

Ca n d i d o M e n d e s d e A l m e i d a .

ruo de Janeiro, 15 de Maio de 1860.


HISTORIA
DA

NA E X T I N G T A PROVINCIA

DO

MARANHÃO E PARÁ
PELO

$aãtc ^oóc 3e JlíbofccteO


Da m esm a Companhia.

RIO DE JANEIRO
TYPOGRAPHIC DO COMMERCIO, DE BRITO & BRAGA
TRAVESSA DO OUVIDOR N. 17 .

I8 6 0
''c ^ i S x S 'N

ÁS REAES CINZAS

DA

FIDELISSIMA bainha e senhora nossa

OFFERECE A

ó^oiòioúco (5otu|iattêta ~òc ^cóuó

NA P R O Y IN C IA DO M ARANHÃ O E PA RÁ

O seu au to r, filho d a m esm a P rov íncia,

(7 ^ac/re c77e c/c

Collegio do P a rá , Julho de 4759.


S e u iio ra

STA obra, que íium iidem ente p ro strad o offereço


as reaes de Vossa M agestade, além de set
obrigação, he lam bem divida que a nossa Vice-
Provincia conlessa á saudosa m em oria de seu
immortal nom e. Na m orte ditosa de Vossa Ma­
gestade desabatou ella o seu grande sentim ento,
m ostrando o reverente affecto que já lhe tinha
onsagiado em vida, e ainda depois de m orta,
^ada um dos sacerdotes com trinta sacrifícios, e
anu trinta rosarios os que o não erão, pequeno
ributo á vista dos m uitos benefícios que de
^ossa M agestade recebera, porém nunca visto
m tre os m ais insignes bem feitores a que a nossa
p atid ao não igualou ainda com hum tal num ero
de íunereas rogativas. Mas como não havia de ser assim .
Senhora, se Vossa M agestade sobre favorecidos nos deixou
totalnieiite em penhados com dividas tão sem com paração
excessivas, que sinceram ente confessam os faltarem -nos vozes
Para dignam ente as expressarm os, tendo-as apenas para as
publicarm os agradecidos.
boi a real clemencia de Vossa M agestade o nosso m ais
seguro asylo, o nosso m elhor descanso e a nossa m aior
protecção, que parece se sepultou toda no mesmo dia em
que esse real cadaver, cuja lalta chorám os, e sem consolação
algum a ainda experim entam os.
Em outro tem po nos animavão ao serviço de Deos e da
sua real corôa, as singularissim as cartas que recebia a V ice-
Provincia, intitulando-se Vossa Magestade nelias Clem entís­
sima Senhora de toda ella. Assim o vi firm ado de seu real
p u n h o — Tohus Missionis ckmcntissma 'Domina Marianna.-
/
h ! Senhor-a, que este clem entíssim o nome está ainda l«âo
im presso nos corações destes afflictos e desconsolados Mis­
sionários, que o não podem ouvir sem lagrim as, nem rep elir
sem te rn u ra s, lembrados dos m uitos m eios que a sua real
grandeza buscou para os favorecer por todas as vias, sendo
tal e tao grandioso o fervoroso zelo de Vossa Magestade,
que, a expensas reaes, m andava vir da Allemanha os m uitos'
e dos m elhores sugeitos da nossa Companhia, que não se r­
virão pouco á esta laboriosa m issão nas obrigações do nosso
apostohco instituto; ajudando com igual espirito aos nossos
padres portuguezes a converter m uitas almas a Deos, e a
m andar o u tras para o céo, em que vinha Vossa Magestade a
ter a m aior parte em hum serviço tanto de sua gloria, como
0 augm ento da Christandade, que era o m esm o que m ul­
tiplicar m aior num ero de vassallos á sua real coroa.
D espertadores os m ais vivos para a lem brança forão sem­
pre em nos estes reaes benefícios, que nos fizerão passar
com a confissão da divida o m esm o reverente obsequio além
da m orte, e eu agora com a presente historia, m uito além da
sepultura, deoicando-a á saudosa m em oria de Vossa Mages­
tade nao pejo tosco e pouco polido da obra, que, como tal
a julgarnos justam ente indigna de se chegar ao venerando
tum ulo de su a s reaes cinzas, m as sim pela m ateria, por ser
oda ella m ilito do agrado de Vossa M agestade, quando viva,
1 o, comd he, do serviço de Deos, augm ento da fé e pro-
T J T 8 maS / m - tÍV° P° r que só a ju l2uei m erecedora
rmmiPi|re a ^I protecção, suppondo-a, como piam ente creio,
naquella p atn a onde o m esm o viver lie reinar
A m pare-m e pois, clem entíssim a Senhora, o seu real nome
iletendeiKlo-mo da justissim a indignação daquelles quo 5
garem reprehensivel o m eu atrevim ento, assim pela debili­
dade da victim a, como pelo respeito quebrado ao altar, onde
offereci, m enos considerado, o sacrifício ; por que para o
pn m e.ro , m e obrigou a obedieneia de súbdito pa a o
segundo m e m oveu a obrigação de vassallo, que só para
signa! da devida grabdao as suas reaes m ercês offerece hum
tao limitado tributo, mais para confessar a obrigação que
p aia rem ir a divida ; apresentando por principio do nosso
agradecim ento este pequeno livro, que todos hum ildem ente
prostrados ante o tumulo de suas veneráveis cinzas, pedi­
mos se digne receb er e com o seu real respeito am parar,
iva e reine Aossa Magestade nesse im p e rio , e seja o seu
nom e eterno nos livros da vida, assim como ficará etern a­
m ente gravado nos annaes e historias da nossa Vice-Pro-
r C1\ , de quem m e confesso o mais indigno filho e de
V ossa M agestade o mais fiel e agradecido vassallo

jioóc Mooiacó.
P i t « 1. 0 « o .

i\rh S discreto que pio, leitor, te quizera agora,


p orque da tua discrição, m ais que da tua" pie­
dade ha de sahir, depois dc lido, a sentença,
que espero a m eu lavor, visto que para a
piedade te pôde m over o sensitivo, e para a
discrição só te saberá guiar o raciocínio. Se
souberes os motivos que me obrigarão a m etier
os hom bros a h u m a o b ra tão alheia das m inhas
forças, não só me desculparás pelo atrevido,
senão que até te has de com padecer pela infe­
licidade de o parecer, sem o buscar, porque
sem pre busquei p arecer o que na verdade era
sem a flectar o nom e de historiador, que con­
fessava á boca cheia não sabia nem ainda o
genuino nom e da H istoria, por m ais q u cn ella
m e applicasse sem fructo. Mas que ha de ser se
para se r em tudo desgraçado, até a m esm a
confissão, sendo tão v erdadeira, m e não pôde p ô r em g r a ç a :
pensão inviolável de hum p o b re subdito estar sujeito "ás in~
falliveis execuções de h u m P re la d o ! Quando eu imaginava
ficaria alliviado da pensão, no gasto da qual julgava se havião
d esp en d er os cabedaes e talentos que não tinha, vim a ficar
com a pensão, e com o perigo da occupacão m ettido em
c a s a ; p o rq u e sem p re receei fosse esta H istoria a Helena pelo
respeito da q u al se viria a abrazar esta m iserável Troia,
vendo já a rd e r a casa do m eu vizinho: Jam proximus ardei
Ucalegon.
P o r mais que m e desviei, nem a incapacidade me preterio,
n em o conhecim ento do perigo m e salvou. Que havia de
fazer pois, discreto le ito r, m ettido intra malleum et in
cudem f Já vejo me dirias sobre ju d icio so -devoto, que o que
devia íaztM- ('iii (ibedeccr : porque o contrario era n a v e a r
sem norte, e cam inhar sem guia. Corrão por conta °do
subdito as execuções do preceito, e pela de Deos correrão
os acertos da obra. Bem desejava eu que os tem pos corres­
sem seguros, e as occasiões m ais favoráveis ; mas quiz a
desgraça que cada vez mais se augm entassem as descon­
fianças de me faltar tem po para o rem ate e com plem ento da
obra ; e depois com m aior socego co rrer as peças para lim ar
o superfluo e polir com m ais vagar os defeitos * não para
que corresse totalm ente livre, porém ao m enos para que
ficasse em p arte m oderada a censura, e m enos culpável o
motivo delia ; sendo certo, não m e atreveria a m etter no
Perigo se prim eiro me não obrigasse a necessidade.
Confesso-te (e não duvides ser a confissão bem feita, não
lhe faltando as condições de hum ilde, verdadeira e inteira)
que a me ach ar menos adiantado na escripta, a não p ro ­
curaria com tanta diligencia acabar, pelo que dizia respeito
a prim eira p a rte delia ; esperando m elhor tem po, que o em
que via esta afflicta V ice-Provincia; por não acabar com a
obra o artificio delia, pois estava vendo com os olhos e
apalpando com as mãos a s m uitas transm igrações dos indi­
víduos da Companhia p ara o reino de P o rtu g al, entre os
quaes, se não tinha sido dos prim eiros, nunca deixaria de
ser dos ultimos.
Esta a razão, porque o receio me não fez avultar
mais este tom o , vendo-m e quasi obrigado a colher as
velas ao discurso, em quanto as não largava ao desen­
gano, dando-lhe o fim o mais breve que pude, para o
o acabai , senão pelas m edidas do desejo, ao menos pelas
ia cautela; porque ao tempo que me alcançasse o repen­
tino da ordem , m e não apanhasse o descuido com a penna
na mao, para poder dizer então como o philosopho, omnia
mm meciirn porto, até p oder com mais vagar c a stig a ra
obra pelos preceitos do poeta lyrico. Mas quem sabe já o
que vira, e se m e poderei algum a hora lisongear com a e s-
ai!tes n;e succeda 0 que aos transportes de
um fiabando, que de ordinário são mais as occasiões de ser
tom ada, que de se r posta em salvo a fazenda ? 0 que Deos
im poítaqUe Sempre Será ° que mais Gonvem. Vamos ao que
( J S J ® , ? e r’ <|ue a? tempo 1 ue se «sta Vice-
1,11 « S P » # » <le ser Provincia, não faltando mais
quo a chegada da cuiiíirmação do reverendissim o Geral, por
estarem já verificadas e approvadas as prem issas ’ era
preciso estar também prevenida a historia para se vir
no conhecimento das fervorosas acções de seus tão
zelosos operários, que á custa de tantos suores e trabalhos
e ate das próprias vidas a fundarão e estabelecerão p o r es­
paço de m uito mais de um século; visto que não faltavão
m em orias, e escriptos, que os nossos antigos nos deixárão
nos cartorios, não tendo servido até agora mais que de
notas ao nosso descuido, e esquecimento á nossa obrigação.
O prim eiro a quem esta nomeação de chronista tocou
antes de por mãos á obra, as poz na cabeça vendo-se obri­
gado a p artir para Portugal (*), ideando talvez no penoso da
viagem a chronica da sua mesma vida, correndo por m ar e
terra com a mesma torm enta que o se g u ia: entre o tem or
e o receio de sem elhante derrota. Succedi no cargo e ao
m esm o tem po no p e rig o ; e cuidando m uito em não d a r mo­
tivo para a suspeita, e para a queixa, me fui conservando
por espaço de tres annos, em que pude alinhavar com tra­
balho estes poucos e mal arrum ados cadernos, que desde
agora ofíereço á tua censura, sem saber ainda o fim desta
poi tentosa catastrophe, nem tão pouco aonde me conduzirão
meu destino : vendo-nos já sem o m aior nervo das nossas
mais rendosas propriedades, entregues quasi todas nas
maos dos reaes m in istro s; signal de que acabada a substan­
cia,^ acabará sem duvida o individuo ; vendo-me pela mesma
lazão obrigado a acabar o nosso prologo, para que se não
cuide vou botando lôa de tragi-comedia.
O trabalho com que fundi as peças desta obra foi, sobre
violento, penosissim o, pela circumstancia de não ter ama­
nuense que ajudasse a grande decadência da m inha vista,
que assaz íazia em rever e com binar as noticias e relações
que havjão de servir de m ateriaes para a creação da obra:
motivo por que me era preciso pedir m e ajudassem , a
alguns leigos epadres desem baraçados, mas não tanto que se
pudessem estender a longas paginas este para mim cansado
alhvio, e para elles trabalho estranho : vendo-me obrigado a
accom modar com a diversidade de letras, e pelos leigos menos
destros, de erros e descuidos, que era preciso em endar

( ) Era o Padre Bento da Fonseca, uma das primeiras victim as do marquez


de Pombal, na perseguição que projectava contra os Jesuitas.
V

depois com entrelinhas o a d ita m e n to s. e algum as vezes


riscar o já escrip to .
Se a invernada presente p assar, e do M aranhão chegar o
theologo, que está quasi acabando os seus estudos, e avi­
sado p ara me a ju d a r com a sua boa letra, poderei ainda pôr
em lim po estes bo rrõ es, e com m ais vagar ir aperfeiçoando
para ficar m enos má a o b r a ; quando não, ficará em em
bryão sem vida, e por conseguinte im possibilitada a sa h ir á
luz pela estam pa. Por hora só te advirto, que no que toca a
verd ad e, alma da historia, me não afastei um ponto das que
julguei mais bem averiguadas noticias, que era o m ais a
que se podia esten d er a minha lim itada reflexão; e se com
tu d o , ainda assim errar, será o e rro mais do entendim ento
nascido que da vontade, por serem cousas que por m uito
antigas não podem ser apoiadas de m aior abono, que das
m esm as m em orias donde 1‘o rão exhauridas, succedendo-m e
0 que ao cam inhante a quem a necessidade faz b eb er da
lorde qu e a occasião lhe offerece, não descobrindo outra de
que fazer m elhor eleição. Pelo que respeita ao estylo, con­
fesso a m inha in o p ia, que assaz indiquei no ensaio dos tres
prim eiros cadernos, que logo sujeitei á censura dos m ais
versados na historia, a quem sabia não havião de m over a
paixão, nem o respeito : porém quiz a desgraça que me
m andasse quem podia, continuar, apezar da m inha re p u ­
gnância, que já não teria lugar, su p p o staa approvaçãodo re ­
verendissim o G eral, perante o qual representei a m inha in -
sufficiencia.
He certo, que pelo que p ertence ás léguas e distan­
cias na descripçao do celebrado rio das Amazonas, e tan to s
outros que nelledesagiião, trib u tan d o -lh e o caudaloso cabedal
de suas aguas, o íiz sem pre com receio de que poderião ser
m enos exactas, sendo feitas suas observações sem os i n s - '
trum entos da arte, sendo preciso aos que nos deixarão suas
noticias valerem -se as mais das vezes pela fantazia e com­
puto das viagens pela relação de seus diários; m as como
no mais concordão um as com outras as noticias, bem se pode-
iã o com pensar as incertezas daquellas com a verdade destas.
0 £ uf r _ 0 segundo tom o, ou segunda p arte a
ctiílusa íelação cie tao famoso rio, querendo antes com ella
1eniatai a seguinte historia em ordem a nos ficar o ca­
m inho m ais desem baraçado para a viagem dos nossos p ri-
( ’) Tem hoje a denom inação do thinijó.
M ciros m issionários, que íoí»'o en trarão á obrar iervniusns
pelo que vai do principio da sua grande boca pela ilha de
, oaiines ( , no cabo do Norte, até onde se estendem e rema
ao ao pi escute os dilatados domínios de Portugal, porque
por toda a larga e dilatada distancia de suas m argens o b rá -
rao os íiíhos da Com panhia innum eraveis reducçòcs do «en-
tm sm oj sendo m uitas e não pequenas as p o v o acõ csV ie
Umdarao em beneficio das almas de tantos barbaros, e em
avultado num ero devassados para a coroa portugueza, m uito
a custa da m orte dos que acabarão na em prcza, o insuppor-
aveis trabalhos dos que continuarão ainda na cam panha c
conquista. 1
0 que te posso com verdade asseg u rar lie, que na segunda
pai te (dando-m o Dcos vida, e tempo favoravel) en co n trará
a tua curiosidade não pequenos m otivos de recreio. Q ueira
a Jhvma Providencia perm it tir se ponhão as cousas em
m elhor form a, para me p ô r cm estado de continuai1 com
m aior vontade e socego que até aq u i, porque as m uitas e
boas noticias que tenho em m eu poder me estão convidando
paia o fazer com m elhor gosto ; por neilas occupar unia
grande p arte as adm iráveis, e grandes acções do zelo e go-
verno do em tudo adm iravel p adre Antonio Vieira, que até
ao presente se não sabem .
1 oi ém basta já de prologo, qne estão os navios da Compa­
nhia do com m ercio do Pará para partirem no tem po perem p­
torio de cinco dias ; e não me dou por seguro em quanto os
não vir pela b arra fóra com tres dias de viagem, nem tam bém
p o r seguros estes nossos e sc rip to s; que daqui protesto m e
nao de aco m panhar a té ao ultim o destino, caso que a m inha
m aior cautela não encontre algum dia mais refinada conducta,
p orque em bora nada digao, d eq u e possa resu ltar algum receio
como defies poderá Constar; como estão am eaçados, sem pre
sera certo a sua to ta l im m ersão no profundo pelago do
m aior esquecim ento. Este o prologo, que julguei preciso,
contorm e o estado em que se acha ao presente esta nossa
li is to tia, que tantos ciúm es tem causado a quem nóde sa -
lur-lhe aos im pedim entos.
Vale.
HISTORIA
DA

© © H P M fflà @E J iiy ©
NA

TICS-P'ROTIICIA DO 1Ü R A H H ÍO E HU,

L IT R O I.
DA C A P I T A N I A DO M A R A N H Ã O .

CAPITULO I.
D Á -S E UM A B R E V E N O T IC IA DA C ID A D E DO M A R A N H Ã O
E SEU PR E SE N T E ESTA D O .

Dou principio a lium a obra tão ardua pela antiguidade dos


factos, como difficü pelo conciso das noticias. São estas as
p artes essenciaes para a organisação de hum corpo tão nobre
e delicado, como o da historia, que tendo por objecto o re ­
ferir acções, que se fação recom m endaveis á posteridade cios
tem pos, nem os seus m em bros hão de sah ir tão grandes,
(Iue_ passem a ser d isfo rm es; nem tão dim inutos, que p a-
reçao defeituosos p o r pequenos. E para que a historia não
íique como em bryão sem alma, se lhe deve com pureza in ­
troduzir a verdade, que he a fórm a m ais apta de que se
anim a este co m p o sto ; porque de outra sorte, tão grande
falta seria o deixar sem a devida proporção os m em bros como
ficar tão bello corpo sem vida. Esta a razão por que me pa­
receu sem pre difficultosa a obra, ao m esm o tem po que so­
bejando-m e a noticia concisa dos factos, m e faltão as c ir­
cu m stan d as d e llc s: sendo naquelles tem pos menos d illicii ao
zelo c cuidado dos nossos antigos Missionários o o b ra-las,
do q u e depois de as o b rar especificar as acções que forão
reguladas pelo seu apostolico espirito; e ou as deixarão por
não ser ainda bastante m atéria grande parte delias, ou forão
lio dim inutos nos sous escriptos, quo se nos fazem agora
mais escassas as ediíicativas narrações de suas gloriosas e
espirituaes em prezas. A chaque tam bém antigo do valor p o r-
tuguez nas soas m ilitares conquistas, fazerem sem pre m ais
caso das espadas, que das pennas.
Foi o Estado do M aranhão e suas capitanias até ao G rão-
Pará e Amazonas, o vastissim o theatro das illustres acções
dos Missionários da nossa Vice-Provincia, e a seára mais ren­
dosa pela fertilidade de seu dilatadissim o te rr e n o ; tão ab u n ­
dantes seus sertões de plantas bravas, como falto de obrei­
ros q u e as dom esticassem com o cultivo, replantando-as
com a efficacia do se u zelo, e regando-as com o m uito
suor do seu ro sto , á força de innum eraveis trabalhos e la­
boriosas fadigas. E rão estas as alm as dos gentios a m ilha­
res no num ero, e m ilhões no preço, que vivendo na b a r­
baridade e fereza de seus costum es, se fazião inúteis ao
tracto e insociáveis ao commercio com os P o rtu g u e z e s: e
nao correspondendo a penuria dos operarios á grandeza de
tao inculta_seúra, ficava p o r conseguinte mais trabalhosa a
colheita, não tendo sido m enos custosa aos filhos da Compa­
nhia a sua cultura. Forão elles os prim eiros que nos p rin ­
cípios desta conquista pelos Portuguezes se em pregarão na
conversão dc tantos gentios, reduzindo-os ao conhecim ento
do verdadeiro Deos, e am ansando-lhes com a b randura e do­
cilidade do ensino a fereza dos genios, aíim de conhecerem
com a s luzes da fo a b arb arid ad e dos seus antigos costum es.
Saibamos prim eiro o qu e be M aranhão, e dem os de sua Ca­
pitania .mais individual noticia. E antes de chegar ao principal
íimda nossa historia , se rá hem que digam os o estado dascousas
destas Capitanias ao tem po que dem os principio a esta obra,
para que, visto depois o seu principio, se venha no conheci­
m ento do seu grande augm ento.
A cidade de S. Luiz do M aranhão, situada em hum a ilha
deste nom e, foi em o u tro tem po cabeça do E stado, m erecido
prêm io de seus valorosos co n q u istad o res; qne hoje se acha
transferida para a cidade d o P ará por ordem de Sua Magestade
fidelíssim a, mdo-a gov ern ar Francisco Xavier de Mendonça
r orlado. Está em altura de ires grãos e meio ao Sul da Equi­
nocial, com trezentos e trinta e seis de longitude. Jaz entre
as duas Capitanias, a do Piaguy (*) da p a rte de leste, correndo
( ) Ii-noram ns a vazão por que o au tho r escarve Piaqaiv e não Píautiv.
O ultimo nome seni coiTupçao do primeiro V
pni.i sue si i.!, i' ;i do Para da 1ia n<!a tin oesto correndo para
noroeste. Pedo sudoeste confina com o sertão, p arte deseo-
nerio e pa tie incognito ao nosso descobrim ento. P ara o nor-
( ef te J10 ^ ca 0 m ar do Norte, o todas aqueilas te rras one
pcla abundancia dos rios que as ferlilisuo sc fazem m ais
m eis ao com m ercio, por scr notável a produccão de suas
drogas, le m do com prim ento esta famosa ilha sete léguas
nordeste-su d o este, e cinco de largura n oroeste-sueste, em
lorm a quasi oval, com pouco mais de vinte lesmas de cir-
cum íerencia. K com se r tão pequena, he fértil por extrem o
p ara mandiocas, de quo se fazem m uitos m ilhares do alquei­
res dc ta rinha de páo, com m uni sustento de seus habitantes-
tabacos algodões, algumas baunilhas, e canas do a ssu c a r’
sendo plantadas á beira-rio. I)c fruetas do paiz tem as que
lhe bastao; a carne quo lhe vem de fúra. barata dez réis o
,Hratei) e singular; os ares puros e o clima m ais benúmo
qiie doentio e m uito grato a natureza; porque nem as°cal-
m as sao tantas, que affrontem , nem os frios tão rijo s, nue
m olestem . J ’ 1
A sua barra, depois dc m ontada a coroa grande, dem ora a
oeste, lorm ando-se a sua boca das duas pontas, a de lta -
colomy na te rra firm e de T apuytapera e a do P erêá, pegada
com a m esm a ilha pela p arte em que está urna erm ida da
invocação do S. Marcos, pertencente aos religiosos da Com­
panhia. Neste alto ou em inencia está cavalgado um canhão
que pelo íep etid o dos tiros dá noticia á cidade do num ero de
vasos que p reten d em com m etter a dita b a rra . Era esta em
tem po antigo capaz de em barcações de alto bordo; hoje
p o re m ainda de m aré cheia faz diíficil a entrada ainda aos
m ais pequenos, p o r se te r de tal sorte'apertado a sua gargan­
ta com a m uita arêa, que be preciso entrarem enfiados e a
proporcionada distancia por não ficarem engasgados, e em
p eiig o de serem depois engolidos da correnteza. Nesta gar­
ganta apparece um a lingua, a que cham ão Ponta d ’Area, onde
alcancei ainda um a bonita e bem ideada fortaleza da invo­
cação de Santo Antonio, que hoje se acha quasi desfeita pelos
em bates tias ondas, por serem as fundações sobre area mais
laceis dc cahir que de levantar. Mas a falta desta suppre a
bateria da ilha cie São Francisco (A), de excellente artilharia
cavalgada sobre um bom terrapleno, que corre de longo com

( ') lnilçría j;í n ã o f'\isl«*jn v o s l i c i o s .


o a n a l , por onde necessariam ente hão de passar os navios
sujeitos ao dominio das suas balas.
Na ponta da cidade se levantão do mesmo braço do
m a r os clous baluartes, que se g u rã o o p o rto , aonde só podem
d ar fundo as nãos: bom , m ais muito estreito, por se r tudo o
m ais coroas, que algum a cousa se descobrem de m aré vazia.
Está a cidade bem situada, com boas ruas a rumo de corda, a
m aior parle calçadas a diligencias de seu ouvidor geral João
da Cruz Pinheiro Diniz, m inistro de letras c amigo do bem
com m urn. fo rm a um a ponta triangular, que vão'abraçando
dous rios, ou braços do m ar, um da banda do sul correndo
p ara o norte, aonde desem boca o rio Ibacanga; o outro de
leste correndo p ara oeste, aonde entra o chamado Coty;
que juntos am bos na dita ponta, fugindo b arra fóra form ão
com os rios mais que desaguão polo boqueirão uma dilatada
balda chamada d e Tapuytapéra, por tom ar o nom e desta
villa (*), que está na te rra firme, e fica fronteira á m esm a ci­
dade em distancia de tres léguas.
Tem de presidio ao presente (tempo em que escrevo) esta
praça um regim ento de dez com panhias (entrando tam bém
um a de granadeiros), de que lie coronel o mesmo governador
da praça; tenente-coronel, sargento-m ór, e mais officiaes
subalternos, não entrando neste num ero as Ordenanças. Erão
os seus m ares abundantíssim os de m uitos e deliciosos peixes
de que se sustentava a m aior parte da cidade, sem m ais
dispendio que m anda-lo tira r ás cam boas de m aré vazia,
porém hoje fechada m ais a sua barra pela muita area , faz
diflicultosa entrada assim ao peixe, como ás canoas para o
ir pescar, por se r a costa desabrida; obrigando a viver toda
aquella num erosa povoação d e m enor fa rtu ra de pescado, a
que suppre a m uita abundanda de bellissim a carne, que lhe
vem de fóra nos m uitos gados extrahi d os das ferieis e d i­
latadas campinas, por onde correm o s dous rios Pynaré e
Mia rim. Serve-se a cidade de uma excellente e bem fundada
fonte, a que cliamao das Pedras, obra dos Jíollanclezes, do
tem po que injustam ente a possuirão. A m a io r parte das suas
ruas se póde andar por ©lias com com m odidade, porque .
estão calçadas, sem que as m uitas chuvas lhe fação diílioil
a communicação d e um as p ara outras, m as antes lhe servem
de seu m aiorasseio. Deve m uito esta cidade ao zelo e acti-
vidade do ouvidor geral João da Cruz Pinheiro Diniz,
O Ho aelualineirlp a cidade do AlcaijJara.
(JüvciTia so no politico por ura G overnador, com tal on
qual subordinarão c sujeição ao C apitão-general da Capitania
do I a ra , cabeça hoje de todo o F stado; um ouvidor e cor-
íegetlor da com arca, um juiz de tora, que juntam ente lie
provedor da tazenda real, e m inistros de le tra s, com sua
Gamara, cujos cidadãos gozão os privilégios dos do Porto.
E nnobrece-se com um a Sé episcopal, ultim am ente form ali-
sada pelo fidelissimo Sr. liei 1). João V, de eterna memoria
com q u atro d ig n id ad es: arcediago, arcipreste, chantre e m es­
tre-escola , doze conegos e oito beneficiados, capellães e
m ais m inistros, com que se faz respeitável esta nobilissima
cathedral. Orna-se com um collegio dos religiosos da Compa­
nhia, cuja igreja (*) lie o mais nobre Icm p bui es ta cidade; um
convento de religiosos Carm elitas Calçados, c defronte da
m esm a cidade, passado o rio Ibacanga, outro conventinho
a que cham ão do Bom-Fim, erigido pelo Reverendo Padre
ex-provincial Frei Antonio de S á ; um de religiosos de Santo
An tomo dos Capuchos da provincia da Conceição, e outro dos
i tligiosos M ercenarios, coin unis m uito boa igreja * o ultim a-
m ente um seminario dos filhos dos cidadãos, com annual
congrua de 2 0 0^000, applicados pela real liberalidade do
fidelíssimo Sr. liei D. João V, e um recolhim ento de seiiho-
ía s nobres solteiras, um c outro fundação dos religiosos da
Companhia de Jesus. Tem as igrejas da Santa Casa da Mise­
ricordia e de S. João Baptista dos Soldados; as erm idas do
D esterro, Piosario e Remedios ; e nos suburbios a da Madre
de Deos, aonde se acha fundada a nossa casa de noviciado
cia Com panhia, e a da Boa-H ora; e a cios m ulatos, que fizerão
a sua custa, com o titulo de Nossa Senhora da Conceição.
Principia a Capitania cio M aranhão da p arte de leste nas
raizes da grande serra de Ibyapaba, cujas vertentes, cor­
rendo p ara o n o Parnahyba, dividem esta da Capitania de
lern am b u co . Tinha sen principio antigam ente entre o Ceará
e Bio G rande, junto aos baixos de S. Roque, onde, con-
íorrne a observação do nosso m issionário o P adre João
belippe Bettendorf, se via o m arco em 4o e 30” de latitude
austral, e 342° de^ lo n g itu d e; m as, pelas reaes ordens do
fidelíssimo Sr. D. João Y, tom a o seu principio hoje da sobre­
dita serra em altu ra de 3 o e l 5 ” de latitude austral. Pela
oanda cie leste confina com a Capitania do Piaguy, onde se
acha situada um a villa cham ada da • - Môcha com ouvi-
( ) lie actualm ciilc a ealh ed ral. 0 Collegio servo de pnlacio do
d o r, m inistro de letras, juizes e mais o Üiria os da Gamara,
e a milícia da O rdenança com o seu capitão-m ór, tudo su -
jeito no tem poral á grande cidade da Bahia, e no espiritual
a do M aranhão. Este armo de 1758 lhe veio nom eado p ri­
m eiro governador o capitão João Pereira Caldas, ajudante
da sala do Exm. general Mendonça F urtado, de pouca idade,
m as já m aduro na prudência e de m uito bom genio, se o
não m u d ar com o tem po. Está fundada esta villa no m eio
dos seus sertões, cingida de vastissim as e abundantes cam ­
pinas, de gados vaccum e cavallar, de que se provê um a
grande p arte do Brazil e as Minas Gera es do O uro, podendo
ab ran g er m uito mais a sua fecundidade, se como são fáceis
no produzir o fossem tam bém as suas conducções. Contém
em si m uitas e rendosas freguezias, onde o pede a ne­
cessidade dos m oradores que vivem dispersos p o r aquelle
sertão, que, posto não fação povoações form adas, todos
juntos serião bastantes a fundar um a m ediocre cidade.
Correndo do M aranhão para a Capitania do P ará se es­
tende a costa a E s-noroeste até chegar ao rio T ury-assú,
aonde acaba a jurisdicção da Capitania do M aranhão, passado
o qual está um a aldeia em que ainda se conservão alguns
poucos indios dos m uitos que em outro tempo a povoarão.
A prim eira te rra que se encontra ao sahir da b arra he a
te rra firm e de Tapuytapéra, ou villa de Santo Antonio
d'A lcantara, c o m a Capitania de Cumá, que foi do donatario
Francisco de A lbuquerque Coelho, que hoje se acha incor­
porada na real corria. Está sujeita ao governador do Ma­
ranhão, c como todas as mais ao governador e capitão
general de todo o Estado. He esta uma das suas m elhores
villas, pelo grande com mercio que faz com a cidade do Ma­
ranhão, sendo m utuas as conveniências, e reciprocos os
lu cro s: para cujo transporte servem alguns hiates que
andao na carreira. Está situada em um alto, lavada dos
ventos, sadia, e de bello e accom m odado clima aos seus m o­
radores. O rna-se com um collegio e igreja dos religiosos da
C om panhia; um grandioso convento dos reverendos paclres
Carmelitas Calçados, um mais pequeno de religiosos Merce­
nários. Tem a igreja Matriz, com um a erm ida de Santa
U uitena, uma boa cadêa, c casa da Camara; e he finalm ente
>i m elhor villa de todo o Estado em commercio e riqueza dos
seus habitantes. Para a p arte do nascente íica a villa d o lc a tú
mo lalla de cabedaes, como de m o rad o res: tem igreja paro-
m arca!'a*'ii;iU IU01' ° CmaPol>« do toda a ü ,

Mofiy, Pinaré, e St ° ^ p u c u r ú ,
individual noticia • e das C anihnh* eclmo i r e m o s defies
‘as á do Maranhão, p o r f t T W ? , S^ e i'
deni iistona menos g rata aos nossos feitores ‘ ° d*gJ 11°~
* > ■
seu commercio, ciue só consisto n m ■' U' d °í)u^encia do
* r ° 0* f f o .lo T s o " 'i rô,os
sertões pela troca do ouro com nue e n Z s v ã n ? J SClls
bedaes, que para os mais í,™,,™! , ° Síl10 0 t > seus ca-
constar só a sua car<n de «nh m 8 IK,IV10S b astão ; p o r

rem os muito p articu lar n n t.V h I r * \ &eu lcm Po da-


nella 'entrárSo1 os n è s / o s n S c i r n s £!!a™ ,lo. P a r t- ‘1»™ !«
hon. a do M a r a lt o ? de' Z t n Ó n m 7 7 ' ^ ^ P °r
veridica e exacta relacãn iíÍL io, i am0ís c lazemos a m ais
«as, e das ajustadas V e r t u í c ^ s ^ s e n T n ^ “ aÍS MOdcr-
m uito diverso do estado rm i ' 0 seu augm ento
seus prim eiros habitantes n m estn fí? 3™0 08 P o rt«guozes
condição dos tem pos vindnTcÍS.f fta f01 sem i,ro n o .nHw«io a

à . no » S íT O t
CAPITULO II.
P R IM E IR O D E S CO E RIM E N T O DO M A R A N H Ã O E SU A O R IG E M .

D escoberta a America Castelhana no anno de 1492, pelo


valor e constância do general alm irante Christovão Colombo
valendo-se das noticias que por sua m orte lhe deixou em
seu roteiro um nosso Portuguez, que alguns dizem era na­
tural de A veiro; ainda bem não erão passados oito annos,
quando qnerenclo Deos desem penhar a eleição que seu san-
tissim o Filho tinha feito do im perio portuguez, lhe quiz dila­
tar o dominio por todas as quatro partes do m undo, aonde
podesse ser conhecido o seu adoravel n o m e ; perm ittio pois
que a arm ada do insigne Pedro Alvares Cabral, encostando-se
p o r superior destino á costa do Brasil, tom asse no anno de
1500, porto ao que com muita propriedade derão o nom e
de Seguro. Passados m uitos annos, sendo já Bahia, Rio de
Janeiro, e Pernam buco populosas cidades, ainda o M aranhão
ou não tinha nome, ou se o tinha, era para os P ortuguezes,
como a te rra Magalanica, ou como outra m ais au stral de
toda a America. Até que foi seu prim eiro descobridor pela
p arte do Norte o destemido e sem pre m em orável Estevão
Annes Pynson, em tempo de el-rei de Castella D. Fernando
o Orande e Catholico; m as sabendo osH espanlióes pertencer
esta terra á coroa p ortugueza, por distribuição pontificia, a
deixarão prom ptam ente, e sem coacção alguma ao seu legi­
timo Soberano.
Depois de alguns annos navegando pela costa do Brasil
Luiz de Mello da Silva, filho do alcaide-m ór d’E lv as, obri­
gado dos ventos esgarrou a te rra , e cabo de Santo Agos­
tinho ; e levado do im peto e corrente das aguas, com que
deste correm para o do N orte, foi descobrindo toda aquella
costa, alliviando a infelicidade da sua derrota com o gosto
de ver tão form osas baliias, tão abrigadas enseadas, sem ea­
das todas de tantas e agradaveis ilhas, cortadas tam bém
do grande variedade de rios, vista que se lhe não dava total
allivio na sua desgraça, lhe prom ettia augm entos, e não
pequenas esperanças com que podesse algum dia com
In v "i- ad0Çar " '1losal)r''1» *» iiicoiisfan™ ,1,
I ™ , í; " ? <1IM! . T lta,l° 0 “ 1)0 (lo N orlc avistou li-
? , * oi-ffuato O : loinoii porto, e saIlio ;i t a ,,, ,
;0oi-ll
U ü co lacii
fo il a commumcaçao
epi- S com
llC n m lSo m de
Francisco m O relln
viagem.m
i - . , , ? 0" 1 lirdia f ,ie8'a(l° do descobrim ento do grande,
* n r i Amazonas' desam parando o seu com mandanle Qon-
çaío Pizarro,"com quem tinha descido do Quito cm em bar
m u o m s, servindo-lho nm tal procedim ento mais do
'J. c 1?loneraDdecer ° Sen nom ^’ fa Itanto ás obri-
diiciplina. " ’ ° Ü° S precGltos iüviolaveis da m ilitar
disPt t r t , dw prim-eiros cl!m prim cntos á m iuda narração
Ia S f ’ n a o .cra1 diminuto Orclhana na dcscripcão
vaide h le de n í ,m0S° n ? das Amazonas í lrmvava tam bém a
ma s i n n i ? L f m u,tos qne Paoand °-lhe tributo o fazião
I I I V eílsffuas’ ? m a,s poderoso em forcas, para
S ir éu- 3 iCOrrení e buscar no cabo do Norte a sua se-
fazin n mn- iaiéd° “rfe í 0 PeS0 flil muita agUa C0111 que SC
t n v A £ n ,S SOJerbo e m aior r i° do todo o m undo. Mos-
re la h v n l n UVir T f ° ? t0 0 fp,o com encarecim ento
icíntava O re lh an a, fundado na experiencia ocular dos
m itos que tinha observado no descobrim ento do dito rio
cim nn«grf ndieC,ai ° m te7 0r da terra> a amenidade de seus
S l c A riaacbcinCanCia. daS suas dro«as» e a prodigiosa
nín ias m atas’ e scm sc d ar por entendido no
que determ inava, callando o intento, sc aproveitou da no-
P o r m / ^ m íé que f nd0 W™11™ terras da conquista do
„ f 1G sena ^aci a PcenÇa do seu rei para as povoar
adiantar com tão famoso descobrim ento a gloria do sen
nome o os interesses da sua illustre casa. b
voltart|]p pnf l menfe Luiz, de Mell° da ilha Margarita na
n0ltarA de P Jrtn Sa l > resoluto a pedir ao serenissim o rei
F illm /n c N r3 c?n? uista d ° M aranhão, ou Amazonas.
3i f « propòz asu a supplica, eexperim en-
com rrnp ÜÍ b b erab dade do seu Soberano aquella grandeza
• e os reis portuguezes costum ão rem unerar os se r-
ipts de seus vassallos, ecom tanto m aior gosto lho concedeu
a m erce, quanto se fazia mais suspeitosa a descida dos Cas­
telhanos pelo rio das Amazonas, aonde se podião introduzir.
ÍV.rlcnro ;í Amcrira haspanlinla. Faz lio.jp partr .la Repiiblira <te Vene-
... “jo — *

convidados da bondado do clima, o das riquezas da terra.


Cliamão os H espanhóes M aranhão, assim ao rio das Amazo­
nas, como a todo aquelle paiz que se estende pela costa, e
lie banhado do suas aguas. Este o nome que lhe deu F ran ­
cisco de Grelharia, e depois se estendeu a todo este
Estado ( ainda que o proprio de Maranhão o dão os
P ortuguczes só ao que hoje chamamos ilha c cidade de
S. Luiz), de que por m ercê real estava já nomeado o nosso
descobridor capitão-m ór c donatario, Luiz de Mello.
A prestou Luiz de Mello com a actividade propria do seu
genio tres navios e duas caravellas, em barcou nellas tudo o
que se fazia preciso para uma tão grande, como duvidosa
om preza, cujas utilidades, sendo incertas para o futuro,
nem por isso lhe cntibiavão o animo, concorrendo nos gastos
com generosidade de cavalheiro, e providencia de capitão
experim entado; para o que ajudara m uito a real liberalida­
de do seu soberano. Não pude saber o anno em que apres­
tou esta pequena esquadra. Levou ferro do porto de Lisboa
para o lançar gostoso na b arra a que elle deu então o nom e
de Maranhão, cuja costa foi navegando, tem endo esg arrar a
terra qne buscava, depois de experim entar na bondade dos
m a re s, c no favoravel dos ventos uma viagem sem sustos e
uma navegação sem riscos. Porém a fortuna,ou invejosa dos
seus augmen tos, ou querendo talvez fazer prova da sua
constância, lhe fez encontrar junto do porto o m aior n au ­
fragio, porque topando em uma corôa os vasos por falta de
pratico, se perderão com a m aior parte da sua equipagem
salvando-se sóm ente um a caravella, aonde com alguns dos
sens se passou Luiz de Mello do mesmo Jugar da sua des­
graça ao porto de Lisboa a dar o mais veridico testem unho
da sua infelicidade,que embora lhe arrancasse das mãos os
lVuctos de tão lucrosa conquista, nunca porém lhe tirou a
gloria de ser o prim eiro de seus famosos descobridores.
A chava-se Ayres da Cunha ao tem po que se recolhia do
seu infortunio Luiz de Mello com as m em órias ainda frescas
do seu perigo, com animo, resolução e cabedaes de co n ti­
n u ar a. em p reza; m as como não fossem bastantes para o
preciso consumo de tão crescidas somm as, se fez parcial do
insigne historiador João de Barros, a quem o Serenissim o
rei D. João 111 tinha feito já m ercê da m esm a conquista.
Convidou elle para ter parte nella ao th eso u reiro -m ó r do
Reino. Fernandes Alvares, e formando todos tres uma com-
pnnhia, lisongoados do m nilo quo pod ião tirar daqucllo des­
cobrim ento, não perdoarão a diligencias, c não repararão
(,m gastos. Form arão urna arm ada de dez navios com nove­
centos soldados, e cento e trinta cavallos, nomeando por
capitão-m ór de toda ella a Ayres da Cunha, a (piem João
de Barros, atém de m uitas recom m endações, entregou os
seus dons filhos, querendo-os fiar do acerto do seu'gover­
no, para aprenderem de um tão experim entado com m an-
dante nos trabalhos da tolerância, c na boa ou má fortuna a
igualdade e inteireza de seus animos.
A todos estim ulava a gloria de prim eiros povoadores, c
como taes se consideravão, contentes já com a sua sorte,
vendo-se poderosos com uma tão num erosa esquadra, que
não deixava de p ro m etter felizes progressos aos seus bem
fundados desígnios. Convidados dos ventos largarão as
velas ás suas esperanças, e puzerão as proas áo seu de­
sejado M aranhão, cuja ilha avistarão cm Setem bro de 1535.
Mas como para e n tra r na barra fosse preciso a pericia de
práticos, por não ter mais que um canal para a carreira das
em barcações, que com o peso da agua, escassos os ventos,
experim então de ordinario o perigo sobre as suas coroas,
succedeu que a m aior parte desta arm ada se vio obrigada
a naufragar no m esm o lugar aonde chamão hoje o Boquei­
rão, tendo já outras da mesma comitiva padecido pouco
antes na Coroa grande o m esm o, ou m aior infortúnio.
Form a-se este boqueirão de um a ponta de te rra , a que cha­
mão Bomfim, e da ilha chamada do Medo a oeste da mesma
b arra. Nesta ponta se descobrirão depois de m uitos annos al­
guns vestígios de fortificação por um as pedras de c a n ta ria ,
que se acharão e as não ha em todo o Estado, junto da
qual pelo decurso do tem po erigirão os religiosos Carmeli­
tas calçados uma pequena erm ida a que derão o titulo de
Nossa Senhora da Cuia. E como para dentro do boqueirão,
não longe da te rra se encontra com um bom surgidouro,
se discorreu com fundam ento lançaria nellc ferro ' alguma
das em barcações da naufragante arm ada de Ayres da Cunha,
a quem por então mais a necessidade que a conveniência
poderia su g erir p o r meio de alguma irregular fortificação o
m elhor e m ais seguro m odo da sua subsistência em uma
terra de barbaros; ainda que depois a ferocidade dos n atu -
raos levados da desconfiança de verem os novos hospedes
que algum dia se podiào fazer senhores das suas terras e U
herdades; ou estim ulados da ambição do possuírem algumas
cousas que viao nos poucos Portuguezes, que ficarão os farião
talvez victimas da sua fereza,para nem ao menos sc poderem
contentar com a sua prim eira infelicidade.
trancisco F reire de Brito e Manoel Severim de Faria dizem
que alguns dos naufragantes desta expedição do donatario
-João de Barros voltarão para Lisboa a contar entre os peri­
gos da vida os infelizes progressos da sua conquista. Tudo
podia ser, vindo uns e ficando outros; de sorte porém , que
se não pudessem lem brar aquellcs da conquista por m ar do
Ião desejado, mas nunca possuído M aranhão.
CAPITULO 111.
REDRO COELHO DE SOUZA E MARTIM SOARES MORENO TENTÃO
POR TERRA O DESCOBRIMENTO DO MARANHÃO.
MALLOGRO DA EXPEDIÇÃO.

Incerto pela difficiildade o descobrim ento da ilha do Ma­


ranhão, se em prehendeu por terra pelo modo mais raro , c
pelo procedim ento mais indigno da piedade portugueza.
Foi a ambição a que por então abrio caminho a tão diííicul-
tosa con q u ista; e devendo ser a gloria do bom nome o motivo
mais proprio de um a tão im portante empreza, foi o desejo
da fazenda o que estim ulou com efficacia a alguns homens
de Pernam buco, com o pretexto de descobridores da te rra
do Maranhão, a fazerem um a grande captura de índios que
habitavão aquelles sertões; com mercio o mais indigno, e
tanto mais para tem er quanto mais perigoso pela injustiça
com que pretendia o privar da liberdade a innocencia dos
m iseráveis Índios, só porque ficassem mais adiantados os
seus interesses.
A juntárão-se cm Pernam buco P edro Coelho de Souza
e Martim Soares Moreno com outros mais de sua p ar­
cialidade, apostados todos a com prarem com o sangue
alheio, ou a sua perdição, ou o seu desengano muito á cus­
ta das vidas, da honra, e ainda de seus proprios cabedaes.
P en etrarão aquelles sertões, mais como roubadores da li­
berdade, que descobridores do M aranhão, cm quanto não
apparecia algum a tapada accom m odada onde podesso Pedro
Coelho fazer um a grandiosa caçada mais propria do seu des­
potismo que da sua reputação e christandade.
E n trarão por Jaguaribe c forão buscando o Ceará, desco­
brindo algum as aldeias de Índios, a quem não tinhão ainda
am anhecido as luzes do Evangelho, vivendo sem mais leis que
as da natureza, c sem mais economia que a que lhes dictava a
sua barbaridade c ineptidão. Foi continuando esta valente
tro p a, e encontrando sem pre novas terras e diversas aldeias, a
que por então não offendião, ou receiosos da m ultidão, ou
a

lH)i’(jiie t <’111i.11> que os sous golpes fossem ouvidos com hot -


lo r logo mis prim eiras entradas do sou descobrim ento.
.\ào se alterarão os Indios com os seus novos hospedes,
porque nem a sua sinceridade os fazia reeeiar, nem o seu
receio presum ia mal de quem lhe occultava no agrado dos
sem blantes, e na liberalidade de pequenos donativos o de­
pravado animo de os buscar para lhes tirar, senão as fazen­
das, as liberdades por meio de um rigoroso captiveiro.
Era Soares Moreno entre todos o mais bem intencionado
daquella comitiva, e tornando m elhor accordo no projecto que
ao principio intentarão, compadecido talvez da innocencia
e lhaneza daquelles m iseráveis, deixou a Pedro Coelho, e
voltou para Pernam buco a buscar por mais honestos meios
m elhor fama de sua pessoa, e mais certo interesse da sua
fazenda, antevendo o inevitável precipício a que se despe-
nhavão seus com panheiros por modos tão alheios da razão e
da justiça.
Buscou ao Governador e Capitão-General de todo o Bra­
zil D.Diogo de Menezes, que na dita cidade tinha por então
a sua assistência. D eu-lhe m iuda conta da costa do Ceará,
da bondade das terras e do grande num ero de índios, que
estavão por ellas dispersos em m uitas e populosas aldeias,
que podião algum dia ser uteis aos interesses da m onarchia
portugueza, com a conveniência de se reduzirem no trato
com os Portuguezes ao grem io da Christandade, augm entan-
do-se ao mesmo tem po da Igreja os filhos e de Portugal
os vassallos. Pedia por ultimo um a patente de capitão-m ór
de toda aquella costa, obrigando-se a reduzir aquelle gentio
ao dominio e obediência de seu Soberano.
Era I). Diogo de Menezes fidalgo a quem , além das mais vir­
9 tudes, acompanhava um grande zelo da conversão daquel-
las gentilidades. Foi facil em conceder o que lhe pedia Mar-
tnn Soaies, agradecendo-lhe o serviço que pretendia fazer
seu rei, para o que lhe lazia m ercê do novo posto de Capi­
tão-m or do Ceará. Em quanto ello se prepara, e parte para
a sua capital, vamos seguindo no alcance a Pedro Coelho
que com a sua tropa vai subindo como caracol a altura da
grande serra da Ibyapaba.
He esta serra uma das mais elevadas de toda a nossa
i m erica, tanto assim, que do alto della, como observei
quando passei por cila, se vêem andar as nuvens por
bcuxo, reconhecendo a su p erio rid ad e dos seus influxos; ex-
I>ei' ini c ií 1;m (3o - s e nas snns raizes, quo formão nm dilatado
valie, as chuvas do quo não participa algum as vezos a sua
emmeiicia. Nesta, em uma dilatada planicie, estavão situadas
tres aldeias das mais populosas daquelle sertão de indios
I obajaras, por natureza bellicosos, de nenio mais tratavel c
de condição menos fera do que a sua barbaridade permitida.
Com estes se avistou Pedro Coelho e seus com panheiros
ao tempo que estavão recebendo uma grande visita dos
iipinambas sons parentes, chegados havia pouco tempo
da d ha do M aranhao, como lie de costum e entre eiles. Dis­
sim ulou com as dadivas que trazia os paieados intentos
da sua resolução.
Entrou a rep artir alegre, pelos Principaes c seus vas-
sallos do que levava, sendo tanto menos custosa a
m ercadoria, quanto de m aior estimação entre aquelles
barbaros^ e como não chegasse a todos, aproveitando-se
da occasião, e receioso não lograr a sua prem editada em -
preza, tem endo a tantos c tão valentes índios nas suas
m esm as casas, os enganou com a esperança cie que se os
acom panhassem d ev o lta até o Ceará, repartirião com eiles
e os lariao senhores do m uito que trouxerão de Pernam buco
0 pela difficuldade dos caminhos tinlião deixado no Ceará.'
1 tesos ja com a ambição de tantas prom essas, ajustarão
acom panhar a escolta alguns Tobajáras, e os Tupynam bás,
que tinhão vindo do M aranhao, como íizerão passados a l­
guns dias de descanso.
Já a este tem po tinha chegado á sua Capitania do Ceará o
novo Capitão-mór Martim Soares Moreno, o qual praticando
com a perícia da lingua dos naturaes, em que era singular
depois de os tra ta r com aílabilidade e carinho, obrigando-
os com alguns prém ios que tinha trazido de Pernam buco
l eduzio a m aior parte dos Índios das aldeias circumvizinhas
a sua devoção e obediência. Vendo pois o m uito que se
m ostravão gostosos de terem um Portuguez branco que os
governasse, e podesse para o íuturo servir de alguma con­
veniência^ aos seus interesses, os persuadio a fazer um a
fortificação de m adeira forte, regulada pelo tempo e cir-
cum stancias do lugar, em a qual se podessem fazer fortes
a qualquer invasão e insulto de seus inimigos, contra os
quaes lhe prom ettia a sua assistência, ainda com risco da
propria vida. Aceitárão a proposta, e como erão muitos, o
mesmo íoi pôr mãos á obra que acaba-la, com gosto de
4
— 2(5

Soares c contentam ento dos índios, animados do bom trato


c do que iccebiao pelo seu trabalho. Tanto póde com esta
pente a suavidade do genio, quando se ajunta com a libera­
lidade do animo.
Chegou finalm cnte a este tem po Pedro Coelho, acom­
panhado dos índios que trazia da S erra, e avistan­
do-se com Martini Soares, sabendo do novo cargo o m os­
trou estim ar m uito, contando-lho p or miúdo o que tinha
descoberto e passado na ibyapaba , onde tinha achado
noticias ce itas da ilha do M aranhão, de que trazia testem u­
nho authentico nos m esm os Tupynambás, que voluntários o
acom panhavão.
'N A legrou-se notavelm ente o Capitão-m ór, e mais ainda
quando da boca dos mesmos índios ouvio noticias m ais
mdividuaes (l° A stricto da ilha do M aranhão, da bondade e
conveniência das soas terras, e do grande num ero dos seus
na uracs que nellas vivião; c como era destro na sua lingua
todo o tempo se passava em perguntas e todo se gastava em
i espostas tavoraveis, todas aos interesses com que pretendia
“ ^ lUell,:! descobrim ento aU‘ ali desconhecido dos
Receiava Martim Soares que os intentos com que Pedro
Coelho satno de Pernam buco, de cativar os índios para o
ieiieíicio das suas lavouras, se pozessem agora em execucão
com gravo perigo do estabelecim ento da s«a Capitania funl
'1.1da so por entao nos braços e forças daqoeUes índios, que
voluntariam ente o ajudavão. Não se enganou, porque de
um conlidente da mesma comitiva soube logo a firm e reso -
luçao em que estava Pedro Coelho de am arrar os índios que
comsigo tinha trazido da Serra. Buscou-o prudente e co n
i n de am,? ° 1 Jhe Pr °P °z «ilicazmente, e á luz da
n '? ’ as prejudlciacs consequências d eu m tão injusto
procedim ento, m ostrando-lhe como e x p e rim e n ts o no na
os desserviços que nisto fazia a Deos e l o seu rei. Não ver-
doou a diligencia alguma, usando de todos os meios mie a
sua puidencia Ihedictava para o desviar, levado m ais do bem
da causa comm.um que da conveniência propria
1 . , J)astou Para abrandar o resoluto animo de Pedro Coplhn
tinlm S r , m e *n; a pe,!ra • nem as evidentes razões, que
i 1 - d<a.’ e movei ao a desistir de um projecto tãoalhpín
; a razao e da justiça daquelles m iseráveis que^ ^ u m s n z
1 L L l)luIllesbt,s ü Imitâo acom panhado até aquelle lugar;
0 (ll,ail,l() na0 tivessem por si oniro motivo, baslavão as es-
<lavao i)s Tnpyiiambás do descobrim ento do
Mai animo, e do muito que uelle podia interessar á Goròa
snrpm w S para m °- su ° s nf,í) oft’enderem , mas ainda
serem ti atados com mimo e regam , e obrigados com a con­
veniência do algum donativo. Erão outros e muito diversos
os desígnios de Coelho c seus com panheiros, um e outros
cegos com tão execranda ambição. Não quizerão perder
mais tempo fiados no descuido e innoceucia dos pobres In~
oios: (lerão sobre elles do repente, e forão am arrando assim
' f l o í aJ;ir:,s ;la 's °rra como os Tupynambás do Maranhão,
ao estrondo de muitos tiros, que espantando a maior parte
do gentio que ali se achava da obrigação do Capitão-mór,
os deixou senhores da presa para os levarem com as suas
tam ihas a ch o rar no serviço do suas casas e lavouras a in -
JS de seu infortunio. Tão antigos são neste Estado sem e-
m antes cativeiros, e insultos contra a liberdade.
Notavelmente magoado, c por extrem o queixoso ficou o
Ga pita o -m o r Martim Soares; e vendo a sccna mudada p er­
didas as esperanças do descobrim ento do Maranhão, pouco
segura a sua pessoa, levantados os índios, não se querendo
ja fiar dos Portuguezes pelo modo aleivoso, com que os tra-
tavao ; se pardo logo para Pernam buco, aonde chegou go-
v ern an d o jn o Brazil Gaspar de Souza, fidalgo do tão grande
zelo do serviço do seu rei, como da gloria de Deos no aug­
m ento da fe e conversão dos gentios. Pasmou com a m-
2 ? l? vel resolução do Pedro Coelho, que Soares lhe
referio da occasiao opportuna, que a sua tem eridade tinha
arrancado das m aos ao Capitão-m ór, pela qual sem duvida
adiantaria m uito a sua Capitania, e o que mais era a reduç­
ã o cie tantas almas, que em vez do se attrahirem , erão
desviadas por este modo do grem io da Santa Igreja. Expc-
hum a eseolta a prender o au to r, c causa de la. tos
S l n • h g,ad° ,q ue fí ’ tleP°is 1,0 lhe a feia r na sua p re -
nm S rín o JUStlÇa daqueI,e.Procedim ento, o mandou m etter
i “ onr°L e rSegurar Iia Pj*lsao> cla qual passou para o Reino
a pagar no Limoeiro as desordens da sua tem eraria am bi-
çao. Nisto veio a parar Pedro Coelho, castigando Deos a in-
justiça de sem elhantes cativeiros, com a pena da honra da
fazenda e da propria vida. Pôz logo o Governador em liber-
uade aos índios, mandando-os para nossas aldeas de Per­
nam buco, e para que de todo sen ão m allograsse aquelía oc-
-J,s
casiào, que m ostrava abrir as portas a tão relevante conve­
nienda do listado, e olierccia não pequena seara aos obrei ■
ros do Evangelho, buscou logo ao Padre Simão Pmiieiro,
Provincial que então era da provincia do brazil. Sigo nesta
parle a nossa carta anima a quem tenho por mais verídica.
Propoz-lhe otjiiodtf serra <ki lljyiipabíi o MciranliuorBlíitâVci
Martini Soares, e o conlirmavão os mesmos Índios sens n a-
turaes, de quem m elhor se podia inform ar, e que sendo tao
grande o serviço que se olierccia aos filhos da Companhia,
«lados por Pens para a conversão do Gentilismo, não podiao
deixar os Padres de fazer hum grande serviço a am bas
as m agestades, se voluntariam ente se sacrilicassem a hum a
tão gloriosa como laboriosa conquista, para o que lhe pro-»
meti ia concorrer com o necessario.
O padre Provincial, que não desejava outra cousa m ais,
por ser homem de grande religião e zelo do bem das alm as,
sabendo ser as tres nações de fupynam bás,T obajáras, e Po-
tyguáras as mais num erosas e trataveis de todo o Brazil,
que depois do seu descobrimento e fundação da cidade da
Bahia tinlião fugido do rigor c forças das nossas arm as o
largando as suas terras, se espalharão por toda a costa do
Ceará, até chegarem os últim os a fundarem suas aldèas no
Maranhão ; aeceitou o convite.
Abraçando com gosto a proposta, nomeou para prim eiros
Missionários c descobridores os fervorosíssimos e veneráveis
Padres Francisco Pinto e Luiz Figueira ; o prim eiro inno-
cente victima que foi da crueldade, e como glorioso m artyr,
o o segundo prim eiro fundador de toda a missão do Estado
do Maranhão, dotados ambos não só de letras, senão tam ­
bém de singulares virtudes, e de um ardente zelo da salva-,
cão dos gentios, que junto com a perieia da lingua dos n a -
luraes, e de um bellissimo genio, e rara paciência do Padre
Pinto, com que sabia trata r daquellas novas plantas, pelas
m uitas e grandes experiendas que delias tinha adquirido
nas nossas aldèas de Pernam buco, prom etlião sazonados
fruetos, grossas colheitas e vantajados progressos no ser­ «i
viço de Be os e de seu rei.
Despedidos com não pequenas e santas invejas dos que
ficavão no Collegio, partirão os novos descobridores para a
sua tão desejada m issão, banhados de jubilo e cheiòs de
bunia inexplicável alegria, vendo já aberta aquella porta em
que o seu grande espirito pretendia um a tão larga entrada.

1
11no por olla podessem m uito á vontade saliit* m ilharas do
gentios reduzidos todos por sou meio ao conhecim ento da
verdadeira Divindade. Era a em barcação do seu transporte hum
barco que ia carregar de sal a Jaguaribc. Levavào na sua
instrucção, a requerim ento do mesmo governador, que antes
de passarem adiante chegassem prim eiro ao Ceará, aonde
tinha estado Martim Soares, para tem perar os ânimos
daquelles índios notavelm ente azedos com os destem peros
de Pedro Coelho; e para m elhor o fazerem levassem tam bém
em sua com panhia alguns dos que elle tinha am arrado no
Ceará, assim Tobajáras como os Tupynam bás, vindos do Ma­
ranhão á S erra, e da Serra ao injusto cativeiro dos Per­
nam bucanos, que postos já na sua liberdade pelo m esm o
governador Gaspar de Souza, vivião contentes, nas nossas
àldòas, e agora acompanhavão gostosos aos seus Padres para
os encam inharem seguros á ilha do M aranhão, em cuja con­
quista, convidados do prcm io, querião ter não pequena
parte ; praticando os parentes, e inculcando aos seus m es­
mos naturacs as muitas e grandes conveniências de que
goza vão no p o d er e adm inistração dos nossos M issionários,
pelo bom trato que debaixo do seu am paro experim entavão
dos Portnguezes, muito principalm ente do G overnador, que
bem o linha m ostrado no exemplar castigo, que tinha dado
a Pedro Coelho, como autor principal dos seus m aiores
aggravos.
Com vento em pôpa navegavãoos nossos Padres, e sendo-
lhes preciso to m ar a fortaleza do Rio Grande, receberão no
acolhim ento que lhe fez o capitão do presidio Jeronym o de
A lbuquerque urbam dades de cavalleiro e venerações de
catholico, porque, além de os receber como m issionários, os
respeitou como virtuosos que não cuidavão mais que na
m aior gloria de Deos e hem das alm as de todo aquelle G en-
tilismo. Pasm ou quando soube da resolução com que os
dons apostolos em prehendião o descobrim ento do M aranhão,
sem mais auxilio que o divino, sem m ais arm as que os
seus bordões, e sem mais ajuda que a que lhe prom ettião
os índios da sua comitiva de os m etterem por ultim o
nas terras e aldêas dos seus naturaes, que era ao que aspi-
ravão os fervorosos espíritos daquelles verdadeiros filhos de
Santo Ignacio. Prevendo os m uitos riscos a que hião expos­
tos entre nações tão barbaras, e perigosos encontros de
m uitas feras, lhes offercceu o Capitão-mór soldados e arm as
— —

m n s in miarda, quo os Padres agradecorao hum ildtb, (,


'snW m lo'coilezes, com o pretexto de quo mdo entiegues
ioPdrnente a Providencia do Senhor a quern Servian, sen a
° d .vn.iitA ill sm íc o conüarem mais nas torras hu-
ra to « m o d o ,
com hum:. K o souta t m t e m , c c a d . y « m a is re n -
dido á venerarão daqueUes dous anjos, que na velocidade
dos pés punhão o desejado logro de suas apostólicas em-
o re /is , não deixou de dar nesta occasião hum evidente tes­
tem unho da sua rara prudência, entregando aos índios quo
acompanha vão os Padres quatro arm as de fogo com polvora
Z K a r a maior cautela dos perigos que rccciava, recom -
m c n Z lo - H .c s m uito * dole,a da» soas « d a s U o « n ç o r-
tallies como precisas ao serviço de Deus, o de ol íoi do
' °Desnedidos os Missionários notavelm ente agradecidos ao
caritativo desvelo de tão insigne Capitão, partio o barco
para as salinas de Jagnaribo, onde era a sua direita des-
caro-a, c o mesmo foi tom arem porto que desem barcarem ,
e porem -se logo a caminho para o lugar desejado do seu des­
tino. Ardião em fogo os abrazados peitos daquelles tervorosos,
ncreerinos, e por isso buscarão talvez o caminho da piaia,
querendo refrigerar com os m uitos ventos da costa o grande
calor em que se abrazavão seus ardentes peitos.
Caminhavão a pé sem mais victualhas que o altar p o rta -
til que levavão dous Ín d io s, algum vinho, hostias, o cera
e iiuma pouca de farinha de páo, usual sustento cia te rra ,
repartida pelas m ochillas dos com panheiros ; sem mais
outra vianda que o peixe o caranguejos, que a diligencia
dos índios encontrava p o r aquellas praias. Usayao de hum as
roupetas c u rta s para lhes iicarem mais desem baraçados os
passos; hum as escallavinas de couro, como as que trazem
os rom eiros de S. 1liiago, hum bordão nas m ãos, e hum
Santo-Christo ao peito; m as porque os charcos, pedras e
lodos p o r onde precisam ente liavião do passar erão m uitos,
consum idos logo nos prim eiros dias os sapatos, se virão
obrigados a cam inhar descalços. Onde lhes anoitecia ahi
era a sua estalagem , sem mais abrigo que o que lhe dava o
céo, c o sereno, ao qual de ordinário ficavão expostos,
quando não tinhão arvores ou matos onde arm ar as redes,
usual cama nas viagens do Brazil; porque então dorm ião no
chão cm cim a da m esm a arêa, em que m uitas vezes acor-
davão quasi sepultados pela grande quantidade que do
Imma para outra parte levantavao os fortissim os ventos
daquella costa. Por estas dilatadas praias e arêaes im­
m ensos caminUavão alegres o gostosos estes servos do
Senhor, como se fossem d iv ertir-se a lnuna das quintas dos
seus Collegios, até chegar por ultim o ao lugar que tinha
desam parado Marfim Soares, o onde os Índios daqucllc
districto tinlião experim entado as m aiores sem -razões de
Pedro Coelho.
Aqui toparão a hum índio Principal da nação Potyguára,
chamado Amanay, que vendo aos pobres Missionários sem
mais arm as que os seus bordões, sem m ais soldados nem
comitiva que os poucos índios Tupynam bás e Pofyguárasscus
parentes, que os acom panhavão; pasm ado de ver os P adres
tão hum ildes no habito, e tão penitentes no sem blante, ba­
tendo palmas c cheios de alegria, sem tem or que os aco­
bardasse, nem receio que os reprim isse, entrou a abraça-los
dando-lhes ao seu modo os parabéns da chegada ás suas
terras, por terem já quem os defendesse do poder c violên­
cia dos brancos (assim cham ão aos Portuguezes), que não
fazião mais que m altrata-los, e roubar-lhes a liberdade.
Corresponderão os Padres com signaes de affabilidade, agra­
decidos ao bom desejo que m ostravão dc os quererem nas
suas terras, porém que era preciso convocar os seus vas-
sallos, e os mais Principaes dispersos pela vizinhança dos
m atos, onde estavão retirados, para que todos juntos
viessem sem o m enor susto á sua presença, pois além do
lhes trazerem alguns dos seus parentes, que no anuo ante­
cedente tinlião ido cativos para Pernam buco, c já se
achavão livres nas nossas a Ideas, lhes querião tam bém com ­
municat* a causa e fim da sua vinda, para ajustarem com
clles hum a paz perpetua, cm que lograriào os maiores
frutos do seu interesse, meio o m ais cfíicaz para mover a
estes barb aro s.
Contente partio Amanay a convocar os seus o convidar
os vizinhos, espalhando a alegre noticia da boa chegada
dos novos em baixadores , os seus pais Abonas ( assim
cham ão aos Padres da Companhia) que erão os m esm os a
quem seus avós chamavão bem feitores da sua nação, do
tem po que estiverão com d ie s os Nobregas, Anchietas e
Almeidas, prim eiros m issionários do brazil, antes da re tira ­
da destes Índios daq u d las para estas terras. Alentados com
semelhantes praticas acudirão prom ptos ao reclamo de mo
agradareis vozes, levados huns da curiosidade, outros dos
novos hospedes, de quem por tradição de seus antepassa
fios tinhão ouvido prodigiosos successos,_ e os m uitos tra ­
balhos a que pelo seu bem se tinhão sacrificado.
Juntos os Principacs, com a m aior parte dos seus vassal-
los, buscarão aos Padres, dando a conhecer nos sem blantes
o m uito que se alegravão com a sua v in d a ; porem logo,
m udada a scena, como be costum e entre elles, entrarão a
d ar m ostras do seu sentimento nas m uitas lagrimas que
derram arão para significarem as injustiças que tinhão re c e ­
bido dos Portuguozes. Revestido então o Padre U nto
daquella natural eloqncncia e pericia da lingua de que era
dotado, querendo-os consolar entre os term os de zeloso e
compassivo, lhes propoz a grande magoa que receberão os
Padres quando souberão das semrazões que tinhão experi­
mentado o das violências que tinhão padecido, clíeitos todos
da ambição de Pedro Coelho c seus sequazes ; porem que
estivessem descansados, porque já o seu injusto procedi­
mento tinha sido bem castigado pelo Governador do Estado,
que não queria, nem el-rei de Portugal, que elles fossem
m altratados dos Portuguozes, antes siirt dar-lhes Missioná­
rios que lhes ensinassem a fé e os meltessem no caminho do
céo, livrando-os e defendendo-os das violências dos brancos,
a quem só havião de servir por vontade e propria conve­
niência, o não por forca. Que o passado já não linha rem e­
dio, mas que para o futuro lhes prom ettia viverem seguros,
contentes e livres de todo o susto na companhia dos Padres,
desfrutando as suas terras com muita paz e proveito cias
suas almas, pela salvação das qnnes tinhão elles deixado os
seus parentes, os seus Collegios e o seu descanso ; todo a
fim do lhes darem a entender o conhecimento do verdadeiro
Deos, do os instruírem na fé e de os tirarem, do poder e
cativeiro do diabo, seu capital inimigo, que lhes não podia
fazer hem algum, mas antes procurava todo o seu mal. en­
ganando-os e mettendo-os no caminho da perdição. Que a
alma que elles tinhão, e pela qual sentifio e falJavão, não
era m ortal, nem acabava como a dos b ru to s; porque em ­
bora m orresse o corpo, a alma sem pre havia de du rar, ou
no grande fogo do inferno, padecendo os m aiores torm en­
tos e castigos, ou no céo, entre muitos gostos, descanso
o alegria. Que o principal lirn por que elles busca vão
oo
as suas terras era para os baptizarem o fazerem filhos
de Deos, e para lhes ensinarem a viver com m uita paz e
união entre si e os Portuguezes, de quem d ’ali por diante
havião de receber m uitas conveniências, assim pelo seu
com m ercio. como pelo seu trabalho que voluntariam ente
íizessem , recebendo por elle m uitas ferram entas para o
serviço das suas lavouras, c m uitos pannos para se vestirem ,
e não andarem nús, vivendo como as féras do m atto, c com
outros m uitos interesses, que o tempo e a experiência lhes
m o straria: o que tudo cm nome de el-rei de Portugal, que
era um senhor m uito poderoso e amigo dos índios, lhes
prom ettia a todos aquclles que quizessem ser filhos de Deos
e seus vassal los, para serem tratados como amigos e não
como escravos, e era o mesmo que já tinhão experim entado
os seus parentes, postos em sua liberdade nas nossas aldeas
de Pernam buco, m uito contentes e satisfeitos na com panhia
dos Padres, como dos m esm os índios que com dies vinlião
se podião inform ar, e que estivessem certos e não duvidas­
sem que os brancos que o contrario Íizessem scrião grave­
m ente castigados pelo Governador do Estado, assim como
foi Pedro Coelho e seus com panheiros.
CAPÍTULO IV.
CONTINUAÇÃO DA MESMA 51ATERIA. — MORTE GLORIOSA DO
VENERÁVEL PADRE FRANCISCO PINTO.

Penidrárão tanto c lizerão tão bom cffeito estas praticas


nos coracões daquelles barbaros, que logo sem mais dem ora
se olTcrecêrão aos Padres para form arem as suas aldêas, para
o (pio parlião já a buscar as suas familias que esta vão escon­
didas pelos m attos, com modo não experim entassem as
m esm as violências que as passadas. Consolado o fervoroso
Missionário com a captura de hum tão grande lanço, dando
muitas graças a Deos pelo bom successo da sua cxhortação,
vendo a boa vontade com que todos trocarão brevem ente
os seus m attos pela companhia dos Padres, entrou logo com
m aior calor a levantar cruzes, form ar Igreja e a dividir em
ranchos a povoação, em que todos na alegria e no seu tra ­
balho davão a conhecer a virtude da poderosa mão de Deos,
abraçando gostosos o mesmo de que até então fugiâo des­
confiados.
Fundada já a aldôa, junto do lugar onde tinha estado
Mariim Soares, depois se fundárão outras não muito dis-
1aides da fortaleza, que depois se fabricou o erigio em
villa, que he a que hoje se chama do Ceará : entrárão os
Padres a d ar aos seus ncophitos as prim eiras lições dos
mysteries da nossa fé, ensinando e fazendo repetir na igreja
as orações pelos meninos e meninas, c em diversos tem pos
cathcquisando os pais e m ãis, valendo-se já das phrases, já
das comparações m ais perceptíveis e accom m odadasá inepti­
dão da sua riulez, para assim m elhor os affeiçoarem a bum a
lei na observância custosa e na intciligencia difficil.
A tudo dava providencia a caridade c experim ental pericia
do venerável P adre Francisco P in to ; e quando já os suppoz
mais instruídos na fé c aífeiçoados hum pouco mais ao novo
modo de vida, reconhecendo na aífabilidade c carinho com
que crão tratados, o m uito que interessavão na com panhia
dos seus novos m issionários, lhes propoz então o P adre cm
huma boa e hem ideada pralico, que lhes fez na igreja, a
[.recisa obrigação que tinha de buscar com seu com pa­
nheiro c os Tupynambás que eomsigo levava, a ilha e aklèas
do M aranhão, que era o tini daquella sua d erro ta, e para
cujo descobrim ento erão m andados de Pernam buco a rep ar­
tir com aquetles índios as m esm as luzes com que elles se
achavão já illum inados. One o sentimento de os deixar era
g ra n d e , porém que o preceito tie, obedecer ao seu pai
P assú (assim cliamão aos nossos Superiores) era ainda m aior,
por não poderem faltar á sua obrigação, quo era fazer o que
lhes m andavão; m a sq u e ficassem descansados porque elles
escrevião a Pernam buco para lhes m andarem m issionários
da Companhia, do quem serião tratados com o mesm o am or
em quanto não voltavão do Maranhão. (Jue se lem brassem do
([ue lhes tinha ensinado, e vivessem como filhos, que h a-
vião de ser de Decs pela agua do santo baptism o; que nas
suas necessidades e perigos cham assem por Jesus e Maria,
sua Mãi Santíssim a, se quorião experim entar prom itto rem e­
dio no seu m aior aperto. Do alguma sorto consolados os
deixou a destreza e energia coin quo sabia fatiar o fervo ­
roso Missionário, c entre m uitas lagrim as e sentim entos se
despedirão dos seus Potygiiáras, e estes dos seus am an­
tíssim os Padres, tomando todos a sua benção e acom pa­
nhando-os senão com os passos, ao menos com os olhos e
corações, possuídos já de hum a íilial e am orosa saudade.
Postes a cam inho os anim osos soldados da milícia de
Cluisto, acom panhados só de alguns Tobajáras da Serra, e
dos Tupynaiiibás do M aranhão e hum Potyguára, que não
qui/, largar os Padres, continuarão a sua viagem ate o rio
Parám irim , que passarão coin muito trabalho sobre algum as
cascas de páo: e como a Serra lhes ficava para o centro, lar­
gando as praias, buscarão o rum o do sertão, sem mais es­
trada ou cam inho, que aquelle que fazião m uitas vezes a
força do seu braço, por estarem ainda, pouco trilhadas, e
m enos seguidas por falta de commercio aquellas terras.
Kra o tempo totalm ente im proprio para lluina jornada tão
dilatada por ser tie inverno, e quasi continuas as suas chuvas,
obrigados a irem de ordinário molhados, sem muita roupa
que m udar, nem mais abrigo em que se recolher que os
m esm os m atos, onde murtas vezes-nem fogo podiao te r para
se enxugarem ; vivendo em 11urna continua necessidade, e
passando de liuns para outros, senão iguaes, m aiores tra­
balhos; que não licavão sem prêmio. I'oiumeUeudo dfies a
— dõ —
Providencia Divina as faltas do necessário para o corpo cm
abundantes consolações da alm a, tão faminta de padecer,
como aquelle dc descansar; por irem já muito debilitados os
servos de Deos por falta de farinha, de que logo se tinhão
desem baraçado os Índios, costum e ordinario entre elles, por
ser esta a prim eira carga de que se allivião.
O sustento que tinhão pelas praias com mais alguma com-
m odidade, era peixe e carangueijos: e agora pelo interior da
te rra , com não pequena falta, alguma caça, que o aconteci­
m ento offerecia a boca das quatro arm as que a grande provi­
dencia de Jeronymo de Albuquerque tinha dado como prevendo
se r este o seu unico rem edio em contingência tão apertada, c
em occasião tão precisa. Mas nem as grandes diíTiculdadcs,
que na passagem dos rios encontravão, nem a grande falta
dc com er que padecião enlibiava os animos, ou enfraque­
cia as forças daquelles agigantados cam peões; lutando con-
tinuam ente com os perigos, c com a mesma m orte, a que
se fazião superiores com a sua constanda c soffrimonto.
Pelos matos as féras a que os naturaes e nós chamamos ti­
gres, c pelas campinas as cobras, tão venenosas que de re ­
pente ínalão, lhes fazião im penetráveis os caminhos, por
serem de ordinario m ortaes os seus encontros; em urn dos
quaes já tinha acabado com m aior ventura que a sua mesma
desgraça (por m o rrer nos braços do Padre Pinto) hum ín ­
dio da sua mesma comitiva.
Avistada iinalm cnte a Serra 1'orão subindo os dous aven­
tureiros, ajudados dos índios pela debilidade das forças c por
não poderem já vencer a inaccossivel aspereza dos seus em ­
pinados caminhos, até que chegárão por ultimo entre im ­
mensos trabalhos c perigos dc vida ao alto delia, mais m o r­
tos que vivos, depois de passados sete mezes da sua partida
de Pernambuco. Porão estes os prim eiros Missionários que
pisárao esta Serra, que para elles se podia cham ar agora
te rra d o Prom issão, assim pelas commodidades do necessa­
rio para a vida hum ana, de que tanto carecião, como das
m uitas almas, que nella se creavão, e era o mel c leite por
que muito suspiravão estes verdadeiros Israelitas.
1’ôra já conhecida a Ibyapába pela sua altura e grandeza, por
balisa certa das observações da nautica; porque principiando-se
a levantar junto ao m ar vai crescendo sem pre a sua emi­
nência mais de vinte léguas ao centro, desviando-se da costa
ate o rio de São Francisco. Daqui vai continuando em
— d7

hum as parles mais alia, o em outras mais deprim ida até lixar
ua serra dos Órgãos no Rio de Janeiro, d ’onde ha quem
dioa (porém sem fundam ento que convença) vai topar com
as° cordilheiras do reino do Chile. Tem esta serra no seu
principio, ao que parece, seis léguas de largo, levantando-
se entre dilatados cam pos de hum a e outra p arte os seus
lados, que servem de divisa,* como já dissem os, aos dons
governos dos Estados do Maranhão e Pernam buco.
Da Itanda em que íica a costa lie quasi inaccessivel, por
que cortada como a prum o, parece uma m uralha, fabrica da
natureza, c imperfeição da arte, tão alta que assom bra as
m esm as nuvens, e aos m esm os olhos tira a vista. Na sua
eminência hc em partes plana, tendo algum as cortaduras
com o nome de boqueirões, que dão passagem franca ácom -
m unicação dos seus natu raes. Em huns lugares mais que
outros hc trabalhosa a sua subida, servindo-lhe as m uitas
arvores de que se veste, de occultar os grandes despenha­
deiros, á vista horrorosos, á serventia diííieeis.
lie a te rra fecunda de tudo o que nclla se planta. Tem bellos
ares, ainda que no inverno m ais frio s: m uito bom clima c né­
voas como as de Portugal, que até ás sete horas do dia impedem
os raios do mesmo sol, o que faz serem os dias mais peque­
nos ; despenhando-se aquelle planeta do sua grande altura
para se sepultar m ais cedo na profundidade de seus valles.
Ainda que não hc m uito abundante de aguas, tem com tudo
as que bastão cm um rio, que cahindo do alto se vai precipi­
tando com agradavel ruido na deliciosa planicie de seus di­
latados campos. São os seus naturaes os mais fortes c ro ­
bustos daquellc sertão. Encontrão-sc nella m uitos velhos,
que hem dão a conhecer não lie tão ingrata á natureza h u ­
mana a retirada vivenda das suas eminências.
Esta serra tão agradavel aos seus naturaes por algum as
commodidades, que nella poz o au to r da natureza, se faz
ainda mais celebre pela gloriosa e sem pre m em orável m orte
do apostolico P adre Francisco P into; acabando nella sua
fervorosa vida tão cheia de trabalhos, como rica de m ereci­
mentos -. sobre ella verem os tam bém trium phante o grande
padre Antonio Vieira, quando no íim desta prim eira p arte
tratarm os do fundação especial e perm anente desta populo­
sissima aldéa pelos m issionários da Companhia.
Chegando ao alto da Serra os nossos descobridores, man-
dárão diante alguns Tobajáras da sua comitiva, para noli-
- ;!S ■

ciarem aos parentes, ípu* erão chegados ás suas !erras os


pais Abunas, antigos bernfeitores da sua nação; c não sendo
necessário m aior aviso, correrão todos juntos a busca-los,
e como os acharão tão debilitados cio forças os levarão em
braços para hum a das tres populosas aldéas, aonde os ali­
m entarão com as pobres viandas que a occasião e necessi­
dade p erm ittia; porque o pei.Ve, desviada a costa mais de
vinte léguas, lie muito pouco; e as caças por muito batidas
não erão tantas como queria c pedia o grande num ero de
seus habitantes: hoje porém com as muitas fazendas de gado
que cercão pelos lados, se faz mais farta e abundante.
Tomado já algum alento, chamarão os Padres aosPrincipaes,
para que lhes m andassem ajuntar logo a gente mais precisa de
todas aquellas povoações em ordem a propor-lhes o negocio
mais im portante, que os tinha trazido de tão longe a bus­
car nas suas terras, não riquezas nem regalos, mas sim as
suas mesmas conveniências; rem atadas todas no m aior aug­
mento da sua fortuna, se quizessem fazer-se filhos de hum
grande e poderoso senhor, que não só nesta, senão na outra
vida lhes podia dar m uitos bens, muitos descansos, c muito
certas e sem pre firmes felicidades.
Contente com tão bons annuncios se ajuntou toda aquella
multidão de barbaros, que pasmados do modo e traje dos
novos hospedes, se deixavão penetrar m uito da costum ada
eloquenda e ardentes palavras do venerável servo de Deos,
destro por costume e insigne por arte das phrazes, e sem e­
lhanças mais proprias da sua natural rudez.
Propoz-lhes a necessidade grande que tinha de se fazerem
Cliristãos, para com a agua do Santo Baptismo se habilitarem
a receber os gostos da vida eterna, deque a im m ortalidadedas
suas almas se fazia capaz. Que quizessem viver como filhos
de Deos, se querião experim entar, não só as conveniências
desta vida, senão tam bém os descansos da eterna. One a
mesma vista do céo os convidava com a form osura de tan­
tos etao brilhantes astros, aonde podião viver em continuas
alegrias, se se animassem agora a deixar a falsa crença do
suas enganosas superstições. Que fugissem em vida do diabo
se nao querião depois de mortos acompanha-lo no centro
da terra , aonde estava hum fogo muito grande em que elle
com todos os sequazes da sua rebeldia os havia do queim ar
e atorm entar eternam ente, sem terem jam ais quem lhes
acudisse, e. podossn lirnr do seu poder. One dessem crc -
;}!l

di lo ao quo lhes dizia, porque além do os nao enganar, as­


sim lhos convinha para sua paz, para seu socego, e para o
IV'-1iz logro dos muitos o grandes interesses, que lhes haviao
resu ltar da companhia e ensino dos sens Missionários, e da
eommnnieacão e commercio com os P o rtn g u ezes; sendo
todos vassaílos d ’cl-rei de Portugal, em nom e do qual e de­
baixo da sua protecção lhos ])romettia m uitos hens, privilé­
gios c m ercês, de quem o G overnador do Fstado era liei
executor : querendo que todos fossem amigos dos brancos,
a quem não faltaria com o castigo mais rigoroso, quando
soubesse que offcndião aos índios com alguma força ou rua o
tratam ento. Que prim eiro que tudo fizessem logo bum a
igreja para nella lhes ensinarem os Padres os m ysterios da
missa fé, c aprenderem as orações ono Culto Divino as ado­
rações que se devião dar ao verdadeiro Deos e aos seus
Santos. Que fazendo-o assim, scrião os mais afortunados, não
só nesta, mas também na outra vida, que por ser eterna,
nunca jamais havia de acabar.
He inexplicável o gosto com que esta pratica do apostohco
P adre Francisco Pinto rendeu os corações daquelles barba­
ros, apostados já a obedecerem aos Padres, sem o minimo
barbarism o da sua vontade ; e por isso com a m aior dili­
gencia c actividade possível entrarão logo a levantar bum a
form osa igreja cm bum a das tres povoações que o Padre
nom eou, aonde se ajuntassem a ouvir todos os dias, os
docum entos da nova lei que querião abraçar, com condição
porém , que lhes não faltasse a boa com panhia de tão bons
Padres, e de tão caritativos c cuidadosos Missionários; para
cuja assistência íizerão tam bém por direcção dos Padres
bum a casa que fechava em quadro com a m esm a igreja;
idéa propria de bum a pobre sobre religiosa vivenda.
Acabada a obra que bem podia cham ar-se grosseira, ou
obra bruta, pela brutalidade dos seus obreiros, insistirão todos
quotidianam ente na instrucção dos m ysterios da nossa fc, não
só os meninos c m eninas, senão tam bém os adultos com
grande fervor dos m estres, c com não m enor contentam en­
to dos discipulos.
Nestes santos exercidos e louváveis em pregos gasta­
rão os bons m estres cinco mezes; adiantada m uito a quell a
Ghristandadc a impulsos de sua co n stan d a , e do in­
cansável zelo de seu espirito, e parecendo-lhes já tem ­
po de continuar a jornada c descobrim ento do Maranhão,
- id
quo o n o destinado norte da sua principal derrota, pa­
receu ao Padre Pinto ser m uito necessario, e mais que tu ­
do preciso em ordem á conservação e estabelecim ento da­
quella já fundada e reduzida m issão, pacificar prim eiro algu­
mas nações barbaras de Tapuyas, que seachavão dispersos
pelos contornos daquella serra, cuja vizinhança não deixa­
va de ser perigosa nos encontros de sua fereza; para abran­
d ar a qual pretendia o venerável Padre ser o m edianeiro
en tre os m esm os Tapuyas e os Tobajáras, seus neophitos.
Dos prêm ios que levava, e com que já tinha brindado a
pouco custo os seus novos aldeianos, reservou tam bém al­
guns, com que podesse obrigar aos vizinhos; querendo por
meio de dadivas quebrantar a dureza daquellas animadas
penhas. Surtio a idea o cffeito desejado, porque attrahidas
as nações das suaves noticias, que recebião pelos em baixa­
dores do desinteresse, c exem plar vida do tão santos varões,
levavão depois na liberalidade c carinho com que crão
por clles tratados penhores certos da sua m aior felicidade,
debaixo da protecção e am paro de tão insignes bem feito-
res. Faltavão ainda os Tacarijús, nação entre todas a mais
barbara, c por isso do venerável P adre a mais apetecida
para universal concordia de todo aquelle districto. A estes
expedio em baixadores com um avultado, posto que menos
precioso donativo,e como tardassem com a resposta, se po-
zerão a caminho para o seu apetecido M aranhão, acom pa­
nhados dos Tupynam bás, seus naturaes, e de alguns Toba­
járas c Potyguáras (que por todos não passavão de dez ),
mais cheios de saudades dos seus neophitos, que do preciso
viatico para lium a viagem tão prolongada.
Com dous dias de jornada os buscarão os Tacarijús, que
estiverão tão longe de se darem por obrigados do mesmo
prezente, que estim arão, q u e d a sua m esm a ambição fizerão
degráo para a mais execranda alcivozia; desejando ve-
rem -sejá senhores das m uitas drogas que suppunhão trazer
comsigo os pobres e innocentes Missionários. A prim eira
acção da sua barbaridade foi m atar os em baixadores, fal­
tando ao direito das gentes quem de gente só tinha o no­
me, e da fera mais cruel a condição; daquelles só a hum
perdoou a sua crueldade, porque lhes podesse servir de
guia ao lugar dos mais com panheiros. Armados em guer­
ra e instigados do diabo, cam inhárão seguros no descui­
do e nenhum preparo daquella pequena tropa de soldados

S
do Christo, a (juom naquelle dia tocou as alvoradas a b ra ­
va fereza daquelles brutos racionacs, ou homens sem ra­
zão, cujos golpes ao rom per do dia prim eiro furão senti­
dos que a sua chegada, tem po em que estava para dizer
missa o venerável servo de Dcos, que principiando sacer­
dote, veio acabar cruenta victima, junto ao altar do sa­
crifício.
Já ao tempo que tinlião descarregado a sua furia nos
Índios, que o acompanhavão, tinha o Padre Pinto ouvido
os prim eiros u rro s, que são entre estes infiéis os signaes
mais certos do rompimento da guerra, e largando os p ara­
mentos da m issa, que estava tomando, saldo ancioso a
acudir aos com panheiros, que se andavão defendendo
da crueldade dos Tapuyas, a cujos golpes já tinhão cabido
m ortos dons dos seus, que destem idam ente se tinlião op-
posto com mais valor que fortuna ás suas arm as; o que
vendo os outros largárão o campo, íicando só tres dos mais
animosos, e se retirárão para onde estava rezando no seu
breviario o Padre Luiz Figueira, a quem foi preciso a pe­
dido dos m esm os, esconder-se nos matos, entregue to­
do á Providencia Divina, que poupava para m aiores em-
prezas do seu serviço aquella preciosa vida, que havia lan­
çar depois os prim eiros fundamentos a esta nossa Missão,
íicando com o renom e do seu esclarecido fundador, posto que
por então não surtisse o effeito desejado, como verem os.
Não restava outro no campo da batalha, além do fervo­
roso confessor de Christo, qu e tirando da m esm a fraqueza
forças, entrou a abrandar com a doçura clc suas palavras,
tão poderosas cm m over os Potyguáras do Ceará, e os To-
bajáras da serra, a acrimonia c azedum e daquelles anim os
obstinados, e cegos da sua propria ambição, até cahir co­
mo cordeiro innocente nas cruéis m ãos daquelles famintos
lobos ; que não se derão por satisfeitos em quanto não vi­
rão derram ado seu sangue, á força e tyrannia de bum gran­
de golpe de páo de Jucá (que quer dizer páo do m atar), com
que cruelm ente lhe abrirão a cabeça, e tirarão a vida : sen­
do preciso tão larga porta para por elia sah irh n m a tão gran­
de alma, c aquelle mais que agigantado espirito ir a gozar,
como piam ente suppom os, com a laureola de tão illustre m o r­
te, o m erecido prém io de seus apostolicos trab alh o s,
aos 11 de Janeiro de 1608 ; dia sem pre m em orável nos
n ossos armaes cio M aranhão, que só de tão santa P ro­
ci
vincia i*,unio n do t a i l , podia receber hum ião grande
Missionário, o venerável Padre Francisco Pndo, quo com
o scu mesm o sangue regou a te rra , donde se haviao depois
colher tão abundantes e innum eravcis frutos.
Ditosa alma, o afortunada Missão com hum filho tao ven
turoso ' Não se abrirá em bocas a te rra cm que m orreu,
nuc havia ser districto e Capitania do M aranhão, para por
•dia fallar seu sangue, pedindo, como o de Abel, a Dcos
vinmmca, e ao Céo justiça, m as antes tantas gotas derram a­
das0 se converterão em outras tantas linguas, clamando em
altas vozes — Mandai Senhor obreiros, para esta vossa tao
desam parada, como grandiosa se á ra .— ,
IIuma circum standa fez ainda mais notável a m orte deste
esclarecido varão, que bem dá a conhecer a grande estimaçao
que os Índios fazião de sua preciosa vida: porque empe­
nhados a defendê-lo tres das tres nações, em cujo servi­
ço tinha sabido de Pernam buco o fervoroso Missionário,
todos íbrão m ortos, e derão não pequeno testem unho da
sua lealdade, offereccndo-se como primícias em nome dos
seus nacionaes junto ao mesmo corpo, que havia sido ai
tar de hum a alma tão santa, e de hum espirito tão virtuo­
so ü prim eiro chamado Pedro era da naçao Potyguara das
nossas aldêas de Pernam buco, que não querendo deixar
ao seu Padre na jornada, o quiz agora acom panhar, e de­
fendei' valorosam enteá custado m uitas e m ortaes feridas. O
se» undo se chamava Antonio, de nação Tupynam bá, que ser­
vindo em quanto vivo, de rodella ao mesm o Padre, receben­
do sete penetrantes feridas, cahio finalmente m orto aos seus
pés, deixando bem vingada a sua m orte, que bem podia servir
tiú inveja ao mesmo valor e de exemplo á m esm a valentia.
O terceiro, de nação Tobajára, nom eado então com o appe-
jiclo de Yguassúmirim (que quer dizer, agua pouco quente),
I o qual, cncendido em colora de ver o seu Missionário
m orto, dizendo em altas vozes— não quero viver m orrendo
o meu P adre— ; investio animosam ente com os aggressores,
e passado pelos peitos com hum a seta, acabou com os
mais a vida, m erecedora sem duvida de m aior duração e
eterna m em oria.
Desta sorte, e com m orte tão gloriosa, veio acabar o
venerável P adre Francisco Pinto com cinco índios da sua
comitiva ás mãos sacrilegas de deshum anos c ferozes hom i­
cidas, que buscando logo a pobre casa d5onde tinha sabido
o padre, não perdoarão a nada que podessc servir do paslo
á sua insaciável cobiça: c como o sou intento não era outro
que m atar, por inducção diabolica, ao virtuoso Missionário
e aproveitar-se do muito que engenhosam ente imaginavão
em seu poder, se rctirúnio ufanos corn a victori o, fazendo
publica ostentação do despojo nas poucas alfaias da pobreza
dos Padres, nas vestes sacerdotacs c mais instrum entos do
altar portátil que sacrilegam ente roubarão. Passado algum
tempo, e desem baraçado já o cam po dos inimigos, sahio o
Padre Figueira do mato com cinco Índios, que ainda resta­
va o, e buscando o venerável cadaver, o achou todo banhado
e m ’sangue da m ortal ferida, com que lho abrirão a cabeça
c despedaçarão o queixo, da orelha ate a ponta da barba.
He inexplicável o sentimento que o bom Padre Figueira teve
quando vio o cadaver de sen am antíssimo com panheiro,
com o qual abraçado, derram ou muitas c inconsoláveis la­
grim as, não só pela com panhia que nolle perdia, senão
também porque via frustrados os desígnios do descobri­
mento do Maranhão, c totalm ente perdidas as esperanças da
conversão de tantas c tão desam paradas alm as; c porque
lhe faltavão os meios de continuar tão santa e gloriosa em -
preza, se resolveu a retroceder a viagem. Depois, mettemlo do
m elhor modo que pôde o defunto Padre cm um a rede, se
poz a caminho, e o foi sepultar na raiz da serra da Ibyapaba,
querendo lhe servisse dc elevado mausoléo, já que lh e tinha
servido do throno á sua ardente caridade ; m andando pri­
m eiro fazer uma casa, onde deixou enterrado ao venerável
Padre, c levantar liuma cruz no mesmo lugar para signal,
certo dc hum tão rico sobro estim ável deposito. 0 pao com
que o m atarão, c tinto ainda cm sangue, deixarão aquclles
barbaros junto do corpo (costume entre d ie s ficarem com o
m orto os instrum entos do sua m orte), o levou comsigo o
Padre Figueira para o collegio da llahia, onde no anno de
-Urdi, cm que os H o llan d ers tom árão a cidade, se perdeu
com as mais reliquias que nolle se conserva vão em deposito.
Enterrado o virtuoso confessor de Christo, se retirou o
padre para a Serra, e desta para Pernam buco, em o qual o
deixaremos para a seu tempo o acom panharm os até ao Ma­
ranhão, e do reino até á costa do Pará, cm que experim en­
tou, senão a mesma, mais barbara c dcslmmana m orte. Os
índios Tobajáras da Serra, depois do saberem da cruel morle
de sou amantíssimo M issionário, furão tantas as lagrimas
í|ii(. derram arão, quo. não podendo adm ittir consolação ú
nua magoa sem prim eiro vingarem aquclla vida, de quem
tinhão recebido exemplos de santo e assistência de pai, a r ­
ruados todos de g u erra, e revestidos de seu natural valor,
com que se fazião os mais tem idos de todo aquelle sertão,
buscarão os Tacarijús na sua propria a Idea ; c, dando-lhes
hum apertado cerco antes de rom per a alva, tocarão a d e­
golar com tanta furia, que, sem fazer distineção de grandes
a pequenos, de innocentes a culpados, m atarão a toda
aquella nação, sem ficar um só que podesse fazer lem brado
o seu nome, ou ao m enos com a sua lem brança servir o seu
castigo de exemplo á posteridade.
CAPITULO VI.
tin eve n o t i c i a d o p o u c o q u e p o d em o s a l c a n ç a r
DA VIDA E VIRTUDES DO VENERÁVEL
PADRE FRANCISCO PINTO.

He, c será sem pre sensível a falta de algumas noticias


sobre as vidas o acedes dos illustres varões, com que se
fez m aior que seu mesmo nome toda esta gloriosa Vicc-
Provincia, cujos fervorosos Missionários cuidarão mais cm
obrar que em escrever o m uito que obravão c vião obrar
os outros, o nos deixarão uma eterna saudade na memoria
do alguns de seus insignes factos e apostólicas em prezas :
por esta causa direi em pouco, quanto baste para se inferir
o m uito, que obraria na vida este fervoroso e verdadeira-
m ente apostolico Missionário.
Foi natural da Ilha de Santa Maria (outros dizem que da
Terceira), filho de pais nobres, com os quaes se em barcou
para o brazil na tenra idade de m enino. Teve sua prim eira *
criação na cidade de Olinda, em Pernam buco, d:onde, pas­
sando para a Bahia, entrou na nossa Companhia no anno
de 1568, tendo de idade dezesete annos ; e no Collegio da
m esm a cidade m ereceu sem pre hum a conhecida opinião
de virtude. Viveu cincoenta e seis annos, trinta e nove dos
quaes na Companhia, que quasi todos em pregou na con­
versão das almas dos índios do Brazil, porque, acabados
os estudos c ordenado sacerdote, se dedicou ao m inisterio
apostolico das Missões, com tal fervor e constância de espi­
rito, que ncllas veio acabar tão santa vida.
Ao principio foi Missionário das aldêas já convertidas
e estabelecidas entre aquclla Cbristandacle; porém não ca­
bendo seu grande zelo em hum a só povonçao, fez m uitas
entradas nos sertões, e ncllas reduzio innum eraveis Gen­
tios, entregues só á lei da natureza c a o s barbaros costum es
da sua natural brutalidade. Cinco forão as entradas, com
ns quaes tirou dos m atos a m uitos índios, c fundou grandes
aldêas, augm cnlnndo ao mesm o tempo os íilhos da Igreja e
os irinm pbos da nossa Santa Fé.
- . M>
Krn tal o soffrimcnto com quo se havia nos m aiores tra­
balhos, quo apezar da mesma sensibilidade, de todos triu m ­
pi iava ’ a sua paciência. Foi tão hem succedido nas sitas
conquistas espiritunes o apostólicas missões, que nunca
jãmais deixou de corresponder a seára ao beneficio da cul­
tura, e ao incansável desvelo do operário, effeitos da sua
alta contemplação, na qual prim eiram ente com Deos, e
depois com os homens tratava os negocios m ais arduos e a s
reducções mais difficois. Nunca os perigos o intim idarão,
nem a falta do necessário nem a necessidade do preciso lhe
abafarão o animo, ou acobardarão o espirito. Sendo humilde
por virtude, foi prudente por estudo, e affavel e caritativo
por natureza, especialm ente com os índios, com os quaes
tinha h u m atâo especial e adm iravel graça, que apezar da
sua m esm a dureza c barbaridade lhes roubava os corações
e attrahia as vontades, conduzindo muito para esta desusada
correspondência a grande intclligcncia da lingua dos na lu ­
ra es, cm que era peritíssim o, e nas suas praticas o mais
eloquente, pela destreza nas phrases, e pela naturalidade das
semelhanças.
A sua vida era hum a contínua m ortificação, como se
vivesse m orto a tudo aqnillo que se podesse cham ar
0 eom m odidade, fiado só nas assistências da Divina P ro ­
videncia, ao mesmo tempo que nenhum caso fazia das dis­
posições hum anas. Foi rara a sua fé, e por isso extraordi­
nario o seu zelo na salvação das alm as, c reducção do
genlilism o; prova grande de que sendo o am or do proximo
ião singular, era m aior o am or que tinha a íleos. Foi
exem plar de Missionários, imagem viva de virtudes, e hum
retrato animado da mesma edificação religiosa. Foi emfim
todo de Íleos na vida, e por isso todo seu na m orte, que
pelo glorioso rem ate com que acabou hem deu a entender
era credora do immarcessivel diadema da justiça, com o
qual o justo juiz corôou no hm dos seus dias o attcndivel e
elevado do seu m erecim ento.
Morreu conquistador, porque viveu conquistando. M orreu
trium phando, porque viveu vencendo. D erram ou o sangue
na batalha, onde alcançou a victoria; ficou senhor do
campo para além da m orte o ser também de toda aquclla
conquista, que tanto havia avultar para o futuro á vista dos
serviços de hum tão grande soldado, e de hum tão fervo­
roso apostolo : basiando o dar principio ao descobrim ento

í.

c o sor nomo ado prim eiro Missionário do Marauliao, paia ;t
som bra de sens fervorosos exemplos contar a nossa Vice-
Provincia tantos varões zelosos, que a illustrarao, e lorao
instrum entos vivos da sua prodigiosa funda ca o o de seus
avultados augm entos, que não seria tão famosa se o nao
contasse por prim eiro m artyr, nem o seu progresso tao
grande, que podesse exceder seu m esm o nome.
r j\ão quiz Íleos que hum tão grande Missionário ^ tivesse
outro íim, que acabar na ompreza da salvação dos Gentios.
\ssin i o revelou Deos ao grande T haum aturgo do Brazil, o
venerável P adre José do Ànchieta, sendo Provincial desta
Provincia, p orque adoecendo o Padre Pinto no Lollegio da
Baliia no anuo de 1582, com doença gravissima, sem espe­
ranças algum as de vida, ao tem po que se lhe acabava do
adm inistrar o Santo Sacram ento da Uncção, entrou o vene­
rável Padre Anchieta a visital-o, e lho deu hum grande
abraço, não dc despedida para a eternidade, m as sim de se­
guro certo para mais se dilatar a sua vida. E para que a es­
perança do súbdito se ajustasse com a fé do Prelado, lhe
disse então, por form aes palavras : — Meu Padre Pinto,
Vossa Reverendissima queria ir-se ao céo ás mãos lavadas?
Pois não ba de ser assim ! Longa tibi restai via ! Tem m uito
ainda que p assar e padecer prim eiro ; não ha de m o rre r
m orto tão descansada; antes delia ha de te r m uitos trab a­
lhos, ha de fazer m uitos serviços a Deos, c salvar m uitas
a lm a s ! Levante-se já Vossa Reverencia e vá dar ao côro as
graças ao Santissimo Sacram ento, que he quem lhe concede
esta saúde. — E voltando-se para o irm ão enferm eiro lhe
disse — D ê-lhe o seu vestido, e não torne mais este P adre
á enferm aria. — 0 mesmo foi acabar o Venerável P adre de
fallar, que achar-se repentinam ente são o P adre Pinto.
Vestio-se, e foi dar graças no côro, e não tornou mais a
adoecer até o dia da sua gloriosa m orte, passados não
menos de 20 annos: e quasi toda esta serie de tem po gastou
na reducção e ensino dos seus am ados índios, sem que o
cuidado da alheia o fizesse esquecer da salvação própria ;
gastando todos os dias, além do outros exercícios espiri-
tuacs, quatro horas dc oração m e n tal; como testeíicou lm m
P adre que foi m uitos annôs seu com panheiro na aldêa do
Espirito Santo, aprendendo em tão divina escola o santo
exercido das virtudes, com que ricam ente se adornava
aquella bem dita alma. E ntre estas farei só particular m en-
íS —

filo <la virtude da castidade, pelo gráo heroico em que a con­


servou este anjo em carne no meio de tantos laços sem cahir,
junto a tanto fogo sem se queim ar, o entre tantas occasions
sem se perder. Porem os aqui para m aior fé a certidão do
Padre Sebastião Yaz, para prova do modo com que procurou
conservar sua angelica pureza.
« Fu o Padre Sebastião Yaz, da Companhia de Jesus, Reitor
do Collegio desta cidade de S. Salvador, Bahia dc Todos os
Santos. Certifico, que sendo m inistro deste Collegio no armo
dc 1610, me contou o P adre Pedro Leitão, da nossa Com­
panhia, que sendo elle superior da a Idea de Santo Antonio,
e o Padre Francisco Pinto da aldêa do Espirito Santo,
ambos no districto da Bahia, este lhe escrevera liuma carta
pedindo-lhe com todo o encarecim ento, que se avistasse
com elle, porque tinha hum negocio dc m uita im portância
que trata r com Sua Reverencia, e estava impossibilitado para
poder sahir fóra dc casa, e o que queria tra ta r com elle
não era para papel: caccrescentou o dito Padre Pedro Leitão,
que lendo a carta do padre Francisco Pinto, logo se pozera
a caminho com seu com panheiro, e que chegando á aldêa
do Padre se m cttêra com elle no cubiculo, no qual lhe disse
a razão dc o m andar cham ar, porque havia alguns mezes
que o molestava liuma tentação da carne ; e posto que tinha
usado de varias asperezas, devoções, e penitencias, com
tudo parece que mais se accendia, do que se mitigava
aquclla tentação, ató que se vio forçado a u sar de outro re ­
medio mais aspero, tom ando huma candôa, e queim ando
com olla a mesma carne, para apagar com hum fogo outro
lo g o ; e o fez em tal forma, que me disse o padre Leitão, que
tinha a parte queimada em liuma braza viva de tal s o r te ,
(juc ficára pasmado, ainda que por outra parte se não es­
pantara, porque sabia que o Padre Francisco Pinto ora re ­
ligioso de muita virtude, de quem sem pre setev eh u m grande
conceito, muito zelo das salvações dos índios; sendo este zelo
a causa da gloriosa m orte que teve, indo dar principio á
missão do Maranhão, a pregar e converter aquclla gentili-
dado a le catholica, c antes de lá chegar foi m orto pelos T a-
puyas. F como o dito Padre Pedro Leitão sabia que eu
tuiho razao de parentesco por consanguinidade com o P adre
rrancisco Pinto, tendo succedido neste tempo a sua gloriosa
m orte, me contou o referido caso, ed isse m ais, que estivera
com o 1 adre alguns dias applicanclo-llic algumas mezinhas,
com qac sarou o corpo, o l a m b e m a a l m a , í i r n m l o l i v r e
daqnella tentação ate que m ereceu a m orte gloriosa, que,
m uito antes prophctisou o venerável Padre . t o s e A ncíneta;
e por me ser pedida esta certidão a passei de minha letra
e signal. Passo o referido na verdade, e o a í i i r m o m verbo
sacerdotis. Collegio da Pahia, aos 8 de Agosto de ibo;).
0 Padre Sebastião Vaz. »
Passados alguns annos trasladarão os Índios de Jaguarm e
para hum a das suas aldêas os ossos do Venerável Padie,
por virtude dos quaes obrou Deos entre elles alguns prodí­
gios, como a seu tempo verem os, porque já o lio da his­
toria nos convida para vermos quem íorão os prim eiros po-
voadores da Ilha do Maranhão.
CM’miLO Ml.

i’OYOVO OS I’UAXCEZES A 1L1IA DO MAD AM IAO.

Fm tempo que governava o reino de França EI-Rei


Chrislianissimo H enrique o C ran tle, pirateava pela costa
do Brazil, líifíault, Capitão Franco/., ,o qual, ou levado da
violência dos ventos, ou obrigado do im petuoso das aguas,
avistou a barra do M aranhao, com m elhor lortuna, que seus
prim eiros descobridores. Mandou observar a entrada, e
convidado da com m odidade do surgidouro, e do abrigado
da terra, que para dentro de Imma grande ponta de arèa
lhe ficava, como pratico nas conveniências daquelles portos,
achou no da Ilha, que entrava mais para o interior da dita
barra, hum lugar m uito acconnnodado para as suas aguadas,
concerto das em barcações, e abundanda de peixe para o
preciso provimento das suas náos. Dando fundo se agradou
do sitio, e informado (confusamcnte por falta de lingua) dos
naturaes, que crãu os Índios Tupynam bás, da bondade das
terras, determ inou p assar-se a França a ver se com o novo
descobrim ento m udava de fortuna, com menos riscos, e
mais seguros e avultados lucros.
Levava entre os da sua equipagem hum cavalheiro do
condado de Toufaine, moço a quem estimulava o brio para
adiantar entre os perigos da vida de piratas acções de vale-
roso e bizarrias de soldado; cham ava-se Carlos des Vaux,
de vivo engenho e singular agrado, com o qual se fez em
breve tempo não pouco estim ado daquelles naturaes. A este
deixou Riffault naquella Ilha com alguns m ais da sua comi­
tiva, para que com a suavidade do genio, a quem via já in­
clinados os Tupynam bás, os obrigasse, não só á m anutenção
da sua pessoa, senão também á segurança daquelle porto,
na volta que fizesse a tra ta r dos augm entos cíaqucllaconquista.
Prom etteu rep artir com elles do muito que ia buscar a
França, e que o esperassem sem duvida, pois o mesmo
seria vê-lo outra vez nas suas terras que abrir-lhes a for­
tuna a porta aos seu s m aiores interesses. Despedido
dos companheiros , largou velas ao vento, que foi o
— 51 -
mesmo que larg a-I os ao simi esquecim ento, para so nao
lem brar da volta, ou porque os arcs do França o íizcrão
totalm entc esquecer do clima do Maranhão, ou porque no
mar, com ambição do ajuntar mais alburn cabedal, acabaria
talvez a vida no antigo exercício dc pirata.
Entrou logo Carlos dos Vaux a aprender a lingua dos
naturacs, o a fazer-se tão amavel pela docilidade, do seu
trato, que ganhou a todos os corações, para os ollercccr
a seu Rei, a quem proinettião aqucllcs barbaros obedecer,
deixando form ar nas suas terras hum a colonia, cm que pu­
dessem aprender com as luzes da fé o modo politico de
hum a nação tão culta como a França. Impaciente Carlos com
a tardança de RifTault, buscou meios de passar com os com ­
panheiros a dar parte a seu Soberano, do que tinha notado
e averiguado naquella Ilha, sendo a sua pessoa a m elhor
prova dos m uitos interesses, que a terra prom ettia á coroa
dc França, para onde se partio em lmma pequena em bar­
carão, que lho tinha deixado seu Capitão, ücando os seus
Tupynam bás tão saudosos, como cheios de grandiosas es­
peranças.
Foi recebido Carlos na corte do França com grandes
signaes de benevolencia pelo sem pre Grando H enrique IV,
que logo lhe prom otion a sua real protecção, sendo
c e rta , como d izia, a relação daquello descobrim ento;
m as como por este tempo succcdesse a desgraçada m orte
deste infeliz, m as sem pre m em orável Rei, passou o governo
na m enoridade dc Luiz XIII, seu íilho, á Serenissima Rainha
Maria de Medicis, sua mãi. Para cíleito desta conquista con­
cedeu licença esta Senhora a Monsieur dc la Ravardièro dc
poder form ar hum a Companhia, m andando-lho passar hum a
patente de Tenente-General de toda aquella conquista.
Convidou elle para socios a Francisco de Rashly e a Mr. dc
Sancy, os quaes juntos de tal sorto a engrossarão de cabe-
daes, que poderão aprestar com grandeza as tres nãos, em
que se em barcarão os dons interessados Ravardièro eRasilly;
e na terceira o Barão dc Sancv, em lugar do seu pai, terceiro
socio, com Carlos d es Vaux, principal m otor daquella ex­
pedição. Levarão 500 hom ens de equipagem entre soldados
e m arinheiros, e o m elhor de tudo a quatro virtuosos e
apostolicos varões da Sagrada Religião dos Capuchinhos
para propagarem o Evangelho. O Superior desfa m issão foi o
Reverendo Padre Fr. Claudio. Abbeville, tudo a instancias, e
cuidado do grande zelo e ehristandade de Mr. dc Rasilly.
[hui irão iinalmonte no anuo de 1012 do porto do O.m-
o do .lullio do mesm o anno com breve c feliz via-
ji(vi;i fjuirárão ancora na Ilha de Santa Anna, junto da barra
tio iv.re./i, c com doze iegvias distante da Ilha do Maranhao.
Tratarão logo os com m andantos de m andar lançar em terra
ao cavalheiro Carlos des Yaux para se inform ar doestado
da terra, c do animo e constanda dos naturaes seus amigos.
Passado pouco tempo voltou desNaux acompanhado de alguns
Principacs, tjue vinhão receb er os novos hospedes, senão
com tanta politica, ao menos com a sinceridade, c ceierno-
nías que a sua barbaridade lhes permittia. Buscarão logo as
náos o p o rto , onde depois fundárao a sna colonia. Desem­
barcou a gente, tom arão posse da terra, e passados poucos
dias de descanso, entrarão a fabricar em um alto na ponta
que cahia sobre os dons braços de m ar (Ibacanga e Coty),
hnrna fortaleza com tal actividade, que em pouco tempo se
poderão cavalgar nella dezesete canhões da sua m elhor
artilharia. n ...
Aos 12 dc Agosto celebrarão os Religiosos Capuchinhos a
sua primeira missa com a m aior solemnidade, e admiraçao
daqucllcs barbaros, cm um altar portátil por não terem
ainda igreja, que depois se lhes mandou fazer com seu Hos­
pício, no lugar onde hoje se acha o Collegio da Companhia,
regulado tudo pelo tempo e uso das terras, sem m ais ex-
pensas que o trabalho dos índios ; que com a m esm a diligen­
cia animados humas vezes com o prêmio, e outras com o
exemplo acabarão aquolla pequena e ainda pobre cidade,
a que rlerão o nome de S. Luiz do Maranhão, lem brados
dc hum tão grande Santo, que duas vezes tinha ennobrecido
o illustrissimo nome da nação Franceza.
Expedirão logo em baixadores aos índios, que se achavao
situados na terra firm e de Tapuytapéra, distante Ires lé­
guas da cidade pela separação de huma grando e form osa
bali ia. Prom cttêrão-lhcs a sua paz e amizade, que os índios
aceitarão, m ais pelo exemplo dos naturaes da Ilha, que por
affecto aos novos hospedes, de quem sem pre lhes ficava o-re­
ceio de se fazerem algum dia senhores da sua liberdade.
Discorrião ao mesmo tempo os fervorosos Missionários
colhendo pelas aldêas do seu districto o copioso fruto de suas
apostólicas fadigas. He m uito digno de especial nota, que
achando-se onião nesta Ilha e nas suas vizinhançasvinte e sete
populosas aldêas, em que con tarão os Francezcs dez para doze
inii aim,is, pouco a pnuco se íossian ox(ingnindo, sent lionr
mais quo lmmas pequenas reliquias na aldêa, quo ainda
hoje so conserva com o nomo do S. José. G onsiim io-
as talvez o tempo, porque a ambição dos interessados
as não soube conservar para o futuro.
Gostosos com tão avantajados progressos, ajustarão os
com mandantes p artir logo Mr. de líasilly para França a bus­
car soldados, c religiosos para o cííeito de se adiantar mais
aquella conquista, o que logo se pôz em execução. Emquanto
luins navegão, c outros ficão, passem os a ver o modo com
que pretende oppôr-so aos seus angm entos o valor e p ru ­
dência m ilitar do Governador e Capitão-General do Brazil
Gaspar de Souza.
CAPITULO VIII.
CONTINUAÇÃO D.V MESMA MATERIA.

Já dissemos como Marfim Soares alcançando patente de


Capitao-inór do Ceará, nello, se conservou com os índios na-
turaes, até que pela desordem de Pedro Coelho se levantarao
estes e se vio aquelle obrigado a re tira r-se a Pernam buco.
Agora que já estavão socegados c satisfeitos com as eílica-
zes praticas do venerável P adre Francisco Pinto quando pas­
sou ao descobrim ento do M aranhão, conlorm e a ordem do
Covcrnador, se tinha recolhido á sua Capitania, c nella aju­
dado dos índios que nunca deixarão de lhe ser affeiçoados
formou hum a fortaleza mais bem regulada c forte, c que se
podesse fazer defensável com alguma artilharia que tinha
trazido de Pernam buco, juntam ente com alguns soldados.
Nella se conservou p o r muito tempo em bella paz e harm o­
nia com o Gentio de todo aquelle Ceará, de quem ia sem­
pre recebendo im portantes noticias, não só daquclla se não
lambem da terra do Maranhão (que erão as que Soares
mais apetecia) pela communicação que entre si Gnhão
todos os índios daquella costa até a Tutoya, ou nação dos
Trem em es.
Soube ultim am ente (e a m esm a noticia teve depois o Go­
vernador por Portugal) que na ilha do Maranhão estavão já
situados os Francezes, c que com os Tupynambás, índios
naquelle tempo os mais valorosos e guerreiros, fomentavão
huma para clles conveniência, e para nós perigosa corres­
pondência. Não quiz fiar hum a tão im portante novidade de
outro que não fosse a sua pessoa. Partio-so com a m aior
diligencia, e chegado que foi a Pernam buco, avisou logo de
tudo a Gaspar de Souza, que não duvidando já daquelle facto
nem do bom exito da sua prem editada expedição, passou
com o m aior calor as ordens necessarias para se pôr prom p­
to hum bom destacamento de soldados, arm as, m unições e
índios, completando o num ero de trezentos homens com as
em barcações competentes ao seu tra n sp o rte ; o que tudo en­
tregou a Martim Soares com ordem de ir tom ar a Jeronym o
do Albuquerque, Capilào-m òr da fortaleza do Rio Orande, e
agora com poderes de general de toda aquella expedição,
attendendo ao merecimento da sua pessoa e ao destem ido,
entre os termos da prudência, da sua valentia. Erfio peque­
nas estas torças para o grande poder com que os Francezes
se tinhão já senhoreado da terra e leito lortes naquella ilha,
mas nem a providencia do Governador as pôde por então
saber com certeza, nem o valor de Jeronym o de A lbuquer­
que contradizê-las sem suspeita de cobarde.
Com gosto e alegria partirão os nossos conquistadores,
ambiciosos da gloria que podia interessar o seu nome em
hum a tão arriscada em preza, liados cm que na justiça da
causa e no direito indispensável do seu Principe levavâo o
m elhor ammncio da victoria. Chegou Martini Soares ao Rio
Grande, entregou as cartas com a patente a Jeronymo de Al­
buquerque, que prom pto ás ordens do seu General, man­
dando em barcar prim eiro o que pareceu se fazia preciso ao
serviço da sua pessoa, e á m aior conveniência dos seus sol­
dados, chegada a hora da partida mandou levar ferro a pe­
quena arm ada ; e largando ás incertezas da fortuna as velas
da sua esperança com vento á pôpa chegou finalmento a avis­
tar a boca do Pereá, e m ontada a ponta da te rra firme deu
fundo com feliz viagem na ilha de Santa A nna, onde já os
Francezes o tinhão feito na sua prim eira entrada e fundação
daquella colonia.
Desem barcou a gente c tratárão logo cie fazer o seu
alojamento ; onde passados os prim eiros dias de des­
canso, m andou Jeronymo de A lbuquerque que o Capitão
Martim Soares partisse cm um barco, corn alguns soldados
e índios a tom ar falia na ilha pela parte de leste e barra de
S. José, para saber com certeza o estado e forças do ini­
migo com todas aquellas cautelas c segredo que liava de seu
arbitrio e esperava dos acertos da sua prudência. Assim o
fez S oares, c com tão boa fortuna q u e , emboscados pelo
m ato, depois de tom arem ponto, poderão muito a seu salvo
aprisionar alguns índios Tupynambás, que m etteu a bordo;
e querendo voltar para os com panheiros, forão tão fortes e
ponteiros os ventos geraes, que então corrião, que lhe não
foi possível vencer o impeto e violência das correntezas, c
se vio obrigado a arribar ás índias de Castella, depois de
p erd er hum m astro na resistência, que fez na arribada.
Impaciente passava Jeronymo de A lbuquerque com a de-
- r •(>
mora dc Marlim Soares, e como inferisse por algum as no­
ticias, quo lho (lerão, que o não voltar seria eífeito mais da
inconslaiicia do m ar, que tem erário acontecim ento da sua
desobediência, pretendeu por outro modo saber o estado dos
Fraucezes que nada menos tendão que as nossas forras, lia­
dos no grande soccorro que esperavão de França a ins­
tancias e actividade de Mr. de Rasilly, que não linha passado
a Europa com outro intento.
Não tardou muito tempo c já o nosso com m andante esta­
va inteirado do que passava, informado de alguns Índios
desertores, que se tinlião feilo parciaes dos nossos interes­
ses. Mas não querendo como prudente e experim entado Capitão
m edir as forças do inimigo pelas do seu valor, pondo em
risco tão Uons e valorosos soldados, vendo-se cm tudo des­
igual ao partido dos Fraucezes, fez levantar com a m aior
brevidade hum forte de m adeira, com alguma pouca e pe­
quena artilharia; e presidiando-a com quarenta soldados e
alguns Índios dos mais escolhidos que levava, pondo-lhe por
Capitão ahum seu sobrinho, liou da sua conducta que susten-
tarião animosos aquelle posto, em quanto elle cm pessoa ia
com o mais da comitiva buscar hum tal soccorro a P er­
nambuco, que podessem juntos alcançar do inimigo hum a
cabal victoria. Rccommendou-lhes que sustentassem firm es
aquelle presidio, e o defendessem de qualquer encontro dos
Fraucezes como íilhos dc Marte, e como discipulos que lia -
vião sido da sua disciplina.
Alentados deixou Jeronymo de Albuquerque aos que dei­
xava naquelle forte, e não sei se com m aiores invejas, dos
que ião quedos queficavão: e m andando levar ferro as em bar­
cações em que vierão, partirão todos para Pernam buco tom ando
elle com alguns dos seus o caminho por terra. Era chegado o
tem po, em que trazendo de França o Sr. de Pratz hum bom
soccorro, ferrava, alegre com o bomjsuccesso da sua viagem,
o porto de Santa Anna, cuidando estar ainda debaixo do do­
minio das suas arm as; porém sabendo que os P ortuguezes
estavão nolle fortificados, desvanecido com o grande soccor­
ro que levava, os quiz desalojar o livrar-se por hum a vez
do susto dc tão destemido vizinho. Mandou desem barcar du­
zentos homens debaixo da disciplina do mais experim entado
de sens Capitães.
Recommend ou a todos a empreza e liou defies o bom suc­
cesso de tão im portante acção. Achava-se já Capitão daquelle
.... , , 7 —

presidio Manoel de Souza d ’Fça, que linha chegado de Per­


nambuco com hum pequeno soccorro, o qual sahio a rece­
bê-los com cincoenta soldados, os m elhores daquella guar­
nição, deixando os mais na precisa guarda do forte, onde
pudessem em qualquer adversidade da fortuna salvar as
vidas, senão com honra, ao menos com m elhor reputação
das nossas armas. Medio as forças do inimigo e vendo a des­
igualdade do partido, se valeu com a pratica da situação do
paiz. Form ou a longo do caminho o pequeno batalhão em
duas alas, am paradas do mato por hum a c outra parte, e
em proporcionada distancia hum do outro esperou os Fraii-
eezes, que precisam ente liavião passar; com ordem que
disparadas as cargas, se fossem prolongando, o m udassem
de terreno, para assim parecerem m uitos e se fazerem mais
num erosos, os que na realidade erão tão poucos.
Sahio a idea m ilitar de Manoel de Souza m uito conforme
ao cffeito daquella tem eraria sobre arriscada contenda; por
que am parados sem pre da espessura do m ato com tão bom
successo e pontaria certa em pregarão as suas balas nos
inimigos, que vendo estes, m ortos a m aior parte dos seus
sem saberem de quem fugião, imaginando hum poder ainda
m aior, se retirarão confusos ao seu navio c desenganarão ao
Sr. de Pratz, que não repetisse o assalto, se não queria a r­
riscar liuma grande parte daquelle soccorro.
Que os Portuguezes m ais como féras do m ato, que com
pericia m ilitar, sabião offender a seu salvo a quem os b u s­
cava, sem outro prejuízo que a incerteza de alguns tiros,
que recebião de seus contrarios. Que esperasse m elhor con­
junctura, porque com soldados práticos na guerra daquelle
paiz, com facilidade e golpes mais pesados os poderião desa­
lojar daquelle posto. Aceitou o com m andante as acertadas
propostas de seus officiaes, c buscando o porto da Ilha do
Maranhão, desem barcou com os seus a tom ar algum des­
canso dos trabalhos da sua prolongada navegação; informando
prim eiro de tudo a seu Tenente-General Mr. de laR avardière.
Emquanto ellcs descansão c conferem entre si os meios
de seu estabelecimento, passemos a Pernam buco a ver a ac-
tividade com que o Governador Gaspar de Souza, inform ado
já pelo A lbuquerque, expede hum luzido soccorro para desa­
lojar os Francezes da Ilha do Maranhão, c lançar fóra por
um a vez a hum tão prejudicial, e injusto usurpador dos do­
mínios do Portugal.
CAPITI i LO IX.
1'l i lM i: IRO E NCONTRO DAS NOSS AS Al lMAS COM
OS F R A N C E Z E S .

Aprestada já aquella pequena arm ada, que constava de Ires


navios pequenos c cinco barcos arm ados em guerra, g u a r­
necidos de 300 soldados e sufficiente num ero de índios
das nossas aldêas com todas as m unições precisas a liuma
tão im portante expedição ; entregou o Governador o com­
inando delia a Jeronym o de A lbuquerque, dando-llie por
adjunto o Sargento-m órD iogo de Campos, que recebendo as
ordens que lhe estavão distribuídas no seu regim ento, par­
tirão em Agosto c chegarão em Setem bro de 161 d- a dar
fondo no porto c na Ilha do Sant’Anna.
Forão recebidos naquelle presidio com as maio res de­
m onstrações de alegria pelo susto e receio em epie estavão
das forças de tão poderoso vizinho, e para que o gosto com
que se congratulavão fosse mais completo, lhe contarão o
feliz successo que tinbão tido contra as arm as francezas,
em bora ficassem mais cheios de gloria, que de despojos
m ilitares. Agradeceu Jeronymo de A lbuquerque as indus­
triosas evoluções do Capitão Manoel de Souza cVEça, louvou
a valentia dos soldados e adm irou a constância com que
todos tinbão sustentado aquolle posto, apezar do m uito
que para sustenta-lo tinhão ali padecido, que a perde-lo
então serviria agora de não pequeno em baraço aos seus
projectos.
Fez m ostra geral da gente que levava e da que se achava
no presidio, e com -400 soldados e 250 índios se em barcou
a dem andar a te rra fronteira e Ilha do Maranhão, entrando
pela barra de S. José, e indo-sc por ultimo postar em hum
sitio, que lhe pareceu mais defensável, chamado Guaxen-
duba ('). Aqui se fortificou e eobrio o seu alojamento com
alguns reparos mais accommodados ao tempo, q u e a s regras
de fortificação, p o r não perm ittir dem oras as grandes vigi-
(’) I ’otiln ínmioiro ao lugar de S, .José, mas hoje não -hem determinado.
Jaiu'ias dos Erancezes, os <piaos a penos souberão dos novos
liospedos, informados por espias do pequeno nu m ero das
suas forras antes que so fortificassem melhor e fizessem
mais difíicultosa a sahida daquelle posto, que já lemião,
como h u m padrasto muito prejudicial aos interesses da sua
colonia.
Embarcado Mr. de la Ravardiòro com 400 soldados os
m elhores da praça e 4,000 índios, em algumas em barca­
ções de alto bordo c m uitas outras canoas, buscarão com tal
resolução e presteza as nossas estancias, quo aproveitan-
do-so do nosso descuido se fizcrão senhores de alguns
vasos nossos que tinhão ficado sem guarnição quo os de­
fendesse, tomando estes por primeiro annimcio da prem e­
ditada victoria. Tarde conheceu o nosso commandante o
gravo prejuízo daquelle descuido, vendo-se obrigado a con­
verter em desesperação a sua retirada, no caso que a for­
tuna se lhe m ostrasse menos benigna; não perdeu comtudo
o animo, porque tinha coração para maiores emprezas,
antes tomando do mesmo perigo oecasião para m elhor ani­
m ar aos seus soldados, formou da sua gente clous b ata­
lhões. Entregou o primeiro ao Sargcnto-m ór Dingo de Cam­
pos e o segundo ao Capitão Manoel do Souza cEEça, ficando
cllc com o corpo da reserva para acudir onde fosso m aior
o risco, e onde o chamasse a necessidade do conflicto ; cn-
comincndon-se muito deveras (com prom essa de lhe ser
agradecido) á protecção poderosa do Maria Santíssima, p er­
suadindo-se de que sendo o esquadrão mais bem ordenado
que tove o m undo, seria lam bem o mais terrível aos bata­
lhões inimigos. Implorou com o m aior rendimento sua
assistência em Imma acção tão im portante, na qual não só
arriscava a vida do seus soldados, senão tam bém a rep u ­
tação do sua pessoa o a justiça do nossas arm as.
Não so desenidavão neste tempo os Erancezes, senhores
já do um posto muito eminente c a cavallei.ro das nossas
trincheiras, onde pretendião cavalgar algumas peças cie
campanha para nos m etier em confusão c pôr em evidente
risco os nossos batalhões. Era preciso desaloja-los de hum
posto tão vantajoso a que dera oecasião o nosso descuido,
que tarde nos fez conhecer a sua importância ; mas nem a
pressa, nem o vigor com que os nossos forão buscados dou
por então lugar a maior advertência.
Ei d mai s q u e n ec es s ár i o r e v e s t i r - s e J e r u n v m o de Allui-
'.merque flnquelle ard o r e valentia que era p ro p rio dc seu
animo e do illustro do sou sangue, correu todos os postos,
'expedio as ordens, instruio os cabos, dando para tudo pro­
videncias nos accidentes mais perigosos daquella a c ç ã o .E
[uip-j jxiaior prova das obrigações da sua m ilitar perícia,
assim dizem, íallára aos seus soldados form ados já no
campo da batalha: «N ão pretendo com panheiros e amigos
lem brar-vos o perigo em que o nosso em penho nos pôz o a
demasiada confiança nos m etteu, pois confio no alento de
vossos esforços, pelejareis sem m edo pela patria, pelo rei e
pela reputação do vosso nom e, pois nunca os Portugiiezes
'souberao m edir a sua valentia, senão pelo arriscado das
suas em prezas. Não vos m ando como superior, pois so vos
quero advertir como soldado. A justiça da nossa causa he
tão infallivel, como certa a u surpação que se fez desta con­
quista ao nosso Soberano. Obra será digna da historia, so
em num ero tão pequeno tirarm os das maos a inimigo tão
poderoso hum a Colonia, na qual tem despendido tantos ca-
bedaes, sem m ais lucro que as futuras esperanças que o nosso
valor pretende boje totalm ente desm entir, arrancando por
um a vez as raizes de hum a tão insaciável cubiça. Não nos
assuste o excesso do num ero, porque ainda o j ulgo pequeno á
fortaleza das nossas espadas. Se elles com batem pelas vidas
e fazendas que deixarão nas suas casas, nos pelejamos pelas
vidas e liberdades que ainda possuím os, esem duvida perde­
rem os se ficarmos vencidos; porque impossível fie a retirada
por falta das em barcações, que nos tom arão, ou na desespe­
ração da defesa m orrerem os com gloria de esforçados, ou
com a de vencedores lograrem os os frutos de hum a com ­
pleta victoria. Animo, valorosos soldados, que a Virgem Se­
nhora nos ajuda c o m esm o cóo nos d efen d e! » Mais não
disse porque para mais não deu lugar o tempo.
Mandou logo o S argento-m ór Diogo de Campos que com
o' sen batalhão buscasse com o m aior vigor os Francezes,
que desem barcados se ião formando na praia de m aré vazia,
Manoel de Souza com o seu batalhão encostado sem pre ao
m ato buscou tão de repente e com tal resolução os que
estavão presidiando a eminencia do posto que tinhao occu-
pado, que não podendo resistir á violência do fogo e ao ri­
gor do nosso ferro, desam pararão o alto com tao precipi­
tada descida que nos deixarão nas mãos a im portanda de
hum lugar, que bem defendido e m elhor assegurado lhes podia
dar sem grande risco a victoria
Já a oste tempo so via o batalhão do Sargento-m or nota­
velmente affrontadoe valerosam ente carregado dos. inimigos,
que incorporados já com os que tinhão fugidoedesam parado
o seu posto, pretem liãoagora com m elhor accordo recuperar
a reputação e credito de sua nação ; porém , Jcronymo de
A lbuquerque que a tudo estava prom pto e attendia vigilante
m andando presidiar a eminencia já vencida, desceu como
hum raio a soccorrer os seus que animosamente se defen-
dião e neste dia obrarão como filhos de Marte, e pelejárão
como Portuguezes. Aqui foi quando o valor de ambas as
nações multiplicou gentilezas á vista e exemplo dos seus
com mandantes, com tão obstinada opposição, que nem por
hum a nem por outra parte se pôde declarar por algum
tempo a victoria ; até que apertados os punhos, atacárão os
nossos soldados com tão desesperado furor a frente dos
batalhões inimigos, que rom pida esta e desbaratados os
lados se virão obrigados os Francezes a retirar-se até a pan­
cada do m ar ; e como soubessem que era já m orto o com-
m andante suprem o do seu pequeno exercito e não podessem
sustentar a pesada força dos nossos golpes, se recolherão
com precipitada fuga ás em barcações que confusamente
poderão tom ar, para levarem nellas ao Governador da praça
hum testem unho authentico da sua desgraçada derrota, fa­
zendo-os esta menos felizes que cobardes pela valorosa
resisten d a com que neste dia pelejárão ; deixando-nos por
despojo de tão illustre victoria não só as nossas, senão
também algum as das suas em barcações com m uitos outros
instrum entos m ilitares que hem pocíião servir de trium pho
á constância dos nossos soldados e de eterna m em oria ao
valor, sem segundo, dos nossos cabos.
Ficárão os vencedores no campo da batalha até perderem
de vista os inimigos, que derrotados se retiravão. Deixa­
rão m ortos os Francezes 300 soldados com mais de 500
índios e a Mr. de Pezieu, com m andante gerai daquella expe­
dição, perda para elles a mais scnsivel e para as nossas
arm as a mais gloriosa. Da nossa parte foi tão pouca a
perda, que por pequena talvez se não fez por então caso
do num ero dos nossos m ortos, sendo maior o dos feridos,
entre os quaes se particularism ! hum filho de Jeronym o de
A lbuquerque, passado pelo braço com duas balas, a quem a
grande diligencia do pai livrou do perigo para poder contar
com gloria de seu appellido as muitas valentias que nesle
— t>2
di,i obrou, como legilimo im itador do heroico valor do sou
illustre pai-
Foi fama constante (e ainda hoje se conserva por tradiçao)
que a Virgem Senhora fòra vista entre os nossos batalhões
animando' os soldados em todo o tempo do com bate, retar­
dando-se m ilagrosam ente a enchente da m aré para comple­
mento da victoria; c por cip esnesta ce dedicarão depois os
Portnguezes o prim eiro templo na Cidade de S. Luiz, que
hc hoje Sé Episcopal, com o titulo de Nossa Senhora da
Victoria, pela que alcançarão as nossas arm as neste dia, de
que se faz solemne m em oria todos os annos aos 21 de No­
vembro, como singular Padroeira daquella Cidade; e no ser­
mão se toca esta mesma tradição como circum standa e
motivo daquelle voto, o que tudo observei sendo collegial
no Collegio do Maranhão. Retiro o que ouvi, sem me obri­
gar por fiador da tradição.
Alegre Jeronymo de Albuquerque com o felicissimo suc­
cesso das nossas arm as, agradeceu a seus olliciaes os acer­
tos da sua conducta, e aos soldados a prom ptidão com que
executarão as suas ordens, louvando em hums e outros a
valentia, constanda o o credito que naquelle dia tinhao
dado aos estandartes de Portugal. Primeiro que todo m an­
dou rendessem juntos graças a Maria Santíssima com o
alegre estrondo de repetidas descargas, visto quo a reco-
nhecião todos por especial Protectora, e causa principal
daquella victoria ; e para que não dilatasse por mais tempo
hum a nova de tanto gosto a seu General Gaspar dc Souza,
expedio com a maior brevidade hum barco mandando-lhe
a relação do combate e pedindo prom ptos soccorros a imi­
tação dos m uitos que os inimigos pedirião á Franca, a quem
sem duvida avisaria o da sua desgraça c do seu perigo.
Ao mesmo tempo que os nossos se congratutavão no
campo da batalha pela Victoria alcançada, se informava no
m ar, Mr. de Ja Ravardiere, que não havia desembarcado, da
retirada dos seus que linhão buscado já derrotados algumas
em barcações que escaparão da perícia e valentia do nosso
cnm mandanle, da prom ptidão e actividaüo dos ofliciaes, do
valor e resistência dos soldados, da inconstância e infide­
lidade dos Índios passados já ao auxilio das nossas arm as.
E como tinha juizo muito vivo e sabia m edir os successos
pelas eirnim stancias e eslas pelas occasions, entrou a pon­
d erar rmn maduro discurso o eslado a que o ia reduzindo
I),, —

a sua fortuna pouco prospera talvez aos sous interesses.,


pela injustiça da causa que defendia e contra a qual parecia
pelejava o mosino céo ; querendo lazer boa aquclla terra a
F l-fici dc Portugal, a quem pertencia a conquista pelo di­
reito estipulado do propagação do Evangelho.
Previa as consequências que precisam ente liaviào ser irre­
mediáveis, se persistisse na obstinarão de hum a desespe­
rada defensa. Já quizera largar a lllia, a não rcceiar se attri­
buisse a cobardia o que cllo fundava nas regras da mais
justificada politica ; comtudo, para que nem o seu nome
padecesse nota na retirada, nem parecesse tem or o que na
realidade era prudente receio, expedio o Capitão Mallart,
hum dos seus ofíiciaes, a Jeronymo ile Albuquerque, para
com ellc, por intervenção do Sargenlo-m ór Diogo de Cam­
pos, ajustarem hum as tregoas e suspensão de arm as pelo
tem po preciso de hum anno, quo era o que se julgou pre­
ciso avisar c receber resposta dc seus respectivos Sobe­
ranos, a quem pedissem a ultim a decisão daquellc negocio,
no qual não só se havia attendee aos cahedaes daquolla
Companhia, senão também a reputação das arm as de El-ltei
Christianismo.
Foi facil ao A lbuquerque aceitar a proposta c assignar os
artigos com seu adjunto o Sargento-m ór, por resu ltar delia
m aior segurança á feliz conclusão de hum a tão im portante
em preza; porque nem as suas forças podião já sem perigo
continuar a guerra, nem o pequeno num ero de seus solda­
dos, faltos já de munições, intentar acção que não fosse
arriscada, sendo preciso engrossar de maiores forças o seu
campo com algum soccorro que lhe viesse de Pernam buco,
em quanto se não acabava o tempo estipulado na mesma
tregoa, com firmes esperanças dc que acabada esta poderia
continuar o começado com aquelle progresso que lhe offe-
recesse a prosperidade da sua fortuna.
Em quanto huns e outros dcscansão á som bra dc huma
paz tão incerta e de hum a esperança tão inconstante, passe­
mos a ver os effeitos que causou hum a nova tão plausível
no generoso animo do Capitão General Gaspar de Souza, a
quem Jeronynw dc Albuquerque a communicou.
Mostrou o Governador estimar tanto esta noticia, que
deu delia parte á corte de Madrid, com a firm e re­
solução em que ficava de rem elter, conforme as ordens
que tinha, hum grandioso soccorro a Jeronymo de Albu-
mioi'iiuo, empenhando todas as suas torças para quo pas­
sado o tempo da suspensão, se buscasse os Erancezes nas
'suas mesmas estancias, até por força de arm as os lançarem
ivii-a do Estado do Maranhão, de que se faziao senhores,
sem mais justiça que occuparem voluntarios a mesma te r­
ra (jue por nenhum direito lhes p erte n cia E x p ed id o este avi­
so para Portugal, nomeou por G apitao-m or com poderes do
general, a Alexandre de Moura ; varão a quem os acertos
m ilitares tinhão feito benemerito de hum a tao ajustada
eleição, da qual pendia o feliz successo daquella tao dilíi-
cultosa empreza. Ordenou-lhe se preparasse, e m andou se
pozessem prom ptas nove em barcações, m uito bem iorne-
cidas de soldados, petrechos de guerra, e munições de boca.
Sabia m uito bem o Governador, e o confirmavão as expe
riencias de Alexandre de Moura, serem os Índios hum a das
m elhores partes do soccorro nas guerras do Brazil, assim
pelo conhecimento das te rras, como pela intelligence que
têm dos inatos onde arm ão as suas em buscadas, com p e-
ricro arande dos offendidos, sem ao menos poderem ver a
cara aos autores do seu estrago. Tanto póde o am paro da-
quellas arvores, e o em baraçado dos seus caminhos, em
que são destros p o r natureza, e valorosos por industria.
E como era notorio serem os Padres da Companhia os me­
lhores instrum entos para reduzirem os índios a obediência
das nossas arm as com suavidade, e não por força, que era
o mesmo que não fazerem nada, quando com as boas prati­
cas os mesmos Padres, por quem íorão criados nas aldeas
do tempo dos prim eiros descobridores do Brazil, podião
ajudar muito aos soldados, augm entando m aiores forças
áquelle soccorro; buscou ao Padre Provincial, que então era
do toda a Provinda, o Padre Pedro de Toledo, e lhe p ro -
pôzcom as maiores expressões de seu zelo a christandade
e a obrigação que tinha de enviar os Religiosos seus sub­
ditos á conquista, assim espiritual como tem poral do Mara­
nhão, tanto pela razão do seu Instituto, como pela ordem
expressa que recebera de E l-rei Felippe III de Castella,
c II de Portugal, cm que lhe mandava que na arm ada
que fosse conquistar o Maranhão do poder dos Francezes,
fossem iníãllivelmente os Padres da Companhia, de que re­
sui tarião melhores conveniências ao seu real serviço, le­
vando comsigo os índios que podessern das suas mesmas
aklòas, e lançando na ilha por parte de Portugal os p ri-
— li,') -----

mi “ii'( ;s liini iam i,Mitijs áquella Cbristambule, quo ora o titu­


lo |)or quo lrgilim am enle llio pertencia esta conquista; e que
sondo esto o seu principal intento, ficaria o serviço quo
nisto lho fizessem os Religiosos da Companhia, do sou real
o maior agrado.
lastimou o agradeceu o Padre Povineial Pedro do Toledo
a eleição que Sua Magestade fazia dos seus subditos, e de­
sejando desem penhar a confiança que El-Rei fazia da sua
Religião, e juntam ente fazer o gosto ao Governador e (atpi-
tão-G eneral do Estado, nomeou logo para operarios de lmma
tão copiosa seára a dons Religiosos muito fervorosos, os
Padres Manoel Comes c Diogo Nunes, peritos na lingua dos
naturaes, e por isso os mais bem aceitos dos Índios, pelos
muitos armos que tinlião vivido debaixo da sua paterna!
conducta. Erão varões de conhecida virtude o de um ardente
zelo da conversão das almas, no serviço das quaes querião
agora em pregar as suas forças e olíerecer em sacrificio as
proprias vidas.
Foi notável a alegria que receberão com este aviso,
tanto do seu a g ra d o ; e como erão sugeitos de agi­
gantado espirito, derão principio á sua gloriosa m issão com
lmma rigorosa disciplina nas costas em publico refeitório,
beijando os pés aos Irm ãos com notável edificação da Com-
mimidade, e não pequenas e santas invejas dos mais Reli­
giosos. Não foi necessario muito para o preparo, por serem
muito poucas as alfaias do seu uso, e por isso se m ettêrão
logo á bordo com o pequeno trem da sua religiosa pobreza.
Levavão repartidos pelas em barcações daquella armada a
trezentos índios das nossas ald êas, os m elhores e mais
insignes frecheiros das suas povoações.
Era chegado o tem po da partida, e por isso levando
ferro todas as embarcações da arm ada ás prim eiras o r­
dens do sen com m andanlc , impedidas do vento e aju­
dadas da correnteza das aguas, tom arão o porto do Ceará
no terceiro dia de sua viagem , onde sahindo á terra os
Padres, por m andado e instrucção do Capitão-m or Ale­
xandre de Moura, bem práticos os Principaes das aldèas
daquelle districto, ainda puderão tirar setenta índios de
g u e rra : e depois de alguns dias de d em o ra, por causa
de doenças, em barcados to d o s , com vento feito e feliz
navegação raonlárão linalm ente aponta do Pcrôá, e entrando
pela barra de S. José á Leste da Ilha do Maranhão derão
O
I(indo junto do porto <Iuaxondulni, onde com os sens so
j;i muito l)0 in fortificado Jeronymo do A lbuquer-
,!l,[.;’oi no la vo l o alvoroço c grande alegria com que forão
ivndiidos dos companheiros ao estrondo de m uitas bocas do
|o,'0 , (|U0 publi cairão e fizcrão mais plausivel a sna chegada.
Itescm harcárão corn seu com mandante os soldados e toda
;1 m aj;; com itiva; e, feitas as prim eiras ceremonias de urba­
nidade o politica, depois de lhes dar os parabéns da ante-
r edente victoria, m andou ler Alexandre de Moura a sua
paPmíe a Jeronymo de A lbuquerque, pelo qual sendo ouvida,
se mostrou muito pouco satisfeito da desattenção que se
linha aos seus serviços, sujeitando-o a alheias ordens, quando
se ac,Irava em tem po e com capacidade e merecim ento do
distribuir as proprias, continuando a m esm a empreza a que
dera principio muito á custa de sua valentia o reputação da
sua pessoa.
Passou esta desconsolação do com mandante aos sol­
dados; houve parcialidades, c pretendeu um e outro
partido sustentar a opinião dos seus respectivos cabos, cuja
desunião não podia deixar de ser muito prejudicial ao estado
da presente conjunctura. Porém Alexandre de Moura, que
era menos fogoso, e ainda m aior em prudência, que seu
mesmo nome, antevendo o quanto poderia ser favoravel aos
Krancezes huma tão grande desordem, com o m aior desin­
teresse e generosidade de seu animo, á vista de todos os
offieiaes que se aehavão presentes, certificou a Jeronymo de
Albuquerque quo estivesse descansado, pois debaixo de sua
palavra lhe prom ettia a sua retirada para Pernam buco, re s ­
taurada do poder dos inimigos aquella ilha (que é o para
quo ollo tinha vimlo i, pelo que lhe prom ettia deixa-la com
tudo mais á sua obediência.
Satisfeito Jeronymo de Albuquerque com a prom essa, o
livre da desconfiança a que tinha dado occasião o decoro da
pessoa e não a ambição do mando, passados os prim eiros
dias de descanso tratarão logo das operaçoes m ilitares, a
que os estimulou o receio que tinhão do inimigo, caso que
o soccorro dc França, que esperava, o fizesse mais formi­
dável que suas m esm as esperanças. Fmquanto se não rom -
(tino as tregoas o davão principio ás operações m ilitares,
jiilgárãu os nossos Padres ser muito conveniente, e assim
lambem pareceu ao nosso commandante, passarem ao forte
do Ilapary í*', pnssuido já das nossas bandeiras, siSuado n;i
i Iha iroiiteira ao nosso aloj anion (o, [>ara da hi poderem occultos
p raiicar com melhor comnmdidade os T upynanihis, por
intervenção dos parentes (pio comsigo levarão de 1'ci“iiai»i —
li isco, obrigando-os já com dadivas, já com prom essas, por
serem os melhores e mais poderosos auxiliares da colonia
franceza. e os reduzirem com boas pralicas á nossa direc­
ção; e como erão peritíssimos na lingua, e, sabino o u s o
proprio o energia das phrases desta bellicosa nação, muilo
(lisserào, o m elhor souberào engrandecer a generosidade
portugueza, a real grandeza e poder de El-Rei de PorUi-
gal, de quem os Padres erão vassallos, e pelos c|uaes seus
parentes tiuliáo sido defendidos e am parados, trazomlo-Ilies
a memoria o bom trato que tini ião recebido dos Padres i\o-
brega, Anchieta, e Almeida, e prom eltendo-lhes ficar entre
eiles por Missionários, como seu Hei m andava, se se pas­
sassem dos Francezcs á obediência dos Porlugiie.zes.
Animados os índios corn as prom essas dos Padres, pela
grande confiança que sem pre íizerão da sua verdade e iníei-
reza, prom eltèrão promptos Ioda a sua assistência em favor das
nossas arm as, ainda que arriscassem nella as proprias vidas,
com condição porém que os Padres da Eompanliia, com
quem se tinlião criado seus avós, vivirião entre (dies como
seus pais e defensores, lista condição, que então ajiislárão
estes Índios com os nossos prim eiros Padres, lie a mesma
que depois fez a maior parte do tlentiiismo de todo este
Estado, prom ettendo vassallagem a El-Kei de Portugal,
dando-se-lhes por Missionários os ditos iíebgiosos, como
consta das noticias mais antigas dos nossos cartórios nas
redacções que íizerão o grande Padre Vieira, o Padre Souto-
Maior e outros m uitos.
Voltarão os Padres para o nosso campo Ião satisfeitos
como certos das promessas dos Tupynambás, noticia que
notavelmente estimou o Capitão-Mor Alexandre de Moura,
o não tardou mais em se cum prir que o tempo rpm foi pre­
ciso para proporem os Principaes lnins aos outros as con­
veniências que espera vão debaixo da nossa protecção, e o
Íizerão com tal segredo, quo prim eiro sentirão os Kraitcezes
o seu damno do que podessem cuidar de seu rem edio.
Pouco a pouco Corão dies experimentando, e muito a seu
pezar, os efíeitos da im portante pratica dos nossos Padres,,
!*j A.fluriliKcn'c 'i !,!/:-■ ãc S. X.Uo jia mais fãoilir.nrfiii ülciima,
reconhecendo ja o grande i■tsi■<) (!iu <juc Iica\ a aquella P i aea,
vendo-se, dosa’inpa rad a tola Imente dc h u m Ião precioso soe-
corro som as armas dos naturaes.
poucos dias erão passados, depois da eliegada «ia nossa
armada, e apenas tiniião expirado as tregoas, não querendo
Alexandre de Moura dar mais tempo ao tempo, ou augmen-
íar corn clle as forcas ao inimigo, que por instantes esperava
já a eliegada da sua arm ada; para (pie o seu descuido não
fosse prova da sua pouca vigilância e em prejuízo das obri­
gações do seu caracter, quiz dar a entender aos Francezes.
que os não temia, o que a sua impaciência lhe não perm it-
tia. nem dava occasião a m aior demora. Mandou logo a
.leronymo de A lbuquerque, que com os soldados das suas
companhias e todos os Índios, assim de Pernam buco, como
os da Ilha, auxiliares já das nossas arm as, assistidos dos dons
Religiosos nossos Padres, passassem a sitiar os Francezes
dentro da sua mesma praça, cmquanío elle por m ar com
todo o resto da arm ada lhes fechava totalm ente a barra, e
lhes tirava por huma vez as esperanças de todo e qualquer
soccorro que podessem receber dos seus.
Exccutárão-se estas ordens com a m aior prom ptidão, c co­
nheceu o General da Praça, Monsieur de la Ravardière, o seu
perigo, vendo-se cercado de todos os lados, sem índios para
o serviço e conservação de sua colonia, perdidas já as esperan­
ças de navios que lhe podessem trazer de França o muito de
que necessitava aquella Praça para huma rigorosa defensa;
querendo, como acertado c prudente Governador, salvar as
embarcações que ainda tinha no porto, a guarnição c fazenda
dos m oradores daquella Cidade, antes que a desesperação
lhe occasionasse m aior ruina e o fizesse aceitar por força, o
que podia com tempo negociar com vantagem e com algum
partido decoroso, c conhecida conveniência dos seus nacio-
siaes, a quem isto pareceu por então m elhor que o risco a
que se punhão na resolução de algum assalto. Julgando
também pouco credito da sua reputação o querer defender
o alheio, que lhe não pertencia, com perigo de perder o
jiroprio que justam ente po ssuia; expedidos os prim eiros
commissarios, por ultimo assignou hum term o perante Ale­
xandre de Moura, pelo qual estava prompto a despejar aquella
Ilha com os seus que o quizessem seguir, perm ittindo-sc-lhes
as fazendas e dando-se-lhes as em barcações necessarias
para o sen transporte á França, que só tardaria o tempo
que fosse preciso paca o sou aviamento e Iolai em barque,
conformo a capitulação já foita com Jeronymo de Mho,
querque.
Foi facil ao nosso Commaudante conceder e licmac o pe­
dido, menos a artilharia e munições de guerra, que essas
reservava elle, como frutos de Imma batalha sem sangue
e de huma victoria sem perda, com não pequena gloria do
respeito que neste dia alcançarão as nossas bandeiras.
Mandou logo o Capitão Henrique Alfonso, que com os sol­
dados da sua obediência entrasse c tomasse posse da forta­
leza, que visto estar já por Ll-llei de Portugal, recolhidos os
Lizes de França, m andasse logo arvorar as suas lteaes
Quinas para testem unho authentico da posse que tomava
cm nome de seu Soberano, a quem por direito de conquista
'já m uito antes, pertencia aqnella Ilha, como o mesmo Ge­
neral La Ravartlièrc confessava attribuindo á injustiça da causa
que até alli defendera a pouca ou nenhuma prosperidade da
sua fortuna. Presidiada já a fortaleza com '170 soldados das
nossas companhias, desem barcou Alexandre dc Moura, e na
companhia de Jeronymo de Albuquerque e Diogo de Campos
foi recebido do Governador e mais Lrancezes com os term os
da urbanidade e politica m uito propria desta nação, rece­
bendo com juridica e solemne entrega todas as munições do
guerra que se achavão nos armazéns, reservando-se as fa­
zendas, como bens exceptuados aos interesses daquella
Companhia.
Prim eiro que tudo m andou aos nossos rendessem as
graças ao Senhor dos Exercitos, c á Virgem Senhora da
Victoria, nomeada já Padroeira daquella Cidade. T ratou-se
logo do concerto dos vasos, que havião servir de trans­
porte aos Lrancezes, e embarcados estes com os viveres, e
fazendas, exceptuados os que quizerão ficar, se em bareárão
com os seus officiaes menos Mr. de la Touche, que quiz
acom panhar na arm ada para Pernam buco a Alexandre de
Moura, assistido sem pre das m aiores attenções dos nossos
cabos, por se fazer de todos credora a politica desta nação,
disfarçando todos no semblante a impaciência, que repri­
mia o no peito, indo-se apartando de hum a Cidade, de que
pouco antes tinhão sido senhores.
Desassombrada já dos Lrancezes aqnella ilha, entrou o
Capitão Alexandre cie Moura a repartir pelos índios muitos
íí grandes prêmios, agradecendo aos Principaes e seris vas-
sal!ns a grande fidelidade, com que tinlião ajudado aos P o r-
tuguezes : o como os Religiosos da Companhia de Jesus
t in hão sido o principal instrum ento de se passar á nossa
devoção e obediência aquella nação, abandonando to ta l-
mente o partido da França, lhes agradeceu com as m aiores
m ostras de distineção o grande e im portante serviço que
tinlião feito a seu liei, a quem lhes prom ettia fazer presente
o seu grande zelo c fidelidade, de que depois passou verídico
testem unho na seguinte certidão dada aos nossos Padres,
cuja copia tirada do seu proprio original, he como se segue:
'<í Alexandre de Moura. Certifico, que m andando-m e Sua
Magesfade á conquista do Maranhão lançar della os Franceses
que a tinlião occnpado com hnm a fortaleza, com 17 peças
de artilharia, o 300 soldados, e m uitas aldêas do Gentio á
sua obediência ; o parecendo ao Governador Gaspar de
Souza c a mim serem necessarios os Padres da Companhia
para levarem Índios das suas aldêas, para m elhor ter effeito
esta pretenção; pedirão ao Padre Provincial Pedro de To­
ledo, propondo o muito serviço que se fazia a Deos e a
Sua Magestade nesta jornada ; o qual, visto ser de m uita
importância o que se lhe pedia, deu o Padre Manoel Gomes
o o Padre Diogo Nunes com 300 índios frecheiros.
ft Chegando ao porto do Ceará mo pareceu serem necessa­
rios mais índios daquella nova povoação, e por terem mais
conhecimento da te rra e Gentio, pedi ao Padre Manoel Gomes,
Superior da missão, fizesse nisto todo o possível, e encom -
niendou o dito Padre o negocio ao Padre Diogo Nunes, in ­
signe na lingua brazilica, o levarão m ais 70 frecheiros.
Chegando á barra do Maranhão já tarde, me pareceu que
e r a 'necessario na mesma noite desem barcarem os ditos
Padres com todos os seus índios, c o Sargento-m ór com
150 soldados e com cinco peças de artilharia, em hum posto
conveniente para melhor defender-se a entrada da b arra, c
ficarem superiores ao soccorro que viesse á dita fortaleza,
o os ditos Padres mandárão logo recado a alguns índios
Principaes, os quaes acudirão, e o receberão com as arm as
nas m ãos, bandeiras arvoradas, e oharamellas, e outras
lestas ao seu modo, e lhes fizerão as praticas necessarias
para os reduzir á nossa devoção.
« E foi isto de muita importância, para mais depressa se
entregarem os Francezes, vendo-se desam parados do Gentio
com todos os portos tomados, por onde lhes podia vir soe-
iiiiTi) : i' em todo tempo quo h rsltvo sc orcnpuruu us diioo
Padi'cs cm dar u o iiria da nossa Santa he ao (lonlio, d o u trb
naudo-o, cateeiusaudo-o, e bapU saudo-o: cum prindo com
suas obrigan'tes na salvarão das alums assim dos Porlu-
ciic/.cs, prégando-ilies e conio-ssando-os, como poios povos
dos ludios : levantarão cruzes o igrejas, o lhes fazião suas
[trepardes, c missas cantadas, o exercita vão-se nas obras
de misericórdia, curando aos doentes com. muita caridade;
procedendo os ditos Padres assim na arm ada, corno na t o ­
mada da fortaleza, e na salvação das almas muito Item, não
perdoando aos trabalhos, nem de, dia, nem de noite, h a ­
vendo muitas e perigosas doenças no (lentio; o nas cousas
de g u erra ajudarão, quanto sua religião o p erm itte: e m e re ­
re m que Sua Magestade, 1lies mande agradecer o muito ser­
viço, que nesta jornada lhe tizerão. K por me pedirem a
presume lhes mandei passar na verdade, e assim o juro polo
habito que recebi do S. Mento, de que sou professo.
«Setúbal, dO de Outubro de litdO.— Alexandre de Moura.))
Até aqui a ceríirlão fielmente copiada da original reco­
nhecida pelo Tabellião (laspar Pereira, que certilk a ser o
proprio signal do Capitão-mór Alexandre de Moura.
CAPÍTULO a .

]>(» (jUE OBRARÃO us i'OllTUGUEZES DEPOIS DA SAllIDA


DOS FRANC EZES, 15 DO MU1TO DUE TRABALHARÃO
OS •NOSSOS PRIMEIROS MISSIONÁRIOS NA
CONVERSÃO DACíE ELJA S ADMAS.

Senhores já da terra os nossos Portuguezes, e contentes


coin a nova conquista, vendo-se em estado de poderem
sem estrondo da guerra gozar livrem ente do socego e
frutos de hum a paz tranquilla, entrarão a licenciar-se pelo
districto da 11ha em ordem , a que na distribuição da te rra
quo prccisam ente se havia rep artir pelos novos povoadores,
soubesse cada hum o que pedia; m edindo-a, ou já pelo gosto ou
já pela conveniência de seu maior interesse; convidava alum s
a frescura dos matos cortados de excellentes riachos, de cla­
rissim as e nevadas correntes, formando as m esm as arvores
deliciosas alamedas, onde podessem a furto dos raios do
mesmo sol tem perar os ardores da m aior calma banhando-
se no cyristalino das suas correntes, se he que não q u e-
riáo antes dorm ir ao agradavel estrondo de seus suaves
m urm úrios.
Pivertião-sc outros na caça já terrestre, por abundar de
m uitos porcos do m ato, veados, pacas c cotias, que equi­
valem aos coelhos e lebres de P ortugal; outras vezes na do
ar, sendo por extremo grande o num ero de rolas, pombos
torcazes, patos silvestres (mais saborosos que os m ansos),
jacús, c íim tuns, que na grandeza se igualão aos nossos
penis, c não são de muito inferior gosto ; grande diversi­
dade de papagaios c aráras, abundancia de garças pela
praia, de liuma còr alvissima, não poucos guarázes vestidos
de linissimo escarlate, e quantidade de m assaricos; hum as
e outras caças agradaveis ao gosto, recreativas á vista, e
todas divertim ento honesto á destreza dos tiro s, e alvo
certo das suas arm as. Os que com menos trabalho se em-
pregavào na pesca, erão os que tiravão m aior conveniência,
porque era tal a abundancia de peixe, que com menos custo
:m ! provião cum facilidade de singulares e deliciosos pescados
com quo a mesm a eleição brindava o gosto e satisfazia com
grandeza ao mais delicado appetite.
Já excedião os limites de férias recreativas a.s licenças
militares dos nossos primeiros conquistadores, p o rq u e já
o Capitão Alexandre de Moura, desejando dar cum primento
a palavra que dera a Jeronymo do Albuquerque, de se reti­
r a r a Pernambuco, lançados que fossem tora os Franceses,
cujo governo p ro d s a m e u te lhe havia cal ti r nas nulos, m a n ­
dava recolher os soldados para estabelecer naqueila cidade
0 que lhe parecesse mais preciso antes da sua p r o m e tü d a
retirada.
Prim eiro que tiulopedio aos Padres Manoel Com ose Diogo
Nunes quizcssem por serviço de Deos e de Sua Mages lado
licar para a conservação daquclles Índios, a quem pouco
antes se tinha prom ettido a assistência dos mesmos Padres,
como para o bom espiritual das suas c também das alm as
dos Portuguezes, que como soldados se poderião facilmente
desm andar, a não lerem quem com praticas santas e ad­
m oestardes espirituaes reprim isse o orgulho de seus licen­
ciosos genios.
Duvidarão os nossos Padres ficar por então, pela ordem
que trazião do Padre Provincial para irem em pessoa na
mesma arm ada, acabada que fosse aquella conquista, a in­
form a-lo da necessidade daquelles povos, para que chegada
que fosse a licença cio nosso Reverendo P adre Coral se fun­
d ar a Missão, c conforme o nosso Instituto, podesse m an­
dar logo sufficientes sugeitos, que a podessem estabelecer
com m aior com modidade das alclôas, e não menos proveito
espiritual dos m oradores da cidade; porém forão taes os pro­
testos, c tão convincentes as razões do C apitão-m ór sobre
os perigos em que íicavão aquellas povoações, que se virão
os Padres obrigados a ceder e a ficar, informando por carta
dc tudo ao seu Superior, e esperando delle a ultim a decisão
1 laqne Ile im por tantissimo n egocio.
E como os Reverendissimos Barbaclinhos Francezes se ha-
vião retirado para França, c os Capuchos de Santo Antonio,
Capellãcs da arm ada de Jeronymo do Albuquerque, p a r a P e r ­
nam buco, ficando desoceupado o Ilospicio e Capella, que
tinha sido destes exemplares servos de Deos, fez delle m ercê
o Capitão-mór em nome de bua Magestade aos Religiosos
da Companhia, que lie o mesmo lugar onde hoje se acha
10
fundado n nosso CoJlcaio da Virgem Senhora da Luz, junto
oüde depois esteve o Carmo Velho ; porque pretendendo os
I'adros fundar hum Recolhimento na cidade do Maranhao no
anuo de 4752, junto ao Rosário por detrás da cerca do nosso
Collegio, m andando que cavassem naquellc sitio para ver se
desoobriãn alguma pedra para a nova fabrica, não tardou
muito que não fossem apparecendo lm ns como alicerces com
seus repartim entos por modo de corredor, do que se apro­
veitarão para o editicio do sobredito Recolhimento, com não
pequeno credito do zelo dc tao santa obra.
Repartidas as terras c chãos pelos Portuguezes, conforme
as suas petições, form ou logo o C apitão-m óro corpo politico
da Republica, nomeando os sugeitos, que lhe parecerão mais
aptos a serem m em bros do Senado daquclla cidade, dando
todas as providencias necessarias para o bom governo delia
e não faltando a todas aquellas disposições, que lhe parece­
rão mais aecommodadas ao seu m elhor estabelecim ento ,
alim dc que se m antivessem em paz e justiça, segundo o
m ethodo, que a sua prudência arbitrou conveniente ás cir­
cum standas do tempo e ao bem conunum daquelle povo. E
para que no recinto de hum a só ilha se não estreitasse a
grandeza dc hum corarão tão avultado, expedio logo para os
confins da boca do grande Rio das Amazonas da parte do
snl a Francisco Caldeira Castello Branco com 450 soldados,
para fundar hum a fortaleza no lugar onde depois fundou
esle grande Cabo a cidade do Crão-Pará; ordenando-lho no
seu regim ento, que menos com a guerra, e só com a paz re ­
duzisse todo o Contio, que encontrasse pelo cam inho, con­
vidando-o já com prém ios ou já com a protecção c ajuda das
nossas arm as.
Estes os prelim inares da sabia conducta de Alexandre de
Moura, que para sor em tudo acertada a quiz por ultim o
lirm ar com a m aior de suas heroicas acções, largando com
animo cavalheiro e desinteresse poucas vezes praticado ,
todo o governo dacpiella conquista, que pela sua patente
lhe competia, nas mãos e direcção do illustre e henem erito
Capitão-m or .íeronyino de A lbuquerque, einquanto Sua Ma-
gcstadtí não m andasse o contrario do que até ali se tinha
obrado: e preparado de todo o necessário para a sua via­
gem, despedido dos amigos e com panheiros, lhes recom m en-
(íou muita obediência ao seu com m ándante, da qual pendia
a conservação daquclla conquista, onde se adm iravão ainda
frescas as insignes m em orias da sua valentia : e de. volta para
Pernam buco, levando comsigo La R avardière, chegou a cida­
de de Olinda aos 5 de Março de 1010, onde recebeu os para­
béns do seu General cheio de gloria e acom panhado da
fama de seu esclarecido nome.
Desembaraçado já o A lbuquerque das sugeições de súbdi­
to, entrou logo a obrar como Governador independente.
Era ellc de hum animo superior c elevado, c como vio aquel-
la cidade form ada de tão humildes princípios, quiz m ostrar
aos estranhos que os Portuguezcs tão fáceis erão cm con­
quistar como prom ptos em edificar, motivo por que ordenou
aos m oradores m udassem a antiga fabrica daquclles tugurios
em edifícios mais assolados, que na correspondência, e boa
arrum ação das ruas fizessem aquella povoação, se não
soberba, ao m enos com m elhor direcção e aparato re ­
partida; c para que a falta de exemplo lhes não entibiasse
os animos, m as, antes animados delle, forcejassem Iodos por
adiantar e pôr em mais agradavel fôrma os seus edifícios:
deu logo principio aopalacio, que ainda hoje serve de m orada
aos Governadores com mais algum as obras, que depois se
. fizerão de taipa de pilão, tão forte que equivale a m esm a
pedra e cal; o despertando em huns a actividade dos outros
com universal em ulação, ajudados da diligencia dos índios,
levantarão as suas m oradas, que ainda que de taipa de vara
naquelles princípios form arão lmma bem regulada cidade, que
depois se forão augm entando em m elhor ordem e m atéria
pelo decurso do tempo.
A cidade conservou sem pre o antigo nome de S. Luiz, cuja
imagem ainda hoje existe na Cathedral para estimulo da pie­
dade e para m em oria da valentia portugueza. Ao m esm o
tempo que ao politico e tem poral correspondia com avulta­
dos augm entos da nossa fé ao edifício espiritual em que os
obreiros da Companhia, não sendo por então mais que dous,
trabalharão com tão grande fervor e actividade, que erão
quotidianos os frutos e copiosas as colheitas de seu incan­
sável zelo.
Já dissemos constar de 27 aldêas a ilha do M aranhão no
tempo em que a possuirão os Francezes, hum as de 400, e
outras de 500, e algum as de 600 alm as. De sorte que pelo
computo das listas que tirarão os Francezes, tinhão ás suas
ordens 12,000 homens, como consta cia relação do Reverem-
,io Superior dos Caimehinlms, o P adre Claudio Abbeville ( ,
nomeando as ditas aldôas peios seas nomes, que posto doge-
u rrassem na pronuncia pela pouca perícia da Imgua que em
tão pouco tem po não era fácil alcançarem aquelles serap h i-
ros 'Missionários, sempre porém o n u m e ro se podia ajustar
coin o computo verdadeiro de seus habitantes, q u e d e ordi­
n a r i o ' costumão exceder a resenha, c p as s a re m muitos p o r
alto nas m esm as lislns. . ,
j :í se deixa ver que tão excessivo algarism o e ra d e sp ro
porcionado ás forças dos nossos dous fervorosos Missionários;
com tu do de lai sorte sonbcrfio distribuir o tempo, regulando
ns dias á proporção das povoações, que o seu zelo a todos
abrangeu, e a ninguém faltava a sua caridade.
Foi° ohjecl.o da sua prim eira diligencia dim inuir o num e­
ro das aldéas, para que, juntas cm monos povoações po-
,lessem ser m elhor assistidas, o doutrinadas pelos Padres,
mie para o m esm o fim m andarão erigir igrejas onde pocles-
sem adm inistrar Sacram entos, celebrar sacrifícios, e ensinai
os dogmas da nossa fé, pelo m ethodo que para isso tiazino,
conforme o louvável costume das nossas aldêas do Brazil.
Erão os operarios insignes o grandes m estres no sen apos­
tólico m inisterio, por isso não perdoavao a diligencia algu­
ma que podesse conduzir ao bom regim em c instrueçao ua-
quellas almas. Erão destros nas linguas dos Tupynam bás
(com especialidade o Padre Nunes), que com as frequentes
praticas que lhes fazião, os adiantavão m uito na observância
da lei que professavão e pretendido professar os que ainda
não passa vão de cathecum enos..
Todos os dias de m anhãae de tarde fazião ajuntar na igreja
os meninos o meninas, aos quaes juntos, em voz alta m an-
davão repetir as orações, rem atando sem pre com a Salve
Rainha e Bemdlto , cantado pelas m elhores e mais agrada-
veis vozes dos seus neophitos.Nos domingos sejuntavão todos
e antes do en trar a Missa resavão a santa doutrina, ouvião
a explicação dos divinos mysterios e assistião ás Missas que
nos dias classicos erão cantadas e acom panhadas de m uito
bom e ajustado som de charam ellas, para o que fcinhão tra­
zido já ensinados alguns dos Tupynambás no tempo que esti-
vovão em Pernam buco, o qçie tudo convidava os mesmos
índios, que pela sua natural preguiça são de ordinário pouco
n lie autor da interessante- Historia da Missão dos P a d res C apuchinhos
n a -ilh a do M a ra n h ã o — impressa em Pavis no anno de SOU. ííe mui rara.
a If<1(•t o s a qualquer trabalho. Aestus, c sem elhantes exer­
cidos. gastavão louvavelmente o tempo, não so descuidando
do assistirem com sua costum ada caridade aos enferm os,
curando-os nas suas enferm idades e ajuntando aos rem edies
do corpo as mais im portantes e eflicazes medicinas da alma.
Assim discorrião estes dons anjos, cobrando cada vez
mais forras para a velocidade dos passos, a que os condu­
zia o fogo de seus abrazados espíritos ; não faltando de acu­
dir de quando cm quando aos Portugiiezes da cidade, ou­
vindo-os de confissão, e fazendo-lhes praticas espirituacs,
que mais os conduzissem á em enda das vidas e ao bem e
proveito de suas almas.
A prim eira Missão ou residência, que fundarão mais junto
a cidade para eoinmodidade dos m oradores, foi a qne
derão o nom e deIJçágoába (*), onde com os da ilha aldearão
os índios que tinlião trazido de Pernam buco, e como esta
houvesse do ser a norm a das mais aldêas, nella estabelecerão
todos e os mais costum es que podessem servir de exemplo
aos vizinhos, e de edificação aos estranhos. Era preciso
acudir com mais cuidado aos Portuguezes, que na cidade
necessitavão de maior frequência dos Sacram entos, de
serm ões e mais m inistérios, em que se coslum ão occupar os
lilhos da Com panhia; e para que a falta de assistência con­
tinua os não privasse de hum tão im portante soccorro,
ajustarão entre si os nossos P adres, que um ficasse na casa,
e o outro discorresse pelas aldêas, para que nem a huns
nem a outros faltasse cm algum tem po o pasto espiritual
distribuído igualmente por todos, sem que o cuidado dos
neophitos privasse aos m oradores dos interesses da alm a, e
das conveniências do espirito. Fizerão coin que as mais
aldêas se governassem pelo m ethodo dos aldeanos de Uça-
goába, pondo em cada hum a delias hum catechista, que
fizesse na ausência do Missionário doutrina aos pequenos, e
instruísse aos adultos, para o baptism o no perigo de m orte.
Erão m uitas as consolações que os fervorosos filhos de Santo
Ignacio experim entavão no meio de tantos trabalhos, gas­
tando nestes santos gyros as forças com notável fruto da-
quelles índios, que nas suas m ãos acabavão o curso desta
vida, c alcançavão por meio das sagradas aguas os descansos
da eternidade. O que sahia a visitar as povoações discor­
ria a pé, sem com panheiro m ais que o Santo Christo, que
C) He hoje a povoação efreguezia de V inhaes, antigíim cntc villa.
lho, adorava o laborioso de tantas fadigas, sem m ais trem , que
n breviario e bordão, c o altar portátil que carregavão dous
índios. Consolava a buns, animava a outros, c a todos soccor-
ria ou na vida ou na m orte com os meios m ais convenientes,
o com as assistências mais proprias da sua grande caridade.
O que ficava na cidade assistia aos m oribundos, o u ­
via de confissão aos que buscavao a nossa Igreja, e nclla
os praticava nos dias de serm ão, especialm ente na Q uares­
ma precedendo procissão de penitencia; tomando de então
principio o louvável costum e das sextas-feiras, que ainda
boje se observa nos nossos Collegios, a que tam bém assistia
muita gente das aldêas, pasm ados todos das cerem onias
daquelles dias, o que os ajudava m uito na crença dos Divinos
Mysterios, por ser mais facit en trar-lh es a fé pelos olhos,
que pelos ouvidos. No fim da Sagrada Q uarentena se
ajuntavão, e am bos fazião as funeções da Semana Santa.
Tudo se obrava ao som de vozes com grande te rn u ra, a que
os incitava a m em oria de tão devotos e enternecidos Passos,
regalando cm hum destes dias os presos com as esm olas, que
tiravão pelo povo , não se descuidando entretanto de os
visitar e consolar nos seus trabalhos e prisões ; e p ara que
mais succintamento se veja o m uito que estes fervorosos
Missionários trabalharão na vinha do Senhor, e salvação dos
proximos, do prim eiro dia que sahirão de Pernam buco até o
tem po que seseguio ao nosso estabelecim ento na Ilha do Ma­
ranhão, quero aqui traslad ar fielmente ac arta que o P adre Su­
perior Manoel Gomes escreveu ao Padre Provincial do Brazil.
« Muito Reverendo P adre Provincial. — Depois que com a
benção de Vossa Reverencia nos despedim os desse Santo
Collegio, sahimos do Arrecife hum a segunda-feira 5 de Ou -
tubro de 1615, e como m ontám os os baixos de Santo Anto­
nio com ventos geraes e bonançosos, cam inhám os ao
Nordeste, m udando os rum os m uitas vezes, p o r não trazer­
m os pilotos, que soubessem os fundos aos baixos, dando a
Deos m uitas graças, por nos trazer por cima delles, e nos
m etter nas barras sem saberm os os canaes, nem por onde
vinhamos. Eu dizia todas as tardes as Ladainhas e com
Padre Nossos e Ave Marias chamavamos em nosso favor os
Santos, a quem os navegantes costumão encom m endar-se,
accrescentando sem pre no fim— Nosso P adre Santo Ignacio— ;
e para que o dia fosse todo de Deos, começava pela m anhãa a
visitar os nossos índios enjoados o que adoecião de saram -
po, m andando-lhes fazer do court e rep arliiu lo -lh es, perm it-
tindo Deos quo ou não enjoasse para poder servir do enter-
moiro a olios o ao Padro Dingo Nnnes, mou com panheiro,
(|uo toda a viagem padocou csla moléstia. A poucos
dias do nossa navegação andam os m ais am arrados a to n a
para que a corrente das aguas, que ora mais (pio extraordi­
naria, nos não levasse ao Morte do porto do Peara, onde
desejávam os tom ar lingua do (pio no Maranliao passava.
(( Ao dia seguinte nos am arrám os na boca delle, que está
em altura de Ires grãos o um sesm o. A’ tardo salii a terra,
em a qual posto de joelhos, olhando para a banda onde
me disserão estava hum a Igreja de índios, tres léguas de
distancia, em que está enterrado o nosso Bom aventurado
P adre Francisco Pinto, venerando-o com toda a reverencia
quo pude, encom m endci-m e a elle, lem brando-m e do m uito
espirito com que elle começou esta Missão, de que eu por
então não m ereci ser com panheiro.
« Faltei com os Índios, que acudirão á praia a saber da
novidade de tão grande arm ada em seu porto, e pela devo­
ção que ao venerando P adre tem, m e fizerão lbrç.a para me
levarem á sua aldòa. Diílicultci a ida por razão da distan­
cia, e porque nos havíam os lazer a vela na m anbãa seguinte,
lnstárão-m e que m e levarião em rede, vim a concertiq que
iria a pé, se me largassem os ossos do nosso P adre F ran ­
cisco P in to ; o que não quizerão e aílirm árao os liavião de
defender com as arm as, se lh os quizessem tirar, persuadi­
dos que os céos deixariáo de lhes fazer m im os e m erces,
se a isso consentissem e assim o tinlião experim entado, que
faltando-lhes algum as vezes, annos inteiros, chuvas e por
essa causa os m antim entos, frutos e frutas ; e depois que
em sua Igreja o agazalhárão não lhes faltou chuva nem sol
a seu tem po, e quando os am eaça essa falta se vão a sua
sep u ltu ra, e faltando com o servo de Deos, dizem : — Pai
Pinto, dai-nos chuva ou dai-nos sol— conforme a sua necessi­
dade, como se fora ctle senhor dos tem pos, e Deos para
h o n rar seu servo e m o stra r quão aceita lhe lie esta Missão,
lhes concede tudo á m edida dos seus desejos; e fatiando
com Martim Soares, Capitào-m ór do Ceará, diflicultou tanto
tirarem arjuellas reliquias como carecerem dos lavores que
os Céos lhes fazem por seus meios, o ou agora conheço que
fui seguro em pedir eucarecidam ente ao Vigário Balthazar
João, que do caminho eslava p ara esta Capitania, que se
80 —

po d esse. os tirasse do no d e secretam onle e os levasse a


('sse Loílegio, p o r me parecerem as mais ricas pedras p re­
ciosas que estas p artes podem dar, e p a ra que á vista desses
ossos santos se accrescente nesses Padres e Irm ãos o zelo
da salvação das almas, e venlião levar ao íim tão gloriosos
princípios.
c: D esam arrados deste porto viemos navegando por L esnor-
deste, m udando os rum os conform e as ondas; e liuina
(juiíita feira 15 do mez chegám os á barra do P ercá, que
cs lá em altura de dons gráos e cinco m inutos, m andando
o (lapitão-m ór ao S argento-m ór Diogo de Campos com os
navios pequenos sondar a b arra, e que ao outro dia tivesse
duas balisas postas nella p ara en tra r a arm ada pelo m eio
acima, c assim o fez; c finalm ente entrám os no porto do
forte de S. Luiz, e os índios se forâo alojar junto a hum
m onte, cm o qual o Capitão-m òr m andou fazer hum forte,
a que pozerão o nome São-Thiago, em hum lugar alto e
accom modado para castigar os navios que sem ordem qui-
zessern en trar ou sahir. Nós tam bém nos accom m odám os
ahi perto em hum lugar m uito apto p ara rep etir as em bosca­
das. Logo todos os m oradores e Índios Principaes da ilha nos
receberão com presentes e refrescos, vindo depois eni pessoa
pedir quizessem os aceitar agazalho em su a s povoações.
« Entrados que fomos no forte, jà tom ado S. Luiz,
(juiz o Capitão-m ór que a prim eira Missa que se dissesse
na igreja fosse solem ne, como foi, cantando-se a dous córos
e com charam ellas. Houve pregação, e em todos hu m ge­
ral applauso cagradecim ento a Deos Nosso Senhor, p o r nos
ler livrado de tantos perigos na viagem e das pazes com
os Francezes, feitas com posse pacifica do forte de S.
Luiz. Os Principaes que no forte de São Thiago nos tinhão vi­
sitado, o tornarão a fazer, pedindo-nos quizessem os ir ás
suas povoações levantar novas cruzes e igrejas, e d e c la ra r-
lhes pela sua lingua os m ysterios de nossa santa fé, com
mais clareza (pie os Reverendos P adres B arbadinhos, por a
não saberem ; e fazè-los Christãos, allegando huns serem
os prim eiros que isto tinhão pedido, outros o conhecim en­
to antigo que de nós tinhão, por terem descido de P ern am ­
buco, quando os Fortuguezes o com eçarão a povoar; no­
m eando os prim eiros povoadores, contando os casos tanto
ao certo, como se houvessem passado por seus dias: nem a
idade, que em alguns passava de cem annos, lhes tirava
a memoria, e oniros tomavão por intercessores alguns lu ­
dios seus parentes, que em nossa com panhia viulião. Aceres-
contava em nós os desejos de satisfazer a todos o grande
desejo que d ie s m ostravão de se quererem fazer C hristãos.
8 Davam os-lhes esperanças de algum tem po virem Padres,
que mais devagar lhes declarassem os m ysteries de nossa
santa fé, por nós lerm os de voltar para P ernam buco; o
por não ficarem de todo desconsolados, lhes declarava o
Padre Piogo Nunes os m ysterios da fé, dando-lhes noti­
cia do verdadeiro Doos. da bcm avenlurançn, prém io dos
bons, e do inferno, castigo dos m ãos; c as lagrim as que a
alguns vi derram ar, m agoados do engano em que vivião,
me lizerão rebentar outras, vendo a tantas ovelhas desejo­
sas de en tra r no curral de Christo, e serem do seu reb a­
nho. No íiui da pratica m ostravão alguns tanta desconso­
lação de não haverem de gozar do bem que lhes declará­
vamos e haverem de ir padecer penas eternas, que aííirm árão
fura m elhor não nos verem , nem ouvirem , accrescentando
razões que moverião a quem m enos vontade tivesse de lhes
satisfazer a sua.
« Nas visitas e praticas gastám os parte do dia c noite, dan­
do audiência aos em baixadores, recebendo buns, e despe­
dindo o u tro s; porém Deos Nosso Senhor, com sons secretos
conselhos, atalhou nossas traças, porque andando nós
com pensam ento de nos em barcarm os, perm ittio que viesse
hum a doença de catharros, com pleurizes, que levou m uitos
em dia e meio, e foi tão geral, que a poucos houve que
não tocasse: e como désse m ais fortem ente nos nossos,
era necessário acudir para os confessar o cu rar, por não
deixarm os os criados na Igreja com tanto trabalho dos
nossos Padres, nas unhas dos leões inferna es.
« N ósnosoccupavam os na saude espiritual e corporal dos
enferm os, sangrando-os e dando-lhes outras m ezinhas que os
desejos de os ver sãos nos ensinavão, c sendo Gentios diziâo
que tudo o que de nós tinhão ouvido era verdade, e
desejavão levar a cada hum de nós á sua aldêa, para
que os curássem os e fizéssemos Christãos. Porém s a ­
tisfizemos a estes desejos com lhes levantar cruzes altas
ao som de charam ellas, c o P adre Piogo Nunes lhes
declarava o que represcnlavão; até que o Senhor que nel-
las derram ou seu sangue seja servido, que ellcs se ap ro ­
veitem delir, e a nós dê forcas e oram para o servirm os
.//
■ - 82 - -

« Hum Indio a quem adoeceu a m ulher á noite depois d e te r-


mos levantado huma cruz, a cila encom m endou-se, estan­
do ou ao pó ensinando a doutrina, em voz alta que se ouvia
por toda a aldéa, como faziamos todos os dias de m anhaã eá
noite, celles, liuns sahião, e outros respondião donde esta-
vão: veio o dito Índio a mim trazendo a m ulher doente,
e postos todos de joelhos, me pedirão que rogasse ao Se­
n h o r que nclla m orreu, lhe désse saude.
« Eu me vi em grande aperto, porque por hum a p arte se
me representava, que se lhe não alcançasse saude, não
crerião no que lhesdiziam os e ensinávam os; p or outra se me
representava, que só pedi-lo eu, era justa razão para Deos
o negar. Posto de joelhos, conhecendo os m eus pccca-
dos, pedi ao Senhor ouvisse os rogos daquelles Gentios que
nellc tinhão posto sua esperança. Ouvi-os Deos e sarou a
m ulher como desejavão. Alguns se baptizárão assim adultos,
in extremis, como crianças. Agora trazem os entre m ãos o
baptism o de bum Principal, m orador e senhor que foi das
nossas te rras de Iguarassú, em Pernam buco que, ao parecer,
tem mais de 100 annos; este affirma haver pedido nas suas
doenças a Deos lhe trouxesse Padres que o baptizassem ,
agora diz m o rrerá contente e seguro.
« Quando chegámos a este forte de S.Luiz, n o sag azalh á-
m os com os Religiosos Francezes de S. Francisco, que se
trata vão com extraordinario rigor, caridade, hum ildade e
zelo das alm as, e representavão bem a perfeição da sua re ­
ligião. Eu os mandei visitar, logo que chegám os, com o
m elhor presente que pude. Elles nos vierào b u scar ao forte,
que he hum pedaço, e isto fazião todas as vezes que a clle
chegávamos, não consentindo com erm os nem agazalharm o-
nos em outra parte, e assim fomos verdadeiros am igos,
andando á com petenda quem havia de m o strar mais am or.
Agora continuam os com os Religiosos de S. Francisco, Ca-
pellães que forão da prim eira arm ada na m esm a fôrma.-.
<( Esta ilha, que temos corrido, he m uito abundante de
algodão, legum es e mandioca.
« 0 Gentio o mais num eroso habita no P ará, que lie hum
famoso rio a mais de 180 léguas deste forte, onde Francisco
Caldeira foi com 150 soldados fazer hum a fortaleza p o r m an­
dado do C apitão-m ór A lexandre de Moura. Tem m uita com -
m unicação com o Gentio desta ilha, e encarecidam ente pede
que vam os lá, que nada nos faltará. Por terra lie mais p e rto ,
e vão ta m b é m por m a r e m canons.
« lía m uitos Tapuvas de m uitas nações, das quaes quatorze
talião a lingua geral dos Tupynam bás, que he quasi com ­
m uni no Brazil. Morüo ao longo do rio, e aflirm ão-m e que
facilmente ajuntarão trin ta canoas. Estas nações trazem g u erra
com ou tras, que tam bém m orão ao longo do rio, e as suas
casas estão sobre a agua como guaritas e recolhem as
canoas debaixo, e isto fazem para m elhor se defenderem . (*)
« Todos são grandes lavradores e para m ais nos m overem
a irm os lá prom ettem fazer pazes, largarem as m uitas m u­
lheres ficando só com hum a. Sustentam o-los com esperan ­
ças de em algum tem po verem lá os Padres, ao que res ­
pondem , sejam os nós e não m orrão elles e seus filhos
prim eiro. Todos desejão a agua do baptism o.
« Falta-lhe o Senhor que, fatigatus ex itinere sedebat sic
supra fontem. A m esse está sazonada e a sem enteira m a­
dura. resta o — rogate Dominum messis, ut mittat opera­
rios : o que eu em nom e de todo este Gentio encarecidam ente
peço a Vossa Reverencia, pois está em lugar de Deos, que
como Christo nos m ande — Laxate retia vestra in captu­
ram piscium; e vendo eu tanta m ultidão de peixe, peço a
todos os Reverendos P adres e carissim os Irm ãos e com pa­
nheiros nossos, que deixando o descanso do Collegio, po-
nhão os olhos no sangue e chagas de Jesus-C hristo, e nos
venhão aju d ar, etc. — Manoel Gomes. »
(’) São estes os celebres Nheengaíbas de que falia o grande Padre Antonio
Vieira. ( N o t a do A uto r .)
CAPITI: 1,0 \ f .
I'A -S K NOTICIA DA TRASLADA CÃO DOS OSSOS DO VEN ER Á V EL
P A D R E FRANCISCO PINTO, O QUE DEOS OBROU POR SUA
INTERCESSÃO, E DO ROTEIRO QUE O SERVO DO SENHOR
GUARDAVA NA REDUCÇÃO DOS GENTIOS.

0 fallar e sta c a ria na saudosa memoria deste insigne Mis­


sionário nos despertou a lem brança para tra ta r, com penna
menos apressada, da trasladarão dos ossos de hum varão
Ião grande, que depois de trium phar da mesma m orte,
m ereceu particular recordação seu esclarecido nome, que
apezar da mesma ingratidão (achaque antigo nas gentili-
dades do Brazil), loi a sua memoria tão grata aos presentes
corno bem a c e d a jla s mesmas nações que anteriorm ente o
tratarão.
Nao forão só as m ontanhas da Ibiapába o glorioso
theatro das acções heroicas do Venerável Padre Francisco
Pinto ; porque m uito antes tinlião os campos de Jaguaribe
sido testem unhas do muito que obrou no serviço de Deos
e coroa de Portugal este varão apostoiico. Duas vezes,
apezar do inimigo com inam daquellas almas, tinha elle pisado
a íragozidade daquelle terreno, que parece só tinha nascido
paia cultivar turras in fru tíferas, e para tirar fruto da
mesma esterilidade. Iluma delias, quando como anjo de
paz a foi annunciar áquelles barbaros, para cabal cum pri-
iiuirdo do que muito antes lhes tinlião proposto no anno de
d o.)T os nossos P adres Diogo Nunes e Gaspar de S, Peres, a
íequerim cnto de Manoel M ascarenhas: e o que então faltou
que fora o as solemnidades desse ajuste, foi o que fez agora
execiuar a sabia industria do Venerável Padre, capacitando-os
a assignar e ju ra r com as ceremonias proprias do seu genti-
hsmo o contra chi d o ; que vinha a ser hum a ampla liberdade
lyara os Portnguezes criarem nas suas terras os gados
vaccuin, e eavallar, na parte que m elhor e mais conveniente
nes parecesse, p ara os poderem extrahir em beneficio da
Eapitama de Pernam buco, que era o descoberto que por
então delles se podia utilisar.
S; >

tim idiiio o novo em baixador aquella tão desejada paz, a


tem po que experim entavão o sn a tu ra e s hum a rigorosa serra,
e era universal a falta de m antim entos pela 'grande este­
rilidade em que se achavão as suas lavouras. Parecia diffieul-
toso o remedio, m as era m ais que ordinaria a confiança,
que os índios tinhão, de que em penhado o P adre havião de
experim entar abundanda de agua nas suas sem enteiras.
Kra a hum ildade, a que pelo contrario se oppunha a estes
sinceros, e bem nascidos desejos, porque fundados na grande
fé que tinhão na virtude do servo de Deos, que não dei­
xava de receiar que a falta do m erecim ento proprio defrau­
dasse aquelles alllictos de íium a m ercê, para que precisa-
m ente havião de concorrer as obras adm iráveis da Divina
Om nipotência. Bem desejava clle que o m ilagre se effei-
tiiasse, porque ao m esm o passo que as lavouras se ferti­
lizassem , se regassem tam bém aquellas novas plantas, po­
dendo delias b ro ta r m uito sazonados c proveitosos frutos,
de que se podessem su sten tar as famintas alm as de tantos
b a rb a ro s; a quem de ordinario, mais o que pelos olhos,
que o que lhes entra pelos ouvidos costum a m over os ani­
mos para abraçarem com gosto, e m aior segurança as ver­
dades da nossa fé.
Movido á com paixão e cheio de fé, pondo já de parto os
receios da sua confusão, pedio fervorosam ente a Deos com
os olhos no céo, e os joelhos em terra, quizesse pela sua
infinita m isericordia acudir a hum a necessidade tão u r­
gente, de cujo favor poderião ao mesm o tem po ab rirem -se
as nuvens em ab u n d an d a de agua, e os entendim entos dos
infiéis, para não duvidarem do poder de hum tão grande
Deos, que com os bens tem poraes lhes daria tam bém os
eternos, que a Santa Lei lhes prom ettia.
Cousa m aravilhosa ! que o m esm o foi acabar o nosso fervo­
roso Elias a sua supplica, que d esatarem -se os céos em abun­
d an d a de agua, com que dali por diante frutificarão para
Deos, e para os hom ens aquellas te rras totalm ente seccas com
os continuos ard o res do sol. Foi tão grande o conceito, que os
índios íizerao da santidade do Venerável P adre, que dali por
diante lhe nao derão outro nom e que o de A m anayára, que
quer dizer. Senhor da Chuva. Sentindo notavelm ente sua
m orte, quando depois souberão a barbaridade com que os
lacarijus !h a tinhão dado, sendo elle tão am ante doslndios,
corno proficuo aos seus m aiores interesses.
- 8ti —

Pôde a terra com er o corpo deste insigne varão nas raizes


da serra da Ibyapába, onde o tinha depositado a incansável
diligencia de seu com panheiro o P adre Luiz F ig u eira; mas
nunca o descuido pôde gastar a m em oria, que do seu Padre
Missionário tinhão os índios naturaes de Jaguaribe. Todos
estes annos que se passárão depois da sua m orte alentarão
os seus desejos com a esperança, que ainda tinhão, de o te r
senão vivo, ao m enos m orto na sua com panhia. D espertou
m ais esta sua vontade a grande secca, que por este anno, em
que chegam os aqui com a historia, experim entarão sem e­
lhante á passada, em que era tão certa, como inevitável a
fome, se o seu P adre Pinto lhes não continuasse a m ercê de
lhes dar agua, que a mesma te rra aberta em bocas com
m udas vozes pedia.
Incitados de hurna tão grande conveniência, tom arão a
resolução de ir b u scar a todo o risco os ossos do seu Ama-
nayára. e para o pôrem em execução determ inarão osP rinci-
paes dia certo em que havião de p a rtir; e arm ados em
g u erra, como se houvessem de conquistar hum grande
reino, se pozerão a cam inho, e chegarão finalmente ao
lugar, que pelos signaes era o mesmo que lhes tinha rela­
tado o P adre Figueira. Mandarão abrir a sepultura, e
acharão o precioso deposito, como thesouro escondido de­
baixo da te rra . Mettêrão os ossos com toda a veneração em
hum caixotinho, que levarão, e partindo alegres para a sua
terra os collocárão em huma das principaes aldêas daquelle
districto.
P rocurárão os nossos Padres de Pernam buco haver a si
hum as reliquias, tanto mais veneráveis quanto era m aior
a estimação com que aquelles barbaros as possuião, porém
nem a diligencia dos nossos os pôde de modo algum p er­
suadir, nem o am or dos índios desapossar-se de huns ossos
que sobre tudo estimavão : porque dizião que na posse
daquelle corpo estava todo o remedio das suas m aiores aíílic-
ções ; tendo o sol e a chuva ao arbitrio das suas vontades.
Dominava entre todos os m aioraes daquelle sertão com
mais autoridade e poder que os outros, o celebre e insigne
Principal Camarão (*), cujo nome foi tãoattendido dos nossos
historiadores, pela razão do grande soccorro que deu ás
nossas arm as na expulsão dos Hoilandezes de Pernam buco,
a quem seu mesmo valor foi raio, que além de aterra r,
H 0 II0Í1IP imliprna r ra Pofy. qac os Portnquczos traduzirão por Camarão.
não causou pequenos estragos nas dom inantes tropas da
Hollanda.
Este chefe, que pela m aior soberania se fazia mais
respeitado no Rio Grande, onde tinha hum a populosa
aldèa, era por extrem o affeiçoado ao Venerável P adre
Francisco Pinto, do tem po que elle repartio pelos da
sua nação o saudavel pasto da doutrina evangélica com
hum modo m uito proprio do seu arnavel genio, com o qual
se fazia querido de todos, e com especialidade do Principal
Camarão, que por seu grande amigo o tr a ta v a ; e como
então ouvisse coinj sentim ento a m orte do Servo de Deos, e
agora lhe dessem a alegre nova, de que em hum a das aldêas
de Jaguaribe se achavão já trasladados os seus veneráveis
ossos, convidou os vizinhos, e passou ordem aos vassallos,
que em dia fixo se achassem todos juntos, para com hum a
apparatosa rom aria visitarem todos ao seu grande am igo, o
Pai Pinto.
Não am anheceu dia mais alegre naquellas povoações
que o determ inado para a partida. Vestidos todos de
gala ao seu modo, da m esm a peça de que costum ão trajar
as mais vistosas aves daquelle paiz, que pela diversidade de
côres não deixava de fazer hum a bella perspectiva aos olhos,
ao mesmo tem po que os fazião m ais tem idos (quaes m itras
de dragões) as coifas de plum agem , com que se ostentavão
m ui m edonhos, ajudados dos arcos c frechas, de que ião
arm ados. Poucos dias gastarão na viagem, porque o mesmo
am or com que buscavão ao seu P adre lhes dava azas para
cam inharem m ais ligeiros, até que por ultim o chegarão ao
lugar onde estava o precioso deposito que buscavão. Postos
todos de joelhos se abraçou logo o devoto Principal com os
ossos de seu grande amigo, tão banhado em lagrim as de
consolação e te rn u ra, que a poderia cau sar ainda aos
m ais duros de coração. Isto acabado, como era g rande o res­
peito que entre todos os Principaes daquelles sertõ es tinha
conciliado este valeroso índio, assim pela valentia de seu
braço como pela destreza na guerra, e grande num ero de vas­
sallos com que se tinha feito dos m ais poderosos, entrou a
d aríeis, e a p assar ordens, quando parece devia e s ta r á s
do Maioral daquella aldèa. Tanto póde hum valor com forças,
e a tanto se sujeita hum receio sem valentias.
Mandou logo que todas as aldêas se ajuntassem para ce­
lebrar ao seu modo as exéquias do defunto P adre, que nas
NX

*pit! são extraordinarias do pessoa do m aior distincção, não


consta mais quo do limn continuo chòro por espaço de
tros dias, a que d ies charnâo Çapiron: e como tambem as
noites se pastarão nesta piedosa ceremonia, se concluio por
então o officio de tres nocturnos, a que as lagrim as mais
que as vozes pagarão o ultim o tributo áquellas veneráveis
cinzas.
Faltava ainda dar hum proporcionado lugar para a col-
locacão da urna, que com m aior docência tiíihão já coberto
e forrado de um panno azul, que entre tanta penuria bem
podia supprir os velludos ou pannos de seda mais precio­
sos. Mandou logo o Camarão edificar hum a Igreja de m aior
grandeza c m elhor ideada que a antiga; na porta da qual
depois de acabada se collocou hum a formosa cruz, c dentro
em hum altar, que para isso se fez, se depositarão os ossos
do venerável Servo de Deos, e para que a sua memoria
fosse perpetua naquelles povos, mandou que todos os Ín ­
dios das aldêas vizinhas em procissão armados de cruzes,
os viessem visitar e os da propria aldêa todos os dias pela
manhãa c a seu uso lhe viessem dar o Iandé Coêma, que he
como entre nós os bons dias.
Já não faltava ao devoto Principal algum outro acto em
que podesse exprimir ao vivo a grande veneração que tinha
ao seu grande amigo, pelo que agradecendo aos índios dc
Jaguaribc a diligencia e affecto com que tinhão trasladado
aqucll.es ossos, rccom m ondou-lhcs muito o respeito com
que os havião de tratar, c prom ettendo-lhes a sua assistên­
cia cm repetidas visitas, se retirou com os seus ao Rio
(Irando, satisfeito de os ter deixado collocados com m aior
decencia c com não pequenas invejas dc serem outros os
senhores dc hum tão precioso thesouro. Esta, que para o
Camarão foi acção propria de sua gratidão e lealdade, foi
para os índios daquella povoação hum continuo despertador
da sua lem brança e veneração ao seu defunto Padre, em
cuja presença se cclcbravào, como se estivesse vivo e fosse
seu verdadeiro Parocho, os casamentos e se ratificarão os
ja celebrados, cmquanto não tivessem Missionário proprio.
■Nem eu sei, que os ossos do venerável Padre podessem
encontrar m aior piedade cm animos mais civilisados c entre
nações mais politicas; mas, assim costum a Deos fazer
giandes, anula nesta vida, aos seus servos, que por seu
am or c serviço se quizerào fazer nella pequenos, chegando
pur ultimo ;i d erram ar o sangue e dur a villa por sen a jam
cm beneiicie do proximo ; o porque a grande piedade rieste
Principal foi a quo por então abrio as portas a geral vi:
neração daquelles povos, seja-m e licito eni signal de nessa
gratidão, fazer delle hum a breve e mais bem m erecida
lem brança.
Foi tão beneiiieriU) este bom índio da graça da vocação
com que Dcos o cham ou ao grem io da Santa Igreja, q u e
ainda eatheeum eno, e não de todo instruído nos m ysíerius
da nossa Santa Fé pelos nossos Padres (com especialidade o
Padre Pinto), que ás suas terras tin hão ido annunciar a lei
Evangélica com anim o do voltarem , por não poderem ainda
ficar dc assistência , era na sua ausência o Camarão o m elhor
substituto c o mais apto catechista , tom ando tão deveras
á sua conta a instruccão de seus vassal los, quo quando via
se osfriavão na perseverança do que os Padres lhes reeorn-
m endavão, e já christão, depois que virrão os Padres, e na
sua ausência, era elle um fervoroso pregador, que não so
com o exemplo, mas lam bem com a palavra os animava a
g uardar a m esm a doutrina que aquelles lhes tinliáo prati ­
cad o ; discorrendo com incansável zelo pelas alclèas vizinhas
exhortando os Christãos, para que vivessem com o taes , e aos
que via em perigo de vida, para quo m o rressem como ca­
tholicos, e para que os Pagãos não finalizassem destituídos
de rem edio, os catechisava e ia dispondo a receber na
quid la ultim a hora com agua do Santo Baptism o a segurança
da salvação etern a; anim ando-os a m orrerem consolados,
por acabarem filhos de Dcos, pelo que se fazião herdeiros do
eco e livravão das penas do fogo do Inferno, onde seus avós
choravão a infelicidade de não terem quem os curasse da
sua cegueira, c os lavasse cias suas culpas nas saudaveis
fontes do Baptism o.
F porque via que a falta de Missionário os entibiava na.
mesma fé que aprendião, os alentava o seu zelo com as es­
peranças do que logo virião Padres, que não só a elle, mas
a todos os m ais, que os quizessem e estivessem instruídos,
OS baptizassem . A tão fervorosos desejos satisfez a Divina
Clemência por meio de seus m inistros, os zelosos P adres
Diogo Nunes e Gaspar de S. P eres, que apenas chegarão de
Pernam buco á sua aldòa clerão principio á sua m issão com
hum bom num ero dc innocentes c adultos, já capazes, que
baptizárão ; o cur.no o Principal Gamarão era a pessoa mais
abalisada ua»|tH-*IIes sertões, podio olio o o approval-;!o os
Missionários, que o sou l>aptismo so fizesse com aquella
solenmidado (pio pedia o sou caracter o era preciso para
conciliar mais respeito, assim ao Sacram ento, como ao
cargo que entre os mais o distinguia. Ernquanto etle se
preparava c dava as ordens para se por corrente tudo o que
entre os term os da sua possibilidade podesse servir a hum
universal festejo, discorrerão os nossos Padres pelas mais
aldòas vizinhas, catechisando, baptisando, confessando e
exercitando os mais m inistérios proprios de seu zelo o os
mais rccom m cndados do seu instituto.
Recolhidos os Padres á povoação, era já chegado o dia
do solcmnissimo baptismo do Principal Camarão, que foi a
Dominga da Quinquagésima do anno do Senhor de 1012.
Ao sabbado á tarde se deu principio com m uitas danças e
m ascaradas ao seu modo, que em bora barbaro, não deixava
também, sendo como era, de parecer ridiculo.
Havia (lautas dispostas em harm onia dc vozes, a que do
quando cm quando acompanhavão os tam borezinhos que Ser­
vian de com passo aos bailes e dc alegre recreação aos ou­
vidos. Soguião-sc as vozes, que sendo de algum modo gratas,
so se laziao enfadonhas pela repetição continua das m esm as
cantigas, accommodadas todas á solem nidade do seguinte
dia, como he costum e entre clles. De noite houverão tiros
c lum inárias, que se gastou toda em danças, c toque dc ins­
trum entos rústicos, por serem notavelm ente inclinados a
estas e sem elhantes Jolias; am anheceu o dom ingo, que
na quell o dia bem se podia cham ar Pascboa do flores, pelas
m uitas do campo com que estava alcatifado o caminho da casa
do Principal até á Igreja.
Sahio cllo ílnalm ente vestido dc gala, precedido de hum
(estival acom panham ento, levando comsigo sua m ulher e
lilhos e grande num ero dc vassallos que o seguião. Chega­
rão a Igreja, onde o esperavão os Padres, que com a m aior
pompa e cerem onias da Igreja lhe conferirão o baptism o e
a toda a sua familia.
Acabada a íuneção ao som de toques c estrondo de algu­
mas cargas, se recolherão contentes a continuar o festejo
<mu que celebrarão o acto e pozerão rem ate á solem ni­
dade. de hum tão grande dia.
í\o seguinte se celebrou o m atrim onio in fade Ecclesia>
com hum a das m ulheres, que eu Ire as mais escolheu pura
SM

sua legitima consorle, despedindo do casa as mais e reco-


licndo neste e nos mais dias muitos p arab é n s dos vizinhos
e mais Portuguezes, quo cm distancia de vinte legoas vierão
obsequiar o famoso Principal P. Antonio Gamarão, p o r se
fazer de tudo credor o seu bom genio, e relevardes serviços
que sem pre fez aos Serenissimos líeis de Portugal, motivo
•por que o julgam os m e re c e d o r desta p articular lembrança,
para assim re m u n e r a r m o s o especial ailed o que muito além
da m o rte consagrou á saudosa m em oria do venerável Servo
de Pcos, o Padre Francisco Pinto.
liem agradecido se m ostrou ellc aos Índios de Jaguaribe,
querendo como tão favorecido de Pcos pagar com mão larga
as obsequiosas venerações que tinlião leito aos seus ossos,
por cuja virtude rccebião aqucllcs paizanos sol c chuva con-
io im ca necessidade das suas soaras c lavouras, conto consta
de bum sum m ario authentico de testem unhas, assim P ortu-
guezes, como índios, tirado pelo Vigário da vara do R io-
Grande, que todas ju rarão , concedia Pcos a commodidade
do tem po áquellcs povos, segundo o que pedião, por in te r­
cessão do Servo do Pcos, e algumas testem unhas accres-
ccntão no j t c u depoimento que alguns velhos que andavão
nus o sentiao por isso m aior frio, se queixavão dos outros
que pedião chuva ao Padre Pinto, com grando prejuizo seu.
Quero rem atar estas saudosas m em órias com o que cm
vida lhe succedeu no sertão da Bahia. Caminhava elle acom ­
panhado de m uitos índios de volta dc lium a entrada que
tinha feito para reduzir á fé aquelles infiéis. Era o tempo
do meio dia, que em clima tão calido, fie notavelm ente pe­
noso aos cam inhantes. Fazia-lhes o caminho mais intolerá­
vel a grande falta de agua, que não podião descobrir, para
com ella m itigarem a sêde e os ardores do sol. Já m uitos
de cansados c opprim idos da sede se lançavão por te rra
com grande dúr c compaixão do venerável Padre, quando
vio que hum Principal que o acom panhava, cham ado Gre­
gorio Dias, lhe pedio instantem ente que sc compadecesse
de seus filhos, que precisam ente por falta de agua acaba-
rião ao desam paro.
Mandou o P adre que sc juntassem todos e se pozessem com
elle em o ração ; o assim dc joelhos com os olhos no céo,
soube b ater com Qal efficacia ás suas portas, que abertas
as nuvens se soltarão as aguas c se inundarão os cam pos,
com pasmo e assombro dos mesmos índios, vendo-se rem e-
fiiaitus iH)r inmln Ifm reponiinf» (i p o r v i r t u d e c mei o Ino
Angular.
In para que não só os ludios fossem m im o so s de tão p a r ­
ticulares favores, o foi la m b e m o P a d r e Frei Antonio. P e li-
gioso da reform a do glorioso P a tria rc h a S. Francisco e filho
do Capitão Jorge (lamello, senhoreio engenho d e l g u a r a s s ú . Ei a
h u m 1azaro de. chagas, h u m miserável esqueleto, o re trato
da m orte, posto já ao desam paro e sem espe rança algum a
de. rem edio, depois de h u m anuo de d o e n ç a : até que re c o r­
re n d o aos Divinos, ouvindo alguns prodígios que Pcos
obrava pelos m e re c im e n to s do venerável P adre, se pegou
com elle com g ra n d e fé e devoção, e m etiendo debaixo da
cabeceira h u m a p a r te de seus ossos, não foi necessario mais
para que as chagas p o r si se scccassem, e cobrasse o e n ­
fermo perle,ita s au d e , recolhendo-se são a P ernam buco, e
publicando a g rad ec id o a especial m e rc ê de h u m tão sin g u ­
lar favor.
Psle o pouco do m uito que poderam os saber da virtude
em vida, e depois de m o rto da protecção deste apostoliço
varão, a não s e r e m tão escassas as pennas dos nossos a n ­
tigos, para es c re v e r 6 g ra n d e n u m e ro de suas prodigiosas
acções, pelas quaes assim como foi o primeiro que ahrio
caminho á gloriosa missão do Maranhão, se fez la m b e m
verdadeiro ex e m p la r dos Missionários desta nossa t r a b a ­
lhosa Vice-Provincia, de q u e m foi perfeito im itador seu p r i ­
meiro ln n d ad o r o P ad re Luiz Figueira : aprendendo tie Ião
insigne mestre, assim elle como os m ais que o seguirão, o
modo de estabelecer e funda r tantas c tão populosas Missões.
iXern Ii(3 bem q u e se duvide s e r o venerável P ad re F r a n -
l i.-eo Pinto h u m como principal agente da sua fundação,
bebendo de sua rara virtude o grande P a d r e Figueira
aquolle aposlolico espirito, que depois havia de infundir nos
com panheiros, e deixar por exem plar aos v in d o u ro s; con­
c orrendo ao m es m o tempo no céo (como piam ente cremos)
seu illustre com panheiro para o successivo augm ento de suas
laboriosas conquistas. E como para estas concorresse com
zelo incansavcl a adm iravel industria do Servo do Deos,
quiTo aqui j u n t a r , para ensino dos nossos Missionários que
se occuparem em tirar almas do sertão, o m e th o d o que
elle usava q u a n d o lazia descimentas c p re te n d ia t i r a r os
uentios da b a r b a r i d a d e em que. vivião pelos m atos, ou para
,;V' -'Pgre g ar a o u t r a s aldens ja convertidas, ou fu n d a r com
••lies novas povoações cm ({in1, so pudessem civilisar e mo­
llior reduzir ao (Christianismo c louváveis costum es cm que
crão instruídos.
Antes da entrada a qualquer sertão procurava este zelo­
so Missionário inform ar-se dos mesmos Índios da sua aldêa
das nações que havia por aquellc sertão, da docilidade
ou fereza do seu genio, se vivião juntos em povoações,
por modo de com m odidade com m ais ou menos política,
ou se era gente de corso e vagabunda, ou dividida cm ma­
gotes: os costum es c vicios a que erão mais inclinados, es-
peeiaim ente latrocínios, homicídios e bigamias; se erão ini­
migos dos Portuguezes, c porque: e íinalm ente se nelles ha­
via disposição para se poderem aldear, e que meios serião
mais ellicazes á sua reduceão. Inform ado m iudam ente de
tudo, entrava logo a dispor m aduram ente o que julgava
accom m odado ás circum standas do que tinha ouvido, hu­
mas vezes p rep aran d o -se e indo em pessoa, outras m an­
dando em baixadores, que erão alguns Índios parentes
ou vizinhos daquella nação, que pretendia reduzir, que por
isso buscava sem pre le r nas suas aldêas sem elhantes lin­
guas para estas entradas; aos quaes depois de bem instruí­
dos c m elhor praticados, entregava alguns prém ios de
avellorios, facas, m achados, fouces e alguma veste e calção
do corte ou peça mais subida na cor que no preço, para o
Principal, por serem as dadivas o m elhor instrum ento pa­
ra qu eb ran tar os corações destes b ru to s, sobre animados
penhascos ; e em bora fossem grandes os gastos que preci­
sam ente fazia com estes descim entes, era m aior o lucro no
valor do tantas c tão preciosas joias, quaes as almas que
para Deos se lucravão.
Assim preparados e instruídos os rem ettia o P adre Pinto
áquelJa nação, que pretendia descer, recom m endando-lhes
não dissessem logo que o P adre os liavia ir visitar, para
que lhes não succedesse en tra r a desconfiança, e largarem
aquelle domicilio fugindo para outro, m as que tão sómente
depois de entrarem , ou com arm as em retirada ou com ellas
abatidas, e com todas aquellas cerem onias com que entre
d ie s se annuncia a paz, dissessem ao Principal, e aos seus
vassallos, que o Padre Pinto, que era o seu Missionário, lhes
m andava m uitos Cobecatús, que vale o mesmo entre nós que
m uitas lem branças, porque era m uito cam arada daquella
nação, p que em signal do affecto, que lhes linha, lhe m an-
dava aquelloo mimos, quo os em baixadores distribuião logo
conforme a instrucção do P ad re; e nada mais dizião, espe­
rando que d ies entrassem a perguntar, para que nas respos­
tas lhes podessem despertar a vontade e avivar o desejo, e
vencidas as dificuldades da sua natural inércia entrassem
na resolução de buscarem o mesmo a que o interesse, c a
smr maior commodidade os convidava.
Prim eiram ente pergunlavâo pelo Padre, quem era, donde
linha vindo, c a que fim ; como passavão os Índios na sua
companhia, que conveniendas logravão, e como erão tra ta ­
dos dos Brancos (assim chamão aos Portnguezes).
A tudo respondião com energia os em baixadores, bem en­
saiados pelo Padre Pinto, usando com industria das m elho­
res phrases c expressões, para lhes inculcar com eiíicacia
aquillo a que os pretendião affeiçoar, que era por então a
sua maior commodidade tem poral, poisa espiritual se deferia
p ara outro tem po quando a mesma oocasião abrisse a porta,
para se lhes p ro p er com fruto a suavidade do jugo, que
Jiavião de carreg ar, c as maximas da lei que haviâo de
seguir.
Destas tão im portantes praticas resultava coinmummente
hum de tres cffeitos: o prim eiro, e o mais raro, era respon­
derem com as arm as na mão, que não querem nada com os
brancos, porque sabem de certo que os lião de tratar muito
mal c consum ir no seu serviço: o segundo e menos usado
o dizerem como os Athenienses a S. Paulo Audiemus te de
hoc ilcrvm, que hc o mesmo que, considerarei no ponto
mais d ev ag ar: o terceiro e mais ordinario, o m andarem com
os em baixadores dons ou tres índios dos mais capazes, que
com a vista examinassem prim eiro o que ouvirão, c quo
significasse ao Padre o grande gosto com que os seus n a-
emnaes íicavão de o verem nas suas terras. E quando já
o industrioso Missionário os via na sua presença, não lie
tacil explicar os carinhos c affagos que lhes fazia, e de tal
sorto com regalos lhes ganhava os corações, que voltavão
contentes e alegres a dizer m aravilhas do Padre, do bem
que eião tratados os Índios nas suas aldêas, a quem não
laltavão com o necessario, c acudião com mais ainda do
preciso : e para que o gosto de todos ficasse de todo com­
pleto, leva vão já a certeza de quando o Padre os havia ir
visitar, passadas tantas lu as; que he o m ethodo por ondo
itg'U a este Gentio a successiva distribuição en u m ero certo
«los tempos, o algarismo dos mezes, c a num erosa idade
dos dias.
Entrava logo o Padre a preparar-se, e todo o preparo
consistia em avellorios. facas, tesouras, agulhas, pentes,
espelhos, e outras miudezas (lesta qualidade, para com ei
las convidar aquellos barbaros; com isto e com hum altar
portátil, hum a rede para dorm ir, e alguma roupa para ves­
tir, se punha a caminho o Servo de Deos arrim ado a hum
bordão, corn o seu Santo Christo ao pescoço, andando a
pé m uitas léguas, até chegar ao lugar destinado da sua
derrota.
Todos os dias antes do ser noite fazia alto com os índios
que o acom panha vão, m andava arm ar o rancho, que era
hum a casa form ada de páos e coberta de palha, que para
tudo dão com m odidade os m atos do Brazil; tratavão de co­
zinhar o que en tre dia de cam inho tinirão m orto, ou na caça
ou na pesca, de que ha abundancia nestas terras, por s e ­
rem muito destros os índios neste exercício em que rara
he a vez que voltão sem trazer algum a cousa. Acabada a
cêa á luz de m uitas fogueiras, que fazião ao red o r da ca­
sa para se defenderem das leras, e de infinidade de m os­
quitos, que de ordinario se não atrevem a chegar ju n to
do fogo, se deita vão a dorm ir até o seguinte dia de m ad ru ­
gada, que continuavão a sua viagem.
Em quanto os mais dorm ião velava a m aior parte da noite
o apostolico varão encommendando a Deos o bom exito da
sua pretenção, que era reduzir as almas daquelles Gentios
ao verdadeiro caminho da salvação, vencendo difíiculdades,
tolerando trabalhos, e sacrificando as forças ao serviço da
m aior gloria de Deos, que en tre tantas fadigas lhe adiantava
o prém io em abundantes e continuas consolações de seu
espirito.
Ouando já se achava perto da povoação que buscava,
despedia alguns índios que levassem a nova de sua chegada,
e que dissessem desejava m uito acha-los todos juntos,
para os ver e convidar com algum a cousa do que levava.
Chegado finalm ente ao lugar determ inado, ia dem andar
alguma casa que^estivesse despejada, e que para habitação
do P adre já tinhão reservada. Mandava arm ar a sua rêde e
ia recebendo as visitas, a que se dava principio pelo P rin­
cipal; seguião-se as mais sem outro cum prim ento das boas
vindas que o perguntarem pela sua linguagem : — Erc jo~
m a i n , - .. 11!.tc q uer dizer, já vieste, a quo o Padre respondia
peio mesmo laconismo — íca joriáan —• já vim.
Kntrava logo o m ulherio cada hurna com seu presente ou
do fruías, ou de bebida ao seu modo ; hum as a farinha ou
bejús, que são buns bolos m uito delgados de farinha cie páo;
outras a caça do mato ou já assada ou já cozida, ou ainda
crua ; o que tudo sem dizerem palavra ião pondo ao red o r
do Padre, com a circum standa de ser obrigado a com er ou
beber do que lhe trazião, vindo já feito por modo de vianda :
— sendo a prim eira que locava, posto que levem ente, a da m u ­
lher do Principal e depois as das outras, penna de desconfia­
rem não só ollas, m as lam bem os m aridos e parentes; tom ando
por desprezo o não q uerer o Padre provar da com ida ou
.bebida que p o r obsequio lhe tinhão oíTerecido. E como e s ­
tas são de ordinario desabridas, não tinha o bom Missionário
pequena m ortificação em as provar.
Acabada esta barbara cerem onia se sentavão todos, e o
Padre na sua rede, c dava principio aos parabéns da sua
vinda o Principal, a quem seguião todos os mais. Tecião
nas praticas alguns agouros, a que são dados por n a tu re ­
za, como, verbi gratia, que virão hum passaro de extrem a
grandeza alguns dias antes da sua chegada; que tinhão so­
nhado com liuma grande chuva com a qual crescerão repen­
tinam ente os seus milhos, e as suas mandiocas; o que tudo
erão avisos de que o Padre havia linahnente chegar ás suas
lerras. Seguião-se os trabalhos da sua nação, ou por via de
guerras ou por calamidade de epidemias, que tudo relata­
va o Principal, com miudeza e circum stantias, dando-lhe os
mais circum stantes os amais, com o seu costum ado Supi-
rupc — assim lio— na verdade.
A esta falia respondia o P adre Pinto com outra sem e­
lhante, ou por si, se sabia a sua lingua ou por interprete
se a ignorava; signiíicando-lhes o grande am or que lhes tinha,
o relatando-lhes por extenso quanto na viagem lhe succedêra
e com quanto descommodo a em prcheiidèra, rem atando por
ultimo que o fim de todos estes trabalhos não era outro
mais que o buscar a sua amizade e trata r de seu bem , pro-
m ettendo-lhcs a sua assistência para os defender de seus
inimigos, porque sentia do coração os grandes males que lhe
tmluio contado. Assim rematava, e ao mesm o tem po entrava
a rep artir os prêmios que levava: prim eiro, pelos Principaes
o suas inulhci e s ; e depois, pelos vassallos, mais ou monos
Conforme a graduação de suas pessoas, <ie sorte porém q\í:C
ninguém ficasse sem alguma prem ia do Padre. E posto que
o intento de ali o levar era a salvarão de suas alm as e le­
va-los comsigo para os in struir nos m ysterios de nossa
Santa Fé, nada por então lhes fatiava nesta m ateria, porque
não queria de golpe introduzár-dlies liimia m udança de Jei e
terras, que precisam ente lhes havia de ser custosa, espe­
rando prim eiro que pelos inform es dos m esm os índios, que
o arom panhavão, se fossem abrandando o aíM eoando as
vontades ckiqudles b arb aro s; circüm slancia m uito n eces­
saria esta para mais se arreigarem no novo modo de vida
que liavião de seguir, por não passarem de hum a oui.ro
extrem o com evidente perigo da sua perseverança.
Despedidos do Padre, en Ira vão a convidar os com panheiros,
'assim o Principal como os m ais, c deites se inform avão do seu
modo de vida entre os M issionários, do como passavão c
brão tratados, e de todas as conveniências que disto tiníião;
e como os Índios ião já instruídos de como liavião de re s-
p o n d eH lieS j contavão por m iudo a suavidade do trato, a
com m odidade do passadio, a assistência nas enferm idades,
liberalidade com que erão soccorridos, quando se viào mais
necessitados, e íinalm cntc todas aquelias conveniências que
idles, como experim entados, llics sabião m uito bem explicar.
0 que mais os adm irava, e de algum a sorte os movia, era
ouvirem que os Padres deixavão seus pais, parentes e as
suas m esm as te rras em tão larga distancia pelo respeito dos
Índios, c que, por viverem entre d ie s, tinlião já padecido
tantos trabalhos c m oléstias, o que tudo confirm ava a dili­
gencia com que o P ad re, logo que acabava de rezar, p ro ­
curava inform ar-se dos doentes que havia naquclla ahlèa,
buscando-os em suas casas, tanto adultos como a innocen­
tes, ou por si ou peio in terp rete que levava, os consolava e
ia dispondo para o baptism o, que rccebião quando já estaváo
p ara m o rrer, com grande consolarão do Servo de Íleos, que
aflirm ava nunca lhe faltára este Divino Soccorro rio exercício
destas trabalhosas redacções.
Ao tem po que passava de hum as para outras casas, saliião
os m eninos a ver o P adre, que os cham ava e lançava sua
benção, junto com algum fio de avcllorio ao pescoço, que de
proposito levava, o que vendo a s m ã is de ou tro s, lhe tom a
vão o encontro e lhe offorecião os iilhinhos nos braços, (pie
idle com grande ternura passava para os seus, e com g ran d e1
a r i d a s o alinhos os tratava com nolavcl c ontenta m e nto
das m esm as m ã is; nem já o te m o r n a t u r a l da te n ra idade,
n e m a novidade do hospede os acobardava p a r a o não
seguirem, como seguião até á propria casa do P a d r e , que
a 'todos contentava e m andava com m uito pouco que p o r
d i e s repartia.
(ioin tão alegre c industriosa conducta sc ia en tra n h a n d o cada
vez m ais o caritativo Missionário nos corações daquelles b a r b a ­
ros, o hum as vezes as m u l h e re s aos m arid o s, o u tras estes ao
Principal, persuadião h u m a e m uitas vezes que não convinha
p riv arem -s e da companhia daquelle b o m P ad re , qu e tanto
cuidado tinha com clles e com tanto carinho tratav a aos
seus filh o s ; e p o rq u e os Índios da comitiva do P a d r e lhes
tinhão contado e encarecido a sua ogra nde liberalidade,* ião
logo ter com clle a pedir-lhe m achados c fouces, qu e lie o
que mais estimão p a r a a factura de suas lavouras.
Respondia-lhes com agrado, que elle não trazia mais q u e t r e s
ou q u atro m acha dos, e o u tra s tantas fouces p a r a o P rincipale
seus p a ren tes mais chegados, porém que na sua aldêa tinha
q uantidade de fe rram e nta s que podessem s n p p ri r a todos,
q u e re n d o clles ir viver na sua com panhia, livres de seus
inimigos, com grandes rocas para sc sustentare m , qu e para
clles de proposito tinha m andado fazer : boas t e r r a s p a r a
fazerem o utras, com a poderosa conveniência de s e r e m vas-
sallos de El-Rei de P o r t u g a l , que era sen h o r de g ra n d e
poder, protegia mui lo aos índios e lhes fazia particulares
m e r c ê s ; e sobretudo que lucrarião a segurança de sua sal­
vação, sendo lilhos de Deos e herdeiros do Céo, qu e seus
pais c avós não m e re cerão , e que era este h u m b e m tão supe­
rior, que só para llro com m unicar se tinha elle de ste rra d o
da sua terra c parentes, e andava e m b re n h a d o p o r aquelles
m a t o s , p o rq u e não queria qu e o diabo fosse s e n h o r das
suas almas c os atorm entasse para s e m p re no fogo do
inferno.
Abençoava Deos de ordinário estas santas industrias,
p o rq u e de tal sorte ia movendo as vontades daquelles
Reutios, q u e vendo que o P adre sc queria a p a rt a r
dclles, tomavao a resolução de o seguir, e se recolhia
a a Idea donde tinha sabido com grande n u m e r o d e almas
que ganhava para Decs, formando novas a Ideas, dando-lhes
sitio e 1erras muito accommodadas, com gra n d es roças, das
quaes se sustentassem , para que não es tra n h a s s e m logo no
principio o novo modo do vid;i, nom jam ais tivessem nio-
livo cie se lem brarem das cebolas do Kgypto, que volunta­
riam ente tinlião deixado.
i 1‘l sta era e foi sem pre a vida do venerável P adre Francisco
Pinto, c esta a forma c regim ento que inviolavelmcnle g u ar
dava este fervoroso conquistador das alm as na reduced!) de
tantos m ilhares de Rentios que inlroduzio no gremio da
Santa Igreja, c de tantos vassallos que sujeitou O bediên­
cia dos Sereníssim os Reis, motivo por que deve ser gloriosa
a sua m em ória a toda a venerável Vico-Provincia Vlo Ga­
ranhão.
CAPí TIjLO XII.
OOXTINUÃO OS PADRES MA XO EL COMES E T)IOO O N L X E S COM
O MESMO FERVOR O LOUVÁVEL EXERCÍCIO DOS S EU S MI­
N ISTÉ R IO S NA ILIIA DO MARANHÃO, E ULTIMA RESOLUÇÃO.
O LE TOMARÃO Á VISTA DOS INJUSTOS PROCEDIMENTOS
DE SEUS JÁ AMRTCIOSOS , E NÃO. MENOS ORC.ÜLIIOSOS
MORADORES.

à tra s la d a rã o dos ossos do prim oiro '.Missionário <fuo con­


tou esta nossa Missão nos deu motivo para c o r ta r de
algum a m aneira o fio á historia pelo pedir assim a exarta
chronologia dos annos. Deixámos no Cap. X os nossos.
P adres totalmcnto em bebidos na i n s t r u i r ã o das ludios
<>. no m e lh o ra m e n to das vidas dos m o rad o res da cidade
d e S. Luiz, não p e r d o a n d o a diligencia alguma para que <a
sua caridade ab ran g esse a alguns e o seu zelo a todos.
Já na nossa igreja se observava o inviolável c o stu m o das,
d o u trin a s todos os dom ingos e dias santos, a que assistião
assim Índios, como. P ortugueze s, no tini das quaes s e m p r e
se fazia alguma e x h o r ta ç ã o a c c o m m o d a d a a o s lions co s tu m e s ,
Xa Quaresma se ccmtinuavão com notável fruto, ás sextas-
feiras pelos Passos da Paixão de Christo. Nosso Senhor. Xa
Sem ana Santa sc exercião as cerem onias daquelles. dias com
a m a io r perfeição que podião, expondo-se o Santíssimo na
quinta-feira em h u m a p e q u e n a Custodia de p ra ta q u e os
P a d re s tin hão trazido d e P e rn a m b u c o , com m uita s luzes de
e r r a b ranca, e m h u m vistoso throno, e guarda de soldados,
n a igreja até á dominga da R ç s u m d ç ã o ; o que tudo obrava o
os P a d re s com especial cubo. acompanhado. h u m a s vezes d e
m ote!es p o r solta, o u tra s das m u sic a s mais alegres, co n ­
formo a occasi ã o © dia o podião.
Grão. frequentes as confissões dos mais, devotos, e os
Índios, cada vez mais s.c edificarão c ronsotidavão na fó
com a vista de tã o santas e devotas. fimcç.Oes. Isto m e s m o
com o u tra s m u d a s particularidades afíirmão c o m j u r a m e n t o
o Gapitão-mór Antonio Teixeira de Mello e Luiz d e M adu­
erim -Auditor geral da gente de g u e r ra o P r o v e d o r - m ó r d;v
IíoaI fazenda. o <11' outros m ais, rujas noticias sc aciifm cm
nosso itoiler.
Sent ia por extrem o 0 domonio, capital inimigo das alm as
0 antigo sem eador de discordias, se, adiantassem com visível
augm ento as Christandadcs, e so em endassem com conlie-
rido fruto as vidas de alguns P o rtu g u ezcs; e como sabia
m uito Item, erão os nossos Padres os unicos operarios que
trabalhavão naquella tão dilatada seára, contra d ie s procu-
rou arm ar os seus enredos e diabolicas astúcias. Entrou a
sem ear a zizania entre 0 trigo escolhido, para que, á vista do
em inente trabalho, desm aiassem os obreiros, e 0 senhor
da seára não recebesse tantos lucros.
Erão os m oradores do Maranhão naqucllo tempo a m aior
parte gente baixa, a quem falta vã o. espíritos para obrar
acções dignas de honra 0 limpas de todo 0 genero de co­
b iç a ; que era por então commoda sensualidade, 0 peecado
a quo estavão mais inclinados com evidente prejuízo de soas
almas, e horroroso escândalo dos miseráveis índios, que
erão todo 0 alvo das suas desordens, porque instigados do
mesmo demonio, a huns roubavão a honra, tirando- lhes com
abominável violência suas m ulheres e filhas ; a outros, a
liberdade no continuo exercício de hum quotidiano cati­
veiro sem mais paga que a mesma infelicidade em que o r­
dinariam ente vivião e acabavão.
Queixa vão-se os pobres e afflictos índios a seus pais e
M issionários, para que os rem issem de tão injustas vexações
0 repetidas tyrannias, allega vão-lhe 0 bom trato que recc-
bião no pocler dos;Francezes, por quem tinhão sido conser­
vados cm paz e justiça, com hum a exacta e avantajada
paga dos seus serviços, 0 quo agora experim enta vão pelo
contrario.
D avão-lhes em rosto com as grandes prom essas que lhes
íizerão em nome (FEI-Rci de Portugal, de serem tratados
com bran d u ra 0 m antidos sem pre sem violência, cheios de
m ercês o- rem unerados com grandes prêm ios, se pelo do
Portugal largassem 0 partido de França, que ollos prom pta-
monte abandonarão, 0 á custa de m uitas vidas c sangue
tinhão concorrido para a expulsão dos Francozes, cedendo
(‘is m esm as torras de que erão senhores ao sceptro p o rtu -
guez, pela conveniência do serem cm todo 0 tempo protegi­
dos das suas armas. Que 0 jugo que padecião lhes era,
Insupporlavolineiife penoso pelas violências continuas e 0.
(’ura Ião longo da sua queixa, que se vifto em term os de
entrarem em desesperarão por falta de quem lhes applicasse
o remedio.
Estas, e sem elhantes expressões, todas fundadas na razão
e justiça dos m iseráveis índios, pcnctravão de tal sorte o co­
ração dos afíligidos Missionários, que era preciso desafogar
algum as vezes o sentim ento pelo beneficio das proprias la­
grim as, ponderando com m adureza os grandes desserviços
de Deos e do Principe, que desta universal desconsolação
necessariam ente se Jiavião seguir e era bastante a m urchar
aqucllas novas plantas, perdidas as esperanças de as ver
ilorescer no jardim da Santa igreja, de que se poderião
desviar, vendo o pouco caso que se fazia do remedio da
sua desgraça.
Movidos de zelo e anim ados da justiça da causa, entrarão
os Padres a propor os meios mais suaves com que se acu­
disse á conveniência dos m oradores sem prejuízo da liber­
dade dos índios, servindo a mesma emenda de satisfação
aos grandes escândalos com que a licenciosa vida de alguns,
valendo-se da violência, lhes roubava de suas proprias casas
suas m esm as familias, com grande perigo da honestidade, e
prejuízo ainda m aior da continência.
Em nada aproveitavão as santas cxhortações dos Missio­
nários de Peos, porque o achaque tão longe estava de
adm ittir rem edies lirandos, que a corrupção de tão depra­
vados costum es pedia verdugos, e necessitava de cautérios.
Era já a este tempo failed do o grande J crony mo de Albu­
querque, na idade provecta de 7b annos, com eterna sau­
dade dos bons, e decadência visivel daqncdlasChristandades;
o posto deixasse cm sen lugar a seu íillio Antonio de Albu­
querque, herdando este o valor, prudência c acerto d o p a i,
naopôde com tudo h erd ar-lh e o respeito; nem as desordens
de Bento Maciel, que lhe foi dado por seu pai por adjunto,
eontinhao em seu vigor toda aquelia obediência e tem or que
enq devido ao seu governo.
liequeriao os Padres se pozcsssc termo a tantas violências
e se refreassem as injustiças, porque clamava o aggravo, o
dava vozes a iimocencia dos desconsolados ín d io s; porem
a inula so deteria, talvez porque os respeitos m undanos o
nao perm itl.inao, ou porque as forças não scrião por então
M!,:l(’!!'lií('s a abater bum lào desarrazoado oreulho e dos-
miieiu daqueiles m oradores.
0 quo acabou por ullimo do ap u rar a pacíoncia dos
nossos Missionários, ioi a injustiça da guerra da nação T re-
m em o, situada na costa do Maranhão entre o Perca o a
Tutoya, com o pretexto de que estes índios tinlião m orto
naquellas praias, o comido a Imns soldados da Praça <|uo
por te rra tinluio fugido para Pernam buco. Mas não era. esta
a causa germina desta sua paleada satisfarão, chegando
como chegarão vivos áqueJIa cidade os d e s e rto re s; mas
sim a grande e abom inável cobiça de que estavão possuídos,
tudo afim de terem escravos o de abrirem por este meio
hum a larga porta á injustiça dos cativeiros; peccado ori­
ginal deste hstado ja do tempo da sua prim eira fundação,
poi nao poderem nunca acabar os nossos Padres com estes
por os o servirem -se dos í ndios, como forros ; motivo por
que, além de nos perseguirem a m aior p arte do seus ha­
bitantes, sem pre nos foi desaffecta esta cidade, sem que de
nós form assem algum a o u tra queixa.
Pcm vião os m oradores do M aranhão que a sua cobica não
podia obrar como queria, sem receio, c á cara descoberta,
sendo-lhes preciso vencer obstáculos, c encobrir injustiças
que os Padres, se não rem ediavão em todo, ao m enos impe-
diao em parte, movidos da com paixão, c anim ados do zelo
com que justam ente defendiao o mesmo sangue, que em
o u tio tem po correndo das feridas em serviço das nossas
arm as, agora o querião converter aquelles povos em suor
no serviço das suas lavouras, fazendo-os gem er debaixo do
cruel jugo de hum a perpetua escravidão.
P rotestárao os Missionários que não se pondo term o a
tan tas desordens, as porião clles na presença do seu So­
berano, para que lhes applicasse o cíficaz rem edio, antes
que de todo se arruinasse o editicio daquclla já am eaçada
C hristandadc. Mas de tudo zombou a indom ita e orgulhosa
grosseria dc um vulgo taopreoccupado da sem razão, que a
nada m ais attendiu que aos interesses da sua desordenada
cobiça.
Ja a edificação, com que vião discorrer os fervorosos Pa­
dres de hum a para o utra p arte em beneficio das alm as e
augm ento da fé, se via convertida em cscandalo, a venera­
ção em desprezo, e o devido respeito a tão apostolicos va­
rões cm calum nias, falsidades c im posturas, a que nem ainda
a m esm a barbaridade se atrevia, e m uito menos him s co-
r:,í‘tfcs catholicos; pretendendo por meios tão alheios da ca-
10 'i —
l idado desconsolar os I':k Iros, c obriga-los p o r osle caminlio
,i rei ira r e m -s e a P e rn a m b u c o , para ficarem m ais á s u a von­
tade senhores absolutos do seus d e p ra v a d o s in te n to s,
Tudo solTrifio com paciência os soldados dc Christo, e era
o seu solírimenlo o m a i o r t e s t e m u n h o da sua constância, com
qu e inais senlião as alheias q u e as p ro p r ia s perseguições,
até que a p u ra d o s todos os m eios da sua malevolência, en ­
trou o povo no abom inável projecto de fazer á Camara e ao
Capilâo-mór h u m r e q u e r i m e n t o p a r a q u e se lançassem fóra
os Padres, po r que dizião, qu e c m q u a n t o eiles c u id a s s e m
dos índios, mal po d eriã o os m o r a d o r e s adianta r os s e u s in­
teresses, não sendo s e n h o r e s das aldêas, quo (dies queria o
fossem antes senzalas d e Angolanos, que ra n ch o s de gente
livre, que e r a o m e sm o qu e os P a d re s não podião consentir,
s e m manifesta injustiça dos miseráveis í n d i o s : p r o p r ie d a d e
de freneticos virarem -se contra os medicos,, que lhes applicào
os saudaveis re m é dios para a queixa.
Ccrlilieados 03 nossos P a d r e s de h u m tão pessim o p ro c e ­
dim ento, e que não podia deixar este de traz er com sigo
m u ito pesa das consequências, se o fogo daquella p e r s e g u i ­
ção, atiçado pela cobiça, levantasse m a io res c h a m m a s , não
lendo já olhos p a r a ver as insolências dos offensores, n e m
ouvidos para ouvir as ju s ta s queixas dos offendidos, vendo
impossibilitados os rem édios, frustradas as diligencias e em
perigo evidente tantas e tão florentes C h r i s t a n d a d e s , t o m a ­
rã o a resolução de b u s c a r na p re se n ç a de E l-R ei Catholico o
rem edio de tantos males; e e n tre g a n d o o pouco q u e p o s -
suião com o cuidado da casa e peq u e n a Igreja a h u m devoto
nosso, sc e m b a r c a r ã o e m h u m p ata c h o p a r a as Índias de
Castella, com g ra n d e lastima de seus corações, p o r deix arem
os seus am ados índios sujeitos ás tyrannies daquelle d ese s­
perado povo, a que o s e u zelo não podia de s o rte algum a
acudir, salvo pelo meio da protecção real, q u e com perigo
d as .próprias vidas eiles ião r e q u e r e r á côrtc de Madrid.
JNo principio do an no de 16] li l a rg a rã o aquella terra, qu e
n ã o e r a digna dc p o s s u ir varões Ião santos c Ião in can sá­
veis no serviço dc Deos, e b e m das almas. Chegarão a salva­
m e n t o ; e n as m e s m a s Índias, cheio de trabalhos, e rico de
m erecim entos acabou o P a d re Piogo Nunes a vida t e m p o r a l
para principiar a e tern a, como piam ente se p ó d c c r e r de
num sugeito tão dado á virtude e tão zeloso dos b e n s d o
proximo. 0 P adre S u p e rio r Manoel C om es p asso u a Madrid
ill,'» .

a inform ar do estado da Christandade do M aranhão a El-Rei Ca­


tholico o Sr. D. Feíippc III, com cuja m orte, que succedeu em
Março d e '1621, so alterarão os ncgocios o dem orarão total
m ente as resoluções, motivo por que no mesmo anno se r e ti­
rou para a sua Provincia do Brazil.
Resultou pouco depois da sua chegada, o m andarem -se
Religiosos da Companhia a continuar o exercício desta glo­
riosa Missão. Não faltarão com tudo fervorosos, que se o f e ­
recessem ; porém teve o prim eiro lugar na eleição, quem já ti­
nha tido na prim eira conquista da Missão da íbyapaba, p er­
tencente ao M aranhão, do seu principio até o anno de 1720,
que por ordem real passou para a Capitania de P ernam buco'
Foi este o bom Padre Luiz Figueira, ditoso com panheiro do
venerável P adre Francisco Pinto, cuja em preza, não podendo
por então pro seg u ir peia razão referida no Cap. V d este
livro, a veio agora continuar com tanta gloria desta v en erá­
vel V ice-P rovincia; frueto e augm ento conhecido da nossa
fé na gentilidade desta Ilha, e proveito espiritual de seus
m oradores, que como tinha bebido o espirito daquelle gran­
de Missionário, era para tudo o sugeito m ais apto, e para o
cultivo de tão laboriosa seára o mais perito.
D erão-lhc por com panheiro ao Padre Benedicto Amodei,
varão de conhecida santidade, e espirito de prophecia, como
adiante verem os; os quaes juntos chegarão ao M aranhão
logo no principio do anno seguinte de 1622, sendo esta a
prim eira vez, quo se interrom peu o exercício apostolico
desta Missão por pouco m ais de tres annos, que tanto vai
do tem po que os prim eiros P adres p artirão para Castella,
até áchegada dos P adres Luiz Figueira e Benedicto Amodei ao
M aranhão.
Digamos algum a cousa destes santos P adres.
0 Padre Manoel Gomes entrou na Companhia na Provín­
cia de P ortugal, d o n d e passou para o Brazil no anno de 1595,
como notou no seu Synopsis Annalium Societatis in Lusita­
nia, o P adre Antonio F ranco. A m aior p arte do tempo viveu
na America Portugueza e gastou-o no em prego das Missões,
por ser dotado de hum grande zelo da salvação das alm as ;
c porque o seu espirito não cabia em hum só Estado, p a s­
sou do do Brazil ao do Maranhão na com panhia de A lexan­
d re de Moura, que o foi conquistar do poder dos F rancezes,
em que teve não p e q u e n a p arte n o s e r v i ç o d e s e u Rei e s t e
in can sáv el o p erario , q u e ao m e sm o te m p o m ie cuidava do
14
... 11'ii ...

iR'iii ileis almas, se não esquecia de tudu u q u e podia c o n d u ­


zir ao augm ento dos re aes domínios, e gloria do seu P r i n ­
cipe.
Logrou a primazia, n ã o só d e s e r o prim e iro Religioso, se
não o prim eiro P o rtu g u e z qu e p e n e tr o u o interior da t e r r a
na conquista da Ilha do M aranhão, q u a n d o com seu com pa­
nheiro saliio a p ra tica r o Gentio T u p y n a m b á , para qu e se
voltasse ao nosso partido, com o todos á lium a íizerão, p e r ­
suadidos das razões com qu e os P a d re s os p ra tica rão , m o t i ­
vo po r que m e re c e u t e r liuma g r a n d e p a r te nesta conquista,
como testeíica a certidão de A lexandre de Moura, que atrás
c o p i á m o s : e a m e s m a p ratica foi a ca usa da entrega da
P raça, como o m e s m o g e n e ra l francez confessou ao P a d r e
Gem es.
Teve a gloria de s e r o prim eiro , que logo que sahirão os
F rancezes es tabeleceu, e f u n d o u em m e l h o r form a as Missões
d a quell a Ilha. Foi elle o que p r o m o v e u o culto divino nas
nítidas já in stru íd as, e o qu e a u g m e n t o u na cidade e n t re os
P o rtu g u e z e s com notável edificação daquelle povo, q u e tão
m al lhe pagou, os m inistérios da C om panhia; que co m elle
caritativameiite exercitava, acudindo aos presos, consolan­
d o aos enferm os, confortando aos c a h id o s , ajudando aos
m o rib u n d o s , e pacificando aos inimizados, e finalmente dig­
n o de ser re m u n e r a d o co m m e l h o r fim, qu e não tinha o u tro
m ais que o do m a io r serviço de Deos, e b e m daquelles m o ­
r a d o r e s : que n u n ca lhe po d erão tirar a gloria de ser este P a d r e
h u m de seus insignes bem feitores no p rim eiro contagio q u e
Padecerão, e de cuja caridade forão assistidos, p a r a p o r
ultim o o o b rig a r e m a saliir tão mal r e m u n e r a d o , com n o -
la vel escândalo da m e s m a gratidão.
O P adre lh o g o Nunes, além da gloria de se r com panheiro
de seu Superior o P a d r e Manoel Gomes, foi igual no espirito
e zelo, c c o - fu n d a d o r das Missões do M aranhão, e m qu e
am b o s com petião no louvável exercício dos nossos m inis­
té rio s : se d istin g u io p artic iilarm c n te n a conservação e r e d u c ç ã o
dos Índios T u p y n a m b á s , a q u e m era grato, e com conhecida
v a n ta g e m eloquente no idioma. P o r esta causa, e pelo
m uito que era aceito dos Índios, tinha feito varias e n tra d a s
110 1(10 b r a n d e , Jaguarybe e Geará, com g ra n d e fruto e
augmento da C hristandade da Capitania de P e rn a m b u c o ; e a
elle se devem as pazes, que com g r a n d e conveniência
daqueUe Fstado se Íizerão com os Índios, q u e depois c o n -
~ 107 — •
firm ou com m aior soiem nidade o Venerável Padre Francisic
Pinto.
Finalm ente foi este Padre o prim eiro Missionário que a c a ­
bou a vida depois da conquista de M aranhão, que pela
desattcnção de seus m oradores não m ereceu gozar dos
ossos de hum tão apostolico v a rã o , pagando com in­
gratidões a quem tanto os tinha obrigado com benefí­
cios. Será para nós eterna a m em oria dè hum tão insigne
Missionário, e não pequeno o sentim ento de não poderm os
fazer deflo e seu com panheiro mais dilatada lem brança,
como m erecião os relevantes m erecim entos destes prim eiros
operários da vinha do Senhor.
E porque parece preciso sustentar serem d ie s os pri ­
m eiros Missionários depois da sabida dos Francezes, que
estabelecerão e cultivarão as a ideas da Ilha do Maranhão,
seja-m e licito relatar successivam ente a entrada de todas as
sagradas Religiões, que se achão neste E stado, conforme
a exacta chronologia de seus princípios.
CAPITULO XIII.
NOTICIAS CHRONOLOGIC AS DO TEM PO EM QUE A COMPA­
NHIA E MAIS R E L IG IÕ E S SAGRADAS ENTRARÃO NO
ESTADO DO MARANHÃO.

Deu occasião a e x p e n d e r esta noticia no pre sente capitulo


h u m libello, que e n tre o utros papeis achei, no nosso c a r­
t o n o do Collegio do P a rá . Foi elle feito a re q u erim en to do
m uito R everendo P a d r e Commissario da Sera fica Religião
re fo rm ad a de Santo Antonio, no qual p re te n d ia justificar
p e r a n te o Ouvidor Geral da dita cidade, serem os seus R e ­
ligiosos os prim eiros Missionários qu e en tra rã o no E stado o
nolle estabelecerão Missões, re d u z in d o -a s ao grem io da
Santa Igreja. Mandou o ministro que justificasse, citados
os Prelados das mais Religiões. Foi vista deste libello ao S u­
p e r io r da Companhia, q u e então era o P ad re Antonio Coelho,
de bo a m em oria, que julgando não ser esta questão para
sem elhantes íribunacs, e que o tem po qu e poderia g a s ta r
neste litigio o poderia e m p re g a r m e l h o r em cousas de
m a io r m om ento, desistio po r então da re sposta , com o p r e ­
texto de o poder fazer cru qualquer tem p o que o sobredito
libello produzisse algum cffeito em prejuízo da Com panhia;
p o r q u e então m o straria o grande engano q u e havia em
m uitos dos artigos que offerecia o Reverendissimo Comis­
sário. provando com evidencia, serem os Religiosos da Com­
panhia de Jesus os prim eiros Missionários que e n t ra rã o no
E stado do Maranhão. Com esta resposta, e protesto do Su­
p e rio r de toda a Missão, se pôz da nossa parte fim ao s o ­
b re d ito libello, e cuido q u e tam bém da p a r te dos R ev eren ­
díssimos Religiosos de Santo Antonio, p o r não e n c o n t r a r
noticia pela qual conste chegasse ao fim a p re te ndida j u s ­
tificação.
A Religião da Companhia foi, e será s e m p r e a m inim a
entre as mais Religiões, o neste sentido, e pela sua anti­
quissima funda rão não duvido, nem posso d u v id a r s e r a Re­
ligião Serafica, e seus edificativos e s e m p r e veneráveis filhos
primeiros que os nossos, assim na profissão de In stitu to ,
tutiiio em illusi i or o m undo com os raies da sua sabia o
puríssim a d o u trin a : porém quanto á entrada na Capitania
do Maranhão, rabeca que foi sem pre do Estado até o anno
175-1, forão os Padres da Companhia os prim eiros operarios
evangélicos que o Soberano Pai de familias m andou para a
sua vinha, no tem po que a povoarão os Portuguezes. Não
negam os que forão no dos Francezes os Religiosos B arba-
dinhos, benem eriíos filhos do grande Padre S. Francisco, os
prim eiros Religiosos que en trarão naquella ilha e edificarão
m uito aos naturaes, mais com exemplo e santas obras que
com palavras, por não saberem ainda a lingua dos ria tu­
rn es : requisito m uito essencial para o estabelecim ento de
novas povoações, ou m udança das já fundadas pelos m es­
m os Índios, como fizerão os nossos Padres, pela grande
perícia que tinhão da lingua brazilica, que era a propria
dos Tupynam bás daquella ilha, e pela qual se movião e pra-
ticavão com efficacia aquelles barbaros.
Nem o Reverendissim o Comissário poderia em tempo
algum escurecer com a sua justificação a verdade de alguns
antigos historiadores, que escreverão do principio do "Ma­
ranhão, e m uito m enos os assentos authenticos, que se
achãonos livros das Camaras desta, e da cidade do Pará; por
cuja causa protesto não se r outra a m inha tenção neste capi­
tulo, que offerecer aos leitores hum a verdadeira e sincera
noticia chronologica da entrada da nossa Companhia no Es­
tad o do M aranhão, e das noticias, que se poderão alcançar
das entradas das outras Sagradas Religiões no mesmo Es­
tad o , segundo o que achám os nas nossas antigas m em orias.
No anno de 4607 estabeleceu e fundou para Christo, o
Venerável P adre Francisco Pinto, com seu com panheiro o
P adre Luiz Figueira, a Missão da serra da Ibyapaba, perten­
cente ao Estado do M aranhão até o armo de 4720, em que o
P adre João Guedes, da nossa Companhia da Provincia do
Brazil, e Allemão de nação, com quem tratei no Ceará, onde
por então se achava no nosso Real Hospício, alcançou do
Fidelissim o Sr. D. João V, de gloriosa m em oria, ficasse
pertencendo á Com panhia de Pernam buco ; e já tem os os
Religiosos da Companhia fundando Missão na Capitania do
M aranhão (n o anno 1 6 0 7 ) antes dos Reverendissim os
Barbadinhos. Logo no anno seguinte de 1608, despedido da
S erra e com dons d i a s B e v i a g e m e m dem anda cia Ilha d o
M a r a n h ã o , foi m o r t o no ram inh o pelos Ta carijó s, gente
.110 -

barbara e infiel, nioiivo por que v e n d o - s e só o P a d re Fi­


gueira, e sem o aliar portátil, que roubarão aquelles sacri­
legos, se voltou para Pernam buco. Em 1615, sendo m an­
dado o Capitão-m ór A lexandre de Moura a conquistar o
Maranhão do poder dos Francezes, pedio o Governador do
Estado do Brazil, G aspar de Souza, ao nosso Provincial
daquella Provincia m andasse alguns dos seus Religiosos
naquella arm ada a fundar as Missões daquella ilha em bene­
ficio da Cbristandade, pelo ordenar assim Sua Magestade
El-Rei Catholico.
Forão nom eados para prim eiros conquistadores daquelle
Genlilismo os dons fervorosos Padres Manoel Gomes e
Pingo Nunes, e antes que a arm ada entrasse a barra,
forão m andados pelo C apitão-m ór com alguns índios,
que os P adres levavão, daquella mesma nação, a praticar os
naturaes da terra para os reduzirem , como lizerão , ao
nosso partido, sendo nesta occasião os P adres os prim eiros
Religiosos portuguezes que discorrerão pelo interior da
Ilha do M aranhão.
Retirados para seu paiz os Francezes, querendo Alexandre
dc Moura estabelecer os nossos Padres naquella ilha, con-
iorrne as ordens que trazia do seu Governador, e ser esta a
vontade do Serenissimo Sr. D. Felippe III, assignou para
vivenda dos ditos Padres que liavião ficar naquella te rra, o
m esm o Hospício que tinha sido dos Religiosos Capuchinhos
Francezes, que estava não muito longe do forte S. Luiz,
levantado ju n to do palacio onde hoje assistem os Governa­
dores ; cujo Hospício se achava situado no lugar onde
depois fundarão os nossos o Collegio de Nossa Senhora da
Luz, para nelle se recolherem , e delle sahirem á propagação
do Evangelho pelas aldêas que depois fundarão em lugares
m ais accommodados e de m elhor conveniência, assim para
os índios como para os m oradores, a quem tam bém ajudavão
em tudo o que pertencia ao bem de suas alm as, e ajuda dos
corpos nas suas necessidades e doenças.
Nestes santos exercícios se occupárão com snmma edifi­
cação e mcansavel zelo até ao anno de 1619, em que
ontiando já a cobiça c a sensualidade a dom inar aquelle
povo, entiou por conseguinte a desordem a o b rar tão péssi­
mos effeitos pelo que pertencia á conservação daquella
m iistandade, que se virão obrigados aquelles solícitos
pnstoros a buscar o rem edio das suas ovelhas na córte de
Madrid, já que o não podião conseguir na cidade do M ara­
n h ão ; e por esta causa íicou o Maranhão sem Religiosos da
Companhia até Marro do anno de 1622, em que chegarão a
continuar a posse da m esm a casa, que os prim eiros tinhão
deixado, os Padres Luiz Figueira e Benedicto Amodei, vindo
depois no anno de 162-4 para os ajudar o Padre Lopo do
Couto com um Irm ão coadjutor.
Com estes M issionários e algum outro com que se foi
sem pre fornecendo esta Missão, foi continuando successiva-
m ente a Companhia no M aranhão até ao anno de 1649, em
que os indom itos Tapuyas U ruatys m atarão no rio Itap u cu rú
aos nossos P adres Francisco Pires e Manoel Moniz, e ao
Irm ão João de Almeida, que tinha estado no Collegio de
Santo Antao, segundo a noticia antiquissim a que achei es-
cripta no cartorio do P ará, porque o prim eiro Irm ão que
tinha vinclo ao Brazil com o Padre Lopo do Couto já era
fallecido.
P o r m orte destes Religiosos faltárão os nossos no Mara­
nhão por espaço de tre s annos, até o anno de 4652, em que
chegou áquella cidade um a grandiosa Missão com os P adres
Francisco Yelloso e João de Souto-M aior, com m ais oito
com panheiros, que o grande Padre Vieira, S uperior já então
de toda esta Missão, m andou diante ; e elle depois chegou
com mais tres Padres logo no principio do anno seguinte de
1653, aos 4 7 de Janeiro, pelas 5 horas da tarde, dia sem pre
m em orável e felicissimo p ara a Vice-Provincia do M aranhão.
E deste tem po em diante nunca faltou neste Estado a Com­
panhia de Jesu s, que não obstante, am otinados e cegos da
cobiça, lançassem os m oradores fóra a prim eira vez aos
nossos Padres, em 4661, quando segunda vez (tudo por
defenderem a liberdade dos índios) repetirão a m esm a inso­
lência em 4684, seguindo o mesmo exemplo os do P ará na
resolução, não teve aquella eííeito na execução. Assim
forão sem pre continuando os nossos M issionários no exercí­
cio de suas apostólicas Missões cheias de trabalhos, ven­
cendo difficuldades, supportando injurias e tolerando as
m aiores violências, tudo afim de conservarem tantas e tão
dilatadas C hristandades, e não deixarem expostas á voracidade
de tantos e tão fam intos lobos as suas amadas ovelhas, que
com immensas fadigas tinhão conduzido para o fertilissim o
aprisco da Santa Igreja.
Aão nos faltará occasião nesta historia em que, apezar
da mesma ninuiaçao, lenha seu lugar a verdade, e o proprio
m erecimento seu devido prêmio, não sendo já tão fracos os
documentos, que, além de provar, não deixão de autorisnr
nossos escriptos. A certidão authentica de Alexandre de
Moura, primeiro Capitão-mór do Maranhão, e q u e a elle veio
com um a a r m a d a lançar tora os F ra n c e z c s, clararnento
prova serem os P a d re s Manoel Gomes e Diogo Nunes os
primeiros Missionários que e n t ra rã o n e s t a conquista espiri­
tual, corno sc deixa ver no Gap. JX. 0 m e s m o confirma no
Gap. X deste m e s m o livro a carta do P a d r e S up erio r Manoel
Gomes ao seu P ad re Provincial, c o dá muito b em a en te n d e r
a Historia Pontifical (Parte 5a, Liv. IX, Cap, VI i b i ) . T r a d u ­
zida delineate , diz : —- Tem o Maranhão nove aldêas de
T u p y n a m b á s ..... os q u ae s desejão ser Christãos, os c a te -
cliisão os P adre s da C om panhia, c esperão Religiosos C apu­
chinhos e Carmelitas Observantes. — E como o seu a u to r
confessa v a le r -s e , para esta noticia, da relação de Simão
Estacão, q u e de P o rtu g a l passou ao Maranhão e m 1613, e
foi h u m dos valorosos cabos qu e ajudou a la n ç a r fóra da
ilha os Francezes, não fica a nossa asserção tão destituída
de verdade que n ã o conte por si u m sugeito c o n te m p o râ n e o
da m e s m a assistência dos nossos prim eiros P a d r e s , e p o r
conseguinte desfeita a pretendida primazia dos R everendos
Religiosos de Santo Antonio.
Deixo o u tro s m uitos docum entos que se achão re g istad o s
nos cartorios a que pertencem , po r n ã o enfastia r os leito­
res com h u m a digressão tão prolixa ; e q u e r o r e m a t a r p a r a
confirmação do tudo com h u m a m u ito real prova, p o r
ser firm ada com a real m ão do Serenissimo Rei o S en h o r
D. P e d ro , pai clementíssimo de toda a Missão e Christanda -
des do Estado do M aranhão.
Diz elle assim, depois de h u m a m a d u r a informação p o r
m inistros de letras e e x p e r i e n d a do E s ta d o :
« Antonio de A lbuquerque Coelho d e Carvalho. -.. E u
El-Reá vos envio m uito s a u d a r . — Considerando e u que os
Padres da Companhia não p o d e m satisfazer a to d a s as Mis­
sões de que sao e n c arre g ad o s, assim pelo q u e elíes m e
re presenta rão, como p o r m e pedire m especialmente que os
houvesse de alliviar das que pertencem ao Cabo do Norte,
inculcando-me p a r a ellas os Religiosos de S anto Antonio,
pela com m unicação e entrada que te m com os índios q u e
oocupa o estas ferras, e por lerem da parte delias hum
i Iosp ie io o varias re sid e n d a s; e m andando vèr esto negocio
11:1 J,m ta tias Missões, em presença de Comes lH vuV de
Andrade, o sendo-mo presente pela dita Junta que eu devia
condescenoer na petição dos P adres da Companhia, o m a n ­
dai sep arar districtos, assim para elles, como para os de
Nanto Antonio e tam bém para os da Piedade, mie a m in
novam ente vão trata r das Missões, e para as quaes mandei
lazer hum Hospício junto da fortaleza do (ínrupá ■
« Km servido resolver a dita separação dos districtos o
de encarregar aos Padres do Santo Antonio as Missões do
Labo do Norte, tudo da m aneira seguinte:
;c Aos Pa(lrcs <Ki Com pan! lia mando’assigiialar por districto
l,n i|o 0 (!"e iica para o sul do rio das Amazonas, term in a-
do pela m argem do mesmo rio, e sem lim itarão para o
interior dos sertões, por ser a parte principal e de m aiores
consequências do Estado, pela razão de serem os mais anli-
■!os , ^ 0 Pe *a Crail,l(' attencào (pio m erecem as suas
grandes virtudes.
/< Aos Padres de Santo Antonio mando assignalar por dis­
tricto tudo o quo fica ao n o rte do mesmo rio das Amazonas,
para que discorrendo pela m argem do dito rio, com prehen­
dendo os n o s do Járy, do P aru, c a a idea de U rubúcuára
que he Missão dos P adres da Companhia, nella se lim itará
o districto dos ditos Religiosos de Santo A ntonio; quanto ao
< ito rio das A m azonas... (Continua a carta assigna laudo os
mais districtos pelo norte do rio das Amazonas pelos mais
Religiosos.)
« Rada em Lisboa aos 19 de Marco cie 4093.— R e i . »
Roboram os mais esta inconcussa verdade com a secunda
carta do m esm o Serenissim o Monarcha ao nosso P adre'A n to-
mo Coelho, Superior que então era de toda a Missão pela
occasum de terem os nossos Religiosos, por falta de sugeitos
largado algum as aldeas ás outras sagradas religiões.
5 Antonio Coelho.— Eu El-Rei vos envio m uito saudar __
foi-m e presente a vossa carta de 5 de Julho do anno passado,
e conhecendo o zelo com que escrevestes, não lie novo di­
zer-vos a estim ação que faço da vossa pessoa, pelas virtu­
des que cm vos concorrem o cargo que occupais; porém
nao posso deixar do vos dizer tam bém que foi para m ini
m uito sensível a acçao quo o brarão os vossos Religiosos de
largarem as aldeas, sem me darem prim eiro conta, não po­
dendo ser causa deixarem de ter sugeiíos para cilas de-
/A
vendo previnir esta falta muito antieipadam ente, para so não
sruuii' maior prejuízo, se os Prelados das outras religiões
se não encarregassem desta obrigaçao.
.( Os Padres da Companhia forâo os prim eiros fundado-
svs das Missões desse Fstado, o tem sido o exem plar de.
iodos os Missionários, pelo que não dovião deixar a seára
que por tantos annos tinhão cultivado.
« lie tudo espero o rem edio pela vossa direcção, com a
certeza de que mc não chegará noticia que p o s s a fazer menor
o agrado que sem pre de mim liverão e lião de ter os vossos
Religiosos.
«( Inscripta cm Lisboa a 21 de Abril de 1702.— R e i . »
Insta real declaração lie para mim o mais valente teste­
munho da verdade (pio proseguim os, c que não poderá con­
trastar sem hum grande cscandalo ; embora menos conformo
aos eruditos aima.es do grande escriptor Rernardo Pereira
de Rcrredo, que a ter diante de si os docum entos em que
so estriba a nossa asseveração, não faltaria ao devido res­
peito das duas rcacs cartas; c por conseguinte não negaria
ã Companhia hum a gloria de que se fez credor o m ereci­
mento de seus prim eiros filhos, attribuimlo á outra sagrada
religião o que foi proprio da nossa Companhia, pelos fun­
damentos já allcgados aos quaes parece se não oppõe a
vinda dos reverendos Cadres Frei Cosme de S. Damião e Frei
Manoel da Piedade; que posto viessem com Jeronym o de
Albuquerque, não passou por então a sua occupaçâo de
Cnpcllães da pequena arm ada, cm que depois voltarão para
Pernambuco, por não constar que os ditos Religiosos pene­
irassem o interior da Ilha do Maranhão, na qual apenas
occupavão os nossos Portuguezcs o forte de Itapary, na
bahia de S. José; e só na chegada do Capitão Alexandre do
Moura, depois de ganhada a cidade, entrarão nella com os
nossos Padres os ditos Religiosos, som a incumbência porém
do cuidado das Christandades da dita ilha; porque este o
tinha entregue por ordem de Sua Mageslade Catholica o
Capitào-Ceneral do Fstado do brazil Caspar do Souza aos
nossos Padres Manoel Comes e Piogo Aunos, como se po­
derá vòr no decurso desta historia.
Além do que o Hospício dos Reverendos Capuchinhos
Franceses foi dado aos nossos Padres depois da partida
daquelles para o remo de França e dos Reverendos Frei
Cosmo o 1- rei Manoel para a sua Provincia do Prazi!, nas
i !;,
m e s m a s e m b .m m o d e s e m q u e v i n ^ o p o r C a p e ilã e s , o qim
f ° ía ™ . 0 C apitão -m ór A lexandre de M o ura se os ditos
<l0lls R e l i g i o s o s h o u v e s s e m d e H e a r n a q m M l a c i d a d e p a r a o
<jue s o n a preciso t r a z e r e m , o u o r d e m d e Sua M a ç o s t a d e o u
m G o v e rn a d o r o C apitao-general em seu nom e.
Aão obsta ao que dizemos o afiirm ar (talvez por jaPa de
31utlC!a o Reverendo Padre Mestre Frei Gabriel do E soi-
11fo Santo, no principio do seu livro que deu á estam pa —Jar-
obra posthum a do Reverendissimo
t m Ghristovao de Lisboa, com monos attenção, a prom pta
obediência com que os Religiosos da Companhia se occnpão
sem escusa em tudo o cpie lie do maior serviço de Reos e
nem das almas, nao as desam parando , deixando-as sem
b f f j b 8em 08 intim idarem trabalhos, nem os acobardarem
(üííicm dades, dizendo o contrario o dito Reverendo Padre
nas palavras ibi, pag. 10a, col. d - «No anno d e d b U o„-
xernando a igreja de Dcos Paulo V, e estes Reinos El-Rei
jelippe 111 de Jlespanlia, determ inando a Gaspar de Souza,
L overnador então do Brazil, que m andasse lançar os Fran-
iezes 0 Inglezes lora do M aranhão; m andou o dito Gover­
n ador a Jcronymo de Albuquerque por C apitão-m ór ■ e
pedindo este a certa Religião sugcitos, escusando-se estes,
aceitarao os nossos, por sor difficultosa a em preza. Forão
destinados dons Religiosos de grande virtude e zelo Frei
Cosme do S. Damião o Frei Manoel, da Piedade, os quaes se
houvera o de m aneira, que nas doenças, fomes e perim s
de seus com panheiros, forão, depois de Reos, o único rem e-
dm e consolação, e ücárão todos tão edificados de seus
procedim entos, que pedirão a El-Rei o á Provincia quizes-
sem assistir-Uics com m ais Religiosos delia para su a conso­
a d o . 1 elo que cm o anuo de 1Ü17 forão m andados desta
f f ováeniáe El-Rei Felippe III (não aceitando
os 1 ad ies da Companhia, que então se offcrecêrão para esta
m issão, como sem pre), quatro Religiosos, etc. »
c a q u i o Reverendo Padre M estre; o que não parece
verosím il pela contradicção que em si envolve esta sua no-
ticia, porque dizer este Seraphico F scrip tor que os sens
Religiosos aceitarao porque os nossos se escusarão; e loeo
am ante dizer que os P adres da Companhia se olforecerão
L"Jmo scmP>\ be o m esm o que destruir liuinas palavras corn
m irras, isto he, sc emmrao, se offereoorão, nomo semmv.
ao que parece, se porte inferir do que refere o Re ve-
rendo M c s í r o ; m a s o q u e <i Tj o a e n t e n d e r assuas
j ii o .s m n s p a l a v r a s c/tT"ri
sera o<\ que
ítíi!'. nao
simi n /WT‘n n hos)
negam c rque
nif’ d õl l S
nom eados Religiosos vicrão por Ca pel 1Tios da arm ada do
Jeronymo do A lbuquerque, e pelo born que forào tratados
defies, os soldados, que depois povoarão o M aranhão, os
pedirão a Sua Magestade Catholica ; resultando desta sua
pelieão o ircra os quatro Religiosos de que acima faz m enção
o lleverendissim o Padre Mestre Frei Gabriel do Espirito
S an to : e n e s la arm ada de Jeronym o de A lbuquerque he que
depois voltarão os Reverendos Padres Frei Cosme de S. i)a~
m ião c Frei Manoel da Piedade para Pernambuco com Ale­
xandre. de M oura, visto íicarcm no Maranhão os nossos
Padres Manoel Comes e Piogo Nunes por ordem de Sua
Magestade.
Faça o leitor rcllexão nas j)alavras do autor , que
r.laram ente dão a entender serem os soldados da dita arm ada
os com panheiros, que, vindo com jeronym o de A lbuquerque,
experim entarão na caridade de tão fervorosos Religiosos
carinhos de pai e assistências de irm ão, de que m uito edifi­
cados, quando depois senhorearão e povoarão de novo a ilha
do Maranhão, os pedirão a Sua Magestade Catholica D. F e-
lippe ill, como se colhe do contexto da narração ; porque
não crão os índios das aldôas os com panheiros, quando só
lhes poderia com petir o nome de neophitos, que como taes
se faz inrrivcl podossem já pedir á Corte de Madrid, e á
exem plarissim a Provincia sugcitos tão benem éritos. Nem he
de crer usasse hum escriptor tão polido de uma palavra tão
im p ro p ria; além de que, nem a certidão expendida e carta
do Padre Manoel Comes, nem a H istoria Pontifical, nem o
Real Oráculo, nem as mais razões e congruências, que
apontám os, perm itiem aílirm ar o contrario, sem gravissim a
injustiça da gloria que aos filhos da Companhia resulta de
serem dies os prim eiros Missionários que estabelecerão e
fundarão Missões no Estado do Maranhão, como ja m o strá­
m os, por nos cham ar a curiosidade de saberm os a entrada
e princípios das outras religiosas e sagradas famílias.
E principiando pela sagrada e seraphica Religião de
S. Francisco, não nego serem os quatro Religosos B arbadi-
nhos. Superior de todos o Reverendo P adre Frei Cláudio
de Abbeville, os prim eiros que se estabelecerão na Ilha do Ma-
caulino no tem po cm que foi occupada pela nação franceza
no annn de I M P : depois no anuo de K ild, em a pequena
Ii7

armada i!;’ -i.*r<)i<\m u uc /u b iiquorque, vio rã o os duns 'ier-


vorosos iSeliii'iosus Froi Cosme do S. P am ião o Frei i\!anocí
da fiiedado. quo, lomada a Cidade cum a chegada do Capitão
m ú r Alexandre do aloura, assistirão com os Reverendissimos
Barbadinltos. ató que estes so recolherão para França , o
olios via m e sm a a rm a d a p ara P e rn a m b u c o E p o rq u e os
soldados, como já d is s e m o s , tin lião recebido destes dous
caritativos Religiosos d em onstrações muito proprias do seu
zído e f e r v o r , vendo-se já m o ra d o re s daqucila nova eon-
<juista. pedirão a .leronvmo de A lbu q u erq u e significasse a
Sua Magestade Catholica o m uito que convinha áq u cü a Cidade
a assistência do lao ediíieativos Religiosos : em virtude da
qual rep resen tação ibrão m a n d ad o s para o Maranhão o Re­
verendissimo Frei Antonio da Meroiana, Commissario ou
Custodio, com mais Ires fervorosos co m panheiros, que c h e ­
garão ao P a i a em 1617 o fu n d arão o seu prim eiro Hospício
no sitio de Una, pouco distante da cidade.
Chegou o anno de 1624', cm que foi nom eado para p ri­
m eiro Governador deste Estado (por estar já separado do
do Brazil) Francisco Coelho de Carvalho, Fidalgo benem erito
e de distincto m erecim ento, que no dito anno de 1624 partio
de Lisboa com um navio m ais de sua conserva, levando na
sua com panhia hum bom soccorro de Religiosos da exem ­
plarissim a Provincia de Santo Antonio, Com m issario de todos
o Reverendissim o Frei Christovão de Lisboa, varão em inente
em letras e de conhecida santidade, cujo fervor o tinha con­
duzido a hum a tão louvável resolução, cm que esperava
fazer grandes serviços a Deos em beneficio das almas de
todo a quelle Gentilismo.
Gomo o G overnador levasse na sua instrucção o tom ar
prim eiro Pernam buco, forão taes as dem oras" que em ba­
raçarão a ultim a d erro ta de Francisco Coelho de C ar-
Aalho, que não cabendo já em si o fervoroso espirito de
tão apostolico operario, tom ou o expediente de p artir de
Pernam buco para o M aranhão em hu m barco de coberta ;
o que executou em Julho com dezeseis com panheiros ,
alguns da Custodia do Brazil, insignes na lingua brazilica,
buns e outros de hum a conhecida santidade. Chegando fi­
nalm ente a S. Luiz em Agosto do mesmo anno, em que deu
principio ao prim eiro Gonventinho que teve esta sagrada c
venerável familia . que, acabado a m ilagres da sua rara
virtude, deixou nolle p or p rim e iro Guardião ao excellente va-
rão Frei AnLonio da Trindade; partindo no armo seguinte de
1625 p a r a o Pará a com m uniear a todos o suavissimo cheiro
de s u a s grandes virtudes, peias quaes m ereceu, sendo actual
Guardião de Santo Antonio do Curral, o ser nomeado pela
Magcstade do Serenissimo Sr. D. João ÍV, de saudosa m em o­
r i a , Bispo de Angola, em Dezembro de 1642; posto que a
m orto de tão esclarecido varão roubasse á sua Religião a
gloria, e áquelle Bispado a honra de hum tão grande e edi-
íicativo Prelado.
Da esclarecida e sem pre observante Familia do em inente
Aíonto do Carmo, não pude averiguar o anuo certo da sua
entrada, mas tão sóm ente, que vierão de Pernam buco tres
■filhos desta Sagrada Ordem na companhia do R everendis­
simo Padre Frei Christovão de Lisboa, no anno de 1624;
o que estes Religiosos assistirão no M aranhão, sendo pri­
meiro Prelado o Reverendo Padre Frei André da Nativi­
dade, que do Brazil viera fundar hum Convento no Maranhão,
como fundou em 1627, trazendo comsigo o Reverendo P adre
Frei Antonio de Santa Maria. Mas nada disto encontra o que
acima dissem os, de que prim eiro fundámos aldèas ; pois as
fundámos prim eiro que casa ou Collegio na Ilha do Ma­
ranhão, motivo por que, á vista dos fundam entos já expen­
didos, me parece nos concederão com o Reverendissim o
Padre Frei Marcos de Guadalaxára, Religioso Carmelita, e
exaclo H istoriador, na Quinta Parte da Historia Pontifical,
a honra de prim eiros Missionários do M aranhão. Depois no
anuo de 1627, convidando BentoMaciel P arente, que tam bém
loi Governador do Estado, aoR everendssim o Frei Francisco da
Purificação, Vigário Provincial que então era, para que fosse
fundar hum convento de sua ordem na cidade do Pará, lhes
iez doação de suas proprias casas, que erão das m elhores
(laquellc tem po, por serem de taipa de pillão, sitas no fim da
rua do N o rte ; onde hoje existe hum soberbo Convento, e
num a magnifica Igreja, que será das m elhores desta nobi­
líssima cidade, se a princípios tão nobres, e a sym etria adm i­
rável com que se vai erigindo, corresponderem os desejados
Jins e louváveis intentos de seus diligentíssimos Prelados
Segue-se a Sagrada, Real, e Militar ordem de Nossa
Senhora das Merces, de que apenas pude ter noticia, que a
sna cntiada no Para tora no tempo que governava o
ceuio de Portugal D. Felippe IV. Rei de Castella : e que che-
g,u:t0 ;! lVta culí,do em dezem bro de 4630, na com panhia
— nu
do ri nossos Padres Ghrislovão da Cunha o André de A hiéda,
partindo lodos de Quilo com o Capitão-mór o g r a n d e Pedro
Teixeira: que linha sabido do P ará ao d esco b rim en to do
rio das Amazonas cm Outubro de 1037, em 45 can o as do
seu tran sp o rte. Porão estes o P a d r e Frei P edro Oirnc, e seu
companheiro, que bebendo do g ran d e espirito do sem p re
esclarecido e abrazado Nolasco, seu santo fun d ad o r, esti­
m ulados do cílicaz exemplo da sua Illustre Provincia, tinhão
descido afim de se e m p re g a re m na salvação das almas, o
conversão de tão iunumeraveis Gentios, pelo m uito que
tinhão ouvido dos novos descobridores, causa q u e forão
de liuma tão gloriosa c cdiíicativa reso lu çã o ; para o que
derão logo principio ao estabelecimento da sua venerável
Religião, assim nesta, como na cidade de S. Luiz, que depois
ennobrccêrão com muitos sábios, e escolhidos operarios.
Foi finalmeiUc a Religião reform ada de S. Francisco da
Provincia da Piedade a ultim a que entrou neste Estado
por m andado do Serenissimo Rei o Sr. D. Pedro, Pai am a­
bilissimo dos Religiosos, e de toda esta ühristandade, como
consta da sua real carta, de que neste mesmo capitulo fizemos
menção : e em bora fossem estes os ultim os operarios desta
laboriosa vinha do Senhor, nem por isso deixarão de m erecer
o jornal que o vigilantissimo Pai de Familias m andou dar aos
outros o p e ra rio s ; porque não só os igualarão nos serviços,
senão que sc fizorão benem eritos, como os m ais, pelas suas
singulares virtudes, c zelo com que procedem na salvação
das alm as e edificação dos proxim os, tirando m uitos bar­
baros da espessura dos m atos para o rebanho de Jesus
Christo, não lhes faltando com o pasto do sua solida e cdi­
íicativa D outrina.
Mandando o Augustissim o Principe fundar da sua real
fazenda hum Hospício no G um pá, e por carta de 10 de
Dezembro de 1697, escripta ao G overnador do Estado, An­
tonio de A lbuquerque, lhe ordenou não im pedisse fun­
darem pela licença que de novo lhes concedia hum Hospício
de enferm aria no lugar de S. José, suburbio da cidade do
Pará, a expensas do C apitão-m or Hylario de Souza, pela cor­
dial devoção que elle e sua m ulher tinhão a estes servos
de Deos ; enja real carta tive na minha m ão, c se acha o
traslado authentico no cartorio destes Reverendissim os Re­
ligiosos, e são as duas unicas casas que tem na Capitania
do Pará. A caria he a seguinta, que se acha na secretaria
deste Estado, no maço oitavo.
■'«' An lo ii io d e A l b u q u e r q u e C o e i Ito d e C a r v a l h o , A inigo.—
Ku K1-1 Ici vos envio um ilo s a u d a r .
« Tendo consideração ao que rep resen to u a Ju n ia das '.\iis­
sues, de se a c h a r a ohra do Hospício, (jue se m an d o u fazer
no G urupá [tara os Religiosos da Piedade, nos [trimeiros
alicerces, e q u e os ditos P adres se aeiuivão com gran d e
desconsolarão por lhes fali ar, não só a coim nodidade ne­
cessaria p ara a vida, mas a clau su ra da m e sm a vida reli­
giosa quo professão, sendo o seu procedimento m uito
ex em p lar en tre lodos os Missionários, e a sua assistência do
g ran d e utilidade para o bem das almas a q u e m o adiniuis-
trào : e que já pela opinião q u e delles gontlm ente se tem,
e devoção que lhes tinha o Capitão iiylario de Souza, lhes
deixou em seu testamento luirna ermida, que fabricou em
pouca distancia da cidade do Pará, para ju n to delia fazerem
enfermaria p a ra os doentes q u e viessem do sertão, com
obrigação de sua m u lh e r os su sten ta r, em quanto viva, c de
lhes lazer casas em que assis!ão sem pre dons lleligiosos ; e
por m o rte de sua m u lh er, 50$00t) todos os annos p ara
sua ordinaria :
Hei po r bom, que o dito Hospício, qu e no G u ru p á so
m a n d o u fazei- para os ditos P a d r e s da Piedade, se acabe com
toda a b revidade, e de conc eder licença para o s e g u n d o da
enferm aria, qu e lhes deixou o di(o iiylario de Souza, de
q u e vos aviso, p a r a quo laçais ex e c u ta r esta m i n h a re so lu ­
ção na parte q u e toca a se a c a b a r o Hospício, q u e se m a n ­
d o u lazer p a r a estes P a d r e s no G urupá ; e p a r a q u e não
empeçais o seg u n d o da enferm aria, que lhes deixou o dito
Iiylario de Souza, antes lhes deis to d a a ajuda e favor p a r a
qu e se consiga. Escripta em Lisboa a 10 de Dezembro de
1007. — H ei— O Conde, de A! ror, P re s id e n te .»
Estas são as noticias, qu e p u d e alcançar das e n tra d a s de
todas as Veneráveis fam ilias no Maranhão e Pará • e pelo
qu e toca a da Companhia posso a ííirm ar com a m a i o r since­
ridade, despido de toda a h u m a n a paixão, q u e foi averi­
guado com p articu la r estudo q u a n to iica escripto nesta m a ­
téria, so com intento de m o s t r a r a verdade, sem o m inim o
desvanecimento de vencedor pela parte affirmativa d esta
nossa primazia: quo no mais q u e i m o diz a cila respeito se
comessa e confessara s e m p re a Companhia a m inim a e n t r e
0 . as n}ais S ag ra d as Religiões, de q u e m clesejára t e r a s
mais verdadeiras noticias d o s e u s cartórios p a r a as e s -
'tampar nes in historia, c protestando quo so deltas so des
viar o que dizemos, pelas não alcançar m elhores, de ne­
nhum a sorte me quero oppôr aos seus respeitáveis escriptos
em obsequio o attenção do m uito que a Companhia de
•lesus se confessa veneradora de todas estas esclarecidas e
lleliqiosas Familias.
L IV R O 11.
PR OG RESSOS 8 A COMPANHIA NO M ARANHÃO

CAPITIiLO I.
CHEGÃO OS P A D R E S LUIZ F IG U E IR A , E BENEDIC TO AM ODEI AO
MARANHÃO, E DE COMO FORAO H O SPED A D O S DE SETJS
MORADORES.

Quem não adm ira a profunda e sem pre adm ira vel Provi ­
dencia do Altíssimo, com que governa o suavem ente vai di
rigindo todas as cousas pelos m esm os cam inhos, que o nosso
lim itado juizo, ou julga difüceis ou totalm eute tem p o r im ­
possíveis !
Ao m esm o tem po que o dem onio no M aranhão buscava
todos os m eios para en red ar as alm as de seus m oradores, e
pela m esm a razão difíicmllava os progressos da quasi d es-
iallecida reducção de tantos Gentios, e não m enos enfraque­
cida fé dos já reduzidos ao grém io da Santa igreja ; dispu­
nha Deos em P ernam buco o rem edio a tão diabólicas astúcias,
e apresentava a triag a a tão perigoso veneno.
Tinha chegado áquelia cidade, como dissem os no Gap Xíl
do prim eiro livro, o P adre Manoel Gomes, que cansado de
ver as m uitas injustiças, violências e desaforos , que com os
m iseráveis índios e suas famílias usavão os m oradores de
S. Luiz do M aranhão, sem que seu zelo, nem a sua prudência
o hum ildade podesse pôr term o a tantas desordens ; ao m es­
m o tem po que lhe não m ettião m edo os m uitos trab alh o s,
que padecia e as m uitas calum nias, que innocentem ente
supportava, sem rem edio, sem consolação, nem allivio de
tantos m ales, receiando que a violência abrisse a p o rta a
algum desacato, c que de insolentes passassem tam bém a
serem sa crile g o s: tornou por m elhor expediente buscar com
s o r com panheiro, n a presença d o S o b e r a n o , m m e i o - m n e
,,e livres gemiAo .lobaiso de hum continuo, e J.i declaum o
“ c h ^ u o 1'adrc Manoel Comes como já disre a Ma -
/Iriil -i lom no nue ainda estavao frescas as m c m o n a.,
« ,S W « ™ a s rtaquelles ieaes vassalos na m o
do Plissimo Bei 1). Kolippe III, . e com. o novo 1
dn r ô rle se d em o ra rão os negocios, mais do que p o m a so
t r a activa S e i i c i a do P a d r e G o m e s ; motivo p o r que
deixando na co rte h u m m e m o rial com a exacta n a n a ç a
quo succcclía no Maranhão com grave prejuízo do seiv • .
Íleos c de Sua Magcstade Catholica, se re tiro u a f e n _
Imoo. \ h i fez do tudo individual n arraça o ao I M i e i r o w
I:M das calumnias que a olle c a seu com pan ™ o tm h 0
imposto aquelies m o rad o re s, ate e n t r a r e m n o p io jecta u c o.
(inercrem lançar fóra, a não t e r e m os Pin tcs vo r ‘
sua r e tira d a , tudo p o r respeito o dclesa dosM n h m , a qu ,
como pais aeudiào, consolavão c p r o cu rav o efen d er < as
continuas violências da sua ambiçao e da sua da, p ai a
continência; tratando os pobres índios, m ais co ’
quo como alm as, por quem o sangue de Christ sc t n a
derram ado, com prejuízo gravissim o, e
mento daipicUas Cliristandades, buscando os niatos e f i0im o
lios povoados, so por não acabarem ou verem acabai a» suas
familias ás m ãos da sua m esm a infelicidade. i
pasmava o Provincial o adm iravao-se os Im li0i . .. ç
tantas o Ião irisupporlavois perseguições , a ipm o seu
mesmo receio tapava o cam inho do regresso paiaO ium a
tão gloriosa Missão, o os m oradores de S. Luiz ■' o r a aos
onerarios de huma tão florescente C hnstandade. lia s nem o
line ouvião, nem o que com razoes convincentes exa&eravc ^
Padre Gomes, intimidava o fervoroso espirito do m agnani­
mo Padre Luiz Figueira, que ahi se achava do tempo da sua
retirada da Serra depois da m orte do venerável P adre lu an -
risco Pinto; c como de tão bom m estre tinha aprendido lições
de valoroso e destemido soldado nas em prezas de m aini
Olinda e serviço do Deos, despertada agora a saudade de
nroseuuir hum a Missão, que a valentia de seu coraçao
tinha iá em prehendido, ep o r falta de meios se tinha retaidodo,
propunha com edicacia. persuadia com razões, e pedia com
ien,n;is ;n» Superior lhe concedesse hceriça. para que a
!o d o o cuslo poiScSi'O \r acudir ao b o n do Ju n ta s a mm.-, qui
^orao ovelhas' do rebanho de Christo corriao perigo entre a
voracidade de tão fam intos lobos. Adegava que o sangue d o seu
am ado com panheiro o Padre Pinto estava clam ando d am es
m a terra do M aranhão, onde tinha sido aleivosam ente d e i-
ram ado, por obreiros, que continuassem o trabalho da m es­
m a lavoura, cm que ellc tinha gloriosam ente acabado a vida
one esperava da bondade de Deos, por quem so sacrificava a
tão im m ensos trab alh o s, abrandaria os duros coracoes d a-
quelles povos, e serenaria a tem pestade cm quo n aufraga-
vão as almas dc tan to s e Ião m iseráveis lo o m s : c quo para
assim o pôr em execucão, não esperava mais que a sua ben­
ção, com a qual assegurava não pequenos soccorros nos
m aiores c m ais diííicultosos perigos.
A nada deferio o P ad re Provincial, propondo-lhe as gran­
des calum nias que os nossos tinhão padecido, o o grande
perio-o que co rrerão naquella torm enta d e s fe ita e m (pie nao
era "bem se arriscassem os creditos da Religião, e _o bom
nom e de seus súbditos, a quem as leis da caridade nao obri-
o-avão a carreg ar h u m peso tão desm arcado, que p o r iatta
de forcas se vissem precisados a desfallccer na em preza, e
acabar na conquista. Assim dizião os hom ens, m as m uito ao
contrario dispunha e governava Doos o coraçao de L l-hei
em beneficio do'm esm o rem edio, pelo qual clam ava o grande
e agigantado espirito do P adre Luiz Figueira.
Inform ado pelo m em orial do P adre dom es, íizcrao tal echo
nos pios ouvidos do S r. D .F elippeIV as desordens do Mara­
nhão, e o desam paro (Iaque!la C hristandadc, que dando ah
providencias necessarias, m andou ao seu G overnador e u q n -
tão-G encrai, que já então era Diogo dc Mendonça lu irtad o ,
que em seu nom e ordenasse ao Provincial da Gompanhia.
d a que! la Provincia m andasse operarios para o cultivo de tao
dilatada vinha, para que tom assem á sua conta o ensino e
doutrina das aldêas da Ilha dc S. Luiz, p or ser assim con­
veniente ao seu real serviço. >A
Gommunicou elle logo as ordens que recebera da coito
ao dito Provincial, que prom ptam ente obedeceu a eilas,
vindo por esta occasião alcançar o P adre Figueira o que
tanto desejava ; nom eando-lhe por com panheiro ao venerável
Padre Benedicto Amodei, que immecliatamenle forno d ar
■ conta de hum a tão honorifica com m issão ao m esm o G over­
nador, que por extrem o ficou contente e satis leito da eieieao.
por lor i min grande coiilui»-tinonlu nu virtude, In Irus o pru~
doncia do priineiro, e da conhecida santidade do segundo.
.lá a este tem po tinha elie nom eado para C apitão-m ór do
Maranhão a Antonio Moniz B arreiros, que se fazia credor de
m aiores cargos, assim pela qualidade da pessoa, como pelas
forçosas razões do m erecim ento e serviços de seu pai. com
que se fazia aos m aiores igual no valor, e a nenhum segundo
na expericncia, na resolução e no acerto. O rdenou-lhe no
seu regim ento, que nas cousas (excepto m ilitares) de m aior
m om ento se aconselhasse em tudo e por tudo com o Padre
Luiz Figueira, e não obrasse cousa a que se oppuzesse m a­
nifestam ente o p arecer do dito Padre, pelo grande conceito
que tinha da sua capacidade e zelo, assim do serviço de Deos
como do seu Rei.
Prom pta a viagem e aviados prim eiram ente os nossos Mis­
sionários de algum as cousas que havião cie servir ao Culto Di­
vino, se em barcarão no dia determ inado em com panhia do
novo Capitão-m ór, levando comsigo alguns índios das aldêas
de Pernam buco, destros, assim no que dizia respeito ás
fimeções da Igreja, como nos officios m ecânicos que julgou
o Padre mais precisos ao estabelecim ento de hum a perm a­
nente e bem regulada fundação e casa da Companhia.
Chegarão finalm ente com hum a bella viagem a fe rra r o
porto da cidade de S. Luiz em Março de 1 6 2 3 ; porém as
torm entas que faltarão aos nossos no m ar se arm arão em
ferra com hum a carranca tão m edonha , que causarião
te rro r ao mais destem ido argonauta, a não ser o P adre Luiz
Figueira o piloto daquella espiritual derrota.
Desembarcado o Capitão-m ór, e na sua com panhia os
nossos Padres, en tro u logo o povo a inquietar-se e a inten­
tar pelos meios m ais violentos a retirada dos novos Missio­
nários no mesmo barco em que vierão de Pernam buco, fir­
m es no injustissim o e execrando pretexto de que com a sua
assistência não correria tão livre a sua ambição no cativeiro
dos desgraçados índios, que não deixavão de repetir o seu
arrependim ento em deixarem o suave jugo do governo fran-
eez pelo partido de Portugal, que tão mal lhes pagava a
constância com que passarão daquelle para o nosso serviço;
o o peior era que m ais que de outros se queixavão dos pri­
m eiros Religiosos da Companhia que ao principio os p rati­
carão, fazendo-lhes grandes prom essas e partidos debaixo
do dominio portiiguez, a que Indo láltavão, vendo-se mais
poderosos em lo i r a s e tolalweiite s en h o res da sua o p p n
Hilda nação. Mas ainda assim, pelas largas experiências q u e
dos P ad res tinhão não deixavão de co n h ecer que na sua
vinda recebião pais, medicos e defensores, e p ara h u m a vez
dizer tudo, iodo o re m e d io nas suas m aiores necessidades,
e q u em não vê q u e á vista d e h u m tão g ran d e bem, q u e
lhes entrava pelas suas aldéas, havião de m o s tr a r nos s e m ­
blantes a alegria que lhes red u n d av a n o s corações, dando-se
os p a ra b é n s h u n s aos o u tro s d a felicidade que vião e n t ra r
pelas suas m e s m a s p o rtas.
Daqui tom arão os m oradores o fundam ento de dizerem
que os ín d io s estavão como levantados com a vinda dos
P adres, prom ettendo-se liberdade com a sua p ro tec çã o ; que
nunca desistirião de lhes tirar de casa os aldêanos que p o s-
suião com o titulo de prim eiros povoadores, a quem devião
servir como escravos, posto que os não podessem vender
como ta e s ; que todo o rem edio para o seu socego era não
consentirem os P adres da Companhia naquella Cidade, pena
de ficarem pobres e totalm ente perdidas as suas conveniendas.
E stas e o u tras razões forão de tal so rte alterando aquelle
inquieto e indom ável povo, que se vio obrigado o P adre
Figueira a ir á Gamara, e para o liv rar de todo o receio
assignar um term o, no qual declarava que a sua vinda não
attendia m ais que á salvação, e bem das suas almas e re-
ducção daquelles índios, pregando, doutrinando e b ap ti-
sanclo, sem in tro m e tte r-se a tirar os índios, fossem ou não
fossem v erd adeiros cativos, nem ainda m etter-se em sem e­
lhantes m aterias, salvo se a consciência ou a obrigação
assim o req u eresse ou pedisse no tribunal da penitencia,
p ara socego das suas alm as, pela obrigação que tinhão de
m o strar a todos o cam inho da eterna verdade.
Esta ultim a lim itação, sendo tão conform e aos dictam es
da boa razão e m uito p ro p ria de huns hom ens catholicos,
pareceu tão m al á deplorável cegueira daquelles m oradores,
que teim osos insistirão em que os Pieligiosos da Companhia
devião sahir do Estado, e voltar na m esm a em barcação em
que vierão.
Azedado ficou por extrem o o resoluto animo do C apitão-
rnór Antonio Moniz, como a quem tocava rep rim ir o orgulho
de hum a tão m anifesta violência ; quizera logo fazer enten ­
der áquelles inconsiderados, que ainda tinhão Superior, que
saberia castigar com o rig o r das arm a s as desattenções c
I dS

desaealos quo sc lizessom ao sagrado da M ageslade; puis,


sondo El-Rei servido m andar os Padres a cuidar do espnm
tnal desta conquista, seria como sacrilégio encontrar as
ordens cio Soberano, que ainda tinha vassallos e m inistros
ei no soubessem vingar bem os desacertos ua sua ™ «io*Res­
peitosa ousadia; m as p ara que nem a sua piaidencia íaltasse
ofcasião de exercício, nem para que ao seu dem asiado íos o
se attribuissem os estragos do mais furioso mcendio, quiz
prim eiro experim entar se com procedim ento menos to n e
podia reb ater huma tão execranda contum acia.
Passou as ordens precisas para a vigilância dos soldados
da sua disciplina, e subindo á casa do Conselho, onde poi
então ostavão os hom ens da governança, lhes tez por papel,
que m andou lêr a seguinte falia, que quero aqui copiar pelas
suas form aes p a la v ra s :
o- Ninp-uem póde n eg ar que os Padres da Com panhia sao
de orando bem com m uni, a-ssiin tem poral como espiritual
em "qualquer republica. Todos os que sabem algum a cousa
se nrezão de ser seus discipulos.
« Ho notorio o fruto espiritual que fazem, compondo dis­
córdias, alliviando as consciências dos quo vivem com escrú­
pulos e duvidas, evitando dem andas e contendas, cousa m uito
necessaria nesta te rra onde por nova nao ba letiaoos. Mar>
notorio lie o cuidado, zelo c o grande fruto que fazem em
cateehisar c d o u trin ar os Gentios, pelo m uito que estes com
pão nos Padres c so sujeitão c obedecem a ludo o que lhes
p ro p o em : e como estamos cercados de Geiitihsmo, claro
pea o m uito que nos he necessario ainda pai a o tem poral
desta conquista a assistência c boa com panhia dos P adres ,
aliuii de que vicrão os ditos Padres para esta conquista poi
ordem e m andado de Sua M agestade, p o rq u e o governador
Dingo de Mendonça Furtado os m andou agora pelo m andar
assim El-R ei Nosso Senhor, como consta do m eu regim ento;
e assim quem lhe resistir, resiste directam ente ao m andado
de Sua M agestade.
« Quanto aos inconvenientes que o povo propõe, p ara que
não fiquem na te rra , não tem mais fundam ento que os re ­
m orsos das consciências de alguns que lhes parece que os
Padres lhes não approvarão o seu máo m odo de viver, por
que o que apontão em particular, deque os P adres lhes tira­
rão os Índios de seu serviço e ficarão pobres e sem o
m u r e m e d i o , n ã o t e m í u n d a m e n i o p e l o t e r m o que os m e s -
í!l

m o s P ad res te m rei!,o; nem p r e te n d e m m ais q u e fabricai


casa n esta cidade de S. Luiz o delia s a h i r e m a visitai'
as aldêas, c atcch isar os Gentios e red u zir t o d o s á nossa
santa íé.
« Além de tudo isto req u eiro aos Ofliciacs da G am ara
dem cum prim ento ao capitulo 15 do m eu regim ento, no
(piai se m anda que eu m e aconselhe com o P adre Luiz
Figueira nas m atérias tocantes ao Gentio c sua liberdade, e
nas m aterias tocantes á guerra com o Gentio que se oíTercce-
rem e em todas as m ais de m aior m om ento c considerarão.
« E quando estas m inhas razões não bastem , protesto
p o r todos os tum ultos e desobediências que succederem na
expulsão dos P ad res, e o desserviço de Dcos e de E l-R ei
ser tudo por culpa de Vossas M ercês.
« S. Luiz do M aranhão, 2 de A bril de 102*2.— Estava as-
signado pela sua p ro p ria le tra .— Anlonio Moniz Barreiros. »
Foi tão etíicaz este protesto, e tanto m elhor pôde re b a ­
ter os insolentes projectos daquehe alterado povo, que inti­
m idados os C am aristas não fossem castigados p or rebel­
des os que se oppuzessem á vontade real, e do G overnador
e Capitão-G eneral do Estado, quebrados já aquelles prim ei­
ro s im petos da sua resistência e tenacidade, m andárão logo
la v ra r um despacho p o r modo de acórdão em G am ara, pelo
th e o r se g u in te :
« Fiquem os Padres, visto ser m andado o P adre Luiz Fi­
gueira pelo regim ento do G overnador Diogo de Mendonça
F u rtad o p ara Conselheiro dos negocios e governo desta
conquista.
« S. Luiz em Cam ara, 2 de Abril de 1622.— Lmz de Ma~
dureira, ouvidor c presidente da c a m a ra .— Alvaro Barbosa
da Mendonça. — Anlonio Simões Garrafa, juizes. — Lmz
Moniz.— Jorge da Cosia Machado.— Anlonio de Mendonça
de Vasconcellos, vereadores. — Francisco de Souza, p rocu­
ra d o r. »
Assim veio a acabar esta torm enta em que se virão
soçobrados aquelles dous evangélicos operários, que a não
terem p o r si a valorosa constanda do C apitão-m ór, perderiao
p o r causa do naufragio os grandes cabedaos c talentos com
que pretendião e n g ro ssa r os th eso u ro s da Santa ig reja,
ficando totalm ente desvanecidas p o r então as astúcias do
diabo, com que pretendia d estru ir os bens de tantas alm as,
com notável prejuízo do augm ento de tão desam parado
paganismo.. ^
A scu tempo conhecerá o M aranhão o grande precipício
a que se arrojava na expulsão da Com panhia; vendo-se
obrigados a confessar os sons m oradores, que a elia deverão
a sua restauração do tyrannico poder dos líollandezes.
r. AHT ULO 11.
DO Q U E OBRÀRÃO NO MARANHÃO OS P A D R E S U U Z Vii'.UEIRA
E BENEDICTO AMODEI, E DOS P R I M E IR O S P R IN C ÍP IO S DA
NOSSA FUNDAÇÃO NESTA CIDADE.

Socegados os anim os, e quieta aquella inconsiderada


plebe, convertidos já os furiosos ventos da torm enta em
brandos e favoráveis zephiros de bonança, entrarao a re sp i­
ra r os fervorosos espíritos dos nossos P a d re s; e prim eiro
que tudo derão principio pelo mesmo trabalho por que
os seus corações se desvelavão, que era acudir aos grandes
desam paros dos seus amados índios. Como anjos a quem as
azas do am or divino fazião velozes na carreira, buscárao a
pé, e com a m aior diligencia as aldêas daquella ilha, e en­
trarão a rep a rtir o pão espiritual da Santa D outrina a tantos
fam in to s; instruindo a hurts, catechisando a outros, c adm i­
nistrando o santo baptism o, não só a hum grande num ero
de innocentes, senão tam bém aos adultos que m ais adian­
tados se pozerão na crença dos Divinos M ysterios.
E ra incrivel a caridade com que tratavão dos enferm os,
com que acndião aos necessitados, e com que soccorrião a
todos, totalm ente de si esquecidos, por se lem brarem dos
pobres, e por favorecerem os necessitados. E para que se
veja o m uito que lhes deve a nossa Yice-Provincia, nos
m aiores cuidados nunca p erderão de vista o seu augm ento,
e com m odidade religiosa, vendo o m uito que cráo precisos
varões apostolicos, e obreiros incansáveis p ara a vinha do
Senhor. Em duas cousas principalm ente em pregárao todas
as suas idéas; a prim eira, de acudir a todas as necessidades
espirituaes, assim dos Índios pelas aldêas, como dos m ora­
dores na c id a d e ; a segunda, de fundarem hum a casa q u e
servisse de praça de arm as, em que se exercitassem os
m uitos cam peões que havião ser precisos para a espiritual
conquista daquelle Genülism o ; para q u e divididos p or toda
esta Capitania podessem acudir m elhor ás o b n g aç u es n o
soldados veteranos, e ao m i n i s t é r i o d e v e r d a d e i r o s e e x p e ­
rim entados o p e r á r i o s .
•|'ii,l,a levado comsigo o Padre Luiz Figueira, do Cover-
na(|or lio Fsíado Diogò de Mendonça F urtado, licença em
uomo de Sua M agestade para poderem fundar casa na ci-
ciado de S . Luiz ; Voas o cuidado e grande zelo com que
acudia ao Saem e augm ento daquella Christandade. e queelle
antepunha a q u alquer outro em prego, o desviou por espaço
i jo (lous annos deste tão precioso, como desejado intento :
a l i ', o n o no a n n o de Í G 2 4 m andou a Magestade Catholica do
orai {de Felippe IV , por prim eiro Governador e Capitão-Ge-
neral do Estado do M aranhão, a Francisco Coelho de Car­
valho, varão cuja prudência e zelo do serviço real soube
desem penhar os creditos da pessoa c as acertos da^eleiçao.
Aqui lie que teve o seu principio a divisão desta Capitania
do governo e Estado do Frazil, tendo-se até então gover­
nado por C apitães-m óres por espaço de oito annos. Foi o
prim eiro Capitão-m ór A lexandre de Moura, a quem suecc-
deu Jeronym o de A lbuquerque, que p o r sua m orte deixou
nomeado interinam ente a seu filho Antonio de A lbuquerque,
ao qual depois veio succedor Antonio Moniz B arreiros, que
foi o ultimo desta pequena serie.
Quando tratarm os da Capitania do P ará, contarem os por
sna ordem os C apitães-m óres que a governarão ate o
tempo da separação do seu governo do do Brazil.
Chegado que foi ao M aranhão o Governador Francisco
Coelho de Carvalho, como levava poder para m andar passar
cartas de data c sesm aria em nome de Sua Magestade, con­
correrão logo algum as pessoas, assim seculares, como re ­
ligiosas, a pedir as te rras (pie se lhes fazião precisas para o
Beneficio das suas lavouras. Já a este tempo possuia o
Padre Luiz Figueira por escriptura de doação hum a légua
de terra no sitio cham ado Anyndibá (*), para ajuda da funda­
ção do nosso Collegio, que pretendia erigir o dito P adre, e
bilhão doado Pedro Dias e sua m ulherA poioniaB ustam ante;
cuja légua de terra em nom e de Sua Magestade lhe m a n d ara
dar o Governador G aspar de Souza, pois com esta prom essa
linha vindo por artilheiro para o Maranhão na arm ada de
Alexandre deM oura, a quem o mesmo Governador recom m en-
doii désse aos ditos hum a legna de terra no lugar e sitio
que eiles escolhessem dentro na ilha. E como entrassem
tiella pela banda de S. José e forte d e Itapary, se a g ra -
C) Ile ac.tualmcnte a villa do Paro de Luniiar, nome que impoz o Capitão-
(ieiioral Joaquim do M ello e Povoas, depois da injusta expulsão dos Jesuítas»
liarão da primeira terra que virão, o esta pedirão em qua-
tira, co rren d o a Lósie para líapary: eíoi a primeira te rra que
possuiu a Yice-Provincia tio Maranhão, tanto mais estimável
quanto foi a boa vontade corn que a doarão tão piedosos
Bemfeitores.
P ara se evitarem, co n ten d as a tinha já m an d ad o d e m a r c a r
o P ad re Figueira no anno de 1657, com r u m o s abertos, que
hem da vão a ver a legalidade dos seus marcos. Não b asto u
tudo isto para que o S u p erio r as deixasse de pedir, como
pedio ao novo G o vernador e Capitão-General, que lhes co n ­
cedeu com o p are c e r do P r o v e d o r - m ó r da fazenda, real J a -
come R aym ond o de N oronha, cuja caria foi depois corifir.
rnada pelos G overnadores Ignacio Coelho da Silva e Antonio
Coelho de Carvalho, e ultim am enle tom bada com as dem ais
terras do Collegio no armo de 1732, sendo R eitor o P adre
Carlos P ereira, que com incansável zelo findou o dito tombo
querendo aproveitar-se da Provisão Real, que SnaM agestado
foi servido conceder ao seu Collegio, para ver se por este
tão efficaz meio se punha p or hum a vez o desejado fim a
tantos litígios, que m ais parecia provinhão da tenacidade,
que da justiça dos heréos.
Nesta légua de te rra fundou o P adre Luiz Figueira a pri­
m eira fazenda que teve o Collegio para o beneficio das la­
vouras dos seus R eligiosos; fabricando casa, e erigindo ca­
pella, que dedicou á*Virgem Senhora da Luz, de quem era
por extrem o devoto, e situando nelta os índios que tinha
trazido comsigo de Pernam buco. Derão estes logo principio
ás suas roças, de que elles e os P adres se sustentavao ;
nunca perdendo a quelle sitio o nome de Anyndibá, que
ainda hoje conserva com im m ortal lem brança de nossos p ri­
m eiros Bem feitores.
A tem poral c precisa econom ia, com que os nossos
Padres acudião á quotidiana m anutenção das suas pessoas,
de nenhum a sorte lhes em baraçava o espiritual cuidado
que punhão na assistência e bem das almas dos P ortu-
guezes c índios das aldêas, pernoitando m uitas vezes na ci­
dade e am anhecendo nas povoações , para que nem a
huns, nem a outros faltasse o pasto da santa doutrina
nem a distribuição dos Sacram entos, que com incansável
zelo repartião com os m ais necessitados, obrando a su a ca­
ridade m ila g re s; ao m esm o tempo que para disco rrer a pé
tão prolongados caminhos erão necessarias forças que cor-
134' ...
respondessem a tão agigantados espíritos, sem pre prom ptos
cm tudo, e para tudo quo era d o m a to r serviço c gloim do
D cos • seri do tanto m aiores as ladigas e trabalhos, quanto
era dilatada a grandeza da seára, que p ara que nao sen -
lisse a falta de operarios, cada hum dos dons se m ultipli­
cava em m uitos para acudir a todos. ;
Acabava o Padre Luiz F igueira de p reg ar na cidade, c
do pulpito partia p ara as aldêas a doutrinar e praticai os
ín d io s na sua mesm a língua, cm que íoi tao consummaclo,
que foi o prim eiro que compôz a arte (*) no idioma brazihco,
reduzindo-a a preceitos tão claros e infalhveis, que ainda
hoje adm irão os m ais peritos nolla a grande perleiçao e
enorma coin que a fadava, a r a r a capacidade d e s e u a u to i,
querendo não só em vida, senão depois de m orto in stru ir
aos nossos M issionários, dando-lhes hum a chave m estra
com que podessem ab rir as portas á m aior difhculdade
dos m ysteries, que era a instruceão dos adultos nas m atérias
mais reconditas da nossa fé, em que m aravilhosam ente e
pelo modo m ais perceptível se explica este grande m estre,
e verdadeiro exem plar de M issionários; obra tanto mais pe­
quena quanto m ais estim ável, e de que resultou tanta gloria
de Deos, e fruto das alm as de toda a Gentihdade do brazil,
onde em todo elle corre a lingua Tupynambá com o nom e
de geral, como na E uropa a Latina.
E nenhum Jesuita da America professa solem nem ente
sem prim eiro se exam inar nella, e ser approvado com
juram ento. _ n., ,
Leni via o Padre Figueira que sendo tao dilatada a m esse,
necessariam ente req u eria m aior num ero de obreiros; por
que em bora fossem m uito avultadas as forças do espirito,
com tão pequeno num ero corria risco a colheita; e por falta
de sugeitos, sendo tantas as aldêas, não poderia a assistên­
cia de dons acudir a tudo, como pedião as leis da caridade,
faltando ou aos Portuguezes na cidade ou aos índios nas po­
voações, clamando buns e outros, jã pelos rem edios do cor­
po nas suas m aiores necessidades, já pelos da alma nos seus
m aiores perigos.
Revestido então de zelo aquelle varão verdadeiram ente
(•) A grammatica deste celebre Missionário teve na Bahia ha poucos annos
í 1851) hiuna nova. edição, graças aos cuidados e es foveo do editor João Joaquim
da. Silva. Guimarães, e auxilio de Sun Mageslailc o Sr, D. Pedro II. augusto e
illustnuin Protector das letras
a posti»!ioo, linha oscriplo ao P adre Provincial da Provincia
do Brazil, significando-lhe com hum a viva e n atu ral cjegan-
cia, a p en u riae lalta de operarios em hum a tão grande vinha, o
desam paro de tantas alm as em num ero tão avultado, e hum a
tão irrem ediável necessidade, a que não podião abranger as
suas forças e de seu com panheiro, que para que se nao m a­
lograssem tão santos intentos e tão urgente desam paro,
lhe pedia pelo sangue de Jesus Christo, e os mais Re­
ligiosos o quizessem vir ajudar, por estar já a m esse m a­
du ra, c a seára atalh o de fouce, em risco de m etier tam bém
nella a m orte a sua, com prejuízo de que os seus golpes
cortassem m ais palhas para o fogo, que frutos sazonados
para o celeiro. _
Com as lagrim as nos olhos leu o S uperior hum a tão fer­
vorosa carta, e ouvirão os subditos o espiritual convite para
que crão cham adospelo zeloso procurador do Senhor da Vinha,
e cortando por todas as difíiculdades pela falta, que tam bem
havia de sugeitos naquella Provincia, avisou ao P adre Lopo
do Couto, que posto era unico, era tal o seu fervor que nao
duvidava o Provincial desem penharia as obrigações de ope­
rario , e o grande conceito que todos tinhão de seus raros
talentos, a que tam bem ajudava m uito o magnanim o coraçao
de que era dotado p ara as m aiores em prezas, com o cm seu
lu g ar verem os.
À ssignou-lhe por com panheiro a h u m irm ão Coadjutor,
p ara que em pregando-se em casa nos officios de M artha, dei­
xasse aos Sacerdotes m ais desem baraçados para acudirem ás
suas espirituaes fadigas, seguindo o exem plo dos A postolos,
que para m elhor se em pregarem nos seu m inistérios, n o -
m eárão sugeitos, que cuidassem sóm ente da tem poral eco­
nom ia das m esas, e distribuição das esm ollas.
E como para o M aranhão se offereceu na vinda do novo
G overnador Francisco Coelho de Carvalho, a com m odidade
do seu m elhor tran sp o rte, na sua com panhia vierão estes
dons Religiosos, que forão recebidos pelos P adres Figueira e
Amodei como dons anjos do céo, de quem espera vão copio­
sos frutos na fervorosa resolução com que oíferecerão logo
as forças corporaes, reguladas pela m edida de seu espirito,
que não anhelava m ais que o m aior serviço e agrado de
Dcos.
AJ vista de hum tão opportuno soccorro, pequeno no n u ­
m ero, e grande na qualidade, entregou o P adre S uperior o
MG

iVtjrilll , j , cava ao Irm ão, i1 repartindo o m udado <la msdn


V.,- '.,!d,-a< ai' Padre Lopo do Couto, <iue era tam beui nmig-
a^ n a imgua braziliea, se quiz ajudar do novo hospeue para
nonpar alnum tempo ao grande cuidado que o irazia " e ? \e -
iado do fundar hum Collegio, onde se estabelecessem os novos
.V isionário-- não duvidando quo quanto m aior iosse a praça
I-. num ero de soldados do Christo, tanto m aiores tu r p s so
porião em campo contra as astúcias do inimigo, e podei '-<>
inferno ficando mais gloriosa a conquista pelo dim ed da
ouerra e nolo arriscado do com bate, em quo precisam ente se
havia de arru in ar o im perio de Satanaz, que occupava a
todo o Estado do M aranhão.
Pedio a Cam ara e Senado desta cidade p ü b i aças em
quadro no sitio em que lioje se acha o Collegio, e venci­
das na sua concessão as apparentes diíhculdades, com que a
paixão mais que o zelo pretendia im pedir tao santos e bem
necessarios intentos, ajudado da autoridade do novo C over-
nador, que não deixava desconhecer a im p o rtan d a da o bra
,, o profícuo préstim o de seus religiosos fundadores, alcan­
çou a pretendida carta de data de terra que se pedia a que de­
pois se ajuntarão mais algum as braças, por com pra que íizerao
os Padres para m aior largueza e com m odidade da sua
cerca. . r , , • •
E ntrou logo o grandioso animo do P adre Luiz rig u e iia a
idear hum a obra m aior que suas m esm as torças, e m uito
superior aos cabedaes, a que não podião chegar as escas­
sezes de hum a religiosa pobreza, que apenas lhe dava para
sustento e vestuário dos seus subditos.
Fiado nos soccorros da Providencia Divina, entrou a aju n ­
tar os m ateriaes de pedra e cal para a labi iva de hum bom
corredor e Igreja, que nas presentes circum standas em
hum a colonia° tanto nos seus princípios, era como vencer
hum impossível, ao mesmo tem po que ainda o palacio dos
m esm os G overnadores apenas se achava de taipa de pilão.
Era a fabrica difticultosa, porém a actividade do Padre lhe
deu tal expedição, que já se achava com hum a grande p a rte
do necessario para erigir aquelle prem editado edifício, a que
não faltava senão alguns obreiros, que lmns ideassem , e
outros trabalhassem na obra.
Tinha elle trazido, como dissemos no Liv. I, alguns índios
officiaes das nossas aldèas de Pernam buco, que lhe podes-
sO]]| servir nesta oceasiu". Entro os índios, que trouxera.
— I f >✓

I'la 1mm <> Principal G regorio :Vlil.aga\a, criado do memmi


com os nossos Padres, e de quem o Padre F igueira iazia a
m aior confiança p o r scr sugeito de p ren d as, e digno pela
bondade do genio de hum a p articu lar estim ação; m otivo por
que era estim ado dos nossos, como parcial e interessado no
que dizia respeito ao serviço de Deos, e estabelecim ento dos
P adres naquella ilha. A. este com m unicou o seu em penho,
o se m ostrou clle tão m agnanim o na resp o sta, que offereeen-
d o -lh e a sua assistência, com os poucos vassallos que tinha,
se deu logo principio ao corredor, que havia de servir de vi­
venda aos Religiosos, e lie o m esm o que aincla hoje se vê
p ara a p arte do norte, e Praia Pequena, correndo o rum o
de leste oeste.
Tal foi a segurança com que foi fabricado logo do seu
principio, c he sem duvida o m elhor dos tres de que se
com põe o Collegio, assim pela vista como pela frescura, por
que o corredor" que depois accrescentou o grande P adre
Vieira, sendo S uperior em 1659, c o m o ca h ep arao poente, he
pouco apto á habitação em hum clima em que os calores
são notavelm ente penosos ao passadio dos corpos. O que fica
p ara o nascente, e já estava principiado havia m uitos annos,
foi o ultim o que se acabou cm 1727, e em que depois vindo
noviços de P o rtu g al se m elteu o noviciado.
E ra algum tanto som brio pelos arvoredos da cerca para
onde c.alio que pela não devassarem os S eculares, se forão
sem p re conservando, p o r serem seus m uros m uito baixos.
A m ilagres da sum m a actividade destes clous bem feitores,
o P ad re Figueira e o P rincipal Mitagaya, se acabou o corre­
d o r com hurna tal fortaleza e segurança, que vendo m uito
depois o P ad re R eitor João Felippe B ettendorf, que o cor­
re d o r do n o rte, e p arte do do nascente era m ais baixo que
o do poente, p ara que co rresse a obra toda em igual p ro­
porção e ficasse tudo pelo m esm o nível, lhe m andou levantar
com alça-prem as o m adeiram ento m ais de hum palm o, sendo
preciso a b rir p ara isso m uitos b u raco s, que em nada offen-
d erão as p ared es, pelo m uito e bem fortificado que tudo es­
tava. E não duvido que não conhecendo este Collegio outros
fundadores, ficarão logrando estes dons insignes bem feito­
res os costum ados suffragios, que nelle, como nos m ais se
eostum ão dizer todas as sem anas pelos bem feitores vivos e
defuntos; m erecendo esto bom Principal Gregorio e seus vas­
sallos hm na ('torna lem brança nos mina cs da V ice-Provincia,
-is
oo oo
nvio apulou com d ie s o prim eiro Collegio (pie
Kíatele o d « l í resu lto u depois tan to , serviço . de l eo
p i)Cnl elas almas; porque nolle se c r a i a o e c n a o am r
]10jo os m uitos op erário s, c insignes M issionários, que te
dado a nossa Companhia neste Estado com tanto augmen
dn Christandade e do Im perio P ortuguez, em cujo serviço
em pregarão as forças e sacriflcárão as vidas, que bem o dao
ainda à conhecer as m uitas e grandes povoaçoes, que es a
fundadas por esses rios, sem dispendio considerável ai gum
da Fazenda Real, e sem mais soccorro que o de Deos, que
sem pre com a sua divina e liberal m ão abençoou os santos
intentos dos filhos da Com panhia; devendo-se a m am r p a rte
destas reducções á fortaleza da sua constância e ao singula
de suas v irtu d e s, com que vencerão trabalhos
difficoldades in criv eis,e calum nias m suppoitaveis, nao tira n ­
do os olhos da m aior gloria dc Dcos e conversão dos lnd o .,
endo estes cm todo o tem po a cansa, o como peecado o ri-
ginal! donde nos nascerão neste Estado as m a.ores o m a,s
deploráveis perseg u içõ es.
CAPITULO III.
DO MAIS QUE OUROU O PADRE LUIZ FIGUEIRA E S EU S
COMPANHEIROS NO MARANHÃO, NO F E L I Z GOVERNO DE S EU
P R I M E IR O GOVERNADOR E C A P I T Ã O -G E N E R A L FRANCISCO
COELHO DE CARVALHO.

Conduzia m uito p ara o adiantam ento da nova C hristandade


a o rande piedade, zelo e prudência do novo G overnador, não
perdoando a diligencia, nem faltando a requerim ento em
que esta podesse florescer pela actividade dos nossos Missio­
nários, que, em h u m continuo gyro, andavão discorrendo
pelas aldèas e acudindo ao bem do proxim o. E como o Pa­
dre Luiz Figueira p o r seus raro s talentos e singular virtude
se fazia estim ado do G overnador, por ver a sinceridade, reso­
lução e acerto com qu e discorria sobre as m aterias que com
elle consultava, era p o r extrem o g rande o conceito que do dito
P ad re tinha, e por cujo respeito m uito ajudou e servio aos
santos intentos da nossa prim eira fundação e conveniente
estabelecim ento na cidade, cujo cuidado de seus m oradores
e fam iliares tom ou elle para si; ficando só na com panhia
do Irm ã o , expedio p o r em baixador do Evangelho ao P adre
Lopo do Couto, para que na te rra firm e de Itap u cu rú , Mony
e Iguará annunciasse a fé de Christo áquellcs B arbaros,
reduzindo-os ao grem io da Santa Igreja ; praticando-os a
que vivendo cm vida mais racional e politica se quizes sem
apro v eitar da suavidade do jugo da nova lei e da conve­
niência da amizade e boa correspondência com os nossos
P ortuguezes, debaixo de cujas arm as vivirião como tantos
o utros vassallos de um Rei, que os podia fazer tem idos
ainda dos seus m aiores inim igos.
Ao m esm o tem po enviou para assistência das aldêas da
Ilha ao P adre Benedicto A m odei, cuja com missão com a
m esm a boa vontade com que a aceitarão, com a m esm a
a puzerão em ex ecu ção , com tantos creditos da sua
fervente caridade que bem desem penharão a eleição, assim
na Ilha, como na t e r r a firme, o n d e reel nzio o incansável
/H o do fad re Couto a m uitos b arb aro s que tirou dos m atos
para viverem aldeados hum a vida m ais civil, que a quo
jinhão levados, ou da sua n atu ral b arb arid ad e ou da sua
ineenita p re g u iç a ; vicio inseparável da inércia e rude/, de
seus genios e desordem de seus costum es. _
Kmquantu estes se occupavão em tão arriscados e tra n a -
lhosos exercícios, se occupava todo na cidade o bom la d ro
1LUZ bio'noira já no púlpito com os ouvintes, ja no coniissio-
nario com os penitentes, já no catechism o com os índios o
escravos dos m oradores, já nos cárceres com os presos, ja
nelas casas com os doentes e m oribundos, sendo m uito
pou coso sq u e m o rrerão sem b o m ta o bom piloto a cabeceiia,
todo para todos, e hum verdadeiro Paulo nas necessidades
mais u m en tes do seu proxim o. Assim se via esta cidade.
Ilha c contornos assistida de tres Jesuítas, como se tosse,
hum a Provincia inteira, porque a sua ardente caridade os
sabia m ultiplicar de m odo, quo sendo poucos, trabalhavao
por m uitos. 1 _ . „.
K. para que a innata eloquência do la d r e F igueira se
com m unicasse a lodos, c todos experim entassem os effeitos
da sua eílicacia e p ersu asão , se m andava su b stitu ir por dons
subditos pelas povoações da Ilha, ou na te rra firm e pelas
aldèas novam ente reduzidas, ficando sem pre aquelles em
seu lugar occupados, posto que cabalm entc não enchessem
os m esm os m inistérios que o Servo de Deos acabava de
exercer. . . .
Não posso deixar de sentir a falta de noticias destes tem ­
pos, em que mais obrarão que escreverão estes apostolicos
varões, que procisam ente havião encontrar nos exercícios
de seu fervoroso zelo cousas m uito particulares e successos
raros, com que podessem os agora enriquecer esta H istoria,
com ediücacão dos que a lessem e grande consolação de
quem , á vista de tão fervorosos espíritos, quizesse seguir
o exemplo de tão singulares operários.
Tirihão soado nos ouvidos do P adre Figueira os clam o­
rosos echos da Gentilidadc do P ará, a quem a sua ard en te
caridade desejava acudir com o rem edio de suas alm as no
arande desam paro a que as considerava expostas; e com o
pretendia valer-se da autoridade e bons oííicios do G over­
nador, seu intimo e aííeiçoado, não cabendo já o seu espirito
uo dilatado daquella Capitania do M aranhão, p reten d eu
p:\ssar-se desta para a do Pará. para ver se a s u a actividade
descobria me,io com quo so podesse acudir áquello dilatado
paganism o pelo beneficio dos cuidadosos filhos da Com pa­
nhia ; cujo em prego, a ser regulado pelas m edidas dc seu
sagrado in stitu to , não podia (íeixar de ser ulil á R epublica
C hristã e ao adiantam ento do Im perio Portuguez em tão
v astos e ainda incognitos sertões. Conferio seus uteis inten­
tos com o C apitão-G eneral Francisco Coelho, que estava de
p artid a para o P ará, que, como tão zeloso da honra de Deos
o serviço de seu P rin cip e, lh ’os approvou e prom etteu p ara
isso a sua ajuda.
Reservam os a sua viagem para aquella Capitania quando
entrarm os no Livro III, em que precisam ente, e prim eiro
q u e tudo, havem os de d ar della hum a individual noticia
do principio do seu prim eiro descobrim ento, porque p re ­
tendem os acabar este segundo livro com a entrada dos
Ilollandezes c sua to ta l expulsão de toda a Ilha e Capitania
do Maranhão.
Succeden p o r este anno, que era de 4G3(>, a m o rte do
illu stre e sem pre m em orável G overnador do E stado, F ra n ­
cisco Coelho, que o governou p o r espaço do doze annos,
com os m erecidos ap p lausos dos m ais bem intencionados, que
m ediae as suas disposições pelos acertos da sua prudência,
e que não deixavão d e reconhecer neile o incansável zelo
q u e tinha do augm ento de hum Estado, do qual tinha sido
prim eiro C apitão-G eneral.
Muitos terão os q u e sentirão a sua m o r te ; porém mais
q u e todos o P ad re F ig u eira, porque via que interessava na
sua vida a C hristandade e nova reduceão do Gcntilismo.
S uccedeu-lhe no carg o , a im pulsos da sua propria nego - .
ciação, ,laconic R aym undo de N oronha, P rovedor que era
da Fazenda Real da Capitania do M aranhão ; porque, m o r­
ren d o o G overnador na do P ará, na Villa de Camutá, p ara
onde tinha ido tra ta r-se , com a m udança de ares, da falta
de saude, lhe foi facil to m ar as red eas do governo, e fazer-se
obedecido daquelle S enado ; a quem seguio nesta parte o
do P ará, até ficar d e todos pacificam ente respeitado pelo
cargo e pela pessoa, cujo m erecim ento não deixava de se
fazer attendivel pelas m u itas occasiões em que desem penhou
a boa eleição que delle se fez em algum as em prezas m ili­
tares e negocios politicos. E quando se não contasse outro
e n tre os acertos do seu governo, b astaria a resolução e
providencias com q u e d e u fim ao descobrim ento do fam oso
rio das Amazonas, nom eando para cllc a hum tão insigne
afortunado Cabo, como o Capitão P edro I m e iir a ; que dando
principio á sua commtssao em O utubro de 'lbo7, s
ató Quito, e voltando desta para a cidade do 1 ara, chea ou
íinaim ente á ella cheio de gloria e m erecim ento cm Dezem
b ro de 1059, acom panhado da sua m esm a escolta e d e dous
Castelhanos, Religiosos da Com panhia, os I adres• ^ n s to v a o
da Cunha e Andre de A-rtieda, com m ais dous Religiosos de
N ossa Senhora das Mercês, que forao os que derao pnnci
pio á sua fundação neste E stado. E sta feliz expedição do seu
governo bastaria para dar a seu nom e hum a etein a e glo
riosa m em ória dos seus acertos.
Pouco mais dc hum anno tinha governado . acom e B ay-
m undo, quando no anno de 1658, aos 27 de Janeiro, çhe-
m u í Capital do M aranhão Iíenlo Maciel P arente, ta o a d ia n
lado nos requerim entos que fez na côrte de M adrid, pelo
nne tinha obrado no serviço real em todo este hstado,
, ue a Manes tado do Senhor D .Felippe IV o despachou com a
patente <ic G overnador e Capitão-G eneral, com h u m a ampla
doação de donatario da Capitania do Cabo do N orte d e juro e
h erd ad e para cllc, seus filhos e herdeiros descendentes, as-
sim transversaes como collateraes. r
Tanto soube a sua actividade negociar naquclla corte! E
para que a sua vinda fosse mais plausível a estes povos,
trazia cllc resuseitada a antiga lei da adm inistração dos Ín­
dios que cm p arte lhes saboreava o depravado gosto que
tin hão' dos cativeiros, com o falso e enganoso pretexto do
que só estes lhes poderião adiantar os seus interesses;
sem advertirem que a sua injustiça que algum as vezes eia in­
separável usurpação da liberdade, vinha a se r a total cau -
sado pouco adiantam ento de seuscabedaes. Era Bento Maciel
notavelm ente zeloso do hem c adiantam ento do E stado,
onde tinha dado bem a conhecer as gentilezas de seu va­
lor; e para não te r ociosa a actividade com que sem pre
p rocu ro u encher as obrigações de seu cargo, entrou logo
na diligencia de fortificar a cidade pela banda d e te rra ,
m andando lançar hum m uro ou trincheira que corria da
Praia Pequena detraz da cerca do Collegio até á Praia
Grande, ficando os dous conventos do Carmo e Santo Anto­
nio fóra, e só o nosso Collegio dentro com o resto da ci­
dade, quo se achava fundada nesta pequena lingua de terra
e que hoje se acha com grande augm ento, desfigurada
<i^íio-nrmi:
na sua m aior p arte a prim eira form a que leve cm seus
princípios. . . _
Não tinha neste tem po nquella praça m aior guarm cao
que a cie trcs com panhias, duas pagas e liuma de O rdenan­
ças sendo m uito pequeno este presidio para hum a cidade
que cada dia se achava am eaçada do form idável poder dos
Hollandezes; mas esta a fatal condição das nossas colonias,
de ordinario arriscadas pelo notável esquecim ento do p re­
ciso soccorro para a sua conservação no m inisterio de Cas­
tella. B revem ente o verem os com deplorável injuria do no ­
m e portuguez.
CAMTULÜ
ENTR ADA DOS HOL LAND EZ ES NA I LHA DO M A RANHÃO, E D O OL E
OURARÃO OS NOSSOS P O R T U C U E Z E S P OR E S T E T EM PO.

1'erniciosas c fataes forão sem pre aos dom ínios do P ortu-


o-ai no poder dos Heis de Castella as arm as da ílollanda,
no tem po em que estivem os sujeitos áquella corôa, sendo a
inaccão dos m inistros desta corte tanto m ais rcparavel
quanto era m aior o desam paro das nossas conquistas, cada
vez m ais expostas ao poder e ambição dos Hollandezes.
Por varias vezes tinha o poderoso procedim ento da R epu­
blica da Hollanda intentado fundar povoações pelo rio das
Amazonas, entrando pelo Cabo do N orte, não advertindo
serem estas te rra s do privativo dominio portuguez; porém
o u tras tantas vezes forão vergonhosam ente expulsos pelas
nossas arm as debaixo do com m ando, e m ilitar con­
ducta dos valorosos Capitães Bento Maciel P arente, Pedro
Teixeira, Pedro da Costa Favela, e João de Caceres.
O m esm o tinhão já experim entado os Hollandezes pela
p arte do sul, no Ceará, na resistência de seu Capitão Martini
Soares Moreno, que por duas vezes os rechaçou com tão
varonil accordo, que totalm ente os d e rro to u ; e apenas es­
caparão os poucos que buscárão as em barcações para os
salvarem com as vidas e não ficarem p or glorioso despojo
da valentia de Martim Soares, e de seus anim osos solda­
dos. Agora que se vião m ais poderosos com a tom ada de
Pernam buco, em prehendêrão terceira vez a fortaleza do Ceará
presidida pelo Capitão B artholom eu de Brito, que acom ­
panhado da pequena guarnição que o seguia, não pôde lo ­
g ra r a fortuna de Martim Soares, por se ver obrigado a
ceder á furiosa escala que o inimigo fez da fortaleza, de
que ficarão senhores apezar da nossa resistência.
O rgulhosos os Hollandezes vendo-se já dom inantes da
m aior p arte daquella costa, qnizerão dar o ultim o te ste­
m unho de sua violência esforçando-se a to m ar a restante
p o rç ão de terra que ainda ficava da parte do sul, d o n d e lhes
seria faci! ajuntar a esta a do Ba rã até p a s s a r e m a linha.
I,)
so fazerem absolutos sen h o res do Cabo <lo Norte, o r i o d , is
A m az o n as , o n d e tinhfio lançado as s u a s p r i m e i r a s raizes
(pie a n ã o s e r e m c o rta d as no s e u principio pelo valor do
P o r t u g u e z e s , ficarião m ais difíicultosas de a r r a n c a r p a r a os
a n n o s f u t u ro s .
Receioso do vizinho poder dos inim igos, passava os dias
cuidadoso o G overnador Bento Maciel P arente, vendo se
tão falto de m eios p ara Imrna vigorosa resistência, ao m es­
mo tem po que já cm Pernam buco se tratava do apresto de
Im m a podero sa arm ada com posta de 18 vasos c 8,000 ho­
m ens de desem barque, entregue tudo á ordem e disciplina
de seu com m andante João Cornelius, que com vento leito
partio do A rrecife, e aos 24 do Novembro de 1041 einbo
cou a b a rra do M aranhão, cujos m oradores se achavão ain ­
da congratulados pelo feliz successo da gloriosa Aceiamação
do Serenissim o Rei o Sr. D. João IV , de saudosa m e­
m oria.
Tão g rande num ero de em barcações não deixou de
cau sar hum extraordinario abalo c com m oção no povo, ven­
do-se repentinam ente accom m ettidos de tao superiores lor ­
e a s; e ainda que o G overnador se lisongoava com im m ediatos
avisos que recebera da Corte, das pazes concluirias entre
o Reino de Portugal e as Provincias U n id a s ; de seu m esm o
trata d o pru d en tem en te se inferia o grande perigo que ag o ­
ra se experim entava. E para que esta Capital, nos desm aios
do seu desaccordo, não experim entasse, com injuria do seu
nom e, a ultim a ru in a que p o r instantes a am eaçava, se pro­
venio o G overnador en tre as angustias do tem po, expedindo
logo hum a das com panhias para Araçagy para im pedir aos
inim igos algum desem barque, se o intentassem ; o u tra co m ­
panhia m andou p o star pela P raia G rande, e com a terceira
ficou com m andando a fortaleza, de cuja defesa pendia a
conservação e vida ela já m oribunda cidade.
A ccom m ettêrão o canal as em barcações do m enos fundo,
c hu m as após outras forão m ontando a Ponta d’A-
rèa, c entrando pelo rio da cidade, disparando ao m es­
m o tem po a artilh aria para m aior te rro r de seus m orad o ­
res. A tirou tam bém a nossa fortaleza algum as cargas, porém
o u fô sse pelo m edo ou pela pouca pericia do que apon­
tava os tiros, não fizerão algum effeito nos baixeis inim igos
as suas balas. Já a este tem po o te rro r augm entado pelas
vozes do povo, de queestavão os líollandczes cm te rra , li-
nha causado hum a millavei confusão, . quc- .c o r n, u , i n s en,p a| nr su e l»
iriuado
da desordem tinha obrigado a m aior p a rir ddas familias
a , lamb as a
largarem a cidade com o que poderão levar eomsigo, p aia
salvarem nos m atos senão as fazendas, o quo eia nm is, com
a honra, as proprias vidas.
Apenas derão fundo as naos inim igas na praia ou canal
de Nossa Senhora do D esterro, m andou logo Lento Maciel
ao P adre Impo do Couto ( por se achar ja ausente o 1 ad e
Cuiz Fmueiiah com o P rovedor-m ór da íazenda, Ignacio no
do Rego Barreto, para que soubessem do General da arm ada
o motivo da sua chegada áquelle porto, com batendo num a
cidade que no respeito do novo Soberano gozava por meio
da paz estabelecida entre os E stados a segurança dos p o r­
tos tendo recebido positivas ordens do seu legitimo i unci
pe ’ que sò Castelhanos e Mouros tratasse como a inim igos;
o que de nenhum a sorte se podia conform ar com a inani
festa violência, que clle em nom e de seus altos poderes
pretendia fazer aos domínios de hum dos seus aluados.
Chegados a bordo da Capitania, expozerão toda a n a rra ­
tiva da sua commissão ao General João Oornelles, que como
tinha intelligcncia da lingua latina, lhe foi mais lacil enten­
d e r ao Padre Couto, e ás forças da sua justificada re p re ­
sentação; porém a tudo respondeu com lium a disfarçada
politica : dizendo que os ajustes dos tratad o s com a sua
Republica se devifto entender das conquistas que vao da
linha para o norte, c não para o sul.
Desta resposta claram ente se vinha a inferir a firm e reso­
lução deste Commandante, que era sen h o rear-se da cidade,
e quando não fosse á som bra de lium a paz fingida podesse
elíectuar-se ao estrondo do hum porfiado com bate.
Retirados os Com missarios, m andou logo o General execu­
tassem com militar disciplina o desem barque, receioso de
que a companhia que ainda se achava form ada ao longo da
praia lho disputasse a saliida c lhe im pedisse o poder
em bicar as lanchas iiaquelle p o rto ; porém os nossos sol­
dados, pouco acostum ados aos estrondos de Marte, sendo
esta a unica vez que virão a cara ao inimigo, dando e re ­
cebendo a prim eira, não esperarão a segunda carga, lal­
lando ás ordens e desam parando a assistência dos seus
mesmos cabos.
Desassombrados os llollandczes de lium a tão pequena
apposiçàu, subirão á terra o m edidos em fórma a proporção
do terreno vierão buscando a fortaleza onde se achava <»
G overnador com tres com panhias, poucos pelo n u m e r o e
m enos ainda pela qualidade. A’ vista de tão fracas contra
tão avultadas forças, m andou elle novos 1’om m issarios que
protestassem cie novo as pazes celebradas entre as d u as
potências, e vissem se podião alcançar do General Hollander/,
algum partido decoroso ao seu caracter, o m enos injurioso
á qualidade da sua pessoa, que por instantes via notável
m ente desfigurada do m esm o tem or, que o linha exposto a
hum a tão irreparável inacção e desaccordo, sem se lem brar
que aqnella era a m esm a nação em que linha feito tantos
estragos o seu valor no Gabo do Norte, e de quem tinha
arrancado tantas palm as para o seu triu m p h o ; m as já ou o
peso dos annos, ou os descansos do ocio o tinlião feito es­
quecer até da sua m esm a reputação.
Mandou João Cornelles aos seus fizessem alio, e ouvidas
com attenção as efílcazes representações dos Com m issarios.
conveio p o r ultim o, em que não entraria na cidade e. se con­
tentava com a te rra de que já estava de posse, otule. se accom
m oda ria com os da sua arm ada, vivendo ambas as nações
pacificam ente governadas de seus respectivos superiores,
em quanto se dava parte e vinha a resolução de E l-R ei de
P ortugal o dos Estados da líollanda, com condição que se,
lhe havião fornecer pelo seu dinheiro todos os viveres que
fossem precisos á conservação das suas tropas.
A ssignárão o nosso G overnador e General Hollandcz a ca­
pitulação, por entender este que as nossas forças na forta­
leza erão m uito m aiores do que ao depois observou; motivo
por que rom pendo logo o tratado e faltando á fé publica,
obrou pelas m edidas proprias da sua Republica, ambição o
violência, senhoreando-se cm prim eiro lugar da fortaleza,
m andando ab ater as nossas Quinas e arvorar os estan d a r­
tes de líollanda.
D iscorreu depois pela cidade, pcrm ittm do a seus solda­
dos o saque, que logo executarão com a m aior barbaridade
o sacrilégio, não perdoando nem ainda ao sagrado das
Igrejas, exceptuando tão sóm ente a nossa Igreja, onde se
aebavão refugiadas algum as familias com p arte do precioso
que p o ssu iã o ; não se soube o motivo, seria talvez favor
divino concedido ao sagrado daquelle tem plo.
Da cidade passarão lam bem ás fazendas e engenhos dos
P orluguezes, saqueando tudo o que podia servir de pasfo á
..... ,.0Kjr i • ,, n am mie. os m o r a d o r e s do rio ll a p u c u r u , Mlu‘
d';',, p o r t e d do m aiores cabodaes nSn
h u m U m c l b a n t e estrago, ro m ira o esta sua " g 1™ . ‘^ e
„ ilonalivn do 6,<00 a r r o b a s do a s s o e a i, q u o p ro m p tam i.n i
" ■ " W v o m d o r Itonlo Maciel P a r e n te t r a t â r i o como p r i -
do m in T a e com m e n o s respeito ao seu c a r a c ie i,
O levrm C íicncrai lloltaido* p a ra P ern am b u c o o na sua
m e s m a náo, como to stc m im h o authentico do seu ■ .
cm (pio la m b e m ião alg u n s lt o r t a g ® M « 9™ I* ™
L v m a is suspeitos ás su as ideas e f u tu io s m teiesses.
(1 da praça m a n d o u cm o u t r a n a ç n
........ o ;un , 1o S Christovão, do domimo de Castella, nao
passando lodo o n u m e r o destes tran s p o rte s do cem h o m e n s
mo orão n or então as p rm cip aes e m u r a s lo iças aaq u e iw
S Í d a ‘ q.ial o de toíla a costa até P e ^ m b u c o licavao
já absolutos e tyrannicos p o ssu id o res os H o lta ld W M .
' p a s s o u o [iroccdimcnto do (.onerai de injusto a t e m e r a u ,
Obrigando OS m o r a d o r e s a e n t r e g a r - lh e todas as j m ,
(díensivas, signal de qno n ão se dava l » r tao s e g m o que
não rocoiasse q n c aquolle corpo tao dobditado a s
forcas as podia ainda r e c o b r a r p a ra o tu to ro , e e m m e l o
tempo intentar Im m a vigorosa opposiçao a sua m t i a
subsistência ; e p ara qno n ão faltasse ctrcumslancia q u e lhes
pudesse fazer insupportavel o m esm o jugo q u e padcciao,
obrigou a todos a jurarem vassailagem, sob pena d e m oí to , .
huma Republica de que os miseráveis n u n ca tmhao sido
Ut'Ohedecêrão p ro m p to s, p o r q u e n e m o poder que os m a n ­
dava admit lia desculpas, n e m a torça que os o b n g av a,
escusas • v en d o -se depois deso b rig ad o s da hom enagem , que
Uão poderia em alguma co n ju n ctu ra incluir-se no n u m e ro
dos perjúrios, e assim jurárao com condição e pacto do u so
livre da religião, conservação dos templos e Culto Divino.
th' muito digna do m em o ria a generosa e poucas vezes
vista resolução 'do P ed ro de Dessáes, Biscainho de nação,
(pie desprezando o tem or da m o rte e a infamia do supplicio,
por mais que sua m u lh er, amigos e p arentes o p e rs u a d irã o
a que seguisse o exemplo dos mais no ju ram en to de h o m e ­
nagem, não p o d e rã o acabar com elle, que vencesse esta
gloriosa obstinação até chegar ao togar do patibulo, em que
h a v i a s e r e n f o r c a d o , e m p e n a d a s u a negativa, a c o m p a -
pi

nhado dos nossos Padres, que furão os que nos deixarão


estas m em orias.
Porém as lagrim as de I). Antonia de Menezes, soa m u ­
lh er, e o em penho de algum as pessoas de respeito, e talvez
p ru d en te receio do G eneral, que nao firm asse com esta m orte
a constância que devião te r os m oradores a seu exem plo,
lhe deo por então a vida, que por esta acçuo hem m erecia
o seu nom e estar cternam onte escripto nos anoaes da H d c-
lidade Portugueza.
D ividirão-se logo os soldados hollandezes pelos engenhos
do rio Itap u cu rú , cm esquadras de quinze até vinte hom ens
cada h u m a ; e os que restavão do preciso presidio daqnella
praça se espalharão pela ilha obrigando a seus m oradores
a su sten ta-lo s a grande custo. O quanto padecessem estes
m iseráveis no vil cativeiro de huns hom ens sem fé, que lhes
reprim isse o orgulho da sua ambição c sensualidade, deixo
eu á consideração dos leitores, p o r ser m ais facil o ponde­
ra-los com o discurso que o exprim i-los com a penna,
se não quizerm os dizer que esta excedeu os lim ites de
intolerável.
Alguns eserip tores tenho encontrado que com dem asiada
acrim onia culpão esta desgraça de Bento Maciel, e por con­
seguinte offuscão nesta acção as m uitas e gloriosas em p re-
zas em quo deu a conhecer com o seu valor a sua Jideli-
dade no serviço do seu rei, já na expulsão dos hrancezes,
já na expugnaeão dos índios re b e ld e s; e por ultim o sendo
C apitão-m ór no P ará, buscando com destem ido anim o aos
Hollandezes que se achavâo intrusos no Gabo do Norte,
obrigou-os á força de arm as a despejarem a terra de que
m ais a ambição que o direito os íazia senhores, com injuria
grave do respeito com que devião ser tratad o s os dom inios
de P ortugal, que não reconhecião outro senhor que sen
actual Soberano : podendo clelle dizer-se, que as m uitas
m ercês que recebeu dos Senhores Reis de Castella íorao
todas alcançadas á força do seu braço no real serviço, com
grande acerto c prudência do seu governo, que lho m ere­
ceu, além da doação da Capitania do Gabo do N orte, a
patente de C apitão-general de todo o Estado, em que o apa­
nhou esta fatal infelicidade, que m ais a falta de forças para
a defensa que do animo lhe o ccasio n o u ; com a m uito ag g ra­
vante circu m stan d a de estar por então m alquisto dos m o­
r a d o r e s p o r os t e r t i n t a d o p a r a a f a b r i c a e r e e d i f i c a r ã o dos
m u ro s da cid ad e
i\ão pretendo com o<m d e s c u lp a ra prende iiiacçãocmque
O póz o sen mesmo desaceordo: com quanto ainda não tivesse
forças para disputar em cam panha rasa a entrada dos ini­
m igos, podia com tudo valer-se da superior vantagem dos
m atos, por ser senhor do paiz, e os soldados daquella praça
e os índios m uito práticos nas em boscadas, com que podia
pouco a pouco consum ir os ílollandezes, ignorantes por
então do terren o , e que não poderião subsistir naquella
cidade, faltando-lhes os frutos da terra precisam ente neces­
sarios para o fornecim ento das suas tropas.
Mas a falta desta occorrencia nem o pôde por então sal­
var do perigo, nem a subita invasão dos inimigos o iez lem­
b ra r das grandes experiendas que tinha adquirido nos
m aiores apertos m ilitares, Não quero, porém , deixar de
advertir, que sendo a m em ória de Bento Maciel benem erita
ao Estado, não m erece a talsa imposição que lhe poem, de
que a causa de hum tão grande infortúnio fora a falta de
soldados que tinha a praça, pelos trazer espalhados pelas
suas conveniendas particulares no sertão cio Pará e na sua
Capitania do Cabo do N orte; pois tenho á mão hum assento
veridico, pelo qual consta que os soldados que tinha por
fóra não passavão de quinze, signal de que a boa fama deste
Governador só teve a infelicidade deste funesto accidente
no tem po do seu governo, do qual ern circum standas tão
criticas não podia deixar de perigar o seu credito, deven­
do-se rep u tar os seus erros, por pequenos que fossem,
como grandes, e pelos m oradores de quem estava m alquisto
m uito m aiores. A m orte, que pouco depois do seu desterro
para Pernam buco o apanhou, lhe impedio o não sentir por
mais tempo a sua desgraça.
CAPITULO V.
DO QUE OBRARÃO OS NOSSOS I’ORTUGUEZES EA RE S TAUR A­
RÃO DO MARANHÃO DO P O D E R DOS IlOLLAINR E ZE S , ANI­
MADOS DOS RE LIGIOSOS DA COMPANHIA.

Não se contcnlavão os ílollandezes com se verem já se­


nhores de hum paiz alheio, e do que a violência, c não o
direito lhes tinha dado execranda posse; porém , passarão
das contribuições ás vexações, com que na guerra costum ão
ordinariam ente os vencedores opprim ir aos paizanos.
Não satisfeitos com a prim eira, passavão á segunda e te r­
ceira violência, c o peior era que depois de lhes roubarem
as fazendas e as honras, lhes queria lam bem o seu tyrannico
dom inio, ou dar a m orte, ou ao menos am eaçar com a p ri­
vação da vida.
E ra insoffrivel o jugo cm que os mais pobres gem ião e os
m ais abalisados dissim u lav ão!
No soffrimento alheio augm entavão os ílollandezes cada
vez mais as suas ousadias, c já m enos receiosos do perigo,
fazendo clegráo das affrontas da gente m ais hum ilde, q ue-
rião tam bém continua-las nas casas de m aior graduação.
Ião -se dispondo pouco a pouco os anim os notavelm ente
irritad o s de tanto d e sa fo ro ; desabafando buns com outros
sobre a causa de seus infortúnios, recom m endando ao se­
gredo as queixas que form avão, e m ostrando desejar o
m esm o que não podião rem ed iar; só de Deos esperavão o
rem edio da sua queixa, e do m esm o Senhor que lhes désse
hum tolal allivio na sua ultim a desgraça.
Os que m ais ardião em zelo da honra de Deos, tão u ltra­
jado e offendido da heretica perfídia, erão o nosso Superior
o P adre Lopo do Couto (por te r já partido para Portugal o
P ad re Luiz Figueira a b u scar lium a grandiosa Missão de
operarios) e o P adre Benedicto Amodei, os quaes vendo os
grandes desacatos e sacrilégios com que erão tratados os
Sagrados Templos, o m áo exemplo que se dava áqucllas
novas plantas da Christandade, a quem os Ílollandezes faci-
lifavão o m e s m o q u e a nossa lei lhes prolubia, e que os
P'hI its lhes ensinavão dev ião tugir, como ]>estc da aSithi,
enredo das consciendas ; pela fraqueza propria da natureza
e neia n atural inclinação que tin id o a liberdade ae con
scirncin, na com m unicarim de tao perigoso traio, iao_ dando
a beber o veneno dos m esm os dogmas que llies praticavao,
com notável prejuizo daqucllas almas, que pela su a iu stio i-
dade eido laceis de se en g anar; e o peior era que ato alguns
dos Portim uezes ião já gostando do mesm o que neviao higii,
porque ou o parentesco os fazia affeicoados, ou a dependên­
cia os aparentava nos costum es com os IM a n d e z e s.
Estes e sem elhantes m otivos clavão bem a conhecer o
arande risco o desam paro daquelles Catholicos, não se ouvin­
do mais que queixas e clam ores do povo, que a caridade
dos nossos P adres não podia rem ediar por mais que os
animavão á paciência e tolerância de tão pesado jugo. ima
o P adre Lopo do Couto de agigantado espirito o altos pen­
sam entos, e de hum animo e coração avultado para as m aio­
res em prezas. P e ii p arte a seu com panheiro da idea quo h a ­
via dias o trazia desassoccgado sobre as tyrannias que via
padecer aquelles m oradores, c os seus am ados índios infi­
cionados já com o contagio da heresia. T rouxe-lhe a m e­
m ória os repetidos sacrilégios dos templos, espalhadas com
ignominia as pedras do sanctuario, chorando as m esm as
ru as por serem caminho de iniquidade, sem que por cilas
pisassem já os Catholicos para virem ás solcm nidades da
Igreja o officios divinos, com medo dos hereges ; sem o r­
nato, porque despojadas da cstolla virginal as donzellas,
gem endo os sacerdotes por não poderem im pedir os desa­
catos com que era tratad o o sanctuario, por cuja defensa
parece devião arrisca r as vidas até as ofíerecer em sacrifí­
cio no mesmo altar cm que deviao ser expiadas tantas of­
fensas. Que o rem edio era sacudir o jugo qnc violentam ente
padecião, resta u ra r a liberdade perdida e pôr o u tra vez
a te rra nas mãos do seu legitimo S o b eran o ; que com h u ­
ma tão gloriosa acção se faria a Deos e ao Rei grande
serviço, e so daria ao m undo o mais veridico testem unho
da sua fidelidade, pois nem o juram ento quo derão, p or im-
com petcnte, faltando-lhes as condições com quo o íizerão,
os obrigava; nem seu soffrimento entro tantas injustiças e
crueldades poderia já ter outro nome que o de hum a inju­
riosa cobardia.
Ono olle tinha seu so b rin h o Antonio Moniz b a r r e i r o s
retirado no seu Engenho (além de se r o m ais ufíendido
dos Ilollandezes), pelo mais zeloso no serviço do seu P rin ­
cipe, e o mais bem quisto dos m oradores do tem po que
íbra C apitâo-m ór daquella cidade, os quaes não duvidarião
fazer o que lhe vissem o b ra r, p o r ser a causa com m uni, e
na qual se interessava a desejada liberdade daquelles p o ­
vos. Que era preciso passar á te rra lirm e do Itap u cu rú , e de
cam inho da visita das nossas aldòas com m im icar com o
m aior segredo h um negocio de tanta im portância, co rn o s
mais bem intencionados, e am antes do bem da patria.
A dm irado da generosa resolução de seu S uperior, o P a ­
d re Benedicto Amodei penetrado já da g rande com paixão
com que via p erig ar o bem de tantas alm as, escandalisado
sum m am ente das tyrannies e sacrilegos procedim entos dos
Ilollandezes, approvou a idea c prom etteu p a ra o desejado
íim em p en h ar a Deos c a sua Mfii Santíssim a, a cuja honra
e desaggravo tendia principalm ente hum tão im portante, em ­
b ora arriscado negocio.
P artio logo o P adre Lopo do Couto a visitar a C hristan-
dade da te rra firm e, como costum ava, e conform e a reco­
m endação que lhe tinha deixado o bom P adre Luiz Figueira;
e na volta desta sua visita, com o intento de o ver, buscou
seu sobrinho Antonio Moniz, a quem , no m a io r silencio da.
noite, com m unicou só p o r só o acerto, conveniências e m eios
de lium a tão gloriosa acção, que elle tom ava tanto á sua con­
ta ; e appro v an d o -a Antonio Moniz, se obrigou a com m unicar
este negocio com os dem ais bons patricios, de cuja fidelidade
tinha elle cabal conhecim ento que ajndarião a em p re -
za ainda com risco das p roprias vidas. Nada intim idarão
a h u m tão grande soldado os perigos do facção tão a r r is ­
cada, e recom m endando ao P adre o segredo, que era toda
a alm a daquelle illustre facto, offereceu bens e pessoa p ara
a restau ração da liberdade em abono da fidelidade ao seu
Soberano, como depois o fez em P ernam buco o grande
João F ern an d es Vieira.
E rão com m uns as queixas, iguaes os sentim entos, c uni­
versal o descontento dos m oradores, na vil sujeição e ty­
rannico poder dos Ilollandezes, p o r isso foi facil ao P a d re ,
de grande respeito en tre elles, o persuadi-los a to m ar as
arm as, abonando a m esm a resolução com o parecer do seu
santo com panheiro, o P ad re Amodei, que tinha tom ado
m uito á sua conta o e n c o m m e m l a r a l i e o s e s t e n e g o c i o ;
erae era o m ais eílieaz incentivo que aqucllcs m oradores
movia para ab raçar esto em penho, p e lo _ grande conceilo
que tinlião cia santidade, e espirito prophetico deste m sigue
,lá o num ero dos libertadores da patria, fieis a Deos c a
seu Hei, que ao principio pela dem asiada cautella era
m uito dim inuto, movidos do zelo e conservação c defesa da
nossa Santa Fé, tinha avultado e tanto, que se contavao ja
sessenta- tão unidos todos c tão fechados com o segredo da
causa que pretendião defender, que pareceu m ilagrosa esta
(lifíicil em preza no m eio dos m esm os inim igos, c en tre as
providencias da sua m aior vigilância unanim es todos na re ­
solução : só faltava eleger o chefe que os governasse, e a
cujas ex p erien d as e valor se podessem com m etfer os acertos
daquella gloriosa em preza. ,
Foi fac'd o votarem todos na pessoa e m erecim entos de
Antonio Moniz b arreiro s, já acostum ados ao suave do seu
"overiio e á singular prudência da soa conducta, do tem po
one fòra C apitão-m ór do M aranhão; e não obstante os p e ­
rimis que cm si envolvia a occupação, abraçou anim oso o
carro para m o strar que era tão bom vas sallo de seu Hei,
(uiò prim eiro que todos lhe queria sacrificar a vida en tre os
riscos da m esm a difficuldade que em prehendia.
Avisou logo p o r carta, e com toda a segurança, aos que se
tinlião offerecido por restau rad o res, ordenando-lhes fossem
pondo em cobro as suas familias com aquellas providencias c
cautella que requeria h um tão im portante negocio, para no dia
e hora da noite que lhes assignor! se achassem todos no En­
genho de Vital Maciel (a quem tam bém avisava), que era o
ultimo e m ais distante da boca daquelle rio : advertindo
que na viagem sc dividissem em corpos pequenos para que
a m ultidão os não fizesse suspeitos aos inimigos. ^
Aos nossos P adres recom m endou tam bém discorressem
pela lllia na visita das suas aldêas, para terem m ais á m ao
os Índios que havião de ser precisos p ara os rem os e p ara
os arcos. P or conta de todos correu o encom m endar a Deos e
á Virgem Senhora, o bom successo daquelle negocio, assig -
nalando-sc em tão piedosa supplica, que m uito tom ava _a
seu cargo, o fervoroso e apostolico Padre Benedicto Amodei,
que a todos prom ettia o bom exito da em preza, fiado na
jusliea da causa, e nas superiores luzes do seu prophetico e s ­
pirito. E n trarão logo a preparar-se, o a darem á execução as
ordens que t.inhão recebido, em quantonão chegava o uiíim o
prazo de tão gloriosa acção, que parecia se r toda de Deos,
pelo bom successo c inviolável segredo com que se ião
expedindo e executando as ordens.
Juntos todos a rem o su rd o , e com a força da enchente
da m aré, pegado quasi ao E ngenho de Vital Maciel P aren te,
filho n atu ral do G overnador, que tinha sido do Estado,
m andou o C om m andante Antonio Moniz dessem de repente
no destacam ento dos H ollandezes, que rdli se achava, não
dando a ninguém q u artel, cm quanto elle se recolhia ao seu
Engenho, h u m pouco mais abaixo deste ultim o, em cujo
posto poria hum a luz na p a rte que lhes íizessc m ais se­
guro o seu desem b arq u e. Foi tão bem executada esta ordem ,
que prim eiro experim entarão os H ollandezes os golpes, que
sentissem os nossos soldados, encontrando no seu m esm o
descuido a m o rte, da qual nen h u m só escapou, como m e­
recido castigo das m uitas insolências que tinhão com m ettido
naquelle rio. Contentes e satisfeitos com o bom successo da
prim eira em preza, buscarão a rem o m iúdo o E ngenho do
seu Com m andante , que cuidadoso os esperava no porto
onde ardia aquella luz, que de longe divisarão no escuro
da noite, e era a m esm a senha por onde agora se guiavão
para buscarem o lu g ar, onde logo encontrarão a Moniz,
que com o m aior silencio os foi guiando p ara o q u arte l dos
Hollandezes, que ainda assim p resentirão o ru m o r da gente,
e recciando m aior força, se g u ra rã o as portas e se íizerão
fortes na sua m esm a praça de a rm a s ; m as corno não po­
derão ser offendidos do ferro dos nossos re sta u ra d o re s,
m andou o C om m andante lan çar fogo ao quartel, que como
era coberto de palha d ep in d ó b a, ard eu logo sem re sis te n d a ,
e os que não m o rre rã o queim ados pela sua perfídia, encon­
trarão nas nossas espadas o m erecido prêm io de seu atre­
vim ento.
Julgou o C om m andante que pedia prom pta e sem elhante
execução a em preza dos m ais E ngenhos ; e não obstante a
obstinação das suas guarnições, todos acabárão á espada,
excepto alguns a qu em a com paixão do Sargento-m ór An­
tonio Teixeira de Mello concedeu a vida, p or estarem no seu
m esm o Engenho, que era o prim eiro passada a boca do rio ,
e foi agora o ultim o para o estra g o dos inim igos; porque
deixando os prisioneiros ao cuidado de hum m o rad o r do
m e s m o r i o , e s t e , p a s s a d o algum tem po, preoccupado do en-
i ranhavei odio que fin ha a esta nação e do alguns aggvavos
duo tinha recebido dclles, os m andou m atar pelos seus es­
cravos. B arbaridade, que devendo se r castigada, ioi so poi
então reprehendi da. Tão criticos estavao ali os tem pos, que
ora preciso dissim ular desobediências, e disfarçar sem elhantes
tvrannias. , . ,
Já não restava mais na te rra firm e as arm as victoriosas
dos nossos P ortuguezes que a m aior de todas as íaeçoes,
que havia de ser a pedra de toque do seu valor, alvo da sua
constância, e a m elhor prova da s u a prem editada resolução.
Era esta a tom ada do F o rte do Calva rio, no m esm o n o Itapu
carii, que tinha de guarnição 70 soldados escolhidos,_ e oito
peças de boa artilh aria, e mais aprestos c m unições de
guerra e boca. Já se ia aproxim ando o quarto de alva, e
q u eren d o -se aproveitar do fervor dos seus confidentes,^
m andou o Com m andante Antonio Moniz, que com o m aior
silencio se ajudassem davasante, e com os rem os em punho,
e á sordina fossem buscando o Forte, parte nas canoas, e
p arte por te rra por caminhos em que erão práticos, p o r
e sta r já o seu pequeno batalhão m ais augm entado de gente
que tirilião arm ado com as m esm as arm as dos vencidos.
Chegarão liuns c outros ao F orte antes de am anhecer
com tão boa fortuna, que já as nossas guardas avançadas
tinhão aprisionado hum a sentinella inim iga, que os guiou
para detraz de hum grande penedo á m aneira de m onte, a
quern ficou o nom e do Penedo da Paciência, pela que os
nossos ali tiverâo esperando que am anhecesse. Fizerão alto
até abrirem as portas do Forte, pelas quaes esperavão tom ar
por sorp resa aquella m aior força dos inim igos.
Raiou o dia. e ao toque de hum a trom beta se abrio a
p o rta, e sahirão alguns Hollandezes a descobrir a cam panha
m ais por costum e, que cora o devido e m ilitar accordo, p or
que á pouca distancia se recolherão, sem ao m enos olharem
p ara a p arte do penedo, onde se occultavão os nossos, favo­
recidos daquelles m atos. Mandou logo Antonio Moniz m a r­
chassem todos no seu alcance com passos tão calados, em ­
bora m ais apressados, que não só os não p resen tirão os
que se recolhião de descobrirem o caminho, senão que até
a sentinella que se achava na guarita (o que se a ttrib u io a m i­
lagre de N ossa Senhora) não deu fé dos nossos, que m uito
;j seu salvo entrarão no Forte com golpes tão apressados, que
'.qu-zar de m u i tu vivos não despertou o resto da guarniçao.
Vendo-se os i n i m i g o s i ã o r o j a m tinam ente a e m n m o U i d o s , h>~
ui a do já o corpo da guarda, apenas iivorão anim o p a r a st*
lançarem ao rio. q u e r e n d o a n t e s m o r r e r nas suas aguas q u o
ao tio das nossas espadas, e m que ;já tinha acabado a maior
p arte dos com panheiros; p o r q u e d e t ã o g r a n d e n u m e ro ,
que se achava não só naquelle F o rte, m ais tam bém d isp e r­
sos pelo rio em m ais, ou m enos grossos destacam entos,
conform e as forças dos Lngenlios que m uniciai cio, nem liuni
só escapou com vida, p ara que não faltasse circum stancia
que conduzisse os nossos com batentes ao tem plo da fama n o
carro de seu m aior trium pho.
CAPITULO VI.
CONTINUAÇÃO DA MESMA MATERIA.

Vencidos cm liiima só noite, a m ilagres da P rovidencia


Divina, tantos e tão poderosos inim igos, limpo já delles todo
aquellc rio, que tinha sido o th eatro das suas v io lê n c ia s;
ordenou o G apitão-m ór que com o mesmo ard o r m ilitar
buscassem a ilha do M aranhão a continuar a g u erra tao
ju sta, como felizm ente principiada, receiando fosse a dem ora
causa de se sab er prim eiro que a sua chegada a total
derrota das guarnições hollandezas, como na verdade su cce-
deu, porque hum m estiço, que escapou á nado do conílicto,
levou á fortaleza da cidade a triste nova daquella fatal
d errota. E o m esm o aviso, que servio na cidade de m aior
vigilância aos inimigos, servio tam bém de não m enos cautella
ao receio dos m o rad o res, que venturosam ente se puzerão
em cobro, e, com a chegada do G apitão-m ór, se aggregárao
lam bem ás suas tro p as; e como a conveniência própria era
por então o m aior incentivo para a im itação, m uitos dos
que estavão p o r lóra dispersos seguirão prom ptos o seu
exemplo.
Já mais engrossado o nosso cam po, postou o C om m andante
o seu arraial en tre a Ibacanga e Garaú, junto do sitio a que
cham ão Tayáçúcoaratim . Aqui ju n tárão os nossos P adres os
Índios que poderão tirar das aldèas, e para o m esm o lugar
correrão tam bém alguns P ortuguezos com as suas famílias,
levados ou do zelo do bem da patria, ou do am or da liberdade,
querendo antes m o rrer na cam panha como soldados, que á
forca do castigo hollandez, como cobardes; porquê tanto
que o General teve aviso do estrago dos seus no rio Ita p u -
curú, rep reso u logo os m oradores, que ainda se achavão
descuidados, m andando ju stiçar a huns e exterm inar a o u ­
tros, com o pretexto de que erão espias que fom entavão a
que elle cham ava rebellião, m andando recolher á praça toda
a sua infantaria, com os viveres que pôde aju n tar p a ra a
subsistência dos seus soldados.
Não estava n e s t e tempo ocioso Antonio Moniz B a r r e i r o s ,
porcino tratava do levantar no arraial alguns rep aro s para a
detensa, snpprindo com arte a falta do loreas, c lazendo o
h ig a r m ais defensável a qualquer ataque dos inim igos. Metticlas
naquclle recinto as fam ilias dos nossos T'ortngnezes, e m ais
pessoas que não podião servir ao m eneio da gu erra, fez o
Gapitão-mór m ostra geral da sua gente, que apenas excedia
o num ero de duzentos com batentes, en tran d o alguns índios
de g u erra, os m elhores trcclieiros e os niais uteis paia as
em boscadas, que na situação do paiz era o m elhor m odo de
pelejar com os llollandezes, superiores em forças, que ora
preciso enfraquecer com algum estratagem a m ilitar. Dividio
em dons corpos o grosso da sua infantaria ; com h um íicou
guarnecendo o arraial, e o outro o entregou a hum cabo
íla sua m aior confiança, de distincto valor e e x p e rie n c e
da g u erra, p ara cpic talasse a cam panha o im pedisse toda a
com m im icação da praça com as fazendas da Ilha, donde
rccebião os precisos soccorros para o sustento daquelle
presidio. Buscou logo esta escolta o lu g ar do C oty-m iiim ,
onde se alojarão, em quanto se não offerecia occasiao de se
cevarem nos inim igos com o m esm o ard o r que os conduzia
áquella im portante em preza.
Pouco tem po era passado da sua chegada, quando tiverao
noticia certa de que os llollandezes no dia seguinte os p r e -
tendião repentinam ente atacar nas suas m esm as estancias.
Avisou prom ptam ente o cabo ao seu G om m andante do poder
com que o inimigo o preten d ia b u scar, e fo rã o tao vivas as dili­
gencias com que Antonio Moniz os p reten d eu so c c o n e i,
que antes que am anhecesse já estava com a m aior p arte da
sua milícia no m esm o lu g ar dos com panheiros, que com
alegria os receb erão , em quanto não am anhecia, c tom avão
algum descanso, fiados na vigilância das suas g u ard as avan­
çadas.
R om peu finalm ente o dia o m ais venturoso para as nossas
arm as, e en tro u logo o G om m andante a dispor a em bos­
cada, principiando na p arte onde a estrada fazia hum largo
ju n to á m argem do m esm o rio. Foi prolongando pelo cam inho
os m osqueteiros, en tre os quaes m etteu tam bém alguns ín ­
dios de arco e frecha , cobertos todos da com m oclidade
daquelles m atos, com ordem passada que ao signal de h u m
m osquete, que se havia d isp arar na cabeça da em b o scad a,
largassem ju n to s o prim eiro fogo nos inim igos, a quem b u s ­
cassem prom ptos com as espadas cm punho, an tes que a
ICO ■

«leniora <>< t o s o reco b rar do susto, c para quo os quo não


acabassem á fo rra das balas viessem a p erd er as vidas aos
fios do nosso ferio. . ,
D ispostos com tão militar acerto_os nossos combatentes,
(> anim ados com as prom essas da victoria que lhes assegu­
rava o seu Com m andante, csperavão im pacientes o inimigo,
eme, com ap ressad a m archa, os ia b u scar _uo sen m esm o
alojam ento. Com punhão-so os seus batalhões de duzentos
hom ens, entregues ao com m ando doC apitao b a n a a lim f), de
narão Escosseza, o m ais destem ido c valente soldado que
tin hão os Hollandezes naquella praça. Cammhavão elles tao
scouros de d e rro ta re m o s nossos, que chegando ^ao lu g ai,
quV era o principio da nossa em boscada, e n tra rã o alguns
sequiosos do cam inho a refre sca r-se no erystalm o cias aguas
daquelle rio, prolongando-se pela estrada cm busca dos
nossos, com u m menos acautelado desprezo das nossas
forças;5 porém sahio-lhes tão errado este arrebatado conceito,
que em parelhando com a cabeça das duas alas que g uarne­
cia o o cam inho, disparada a arm a, que era o signal, d es­
carregarão os m osquetes e arcos, com pontaria tao certa e
tiros tão prom ptos, que, sem ainda sc recobrarem do susto,
encontrarão a m orte no íio das nossas espadas, sem escapar
de todo aquelle num ero mais que quatro soldados com
hum Alferes, que foi levar a triste nova ao G eneral da praça,
com a im portante circum stancia de te r acabado no conflicto
o celebre Sandalim , que, desprezando a m o rte, nao quiz
aceitar o bom quartel que lhe offerecia o S arg en to -m ó r
Antonio Teixeira de Mello, assaz nam orado da ra ra valentia
com que acabou, pelejando cheio de jm m o rta l gloria, pela
qual m ereceu dos nossos a attenção de m ais honrada
sepultura, ao m esm o tem po que ficavâo no cam po m ortos
os com panheiros, entregues seus corpos á voracidade das
aves de rapina, a que dão o nom e de U rubús. Custou a
victoria dons soldados e alguns feridos, rogando a Dcos pelo
bom successo da em preza o fervoroso P ad re Benedicto
Amodei, que assistia, como sem pre, no nosso arraial.
Foi im portante o despojo, pela necessidade que então tí­
nham os de arm as c m unições, de que o inimigo ia provido
com resolução de se não recolher á praça sem nos acabar
a todos en tre as escassezes da nossa m esm a penuria; p o rq u e
dizião que além de serem o sn o sso sb izo n h o s.erão tão poucos
í "i O vord.idfir<> 'U-.t<• n/a — SaiuMin,
10

em m unero, <inc ou acabaríam os na resisleneia, on nos sup a -


la riam os á m aior forra das soas arm as; porém succodeu
lanto pelo contrario, quo ernquanto d ie s clioravào a sua
desgraça na fortaleza, sc eongralulavão os nossos g u e rre i­
ros no campo da batallui,
A gradeceu a todos o G apitão-m ór o bom que so tinhão
portado no com bate, c a valentia com que tinhão acom iiictíi-
(lo os líollam lczes. Cham ou logo a conselho, propondo aos
principaes com panheiros a firm e resolução em que estava
de seguir as vantagens daquolla victoria ed e acom m ctter do
im proviso a cidade, antes que os inim igos, ensinados da sua
m esm a perd a, se prep arassem com m elhor disciplina para a
defensa do mais rigoroso ataque.
A. todos pareceu, m uito bem o parecer do C apitão-m ór,
m enos ao S argento-m ór Antonio Teixeira, que como solda­
do a quem as" ex p erien d as acreditava o d o m a is seguro, lho
não pareceu b em arrisca r aquclle pequeno corpo na obsti­
nação de hum desesperado conflicto cm Im m a praça p resi­
diada de tropas reg u lares, e defendida de m uito boa e gros­
sa artilh aria, tão bem fornecidas de m unições do boca, o
g u e rra , que podião su sten tar o m ais porfiado cerco, não lhes
faltando com o p o d er a disciplina, c vigilância m ilitar.
Assim soube esforçar o seu discurso com razões tão con­
venientes, que houverão por m elhor ceder p o r entao do seu
projecto. Nesta perplexidade e indecisão passarão a quelle
dia e noite, ciando da victoria p arte aos com panheiros
que tinhão ficado no arraial. E cuidando das disposições da
sua m aior segurança, puzerão sentinellas pelos cam inhos c
lu g ares donde podião se r acom m ettidos pelos inim igos.
A m anheceu o seguinte dia, e em todos juntam ente a nova
resolução de aeo m m etterem a cidade, fiando de Deos a causa
c dos acontecim entos cia fortuna o bom successo da em preza.
Não se oppoz o Sargento-m ór, por não q u e re r d a r m ostras
de cobardia, nem esfriar com o seu p arecer o ard o r m ilitar
de tão generosos soldados.
Chegados aos confins da cidade íizerão alto para exam i­
n arem o lugar m ais acom m odado, c forcarem os Hollander
zes dentro de suas m esm as trincheiras. A ssentarão se r o
convento dos Religiosos cio Carm o, no meio e centro da ci­
dade, em bum lu g ar alto, não m uito distante dos m u ro s, o
sitio mais proporcionado aos seus intentos. Nelle se posta­
rão com m uito pouca resistência dos cercados, clrnios ta
21
,1o tem or pelos felizes successos que m uito á sua custa se
contavão tias nossas arm as. , , cn
Senhores de hum posto tão vantajoso, trata rao logo ele se
entrincheirar, m ais pelas m edidas que perm ittia_ o tem po,
que pelas reg ras que ensinava a arte de fortificação, cingin­
do o seu alojam ento com hum a m eia lua para com m elhor
segurança resistirem a algum repentino assalto. ^
F azia-se preciso senhoreassem -se os nossos das casas cie
Antonio Vaz, sitas então no canto que hoje faz a ru a que vai
para Santo Antonio. E ra posto este de im portância, e p o r
isso defendido do inimigo com grande força se nao m cnoi
vigilância. Com m ctteu o Capitão-m ór esta facçao corn of)
soldados ao Capitão Pedro da Costa Favella, que aceitando-a
com gosto pela sua im portância, prom etteu logo fazer todo
o possível por desalojar delle os llollandezes, como o lez
com a m aior resolução c bravo anim o, assim seu, corno dos
soldados que o seguião, hem apezar dos^ defensores, pelo
grande fogo que os nossos, depois de fortificados, lhes faziao
na ]ira ca dentro de suas m esm as trincheiras, ajudados de
dous canhões, que tinhão m andado vir do forte cham ado
Cal vario.
D esesperados da sua conservação viyião já os llollandezes
naquella fortaleza, que posto tivesse livre a com m unicaçao
do m ar, como p o r clle lhe tardassem os soccorros, que já
tinhão pedido ao Conde de N assau, e por te rra lhe não p o -
dessem en trar os viveres, por estarem os nossos senhores
da cam panha, cada dia se ia pondo em m aior risco aquella
praça ; assim os nossos so soubessem aproveitar então do b e­
neficio do tem po; porém não era ainda chegada a hora de
se concluir a liberdade dos m oradores, talvez p ara terem
mais occasiões em que fizessem m em orável o seu nom e
pelas valentias dos seus braços.
E ra o nosso P adre Lopo do Couto hum dos m ais em pe­
nhados na expulsão dos hereges, movido não só do grande
desejo da liberdade dos Portuguezes, como c principalm ente
pelo da honra c gloria de Dcos, cujos sagrados tem plos via
tratad o s sem respeito, sem culto e sem exercido, inficiona­
das as alm as pela heretica corrupção dos costum es, e final-
m ente reduzidos á ultim a desesperação do seu so ífrim en to ;
vendo os tristes m oradores os hereges faltarem ás condi­
ções, com que os tinhão obrigado a render obediência aos
Eslados de líoüanda; sendo por isso fácil a relaxação de qual-
quer juram ento nas circum stantias, que o caso pedia, quan­
do perigava já na heresia a salvarão do tantas alm as.
Viste o inativo, e fervoroso desejo da nossa resta u ra rã o ,
que trazia ao P adre Couto desvelado, não poupando provi­
dencia, nem perdendo circu m stantia que podesse servir ao
desejado Um da liberdade dos m oradores; ao que se aceres-
centava o te r já chegado do Pará á diligencia do seu Senado
o da fidelidade de seus m oradores, hum bom soccorro de tres
com panhias de soldados com 700 índios de g u e rra . Taes iu~
tclligcneias tinha do que havia, e s c fazia na fortaleza, e ta m ­
bém sonhe p rem ed itar a sua tom ada por repentino assalto,
que era i tafa Uivei ganha-la se seu sobrinho Antonio Moniz, a
quem o P ad re propoz a m ais opportuna occasifio, a não aban­
donasse p o r ap ressad a, como o tio lhe persuadia, vendo
talvez dilatar p o r m ais tem po a ultim a das suas acções,
que elle queria servisse de rem ate á sua m ilitar m em oria;
m as a m orte, que tudo atalha, privou-o da gloria, c
ao P adre do g ran d e gosto que tinha de ver concluída
aquella gloriosa restau ração pela valentia das nossos arm as.
Brevem ente conheceu o C apitão-m or com irrem ediável
arrependim ento o prejuízo dc se não aproveitar do acertado
conselho do P ad re Impo, que como tinha m edido a acção
pelas circu m stan tias do tem po, faltando agora estas, faltou
tam bém a oceasião da entrega da fortaleza, dc que o P adre
tom ou tão grande pena vendo fru stra d as as su as diligencias,
que enferm ou gravem ente, e cm poucos dias, ajudado de
seu bom com panheiro o P adre Am odei, entregou a alma a
seu C reador, p ara gozar na gloria o m erecido prêm io do
seu m ortificado esp irito , trocando a liberdade da te rra pela
do céo, e os trab alh o s dc hum a penosa vida pelos descansos
de Inima felicidade etern a.
Foi jgualinentc sentida a sua m o rte pelos valorosos P o r-
tu g u e z e s; porque posto os não aju d asse com a espada, os
soccorria com o conselho c os defendia com o fervoroso de
suas orações c rogativas a Deos, c lhes assistia com os
m im os da sua fervente caridade.
E ra resp eitad a a sua direcção nas acções dc m aior im por­
tância, em que as suas razões erão ouvidas como oráculos,
p o r ser o P adre do lium a esphera de juízo m uito avultada e
de hum a p artic u la r graça e dom do conselho. A elle se deve
o arbitrio c resolução desta gloriosa g u erra em beneficio
da liberdade dos P o rtu gue/.os, o reslatiração do M aranhão,
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(jl„. (li'yo sor eterna sua m em oria nos annacs desta


r/u!ade, ficando-nos não pequeno sentim ento, por nos ta lta -
ivia mais particulares noticias deste apostolic ç> c esclare­
cido Missionário.
J',H 0 P adre Lopo do Couto lilho do Portuga!., onde entrou
ua nossa Com panhia conservando sem pre h um ardente dc-
s e i o de serv ir a P ens na red acção dos Gentios, c sa.vaçao
dos Índios do Brazil; para cuja gloriosa Provincia partio na
coinnanhia do P ad re Marcos da Costa, que tm ha ido por
procurador á Boina, e voltava p a ra a Bahia no anno de ihU J.
\ijvii se applicou p o r ordem dos S uperiores, a quem era o
notorias as vantagens do seu espirito, ao laborioso exercício
das Missões, no cuidado e direcção das nossas aldeas em
que lorão in n u m eraveis as reducções o grandes os serviços
que fez a D ecs em beneficio das alm as.
E como era corisiimmaclo m estre no idiom a brazihco, e
tinha adquirido largas experieneias no trato com os Im lios
com incansável zelo de verdadeiro operario, ioi escolhido
en tre m uitos, e m andado a diligencias do seu especial feivoi
á Missão do M aranhão, no anno de 1624, para ajudar os
P adres Luiz Figueira e Benedicto Aniodei, epie instantem ente
pedião obreiros para acudir ao desam paro de um a tao
grande se a ra ; e a P ro v in d a lhe m andou lm m que valia p o r
'muitos, pelos m uitos c relevantes serviços que nesta Missão
j'cz a Bens e ao seu Principe, com grande fruto não só das
almas dos Índios, senão tam bém da reform a cios costu­
m es cios PorUiguezcs.
Por este m esm o tem po m o rreu tam bém nas mãos do
Padre Aniodei, o Irm ão C oadjutor que viera do Brazil na
com panhia cio P ad re Lopo, e tinha ajudado m uito no ex er­
cido cias Missões e occupações da casa, com zelo, virtude e
edificação dos proxim os, de quem era am ado pela b ran d u ra
e docilidade do génio, dando am bos ao m esm o tem po fim
á carreira, que com p articular gosto e por am or cio Senhor
tinhão principiado, para p articiparem juntos do m esm o p ré ­
mio que lhes tinhão m erecido suas singulares virtudes.
Adiante verem os hum testem unho authentico cio m uito
que o M aranhão deve á b o a m em oria deste esclarecido P ad re
Lopo, e p o r conseguinte á Companhia de Jesus, assim na
sua conquista espiritual, como na tem poral da sua re s­
taurarão.
CAPITULO M l .
"VARIOS ACONTECIMENTOS E GLORIOSAS ACÇÕES DOS
NOSSOS R E S T A U R A D O R E S .

Cuidadoso vivia o nosso Capita o-m ó j“ Antonio Moniz B ar­


reiro s, sentindo a falta de seu tio o bom P adre Lopo do
Couto, com quem se consolava e anim ava, com quem con­
teria c desabafava cm hum a cam panha cheia de perigos c
em hum a occupação cm que cada dia experim entava novas
difíiculdades e em baraços : porque os inim igos como erão
m uitos e pelejavão am parados dos seus m u ro s e dos seus
canhões, tinlião m ais tem po para o descanso que os nossos,
de ordinario álerta c quasi sem pre com as arm as nas m ãos.
Os H ollandezes, que até então vivião com notável receio
na falta do soccorro que opportunam ente tinlião pedido ao
Conde de N assau, G overnador de Pernam buco, vendo agora
e n tra r pela b a rra hum navio e sete barcos com gente de
tran sp o rte e m unições do g u erra, en treg u e tudo ao com ­
m ando do fam oso A nderson, não só se não lem bravão
dos perigos passados, nem se contentavão com o breve re ­
cinto dos seus m u ro s, senão que se consideravão já senhores
da cam panha e rigorosos executores daqnella que elles cha-
rnavão rebellião, ao m esm o tem po que vião os nossos arris­
car as vidas, c sacrificar as fazendas pela lealdade do seu
legitim o Soberano.
C ircu m stan d as erão estas, que parece lhes devião que­
b ra n ta r as forças, a não estarem os nossos tão inteiros no
anim o agora, corno no principio, resolutos todos, ou a con­
cluir o com eçado ou acabar as vidas na em preza.
A chava-se a este tem po assaz opprim ido de cuidados e
m uito debilitado do forças á violência de agudas febres o
nosso G eneral da g u e rra , e como os brios de soldado o con-
servavão em pé, rendido ultim am ente á valentia do m esm o
achaque que havia dias padecia, m ostrando que era m o rta l,
calho gravem ente enferm o, nom eando logo para fazer as suas
vezes ao S arg cn to -m ó r Antonio Teixeira de Mello: que bre-
Yomentc desem penhou o cargo, dando m o stras de seu cos-
tuniiulo víiior c disciplina no a t a q u e dos inimigos, quo sits-
Ifii 11oi i com Ião lion fortuna , quo A n d e rs o n , quo tinha
arommoltido os n o ssos re p a ro s com o g ro sso do soccorro
quo havia trazido do P e rn a m b u c o , sem quo os creditos da
si ia pessoa, n e m a fama do seu n o m e lhe v alesse m c m h u m
tão dese sp erad o condicto, so re tiro u p a r a a fortaleza m ais
depressa do quo tin h a sahido, com a m aior p a r t e da su a gente,
ou m o rta ou ferida, sem nos c u s ta r h u m a Ião gloriosa acção
m ais qne ires soldados c sete Índios, o q u e p a r e c e u m ila­
g r e pela desigualdade de h u m a s a o u t r a s forças.
Ao m e s m o tem po que os nossos se congratulavao da vic­
toria, entrou Antonio Moniz em outra contenda m ais h o r­
roro sa, onde não ha forças que resistão, nem valor que
oppor se possa, c porque vio que com passos apressados
so adiantava a m o rte, m andou cham ar ao venerável P adre
Ponedicto Amodci, em cujas mãos lhe entregou todos os se­
gredos da alma para a dirigir segura naquelle ultimo tran se
da m ortal vida.
Uccchidos todos os Sacram entos, cham ou então os prin­
cipal's cabos daqnclla illustre restauração, expondo-lhes b re ­
vemente as conveniências que a todos resultavão de seguir
o, concluir aquclla guerra, rccom m endando-lhes a prom pta
o leal obediência ao seu novo General, como sugeito a
([item não faltava m erecim ento para o cargo, nem valor e
brio para os defender de seus inim igos; despedindo-se
utlim am ente de todos com inconsolável saudade dos seus,
se recolheu só por só com o seu bom P adre espiritual, tra ­
tando m eram ente das conveniências da alm a, para m o strar
no fim da villa que com a valentia de soldado soube ta m ­
bém ajuntar a piedade christãa com que m orreu.
Deixou cm seu testam ento a hum filho n atu ral que tinha
por herdeiro e aos nossos Padres por adm inistradores cio
seu engenho do Itapucurú, na m enoridade do filho.
Assim acabou gloriosam ente na cam panha hum heróe quo
m erecia m ais dilatada duração, a não lhe atalhar a m orto a
grande gloria com que tinha principiado hum a daqueltas
illustres acções que eleva os hom ens e lhes levanta esta­
tuas no tem plo da fama. Viva eternam ente, já que por suas
heroicas acções m erece ser acclamatio pelos clarins da
h isto ria.
Foi og eralm c n te sentida a sua m o rto de todos os bo n,s
patricios, c seria ainda mais se não e n x u g a s s e m as lagri-
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mas com a acertada nom eação do successor, que foi logo
approvada por pluralidade de votos, como sugcito em cujos
bom bros calda seguram ente o peso do hum a facção tão
ardua e de lmma eoguerra tão renhida.
Concluídos como m elhor pcrm ittia o lugar c tem po os
funeraes do Com m andante, tratou logo Antonio Teixeira de
iMello de incom m odar os inimigos com os dons canhões que
esta vão cavalgados, com tão boa fortuna que com elles des­
m ontarão a clous da fortaleza, de que recebia grave damno
o nosso quartel.
Enfurecidos os Ilollandezes com esta novidade, vendo o
m anifesto risco a que estavão expostos os seus artilheiros,
instigados do dem onio, ao que parece, entrarão no barbaro
e sacrilego projecto de porem a Im agem de vulto do Glorioso
S. .loão Baptista naquella m esm a p arte em que acertavão
m elhor os nossos tiro s; porém o Santo, querendo desem pe­
n h ar os créditos da nossa fé, com hum a vergonhosa confu­
são dos pérfidos hereges, ao prim eiro fogo que fez o canhão,
onde o tinhão posto os inimigos do seu culto, rebentou
clle com tão fatal estrago que fez em pedaços os que se
achavão mais perto, obrigando-os hum tão m anifesto p ro ­
digio a tira r a Im agem com mais respeito do que a tinhão
posto.
A esta peça, segundo a tradição, ainda vi assim que­
brada no canto da ru a, que fica im m ediata á to rre velha
do Collegio, c vai acabar na erm ida de Nossa Senhora do
D esterro.
Tinha entrado o anno de 1043 sem acção que se fizesse
digna de especial m em oria, e como da nossa p arte fossem
já faltando as m unições de guerra, crescendo ao m esm o
tem po algum a desunião en tre os nossos cabos, pelo motivo
dos diversos pareceres que cada hum seguia, mais pelas
reg ras da propria vontade que da razão, se vio obrigado o
Capitão-m ór Antonio Teixeira a levantar o bloqueio, e reti­
rar-se para o in terior da Ilha, o que fez com tão boa ordem
e pericia m ilitar aos 25 de Janeiro, que só com a luz do
dia se soube na praça da sua retirada, a tem po qnc já as
nossas tropas se achavão no Coty, onde no armo antece­
dente tinhão alcançado as arm as portuguezas hum a insigne
victoria. D iscorreu, e bem , o nosso Com m andante, que os
inimigos lhe havião m andar picar a retirada, motivo jun­
que lhe arm ou no m esm o lugar outra sem elhante embos-
Nú» l h o c u h i o c it u ú o o s e u d is c u rs u .
' ■ c (. Sl, n i i r á 0 o s H o i h m b e x o s c m n u m e r o ne ..»0
. ! ' jf>!) i i i i l i o s , e o m m a m l a d o s i k .»v . l o a o L u c a s , C a p u a o q u v ,
i m m do fork! d o C o a r a . . _
" ' T - a laalH d ad n s vinlião c Ião c u g n s d a s o a m e m , pa>xao,
,m o íaU aiH Ía au s p r e c i t o s .la in d ic ia ' s ™ h f A m i n h o
,ias q u o d e s c o b r is s e m o c a m p o , p a r a m o pclo c a m u u
o n d e e s t a v ã o o s n o s s o s e s c o n d i d o s , q u o ( p i a n d o j.i ' o j U > «
! dnuaiuia do engenho do A raragy, *iiic pro cndiao sa-
(lu rir iii-indados do hum considerável despojo, Hies s a h u .o
Os nossos a tão horn tempo, quo m etlendo-os no m eio do
dons foil1os os acabarão a todos com o mesmo cabo que os
novcniava cxeoptuando quatro índios, quo n a espesm e
Hos malos salvarão as vidas para levarem ta o triste nova
do sou partido, não custando aos vencedores aquolln acçao
mais sangue que o de algum as pequenas term as, e poucos
't S a . l o s os nossos com
o despojo, e bom principio da
sua m archa, a furão seguindo em boa o rfo m a p o ugM i b
.Morúapú n , onde formando logo o seu a n a ia t fottiueado o
m elhor quo poderão, expedio o General algum as p aitim . ,
com que por duas vezes fez notável dam no aos llo llan d czts
m atando-lhes m uitos soldados, c fazendo alguma^ m iporbu -
los presas, até quo consum m ida a m aior p arle das m iiniço s
de 'm o rra, chamamlo a conselho, assentarao que aquello
alojamento se desam parasse, e se passassem todos coin suas
familias para a terra firm e de T apuytapera, o que pozeiao
lo.ro em execução depois de tre s mezes que tm liao occn-
pado aquello quartel. Anderson, que se achava na praça de
S. Luiz vendo-a agora desassom brada dos nossos P o rtu -
jriu7.es, se retiro u tam bém para Pernam buco dando ja a
nossa restauração por acabada. _ _ v „ ,^
Os Capitães Pedro Maciel P aren te c seu irm ão .loao \clho_do
Valle, que tin hão vindo do P ará ao so c c o rro d o M aranhao,
como' deixarão em T apuytapera as suas canoas, in c o n su te-
r a d a o menos decorosam ente desam pararão os com­
panheiros e se em barcarão para o P ará, levando comsigo
as poucas familias, que poderão o os qm zerão acom panhar,
eufre cilas o celebre Pedro Dessnes, Biscainbo, com sua
m ulher 0 . Antonia de Meuezcs, e Lourenço de le r a , que
,q Uomtilo chama a cílc lumu* Moniaçy, ponto tia ilha <k» MamMiat' para o
I;),).i .Io rio Uapiinm'i, Awws n. k>S,
como Linha assistido nesta co m p a n h ia , nao servio pouco
p a ra nos deixar delia algum as noticias, de que agora nos
ap roveitam os nesta historia.
Quizerão os mais seguir a m esm a derrota, por terra, por
não poderem por m ar, se a cotm nodidade dos cam inhos,
então im praticáveis pela esp essura dos m atos, désse lu g ar
ao seu desígnio : além de que a distancia do caminho de
cento e tantas léguas (o que hoje com m elhor averiguação
e certo rum o se tem reduzido ao num ero de oitenta) para
gente m im osa e com tantas íam iiias se fazia a viagem to tal-
m ente inaccessivel. A todos consolava o hom P adre Benedicto
Amodei, com panheiro inseparável nos seus trabalhos, acu­
dindo-lhes, não só com os Sacram entos nas necessidades da
alma, senão tam bém com os rem édios nas enferm idades do
corpo. E porque onossoC om m andante, cuidadoso e indeciso
nas operações da g u erra, falto de meios para a seguir, vivia
assaz descontente, vendo a passos lentos fu g ir-lh e das m ãos
a gloria daquella m em orável conquista , o Padre Amodei o
anim ava com tão seguras prom essas do soccorro divino na
sua m aior necessidade, que confiado na virtude deste vene­
rável varão, esforçava cada vez mais a sua constância, o
nenhum dos P ortuguezes desesperava já do alcançar o re ­
m edio a tantos trab alh o s. Tal era a confiança que todos
tinhão nas suas o ra ç õ e s , p o rq u e com seus m esm os olhos
observavão o quão deveras tratav a elle este negocio com
Deos, a quem com encarecidas supplicas, banhado em la g ri­
m as pedia désse o desejado descanso áquelles afflictos m ora­
dores, desterran d o de todo a perfídia liollandeza de hum as
te rra s que estavão dedicadas ao culto de seu Santíssim o
N om e; e como Deos lhe fallava ao coração, os exhortou a
que esperassem da sua infinita bondade e da singular p ro ­
tecção de sua Mãi Santissim a o ultim o soccorro no seu
m aior aperto.
O effeito desem penhou a prom essa, porque a poucos dias
chegou do P ará o Capitão Antonio do Deos, com hum hom
fornecim ento de polvora, m o rrõ es e balas.
Este opportuno soccorro para as operações da g u erra
encheu de m aior animo ao C apitão-m ór, e aos seus soldados
de novos esp íritos-para continuar a cam panha no m esm o
paiz, de que estava já senhor o inim igo. A proveitou-se então
o nosso P adre Benedicto Amodei deste ard o r m ilitar com a
grande confiança, que tinha cm Deos, e com as poderosas
Oil
, .jnioptc. /.elo, íoi tão i'oi-lc o com bate do
) nu d u m os percuadio a concluir a cmpreza no sc
1 , 1 |V| deseiada victoria, tino conquistados aquelles vale
«"t* ucs c reduzidos ao m esm o que a sua valentia
;; is aconsellmva p o r m e lh o r se r e ^ í ^ o »

0s r í c t i i o
E i ^ e t u r ^ i u ^ ^ 0Ü S A n S “S
vpsleií , com mais sete Po rtu g u eses, e m d u a s e a n u a s b e m e s -
ji . , , ln Tnriinc' ep h em antos aos rem os, m elhoi aos
'Ircos1 corn o rd e m para se inform ar do que se passava n a ilha
m rin it a n u c u r ú . P ara este encaminhou elle prim eiro as suas
pròas com tão boa fortuna c destemido valor quej s a b e m
ir>vedava por elle lm m b arco armado com 30 Hollandezcs
l E b o r d o u , degolando-lhe toda a equipagem, menos.. lm m
(IUc servio de lingua, e lançando logo a embai cacao *e en
\ pn n r ;0 (\q festivas luminárias, todo a quelle dia, p a u
melhor celebrar este triu m p h o . Retirou-se cheio de gloiia
H K aò q o arlc P g c n cral depois de p a s s a r . pelo torte
i ('«ivario secu n d a vez occupado pelos inimigos com a
í o T i S áa os quaes, salvando com repetidas balas as
duaPtriutnpbanles la n d as, as deixarão p assar en tre os riscos
do susto superiores p o r é m ao perigo da passagem. _
1)0 prisioneiro soube o nosso Commandante com mdivi-
d à f . estado da Ilha, o exercia,o dos l l d l a n t a e s . que
e n " andarem disfrutando as lavouras dos m m adores, ie
be hi seus frutos na praça para fornecimento do seu
hresidin quo ia mais avultado com o soecorro q u e Imha
checado' de P ern am b u co , carecia m into de sustento. fw o
intimidam aqueüe ao nosso Commandante, p o r q u e |ja o seu
campo se achava ta m b ém mais engrossado, assim de m o m -
tioros como de Índios. Ordenou logo aos Capitaes Manoel
de Carvalho (*j e João Tasco, soldados am bos de valor e reso ­
lução une com as suas companhias passassem a ilha a
t a l a r ’a campanha, e a fazer aos inimigos as m aiores h o s ­
tilidades- e elle com o resto da sua gente os íoi seguindo
até se acam par cm h u m lu g ar mais proxim o a dita Ilha, e
o mais conveniente á distribuição das suas o rd e n s na oc­
c u r r e n d a de algum repentino accidente.
(■', Manoel de Carvalho Barreiros, irmão do Capilão-mór Antomo Moni*
Barreiros. S k r m h , Animes n, SO!).
Chegarão os dous cabos a tão bom tempo, o com tão bom
successo, que em vários encontros com os H oüandezes lhes
m a ta r ã o m ais do cincoenta s o l d a d o s ; obrigando aos mais,
que andavão espalhados, a r e c o lh e r - s e ao recinto da sua
praça. P o r é m para resarcir o d am no, que as nossas parti ­
das tinhão causado nas suas tropas, sabendo que o Capitão
Manoel de Carvalho estava com q u aren ta soldados desfazendo
h u m a s lavouras no sitio das ín h a ú b as (*), expedio logo s e s ­
senta Hollandezes com cento e cincoenta índios, e o r d e m ex­
pressa p a r a que os acom m ettcssem nas vantagens do seu
m esm o descuido s e m d a r q uartel a pessoa alguma.
Quando já ião chegando ao lu g a r destinado, ford o presen-
tidos das nossas sentinellas, e tom ando todos com p ressa
as arm as, rechaçarão os aggressores com tanto brio e va
lentia. q u e os d erro ta rão , e pozerão e m vergonhosa fugida,
indo s em p re picando-lhes a reta g u ard a com tão b em ajusta ­
das em boscadas, que ju n to da Cidade, até onde os seguirão,
já não ião vivos senão alguns Francezes, a quern da nossa
p arte se permittia born quartel, aos q u aes m a n d o u o General
hollandcz enforcar, p arec en d o -lh e, e suspeitando não peleja -
vão contra os Po rtu g u ezes conforme os rigorosos preceitos
da milicia. Assim desabafava este cabo nos seus infortúnios,
faltando a justiça, p o r não p arecer faltava as obrigações de
acautelado.
(■) Berredo chama a este sitio Nhaúmas. A n n im ris. 88:i e 880.
i V i ’l T I ! . ( ' V III.

mi m a i s i j i t . « m r.Á R Ã rt os xossos p o r t c w e z e s a te con


Cl,UTREM A RESTAURAÇÃO RA LII5ERDARE.

rr'mlm m i r a d o o rncz d e Jnnlio de 4 4 GS, c já mais advcr-


1idos os inimigos fugiào m uito de se e n co n trar com o nosso
IVhto- porque dos Portugnozcs oxperim entavao e.les tao
,tosados eoipes, q u e a b o m livrar (quando nao íicavao sem
<>,||a) se recoil lião quasi sempre com as m aos na cabeça.
Krão Id do dilo m e/, dia do glorioso Portuguez banto An­
tonio, e dava fundo na barra do Maranhao Pedro de A lbu­
querque, Fidalgo da rasa real, com patente de G overnador
C apitão-ticnèral do Kstado, a quem o berem ssim o Rei o
Senhor I). João IV, compadecido do cativeiro dc seus vas
sallos, inform ado já dos esforços qüe aqnelles m oradores ti-
jibão tirado da sua m esm a fraqueza, reeom m endava o soc
co rro da Cidade : a cuja barra chegou com hum a feliz viagem ,
Vendo partido de Lisboa nos fins dc Abril, em hum a grande
■jião item fornecida dc soldados o m unições de g u erra, e
nella também um a luzida Missão de quatorze Religiosos, que
conduzia o fervoroso e apostolico P adre Luiz Figueira, que
para esse effeito tinha passado ao Reino.
Fiado na segurança das suas am arras, esperava o nosso
(iovernador certificar-se do estado da te r r a ; porque não
sabendo se estava p o r nós a praça, prudentem ente receiava
acom m ettcr o porto, para que não perigasse nelle a im p o r­
tância daquelle soccorro, e se perdessem de todo as es­
peranças do rem edio daquelles valorosos P ortuguezes.
Mandou disparar alguma artilharia, para ver se adverti­
dos os nossos m andavão reconhecer a náo, que pelas suas
bandeiras bem dava a conhecer que era de Portugal. A dver­
tidos os tiros no nosso arraial, discorreu e bem Antonio
Teixeira o que poderia ser, e expedindo logo em duas
ca nó as oito soldados com o seu Alferes João da Paz, e cin-
c o e n l a índios rep artid o s, reeom m endou ao cabo averiguas­
se com exacção a causa daquelles tiros, c estando su rto na
b a r r a algum n a v i o qne parecesse de Portugal, o abordasse.
! /•>
r inform ando nViudamonte no Capitiio do quo passava. o
persuadisse a buscar a ancoragem da Villa de T apuyta-
p éra, (pie era o único porto que tínham os então á nossa
obediência.
Partio João da Paz, e pouco depois do m o n ta ra ponta,
que cham ão da Area, topou com hum lanchão de llo llan d e-
zcs com vinte e sete soldados, que vinbão de A raçagy; e
como era destem ido e de prom pta resolução, não obstante a
grande desigualdade de num ero, abalroou os inim igos com
ião form idáveis golpes, que os que não ficarão m ortos, se
ren d erão prisioneiros á valentia do sen braço.
() desvanecim ento desta gloriosa acção o fez d esallender
com reprehensivel nota as ordens do seu Com m andante,
buscando com p ressa o nosso arraial, em lu g ar de conti­
n u a r na diligencia a que fôra m andado, receiando talvez não
m allo g rar com a segunda a prim eira em preza. .
Vendo o G overnador que de terra não chegava em barca­
ção, su p p ondo-a ainda no poder dos llollandezes, m andou
levar a am arra, c com vento feito foi correndo a costa de
longo em dem anda da Cidade do P ará , com notável
saudade do venerável P adre Luiz F igueira, o de seus fer­
vorosos com panheiros, por se não verem senhores daquella
te rra , que cl los cham avão de P ro m issão , e á vista da qual
se tinhão m allogrado todas as suas esperanças. .
Foi este descuido de João da Paz totalm ente opposto á
ultim a conclusão da liberdade dos m o ra d o re s; porque sem
duvida os m ilitares brios de Pedro de A lbuquerque não ha-
vião do p erd er hum a Ião boa occasião de acabar por liuma
vez com os llollandezes, auxiliadas as nossas arm as de hum
tão im portante soccorro, e de tão luzidos e valorosos sol­
dados, a quem seria m ais facil vencer na Ilha do M aranhão
as forças da flollanda, que nos baixos da Tigióca a força
invencível daquelles m ares.
A seu tem po verem os de lium a vez, encadeadas tantas d es­
graças.
Não deixou Antonio Teixeira de Mello de estranhar com
aspereza, e severidade de superior a desordem do subdito,
em bora revestida com os applausos e gloria do vencim ento
do lanchão; m as como se via iisongoado da pro sp erid ad e da
sua fortuna, não se dem orou m uito em m elancólicos dis­
cursos, cuidando só no fim glorioso da restau ração da
liberdade, a que m ais que tudo o animava o m esm o tem or
/

li

iiiinii'ins, nuo já rcspeiiaváo as nossas partidas como


ra jos de Vi arte. em cnjo estrago perdião sem a m enor vau
ta g e m as vidas. . D <
Friiquaiito Pedro de A lbuquerque navega para o F aia,
veiamos o que obrão os nossos P ortuguezes no Maranhao.
' |a culTeiido o anno do Kid3 com tão favorável aspecto
para os Portuguezes, como desgraçado influxo para a naçao
hollandeza. , , „ ,vnm
Varios, e paio nós gloriosos íorao os encontros, ue imm
e outro partido: o mais digno de m em ória entre todos, o
o que parece decidiu por ultimo o glorioso lim de tao re ­
nhida uuerra, foi o do mez de Agosto, no m esm o sitio a
que chamavão das ínhaúbas , no qual o General liollandez
te/, hum dos m am res esíorços das suas arm as. ^ _
Soube elle que naqucllo lugar se achava o Gapitao Ma­
noel do Carvalho com quarenta soldados o alguns índios,
na diligencia de fazer farinhas para o ordinario e preciso
sustento do nosso arraial, e como desejava d escarreg ar
sobre este valoroso Capitão toda a fúria da sua cólera, pelos
muitos e graves datamos que delle tinha recebido a sua
indicia; inform ado da pouca disciplina m ilitar, com que os
nossos andavão discorrendo de hum a para outra parte,
menos cuidadosos da sua conservação, que da factura das
farinhas, discorreu seria facil a sua intantaria degolai a
nossa entre os accidentes do seu m esm o descuido.
Fez sahir da praça hum luzido destacam ento de cento e
oitenta soldados, e igual ou m aior num ero de índios p aia
d errotar o nosso pequeno batalhão.
Com elYeito aos 10 de Agosto toi sentida a sua vanguai-
da, de dons Índios que nos servião de guardas avançadas,
os quaes devendo logo re tira r-se para avisar aos com panhei­
ros, inconsideradam ente quizerão aproveitar as settas que
tinhão nos arcos, e apenas as dispararão e Íorao vistos,
quando no sen alcance forão alguns m osquetes, com que
castigarão a ousadia de hum despedaçado das halas, e o
receio do outro, feito por industria prisioneiro para lhes
servir de guia ao quartel dos. nossos soldados. Seguros
ram inhavão com pressa ao lugar onde se achava o m aior
corpo da nossa infantaria, que sem duvida seria totahiieute
desfeita a lhe faltar a protecção divina, porque levantan­
do os índios auxiliares dos líollandezes hum grande u rro
romo costum ão. noiim antes de investirem . s“rvi<> esle de
i
aviso p ara to m a r e m a ioda a prossa as a r m a s a e s p e r a r e m
a pó quedo o ataque dos inimigos.
Investirão eües logo aos nossos já f o rm ad o s p o r hum
dos seus officia es, por se a d i a r algum tanto desviado seu
Capitão Manoel de C a r v a l h o : mas como era designai o
p a rtid o e m aio r o o rgulho dos Ikniannezes, íoi preciso
ire m cedendo o cam po e larg arem pouco a pouco o ter
reno, até g a n h a r e m h u m lu g a r que sabiao seria mais van­
tajoso á sua defesa. Era este h u m eotoveho que (urinava
o cam inho, defendido de g ra n d e s c espessas a rv o res. _
Aqui se íizcrão fortes ajuizar das investidas do inimigo,
que vendo a nossa obstinação, dividio em dons batalhões a
sua infantaria, que com hum lho m eom m odava a 1rente, e
com outro os m andou acom m etter pela retag u ard a, lazendo
ao largo hum meio circulo pelo mesmo m ato que defendia
os nossos pelo costado, p ara que m eltidos en tre dons logos
ou se rendessem vencidos, ou acabassem as vidas ao e s­
trag o das suas balas. 0 nosso cabo que via ja im m inente o
perigo do seu pequeno batalhão, tirando forcas da m esm a
fraqueza, e anim ando aos seus cm altas vozes, lb.es lem ­
b ro u o valor antigo com que tinhao desprezado os m aio­
res perigos, e m andando a todos que se cncom m endassem
ao esforço de hum a desesperada defesa, visto lhes não res­
ta r outro rem edio, que ou vencer ou m o rre r na em preza,
acom m eltessem com brava resolução os^ inim igos quo
lhes íleavão na frente, com a espada na m ão, antes que o
batalhão que já os buscava pela retag u ard a os m ettesse no
m eio dos dous corpos. .
E xecutarão elles a ordem com tão heroico valor o disci­
plina m ilitar, que como furiosos raios fazião em pedaços^a
quantos se lhes oppunhão. E como da prim eira se souberao
desem baraçar com brevidade e nao pequena fortuna, ,AnLt
rão logo á segunda em preza, recebendo aos que os o u sca-
vão pelo costado, c que ainda ignoravão a d erro ta dos com­
panheiros, com tão pesados e vigorosos golpes, que o inimigo
vendo-se atacado pela frente, quando esperava acom m et-
te r-n o s pelas costas, p erdeu o animo, e posto cm desom em ,
licou totalm ente desbaratado, deixando no campo todo o
grosso de seus batalhões, sem mais perda da nossa p arte
que a de quatro soldados e oito índios m ortos, e h u m pc.
queno num ero dc feridos, signal evidente do m uito que Aeo.-.
e a Santíssima Virgem favorecião a nossa ca ima.
[.’oi esta victoria Unlit m ais gloriosa, quanto mais dos-
igual o partido das nossas arm as, o poL isso uigua sem
(Tmviela do otorna m em oria nos nossos annacs o nos da fama,
a valentia c resolução dos nossos soldados.
Senhores do campo c de hum im portante despojo, se ale-
oTavão os nossos o davão m utuam enle os parabéns, o já o
seu Capitão Manoel de Carvalho (que ao principio os assus­
tou e fez pôr em arm as, cuidando serem reliquias dos im -
migos que unidos os buseavão) dem andava os com panhei­
ros com alguns Portuguczes e Índios, que no cam inho
tio Pão derrotado liuma partida liollandeza quo o seu Com—
m andante havia deixado naquellc lugar para nos co rtar a
retira d a; porém foi tão bem assistida do valor do nosso
Capitão, que á custa de seis feridas com prou a gloria
(laquclla acção, que fez ainda m ais plausível a antecedente
victoria, que todos tiverão como especialm ente da mão de
]>eos, a quem derão todos as dcvuias graças : e de tudo
avisarão ao seu General Antonio Teixeira, que no arraial
festejou a noticia com repetidas salvas, e ao Senhor dos
exercitos m andou render m uitos louvores, cabendo não
pequena parte deste tão pio como catholico agradecim ento
ao nosso venerável P adre Rencdicto Amodci, que não ces­
sava de cncom m cndar a Dcos com fervorosas supplicas o
feliz c desejado fim da nossa liberdade e da total expulsão
da heresia.
instes e outros encontros de menos conta ensinarão,
m uito á sua custa, aos Ilollamlezcs a serem mais acautela­
dos o a viverem m ais receiosos, não se fiando já senão dos
reparos e recinto dos seus m uros, o da força respeitável de
seus canhões.
Recolhidos todos á praça, appellárão para o beneficio do
tempo, esperando que esto lhes trouxesse algum soccorro
de Pernam buco, sem o qual se não podia conservar p or m uito
tem po aquella unica o mais im portante força, por terem já
desam parado todas as ou tras, querendo prudentem ente que
os m em bros acudissem á cabeça, por cuja conservação cle-
vião sacrificar aqueiles a adversidade da sua fortuna.
Antonio Teixeira de Mello, que não desejava mais que tecer
a ultima coroa aos seus trium phos, vendo-se já com hum
bom soccorro, que do Pará lhe mandava seu G overnador e
G apilão-general Pedro de A lbuquerque, anim ado das effica-
zes instancias do bom Pad.ro Amodci, que, posta toda sua
confiança cm Dcos, lhe prom ettia o feliz successo da ex p e­
dição; destacou algum as partidas, que discorrendo peia
llíia im pedissem todos os viveres aos inim igos, sen h o rean ­
do-se de toda a cam panha para pôrem em hum form al
bloqueio aquella praça.
Foi esta hum a das m ais acertadas disposições do nosso
Com m andante, c a que pôz em m aior desesperação os Ifol-
landezes , depois que virão que Antonio Teixeira for­
mava novo cam po na Ilha com todo o resto das suas torças.
Crescia a falta de m antim entos na fortaleza, e nos Ilollan-
dezes o receio de os b uscarem com as arm as nas m ãos.
Tendão m uito que os m oradores, lem brados das grandes
violências e affrontas que tinhão delles recebido, vendo-se
agora victoriosos descarregassem sobre elles a sua ju sta
vingança.
Em baraçado se via o G overnador da praça não querendo
p ag ar p o r todos o desafogo da cólera do Conde Maurício de
N assau, General de toda a conquista b razilica; ia entretendo
com esperanças a sua infantaria, assegurando-lhes a b rev i­
dade do soccorro, se quizessem sacrificar m ais alguns dias
ao soffrim ento, esforçando a sua constância; porém elles
vendo que picava a fome e o valor dos P ortuguezes cada vez
m ais proxim o aos seus m u ro s, protestou a m aior p arte que
era conveniente e de m aior serviço da sua Republica o d es­
am pararem aquella praça, antes que algum repentino assalto
os fizesse aceitar os partidos ao arb itrio dos vencedores,
que ainda estavão em tem po de salvarem com as vidas as
suas familias e fazendas.
Não desagradarão estas razões ao General hollandez, e
vendo-se já destituido de m eios para a sua conservação c
subsistência, trato u de m andar pôr correntes alguns vasos
para o seu tran sp o rte, o que ajudou m uito hum navio p o r-
tuguez que desgarrando-se da frota do Brazil veio a cahir
nas m ãos dos Hollandezes, que aproveitando-se deste e dos
mais que já tinhão prom ptos, aos 28 de Fevereiro de 1644,
depois de ter m ettido á bordo o que poderão, encravada a
artilharia e tirad as todas as m unições de boca e g u erra, se
em barcárão e largárão a te rra a seu legitimo soberano,
depois de a terem occupado com m anifesta injustiça pouco
mais d e d o u s annos, porque senhoreando-se delia em 1641,
tem po em que já estes dom ínios não pertencião a Castella,
com quem allo llan d a tinha declarada g u erra, bem se podião
— 178 -
julgar i,„r piralas Imus hom ens que sabendo m uito bem
■;.sl'ava de posse do Reino o Serenissim o Senbor B. JoaolY ,
,.0JI1 quem a sua Republica não tinha contenda, parecia
justo se não fizessem u su rp adores de hum a conquista, que
'por nenhum titulo lho pertencia.
Além d e q u e , a m isericórdia de Deus. com padecida (tetan­
ias aítlicrões daquelles povos, movida ao que parece das ora-
(•(')(»s do fervoroso servo deD eos, o P adre benedicto Amodei,
quiz p o r ultimo arran car de entre o trigo aquella m aldita
zizania, desterrando por lm m a vez a heresia daquclla terra,
inn- á custa do suor do tão bons operários se tinha consa-
jra d o ao seu divino culto ; o que m anifestam ente se vio nos
janitos e desiguaes encontros que as nossas arm as tivorao
com os inimigos, onde a valentia dos nossos restau rad o res
só a m ilagres da Omnipotência podia trium phal’ de forças
Ião poderosas e de inimigos tão formidáveis, depois d e p e r ­
dor na gu erra 1,500 soldados escolhidos.
D esam parada a fortaleza pelos líollandczcs, teve logo no­
ticia o nosso General Antonio Teixeira dc Mello, que, com
inexplicável alegria e da de seus so ld ad o s, m archou para a
Cidade, onde entrou trium phante, pisando as m esm as pal­
m as que linha cortado á forca de seu braço. Buscarão logo
a Igreja da Senhora da Victoria, rendendo todos graças ao
Senhor dos Exércitos por tê-los livrado do infame cativeiro
em que ntó ali tinlião gem ido, c de que prodigiosam ente os
linha tir a d o : ajudados mais da poderosa intercessão de
Alaria Santíssima, qnc do poder d esu as arm as, tão desiguaes
ás forcas da Jloll anda , nação dom inante naquelle tem po
pelas grandes arm adas com que se fazia resp eitar nas costas
do Brazil. E não obstante os dons im portantes soccorros que
receberão no M aranhão, vindos de Pernam buco, sem pre os
nossos restau rad o res se oppuzcríio com sua costum ada va­
lentia ás arm as hollandczas, que ultim am ente deixando a
•praça nas mãos dos vencedores, m ostrarão ao m undo que
sem ajuda de Portugal sabião os PoiTuguezes sustentar
nossas conquistas, pelejando como fieis vassallos polo sen
Bei, pela Ba Iria e pela defesa da propria liberdade.
Acharão os m oradores totalm ente desfigurada a sua ci­
dade, e mais que tudo os Sagrados Templos, porque a luria
dos hereges, não podendo descarregar os golpes nos nossos
soldados, com m ettou o m aior destroço contra os seus
desam parados ed iticiu s: aehou-sc encravada a artilharia da
? .l —

pVaca, st‘in quo, noil a houvesse cousa quo podosse servir ao


nosso rep aro , m enos á defesa. Iam um a palavra, o que uan
eslava reduzido a estrago não deixava de padecer sua ru m a ;
porém os m oradores, que a passos apressados biiscavao ja
o abri.ro da cidade, contentes com a liberdade que possm ao,
adora vão com ellas tantas perdas, e cuidando só de recu ­
p erar o perdido, tratavão de se restituírem a antiga p ro s-
peridade que logravão. g .
Prim eiro que tudo expedio o nosso G apilao-m or aviso a
P ortugal (por te r já fallceido o G overnador do Instado) da
feliz conclusão da liberdade e do estado em que tinha brado
a cidade depois da deserção dos llobandezes ; e o quanto
cuida vão cl lo c os m oradores de refazerem as suas rum as,
m uito em p articu lar a fortaleza, que m uito necessitava de
m unições de g u erra e de algum a artilharia, p o r não terem
deixado os inim igos m ais que quatorze pecas, liava tam bém
couta dos postos que tinha provido^ nas pessoas mais bene­
m éritas que com distineçao o aju d ar ao naquclla cam panha.
E foi esta noticia Ião agradavel ao Sereníssim o liei, prim eiro
Pai c P ro tecto r da nossa liberdade , quo , attendendo ao
elevado m erecim ento do sem pre grande Antonio leix o ira de
Mello, para m aior credito de sua m ilitar conducta, con­
firm ou todos os postos que clle tinha conferido aos seus
ofliciaes.
Não consta de outra m ercê m ais avultada por nao so­
breviver m uito, depois d esta gloriosa restau ração , que a
não lh e atalhar a m o rte os progressos da sua ventura, ie -
ceberia da real m ão o m erecido prêm io de suas csclaiccidas
acções, por se r hum heró e, que bem m erecia estatua no
tem plo da Fama (*). .
0 nosso P ad re Benedicto Amodei, que era o umeo Jesuíta
que então se achava no M aranhão , c com cuja virtude
e fervorosas adm oestações se tinhao anim ado os in s ta u ­
rado res a levar a diante, c concluir por ultim o too glo­
riosos princípios ; v en d o -se agora com o campo liv ie p .u a
dilatar o seu zelo na salvação c conversão das almas dos
Portm niezes e Índios, que todos o vencravao por Santo, pelo
adm iravcl dc suas virtudes e espirito prophetico com que lhes
assegurou sem pre o bom successo de tantas victorias, nao
perdoava a diligencia com que podesse acudir a cada bum
O B e rrtd o em sons Ávmcs lam e n ta a injustiça com q u e se lio u m »*om
oste hciirm erito ciitaitão o Wivp.rno da Metropole, Xe, '
180 -

coin as industriosas fadigas da sun ardente caridade, que a


lodos abrangia, e muito rspecialmente aos seus amados
í n d i o s ; a quem os esforçais da sua grande paciência e bran­
dura procurou logo desviar de alguns erros em que os
tinhão met lido os "hereges, aproveitando-se da sua natural
rndez. E para que se" veja o muito que lie benemorito ao
Maranhão este aposlolico Missionário, e os grandes serviços
quo idle e seu hom companheiro, o fallecido Padre Lopo
do Couto, deixou a seus Irmãos, feitos a Deos c a seu Hei,
quero aqui copiar fielmente as certidões seguintes, cujos
originaos authenticos se achão em nosso poder.
Certidão.
« Antonio Teixeira de Mello, C a valloiro professo da Ordem
de Glinslo cCapitão-mór que fui deste Estado do Maranhão.
Certifico que tendo o inimigo hollandez occupado a cidade
de S. Luiz, cabeça do Estado, e todos os principaes lugares,
engenhos e mais fazendas delle, e sujeitos á sua obediência
todos os moradores, assim portuguezes, como n aturaes da
terra, na falta do Governador Bento Maciel Parente e do
Capilão-mór Antonio Moniz Barreiros, fui eleito para Capi­
tã o -m o r; e ajudando-me Deos e aos mais moradores, ju n ­
ta mcmlc com os Índios fizemos guerra ao dito inimigo, assim
jbra, como dentro da cidade, morrendo-lhe muita gente ;
de maneira que o obrigámos a deixar a praça, c todo o
Estado livre da sua sujeição e armas, sem para isso termos
soccoiTO algum do Portugal; e para que a to d o _ tempo
conste a verdade, declaro o certifico que a sobredita res­
tauração e guerra que se fez ao inimigo se deve principal-
mente ao zelo e industria dos Padres da Companhia, porque
o Padre Lopo do Couto, Superior que então era da casa do
Maranhão, foi o que com grande risco da sua vida tomou á
sua conta esta empreza, fatiando ás principaes pessoas deste
Estado, e cxhortando-nos a que tomássemos armas contra
o inimigo, fazendo-se as juntas e conselhos dentro da mesma
casa dos P a d r e s ; e posto que rompendo-se o segredo, che­
gando aos ouvidos dos Padres Frei N.... e Frei N ..,., traba­
lharão muito por nos dissuadir de que o intentássemos, e
que nos deixássemos estar na sujeição em que estavamos,
dizendo o dito Padre N .... que o caso era temerario, e o
dito Padre K..., que era injusto, illicito, c que ficavamos
excomimmgados: comtudo prevaleceu a efficacia e zelo do
Padre Lnpo do Couto, o qual era lao grande, quo, perden-
do-se por culpa do Capitão-mór Antonio Moniz liuma grande
occasião em que se podia tomar a cidade, o dito Padre o
sentio tanto que no mesmo ponto cahio mortalmente en­
fermo, e dentro em poucos dias morreu, a juizo de todos,
de sentimento: e succedendo-lhe no cargo o Padre Benedicto
Amodei, varão insigne em virtude e santidade, c venerado
como tal em todo este E s t a d o , continuou na mesma ex­
portação, animando a todos a que não desistissem da guerra,
e promettendo p o r muitas vezes o bom e feliz successo della,
com circum standas tão particulares, acerca dos tempos,
lugares e pessoas, que os seus ditos forão julgados de todos
por prophecias, e como taes os veneravão,ccom elles se ani-
mavão muito a qualquer empreza por difficultosa e perigosa
que f o s s e : estando o dito Padre neste tempo, todas as noites,
em oração diante de Deos, na qual por muitas vezes foi
visto arrebatado e suspenso no ar, como testeficão pessoas
dignas de toda a fé; de maneira que assim a resolução do
Padre Lopo do Couto, que deu principio e foi o primeiro
m o to r desta guerra, como ás orações e merecimentos do
P adre Benedicto Amodei, se attribuio a victoria e restauração
deste Estado; e eu, sem embargo de ser Capitão-mór, que
governava as arm as, o julgo e confesso assim, como tam ­
bém o confessarão então, e confessão hoje todos os Capitães
e soldados que na mesma guerra nos achamos; e por pas­
sar na verdade todo o referido, o juro pelo habito de
Christo, que professo, e pelo juram ento dos Santos Evan­
gelhos. Nesta Cidade de S. Luiz do Maranhão, em 9 de
Março de 1645. - Antonio Teixeira de Mello. »
Sobre o juram ento de obediência, coactivamente feito aos
Estados da Holland a, seguirão os nossos Padres o funda­
mento dos illustres c generosos Fidalgos de Portugal, resti­
tuindo o sceptro a seu legitimo Senhor, e o mesmo que
depois íizerão os m oradores de Pernambuco, p o r se faltar
ás condições com que a obediência foi jurada, ficando fácil
ao povo a sua relaxação.
Outra certidão do mesmo Capitão-mór.
« Certifico eu o Capitão-mór Antonio Teixeira de Mello,
que he verdade que eu conheço os Padres da Companhia
de Jesus neste Estado do Maranhão lia °25 annos pouco
mais ou menos, os quaes sempre viverão como verdadeiros
Kelioiosos, assim cm vida como cm costumes dando de si
r(ÍT,cl( ira doutrina, assim a brancos como a M i o s ensi­
nando semnrc a verdadeira doutrina de Christo neste Estado,
acudindo com muito amor e zelo de Deos, e honra do seu
liei todas as partes que os cltam ão; principalmonte. na r m -
tauracão deste Estado, forão a causa principal de se res­
taurar, c a não serem ellcs, estaria ainda hoje cm podei
dos inimigos; porque ellcs forão a origem d e m o v e i s o a
m.ierra com que se lançarão lura, movendo aos naturaes da
terra cansados das muitas deshonras que íaziao os licicgcs
cm os templos sagrados, ajudando com sua lazenda ao sus
tento dos soldados naquillo que poderão, p ara conseguirem
o intento comccado; andando os ditos Padres em campa-
idia com os soldados, administrando os Sacramentos a todos
os lieis Christãos; fundado tudo cm o serviço de Deos e d o
seu liei o não movidos de interesse algum. E do que toca a
culpa que lhes imputarão, e aconselharem a que matassem
os Fraucczcs que vicrão de arribada em h u m patacho a
esta barra, lie falso; porque do tal cousa nunca forão sa­
bedores, senão quando eu fui sabedor do caso. E por me
ser pedida esta certidão para sua defesa IIP a mandei passar
na verdade, o que juro pelo juramento dos Santos Evan­
gel Lios. . . .
« Maranhão, sob meu signal e sinete das minhas armas,
hoje 44 de Março de 10-47. —■Antonio Teixeira de Mello. »
Esta mesma certidão quasi pelas mesmas formacs pala­
vras se acha passada pelo Capitão de m ar o guerra e Gapitao-
m ór da Capitania do Pará Paulo Soares do Avellar, Caval-
'Ioiro da Ordem dc S. Thiago, com a clausula final - « o que
juro pelo juramento dos Santos Evangelhos por passar tudo
na verdade. E por mo ser pedida esta certidão, lli a mandei
passar, por mim assignada, c sellada com o sinete das mi­
nhas armas. S. Luiz do Maranhão, 15 de Março dc 1647. •
0 Capitão-mór, Paulo Soares do Avellar. »_
Onero rem atar este livro com a breve noticia das arm as
da Cidade de S. Luiz do Maranhão, a quem a injuria do que
devia ser o maior cuidado de seus moradores, deu não p e ­
queno trabalho ao nosso Padre Procurador Geral em Corte,
Lento da Fonseca, para Uvas descobrir em seus livros, pelas
não terem primeiro gravadas nos m arm o res para eterna
lembrança dos vindouros.
São, puis, as armas próprias desta cidade, cabeça em
— 1Síi -
mi Iro tempo do Estado, Jinrii esc iulo coroado, no campo do
qual se vê liura braço armado de lmma espada, de cuja,
mão, como de Astréa, pendem humas balanças a qne servem
de condias dons escudos menores, em h u m que pesa menos
se vô as libres de Liz e arm as de Ilollanda com estas
letras — V IS— ; no outro, que pesa mais se vê as armas
de Portugal com as mesmas l e t r a s — JV S— e por baixo
logo a cpigraplie, que diz: — Preponderai — porque pesou
mais o j u s , ou a justiça das armas de Portugal, que o m ,
ou forca das de Franca e Ilollanda, com immortal desempe­
nho do valor portuguez, c não m enor gloria da valentia
daquelles illustres m oradores do Maranhão.
L 1 W K O 111.

ENTF.AOA OA COMPANHIA DE JESUS NA CAPITANIA DO GRAO-PARA

CAPITI LO 1.
B llE V E N O T IC IA 1)0 SELF D E S C O B R IM E N T O , I T M U Ç À O E DO
SEU P R E SE N T E ESTADO.

Dissemos no Cap. X do prim eiro livro, a expedirão que


fez o C apitão-m ór Alexandre de Moura, mandando a Fran.
cisco Caldeira Castcllo-Branco ao descobrim ento da boca do
grande rio das Amazonas, para abi fundar hum a boa e bem
regulada povoação. E ntregou-lhe para esta conquista 150
soldados escolhidos, além dos índios que podessem servir,
não só ao m aneio das em barcações do seu tran sp o rte, senão
tam bém de linguas m uito praticas p ara a ttra h ir ao nosso
partido o m uito Gentio, que se dizia, povoava a costa e en ­
tra d a da quelle grande rio, que era hum a grande p arte da
nação Tupynam bá, de que se povoara tam bém o M aranhão.
A actividade deste Com mandante deu hum tal o tão
prom pto expediente aos vasos e tudo o m ais preciso para
aquella pequena arm ada, que nos Uns do Novembro de 1615
larg o u as velas do porto de S. Luiz e endireitou as suas
proas ao lu g ar da sua d errota, correndo sem pre a costa de
longo pelo rum o de E snoroestc, com mais ou m enos decli­
nação até vencer os baixos da Tigioca, e ch eg ar com lium a
feliz viagem defronte da B arreta, que hoje fôrma a entrada
da villa da Vigia. Foi subindo esta g rande boca, que corre
entre a to rra dos Sacácas na Ilha dos Joannes e a dos T u -
pynam bás da p arte de Eeste.
Passou a balda cham ada do Sol e a ilha do mesmo nom e,
que era hum dos mais agradaveis lugares desta costa para
fu n d ar hum a cidade, a não serem seus m ares tão inquietos
que fazião diflicultoso o desem barque ás uáos do Reino e
j S<. —

(‘Milnrciici k'S da terra, jii.r ser açoutada hula aquella cosla


,|as nfandrs rnarezias da tarde, algumas vezes com Irovi -
das^quc dc rnanhaa perdem os marcs a l u n a , ncm sao os
"'craos tao rijos quo causem ícceio. . „ i
c Suliio (insumente alb o lugar, onde se ac.ia hoje formada
a cidade do firão-Vart. K vemlo liuma dilatada enseada,
«lio cada m mais se ia levantando, ate acabar na po.iU
cm mie está fundado o Collegio da Companhia, apesar;da
onnosicão de almius barbaros que povoavao a t e r r a , agia
dado «ías conveniências do silio deu fundo no mesmo ligar
duo serve hoje do ancoradouro aos navios uo hemo. íatou
do desembarque elos sons soldados, e o primeiro i ortuguez
„„0 pisou aquella te rra foi Antonio de Deos, que com os
mais que o seguião tomou della posse com signaes de
erande alegria, pelo lugar da povoarão, que havia depois
ser a capital desta nova Luzilania. Era o dia dcb. brancisco
Xavier, Apostolo das índias, a quem dies tomara o por íeliz
annuncio da sua expedição, e como principal í adroeiro dc
toda aquella conquista, motivo porque na casa da Auandega
se conservou por muitos annos a sua Imagem cm hum ex­
cellente quadro. Cuidava Francisco Caldeira, quo se achava
já senhor da boca do grande rio que buscava, mas enga­
nou-se, porque a balda que senhoreava se formava das
verdadeiras correntes dos grandes rios Guamâ , Capim,
Acará, e Mojúcom alguma porção das Amazonas communi­
ca d a por liiima cortadura, a que cliamao Iguarapem m m ,
pela qual huma pequena parto daqucllc desagua neste, de
qnem só pode tomar a denominação de Amazonas.
Desembarcado Francisco Caldeira com toda a sua gente,
depois dc encommendar o bom successo da empreza a
Yicgcin Senhora, como era dc Iram animo superior ás
suas mesmas forças, primeiro que tudo fez muito poi sc
fazer respeitado dos muitos barbaros, de que se via cercado,
mandando disparar alguns pequenos canhões, que ao mesmo
tempo que servião de salvas de alegria, nao conduziao
pouco a reíralnr entre as cautellas do seu mesmo susto ao
Gentio, ([iic não deixava dc estar reeeioso com a vizinhança
de h um tão destemido hospede. Gomtudo, como era p r u ­
dente o nosso Gommandante, e sabia muito Item que todo
o poder (pie trazia era pequeno para sustentar h u m posto
que só se podia conservar na paz c amizade com aquelles
naluraes, de cujas forças, como senhores que era o do paiz,
<S/ - ~
pendia a subsistência daquello presidio, expedio pot' m -
baixadorcs alguns Tupynambás da sua comitiva para quo
praticassem os parentes, e estes a sens alliados, cerliiican-
do-os que a sua vinda não era para lhos fazer damno nem
tirar as suas torras, mas antes para viverem como amigos,
commutando as drogas dos seus sertões pelas que os 1’orín-
gtiezes lhes d a r iã o /q n e c r ã o ferramentas, pannos, e algumas
outras cousas de que mais gostão c nccessitao os índios. F
que para logo as receberem convidassem ollos Kmhaixa-
doros aos Principacs, que vendo-as aceitar da mão do seu
Morobyxába ( assim chamão aos nossos Governadores), que
com a paz c amizade os persuadia, offercceudo-Ihes lodo o
poder das suas armas para os defender de seus inimigos;
o que não podia deixar de adiantar os seus interesses no
logro de muito maiores conveniências, c não pouco avan­
tajados lucros.
Lisongeava a fortuna a Francisco Caldeira, o com vanta­
gens muito conhecidas lhe brindava o gosto em tão diflicul-
tosa empreza, não lho sendo facil sustentar o terreno
que possuia, nem adiantar sem risco a fundação da sua
nova colonia, faltando-lhe a ajuda o assistência dos n a tu -
racs da terra. E ste s , aceitando agora de boamente a paz
com que Caldeira os convidava, se oíícrecião para tudo o
que fosse de serviço daquella nova povoação ; depois de
receberem deli o cm paga da sua bem intencionada fideli­
dade muito avantajadas oífertas da sua profusão, e generoso
e liberal animo ; porque a buns ferramentas, a outros
panno, e a todos com o maior carinho mandou repartir
outros prêmios, conforme as graduações do seu caracter,
e segundo a maior ou m enor dependência da sua amizade.
Entrou logo com o maior calor a dar principio áquclla
cidade, que ellc queria regular pelas medidas da grandeza,
cm tudo igual ao elevado animo com que a pretendia idear.
Mandou primeiro levantar terra, com que se formou hum
bom parapeito c cm que fez cavalgar os pequenos canhões
que trouxera, a que derão o nome de Fortaleza, quanto bas­
tava nnqueile tempo para resistir ás invasões daquolies b ar­
baros, caso que qnizessem intentar alguma escala ou inter-
preza contra aqnelle presidio; o qual vendo-se já defendido
por aquollas toscas muralhas, não deixava de se fazer r e s­
peitável ao maior poder de semelhante inimigo, que não
poderia empndiender sem imlave! risco a total expulsão dos
in f<sms desr,obi"iilui",'.
Í N < S

PoMa „;t mollior íViriiia, a quo o tem po «leu lugar, usm


•primeira fortaleza, se forão arrim ando e erigindo os ediii-
n u s na m esm a parte a que hoje propriam ente se da o
nome- de cidade, fabricas, que posto não m erecessem o
nome de palacios, sem pre porém excedião a hum dde capa­
cidade de tu g u rio s; e como nos m atos nao laltavao m ate
rial's para a sua constrncção, sendo tantos os Índios jo rn a -
loiros liem i fácil a ereccão e menos custosa a obra. r orm ou-se
a Matriz de taipa de vara, que ainda que não inculcasse g ran­
deza não deixava do resp irar asseio e devoção, propriedade
da Nacão Portuguoza nos actos em que o culto Divino lie
o principal objecto da sua respeitável religião. Este Templo
dedicou a devoção de Francisco Caldeira ao culto de Mana
Santíssima com o singular titulo de Nossa Senhora de Lethiern,
dando ao mesmo tempo á nova cidade o nom e de G rã o -lara,
para que até no appellido inculcasse sem pre hunta evidente
prova da particular grandeza com que dos seus princípios
foi crescendo esta grande porção da nossa America ro r-
tngvieza. „ , t •> .
'T o d o o anno de 1G10 se passou cm fundar esta cidade,
então pequena em razão dos poucos m oradores que <i po-
voavào mas já no seguinte anno de 1017 renderão á F a­
zenda ileal os dízimos 47§000, como consta do prim eiro
livro do seu registro, e á vista agora dos m uitos mil cru ­
zados com que aqucíles avultárao, se pode com verdade
inferir o seu grande augm ento, a sua grandeza, e a sua
m uito, e assaz rendosa fertilidade, o que se verá m elhor do
presente estado, em que o seu auge lie o m aior motivo de
não pequena adm iração.
O que faz mais celebre c famosa a cidade c Capitania do
C rão-Pará, lie o vastissimo rio das Amazonas, por co rrer
pulo seu continente em Imina prodigiosa distancia, porque
segundo a mais m oderna observação de Mr. de Condamine,
do seu principio, onde póde ser navegavel. que lie em Jaen
do Bracam oros, no Keino do Perú, onde nasce até sah ir
pela sua grande boca no cabo do Norte, tem de curso mil
léguas poríugiiezas. Conta aquella de largura da ponta do
dito cabo até a do Magnary. que está fronteira na Ilha dos
Joannes, 45 léguas, porém alargando mais a ponta do com ­
passo do dito cabo até aos baixos da Tigióca. terá de boca
5B léguas, segundo a observação nesta p arte deste insigne
Academico da*'Academia Real d ac Sciendas de Paris.
A cidade do Peihlem do o rã o-Pará está assonlaua em a--
t.nra cle 330 gráos do longitudo, e do latitude bum grao e,
27 minutos ao sul da Linha Equinocial, segundo a mais mu
dorna observarão do P adre Ignacio Samarttoni, da nossa
Companhia, Mathematico de Sua Magestade Fidelissima para
as demarcações dos seus Domínios. Estende-se a sua situa­
rão dividida em duas partes com o nome de Freguezias,
huma na Campina, outra no que propriamente st', chama
cidade. Tem o sen principio no Convento de Santo Antonio,
donde corre peio rumo de N o rd e ste, quarta do Norte,
até acabar na ponta ou Forte do Santo Christo, donde se
form a o segundo rumo, Norte-Sul. da parte do fíospicio da
Provincia da Conceição, e he a segunda parte desta nobilis­
sima cidade.
A sua melhor defesa he a entrada da sua mesma barra,
para montar os baixos da qual sao precisos excellentes
práticos, e ainda dos mais peritos se tem perdido alguns na
sua costa. Montada a barra sc topa com huma boa e bem
regulada Fortaleza da parte de Leste cercada do mar, e
fronteiro da banda do Oeste h u m Fortim, que acabado, o
posto em melhor fôrma, será hu m a das maiores forças desta
barra. Já dentro da cidade está o Forte de Nossa Senhora
das Mercês, e na ponta que se segue outro do Santo Christo,
a que dão o nome de Castello, e em que também esta o
Hospital Real dos soldados, ambos de boa e grossa artilha­
ria, que a terem destros artilheiros não poderão as maiores
náos (na supposiçâo de vencerem os baixos pelo seu pouco
fundo) sustentar a furia das suas balas. Porém o que mais
parece faz inconquistavel esta cidade, he a commodidade
dos matos, e o grande numero dos seus rios, pelos quaes
podem os moradores, como senhores do paiz, resistir e que­
brantar qnaesquer forças inimigas por maiores que seje.o.
Tem de presidio esta praça por direcção de seu Excellen­
tissimo General Francisco Xavier de Mendonça Furtado, a
quem esta cidade deve todo o lustre e explendor cm que
hoje se acha, concorrendo para tudo a real grandeza de seu
Fidelissimo Soberano, hum regimento de companhias li­
geiras, em que também entra huma de granadeiros,^ com
hum Coronel, Tenente-Coronel, Sargento-mór e mais officia es
subalternos, todos gente luzida (excepto os soldados que
sahirão fraca farda) além das da Ordenança com seu Mestre
d e c a m p o . S a r g e n t o - m o r e otficuaes. C o m p o e se o politico
ÍIO
ilo h u m ilüViTiiailiiro Cnpilltn-ilcncral c w n s iip e n o n ih ii h .ios
mnis (iiivornnilores do lísta.lo, p o r so r ao p resente t s a
cidade a cabeça de todo elle p o r n o v a clcrcrnmiapao do
Sua Ma-esiade Videlissima o Angustissimo h i . I>. J o s s I.
Tein b i m i o r c .ini/, d e l-ora, que la m b e m lie P ro v e d o r da
Fazenda Ileal, am bos ministros ile letras condecorados ao
p re s e n te com a b e c a o Imbito da O rd em dc I d in s to . Os sens
cidadãos de quo se coinpoc h u m n o b re e grandioso Penado,
aozão os i>riviioiiios dos do P o rt o . . ., , ,
Porém o (ino iviais faz avultar osta nobilissima cidade lie.
a s n a régia cathedral, huma das mais primorosas e magni­
ficas de Ioda a nossa America PorUigucza.
1[o fundação do Fidelissimo, c sempre grande br. 1). Joao V
do eterna memoria. íioUm-a pelas medidas da sua real
crandeza. Aão se salte de outra que no ultram ar a exceda na
ordem, e inagestade das suas gerarchias. Além do Excellen­
tissimo Prelado, que lie o primeiro e maior astro deste
luzido firmamento, consta esta diocese de 24 Conegos, em
(pie entrâo 4 dignidades dc Arcediago, Arcipreste, Enantrc,
(‘ Mostre Fscoia; 10 dos sobreditos se nomeao da Ordem
PresliYteral, f> da Biaconal, e 4 da Subdiaconal. Tem mais 1b
Beneficiados, 12 Capellaes do coro, em que entra hum Sub
Chantre, \) Ca pollutes músicos com 1 mestre de solfa, in­
cluindo no mesmo numero i Organista, S meninos do còm,
2 Mestres dc ceremonias, d Sacristas, 1 Porteiro da massa,
ti varredores c 1 sineiro; estabelecido tudo com tão bella
o perfeita harmonia, que com razao pode entrar no nm neio
das melhores e bem ideadas Cathedrae* do nosso Reino.
0 mesmo augustissimo fundador lhe mandou depois eri­
gir dos fundamentos o magestoso templo que hoje admira­
mos como credito da arte o recreio da vista. O Excellentis­
simo 1). Frei Guilherme de S. José, da Ordem de Christo, lhe
mandou lançar os primeiros alicerces até os por fóra da ter­
ra, e seu .Excollenlissimo successor 0 . Frei Miguel de Bu­
lhões da sempre illustre Ordem dos Prégadores, a esforços
da sua grande aefividade o zelo incansável do Divino Culto,
a poz no esiado em que hoje se admira por hum dos mais
magestosos templos de todo o Brazil, mais pela fórma que
pela matéria.
A innata propensão do génio deste Excellentissimo Prela­
do de tal sorte adiantou a Bella harmonia da sua musica, que
não (em inveja á mais miúda e delicada solfa da côríe, donde
RH -

so oxtrahirão para esta cathedral os melhores e mais har­


moniosos papeis o cantorias.
Ite o sen ora go a sempre Augusta o Soberana Mãi de Deos
o m i o singular titulo do Nossa Senhora da Graça, cuja festa
se celebra" com a maior magnificência aos 1"» de Agosto. E
para que se chegue ao cabal conhecimento da magestade c
grandeza desta respeitável Sé, basta dizer, que lie fundação
Tie hum Dei verdadeiramenio pio, c excessivamente liberal
para tudo que dizia respeito ao culto adoravel dos sagrados
templos. Será a todos grata a sua memoria, e admirada a
sua real magnificência, emquanto d urarem os m arm ores e
preciosos metacs, dc que se compõe e íórma este soberbo
e magestoso Pantheon.
Orna-se mais esta cidade com h u m novo Convento dos Re­
ligiosos Capuchos da Provincia de Santo Antonio, com Igreja
tam bém nova, muito bem feita e asseiada. Segue-se o Con­
vento dos Religiosos Mercenários, obra antiga, porem a sua
Igreja bella, e"b em obrada á moderna, que acabada não
deixará de sor hum dos seus melhores templos. 0 Convento
dos Religiosos de Nossa Senhora do Carmo está feito de
novo, mas por a c ab a r; o seu templo porém posto na ultima
perfeição pelas medidas do grandioso frontespício dc pedra
m arm o re, que se vai levantando, será Ruma cias mais pri­
m orosas obras desta cidade, por ser feita á moderna, e dc
bom risco.
Tem Misericordia com seu limitado hospital. Tem mais a
Igreja de Nossa Senhora do Rosario dos pretos, que serve
tam bém de Freguezia á maior porção da cidade a que cha-
rnão Campina. Tem outra da Senhora do Rosario dos b r a n ­
cos; mais a de S. João dos Soldados, e a capella do Santo
Christo, junto ao hospital dos militares, c ultimamente o Col­
legio e igreja da Companhia dc Jesus, que parece não des­
m erecer o agrado dos homens de bom gosto pela perfeição
dos seus retábulos, c pulpitos iodos de talha dourada.
Nos seus suburbios estão as duas enfermarias, ou Hospí­
cios dos Religiosos reformados dc S. F ra n cisc o ; hum de
S. Boaventura da Provincia da Conceição, outro de S. José
da Provincia da Piedade. Este ultimo, obra nova, e que ainda
está por acabar, dando bem a conhecer o asseio c perfeição
dos filhos desta Seraphica Familia. Consta mais esta Capita­
nia de 1T Freguezias, que movido de seu pastoral cuidado
m andou erigir p e l a d i s t a n c i a dos rios o em tudo I v x c e l l e u -
>i>.t j 1111> Sr b. Frei Miguel do Bulhões, (Mia o quo anwov-
rcn com n ã o pequenas e s m o l a s , e o p p o r t u n o s s . i l j s u l í o s . f
'I V n i huma hua casa de Camara com a cauea d a u nam ,
nor haixo, foil a a dili gendas o actividade do Governador e
(lapilão-Ceneral, que enlão era Francisco I c a r o Gorjao. e
do Ouvidor geral Luiz José Freire. Anua-se agora renovan­
do o Pa l a cio dos Governadores do Estado, por maneado o »
Vxrellentissimo Bispo Governador interino, a que aeu prin­
cipio no anno de 1070 o Governador Pedro Cezar de Mene­
zes o depois acabou seu successor Ignacio Coelho da Fiha,
cm lioa paragem, e na melhor praça desta cidade em pro
porção c grandeza adequada ao distincto caracter do go-
Preiendeu depois o Governador Chrislovao da Gosta lu ene
Senhor de Panças, fazer novo palacio na praça da Matriz,
com intento de ficar o antigo para hospital dos soldados;
mas depois de estarem já as paredes pelas vigas, julgou seu
successor Bernardo Pereira de Berredo (c com accrtoj so
não devia largar o antigo pela melhor commodidadc do
sitio em que se achava iundado.
Po que estava principiado fez Sua Magesíado merco ao
primeiro Bispo D. Frei Bartbolomeu do Pilar, para palacio
Episcopal, que se havia de acabar á custa da sua real fazen­
da, mas até ao presente ainda se vê no mesmo estado em
que o deixou a sua primeira fundação, com algum prejuízo
a que o reduzio a voracidade do tempo.
Acha-se ao presente esta cidade ennobrecida de muito e
bons editicios, com algumas das suas ruas calçadas pelo zelo
e diligencia do Desembargador Juiz dc Fóra João Ignacio de
Brito.1 Finalmente está esta capital do Para muito diversa a
respeito dos annos anteriores, assim no ecclesiastico, como
no politico, militar c cconomico.
A abundancia das frutas da terra he quasi de todo o armo,
entre as qnaes tem o ananaz o primeiro lugar no cheiro e
sabor. 0 clima já foi mais sadio aos seus habitantes, sendo
agora mais ordinarias as doenças, que em outro tempo sc ex­
perimenta vão como raras. He íinalmente esta cidade de muito
importante conuhcrcio, porque todo o cacáo, salsaparrilha,
arroz, café, couros e madeiras, que vão para o Reino são
tirados de suas terras e s e rtõ e s: porque do Maranhão só se
exporta pannos, solas, arroz em abundancia, couros, algumas
madeiras, e o ouro que lhe entra da capital do Piaguy. Mais
<, 11
i'{)

poderá dizer se, não receiára em baracar-m c com noticias


que poderão dar algum trabalho ao historiador, que as qui-
zerfazer publicas pelo beneficio da estampa, porque a mim
só me basta tratar de tempos totalmentc despidos de receio
como cousas menos sujeitas pela sua antiguidade aos m o r­
sos da inveja, c á rigorosa critica dos Aristarehos.
Baste por agora o que temos dito para se chegar no conhe­
cimento do muito que tem avultado esta nobilissima ca­
pital c cidade deBcthlem do Grão-Pará, onde se p ó d c passar
a vida com muito pouco gasto (fallo do tempo em que isto
escrevo); porque h u m alqueire de farinha, que lie o pão da
terra, não passa de hum cruzado, excedendo quasi cm dobro
á medida de Portugal ; huma libra ou arratel de carne de
vacca nao sobe nunca a 8 réis, e quando muito 10 róis, e
também com pouco custo da natureza, porque nem os seus
írios molestão, nem as suas calmas affrontão muito, nem se
criao piolhos, pulgas ou persevejos ( cxceptuando os mos
quiteis;, que inquietem o somno e molestem o corpo. Todas
estas conveniências offcrece esta nobilissima cidade, e quasi
o mesmo a do Maranhão.

>'■
CAPlTliLO 11.
, v í,T, r , v d vs M\\i\ EATMTAXIAS liESTr
DA-SE 111.'MA HÍU-.NE \OIi01A
ESTADO.

A ])rimeira <■ mais » m » depois da do Maranhão o Pará.


foi a do rio Uurupy; porque a do p , | i £
vereador do listado Francisco Coelho do ^ ' v a i i o

?ÍlÍlIÍ£=5H£If
,|n Vills eme ora o Missionário da dita aleita o q u t■«-
■o dom o era natural, tinha vindo ao exercício destan
niivasmUicç-õcs, largando para isso as cadeiras da sua Pm-
o achei cscripto entre outras noticias do nosso car-

t0 V)epoisl seus moradores, pouco agradados da “ tensão, c


qualidades das terras, se mudarão para o bello st
S , C) onde fundarão a nova villa, de quem aquella Capi­
tania tomou o nome, extincto o antigo que antes tm ta.
\o Cxurupv porém se conservou sempre a aldea, que po
nniitos annos foi da obrigação da Companhia, que depois
•i )11 iior insteis cansas. .
jl.íj,. se acha reduzida a numero muito diminuto, e muito
diverso da sua primeira grandeza.
A Capitania do Cuàetè, de que foi Donatano o Excellen­
tissimo Porteiro-mòr D , sefoi augmentando com lmm a gran­
diosa aldêa da nação Apotianga, que do Perea passou p a u
a dita villa com o seu Missionário, que os tinha descido, 3
nosso Padre Bento Alvares; sendo Capitao-mor e lo c o -ie -
I') 11,. a c i i n i l m c n l c a rítladsj do B r a g d u n i .
, .l,i-ó dt' Mtdlu r Sotifò
nente por parte do Donata rio .João do Herróra da Fonseca,
o dos mesmos moradores que passarão do Gurupy se for­
mou a villa.
Tinha além do Capitão-mor, Senado, Vigário, e Matriz
com a Igreja dos aldeanos, e residência dos nossos Mis­
sionários: hoje porém se acha ao senhorio régio com di­
versa economia politica e militar, em razão da total m u ­
dança das cousas do Estado, cuja noticia pertence á rigorosa
ehronologia de tão portentosos tempos.
Buscando a Cidade do Pará, se segue a vilia da Vigia.
Dera o Serenissimo Sentior D. João IV faculdade a Jorge
Comes Memo, homem de negocio e de grandes cabedaes,
para fundar huma villa na Capitania do Pará.
Depois de lhe dar principio com o nome de Vigia, quebrou
no negocio, e não podendo contribuir com os muitos gastos,
para acabar o começado, a deixou tão pouco avultada, que
reduzindo-a a melhor fôrma o Governador e Capitão Ge­
neral Gomes Freire de Andrade, fez com que ficasse per­
tencendo ao real dominio.
Tem bons ares, e lie muito farta de peixe e mariscos,
ainda que a sua situarão, por estar em terra rasa, he nota­
velmente alagada.
Tem Senado, Capitão o S argento-m or da Ordenança.
Conservão nella os reverendos Religiosos do Carmo hum
Hospício, e outro os reverendos Religiosos das Mercês.
Tern de mais os Padres da Companhia huma grandiosa
Igreja, com principio para fundar hum Collegio por con­
cessão real do Fidelissimo Senhor D. João V, de eterna
memória.
A sua Matriz arruinada se erigio dos fundamentos por
ordem do Excellentissimo o zelosissimo Prelado o Senhor
D. Frei Miguel de Bulhões, que com particular activi-
dade tem promovido a sua factura, e se acha ao presente
muito adiantada esta obra, formando h u m bonito e asseiado
Templo de pedra e cal, dedicado a Maria Santíssima de­
baixo do suavissimo titulo de Nossa Senhora de Nazareth.
He im agem de su m m a veneração p ara aquelles, e todos os
mais m oradores cia Cidade cio Pará, com h u m tal respeito
e devoção, que são continuas as romarias, obrigados cia
singular virtude de seus admiráveis prodígios.
Fronteira quasi á Cidade do Pará da outra banda cia sua
a r g a e bem e s p a ç o s a b a h i a fica a C a p i t a n i a e I l h a G r a n d e
— lilii —
,, I 'i 11npK nil i.MTU dos Sacácas, poi* ter lium a grandiosa
W ' "'(IcslY rncão (') cento ladina, c bom industriada, (lllt'
™ " o u tr o 'tempo f o iil» « iM a flo * » M U M » *

S
“ “ S r F
J o s C a p u S A. IVoviicia do Santo Antonio ass.nt
.» V
como rodas as dos Arnães e mais uacues q n t
vevereinlissirtios dCO**is iunrl aiao . ,- ■ *
A • destas se ad.ão land,cm ..MS dos Bobgiosos da
Provincia da (ioncoicão, no sitio das alangabmras e Offana
•/.OS. com 1mm llospicio o aldêa no U v a ( , c o o t M W . '■
rminnir'.o r q tiulono rccinto da mcsmallha, cm toda a qua
so a d m n U i t t o r e s o mais dilatadas < - £ * £ « £
o Estado para as criações do gado vaccam e caunllai
1mma quasi maravilhosa produccuo.
Tinha Gapitão-múr lóco-Tcnentc quc era do DonaUno, o
barão da lllia Grande (ao presente \is c o n d e d o Mesqmtela •
liojo t;unhem enmo as mais Capitanias se acha mclmda no
MiSue, do lia n d o s setosissimo
Prelado dcsia Diocese, lhe mandou e rig ir 1' re gue zm no g™ o
de 1 7 5 8 no lugar da Cachoeira, para commodidaelc c i e m
espiritual dos m uitos moradores, que na dita ilha sc ac
situados com seus gados c fazendas. ;
]>ara a parle ou ponta cio Cambii esta b u m famoso _ pes
..... iro de lain!,as, t|uc rende muitos m il cruzados i. iça
Fazenda, e lie o melhor soccorro de peixe, m o u ia e sceeo
une mm os moradores do Para.
Xo seu maior comprimento do Nordeste Sudoeste tem
esta ilha cincoenta léguas : na sua maior largura, quc corre
Leste oesle, sc contão trinta e oito léguas. _ .,
Deixando a cidade, o navegando pelo n o acima doMoju,
passado o Igarapómirim, se entra na Capitania do Caamuta,
distante vinte o oito lcgoas do Pará na boca do n o locantms
ao poente, que foi do Ponatario Francisco de Albuquerque,
com a villa do seu mesmo nome, chamada Santa Cruz uo
Caamutá, . . TT •
Tem CapUão-unór, Senado e a Matriz com h u m hlospr-
(•) Hp prcsentonionte a povoação do Salvalerra.
i") Up prcsonlomoiilo a villa do Moiisaras.
— I!17 —
cio dos Religiosos Mercenarios; hoje porém pertence ao real
dominio. . .
As aldòas deste districto forão fundadas pelos Religiosos
da Companhia, donde passarão para o cuidado dos Reve­
rendissimos Filhos da Santa Província da Piedade.
Largando a villa de Caamntá se vai buscando o_ Tajipurú,
p or onde o rio cias Amazonas desce e se communica Áorte-
sul com declinarão para o Sueste com os rios Guanapu, P a-
cajá, Jacundá, e Tocantins, ^ que todos correm do Sul para
o Aorle, cujas aguas, parte formando a balda do Marapata,
se estendem pela costa de iliortigura (*), por onde também
sabem ao m a r alto; parle desaguando pelo Igarapémirim,
se vão ajuntar com os rios Mojú, Acara, Capim, e Guania,
que todos juntos com caudalosa corrente formão a grande
balda ou b a rra da Cidade do Pará, que alguns com muito
pouco fundamento dizem ser huma parte da grande boca
do famoso rio das Amazonas, que so neste sentido se lhe
póde dar a largura de oitenta e mais léguas.
Do Caamntá até o Gurupá, que também he Capitania de Sua
Magestade, se contão sessenta e seis léguas até o lugar onde
se acha a fortaleza sobre huma ribanceira do rio das Amazo­
nas, de taipa de pilão e pedregulho, que he das mais an­
tigas do Estado, onde também se acha h u m Hospício dos
Religiosos da Provincia da Piedade, que a expensas da sua
R e af Fazenda lhes mandou fazer o Serenissimo Senhor Rei
p . Pedro 11, de saudosa memória, tendo antes largado
aquclle sitio os Religiosos do Carmo pelos inconvenientes
q u e então experimentárão.
He Fortaleza de registo com Capitão-mor e soldados, e
das de maior conveniência deste grande rio pelas muitas
drogas do sertão que senhorêa. ^ _
Defronte do Gurupá para a banda do Norte fica a Capi­
tania que foi de Dento Maciel Parente, e hoje lie do domí­
nio régio, onde ao presente se acha fundada a grande
villa de S. José do Macapá.
A maior p arte dos seus m oradores são llliéos da Graciosa,
mandados vir para a povoarem á custa da sua Real fazenda
pelo Fidelissimo Senhor Rei D. José 1.
Tem hum regimento de companhias ligeiras, a que cha­
in n o do Macapá, com todos os olíiciaes competentes, que
f p A t' 11Kill n e 111e \i!l;i dn Cn'ii!<\ ii,- iiuirfori! u r i o n lM d o rio 'I ocrniliiis-
pod or ião fazer daquella Capitania Imma das mais respeitáveis
forcas do Estado.
Acha-se fronteira a esta villa a Ilha de Santa Arma com
Imma a l d e a d o serviço dos moradores e mais presidio; a
maior parle gente descida pelo celebre sertanejo Domingos
Dortüho.
Correndo do Gurupá doze léguas rio acima das Amazonas,
desemboca nelle ao Nascente o rio do Xingú, cuja Capitania
foi dada por Sua Magestade no armo de 1681 a Gaspar de
Abreu e Freitas. N ão 'p u d e averiguar as causas por que
não sortio efíeito esta doação real.
Neste rio se achão ao presente tres aldôas chamadas Ita-
curuçá, Piravery e Ariçará (*), dos Religiosos da Companhia,
fundação sua, como lambem a aldêa de Caveaná (**) dos Reli­
giosos da Provincia da Piedade. Da parte do poente, acima
de Gurupá, íica o Forte do Parú (“ l , c o m official e soldados,
senhoreando a melhor salsaparrilha do Estado qual a que
se descobre por todo este rio.
Até aqui me pareceu devia tratar com mais alguma dis-
fineção destes lugares, por estarem comprehendidos no
numero das Capitanias, e como taes sujeitas á esta capital
do Pará, de quem desejáramos dar mais ampla noticia, a
não exceder a sua grandeza os curtos e toscos rasgos da
nossa penna. A seu tempo foliaremos das muitas aldôas que
fundárão, nações que reduzirão,-trabalhos que padecerão e
o muito que trabalhárão os filhos do fervoroso Patriarcha
Santo Ignacio por todo o rio das Amazonas (do qual dare­
mos primeiro huma descripção geographica)., sendo muitos
os que nesta conquista derão gloriosamente as vidas no
serviço de De os e do seu Rei.
Por agora quero acabar este capitulo com a breve noticia
das armas com que se ennobreceu em sens princípios esta
illustre cidade, que devendo estar gravadas em marmore,
para eterno monumento da sua grandeza, apenas as encon­
trámos, depois de muito estudo e diligencia, em hum dos
antigos escriptos do nosso cartorio do Pará, que- também
os papeis são bronzes em que se perpetuão as mais plausí­
veis e illustres memorias.
C) E stes tres lug ares são hoje as villas de 0 eiras, Pom bal e Souzel.
( " ) Tev e posteriorm ente o nom e de RehordrHo. na ilha de C aveaná.
’ " i t i e hoje a villa do Alinriniri
I !H
Porão pois as arm as da cidade de Petldém do (Jrao-Para
hum escudo grande esquartelado, de Imma p arle do qual,
em campo azul, se via hum castello do prata, o nolle luim
escudo do ouro com as Quinas do Portugal, pendente do
um trancelim do pedraria. Em cima do castello, do ambos
os lados, sahião does braços : h u m , offerecondo hum cesto
de flores, com a inscripção por baixo — Vermi mlcrmm —-:
em outro, hum cesto de frutas com a inscripção — Tutrns
latent— do outro lado, em campo de prata, hum sol ret.ro-
orado, correndo do poente para o nascente, e a m scripcao
— Rectior cum retrogradus — ; o logo outra — Nequaquam
minima est — , conT uni boi o uma m ula por baixo, olhando
para o mesmo sol.
A intelligencia destas arm as quero deixar aos curiosos o
sábios leitores, por nos parecer ja tempo de continuar o
fio da H istoria pelo que diz respeito á prim eira entrada da
nossa Companhia neste vasto terreno do P ara e rio das
Amazonas.
CAPITULO HI.
ENTRA NO 1‘AliÁ O P ADRE LUIZ FIGUEIRA , PART E DEPO IS
P ARA O REINO A RUSGAR OPER ARIOS DA COMPANHIA DADA
ESTA TA O ORANDE SEARA , E VOLTA P A R A 0 MARANHÃO
COM I IP MA GRANDIOSA MISSÃO.

Já dissemos d o Gap. Ill do Liv. II o grande fervor em


(picardia o abrazado espirito do Padre Luiz Figueira, para
soe,correr as muitas almas que morrião no gentilismo cm os
vastos c impenetráveis sertões do vastissimo rio das Ama­
zonas. Hem quizera a sua grande caridade remediar a todos,
se assim como lhe sobejava vontade lhe não faltassem os
meios para pôr por obra, entre o limitado de suas forças,
hurna conquista espiritual, tanto do agrado de Deos e tão
proficua ao augmento do Estado, pelas novas reducções com
que o podia engrandecer em beneficio dos moradores da
Capitania do Pará.
Quando já se vio mais desembaraçado, do muito que teve
a fazer no Maranhão, communicando primeiro estes ardentes
desejos com seu amigo c bemfeitor, o Governador e Capitão-
General Francisco Coelho de Albuquerque, como já tocámos,
approvando-os c promettendo-lhe este sua ajuda, partio na sua
companhia para o Pará, em Maio de 1036, que foi o ultimo
da vida c governo de tão esclarecido lieróe ; cuja memória,
se foi então saudosa para todo o Estado, se faz agora eterna
na nossa Historia para o nosso agradecimento.
Quatorze annos depois que chegou á cidade do Maranhão
tinha gasto o tempo o Padre Luiz Figueira no laborioso
exercício da salvação das almas dos Índios c dos Portugue-
zes daquella capital, discorrendo de umas para outras partes,
com tao agigantados passos, quo, sendo hum só, valia p or
muitos operarios; c sem mais companheiros que os dons
fervorosos Sacerdotes, Benedicto Amodei o Lopo do Couto,
corria as aldêas, assim da ilha como da terra firme, com
tanlo cuidado e prompta diligencia, que parccião assistidas
de mna Provincia inf eira , abrangendo
c a todos o seu onrande
MH

zelo •' succurrendo aos mais necessitados a sua fervente cari­


dade. Grão homens por natureza, porem seraphins no abiu-
zado de suas palavras, Gherubins na explicação dosMyslcrius,
o Anjos velozes na distribuição dos passos coin que ímdli-
plicavão tão remontados gyros.
Chegou linalmente ao Pará o Padre Figueira sem mais
outro trem, que os sustos da viagem, e os incommodos desta
ainda pouco seguida navegação. Hospedou-se em h u m ilos
pieio então dos exemplarissimos filhos de S. Francisco da
Provincia de Santo Antonio, experimentando no caritativo
trato destes ediíicalives Religiosos carinhos de Irmãos e ve­
nerações de homens do Doos ; como quem media os respei­
tos pelas virtudes, sendo já tão notorias, como admiradas
as deste apostolico Missionário, o venerável Servo do Senhor,
motivo por que lhes consagra a nossa Historia repelidos
obséquios de eterno agradecimento.
Primeiro que tudo cuidou no remedio das almas daquelles
moradores, sendo-lhe preciso puxar por toda a sua natural
eloquência, para desde o pulpito lhes afeiar a injustiça dos
cativeiros (habitual peccado em que tropeçarão sempre
suas consciências), até abrandar com a valentia de seu espi­
rito aquelles corações tão licenciosos na vida, como en d u re­
cidos no depravado dos costumes. Era incansável o zelo
com que se oppunha aos vidos, e reprehendia os peccados;
c como era respeitado, não só do Governador, senão dos que
vião o puro procedimento de sua exemplar vida, era notável
o lruto, e conhecida a emenda daquolle povo; que por falta
de Pregadores, que lhe evangelisassem a paz e bens da
alma, vivia cego, sem ainda lhe repontarem, como devia ser,
as luzes da Divina Graça.
No mesmo tempo em quo cuidava na reforma dos P o r-
tuguezes, não se descuidava, apezar das maiores fadigas, em
traçar o modo como havia de acudir a tantas c t$o desam­
paradas Christandades, que p or falta de Missionários que os
instruíssem tini ião da fé o nume, de seus mysteries a igno­
rância, e da lei que professavão pouco ou nenhum conheci­
mento. Estas as lanças com que o desamparo feria o com­
passivo coração deste fiel Servo do Senhor.
Quando porém se vio já mais desembaraçado dos conti­
nuos exercícios de seus ministérios, humas vezes no pulpito
com a persuasão , outras com admiravei paciência no con-
lissionario, ou já consolando a tantos desamparados nos enr-
N"
20-2

,.C1VS ,„! já assistindo a tantos enfermos na sua mesma cama,


(H1 jiii;íimiTitc moribundos no ultimo risco da vida, som
(Hllm ailivio, 1.0111 descanso que o mesmo íraiialho, com que
jiViMs passava a soccorrer outros necessitados: tanto de
si 'esquecido, quanto dos miseráveis lembrado, e dos a libelos
compassivo, com pasmo o assombro dos mesmos m o r a d o ­
res, vendo em tão penitente c debilitado corpo tao grandes
vigorosas Corças, e em huma só alma tão vivo c mu!tipii-
cado espirito . ... ^ no
Determinou tomar á sua conta visitar as alneas que es
ta vã o menos distantes da cidade, para que na falta d e p a sto
da Santa Doutrina não experimentassem tão visivel dosam
paro equellas almas: e como era insigne no idioma dos Í n ­
dios, escreveu tão claros e breves compêndios, pelos quaes
lhes explicava os mysteries mais reconditos da nossa lo,
mio os aldeanos além de ouvir com gosto, aprendião com fa­
cilidade, quanto por dies o caritativo Padre lhes ensinava;
e como ao mesmo (empo não podia acudir a todos, instruio,
qual outro Xavier, catecliistas, que na sua _ausência íizes-
smn todos os dias repetir as orações e explicação da d o u tr i­
na, assim aos meninos e meninas, como aos mais provectos
na’idade, para que fosse h u m mesmo ensinar o aprender
de todos
Kra notável o fruto com que o bom Padre via ícvci de­
cor aquellas mirradas plantas peta ignorância e esquecimen­
to proprio, por falta do orvalho da divina palavra, que era
o mesmo que a necessidade que padcciao de operarios; e
querendo-lhcs fosse mais suave o jugo da lei que professa­
rão, lhes compozem devotas canções pela sua mesma língua,
com que havião de louvar a íleos, e sua Mai Santíssima,
aos Anjos c Santos do céo ; e para melhor os atlraliir com a
melodia do canto, cllc mesmo tomava o trabalho de ensinar
os innocentes de melhores vozes, para na sua boca a p o d e i-
roar os louvores divinos com maior fruto.
Assim corria, e assim discorria de hum as para outras al­
deeis esto anjo nos passos veloz, andando em hum continuo
gyro, sem outro descanso que o que lhe restava de algumas
poucas horas da noite, e sem mais consolaçoes que as de
que abundava o seu espirito tão onprimido de trabalhos,
como at teimado de penitencias, por ver voar ao eeo tantas
almas, ou já no estado da iimoccncia, ou já no da morte ar-
(’•■'pendidas.
liO.'i

Poucos mezos nasi < ou nosirs ani sslolicos nxereirios i -be iti
faligavel o; lerario, porque o sou destino por então o tro u -
Nora ao das cohrimcntn da (ienlilidade do famoso rio das Ama-
zonas: mas para ([no a sna vinda por I ran so mito não fosso
(’ansa (it1 i o seroarem as nlanlas quo com tan to sum* do son
rosio India r c a d o , insiruio os mosmos catechistas no
modo da haptisar, nos casos quo a necessidade permit lo. o
do como os has ião do animar no ultimo perigo da vida : o
aos já chrislãos a hem m o rre r coni fervorosos a d o s muito
proprios daquei la hora, nló por ultimo linos rej)e tirem mu ita
vezes os dulcíssimos nomes do Jesus e alaria.
Isto assim ideado, c melhor promovido para o hem do
tão desamparada Cliristandadc, já no fim do anno de «íifiO
parlio o fervoroso Missionário para (inrupá, onde não
íez pequeno serviço a Deos o fruto ás almas dos m orado­
res, que se não tanto como os Índios, pouco menos so p o ­
rt tã () consi d era r desampara dos.
Passados alguns dias, que empregou todos em praticar e
ouvir de confissão aos Portnguezes, sabendo do muito d e n ­
tio que occupava o rio do Xingú, que na distancia de doze
léguas do íl urupá pagava, como os mais, ao das Amazonas o
grande tributo das suas aguas, o dando-lhe os moradores
vizinhos seguras noticias das varias nações que o h a-
bitavão. e entre cilas alguma da lingua geral em quo o Padre
era eminente, despertarão a q nolles tão vivos desejos no
animoso coração do Servo de Deos, que assentou logo com-
sigo de os buscar, o dar principio por este braço á espiri­
tual conquista do dentais corpo ; c como na demora vivia o
seu espirito violento, c o m a maior brevidade do ajustar caiiôa
e remeiros até o lançarem na primeira povoação de b a rb a .
ros, porque firmemente esperava em Deos os reduziria á
vida clirislã c a liuma menos barbara politica; apostado ou
a m o r re r na empreza ou a conduzir aquollas ovelhas ao r e ­
banho de Christo.
Era imperterrito o P adre Figueira cm omprehcnder grandes
cousas, o onde era maior a diííiculdade abi empenhava
mais a valentia do sen animo. Partio final men te para huma
Missão tão incerta, como difiicil, som outra companhia para
sua defesa que os poucos índios, que a caridade de alguns
Portuguezes lhe ofíerecêrão para o seu transporte, nem
maior trem que h u m altar portátil, nem outro viatico que
a confiança em D e o s , de que lhe h a v i a d e p r o s p e r a r huma
JI \
,., I,i-(I li'.r i !;i!ii i) iio serviço, o Om'qiiC 0 SOU mais VÍVO e
ri'iii';!/; i f mjü cm Vi v aqneilo (mulio, so não todo, ao menus
j 11i i1i i1 i'i ■(1; í;-:í o í) ao grormo da Igreja o vassal lagoni oa Goroa
i ’<tr h i o!ioza.
godo abrazado neste divino fogo, qual o u lro Xavier na
Índia, navegava eslo insigne Argonauta nan cm busca do ve­
toed no do ouro, m as sim com o intento do desentranhar da-
(juellas brenhas as preciosas m argaritas do tantas almas,
Ilar a coiiii>rar as quaes linha olio despendido lanios cahe-
daos de virtuosas fadigas, e. punha agora em risco a propria
vida, oíTereccndo-sc a dar jaor ellas o cnslosissim o preço
do seu sangue.
Chegou iinalmenle. depois de alguns dias de viagem ao
desejado dolosi de tantas e Ião apreciáveis riquezas. Topou
(‘,oio hum a populosissim a a Idea, não m uito distante de hum
lugar, a que os natura es dorão o nome de Tabpinimá. Admi­
rados íicárão aquelles barb aros, quando virão nas suas
I,erras no novo Missionário tão pobre c hum ilde, sem m ais
arm as que o breviario em huma e o bordão em outra m ao,
sem mais companhia que a do seu Christo, que levava ao
■peito, e os poucos rem eiros, que o transportarão na canoa.
K, como Deos, que lhe guiava os passos, era o m esm o que
agora movia os corações daquelles Gentios, de tal sorte se
forão agradando da suavidade das palavras, com que o P adre
lhes fallava na língua geral (que para elle era nativa, e para
os Índios não era nova, em bora menos usada na sua nação),
que att rábidos de tantos carinhos, sabendo o desinteressado
da sua vinda, renderão logo a fereza dos genios ao bellissim o
agrado do seu novo hosp ed e; tanto assim , que em breve
tempo se fez senhor de toda aquella povoação, com burn
dominio tão suave nas vontades de seus m oradores, que con­
dado em Deos com tão m anifesta ajuda da sua protecção,
despediu os Índios o a canoa, e se deixou ficar entre aquelles
inlieis, ou a m o rrer na conquista, ou a conquistar-lhes as
alm as para o Senhor do tão dilatada seára, fiando c com -
m ellcm lo aos acertos da Divina Providencia, esta, ao parecer
dos prudentes, tem eraria, sobre arriscada resolução.
I,ovava o Padre comsigo alguns prém ios dos que mais
estim a esta pobre gente, e depois de os ter com elles obri­
gado, e lotalm enle reduzido ao seu partido, não ajudando
pouco a seus santos intentos a grande caridade, com que
lhes assistia nas suas enferm idades: o amni' e carinho, com
<ji K3 Ihcsaílagava os simis lilhinhos, iodos os í os os mais podu-
rosos altractivos da sua b arb a rid a d e , o. cm quo o nosso
Missionário ora insigne, p o r i.or sido discípulo e c o m p a n h e ir o
do gran d e m ostro o v e n e rá v e lP a d re F ra n c isc o Pinto, foz loio»
co m o Principal, que m an d asse levantar Igreja, para iioíía
Ilies e n s in a r e s m y s te rie s da le, que lhes vinha an m m cia r p ara
se fazerem íilhos de Deos, e por isso senhores de todos os
b en s do Céo, q u e cllo lhes assegurava, se recebessem pri
m e iro o Santo Baptismo, p o r meio do qual ficar ião as sues
almas livres do cativeiro do diabo.
Que a este íim os viera buscar ás suas terras, o largara
pai, mãi e parentes, e a sua mesma Patria, sem in ais inte­
resse que o bem o salvação das suas almas, que crão as d r o ­
gas que pretendia tirar dos sertões. Pasmados os Pen tios
cada vez mais entranhavão o Padre nos corações, c para
melhor lhe fazerem o gosto, com a maior brevidade levanta­
rão Igreja c casa de vivenda pela direcção do mesmo Padre.
Já mais saboreado cornos bem suecedidos prelúdios da sua
Missão, levantou o seu altar portátil, econvidou logo a todos
a que viessem com seus filhos a receber o pasto da santa
doutrina, o que depois se continuou quolidianamente, ensi ­
nando-lhes as orações, e explicando-lhes os mysterios pela
phrase da m esm a lingua.
Assim foi pouco a pouco dispondo os adultos para o baptis­
mo, e aos mais r u d e s ; instruindo-os de sorte que podessem
ao menos recebe-lo com fruto na hora da morte, exercido
em que ganhou para Deos muitas almas, além dos muitos
innocentes, que pela graça de tãoefíicaz Sacramento voárão
ditosamente para o Céo. Assim remunerava Deos a seu fiel
servo os grandes trabalhos, que abraçára por seu amor,
adoçando-UPos agora com a abundanda de tão santas e es-
pirituaes consolações.
Era copioso o fruto, e abundante a colheita de tão immen­
sa seára, na qual as forças de h u m só operário, que a P ro ­
videncia milagrosamente conservava para remedio de-tantas
almas, não erão bastantes a recolher nos celleiros da Santa
Igreja os grãos escolhidos cie tão m adura messe.
Clamava a Deos o fervoroso Missionário por mais obreiros,
sabendo das muitas e varias nações, que habitavão pela dis­
tancia daquelle rio, e de que apenas elie podia acudir a hum a
só povoação, sendo esta tão populosa, que delia se vicrão
depois a formai' Ires das mais numerosas. Nestes santos e
*.V;>(MÍir;io binio do sou Si'i’viro, c em'quc o sou mais vivo o
, nír;ix "desejo era v< r aqiudlo Camilo, se não todo. ao menos
parir reduzido ao gremio da igreja o vassaliagem da Goroa
Porlnguezn.
Todo abrasado neste divino fogo, qual outro Aavier na
índia, navegava esto insigne Argonauta nao em busca do ve-
joeino de ouro, mas sim com o intento do desentranhar da-
qaelias brenhas as preciosas margaritas de tantas almas,
para comprar as qua cs tinha ellc despendido tantos cabe-
dacs do virtuosas fadigas, c punha agora cm risco a propria
vida, oíTereccndo-sc a dar por cilas o enstosissimo preço
de. seu sangue.
Chegou imalmenlc depois de alguns dias de viagem ao
(lesejailo Potosi cie tantas e tão apreciáveis riquezas. Topou
com huma populosissima a Idea, não muito distante de h u m
lugar, a que os natnraes derão o nome de Tabpinimá. Admi­
rados Íícárão aquelles barbaros, quando virão nas suas
terras ao novo Missionário tão pobre c humilde, som mais
armas que o breviario em huma o o bordão em outra mão,
sem mais companhia que a do seu Christo, que levava ao
peito, e os poucos romeiros, quo o transportarão na cunha.
E como Deos, que lhe guiava os passos, era o mesmo que
agora movia os corações daquelles Gentios, de tal sorte se
furão agradando da suavidade das palavras, com que o Padre
lhes faílava na lingua geral (que para elle era nativa, e para
os Índios não era nova, embora menos usada na sua nação),
que a Ura hid os de tantos carinhos, sabendo o desinteressado
da sua vinda, renderão logo a fereza dos genios ao bellissimo
agrado do seu novo hospede ; tanto assim, que em breve
tempo se fez senhor de toda aquclla povoação, com h u m
dominio tão suave nas vontades de seus moradores, que con­
fiado em Deos com tão manifesta ajuda da sua protecção,
despedio os índios c a canôa, e se deixou ficar entre aquelles
inficis, ou a m orrer na conquista, ou a conquistar-lhes as
almas para o Senhor de tão dilatada seára, fiando e com­
metiendo aos acertos da Divina Providencia, esta, ao parecer
dos prudentes, temeraria, sobre arriscada resolução.
Cevava o Padre comsigo alguns prêmios dos que mais
estima esta pobre gente, o depois de os ter com elles obri­
gado, e loíaímrnte reduzido ao seu partido, não ajudando
pouco a seus sardos intentos a grande caridade, com que
dies assisüa nas suas enfermidades: o amor e carinho, com
([ini lhcsallagava os sous llliiiníios, iodos os!os os mais pode-
rosos allraetivos da sua barbaridade, o em quo o nosso
Missionário era insigne, por lor sido discipulo o companheiro
do grande mestre o venerável Padre Francisco Pinto. fez logo
com o Principal, que mandasse levantar igreja, para ne!la
Hies ensinar os mysteries dale, quelhes vinha annunciar para
sc fazerem filhos de Deos, e por isso senhores de todos os
hens do Ceo, que olle lhes assegurava, se recebessem p r i­
meiro o Santo Baptismo, por meio do qual ficarião as suas
almas livres do cativeiro do diabo.
Que a este íim os viera b u s c a r á s suas terras, c largara
pai, mài e parentes, c a sua mesma Patria, sem mais inte­
resse que o bem c salvação das suas almas, que erão as d r o ­
gas que pretendia tirar dos sertões. Pasmados os Gentios
cada vez mais entranhaváo o Padre nos corações, c para
m elhor lhe fazerem o gosto, corn a maior brevidade levanta­
rão Igreja e casa de vivenda pela direcção do mesmo Padre.
Já mais saboreado c o rn o s bem suoccdidos prelúdios da sua
Missão, levantou o seu altar portátil, c convidou logo a todos
a que viessem com seus filhos a receber o pasto da santa
doutrina, o que depois se continuou quotidianamente, ensi­
nando-lhes as orações, c explicando-lhes os mysterios pela
p h rase da mesm a lingua.
Assim foi pouco a pouco dispondo os adultos para o baptis­
mo, e aos mais ru d es ; instruindo-os de sorte que podessem
ao menos recebe-lo com fruto na hora da morte, exercido
em que ganhou para Deos muitas almas, além dos muitos
innocentes, que pela graça de tão efílcaz Sacramento voárão
ditosamente p ara o Céo. Assim remunerava Deos a seu fiel
servo os grandes trabalhos, que abraçára p o r seu amor,
adoçando-lh'os agora com a abundancia de tão santas e es-
pirituaes consolações.
Era copioso o fruto, e abundante a colheita de tão immen­
sa seára, na qual as forças de h u m só operário, que a P ro ­
videncia milagrosamente conservava para remedio de-tantas
almas, não erão bastantes a recolher nos celleiros da Santa
Igreja os grãos escolhidos de tão m adura messe.
Clamava a Deos o fervoroso Missionário p or mais obreiros,
sabendo das muitas e varias nações, que habitavão pela dis ­
tancia daquelie rio, e d e que apenas elle podia acudir a hum a
só povoação, sendo esta tão populosa, que delia se vicrão
depois a formar f.res das mais numerosas. Nestes santos e
semel lianíes oxprcicios sc ibi occupando o b o m Padre Lmz
iqôueirn n o ro sp n eo de alguns mezes cm q u e esteve cora oá
s r us amados X in g u e n s e s ; a lé q u c m c lli o r inform ado das m m -
(jis unções que hm ndavão aquelles serines, sondo do h u m
‘i tevi'o "lã o ammiutndo, esniorccou, e so snilocou son g ran d e
espirito, (mirando logo n a idea do, ir em pessoa b u s c a r o p e ­
rarios, que pod essem a m dir a tao grando gentilismo, e sup-
purSar o peso do l.ão im m ensos trabalhos, a que seria p i ccisa
p a r a o remedio a m ais n u m e ro s a Provincia.
] ; nma das maiores dificuldades para assim o empre-
] ion dor era largar os sens neoplntos, beando ai no a unus
(lipicii o consentirem estes no seu regresso, _ embora com
o pretexto do seu maior liem e proveito espiritual. Como
porem era dotado dc hu m a singular energia, e da sua
ida a Portugal lho havião precisamente resultar não p e ­
quenas conveniências, tanto soube dizer, e lambem os
.soube persuadir, que apezar da sumina repugnância, que
se n tiõo de perder a limn tão solicito c amoroso Pau con-
viorão cm qnc lhes fosse buscar outros muitos Missio­
nários , para qnc na boa companhia de seus Irmãos
vivessem como filhos dc Dcos na boa paz e socego das já
reduzidas nações.
lnslruidos muito bem os catcchistas que baviao ficar
(mi seu lugar, c prompto já tudo o mais que julgou ne­
cessário para a sua viagem, partio para o Gurupá entre
as muitas lagrimas dos seus filhos espirituaes, que bem
mos Ira vão nas vivas expressões do sen sentimento o não
havião tornar a ver nas suas terras.
Com os olhos arrazados em lagrimas iiotavelmeníesaudoso
navegava o fervoroso P adre ate chegar ao Guriipa, donde
passou para o Pará, edeste para r> Maranhão, onde foi rece­
bido de seus amados companheiros com demonstrações do
maior gosto e inexplicável alegria, por terem a hum varão
tão santo, a quem rcspcilavão superior, c dc quem experi-
mentavão carinhos de amoroso Pai. Propôz aos Padres a
causa da sua vinda c dos intentos da sua ida a Portugal, que
era buscar operarios que podessem acudir ao ultimo rem e­
dio do tantas c tão desamparadas almas, para não correrem
risco os frutos innumcraveis dnquella dilatada seára, o se
perderem por falta do obreiros, ou dc se frustrarem os lau­
ros por falta de companheiros que puxassem as redes,
que cerlamenle se romperia o corna iiiniim cravei captura de
ianíos peixes. A lodos pareceu b em esla virtuosa resolução,
que posto os privasse do carinhoso ira to dc Ião excellente
varão, como os sons intent os tondião la m b e m á m a io r gJo-
ria e serviço do Deos, do boa mente cederão a conv en ien d a
propria ao rem edio alheio o salvação do proximo.
Achava-so no p o rto da cidade de S. Luiz a náo q u e havia
]>arlir para o Reino, e chegado o tempo do e m b arq u e, en­
treg u e prim eiro o governo da casa ao P ad re Logo do (Anilo,
sobrinho do Capitão-mór que governava aquclla praça, saliio
pela b a r r a fóra no lim já do anno de :ií>d7; com não pequena
s au d ad e de q u an to s o respeilavão, co m o 3mm em do c o n h e ­
cida v i r t u d e , e dc seus arnantissimos irm ão s, a q u e m tanto
re c o m m e n d á ra o cuidado o assistência daquellas C hristan-
dades.
Assim ia navegando com a idea formada de hu m a gloriosa
Missão, todo entregue ás mãos dc Deos, o inconstância
(laquelles mares, que agora mais que nunca se lhe mos­
trarão benignos, como favoráveis os ventos, que com feliz
navegação o pozerão no porto da cidade dc Lisboa.
Seja-me licito e permittão-mc os leitores o seguir a este
apostolico varão até a sua ditosa morte, visto não termos a
fortuna de o t o r n a r a ver depois da sua ida a Portugal, como
mostrará o capitulo seguinte; embora alteremos em parle a
precisa e rigorosa chronologia dos annos.
CAPITULO IV.

CON TÍNUÃO-SE OS VARIOS SUCCESSOS DO P A D R E LUIZ


F I G U E I R A ATÉ Á SUA MORTE.

Chegado a Portugal o nosso hcróe, passou logo á curte


(!<> Madrid, onde por hum memorial informou a Magestade
Catholica do grande Rei o Sr. 1). Felippe IV; que mandando
consultar a materia nos conselhos deste Reino, por parecer
dos ministros mandou passar Provisão ao Padre Luiz Fi­
gueira, para que a Religião da Companhia tomasse á sua
conta o cuidado de todas as aldêas, assim do Maranhão
corno do P a r á , concedendo-lhe como Grão-Mestre da
Ordem de Christo a administração espiritual delias, conforme
a hull a de S. Pio V, concedida aos Missionários das con­
quistas. Além desta mandou lavrar segunda Provisão, ou
licença para podermos fundar Ires Igrejas e casas nossas,
onde se creassem s u gei tos que assistissem nas aldêas, para
o quo concedia lambem annual donativo a sua Real Gran­
deza.
Contente com tão favoraveis despachos se retirou para
Portugal o nosso fervoroso Missionário, e contente pisava
já os abençoados claustros daquolla esclarecida Provincia,
da qual confiava sahirião os esforçados campeões para a glo­
riosa conquista do portentoso rio das Amazonas, de quem,
qual outro Briareo, se coutavão tantos braços quantos erão
os rios que á sua grandeza trihutavão o curso de suas
aguaS) de h u m dos quaes, com o nome de Xingú, se achava
já senhor o zelo incansável do Padre Figueira, que por isso
se póde gloriar de ser elle o primeiro, por onde a Com­
panhia deu principio á sua espiritual conquista na reducção
á fó de seus vastissimos sertões.
Entrou pois o Padre a discorrer pelos nossos Collegios, e
nas praticas que fez áquellas santas communidades, valen­
do-se da efficacia da sua innata persuasão, forão tantas e tão
fervorosas as razões com que persuadia o ministério de
Missionários aos filhos da Companhia, e de seu santo funda­
dor Ignacio,
o que a r m a d o s cm lagrimas, e levados do fogo
kJ '
da ^ caridade do proximo, inniLos so offerccérão volun­
tarios á espiritual conquista para que furão convidados. Mas
porque a continuação dos estudos impedia por então o
logro de tão bem fundados d e s e jo s , esperou o bom
P adre que lodos os acabassem, para já homens feitos po­
derem empregar os seus talentos na reducção de tanto Gon-
tilismo. Chegado o tempo cm que os vio desembaraçados
dos seus litterarios exercidos, aptos c expeditos para o
ministerio aposlolico, ajustou h u m tão luzido esquadrão de
soldados de Christo, que hem se podia dizer crão a fíòr
dos dons Collegios maximos da Provincia ele Portugal.
O que mais os fazia avultar entre o bellissimo esplendor
das letras, era o ornato das virtudes, cm que todos erão
consummados, e em quo parece levavão os olhos de hnm a
lao sabia como religiosa Provincia, que muitas vezes se
poderá g lo r ia r d e s excellentes c avultados sugeitos em san­
tidade e sabedoria, que tem dado á esta nossa Missão, quo
della e da do Brazil tem sempre recebido muitos eminentes
mestres, c muitos fervorosos Missionários. Na viagem desta
gloriosa Missão seguirei daqui por diante a relação que
tenho diante dos olhos, a mais apurada, po r tr a ta r com
miudeza dos varios acontecimentos desta derrota.
Tinha o Padre Luiz Figueira ajustado para Missionários
do Maranhão a 14 Reli giosos (outros dizem 15), porém
nesta parte sigo os catalogos daquelles tempos, entre Padres
c irmãos, quasi todos com os estudos acabados, e que por
falta de idade não ião já sacerdotes; chamavão-sc ellcs o
Padre Simao Florim, o Padre Pedro de Figueiredo, o Padre
Pedro Figueira, o Padre Francisco do Rego, o Padre B a r-
nabó Dias, o Padre João Leite, o Padre Francisco Pires, os
irmãos Manoel de Lima, Manoel Vicente, Manoel da Rocha,
Domingos de Brito, Pedro Pereira, Antonio de Carvalho e
Nicoláo Teixeira, que com o Superior fazião 15 Missionários.
Nomeara já a este tempo o Serenissimo Restaurador da
liberdade portugueza a Pedro de Albuquerque, Fidalgo da
sua casa, e natural de Pernambuco, onde se tinha distin­
guido na guerra contra os Hollandezes, por Governador e
Capitão-General do Estado do Maranhão; mandando-lhe en­
tregar em huma formosa náo h u m importantíssimo soccorro
de soldados, e munições para a ultima restauração daquelki
capital, po r saber estavão seus m oradores em campanha
aberta, em ordem a sacudirem o insoíTrivel jugo da líollanda;
27
'210

,.omo «;ra Iloi e jimtameiUe Pai dc seus vassailos, desejava


v/.-ios livres de tão tyrannico dominio.
Levava tam bém para povoadores alguns cazaes de P o i-
íueal, mas o que mais tinha diante dos olhos o Piedoso
Principe, era a propagarão do Evangelho naquelle E sta d o ;
e como era notavelm ente zeloso do augm ento da Santa te ,
recm nm endou logo ao nosso Governador como m eninas (los
scats oliios a luzida Missão, que na m esm a mio m andava
aviada á sua custa, dc 4í> lervorosos íilhos de Santo Ignacio,
Superior de todos o venerável P adre Luiz Figueira; que no
agrado o conceito de Sua lYiagostade tinha m erecido espe­
cial confiança, com a qual além da confirmação das m ercês
lei tas por seu augusto antecessor, lhe entregou em hum a
provisão ürm ada da sua real mão o cuidado de todas as
gentilidades do Maranhão e Pará, por estar m uito certo da
virtude, prudência c letras deste zelosissimo Missionário,
com huma consignação da sua real fazenda de 28$Ü00 an-
lumes a cada hum dos Religiosos daquella Missão.
Era esta a prim eira que partia para aquelle Estado, que
os nossos Padres levarão ao em barque com hum luzido
acom panham ento, até que entre m uitas lagrim as de conso­
lação e santos desejos de os seguir, se despedirão defies,
quando já se em barcavão para bordo. Já nao faltava mais
para levar ancora, que o em barque do Governador, que não
tardou m uito, c com a sua chegada sc pôz logo a náo em
term os de seguir viagem, convidada do favoravel vento que
aos 21) de Abril os lançou pela b arra lura. Com ventos de
servir continuarão a sua derrota, guardando no m ar os
nossos Missionários a m esm a boa ordem dos exercícios es-
pirituacs que nos Collegios, a que todos acudião ao signal
da campainha. Parecia a guarnição da náo hum a pequena
villa, porque além dos m uitos soldados, constava de varias
familias, e para evitar as desordens de hum c outro sexo,
era preciso, além da vigilância do Governador, o m uito zelo
da parto dos Padres, que hum as vezes com praticas, outras
e.om doutrinas c santas conversações ião dispondo os âni­
mos dos navegantes a viverem entre os term os da cautela,
tem entes a Deos, e em nada escandalosos aos hom ens.
D esterrarão -se os abusos da navegação, a Uberdade no
fallar, as ju ras, as pragas, e em h u m a palavra reriovárão-se
naquella viagem os roteiros do Grande Xavier, do vene­
rável Marlyr Azevedo , e de outros muitos santos varões,
-ill —

que no m ar clerfto evidente Icstomunho da grande santi­


dade quo ns acreditava por partos legitimos de seu escla­
recido fundador Ignacio e verdadeiros im itadores do seu
abrazado espirito, Erao Irequentes as confissões, quotidia­
nos os terços e ladainhas da Virgem Senhora, n a v e g a n d o
nquella nadante povoarão como a mais bem disciplinada de
Portugal ; com municando a todos as luzes da sua doutrina
o os clfeitos da sua ardente raridade o fervorosíssim o Padre
Luiz Figueira, que entre os mais avultava como o sol entre
os mais astro s. Nolle e seus virtuosos com panheiros, como
m hos do seu espirito, receberão os enferm os consolarão, os
fracos torças, os desconsolados allivio, o os sãos exem plo,
porque para tudo havia m uito cabedal de virtudes e sin g u ­
lar pecúlio de bons desejos.
Nesta bella o religiosa harm onia avistarão as Ilhas do
Cabo Verde aos '13 de Maio, onde se detiverão dous dias, e
como os ventos erão todos favoráveis, com a m aior brevi ­
dade chegarão á Linha Equinocial, onde não poderão deixar
de experim entar os influxos e dem oras daquelle clima.
Doze dias cm m ar leite esteve a não sem su rg ir avante por
falta de vento, lindos os quaes, forão assoprando tão p ro s­
peros os g eraes, que aos 12 de Junho descobrirão a pri­
m eira te rra do M aranhão, e indo correndo a costa de
longo, m ontarão a Corôa Grande até darem fundo na sua
b arra aos 46, com notável alvoroço dos passageiros, que en­
fastiados das continuas alterações do inquieto m ar, só appe-
tecem os socegos da desejada te rra .
Surto na b a rra o nosso Governador, como já em seu lugar
dissem os, não sabendo o presente estado dos nossos, m an­
dou d isp arar com acertado accordo algum a artilh aria, para
ver se acudia á bordo quem o podesse inform ar se estava
ou não a cidade em poder dos inimigos. Ao estrondo dos
tiros se adiantou logo hum a lancha liolíandeza com gente
arm ada a reconhecer a náo, c foi ella a causa de se m allo-
g rar a expedição, que o nosso C apitão-m ór Antonio Teixeira
de Mello tinha feito, m andando logo a tom ar falia ao seu
Alferes João da Paz, o qual, guiado mais pelo capricho do
seu valor, que pelas ordens de seu Commandante, que devia
inviolavelm ente seguir, abalroando a lancha, apezar da
m uita resistência, a rendeu ; e sem mais cuidar em reco­
nhecer a náo, se recolheu com a presa, como o m ais im p o r­
tante despojo da sua victoria.
21 2
Airiíia quizcra esporar a impaciência do G overnador o
repetir as cargas para ver se corn as inanim adas vozes
(iaquolics bronzes despertava o descuido sensivel dos nossos
Portuguezes, porém foi Ião forçosa a corrente da m aré, quo
fnriosam ente vasava, que obrigou a em barcação a descahir
sobre a ponta de hum baixo, apezar da forte resistência do
duas am arras que a sosiinhão, motivo por quo ao prim eiro
toque da quilha m andou o G overnador suspender as an­
coras, e, m arcado o panno, saldo com a m aior brevidade
do risco, que já alguns tom avão por infeliz annuncio d a -
qiiella navegação.
Com vento feito cam inhava a mio buscando a costa do
Pará, cheios de saudade c dissaboreados do sentim ento os
nossos fervorosos Missionários, vendo pela pôpa aqiiclla
m esm a ferra om que desejavão fazer sua prim eira e n tra d a ;
porém , conform es á vontade Divina, se accom m odárão por
então com os varios accidentes do m ar, esperando da m ão
de Deos o quo fosso m elhor para o bem das proprias o
salvação das almas tio seu proxim o.
Aos 27 de Junho avistarão a b a rra d o Pará; mas antes de a
acom ineücrem derão fundo para m aior cautela, querendo p ri­
m eiro reconhecer a terra por não encontrarem nas p ro p rias
duvidas o perigo. Aos 29, á tarde, convidados pelo vento,
levarão ferro, c com urna hora, á noite, chegarão quasi aos
baixos da Barrota, distante da ilha do Sol pouco m enos do
duas léguas, onde a mesma desgraça parece lhes tinha ap­
parel had o o m aior risco. Tocou logo em um a restinga de
arca a erran te em barcação, e como dem andava grande
fundo, vencendo algum a p arte do baixo, o não pôde salvar
de todo, e foi preciso dar fundo ao prim eiro encontro da
am eaçada quilha. M andou-se logo dar á bom ba, e como a
agua não era m uita c as prom essas do piloto asseguravão
m elhor fortuna com a luz do dia seguinte, em que se poderia
vencer aquelie b a ix o , socegárão algum tanto os tristes e
assustados navegantes; c entre a esperança e o receio pas­
sarão com trabalho o resto daquella noite, até que ao ro m p er
da alva entrou a d ar a náo, com a força da enchente, tão
violentos golpes, qu e aberta em bocas publicou o seu ultim o
perigo, não sendo bastantes duas bombas e alguns gam otes
para darem vasão á mui la agua que recebia. Todos ao m esm o
tem po desm aiarão, pedindo a Deos m isericordia, e aos ho­
mens ajuda. Tudo era horror, tudo espanto, afo g an d o -se
desde logo naqiielles alllictos corações a esperança do rem e­
dio, que a mesma confusão fazia m ais diílicuUoso. Confessa-
rão -se os que poderão, e os que não tiverão tem po se
absolverão.
E rão lastim osos os ais, que as tristes mãis davão com
os filhinlios nos braços, que incessantem ente eboravão, sem
que os m aridos podessem acudir á aillicção das m ulheres,
que já tinhão abandonado com a certeza do naufragio, e s­
perando bu n s e outros, por instantes, a triste m orte. Os
votos, as expressões do sentim ento, o im plorar de Deos e
dos seus Santos o rem ed io , formava tudo Imma vista h o r­
rível, h um a representação lastim osa. Até para os soccorros
da alm a e ra a occasião difficillima pela grande desordem e
confusão em que buns c outros andavão.
Os afflictos Missionários, tirando forças da mesma fra­
queza, a estes anim avão, áquelles confortavão e a todos
consolavão, discorrendo do hum a para outra parte pelo con-
vez do navio, para que nas antecedências do susto se lh es
não anticipasse m ais depressa a m orte, que ainda podião
evitar pelo beneficio de algum a jangada cm que podessem
vir á te rra, que não m ostrava íicar muito longe do n au fra­
gio. Mas taes estavão os tristes m iseráveis, que até dos
m eios que podião servir para os salvar, os fazia esque­
cer a m esm a desgraça. Fatal desordem da natureza, em que
tu d o era h o rro r dos sentidos e hum continuo torm ento das
m esm as a lm a s !
0 G overnador, a quem os brios de soldado augm entavão
as forças e iníluião mais alentados espíritos, acostum ado já
a ver a cara da m orte entre os perigos da g u erra e o
estrondo das b a la s , m andou forcejar para que a náo
se encostasse mais chegada a terra, em ordem a fazer
m enos perigoso o naufragio, que via já em term os de inevi­
tável ; porém forão baldadas todas as diligencias, por te r
neste tem po assentado a quilha no estado da sua ultim a
ruina, faltando-lhe a agua para surgir, onde lhe sobejava a
te rra p ara se perder.
Aqui foi onde os m ais valentes desm aiarão ; porque
quanto m ais distantes, m ais longe ficavão do soccorro, c
parecia evidente que a m uita distancia em m ares tão
grossos, tão grande perigo ameaçava a náo, como a lancha,
e esquife, que aos m ais privilegiados, quando m uito so
poderião servir de tu m b a para os lançar m ais depressa na
se p u ltu ra de : nas aguas.
Ainda assim entre as confusões do m aior susto leve o
Governador accordo para m andar disparar algum as peças,
c o m que dando signaes evidentes do perigo, despertasse
a algum dos mais vizinhos para lhe acudirem com o mais
prom pto soccoiTo.
K na verdade não se enganou no discurso, pelo ter assim
já decretado a sabia Providencia do Altíssimo, sem pre b e ­
nigno na occasião do m aior desam paro, dispondo as cousas
de sorte, que a este tem po se achasse naquelles m ares o
Capitão Pedro da Costa F avella com duas canoas grandes da
sua feitoria de peixe, que vendo a náo á banda, o panno
arreado e as bocas dos canhões gritando, inferio logo erão
todos signaes de naufragio, dando ordem aos índios que
com os rem os cm punho forcejassem o que poclessem para
tom ar o navio, que ao tempo da sua chegada estava já por
m uitas p artes aberto com os repetidos golpes que tinha
dado na restinga.
Foi este soccorro tão hem recebido, como desejado, a g ra­
decendo o Covernador com agrado e cortezia a diligencia
do Capitão F av ella; e porque o tem po dava pressa ao em ­
barque m andou logo passar para as canoas as pessoas mais
necessitadas, como erão as m ulheres e c ria n ç a s; clous re ­
ligiosos do Carmo com seu Reverendissim o Commissario
e algum as outras que m andou re p a rtir pela lancha c es­
caler, com ordem de irem sem pre na esteira das m esm as
canoas, e que lançada a gente em te rra , voltassem com a b re ­
vidade que o aperto e caso re q u e riã o ; porque todo o seu
em penho era salvar a gente com a repetição do transporte.
Foi a ordem executada com prom ptidão e v alo r; mas
corno o s m a re s erão grossos, pelos ventos serem rijos e
mais que grande a m arezia, não podendo rom per hum a das
canoas o em bate das ondas, arribou á terra e só pôde che­
gar a bordo a segunda com a lancha e escaler, rom pendo
cliíllculclades a m ontes, porque m ontes p ared ão as ondas
que sobre o m ar furioso se levantavão.
Convidou logo Pedro tie A lbuquerque ao Padre Superior
Luiz Figueira para que com os Religiosos da sua obediência
se em barcassem na lancha, lem brado talvez das recom m en-
dações cio piissimo Rei sobre aqnella gloriosa M issão; porém
o fervoroso varão, aconselhando-se só cornos rectos dicta-
tam es da sua ardente caridade, não estim ando mais preciosa
a sua, que a vida de seu afflicto proxim o, cujas almas
' I . . .. -
haviaii precisam eule ex p erim en tar o m esm o d e s a m p a r o dos
corpos, avisou a sous subditos, que os q u e se q u izessem
e m b a r c a r o iizessem, ]»ois olle não obrigava a n e n h u m a
s eg u ir o u tras reg ras q u e as do seu espirito.
S6 ires aceitarão o e m b a rq u e , ou p o r q u e derão ouvidos
á sua fraqueza, ou p o r q u e Deos os reservava para diversos
tins. F o rão estes, o P ad re Francisco P ires o os Irm ã o s es­
tudantes Antonio de Carvalho e Nicolao Teixeira.
Admirado sobre edificado se em barcou o G overnador com
toda sua familia, prom ettendo a todos a volta dos pequenos
vasos com a brevidade p o ssív e l; c na verdade o zelo o pie­
dade de A lbuquerque erão Ião conhecidos, que tudo e
m ais se podia esp erar da sua g en ero sid ad e; porém quiz a
desgraça que na volta que fizerão, apenas poderão de longe
ser testem unha da subm ersão da náo, retiran d o -se assaz
m agoados pela fatalidade da desgraça.
Já a este tem po linluio os desgraçados navegantes for­
m ado um a tal jangada feita ã pressa, c tão pouco segura,
que com igual perigo se entregarão a cila cento e vinte pes­
soas, o sobre hum pedaço da coberta se lançarão oito com
o nosso Padre Pedro de Figueiredo o o Irm ão Manoel da
Rocha, que os não quizerão desam parar em tão deplorá­
vel conflicto; sete dias o noites boiarão sobre as ondas
estes m iseráveis naufragantes, entregues a discrição dos
m ares c arbitrio dos ventos, ate que m o rto s todos á fome
e ao frio, vierão Jinalm ente a acabar servindo-lhes as
m esm as aguas de sep u lch re, onde a g rande caridade dos
nossos clous Jesuítas foi a m elhor penna quo lhes escreveu
o epitaphio.
A jangada como era m aior se encostou á terra sobre a
Ilha G rande de Joannes, em cujas praias os lançou, tão fra­
cos já, e tão vivamente m altratados, que bem m ostra vão
serem despojos vom itados das m esm as ondas.
Não tard arão os índios A roães, Gentio o mais barbaro
e carniceiro daquella costa, mais deslm m anos agora que o
m esm o m ar, de quem os receberão. A legráráo-se sum m a-
m ente com a presa e os conduzirão como m elhor poderão
p ara as suas povoações, por onde os repartirão, não para
os confortarem e agasalharem , m as sim para lhes darem
sepultura em seus ventres, corno m anjar ao seu appetite
de m aior regalo.
Os prim eiros que sacrificarão á gula nos seus banquetes
foi o b o m o venerável Padre Luiz Figueira e seus com pa­
nheiros, vindo todos a m o rre r gloriosam ente feitos victimas
da sua mesma caridade.
Assim veio a acabar este am ante pai e fundador desta
Missão, digno sem duvida de im m ortal gloria pelo m uito
rfiio nclla trabalhou cm bem das alm as, assim de P ortu -
guezes como de Índios, por cuja salvarão e cm cujas m ãos sa­
crificou venturosam ente a vida com o valoroso esquadrão
dos com panheiros seus ditosos súbditos, m erecedora por
certo de m aior duração e de m elhor fo rtu n a; porém á
m esm a Providencia Divina, que lhe apressou hum fim tão
lastim oso a respeito do m undo, devemos sujeitar profun-
dam onlc nossos ju iz o s; porque tam bém o grande Xavier
m orreu ao desam paro em outra Ilha, não obstante te r já
tocado as portas da China, pelas quaes queria m etier a luz
do Evangelho áquolles Chinas; e sens fins fazem ditosos os
hom ens, ditosos aquclles que pela m aior gloria de Deos dão
lim tão ditoso ás proprias vidas.
Destes fervorosos Missionários que liberalm ente offerece-
rão as vidas pela salvação das almas, direi o que acho es-
cripto, que é o mais a que se póde estender a nossa penna.
Demos principio pelo seu am oroso pai c Superior. Foi o
venerável P adre Luiz Figueira natural de Almodovar, arce­
bispado de Evora. A rrebatado do grande desejo que tinha
dc salvar as almas, pcclio a Companhia, onde foi aceito no
Collegio de Evora no anuo de 1592. Acabados os estudos,
o ordenado sa c e rd o te , passou-se para a gloriosa P ro ­
víncia do Brazil em Imma Missão que partio no anno de
1()Q2. Pelos m eritos da virtude foi nomeado com panheiro
do venerável P adre Francisco Pinto, que em prchendendo
ambos por te rra a Missão do M aranhão, foi m orto além da
serra da Ibiapaba em obsequio da fé pelos Tapuyas Taca-
rijus, escapando então o nosso lieróe, para vir agora a
m o rrer em sacrifício de caridade.
Escapo dos barbaros, voltou para P ernam buco, onde não
obstante as diífículdades da Missão, que por trabalhosa p re­
tendia, alcançou o ir para ella na companhia do C apitão-
m or Antonio Moniz Barreiros, nom eado pelo G overnador e
Capitao-General do Brazil para lhe assistir no M aranhão com
o seu conselho, pelo grande conceito que fazia da sua expe-
riencia, letras c virtude.
Partio para a Missão, tendo acabado de ser R eitor de
Pernam buco, deixando saudades da suavidade do seu go­
verno, dio viva nos subditos a dòr, como nos seculares a
pena de perderem hum tão bom e perfeito Religioso. Nell:;
trabalhou com notável truto p o r espaço de vinte, annos,
penetrando sertões, atravessando m atos, indagando b re -
niias c navegando rios, tudo alim do reduzir e converter
Gentios á fé, vassal los no Ilei e alm as no oro.
A ellc se devo a prim eira fundação do (loIlegio do H ara -
íiliao a m ilagres da sua apostólica e grande, pobreza, e a,
esforços da sua adm iravel constância. °A d ie se. deve tam-
bem o m ethodo o governo espiritual das nossas aid; ‘as.
Levado do fogo da sua ardente caridade, p a s s o u a o P a r a ,
inform ado do inm im eravel geiifilismo « p m b e b i a d o f a m o s o
rio das Amazonas, onde íinaim ente e n t r o u p o r h u m de. s e u s
braços, cham ado o rio Xingai.
Nolle sem m ais ajuda que o especial attractive e brandura
do genio, fundou hum a populosa aldèa do barbaros, deixan-
do-os já reduzidos á fé e dom esticados ao trato civil, aos
(piaes pci’s u;;dio, c a seus am ados ncophilos, a necessidade
(jiic tiniião de m estres e pais, que os ensinassem e defen­
dessem , que o deixassem ir a P ortugal a buscar o rem edio
do seu desam paro, a que am m irão saudosos, porque esfa-
vão fundados na esperança que lhes deixava na retirad a da
sua volta.
Com passos de gigante atravessou ao Maranhão e do Ma­
ranhão ao Reino, com os olhos fixos na m aior gloria doD eos,
como filho legitim o do grande P atriarcha Ignacio. Chegando
a P o rtu g al no tem po em que a sua desgraça o fazia ainda
gem er debaixo do ju g o de Castella, buscou a corte, que era
M adrid, e nella o abrigo da m esm a piedade o religião o
Sr. D. Felippe IV, p o r antonom asia, o Grande.
Succedia-lhe m uitas vezes passar nos baixos do Paço entre
a gente mais hum ilde, cm quanto se lhe não deu entrada nos
altos na prim eira audiência a seu Rei, que o recebeu com
carinho c clemencia de Monarcha castelhano, concedendo-
lhe favoráveis despachos, tudo a beneficio dos Missionários
e C hristandado da sua Missão.
Posto já em Lisboa para o em barque, adoeceu gravem ente,
deixando a todos edificadas da sua rara paciência e hum il­
dade, com que pedio, lhe perm ittissem descansassem ao
m enos seus ossos na sua am ada Missão, querendo que m uito
alem da m orte passassem os excessos do seu am or uara
com ella. mé
Convalescido cia enferm idade en tro u polos Collegios n
atear tal fogo, q u e com eçarão logo a s a h ir defies m u ito s
sábios e fervorosos c o m p a n h e i r o s , q u e voluntarios o se-
rruii-ão. imitando-o n o zelo com que desejavão acudir aos
hi uitos parvulos q u e pcrccião á fome, e pedindo pao nao
tinhâo q u e m lli’o partisse em pequeninos.
T rium phante de seus inimigos a liberdade portugueza, e
restituído a seu legitimo senhor o sceptro do P ortugal,
soube o seu fervor entranhar-se tanto no real animo do feli­
cissimo Libertador da Patria, que alcançou delle quanto
pretendia com credito do augm ento da Fé, do zelo do vas­
sal! o e da C hristandade do Soberano, que m uito á custa da
sua real Fazenda quiz que os prim eiros passos cio seu rei­
nado fossem dados em obsequio da conversão do (rnnti-
lismo.
Com quatorze apostolicos Missionários partio para o Ma­
ranhão, vindo por ultim o a naufragar na costa cio P ara,
até ser com a m aio r parte dos com panheiros m orto e co­
mido pela barb arid ad e dos Tapuyas Aroães.
0 padre Simão Florim , P ortuguez cie nação, entre as mais
virtudes em que floresceu, m ostrou sem pre hum singular
talento para converter alm as, trazendo-as ao cam inho da
verdadeira p en iten cia; c era tão valente a efficacia do seu
zelo, que tendo clella cabal conhecim ento o P adre Luiz F i­
gueira, lhe m etteu nas mãos hum a occasião que só fiou do
seu cuiüaüo.
Havia nesta m esm a náo em que ião todos em barcados,
cerlo mancebo, presum ido de soldado e de lium a vida tão
estragada, que passavão já sete annos que se não confes­
sava, com hum tal aborrecim ento ás cousas cie devoção,
que nem praticas nem doutrinas dos nossos queria ouvir ;
e sendo obrigado como christão a buscar o rem edio da alm a,
não só o não fazia, mas chegava ao extrem o de fugir como
frenetico do m esm o medico que lhe havia cu rar a lepra, e
livrar do contagio cia culpa.
Teve aviso deste desam paro o P adre Figueira, c com pa­
decido desta ovelha desgarrada, a desejou ganhar p ara
C h risto ; c como sabia da destreza do P ad re Florim para
curar sem elhante enferm idade, lhe rccom m endou pozesse
os olhos nesta preciosa e já perdida m a rg a rita , p ara lu c ra r
a qual era bem em penhasse agora toclos os seus talentos.
Não se descuidou o solicito e evangélico m ercador, o
travando ioç>o pratica com esle obstinado, o foi e.àda vez
m ais abrandando, já com algum refresco, que lhe oíterecia,
já com a doçura das palavras, o docilidade, do ira t o : ale
que vendo-o’ bum a vez m ais engolfado na pratica, lho foi
apontando tal bateria de razões, com que lhe afeou a culpa,
o o miserável estado da alma, que estava a pique de cabir
no inferno, se logo se não aproveitasse da occasion que a
divina m isericordia lhe offcrecia, que cahindo em si o já
venturoso m ancebo, se rendeu hum ilde ao industrioso e
apostolico espirito do P adre Simão* F lo rim ; fazendo com
clle en tre m uitas lagrim as bum a confissão geral, o dando já
arrependido bum a cabal satisfação a quem tinha escanda-
lisado com a má vida.
O P adre Francisco do Rego foi hom em de conhecida vir­
tude c adm iravcl fervor. E ntrou na Companhia dia da Con­
versão de S. Paulo, a quem se obrigou a im itar na prega­
ção, c conversão dos Gentios.
Já do tem po do seu noviciado se accendia em ardentes
desejos dc passar por Missionário á laboriosissim a conquista
do sem pre inaccessivcl c fechado Japão; porém vendo a
grande falta dc operarios para a C hrislandade do Mara­
nhão, tão efficazm ente ponderada pelo apostolico varão, o
P ad re Luiz F igueira, pedio com m uitas lagrim as aos Supe­
rio res o ser hum dos seus ditosos com panheiros; accenden­
do com tão edificativa supplica a alguns outros Religiosos,
para que com o m esm o fervor o im itassem na prclcnçao, <i
o seguissem no m inisterio. E ntre as virtudes que o fizerao
singular e m odelo de perfeição religiosa, foi a oração c
continuo trato com Deos, acom panhado de bum a horrorosa
penitencia, com que se fazia inimigo declarado do seu m es­
m o corpo, a quem totalm ente aborrecia com notável
desprezo.
Pelo Jubilêo das 40 horas, era tão frequente na assistên­
cia do Divinissimo Sacram ento, que apenas tom ava as horas
precisas para o su sten to , sendo m uito poucas as que levava
hum m uito m oderado descanso do corpo para dorm u , poi
que só vivia desvelado nos obséquios e real presença de seu
G rcador. E rão tan tas e tão continuas as disciplinas, que
cansado de hum as passava a outras, ou fossem com m ons ou
nas costas, reg u lan d o -se nesta parte com approvaçáo do
Superior pelas 'larg as m edidas de sen avantajado espinlo.
Era frequente na m ortificação da com ida, não tocando a.
iguarias, por mais delicadas e m im o sas q u e fossem. Se a
doença p or gran d e o pro strav a, q u a l q u e r molestia o não
rendia aos precisos privilégios de enferm o, p o r q u e com p e ­
quena mellsora p r o c u r a v a seguir p r o m p ta m e n le a c o m u m -
nidade; com estas e o u tra s m uitas virtudes se fez m e re c e d o r
da gloria immarcescivel, que piamente crem o s m e receria, p o r
se fazer agra;lave,] victima da caridade, m o r r e n d o ás mãos
da b a r b a rid a d e na com panhia do seu esforçado Capitão,
S u p e r io r e Mestre.
O P ad re Pedro Figueira ainda antes de s er da Companhia se
fazia respeitado pada sua modestia, e era sugeito de co n h e ­
cida virtude. Na religião foi singular n a hu m ild ad e e
obediência com que s e m p r e se sacrificou gostoso a q u alq u er
aceno e voz do Superior. Não dizia palavra que ofíendessc
nem levemente a caridade, p o rq u e p ara todos era a m esm a
u rb a n id a d e e carinho, sendo todo o rig o r p ara comsigo.
Era tal o fervor e desejo que tinha de se e m p re g a r no
ru ito e salvação das alm as, q u e q u an d o ouvia fallar nas Mis­
sões se arrazava lodo em lagrimas de consolação, sabendo
do fruto q u e n c l la s se fazia.
Esíe p articular a m o r q u e tinha ao ministério apostolico, o
fez b u scar o exercício de Missionário do Maranhão, onde
acabou victima da c a rid ad e na com panhia do venerável
P a d r e Luiz Figueira.
O P ad re R arn ab é D ias, além das m uitas virtu d es em que
F o re s e e n no século, q u an d o já .Religioso se e sm ero u muito
n;t singular devoção a Maria Santíssima, a q u e m todos os dias
resava o officio p a r v o ; jejuava aos sab b ad o s e vesp eras de
suas festus, e nas q u a r e s m a s accrescentava nas sextas-feiras
0 de pão e agua. Foi tão inimigo de palavras e s c u ­
sadas e ociosas, que aides queria p a r e c e r rustico c grossei­
ro, sem ainda a mais leve oííensa de Deos, que u rb an o e
politico com leviandade, que desdissesse de im ma relimosa
e .rigorosa modéstia. °
Os nossos ires Religiosos que escaparão de h u m tão la-
mentavel naidragio, em q u e d e i ? ;» pessoas que ião na quell a
d esgraçada mm. só iicárõo com vida 4 d , são o P a d r e F r a n ­
cisco Pires, o irm ão Antonio de Carvalho, c o i r m ã o Nicoláo
h:1íxeira, os quaes ío rão depois recebidos do G overnador
1 e d io (1(‘ Albuquerque, iquo foi lam b em h u m dos que se
mívarãi) com g ra n d e humanidade, e h o s p ed ad o s com ex -
a a o im n a r io alleclo e caridade dos R everendissim os Padres
dr, Nossa Senhora do Monte do Carmo., cm cuja religiosis -
sima com panhia esliverào pelo espaço de cinco mezes. Não
nos foi possível d esco b rir mais amplas noticias do ve­
n erarei Padre Luiz Figueira e seus gloriosos co m p an h eiro s.
Das q u e deixamos escriptas se p oderá inferir a heroica vir­
tude, c singular caridade deste apostolico varão, r e s p l a n d e ­
cendo nelltí h u m ardentíssimo zelo, e gran d e desejo da sal­
vação das alm as, não sendo m e n o r o exemplo que nos
deixou na ditosa m o rte , com que soube co ro a r tão santa
vida ; sendo certo o que diz Christo, que não pú d e hav er
m a io r carid ad e, que d a r a vida pela salvação alheia.
Esta carid ad e da salvação dos Índios, q u e lauto ard ia em
seu ab razad o peito, o obrigou a co m p o r com incrível t r a b a ­
lho, e continua applicação a prim eira arte da lingua dos na-
lu ra es q u e vio o Brazil, de composição tão perfeita, o tão
delicada n o s preceitos, que lie assom bro e adm iravel teste­
m u n h o da rara capacidade e talento do seu a u t o r ; pois que
sendo hunt a lingua b a r b a r a , está tão bellamente reduzida
ao infallivel preceito das suas reg ras , q u e n e u h im i dos m uitos
Missionários que ha e te m havido lhe tem até o dia de
hoje d esco b erto o m e n o r defeito, ou julgue n ece ssitar do
m a io r au g m en to , cousa ra ra no m u n d o na composição de­
arie s ! P o r esta, e m u ito mais pela da perfeição q u e nos
deixou tão esclarecido varão, devem os todos e s tu d a r os que
nos p reza m o s o p erario de tão gloriosa Missão, e filhos v e r ­
dadeiros de tão zeloso e in com parável Missionário.
Desejáram os de todos m ais particulares noticias p ara as
e s ta m p a r m o s n este papel, e d arm o s á posteridade h u m a u ­
thentico te s te m u n h o das singulares virtudes e g r a n d e zelo
d estes insignes e assaz louváveis obreiros da vinha do S enhor.
O uçam os ag o ra o que sobre d ie s escreveu m u ito depois o
B ra n d e Vieira ao P a d r e Provincial do Brazil. Saibamos p ri­
m eiro.
Logo q u e o Governador P edro de A lbuquerque chegou á
cidade, depois de escap a r do naufragio, m an d o u gente e
soldados q u e c o r r e s s e m a costa da ilha do Joannes, e soc-
eo rres s em o m e lh o r que p o d essem aos nau frag an tes que
a c h a s s e m ; os quaes ap en as p o d e rã o sab er o b a r b a r o Jim
que o Gentio deu áquolles miseráveis naufragantes, como
m uito depois averiguou o g r a n d e Padre Vieira, q u e dos
m e sm o s exp lo rad o res s o u b e as noticias, que na sua m e s m a
carta exprim e cheio de consolarão. e não sei se diga de
„ 222 —•

hi] re a sail í a inveja. Diz assim cm parle na sna carta escripta


nn Maranhão ao seu Provincial: «Na Ilha do Sol, onde ma-
!p,i-no o Padre Luiz F igueira, o tem os índios retratado com
Irem menino pela m ão, c hum Christo crucificado na o u tra,
que parece ser a fôrma em que o acharão na praia, onde
sabem os haverem chegado os P adres vivos. Tudo isto consta
por relação de pessoas que conhecião o P adre e virão o
re tra to . Está esta Ilha do Sol na entrada do rio das Amazo­
nas da handa de Leste ou G rão-Pará, que! he o mesmo ; c
assim como o Santo Xavier m orrendo na de Sanchão abrio
as portas á China, esperam os que o sangue innocente de
tantos Padres, tão gloriosam ente derram ado, ou pela fé, ou
pela caridade, seja o qne desta vez nos deixe tam bém abertas
as deste novo m ar, e deste novo m undo. »
E logo em outra que escreveu depois ao m esm o Provin­
cial accrescenta :
e Ainda não ha hum anno, que escrevi a Vossa Reveren­
cia a prim eira carta desta Missão. Foi erro dizer na dita
carta, quo os P adres Luiz Figueira o seus com panheiros
forão m ortos pelos b arbaros na ilha do Sol, como então m e
disserão, porque indo eu depois ao P ará, soube que
os não m atarão senão na Ilha chamada de Joannes, a qual
está atravessada bem na boca do rio das Amazonas defronte
da mesma ilha do S ol.... No Pará fall ei com hum soldado,
que se achou na ilha destes barbaros poucos dias depois da
m orte dos Padres, e sobro me confirm ar do que escrevi da
pintura em que o tem retratado, accrescentou que vio o
lugar em que forão m ortos, e que era hum terren o grande
com hum páo fincado no meio, o qual ainda conservava os
signaes do sangue. A este páo os atavão hum por hum em
differentes dias, e logo se njuntavão ao red o r delles com
grande festa e algazarra, todos com seus páos de jucá nas
mãos (charnão páos de jucá, ou de m atar, a huns páos largos
na ponta, mui fortes, e hem lavrados, que lhes servem como
de m assas na guerra).
« Arm ados desta m aneira andão saltando, e cantando á
roda do que ha de m o rre r, e chegando a hora em que já
não póde esp erar m ais sua fereza, descarregão todos á p o r­
lia os páos de m atar, e com elles lhe quebrão a cabeça.
Vão tirados á cabeça os prim eiros golpes, e não a outra
parte do corpo: porque lie costum e universal de todas estas
Oenlilidades não poderem lorriar, nem le r nom e. senão
depois de q u eb rarem a cabeça a algum seu m im igo, e
quanto este lie de m ais nobre nação, e de m ais alta
dignidade , tanto o nome he m ais honroso. D esta m a­
neira tom arão nome estes barbaros nas cabeças dos
nossos Padres, ou para m elhor dizer, lhes derào posse
daquelle nom e, que com o sangue que havião de d erram a r
em tão gloriosa dem anda, se lhes tinha escripto no livro
da vida. Depois de m ortos os assarão, e com erão como cos-
tum ão, e ainda o m esm o soldado vio os giráos (que são
hum as grelhas de páo) em que íorão assados. Conto tudo o
que vo ii descobrindo do P adre Luiz Figueira e seus com ­
panheiros, p o rq u e além de ser de edificação para todos he
de grande consolação p ara os que os conhecerão, e o pódc
ser tam bém p ara os que os quizerem imitar. Eu vi do longe
a ilha e confio em Nosso Senhor, que cedo se ha de colher
nella o fruto quo de te rra regada com tanto sangue, e tão
santo se póde e s p e r a r .»
Até aqui íieim ente a devota penna do sem pre grande
P adre "Vieira, com a qual quizem os exornar esta pequena
p arte da vida do nosso heróc, servindo-nos de suas pala­
vras como de esm alte e luz para realçar e sahir m elhor a
verdade de nossos escriptos.
CM'lTliLO V.

('.CESSOS D O S D E L I C I O S O S DA COML’ANiilA -NO DAKÁ D


MAUANHAO, DO ANNO DE '1(»44 ATE AO ANNO DE \b \S .

Infausto foi para o M aranhão o anno do 10-13, porque


ainda continuavào nolle as gnorras com os U ollandezes, quo
fclizmenle so concluirão no seguinte anno ; para o im a
o foi tami)cm. pelas p ertu rb ações e grandes dilíereuças que
liaviào entre o sou Senado, Pedro Maciel P arente e seu.
irmão João Velho do Valle, am bos sobrinhos do G overnador
que tinha sido 1lento Maciel. Parente; prom ovidos, o segundo
dos dons para C apitão-m ór da Capitania do Cabo do Morte,
de que tora donatario sen tio, e o prim eiro para G apitao-
m ór do P ará, por patente do Sua Mages ta de. Pretendendo
tom ar posse dos seus cargos, a Camara repugnava ; porque
tendo-os ella m andado ao soccorro do M aranhao, desem
penhárão elles tão mal esta sua com m issão, que vendo a
diíliculdade que havia de su sten tar e proseguir a guerra
contra os Uollandezes, desam pararão o valoroso Antonio
Teixeira de Mello, que nunca desistio da em preza, e nas suas
m esm as canoas cm que tinirão ido para M aranhão, s e i e -
íirárão p ara o P ará; levando os soldados da sua disciplina,
que a m esm a Cantara lhes dera p ara irem soccorrer aquelKi
capital, com os quaes se fazião agora fortes c so alojavão na
ilha do Sol, a que outros dão tam bém o nom e de T upy-
narnhás.
Gomo 0 naufragio do G overnador Pedro de A lbuquerque
tinha succedido quasi defronte desta ilha, se vio elle pre­
cisado a tom ar quartel de descanso neste arraial dos Maciéis,
onde sabendo 0 indecoroso procedim ento destes dous cabos,
a quem não podia por então castigar pelas criticas circum s­
tan d as de tão calamitosos tem pos, foi tão grande a pena
que 0 b rioso animo deste General tom ou, que jam ais pôde
lograr hum dia de saude.
Pouco satisfeito, e sem dar a conhecer"a dôr que 0 opprb
mia, partio elle deste alojam ento para 0 P a rá , onde tom ou
posse aos !•> rio Julho de GPGh Já a este tem po se acliavão
na (’idade o Padre Francisco Pires com os dons Irm ãos An­
tonio de Carvalho e Nicoláo Teixeira, unicas reliquias nossas
daquelle fatal naufragio.
Éstavão elles hospedados no Convento dos R everendissi­
m os Carm elitas, a expensas da sua grandeza e carita­
tivo cuidado, m ercê, com o utras m uitas, por que se fará
eterno o nosso agradecim ento, que por antigo não esquece,
quando se recom m enda á m em oria o beneficio. 0 prim eiro
em penho do novo G overnador foi acudir como soldado ao Ca­
p itão -m o r Antonio Teixeira, que no M aranhão estava com o
peito ás balas, e com as forças dos seus enfraquecida, faltan­
do-lhes os m eios de poderem su sten tar o brio, e m o stra r aos
Hollandezes o valor sem pre inteiro de seus destem idos co­
rações.
Era pois grande a falta que havia no nosso arraial de m u­
nições de g u erra, o que a vigilância de Pedro de A lbuquer­
que queria agora acudir com o grandioso soccorro, que re -
m etteu áquelles valorosos restau rad o res da liberdade, que
alegres o receberão, e com elle derão as ultim as provas
do seu esforço, apertando com golpes tão pesados os ini­
m igos já quasi derrotados, que se virão estes obrigados a
la rg a r a terra, que injusta e violentam ente dom inarão p or
espaço de dous annos, tre s m ezes e quatro d ia s ; que tanto
vai de 24 de Novembro de 1641, em que a tom árão, a 28 de
Fevereiro de 1644, em que vergonhosam ente a largarão as
arm as victoriosas do Com m andante General Antonio Teixeira
de Mello, e seus valorosos com panheiros, 12 dias depois
da m orte do G overnador e Capitão G eneral Pedro de Albu­
q u erq u e ; o qual opprim ido de desgostos e graves m olés­
tias, que eontrahio no naufragio, fazendo-se digno de m ais
dilatado governo, acabou a vida a 16 de Fevereiro, sepul­
tando-se na Igreja da Virgem Senhora do Monte do Carmo,
e com o seu cadaver as grandes esperanças, que o povo ti­
nha de participar dos acertos de seu governo, o da bella
indole e plausivel genio com que se fizera em tão pouco
tem po am avel este illustre e sem pre m em orável P ernam ­
bucano.
P o r occasião do soccorro que foi para o M aranhão soube
o bom P adre Benedicto Amodei do triste naufragio do Pa­
d re Figueira, seu am antissim o com panheiro e S uperior;
cheio de santas invejas, sentio como amigo a sua m orte,
vendo a grande falta que fazia a esta desam parada Chris-
it )
(alidade com hum tão num eroso esquadrão rm tem po em
(pie a Companhia estava quasi expirando neste Estado, m o­
tivo por que ag o ra m andava, que o P ad re Francisco Pires o
fosse acom panhar no M aranhão, onde se achava solitario
sem poder acudir ao cultivo de tao dilatada seara, e que os
dons Irm ãos, visto não terem cá quem os ensinasse, e fizesse
m inistros aptos á propagação do Evangelho, e m inistérios
da Companhia, voltassem para P o rtu g al a acabar os estudos.
Achou esta ordem já fallecido pelos grandes trabalhos da
navegação ao ediíicativo Irm ão Antonio de Carvalho, a quem
os Reverendos Religiosos do Carmo derão honrada sepul­
tura na sua m esm a Igreja, com aquellas honras funera es
que costum ão ser o ultim o m onum ento desta am orosa Mãi
para com seus am ados iillio s; de que obrigada a nossa Ve­
nerável Provincia levanta nesta historia hum eterno padrão
do seu devido agradecim ento.
O Irm ão Nicoláo Teixeira partio para o Reino na seguin­
te monção, onde assom brou as nossas aulas com o elevado
e su b til’do seu singular engenho. O P adre Francisco Pires,
joio lhe perm ittindo m aiores dem oras a inalterável ordem .de
seu Superior, se foi para o M aranhão, onde foi recebido
mais como com panheiro que como subdito, com aquelle ju ­
bilo e alegria, que se póde im aginar; tendo já o P adre Amo-
dei quern o consolasse no.s trabalhos, e o ajudasse a cele­
b rar o geral applauso, que havia na cidade, da evacuação
dos Hoflandezes, em que tinha não pequena parte o seu pro­
phetico e fervoroso espirito, como já dissem os; não sendo
m enor a consolação que recebia ouvindo de lm m a testem u­
nha dc vista os gloriosos acontecim entos de seu am antíssi­
mo Padre Figueira, e de seus virtuosos com panheiros.
Fallecido no P ará o Capitão General Pedro de A lbuquer­
que, ficou o governo do Estado por então dividido; porque
a prudente conducta deste fidalgo antes da sua m orte no­
meou p o r C apitão-m ór do Maranhão ao insigne e victorioso
heróe Antonio Teixeira de Mello, que pouco antes acabava
de expellir totalm ente ciaqnella Capitania os HoIIandezes, c
por Capitão-m ór do Pará nom eou a Felicianno Corrêa, decla­
rando-lhe p o r adjunto a Francisco Coelho de Carvalho, Sar-
gento-m ór do Estado ; de cuja prudência e zelo se podião
liar os m aiores acertos, motivo por que dahi a dous annos,
aos 17 de Junho de -1046, tomou posse de todo o governo
pur patente real, que recebeu como devido prêm io ao seu
elevado m erecim ento.
Foi acoito com geral applauso dos m oradores, que para
distiuctivo do lio do seu m esm o nome, prim eiro G overna­
d o r e Capitão-G eneral deste Estado, lhe aeerescentárào ao
sobrenom e o appellido de « Sardo. » P artira nesta m esm a
occasião do Reino, o P adre Manoel Moniz, levando em sua
com panhia ao irm ão G aspar F ernandes, que atlrahidos da
grande fama de suas virtudes, buscavão gostosos a compa
nhia do Servo de Reos Benedicto Amodei, a quem a sabia
Providencia do Altíssimo tinha já a este tem po cham ado para
si a gozar a im m arcescivel coroa que lhe tecerão suas ad m i­
ráveis virtudes e gloriosos trabalhos.
Foi considerável a pena dos novos hospedes, que alliviá-
rão em p arte na boa com panhia do Padre Francisco Pires,
que unico no M aranhão carregava o grande peso de tão la ­
boriosas fadigas.
Foi o Padre Benedicto Amodei, Italiano de nação, natural
do Reino e Ilha da Sicilia, que bem se póde gloriar de hum
alum no tão benem erito da Republica Christã. Acabados os
estudos, movido do zelo e salvação das almas da Gentilidade
cia A m erica P ortugueza, pedio com a m aior instancia a Mis­
são do Brazil, e havida a licença partio para esta Provincia
a colher nas aldêas daquclle Estado os frutos pelos quaes se
d e ste rra ra cia p atria, e largara com total desapego as m e­
lhores delicias da Italia.
No anno de 1622, ouvindo o grande desam paro cia Chris-
tandade do M aranhão, ardendo em zelo o seu elevado fer­
vor, pedio m uitas vezes, e de joelhos, aos S uperiores, esta
gloriosa Missão, que finalrnente alcançou, partindo para ella
no m esm o anno na boa com panhia do Servo de Deos o P a­
d re Luiz F igueira. T rabalhou 25 annos este insigne operario
nesta fru tu o sa vinha, sendo innum eraveis os frutos que o
seu sin g u lar zelo recolheu para o Divino Pai de Familias.
Não he facil d isco rrer pelos m uitos e grandes trabalhos
que padeceu em tão dilatado tem po nesta conquista, tanto
mais pebosa, quanto m ais nos seus princípios, onde a falta
de M issionários precisam ente lhe havia m ultiplicar as fadigas
divididas entre tres Religiosos, quando os de hum a Provin­
cia inteira não serião ainda bastantes a exercer os m uitos
m inistérios da nossa Com panhia, cm terreno tão vasto, e em
m ésse tão copiosa, pois só elles estabelecerão naqueíla ilha
cinco populosas a ld ê a s ; não sendo menos as que fundarão
no Itap u c u rú , T apuytapera até á Capitania do G urnpá. Aão
lovt' pequena p arte na erecçao do Collegio de Nossa Senlioia
da Luz, que o Padre Figueira funclou; até deixar sobre os
1,om bros de varão tão santo o peso de toda aquella Chris-
tandade quando depois partio para P ortugal a b u scar ope­
rarios p ara a vinha do Senhor.
Na restau ração do M aranhão, em que aquelle m ísero povo
gemia debaixo do jugo das arm as ho llan d ezas, teve este
valente soldado da milícia de Christo a gloria de se r hum
do seus alentados restau rad o res, a quem nem o poder ini­
migo intim idava, nem o peso de tão form idáveis forças en­
fraquecia; p orque o seu animo superior a todas, assim
animava os soldados na cam panha, como favorecia na ora­
rão com su p p lic a s; vivamente estim ulado do zelo com que
via enfraquecido o partido dos catholicos contam inados já
com o halito pestifero da h eresia, que nem ao sagrado dos
tem plos respeitava, nem quartel ao decoro da honestidade
p e rm ittia ; não se ouvindo mais que desordens, forças, in­
justiças, que o atrevim ento dos Hollandezes com m ettia com
fu ro r execrando; queixas, que ao m esm o tem po que fen ão
os ouvidos, m agoavão o coração do caritativo P ad re. Picado
desta pena, animava os índios, de quem foi pela sua v irtu ­
de respeitado, a que defendendo a causa de Deos, não
desam parassem o partido dos Portuguezes, e largassem o
de Hollanda, de quem só podião receber com os prejuízos
da alma as oppressões que comsigo costum a tra z e r a am ­
bição e o poder.
Este o m otivo por que o bom successo das nossas arm as
se attribuio sem pre á virtude e zelo do Padre Amodei, que
não socegava dia e noite com o cuidado de proseguir a em -
preza, que o bom padre Lopo do Couto tinha prom ovido;
porque com a sua m orte se tinhão de tal sorte entibiado os
anim os, que olhando para a disparidade das forças, para a
falta de m unições, e pequeno num ero de com batentes m uitas
vezes estiverão para desistir da em preza, se o Servo de Deos
os não anim asse com as suas prom essas, assegurando-lhes
da p arte do m esm o Senhor o feliz êxito da guerra, e a de­
sejada restauração da liberdade; e como aquelles soldados
coníiavão m ais nas orações do Padre, que no valor das suas
espadas, erão as suas persuasões os m ais anim ados clarins
com que se irritavão estes filhos de M arte para o com bate.
Occasião houve em que chocando-se os nossos com o ini­
migo, dando-se-lhe parte do bom successo do conflicto, o
acharão cm orarão, da qual foi o mesmo levantar-se para
logo ir descahindo o partido dos n o s s o s ; o que advertindo
o Com m andante, m andou, como seguro despacho, que para
alcançar-se a victoria se pedisse ao P adre continuasse a
supplica, que era o m esm o que levar nas mãos o venci­
m ento. Assim se renovarão os trium phos de Josué pelos
braços levantados de hum novo e fervoroso Moysés.
A lodos abrangia o seu zelo, porque a todos communicava
os influxos da sua grande caridade, anim ando os soldados
no cam po, e consolando os necessitados e afflictos no ar­
ra ia l, já com os confortos da alma na adm inistração dos
S acram entos, já com os soccorros do corpo na applicação
dos rem edios, de que a sua hum ildade o tinha feito o m ais
cuidadoso enferm eiro. Ultim am ente, retirados os nossos á
T apuytapéra, a esp erar m elhor fortuna no soccorro que
tinhâo pedido ao Pará, desam parando com grave injuria
lium a facção tão illustre, os C apitães-m óres Pedro Maciel c
seu irm ão João Velho do Valle, os seguirão m uitos dos
nossos soldados, que foi o m esm o que pôr na ultim a deses­
peração a já principiada liberdade. A isto logo se oppoz o
invencivel anim o do servo do Senhor, persuadindo tão efíi-
cazm ente aos que ficavâo a continuar o com eçado pelas
infalliveis prom essas que, em nom e de Deos, fazia a todos,
que tom ando estes as arm as e dando á sua valentia novos
b rio s, anim ados com o valoroso exemplo de seu Comman-
dante-G eneral, pozerão o glorioso rem ate áquella gu erra,
expellindo os Ilollandezes, de quem finalm ente trium phou
a liberdade portugueza. E para que se não duvide do m uito
que a tão santo Padre se deve nesta m ilagrosa restauração,
postas em cam po tão pequenas forças contra poder tão
form idável, lêa-se a certidão já expendida no Capitulo ultim o
do segundo Livro, p o r ser passada pelo m esm o Com m an-
dante desta insigne restauração, que não havia de querer
m acular a gloria do seu nom e com hum a attestação falsa
em tem po cm que ainda contava aquella cidade, onde a pas-
sára, m uitas testem unhas de vista de tão pasm osos aconte­
cim entos.
E pelo que respeita ao elevado de sua oração, accrescenta
o nosso Padre Felippe B ettendorf (que de tudo que pertence
á nossa H istoria nos deixou verdadeiras noticias), que faltando
com elle o Capitão-m ór de T apuytapéra, lhe aííirm ára que
vira ao virtuoso P ad re Benedicto Amodei todo cercado de
— .'.:o —

luzes, estando em oração ; c que accrcscentára que o desen­


terrassem , porque julgava, e quasi tinha por certo que o
havião achar inteiro e in c o rru p to . 0 mesm o afíirmavao
m uitas senhoras das m ais nobres do M aranhão, de quem o
m esm o Padre B ettendorf o ouvio, que todas á boca cheia
eham avão ao P adre Amodei o — P adre Santo — ; e que
nunca acabavão assazm ente de explicar o zelo e caridade
deste pai dos afflictos, que tanto as consolava nos seus d es­
g ostos, quando estavão no arraial, e ao mesmo tem po aos
seus m aridos na cam panha, e que m uitas vezes o observarão
tão em bebido na oração, que se suspendia no ar, sem d ar
accordo de si, todo banhado de luzes e todo absorto em
consolações celestiaes.
M ateria am pla daria sem duvida á esta nossa H istoria a
prodigiosa vida de tão insigne varão, a não ser elle só o que
restava nesta Missão, por serem fallecidos o P ad re Couto e
o Irm ão que viera com elle na sua com panhia do Brazil, e
não lhe p e n n ittir a sua grande hum ildade o se r exacto
chronista de si m esm o; motivo por que, faltando-nos as
noticias, ficou sendo m aior a saudade de não term os com
que form ar m aior elogio da serie continuada de suas apos­
tólicas e m em oráveis acções; sirva-lhe porém de rem ate,
para prova do que tem os dito e para eterno padrão da sua
santidade, a certidão authentica que nos deixou o Licen­
ciado Domingos Yaz Corrêa, P rovisor e V igario-G eral, que
então era de todo o Estado, a qual he do th eo r se g u in te :
« 0 Licenciado Domingos Yaz Corrêa, Vigario-Geral e P ro­
visor deste Estado do M aranhão e Vigário da Matriz desta
Eidarle de S. Luiz, cabeça della, etc. — Certifico que, haverá
dez annos, resido neste Estado, e nelle achei o Padre Be­
nedicto Amodei, Religioso da Com panhia de Jesus, varão
insigne em virtude e santidade, e como tal conhecido e
venerado de todos, cham ado vnlgarm ente o — Santo — , de
cujas virtudes, além desta fama e opinião com m um , sou
testem unha de vista, por viver com elle de portas a dentro na
m esm a casa da Companhia, , e o vi p or vezes arrebatado e
levantado do chão em oração, na qual gastava as noites
inteiras, c nella linha grandes [Ilustrações do céo, de que
ha neste Estado experiendas m uito provadas , principal-
m ente no tem po da g uerra com os Hollandezes, prophetisando
com grande evidencia os successos della, e anim ando com a
fé, que nelle tinhão, os m o ra d o r e s a que em prehendessem
a expulsão do inimigo e res la u ração do Estado, como verda
dciram cnte o conseguirão, sendo poucos, mal arm ados e
sem soccoiTO algum de Portugal ; o que tudo se attribue
ás oraçdes e m erecim entos do dito Padre Benedicto, e ao
zelo e industria do P adre Lopo do Couto, tam bém da Com-
panliia de Jesu s, (jue foi o prim eiro que exbortou os
Poriuguez.es á esta g u erra, traçou o rom pim ento, e o <*on-
seguio. Assim m ais cerlilico que o dito Padre Benedicto
Amodei com seu grande espirito o zelo era o que naquelle
tempo sustentava a C lm standade, assim nos Porluguezes
como nos Judios, pregando, confessando , consolando e
acudindo a to d o s, assim nesta cidade como nas aldôas,
andando-as visitando a pé, como sem pre costum ava, de cujo
trabalho veio a adoecer e m o rre r; com cuja m orte posso na
verdade dizer que acabou juntam ente a C hristandadc que
havia nesta te rra, p o r falta de quem continuasse o espirito
e doutrina do dito P ad re e dos m ais da dita religião da
Com panhia, que lam bem erão já m ortos. E assim o ju ro in
verbo Sacerdotis, c com o m esm o juram ento aííirm o tudo o
que íica dito nesta certidão. Nesta Cidade de S. Luiz do
M aranhão, aos 30 de Março de 1(354. — 0 Licenciado Do­
mingos Vaz Correa. »
A m orte dos nossos P adres no Itap u cu rú , e o pouco cu i­
dado que então houve em g u ard ar alguns papeis de tempos
anteriores, corno pela falta de quem podesse deste aposto-
lico Missionário e dos que ficarão indagar mais particular
noticia das suas acções, nos faz ser agora m enos extenso
nos seus lo u v o res; m as do pouco que tem os dito se poderá
inferir, e com razões m uito bem fundadas, a valentia do es­
pirito, e as heroicas operações que precisam ente havia de
o b rar hum varão to d o de Deos, que qual outro Moysés
participava dos resplandores divinos, que dava a conhecer
no proprio sem blante, anticipando-se a gozar cm vida hum
daquelles dotes que servem de gala aos Bem aventurados
no céo, como piam ente crem os, de quem soube ajustar a
preciosidade da m o rte com a santidade da vida.
Foi seu corpo sepultado na capella-m ór da Igreja velha
do Collegio de Nossa Senhora da Luz do M aranhão, e a c e re s-
centa o P adre João Feiippe, que se lhe íizera a sepultura
hem no meio da dita capella debaixo da alam pada, cobrindo-
se aquella de lums azulejos em fórm a de estrella, m as m e­
lhor dissera se para veneração de hum tão grande servo de
Deos nos deixara a certeza flo lugar mais proprio, quo mo
rooiAo suas preciosas reliquias para allivio da nossa saudade,
e perpetua memória de hum Ião grande exemplar de Missio­
nários. Seja-nos a todos grato o seu famoso nome, e a nos
e aos vindouros de summa consolação a soa saudosa lem­
brança.

v.
CAIMTIIA)
MOUTE DOS PA DUES FRANCISCO P IR E S E MANOEL MUNIZ, E DO
IRMÃO COADJUTOR CASPAR FE R N A N D E S .

Corria já o anno de 1647, e com a morto do venerável


Padre Benedicto Amodei tinha cabido com o cargo de Supe­
rior, todo o peso da Christandade do Maranhão sobre os
hombros do fervoroso Padre Francisco Pires, por se achar
neste tempo no ItapucurúoPadre Manoel Monizcom o Irmão
Caspar Fernandes. Nestes santos e apostolicos exercícios se
foi passando até ao anno seguinte de 1048, em que passou
desta vida para a eterna, sem ainda completar dous annos
de governo, o Capitão-General Francisco Coelho de Carvalho,
tendo a prudente prevenção de nomear por sua morte Ca-
pitães-móres do Maranhão a Manoel Pitta de Veiga, e do
Pará a Ayres de Souza Chichorro com independência hum
do outro, tudo aíim de evitar as desordens com que se fez
menos pacifico o governo intruso por morte de seu tio o
primeiro Governador e Capitão-General do Estado.
Em mui pouco tempo experimentou este a falta de quem
os governasse como Francisco Coelho, assaz magoados da
perda pelo amor que já tinha conciliado destes povos aquelle
General, dos muitos annos que entre elles tinha vivido no
posto de Sargento-mór, porque logo no principio do seguinte
anno, em o mez de Fevereiro, tomou as redeas do governo,
não sei se para lhes enxugar as lagrimas, se para lhes avivar
mais o sentim ento, Luiz de Magalhães, Fidalgo da casa de
Sua M agestade; a quem os relevantes serviços que fez no
tempo da restauração de Portugal o elevarão ao cargo, e o
farião credor de maiores honras, a não se embaraçar com
negocios que o fizerão menos aceito ao ministerio da côrte,
onde chegarão as queixas, e se ouvirão os clamores dos
mais apaixonados e queixosos.
Foi também este anno de 1649 infausto á Companhia no
^Maranhão, por nelle se extinguirem as reliquias dos Missio­
nários, que ainda havia, que erão dous Sacerdotes c hum
Irmão, que todos acabarão no Itapucurú, com morte ao pa~
30
reoor «Ius homens menos appetecivel, mas aos servos de
Deos muito agradavel. Fôra o Capitão-mór Antonio Moniz
Barreiros, primeiro restaurador da liberdade do Maranhão,
notavelmente estimado dos nossos Padres e aceito á Com­
panhia, onde tinha seu sobrinho o Padre Lopo do Couto,
de quem já falíamos, e o Padre Benedicto Amodei, a cuja
virtude sacrificava os mais reverentes obséquios. Na cam­
panha contra os Hollandezes, cheio de victorias, e bem
perto dos muros da cidade, cahio mortalmente enfermo este
famoso heróe e valoroso Commandante, e antes de acabam os
amorosos braços do Padre Amodei, mandou lavrar seu tes­
tamento, e nelle declarou por seu filho natural, Ambrosio
Moniz, ainda menino e de pouca idade, a quem entre ontros
bens deixava o seu Engenho de Itapucurú, mas o uso fruto
delle declarava era sua ultima vontade o lograssem os
Padres na menoridade de seu filho, cuja educação lhes re­
comendava; e os nossos inteiramente o tomárão á sua conta,
recolhendo-o ao Collegio, que com esta esmola, depois de
tantas que delle recebera em vida, o contava já por hum
de seus maiores bemfeitores ; motivo por que sempre o tra­
tarão como filho de quem tanto nos mereceu em vida e
obrigou na morte, pois sendo ainda tão grande a nossa po­
breza para poder acudir ao preciso dos Religiosos, e ao
asseio da nossa Igreja, não era pequena mcrcò, poderem
utilisar-se do rendimento do engenho, emquanto o orphão
não tinha maior idade e se podia governar pelos dictames de
huma sufficiente capacidade.
Tomárão os Padres posse do Engenho logo depois da
expulsão dos Hollandezes, no anno de 1044, e como o achárão
totalmente desbaratado pelo saque dos inimigos, tratárão
como bons tutores de o reedificar, passando para elle
alguns de seus escravos que frnhão no sitio de Anyndiba,
onde fabricavão farinha para sustento dos Religiosos. Cor­
rente e moente o Engenho, mandou o Superior, o Padre
Francisco Pires, que o Padre Manoel Moniz e o Irmão
Caspar Fernandes assistissem nelle, e que largando o Padre
o governo temporal ao Irmão, cuidasse só do espiritual, não
só daquella gente, senão também das aklêas vizinhas, que
já estavão fundadas pelos nossos primeiros Padres na terra
firme. He obrigação dos Padres, que governão as fazendas,
cuidar assim do que pertence ao serviço temporal delias,
como e priiicipalmente do hem das almas que nellas vivem.
2;r>
Succcdeii pois quo huma India escrava e da obrigação do
mesino Engenho, vivia tão licenciosa, como esquecida das
obrigações de christã, de tão máo viver, que de peccadora
passava a escandalosa.
Quizerão os Padres remediar a ruina desta alma pelos
meios mais suaves, que só curassem e não exasperassem a
ferida. Paternalmente a admoestarão, e lhe propozerão os
riscos de tão má vida. Dos avisos passarão ás reprehensões,
o destas ás ameaças; e como nada aproveitasse, e a prostituta
índia fosse continuando nos seus escândalos, julgárào que
aquella inveterada chaga necessitava de maior remedio, ti que
se devião applicarmedicamentos, senão violentos, ao menos
mais proficuos c vigorosos; porém o effcito mostrou quo
não estava já a enferma em termos de semelhantes remé­
dios, porque castigada muito menos do que merecia pelo
seu delicto, tão longe esteve de se emendar, que para mais
s eg ii ram ente continuar na mesma culpa, se retirou fugida
para o sertão vizinho, onde vivia a nação dos Urúatys ; que
ufanos com so verem buscados para o desempenho deste,
que elles julgavão aggravo, e não effeito da obrigação dos
Padres, movidos c instigados do deinonio por boca da mal
intencionada índia, tomárão á sua conta a satisfação, ainda
á custa da innocencia dos mesmos Padres, querendo se
pagassem os estrondos da palmatória com os mortacs golpes
dos seus páos de Jucá, com que costumavão matar os
inimigos.
Costumavão os desta nação buscar muitas vezes este En­
genho, com quenivivião de paz, em utilidade propria ; com
este pretexto chegarão agora muitos defies armados em
guerra, a tempo que por huma festa que ali se celebrava
se achavão também alguns Portuguezes com o Superior da
Missão, a quem não pareceu bem esta visita pela circums­
tanda de vir na vanguarda o Principal dos Uruatys cha­
mado Potyron, que logo com a sua gente se fez senhor do
terreiro onde formados davão mostras de querer acommetter.
Cuidarão os brancos em se defenderem do assalto, tomando
as armas do fogo que trazião, que por então não servirão
do mais que de animar o inimigo, que ao primeiro tiro
que os m esm os disparárão, acommetèrão com tão brava re­
solução, que obrigárão os Portuguezes a salvarem as vidas
n a ligeireza das suas canoas, deixando os Padres no mani­
festo risco de perderem as suas como ovelhas innocentes
nas garras de ião fam intos lobos, que como não p rete n -
diào°m ais que sacrificar ao seu furor aquellas victim as,
buscarão a casa dos Padres, que já acharão preparados
para o com bate, postos de joelhos com as m ãos levantadas,
e os olhos no céo, postura em que recebêrão os barbaros
golpes dos páos de Jucá, ou de m atar, com que lhes que­
b rarão tyrannam ente as cabeças, extinguindo p o r esta vez
as poucas reliquias da nossa Companhia neste E stado.
Assim acabárão estes tres Religiosos offerecidos em sacri­
fício nas áras da castidade, pelo zelo da qualderão gloriosa­
mente as vidas ás mãos da tyrannia, Subi, oh almas ditosas, e
lá desse empyreo, onde só piamente cremos serieis colloca-
das para alcançar do Supremo Senhor da seára mandasse
operarios para a sua vinha totalmente desamparada de so c-
corro humano, seja para nós eterna a vossa memoria, as­
sim como suppomos o foi nos livros da vida com letras de
ouro o vosso n om e!
Foi o Principal Potyron o sacrilego e primeiro matador
dos nossos Missionários, cujo filho vindo depois ao poder dos
índios Trememés, seus inimigos, o derão ao Padre Superior
Pedro Luiz, e este o applicou ao serviço da Igreja Matriz de
Nossa Senhora da Victoria, da cidade do Maranhão. Soou logo
pela vizinhança o insolente atrevimento dosTapuyas Urúatys,
e acudindo com armas varios vizinhos a castigar o orgulhoso
attentado destes barbaros, já elles se tinhão retirado possui-
dos do medo, porque só são valentes onde não sentem
opposição; e a serem os brancos que assistirão ao assalto
mais resolutos, poderião com oito armas de fogo que tinhão
defender com vantagem a entrada dos barbaros na casa da
vivenda dos Padres.
Achárão-os os Portuguezes que acudirão, m ortos no m es­
mo lugar do sacrificio, e como não havia tempo para os
levarem ao Collegio de Nossa Senhora da Luz, desviado dous,
dias do viagem, os enterrárão na capella do m esm o Engenho,,
sepultando ao mesmo tempo toda a Missão, que nestes fer­
vorosos operários, como se fossem muitos outros, se rema­
tava por então toda a conquista, ficando interpolada a sub­
sistência dos nossos Missionários neste Estado por espaço,
de tres annos, que tanto vai de 49 que isto succedeu até
52, que chegou a celebre e memorável Missão do grande Pa­
il re Antonio Vieira.
Aos actos de m isericórdia ilaquelles honrados P o rtu g u e -
- -_>.r; - -

zcs cm dar sepultura aos nossos Padres, so seguirão as di­


ligencias da justiça em tomar conhecimento do insulto, e a
pôr em inventario os bens do Engenho, que depois se arrema­
tou a requerimento do testamenteiro Antonio Rodrigues de
Gouvêa, com notável prejuízo dos bens da Companhia; por
ter esta entrado com não pequeno gasto de tudo, o que ju l­
gou preciso para desempata-lo em ordem a poder correr, e
m oer sem embaraço; mas como não havia quem requeresse
da nossa parte, além do que a caridade de algum mais
affeiçoado abrangia, corrião as cousas á discrição, e os re­
querimentos á revelia.
As terras forão julgadas por sentença da Relação a hum
terceiro, e ünalm eute nem o orphão nem os Padres se uti-
lisárão do usofruto, sem se attendee aos grandes gastos com
que tinhão concorrido para o seu estabelecimento.
Assim acabou esta esclarecida Missão para renascer como
Phenix, e resuscitar gloriosa de suas mesmas cinzas. Destes
incansáveis operários não podemos saber mais que o pouco,
que já dissemos nesta historia, íicando-nos sempre a mágoa de
não acharmos noticias com que fazer preclara a memoria de
tão exemplares obreiros.
CAPITULO VIL
R E S T A B E L E C E -S E A COMPANHIA NO ESTADO DO MARANHÃO E
P A R Á , PROMOVIDA COM A RD EN T E ZELO E R E A L GRANDEZA
P E L O P1ISS1MO SR. D . JOÃO IV.

Admirável lie, foi e sempre será a Divina Providencia, sem


(|iie o limitado do nosso discurso possa comprehendet* as
suas altissimas disposições, sempre occultas, e sempre ines­
crutáveis ao mais delicado do nosso juizo.
Permittio ella que hum tão florescente esquadrão de sol­
dados de Christo já quasi no porto naufragasse, perdendo-
se a náo que transportava as maiores riquezas espirituaes
para soccorro da Gentilidade do Estado, acabando victi­
ma da caridade o venerável Padre Luiz Figueira com a maior
parte de seus amados companheiros, partos legitimos de seu
fervoroso espirito.
Ao mesmo tempo que o invejoso inferno pretendia acabar
com a Companhia no Maranhão e Pará, ficando orphãs de
pastores, pais, e mestres tanta e tão florescente Christan-
dade ; altamente sentido o felicissimo restaurador da Mo­
narchia Portugueza com a triste nova da fatal perda dos Mi­
nistros Evangélicos que tanto tinha recommendado ao seu Go­
vernador Pedro de Albubuerque, querendo agora remediar
hum damno tão grande, com que se arruinaria sem duvida
todo o edifício espiritual daquelle gentilismo, se elle como
Pai solicito, tão obrigado c mais que nenhum zeloso, lhe não
acudisse com o mais prompto e eflicaz remedio, para que
de todo não acabasse com os Missionários da Companhia a maior
parte da conquista e reducção de tantas almas gentílicas; es­
creveu logo huma carta ao Provincial da Companhia do Brazil,
que pelas suas recommendações bem dá a entender o arden­
te zelo, com que se inflammava o real peito deste Piissimo
Monarcha. Diz pois assim ao Padre Belchior Pires, que por
então governava aquella gloriosa Provincia :
« Padre Provincial da Companhia de Jesu s.— Eu El-Rei vos
envio muito saudar.—Para se empregarem na conversão, e con­
servação do Geri tio do Maranhão .tenho resolvido venhão H ou 10
Religiosos dessa Provincia ou ao m enos Odos mais práticos na
lingua da terra, c ao C ondcdeC astelIoM elhorm ando escrever
lhes faca dar o provim ento e em barcação para viagem, a
tem po que possão sahir cm com panhia da arm ada, navegan­
do em sua conserva até a altura em que se apartem e si­
ga o a derrota do M aranhão. Recom m endo-vos muito façais
dispor o negocio do m aneira que assim se execute em todo
o caso, por convir assim ao serviço de Deos e meu. Escripla
em Lisboa a 22 de Outubro de 1049. — R e i . »
E para que estas recominendacões tivessem o desejado
elícito, escreveu com a mesma expressão ao seu Viso-Rei o
mesmo Conde ; o qual não podendo dar-lhe logo o devido
cumprimento, em razão das guerras que ainda continuavão
naquelle Estado contra as armas da líolianda, tornou a re­
petir o zeiosissimo Rei segunda carta ainda mais cllicaz, que
quero aqui trasladar, para chegar ao conhecimento do muito
que cuidava da salvação dos índios, c maior augmento da
nossa fé.
Assim diz na sua real carta de 0 de Maio de 1052, escrip-
ta ao novo Provincial, o Padre Francisco Gonçalves, varão dc
cuja virtuosa resolução se lia de ennobrecer não pouco a
nossa historia.
« Provincial da Companhia dc Jesus da Província do
Brazil. — Eu El-Rei vos envio muito saudar. — Em 22
de Outubro de 1049, vos mandei escrever que, para se
empregarem na conservação do Gentio do Maranhão linha
resolvido viessem 8 ou 10 Religiosos dessa Provincia, ou ao
menos 0 dos mais práticos na lingua, c que ao Conde de
Castello-Melhor, Governador, mandava encommcndar-lhe 11-
zesse prover do necessario, e embarcação para a viagem a
tempo que pudessem sahir cm conserva da armada, e nave­
gassem com cila, ate a altura dc se apartarem c seguirem
à derrota do Maranhão; cncommendando-vos particularmcnte
dispozesseis o negocio de maneira que assim se executasse
cm todo o caso, como convinha ao serviço dc Deos c m eu ;
c porque a cousa então se não conseguio como devera, c
ora tenho consignado congrua sustentação para 10 Religio­
sos Missionários da Companhia, que vão ao Maranhão para
entenderem na conversão daquelle Gentio, e no Reino se não
achão de presente mais que quatro Religiosos para esse
effeito vindos do B razil; vos encommendo muito, e mando
ordeneis que neste anno venhão mais 0 Religiosos na fôrma
que vos tinha m andado avisar pela caria referida no anno
de 1d id ; o executeis pontualmente em fôrma que se nao
peara a occasion de obra tão importante, por meio da qual
se pôde esperar o fruto das almas que se p reten d e; e ao
Conde Governador torno a mandar escrever pela carta que
,-om esta vai, e lhe entregareis, proveja de embarcação, e
do viatico necessario para a passagem aos 6 Religiosos, por
que vindo com menos risco em companhia da armada até a
altura em que se houverem de apartar e ir na derrota do Ma­
ranhão, possa conseguir sua viagem seguramente. Escripta
em Alcantara a 0 de Maio de 1652. —Re i . »
Nestas zelosissimas expressões se distinguia o real oraculo,
por quo mais que de nenhum outro tratava primeiro do negocio
da salvação dos Gentios e de estabelecer o seu Imperio na
base fundamental da santa fé em toda a parte onde tremu­
lassem as suas Quinas e tivessem vigor as suas armas. Mas
quem mais empenhado soprava este fogo no peito do Sobe­
rano, era quem mais que todos tinha nellebum a tão particular
entrada, que conhecendo a Magestade o zelo de hum tão liei
vassallo, e sendo-lhe notoria a capacidade e comprehensão
de hum tão grande homem, estimava as suas propostas, e
fazia se pozessem em execução os seus arbitrios, por ver
que só tendião ao maior serviço de Deos c seu, com hum
desinteresse muito proprio da sua virtude c zelo apostolico.
Era este o sempre grande e nunca assás louvado pelas
suas letras, pelas suas virtudes, e pelo singular e raro ta­
lento da oratoria, o maior prégador que vio este século, o
famoso e memorável Padre Antonio Vieira, gloria d e Lisboa
pelo nascimento, honra do Brazil pela criação, e credito da
Companhia de Jesus pela profissão; o qual querendo trocar
os mimos e estimações da côrte pelo desabrido e trabalhoso
das Missões do Maranhão, pretendia empregar agora os seus
talentos na conversão das almas de innumeraveis Gentios,
com que parece se inundavão as margens do maior rio que
reconhece o mundo com o famoso nome de Amazonas.
A seu tempo veremos postos em execução os fervorosos
intentos deste apostolico varão. Passemos primeiro a admirar
a grandeza inexplicável de animo com que o Serenissim o
Rei o Senhor D. João IV, quiz remunerar a Companhia pelos
grandes serviços, que via lhe havião fazer seus filhos nesta
gloriosa Missão.
Primeiro que tudo assentou comsigo mandar consignar ren-
tins p ara a fumlaçào d e lim itCollegio na cidade do M aranhão,
que servisse de escola, onde aprendessem os Missionários as
obrigações do seu m inisterio, laborioso exercício da propaga­
rão do Evangelho, e rcduceão dos Gentios ao grem io da
Igreja e vassallagcni da sua Real Corôa ; idéa, que a ter
então eCfeito, seria hum a das m aiores seguranças para o es­
tabelecim ento da nossa venerável Provincia, e nos livraria
das m uitas e diversas revoluções, que depois m uito á nossa
custa experim entam os. A chaque grande dos nossos antigos
P adres, serem m esquinhos em aceitar m ercês, ao mesm o
tem po que a liberalidade e grandeza do seu Soberano os
queria encher deltas; segurando deste modo pela real pro­
tecção os precisos interesses a que indispensavolm ente os
reduzem as maximas do seu in stitu to ; porque ou hão de
o lh ar p ara as mãos do seu Rei, ou hão de cuidar das conve­
niências proprias, visto se não poderem ulilisar dos m inis­
térios que exercitão. Mas o grande zelo c fidelidade do
P ad re Antonio Vieira, quo não olhava mais para os interes­
ses particulares da Missão, que para o hem publico do
Reino, vendo exhaustos os e rá rio sre a e sq u e eile tanto dese­
java augm entar para se poderem su sten tar com gloria da
nação as g u erras com Castella, dissuadiu o grandioso Mo-
n arch a p ara que suspendesse a sua grandeza cm tem po em
que erão precisos m uitos cabedaes para conservar illesos os
direito s da sua real corôa ; representando que bastaria por
en tão , que Sua M agestade consignasse a cada Missionário
35$ de congrua annual, concedendo-nos tres aldeas de ín ­
dios livres, que fossem privativas tão som ente da nossa
adm inistração, naquellas partes onde se fazia necessaria
casa ou collegio nosso, que erão M aranhão, Pará o G urupá,
que esta só m ercê poderia por entanto su p p rir os grandes
gastos de lium a real fundação.
Anniiio o piissimo Rei á representação do P adre Vieira,
não m enos edificado que satisfeito dos congruentes m oti­
vos que apontava.
Concedeu prom ptam ente o que o P adre pedia, e por se­
rem estas as prim eiras doações reacs que leve a nossa
M issão, as quero aqui copiar para eterna lem brança do nosso
agradecim ento alão clem entíssim o M onarcha.Diz, pois, a p ri­
m eira provisão ;
« Eu El-Rei faço saber aos que esta m inha provisão vi­
rem , que o Provincial da Companhia de Jesus da provincia
,j() ]!|';jvj< uto representou quo eu iui servido ordeuar-lhe cm
Fevereiro de RTRJ, quo da Bahia de Todos os Santos envias so
;«o Maranhão dez Religiosos para so em pregarem na conver­
são do Gentio delle, e que ao Conde de Castello-Meilior, Go­
vern a; tor do dito Estado, lhes íizesse d ar para isso em barca­
ção o o provim ento necessário, o paio nao teve clícito p or
causa dos in im ig o s; pedindo agora !he íizesse m erco, m an­
dar consignar neste reino aos ditos Religiosos congrua sus­
ten tarão de suas pessoas, e o provim ento necessário de suas
Igrejas, para se poderem logo em barcar e acudir áqnella
U iristandade, que necessita m uito de rem edio esp iritu al: o
lendo a tudo respeito, e aos ditos Religiosos não lerem
naquelle Estado cousa algum a do que se possão su sten ta r,
e ao que sobre a m atéria respondeu o P rocurador de m inlia
Fazenda, a que se deu v ista:
« liei p o r liem e me praz, vistos os exem plos quo alíogáo,
pro os ditos Religiosos que lião do passar á dita Missão do
M aranhão tenlião cada lium deli es para seu sustento G5g,
com declararão que a m etade do que m ontar a dita quan­
tia e ao dito respeito lhe m andarei consignar neste Reino
pelo conselho da m inha Fazenda, o que to car na renda do
E stanque do Tabaco, cabendo nella, e não cabendo em
alguma outra renda livre ; e que a outra m etade se passe a
seu P rocurador bastante na Bahia de Todos os Santos, no
rendim ento dos dízimos do Brazil, por m ão dos contracta do­
res, assentaudo-se-lhe na folha a quantia que se m ontar no
sustento dos ditos cinco Religiosos, ao dito respeito de Ô5$
cada lium, como tudo se faz aos mais Religiosos e clero ; e
isto precedendo justificação, da qual conste que residem no
Maranhão iuleiram eníe todos os ditos Religiosos, para que a
quantia que se m ontar nos que faltarem ao dito respeito de
dbg, se poder cobrar para a m inha Fazenda; a qual quantia
se não poderá gastar, ou divertir pelo G overnador, nem p o r
outro algum ministro, em nenhum a outra cousa, por precisa
que seja, com pena de pagar de sua casa quem assim o não
cum prir, e de o poder dem andar por elie o dito P ro c u ra ­
dor da Com panhia: e o dito pagam ento se continuará em -
quanto os ditos Religiosos não poderem ser pagos nos dizi-
nius do M aranhão, ou não tiverem heus proprios deixados
por particulares de cuja renda sc possão su sten tar.
" Peio que m ando a iodos os M inistros da justiça e fa­
zenda, a que tocar., assim deste Reino, como do Brazil c
í ;>

M a r a n h ã o . quo- lodos e m g o r a i . e rada h u m r-iai p a r i i f i d m ,


n n n p r ã o e g u a r d e m «'s t a p r o v i r ã o Ião in t oi r a i n en l e r o n m
nolln so c o n t é m s o m d u v i d a alamo,a, a mini valor,a com.)
oarla, sorn embargo da ordenarão do 2”. lil. .10 mo
contrario, c pagará o novo direito. so o dovor. Anlonio
S crrao a fez cm Lisboa a 2d do Julho do 1052. — 0 Secret a-
rio Alarms Rodrigues Tinoeo a fez osorevor. — R et . >.
0 Piissimo Sr. Roi 11. Rodro fl, do hoa monaoria, mandou
dar mais lodos os annos 350$ por decreto da soo,rolaria do
estado com obrigação do terem os nossos Padres mais doz
Religiosos nodualmcnte no M aranhão.
Até que indo da Missão para Porlugal o Padre Keiippe
RoRcndorf, no anno do !R8d, alcançou do Sua Ma gostado
nova m ercê, segundo a lem brança que o dito Padre deixou
escripta de sua propria mão c so acha no nosso caríorio.
Diz p o is :
« No anuo do 1684 alcancei de Sua Ma gesta de. que so
pagassem todos os annos 050$ de congrua estavol o perpe­
tua, com a condição do term os actual men te no M aranhão
trinta sngeitos da Companhia de Jesus, alliviando-nos da
ronducção e não obstante a deixa dos lieis: e sobro a justifica-
cão dos ditos trinta Religiosos, que bastaria liuma certidão
ju rad a pelo Superior Maior do toda a Missão, assignada
pelo G overnador e Gapitão G eneral de todo o Estado.
« Isto o que alcancei da liberal grandeza de Sua Ma ges­
ta de, que não foi pequena m ercê para essa Missão, e tam ­
bém não pouca consolação m inha o favorecer-m e Deos
para o poder alcançar, etc. »
Esta lie a unica renda que torn a Yice-Provincia do Ma­
ranhão do real th eso u ro , que a grandeza dos A ugustissim os
Senhores Reis de Portugal nos consignou para eterno m o­
num ento da sua magnificência c perpetua gratidão da nossa
devida lem brança.
Hoje se achão em toda a Yice-Provincia não só os trinta
sngeitos a que Sun Ma gostado nos obrigou, mas seis vezes
trinta, que pelos coüegios, casas o Missões se or cupão na
salvação do proxim o, e augm ento e conversão dos Gentios.
Concedeu mais o zelosissim o o real F undador da nossa
nova Missão Ires aldôas das já convertidas, para o serviço das
íros casas, ou coüegios que se Ravião do fundar nas tros
Capitanias do M aranhão, Pará e Gump*' visto que c nnn
âo erigir, rnmi dobar das rears remias, po > imuío qrr
cs lav fio esguiados os orarios no governo dos Ministros do
Castella, e' serem agora precisos para os grandes gastos
«las fnluras g u erras da m o n arch ia; m otivo p o r que o P adre
\nionio Vieira, agradecendo, não aceitou a m ercê com que a
iihoralidado de Sua M agcstade queria fu n d ar c dotar hum
collegio á custa da sua real fazenda; servindo as duas aldêas
fque&a terceira não surtio eííeito, por nunca se fundar casa
nossa no C uriqri) como de fundação e dote para os dous
collegios do M aranhão c P ará, como até o presente se
observa pelo grande cuidado e diligencia com que os P ad res
iòm sem pre attendido ao hem e conservação das ditas
aldêas.
À provisão cm que se funda a real m erce lie a se g u in te :
(( Eu El-Rei faço sab er aos que esta m inha provisão
virem, que cu fui servido ordenar aos Religiosos da Com­
panhia de Jesus da Provincia do Brazil, p o r outra m inha
provisão, e na form a que nella se declara, que daquelja
possão p assar ao M aranhão a continuar com aquella Missão
e conversão do Gentio em beneficio e fruto de suas alm as.
E por que será justo, que se possão valer dos índios p ara
seu serviço, em barcações e entradas do s e r tã o :
« liei por bem , e m e apraz cie lhes conceder que possão
te r 1ui ma aldêa na Capitania do M aranhão, o u tra na C apita­
nia do Pará e outra na do G urupá, que são as partes onde
hão de fazer as suas residendas, e isto p ara com m ais
com modulatio sua poderem fazer suas Missões e dilatarem
a fé por todas aquellas p artes; com declaração que os ditos
Religiosos serão obrigados a pagar aos índios seu trabalho,
na fórma que se costum a, ou tê-lo s m uito a seu contento,
sem por nenhum a via os poderem cativar. Pelo que m ando
aos Gapitães-móres das ditas Capitanias do M aranhão e P ará
e aos oíficiacs das Gamaras delias, que cada hum pela p arte
que lho tocar fação d a r aos ditos Religiosos as ditas aldêas
na fôrm a acima inferida, c cum prão c guardem esta m inha
provisão m uito inteiram ente, como nella se contém , sem
duvida, nem contradicção algum a; a qual se registará nos
livros das Cam aras das ditas Capitanias para a todo o tem po
constar o que por cl!;\ ordeno, o valerá como carta, sem
em bargo da orcl. liv. 2 o, fit, 40 em contrario, c se passou
por duas vias, quo hum a só haverá eííeito e pagarão o novo
direito. Manoel de Oliveira a fez em Lisboa a 23 de S etem ­
b ro de '1652.— O Secretario Marcos R odrigues Tinoco a fez
esc re v e r.—R e i . >'
Do contexto desla ] m<>\isão so vô claram enie quo o sen-
tiilo do real doador foi d a r-n o s as a Ideas livros e desem ba­
raçadas : porém os nossos prim eiros P adres, por so não
m alquistarem com os povos quo nunca lovarião a bom o
tirarem -so as ditas a Ideas do serviço dos m oradores, q ui/erão
antes, como íizcrão, descê-las á sua cusla, c funda-las pela
sua diligencia, indo aos m aios o interiores do sertão a b u s­
cados com não pequeno trabalho, gastos c paciência, que
tudo costum ão consum m ir sem elliantos conquistas.
A do collegio do M aranlião a pozerão no sitio que boje se
eliama Maracúj*}, e a do collegio do Pará no lugar a que derão
o n o m e d e Curuçá (“ ), onde vivem contentes e satisfeitos pela
caridade dos P adres, que lhes assistem ; e a não ser assim
já estarião, como o u tras m uitas consrrmmidas, que sendo do
m esm o tem po apenas se conserváo as reliquias de sua quasi
perdida m em oria.
lie certo quo as grandes epidem ias da bexiga e saram po,
q u e tem sido fatacs e deploráveis ao Estado, fazendo nos
m iseráveis Índios, como m ais fracos, m aior estrago, as tem
em grande parte dim inuído; porém a continua assistência
do necessario as vai ainda conservando como bum princi­
pal estabelecim ento da sustentação dos dons collegios, que
sem o serviço dos índios se não poderião m eneiar nas con-
ducções de suas canoas.
( ') lie actualiriente a cidade de Vienna.
( " ) Depois da ex pulsão dos lesiiilns foi elevada á calltcgoria de villa, coni a
denom inação de Nova d ’b l-R e i ; m as tendo dccaliido innil.o perdeu esses
foros, não passando hoje dc u m a pequena Fregnezia com o anligo nome de
Curuçá.
i e r v o r o s a r e s o l u ç ã o d o p a d r e a n t o n io v i e i r a e m q u e r e r

PASSAR a o m a r a n h ã o a r e s t a b e l e c e r a n o v a m issão,
MORTOS TODOS OS MISSIONÁRIOS, VENCENDO RARA. ISSO AS
MAIORES D i m C U L D A D E S NA CORTE.

Passadas já as provisões, e assignadas as congruas pelo


m agnanim o R estaurador da liberdade portngueza para o
fundam ento tem poral da nossa desam parada Missão, por
terem neila m orrido, como vimos, os ultim os e fervorosos
Missionários que a su stin h ã o ; restava só o cuidar no seu
fundam ento espiritual em hum a m uito escolhida e fervorosa
recruta, com que se podessem presidiar, senão todas, ao
m enos as principacs conquistas, a que o demonio e a am ­
bição de alguns poderosos não deixavão de rep etir form i­
dáveis assaltos, vendo as aldêas sem pastores, e os filhos
sem pais que os defendessem de seus inim igos, e os con­
duzissem para o seguro grem io da Santa Igreja, que era o
intento c m aior cuidado dc Sua M agestade; que por isso
dava pressa ao Padre Vieira, para que expedisse a Missão,
a que não faltava o já m uitos e fervorosos sugeitos que se
offerecião, querendo tro car os mim os dc P ortugal pelo d es­
abrido daquellcs sertões.
Era o P adre Antonio Vieira o que mais que todos appo-
1ceia esta gloriosa conquista, de que via se havia de seguir
lauta gloria de Deos, e conveniência de sen Principe, nug-
m cntando-sc-lbe nas cspirituacs conquistas os vassallos, e
nas suas conversões os m ais gloriosos trium phos da nossa
IVç: m as como desta Missão, que foi a prim eira que chegou a
salvam ento, por se ler perdido, como vimos, a do Padre
Luiz Figueira, foi o principal movei o grande Vieira, como
quem guardava ern seu animo o ser hum dc seus com pa­
nheiros, por mais que visse se lhe havia de oppôr a vonta­
de insuperável de seu Soberano, que julgava não convir ao
seu real serviço o privar-se em sem elhantes tem pos de hum
ião fiel vassallo, seja-m e p o r t a n t o licito fazer prim eiro hum
n m d s s i m o epitom e da sua vida. p ar a saberm os quem foi
e M o g r a n d e 1to m e m , q u e t a m o s c r e d i t e s d e u ;i n a ç ã o p o r t u -
g u eza, ta n to Insiro a C o m p a n h ia , o co m cujas a cçõ es sc
h a d(3 o n n o b r e c e r n ã o p o u c . o e s t a n o s s a h i s t o r i a .
N a s c e u o P a d re A n to n io V ieira a o s 0 do K e v o re im do
' 1 3 0 8 , í u i b a p Lisa d o a o s 1 3 d o d i t o n a M e t r o p o l e d a o o n -
len tissim a cid ad e do L isb o a, 1m m d o s m a io re s e m p o rio s ’ de
t o d a a E u r o p a , e s c l a r e c i d a p a t r i a d e h o m e n s s a b i o s , e in
s i g n i 1, e m p r o d u z i r h e r o e s a q u e m a m e s m a f a m a f o r m o u
elo gios, p a ra s e r e m c o llo ca d a s s u a s e s ta tu a s n o T e m p lo d e
h m n a e o u tr a P alias, líav asco s o A zevedos fu rão os d o n s
n o b res ra m o s de seus b en em erilo s progenitores, cham and o-
se se u p a i C h r is lo v ã o V ieira Ita v a s r.u / F id a lg o d a casa d e
S u a M a g e s t a d e , o s u a m à i 1). M a r i a d e A z e v e d o , n ã o m e n o s
illustre pelo sa n g u e , aos qu aes n e m o a m o r da P atria, n e m
os m im o s da c o rte p o d e r ã o s e rv ir de ré m o ra ao desejo
g r a n d e c o m q u e s e o í l e r c c ê r ã o a s e r v i r a o s e u P r in c ip e /io
E s t a d o d o B razil, e p a r a o n d e p a r t i r ã o n o tini d o a n n o d e
1015, lev an do c m sua c o m p a n h ia ao n o sso h e rd e , se n d o
a in d a do m u ito te n ra id a d e , q u e n ã o c h e g a v a a oito a n n o s.
Chegados a Bahia a salvam ento tratarão logo sens pais de
o applicarem ao exercício das letras, que então se ensinarão
com grande augm ento dos alum nos em o nosso Collegio da
Com panhia. Vivia o novo candidato notavelm ente desconso­
lado, vendo-se m uito inferior nos talentos aos m ais condis­
cipulos, por ser de m uito ru d e m em oria, e menos delicada
com prehensa o. Desejando avantajar-se aos m ais, recorreu ao
throno da sabedoria divina, a Soberana Virgem Maria, que na
Sé daquella cidade se venerava com o especial titulo da
Senhora das M aravilhas, de quem era cordialissim am entc
devoto. Não se enganou na eleição, porque tanto soube
pedir e tão bem soube em penhar a Santíssim a Virgem , que
lhe alcançou o que desejava, dando-lhe a cabeça hum es-
tallo, com o feliz annuncio dos grandes thosouros que nella
havia de depositar a sabedoria do Altíssimo, e como te ste ­
m unho irrefragavel da m aravilha que recebia da poderosa
intercessão da Senhora das Maravilhas.
D’ali por diante íbrão tão felizes os progressos de seus
estudos, que não só assom brava os condiscipulos, senão
que adm irava aos m esm os m estres. Resoluto em tom ar e s­
tado de Religioso para se re tira r do m undo, pôz os olhos na
nossa Companhia, a cujo instituto tanto se afíciçoára, que
deixando íurlivam cníe a casa de seus honrados pais sc re -
— 2S.;‘- —
(' <j!11<'11 no nosso Collegio, resolvido a nao sahii delle senao
,m vivo corn a santa ro u p eta, ou m orto com qualquer oulra
m ortalha. Vista a força da vocação, foi. aceito pelos nossos
Padres, quo logo (lerão parto aos pais da resolução do filho.
C orrênlo1 !ogo° estes com alguns parentes a d issuadi-lo de
IMima eleição’Ião arrebatada, a quo se não podia d ar outro
nome quo dc sim ples vcileidadc. p o r sc imo podei com pade­
cer em annos ta o verdes o mimo da p ro p iia casa com os
rigores da lleligião.
Tudo lhe propozerão co m efficacia, m a s tudo r e b a tia clio
com industria, ate que cansados os p aren tes, ficou v en ced o r
n nosso esforçado H ercules nas p rim eiras m a n tilh as da sua
('spiritual educação, com notável exemplo dos n o sso s, e con­
solação dos m e sm o s pais, que já d a vão p o r a ce rtad a a
eleição do filho, a q u em m ais alta P rovidencia destinava
para g ran d es cousas. Acabado o noviciado, como nelle tinha
feito voto de se em p re g ar todo na conversão das alm as dos
Indies da America, podio com instancia aos S u p e rio re s o
alliviasscm de continuar os estudos, para mais b r e v e m e n te so
em p re g ar naqucllc trabalhoso cultivo. Irrita ra o os P relad o s
o voUq c m a n d a rã o proseguisse nas aulas, onde excedendo
aos iguaes, passou a a s s o m b r a r aos que lhe erão s u p e r io r e s
no Magisterio.
Adiantado em letras com superior vantagem aos dem ais, e
ornado dc virtudes, foi prom ovido ao Sacerdócio aos 13 de
Dezembro do 1635; capto para todos os m inistérios da Com­
panhia, foi avisado para ler hum a cadeira dc Theologia no
Collegio da Bahia. Mas a Alta P rovidencia, que destinava o
Padre Vieira para cousas m aiores, atalhou os vôos que esta
rem ontada aguia podia fazer nas nossas aulas, porque suc­
cedendo por este tem po a feliz acclam ação e restituição do
Sceptro Portuguez ao seu legitim o Soberano o A ugustissim o
Sr. D. João IV, querendo D. Jorge de M ascarenhas, M arquez
dc Montalvão, vice-Rei que então era do Estado do Brazil,
dar os mais vivos signaes da sua generosa fidelidade ao glo­
rioso L ibertador da Patria, m andou seu filho D. F ernando
M ascarenhas a beijar a m ão a Sua M agestade, d an d o -lh e o
parabém da nova felicidade, e juntam ento a alegre noticia,
de que todo o Estado ficava já sujeito ás suas reae s o rd en s.
E querendo fazer mais este beneficio á P atria, vendo os
raros talentos c profunda capacidade dc hum hom em tão
grande como o Padre Vieira, o m andou em barcar na com-
' ;n

panhia di: seu íillio, cum consentim ento c npprovaoão dos Su ­


p e rio re s: julgando rem ettia ao seu Principe hum novo orá­
culo, que não só assom brasse a corte no púlpito, senão tam ­
bém que se fizesse nttendido no gabinete.
Não se enganou o Marquez, porque notavelm ente satisfeito
o prudentíssim o M onareha (las singulares prendas do grande
Vieira, lhe eoininetteu os negocios mais intrincados, que só
se poderião liar de hum vassal lo tão zeloso o apaixonado
pelo hem do Reino, como o P adre Antonio Vieira.
.lá não eabião em bunia só côrteoii em hum só hem ispherio
as grandes luzes de hum tão brilhante sol, em serviço do
Rei c da P atria ; passou lam bem a iIlustrar as cortes de
Franea, Hollanda, In g laterra e por ultimo a cabeça do m undo,
a sem pre illustre e santa cidade de Rom a; onde adquirio
tan to s créditos á nação portugueza, como th eatro que foi
das p ortentosas obras de seu delicado juizo, realçando m ais
en tre todos os rom anos applausos os repetidos elogios com
que elevava a g ran d e capacidade deste orador lusitano hum
dos m elhores discursos daquelle tem po á Serenissim a Rainha
Christina de Suécia, lio muito para adm irar, que esta e ru ­
dita corte, escola de sábios, tanto se suspendesse com as
m aravilhosas p erorações deste grande P regador, que quando
não tivesse ou tro s que lhe pudessem levar lm m a grande
p a rte da sua gloria, tinha perante si hum tão eonsum m ado
orador como o Reverendissim o João Paulo de Oliva, Geral
de toda a Com panhia, e P regador dignissimo de Sua Santi­
dade, que m uito se gloriava d e te r hum íillio a quem não d u ­
vidava d ar as prim azias do púlpito.
Assim encheu o grande Vieira o m undo de assom bros, a
Com panhia de creditos, c a patria de serviços, tratando p o r
m andado do seu A ugustissim o Rei negocios tão delicados, c
de tão critica situação, que só a com prehensão de hum su-
geito tão singular lhe podia dar expediente, com que a Ma-
gesta de de seus Soberanos sc deu sem pre por bem servida
com geraes recom m endaçõcs dos m ais desapaixonados poli­
ticos daquelle tem po.
Cheio de m erecim entos, e coroado tantas vezes nas
aulas de Minerva com a decorosa aureola do m elhor o rad o r
(juc teve a M onarchia de P ortugal, obrando tanto cm bene­
ficio do Reino, de que so acreditou sem pre o mais liei vas-
s a l l o , que prêm io pediria, o u q u e m e r c ê j u l g a r i a p or m ais
adequada a o s s e u s relevantes m e r e c i m e n t o s V P a s m a o d m -
G)
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curso, e alo á m esm a adm irarão fallão palavras com quo
explicar a nunca assaz louvada resolução de hum varão tão
benem erito da Republica P ortugneza, não m enos politico
que christão, religioso e herúe de acreditadas virtudes.
Poderia pedir en tre os term os de virtuoso, que para m aior
socego do espirito o deixassem retirar-se a hum a das nossas
casas, onde totalm ente livre e esquecido de negoeios da
corte, pudesse m elhor e n tre g ar-se aos socegos da alma tra ­
tando só de assegurar nos suaves ocios da contem plação
yquella união com Deos, que eleva os hom ens á m ais su­
perior esphera. Pensam entos serião estes de quem para
salvação da propria alma ou professasse o instituto da vida
m onastica ou seguisse os dictam es da m ais rigorosa erem i­
tica. Mas para hum filho de Ignacio, que chegou a p ô r em
duvida a propria, só para salvar a alma do seu proxim o,
em cujo serviço consagrou todas as idéas do seu adm iravel
instituto, não erão estas as pretenções a que o arra sta v ã o a s
maximas do seu espirito, porque como lillio de tão fervo­
roso pai, a generosa Águia anhelava m aiores em prezas,
m aiores trabalhos, e m ais seguros e crescidos lucros, que
erão as almas de tantos Gentios, que por falta de operarios
m orrião ao desam paro nos incultos m atos do M aranhão, e
nos asperos e vastos sertões do G rão-Pará.
Não se tinhão ainda de todo apagado aquellas faíscas que
o abrazado espirito do venerável P adre Luiz F igueira tinha
espalhado pelos Collegios, onde, com o intento de alistar
soldados para a indicia de C hristo, tinha m uitas vezes p ra­
ticado á Gomrnunidadc, d onde resultou ofíerecerern-se-llie
para a espiritual conquista do M aranhão quatorze anim osos
com batentes; que, com o titulo de operários, p artirão com
elle a propagar o Evangelho na com panhia do G overnador
Pedro de A lb u q u erq u e, com tão grande infelicidade, que
ju n to da Cidade do P ará naufragarão na sua barra ; sendo
m iserá vel despojo de seus furiosos m ares que os lançarão
nas praias da ilha fronteira de Joannes, para serem innocente
alvo da fereza c barb arid ad e dos Aroães, como já dissem os.
Coube não pequena p arte deste fogo ao virtuoso P adre An­
tonio Vieira, que sabendo Jogo do desgraçado naufragio,
quasi extiricía a Companhia neste Estado e postas em total
desam paro as alm as de tão immenso Gentio, ardendo em zelo
buscava meios para a sua retirada, c não perdoava a dili­
gencias para ir restabelecer aquclla Missão, apozar das mais
Mv,!.; e clíicazes cimhaulicçòcs que precisam onle havia eu
fo n lrai' mn homom lao grando, o om (|nom a Magestade
linlia posto os olhos para as m aiores occupantes do seu
roa! serviço. Esiorçavao estas m esm as dilüculdades o P rin­
cipe o a Bainha Mãi, do quem era notavelm ente aoeilo.
r_A todos pareceria a preterição dillicultosa, menos ao Padre
Vieira que, com fé viva e esperança lirme confiava em Dons
m overia o animo de El-Rei para lhe dar a licença que pedia
em beneficio de tan tas almas, e para o que em penharia
lodos os serviços que tivesse feito em obsequio da Patria e
attenção ao seu Soberano, caso que de outra sorto lhe não
fosse possivel seg u ir viagem.
ío r à o Ião vivas as contra dicções e tão fortes os com bates
com que o alentado animo do P adre Vieira aconm ielteu a
em preza, que, apezar da m esm a impossibilidade, alcançou
o que pretendia, com pasm o e assom bro dos que penetra­
d o o em m aranhado da quelle negocio, como adiante verem os.
Não poderei m elhor explicar, por agora, que com a mesma
penna deste varão apostolico, em carta escripta ao P adre
Francisco Gonçalves, que tendo ido á Roma por procurador
da Provincia do Brazil, tinha podido com a m aior efficacia,
na presença do nosso Reverendo P adre Geral, lhe concedesse
o poder p a s sa r para a Missão do Maranhão, a que o mesmo
P ad re, por se ver livre dos seus continuos rogos, annuio.
Partio este g rande Padre m uito contente com a nova mercê
p ara Portugal, que estas erão as que então pretendião os
varões daquelle tem p o ; m as pouco depois da sua chegada
ao Reino, chegou tam bém a patente em que o R everendis­
sim o o nom eava Provincial do Brazil, e que acabado o g o ­
verno poderia p a rtir para o M aranhão. Não desm aiou com
tão im proviso golpe o fervoroso animo do P adre Gonçalves,
com quem o grande Vieira com m unicou logo os sens inten­
tos, que o dito P adre a p p ro v o u ; e com o" já era Provincial
daquella Provincia, por quem a nossa Missão se governava,
lhe deu logo a incum bência de visifador de toda elia, caso
que conseguisse o lim que hum e oulro deseja vão. Partindo
o Padre Francisco Gonçalves para a Bahia, o vencidas todas
as difíiculdades p ara a partida do Padre Vieira, escreveu ao
dito Padre a seguinte carta, que, m elhor que eu, saberá
explicar o feliz successo deste grande em penho, serviço de
Deos e hem das almas.
« Muito Reverendo Padre Provincial do Brazil (P. Cd , Paz
:>;>q

riu Christo.—- Conio on fazia conta ir com a a rm a d a da bolsa.


as occupacões daquclles últimos dias forão tão grandes,
reservei o escrever [tara os dias que nos detivéssem os na
Ilha da M adeira; mas com o Deos dispoz o u tra cousa, e a
arm ada terá chegado sem carta m inha, nesta d arei conta a
Vossa Reverencia de tu d o o quo tem passado acerca da
Missão do Maranhão, depois que Vossa Reverencia partio
desta Côríe. A prim eira cousa que entendem os foi em con­
tinuas' o requerim ento da fundação da Missão, o qual Sua
M agestade despachou na m esm a fôrm a em que lh ’o ap resen ­
tam os ; ordenando que se nos dessem 350g000 para dez
pessoas, á razão de 35g000 para cada um a, pagos a m etade
nos dizimos da Bahia, e a outra no contracto do tabaco desta
cidade. Da p arte tocante aos dizimos da Bahia se nos passou
logo provisão, sobre a q u al replicám os, para que se üzesso
a "clausula que se nos pagaria independente dos G overna­
dores, como ao Senhor Bispo e Clero da Sé, e neste req u e­
rim ento se trabalhou m ais que no prim eiro, p o rq u e tivem os
quasi todos contra n ó s; mas alfim se venceu, como Vossa
Reverencia verá do tlieo r da provisão. A do tabaco não
sc passou logo, p orque achamos que estava consignado
a outros pagam entos, e porque todos os do Reino são hoje
m ui in c e rto s; o assim nos pareceu pedir essa outra m etade
nos dizimos do Rio de Janeiro, como se concedeu, e tam ­
bém se passárão as p ro v isõ e s, n as quaes não deve fazer
duvida o d izer-se— se pagará dos sobejos dos d iz im o s— ,
porque se entende do que sobejar dos ordenados e ordina­
rias quo nelle estão consignadas, e nas de pagam entos de
soldados, a que tam bém se applica, como de m uitas clau­
sulas da mesma provisão se deixa entender. Alcançada a
fundação, que era a condição, sine qua non, da Missão,
conform e as ordens que trouxe o P adre Francisco Ribeiro,
tratám o s do modo, com que breve e com m odam ente, e sem
gastos da Provincia podessem ir p ara o M aranhão os sugei-
tos delia, o se expedirão as cartas para o Conde G overnador
e para Vossa Reverencia, em que Sua M agestade m anda que
aos Padres da dita Missão se dô todo o provim ento neces­
sário e se tome o caravelão, á custa tudo de sua Fazenda,
em que os Padres p artão em com panhia da arm ada até á
altura do Rio G rande, em que póde haver perigo, e dali
sigão sua derrota.
Estas cartas forão por via do P o rto com Felippe R an-
«leira; e porque não tenho aviso de haverem chegado ás
m ãos de \o s s a Reverencia, faiei que se m ultipliquem as
vias. Sobre estes dons fundam entos resolvem os, o P adre
Francisco Ribeiro e eu, cio trata r da Missão cm fôrm a,
seguindo os desígnios do P adre Luiz Figueira e as ordens
de Sua Magestade, em que m anda que edifiquemos casas o
e Igrejas nas tres Capitanias do M aranhão, Pará e Guru pá.
Alcançamos prim eiro que em cada uma das Capitanias se nos
d é sse u m a aldêa para term os luclios, que nos acom panhem
e sirvão nas Missões, independentes dos G overnadores, de
que levamos provisões de Sua Magestade, cujas cópias tam -
hern rem etto a Vossa Reverencia, e do mais dos viaticos, quo
m ontarão á420g000 nos fez m ercê Sua Magestade de 75ü$000
para provim ento das Igrejas; de que logo se arrecadarão mil
cruzados, com as quaes duas esmolas e outras, se aviou a
Missão de todo o necessario ás Igrejas, casas e resgates,
tnclo na fôrma que Vossa Reverencia verá pelas listas que
com esta vão.
«O s sugeitos, que nos pareceu adm iltir para a Missão forão
os seguintes: o Padre Manoel de Lima, cujos m erecim entos
Vossa Reverencia m uito hem conheceu, o qual desesperado
de p o d er p roseguir a sua Missão do Japão se dedicou sc H
sua omnia a esta do M aranhão; o Padre João de Souto Maior,
e o P ad re Manoel de Souza, os quaes por justos respeitos
estiverão occultos até a vespera da partida, e o segundo com
as ordens tom adas, clous mezes havia, sem ninguem o saber
nem su sp e ita r; o P adre Francisco Velloso, c o Padre Thom é
R ibeiro, sem em bargo de terem em Coimbra m uitas opi­
niões, ainda de P adres graves e espirituaes, que os acon-
selhavão de não irem á Missão senão depois de acabada a
T heologia; m as elles com grande edificação se renderão logo
ao que entenderão ser vontade dos S uperiores dessa P ro­
vincia; o Padre G aspar F ragoso, q u eleu este anno a Nona, e he
sugeito de grande virtude, recolhim ento e resolução, acabou
o cu rso e tem m uito bom talento de P re g ad o r; o irm ão Agos­
tinho Gomes, olim Agostinho das Chagas, da Irm andade de
Santo Ignacio, cham ado vulgarm ente o estudante Santo, p o r
que verdadeiram ente o he, e cuido que Vossa Reverencia o
confessou algum as vezes, entrou no noviciado dia do E spi­
rito Santo, e foi com cinco mezes de noviço.
((Além destes recebem os dous Irm ãos, José de Mena e Anto­
nio de Menn, a quem m udam os o nome pela cquivocação da
lingua da (erra (Mona na lingua brazilica signilica m arido) o
hojo so chainã o .lost) e Antonio S oares; o prim eiro heG lerigo
dos do Santo Ignacio, casuisla, hom em do grande oração; o
segundo he cu rsista, m as a m elhor habilidade, e o m elhor h u ­
m anista do pateo, o sobretudo anjo de condição e costum es,
e tam bém da Irm andade do Santo Ignacio; com que licárào
supprim lo a m en o r estreiteza do noviciado, que terão no Ma­
ranhão, onde, ou no navio se lhes hão de botar as roupetas.
«Demais destes, receitem os dous Irm ãos C oadjutores, hum
dos quaes he Francisco Lopes, que servia este Collegio, de
cujo espirito não digo por que o conhece Vossa Reverencia;
o outro Simão Luiz, official de carpinteiro, hom em de m uito
Dons costum es c préstim o. Não conto aqui o Padre Luiz Mo-
niz, porque o levou Deos para si, com grande sentim ento
nosso; nem o P adre Antonio Vaz, porque deu causas para
não ir nesta occasion, das quaes dou conta a Vossa Reveren­
cia em carta particular, e com approvacão do P adre P ro­
vincial, ficou até novo aviso de Vossa Reverencia.
«D em aneira que são os sugeitos, de que se form ou a Mis­
são, por todos doze: 8 Sacerdotes, 2 Irm ãos estudantes, e
2 Irm ãos Coadjutores. P areceu-nos exceder tanto o num ero,
principal mente suppondo que dessa Provincia hão de ir os
que Sua M agestado ordena: porque havendo de se r as resi­
dências tres, e havendo-se de trata r das Missões e conversões
do C rão-P ará e rio das Amazonas, que lie o que princi­
palm ente se pretende, não se pode acudir a isto com m enos
de 18 ou 20 sugeitos, os quaes Deos su sten tará com a p ro­
videncia que costum a aos que por se em pregarem todos no
seu serviço, não reparão em commodidacles p ro p rias.
«Hum punhado de farinha, e hum carangneijo nunca nos
pôde faltar no Brazil, c em quanto lá houver algodão e in ju ­
res, nunca nos faltará de que fazer hum a roupeta da Com­
panhia , e esta he a resolução e desejos com que imos
todos e confiamos na graça de Deos Nosso Senhor, que nos
ha de ajudar a perseverar nelles. E como a renda se nos ha
de pagar na Bahia c Rio de Janeiro, tom ando-a os dous Col-
legios em si, e m andando-nos assacares da sua la v ra , com
que nos fação esmola dos m elhoram entos da sua liberalidade,
em pregando-se aqui nos generos mais necessarios ao Mara­
nhão, sem pre virá a chegar lá muito accrescentado. Bem
vejo que os riscos do m ar são grandes, m as algum a cousa
hão de deixar a D eos, os que d edição tudo a elíe.
«X oM aranhão, como do lá nosavisão, Sambem lem os ainda
alguns escravos e eriaçao do vaccas, de quo se poderão
ajudar os daquolla casa: o se nas ou iras, c nas Missões, se
ii/mr o fruto que se espera, logo Sua Magos la do, como tom
prom eltido acoroscenlará mais ronda, o não faltarão pessoas
particulares e devotas que nos ajudem coin suas esm olas;
e quando não hajão outras, rcsolvcr-m c-hci a im prim ir os
borroos de m eus papelinhos que, segundo o m undo se (em
enganado com ellos, ainda o Padre P ro cu rad o r (fera!
pode (irar da im pressão com que sustentar m ais dos que
agora vao. Assim que por falta do sustentação não deixe
Vossa Reverencia de m andar o num ero de sugeilos, que
Sua M ageslado pede, o nesta confiança, como digo, resolve­
mos que de cá fossem logo os doze.
«D isposta assim a Missão, e tornado no navio o mais largo
e com m odo lugar que pôde ser (o qual também deu El-líei)
em di! do Setem bro com eçou a partir a frota, e os nossos
M issionários se forão em barcar todos, o eu dos ultim os com
o P adre Francisco Ribeiro como que nos iamos despedir
deíles ao navio.
, «Chegados a S. Paulo soubem os que partindo os dem ais,
só o do M aranhão ficava por ordem do Conselho U ltram ari­
no, para poder levar hum Syndioanle, que dons dias antes
se despachara. Estava El-Rei naquelle dia na (Juinta, fui lá
e alcancei hum decreto de sua letra para que o Syndicante
ficasse em terra, e o navio do M aranhão partisse com a frota,
indo já para elle com tão bom despacho, soubem os que os
C apitães-m óres do M aranhão e P ará não estavão em barcados
pela m esm a causa. Torno a Lisboa ao Condo de O dem ira,
d ou-lhe a noticia da nova ordem de El-Rei, e conform e a
ella, se m andou aos C apitães-m óres, que áquella noite se
em barcassem para darem á vela pela m anhãa porque já não
havia tem po nem m aré, e com esta resolução nos tornám os
para casa o P adre Francisco Ribeiro e eu, deixando os dem ais
em b arcad o s; e parecendo-nos que com esta dissim ulação
se encobrião m elhor os m eus intentos. Mas posto que ge­
ralm ente succedeu assim , não faltou quem entrasse nas su s­
peitas, e désse p arte ao Paço, donde cm am anhecendo m e
veio recado para que fosse fallar a Sua Alteza. Fui, o por
que o estavão para sangrar, disse-m e que esperasse para
depois da sangria, tudo afim de m e deter, m as eu m e salii
n me fui em barcar a toda a pressa; chegando ao navio soube
f]llp p_m q tinlm m andado cham ar o m estre, do quo os I*a.
(j1TS i.ivào mui desconsolados, entendendo o que podia
ser. ATto havia ]á em todo o rio mas que hum a náo que es­
tava em Paco de Arcos. . .
« pedi ao Padre Francisco Ribeiro, que quizesse ir saber, se
]i;(via ir to m a ra Ilha da M adeira, e se levaria hum passa-
ociro, o eu com o Padre Luiz Pessoa tom ei m ullas em Pelem
o partim os a Lisboa. A ’ p orta do Paço achei o m estre do na­
vio do M aranhão, que me disse, o m andara cham ar Ll-Lei
p ara lhe dizer que o havia m andar enforcar, se no seu navio
tosse o P adre Antonio Vieira. Tam bém aqui soube que tinha
m andado Sua M agestadc ao mesm o navio o P adre Bispo do
Japão e o Capitão; o Bispo para que m e tro u x esse, c o La­
pi Ião com ordem que tanto que eu la não estivesse, partisse
loco com o navio. .
'«C om estas noticias tão declaradas parti a Sua Alteza (por
que El-Piei estava comendo), e lho disse resolutam ente que
cu ia e havia de ir para o M aranhão, procurando reduzi-lo
a que o houvesse por bem com todas as razões e extrem os
(1110 em sem elhantes occasiões costum a ensinar a dôr e a
desesperação; m as nenhum a bastou, antes me desenganou
Sua Alteza, que El-Rei estava na m esm a resolução e^ que
não haveria cousa algum a para que os apartasse delia. Sobre
este desengano considerei que se fallasse a Sua M agestade
me poderia d eter m uito, c p e rd e ra náo de Paço de Aicos., e
juiitam ente que partindo, sobre E l-R ei expressa e p re se n -
cialm entc me n egar a licença, ficaria a fugida m enos decente
p ara quem a não quizesse escusar com a justificação da
causa, pelo que sem lhe fallar, m e to m e i a Belém, aonde
lam bem chegava de volta o P adre Francisco Ribeiro com
resposta que a náo p artia p ara a Bahia, e que havia to m a r a
Ilha da Madeira, c que m e levaria.
«Passei-m e logo á fragata, deixando em te rra os dous Pa­
d res, os quaes am bos m e disserão, que não approvavão a
m inha resolução, posto que o P adre R ibeiro m ais friam ente
que o P adre Pessoa, que em p arte m e anim ou. Bem conhe­
cia cu que o que dictava a prudência nas circum standas presen­
tes era o que m e clizião os Padres, m as eu nãò podia aca­
b ar comigo h aver de desistir da em preza, tendo chegado
áquelle p o n to ; nem deixar aos com panheiros que os quize-
rão ser m eus neila, e m uitos dos quaes por essa causa se
delorm inárão m ais a esta Missão que a o u tra. E como o re-
paro dos P adres que me aconsolhavão era só oppôr o no-
Mgo a giaça do El-Rei, tam bcm me parecia quo quanto mais
eu arriscasse e perdesse pelo serviço de Deos, tanto m ais
penhorado ficaria o m esm o Senhor a favorecer os intentos
p o r que o fazia, c assim o m ostrou depois o effeito.
« Emfim ch eg u eián áo atem po que queria levar a ultim a
ancora, mas ao m esm o tem po cresceu de tal sorte o vento,
que toda a gente ^ da náo, que erão GO hom ens, em m uito
tem po nao poderão d ar hum a volta ao cabrestante, com que
se dilatou a partida para a m adrugada seguinte. Passei
aquelia noite com o corpo neste navio e a alm a no do Ma~
ranliao, traçando como na Ilha da Macieira me havia de
p assar occultam ente a elle, sem saber o que no m esm o
tem po se traçava em Lisboa contra mim.
Foi o caso, que ao chegar a náo de Paço de Arcos rnc conhe­
ceu o 1 rovincial de S. João de Dcos, que passava p o r alli em
hum a fragata, e chegando ao convento, foi visitar sua vizinha
a Condessa de Óbidos, onde achou o Padre Ignacio de Mas­
cai enhas, e lhe contou o que vira. Mandou o P adre recado ao
Londe de Cantanhede, o Conde ao Principe, e Sua Alteza ao
.°i ’ e inform ando-se Sua Magestade de quantos navios h a­
via para p a rtir nq rio, e sabendo que só tres, m andou tre s
m inistros de ju stiça com tres decretos seus, que m ’os fossem
notificar a qualquer navio onde eu estivesse. Ao am anhe­
cer íamos quasi já navegando por S. Gião fóra, quando
chegou a nós_ hum C orregedor, o qual subindo á náo m e
m etteu na m ão hum decreto assignaclo por Sua M agestade,
no qual lhe m andava m e dissesse da sua parte, que lhe
fosse fallar, po rq u e im portava, c que no caso que eu d if-
ficultasse o ir notificasse ao Capitão e M estre do navio, que
sob pena de caso m aior désse logo fundo e não p artisse.
« Como a ordem era tão apertada, e ás to rre s se tinha
tam bém m andado o u tra, que não deixassem p assar nenhum
navio sem constar que não ia eu nelle, foi força obedecer,
e a rrib ar an tes de p artir. No cam inho tom ei o navio do M a-
ranhao, que tam bém já ia á vela a despedir-m e dos P adres,
e porque achei estar em terra o Padre Manoel de Lim a,
pelo que podia succeder, encom m endei a m issão ao P ad re
Francisco \e llo so , ten d o -o por m ais antigo, posto que depois
soube que era o P adre João de Souto-M aior, m as no cui­
dado dos noviços terá bem cm que em pregar seu espirito c
talento.
(( Mais adianto encontrei em hum a gondola os Padres Ma­
noel de Lima e Manoel de Souza, que á vela c a rem o ião
seguindo o navio, m as ainda assim nos abraçam os e cho
rám os, ratificando-lhes eu a prom essa, que aos outros l a ­
dres tinha tam bém feito, de m uito cedo ser com d ie s poi
cheguei ao Paço, onde Sua M agestade e Alteza mo
receberão com graças zom bando da m inha fugida, e íeste-
iando m uito a p ressa; m as ajudou-m e Deos, a q u e jh e sou
hesso d e c la ra ro m eu sentim ento, e as ju stas razoes deile,
m ie affirmo a Vossa Reverencia foi o m aior que tive em
minha vida, com me te r visto nella tantas vezes com a m oiíc
ÍFcl ^ clCÍ.3
Ao am anhecer do dia seguinte m e bateu á porta do cu-
biculo o P ad re Francisco Ribeiro, com b um escnpto do 1 a-
d re Manoel de Lima, feito nos arm azéns, em que o avisava,
como sem em bargo de se p assar a hum a barca pescaieja,
e haver seguido o navio quasi todo o dia m uitas Jeguas
pela b arra fóra, o não poderá alcançar, e que alli estava p re­
venindo hum a caravela, para dentro cm horas se em bar­
ca r para a Ilha da M adeira, a tom ar la o navio do M aianhao,
e quando isto não podesse ja ser. seguir viagem até ao
ran h ão . ^
<( Vinha o Padre m uito sentido com esta arribada dos l a­
dres, m as ei la me anim ou de m aneira, que no m esm o ponto
se mo assentou no coração que eu havia de ir com elles, e
assim o com ecei logo a intentar, m ettendo o negocio em
consciência, e descarregando sobre a de Sua M agestade e
Alteza a condem nação ou conversão de m uitas alm as, que
de eu ir ou ficar se poderia seguir. _
« Sua Alteza estava doente nestes dias, e^com suspeitas de
perigo, c foi mais facil de persuadir, o que im portou m uito,
p ara que se viesse a ren d er El-Rei, o qual m e levou a R ainha
Nossa Senhora, para que me dissuadisse; m as como a pieda­
de em am bas Suas M agestades h e tão grande, emfim pode­
rão mais as razões do m aior serviço do Deos que todos os
o utros respeitos. Se algum sacrifício fiz a Deos Nosso Se­
n h o r nesta jornada, foi em aceitar a licença a E l-R ei, quando
m ’a concedeu, porque a fez Sua M agestade com dem onstra­
ções mais que de Pai, c assim eu a não tive p or segura ate
que m a entregou p o r escripto c firm ada cie sua real m ao,
na fôrm a da copia que com esta rem etto, em que tenho por
p articu lar circum stantia, ser passada cm dia das onze mii
V irgens Padroeiras deste Estado.
(( M ostrei-a aos Padres, e os poderes que nella Sua Mages-
tade nos dá em ordem á conversão, c assentám os todos
que o nao p artir o navio do M aranhão com a frota, havendo
seis mozes que estava esperando por eila, o dcscobrir-se a
m inha jornada, o não se poder levar a ancora, o m andar­
ine El-Rei tira r do navio, o ficar em te rra o P adre Manoel de
Lima, e o arrib ar depois, e outras tantas cousas particula­
res, que neste caso succcdcrão, tudo foi ordenado pela Pro­
videncia D ivina; que queria que eu fosse, m as que fosse
com approvação e beneplácito de El-Rei, c com tão p arti­
culares recom m endações suas aos G overnadores e Ministros
daquellas p artes, c que estes meios hum anos podessem
aju d ar c facilitar os da conversão, scrvindo-sc delles a graça
divina, como na India so experim entou pelos favores°com
que El-R ei D. João III assistio aos da Companhia contra o
p o d er dos Capitães das fortalezas, e outros pouco zelosos
P ortuguezes, que por seus interesses os impodião.
<( Inform ados estam os, que em todos os lugares do Mara­
nhão ha m uito disto, m as q uererá Deos Nosso Senhor que
possa com elles algum a cousa o m edo, já que pódc ião
pouco a Gíirisíandade.
« A ju sto u -se por ultim o a partirm os na dita caravela até
ao M aranhão, em que tam bém vai hum D esem bargador por
Syndicante, o Vigário Geral c Provisor, am bos os quaes são
m uito_nossos am igos, e esperam os que com o trato da na­
vegação o sejão ainda m ais, e que como pessoas que verda­
deiram ente são m uito zelosas do serviço de Deos, nos aju­
dem m uito ao bom successo e m troducção dos nossos mi­
nistério s. 0 P adre Manoel de Lima leva com m issão do Santo
Officio_ para o que naquellc Estado se offerecer tocante a
este trib u n a l; e lam bem no Conselho U ltram arino lhe quize-
rao en carreg ar o officio de Pai dos C hrisíãos, que agora se
cria de novo no M aranhão, á imitação da índia, para que os
índios reco rrão a elle como a seu conservador contra todas
as vexações que lhes fizerem os P ortuguezes; m as como o
exercício deste cargo lie de m uito di/Iicultosa execução e
m ui odiosa, não nos pareceu que convinha o levássem os,
principalm cnte quando iam os fundar de novo, p ara o que
nos he tão necessaria a benevolência dos povos, c tam bém
p o rq u e sendo o nosso principal intento ab rir novas c on ver-
... dOO —

sues pelo sertão e rio acima, não serviria este officio mais
clue de em baraço e im pedim ento a outros m aiores serviços
cie Deus. e assim replicám os ao conselho e a Sua M agostade,
(,nc a rogos nossos foi servido alliviarm os deste cuidado,
como tam bém do de serm os rep artid o res dos ín d io s, que
p o r provisão antiga estava encarregado ao P adre Luiz Fi­
l e i r a c seria hum sem inário de odios e eontradicçoes.
s « Os do Conselho U ltram arino e todos os m ais m inistros,
p o r cujas mãos passarão estes dons requerim entos, se edi­
ficarão m uito defies, e esperam os que constando-lhes, como
ha de constar, aos m oradores do M aranhão e P ará, destas
nossas resistências e réplicas, acabaráõ de entender a ver­
dade do zelo que lá nos leva, e desenganar-se-hão quão
errado he o conceito que tem de nós, em cuidarem que que­
rem os mais os índios que suas almas.
« Muito resolutos vimos de arran ca r esta p ed ra de escandam
dos anim os dos Portuguezes, e não fallar em ín d io s mais
que no confissionario, quando peça o rem edio de su as con­
sciências, e a satisfação das n o s s a s ; e os índios que de novo
converterm os deixa-los-hem os ficar em su as te rra s , com
que elles c nós fiquem os livres destes inconvenientes, e de
todos os outros, que com a vizinhança dos P ortuguezes sc
experim então. _ . .
« A disposição que fazemos conta de seguir nestes princí­
pios lie, que o P adre Manoel de Lima fique no M aranhão,
e eu com os com panheiros que p arecer passe logo ao P ará
a tra ta r da fundação daquella casa, e depois de a deixar
em ordem com os Padres que a continuem , ir fazer o
m esm o ao G urupá, e estar alli mais de assento, como a
principal fronteira da conversão, e onde se ha de assistir
c anim ar esta conquista espiritual.
« Bem conhecem os que os principaes soldados delia hão de
ser os que Vossa Reverencia nos ha de m andar dessa P ro ­
vincia, como mais experim entados e práticos na lingua, e
m ais exercitados nos costum es desta gente e m odos, por
onde sc ha de reduzir.
« Muito estim aria eu que m eu condiscipulo cio curso, o
P adre Francisco de Moraes, quizera ao m enos por alguns
annos vir se r apostolo deste novo m undo, onde não só com
sua grande eloquenda e espirito nos facilitasse e vencesse
as prim eiras em prezas, mas com seu exem plo nos fosse
dinide, e nos ensinasse o quo havíam os fazer.
<( V erdadeiram ente seria esta acção m ui própria do seu
zelo, o que com grande ediíicação de toda a Companhia
coroaria os gloriosos trabalhos, que pela salvação das alm as
em tan tas outras partes tem padecido.
« 0 mesmo desejo de outros sugeitos, grandes linguas, que
conheci nessa Provincia, e o espero delles o de outros m ui­
tos que não conheço.
«Assaz pouco he o num ero de seis para tão grande seára.
« A Provincia do Brazil foi prineipaim enle fundada para a
rcducção o conversão dos Gentios, c não havendo nella hoje
o u tra Missão senão esta, justo lie que não faltem sugeitos
p ara ella, e que estes sejão taes, que a Provincia sinta m uito
perdê-los, como acontecia a S. Francisco de Borja ; porque
nunca m elh o r ganhados, nem mais bem em pregados, que
Deos a quem se dão, dará outros por e lle s ; e quando a
Provincia de P ortugal, a quem toca m enos, não repara em
se p riv ar dos sugeitos de m aiores esperanças para os dar
ao M aranhão, m aior obrigação corre á do Brazil, em não
faltar com os que só nella se podem achar, que são os
linguas.
« Bem conhecem os toclos o zelo de Vossa R everencia c eu
dos P adres consultantes da Provincia, e assim não encare­
cem os m ais esta m ateria, tendo por certo qne já que na
frota deste anno não póde ser, na do que vem nos m andará
Vossa Reverencia estes tão desejados e im portantes com­
p an h eiro s, por quem estarem os esperando com os braços
e corações ab erto s.
« Q uando todos seis não possão se r linguas, venha em bora
algum Irm ão co adjutor, e se fôr official de carpinteiro
m elh o r.
« Tam bém se todos os linguas não forem P ad res, c houver
algum Irm ão E studante em inente nella, venha em bora, que
no M aranhão terá estudos e ordens, como os dem ais que
lá vão, que tudo ha de facilitar e com por o tem po, e com os
p rim eiro s Bispos que tiver P ortugal, o ha de te r tam bém
aquelle novo E stado; e se a conversão fôr por diante, não só
h u m se não m uitos, e quando totalm ente o não haja fare­
m os o que fazem hoje os do Brazil, que todo outro incon­
veniente he m enor que com eçar hurna conversão sem ho­
m ens m uito práticos na lingua, principalm ente en tre gente
que m ede por ella o resp eito .
« 0 P adre M atheus Delgado nos edificou m uito em se pas-
sar da mio, cm que chegou, á caravela do M aranhão, cm
quo se em barca com nosco, não q uerendo, pela não perder,
chegar á sua te rra , sendo tão peido, e tendo lá ncgocios de
m u i t a im portância : m as d eu-lhe Deos a conhecer que o
que só im porta lie salvar a alma pro p ria e a do proxim o,
c por este seu dictam e, e outros que lhe tenho ouvido,
m e parece que nos será m ui bom com panheiro na Missão,
c m ui capaz de dar boa conta de tudo o que se lhe encoiri-
mendar.
«Dou a Deos m uitas graças por tal sugeito, porém com con­
dição que Yossa Reverencia no-lo não queira descontar no
num ero dos seis, o qual esperam os m uito inteiro, e antes
accrescentado que dim inuído.
« Os nove que p artirão no navio do M aranhão já lá estarao
hoje com o favor de Deos, c o mesm o Senhor parece que
nos tem dado prendas dc que sem duvida os quiz levar lá ;
p o rq u e ao segundo dia que daqui sahirão, forão seguidos
dc hum T urco, que os investio e abalroou, e quando já e s-
taváo rendidos, ou quasi rendidos, vierão duas fragatas de
g u erra francezas que os livrarão c tom arão o Turco, c
vierão vender os M ouros ao Algarve.
« Assim sc conta por certo, e dizem que ha em Lisboa
M ouros dos que estiverão dentro no navio do M aranhão,
posto que eu não o vi.
« Bemdito seja o Senhor, que p or m eios tão extraordina­
rios acode aos que o huscão.
« Por lirn desta, como protestação da Fó quero dizer e
confessar a Vossa Reverencia, que tudo o que nos bons
princípios desta Missão se tem obrado, se deve m uito p a r-
ticularm entc ao zelo, diligencia e industria do Padre P ro ­
cu rad o r Geral Francisco Ribeiro, e tudo são effcUos da sua
grande caridade e pontualidade, com a qual nos assistio,
encam inhou, o superintendeu a tudo dc m aneira que sem
eile se não podéra fazer nada.
« Deos lido pagará, e a Vossa Reverencia pedimos todos
lhe dê por nós as graças.
« No p articu lar dos ncgocios, dem andas da Província c
das baralhas que teve com os P adres desta, e de quão p ru ­
dente c constante se houve nellas, não refiro nada a Vossa
Reverencia, porque os cffeitos o dizem.
« São tudo frutos do seu zelo o juizo, da sua m uita r e ­
ligião o trato fam iliar com Deos, com q u e t e m edificado
m uilo a 1'sfa Drovinria. n acreditado •; n o s s a .
« Vossa Reverencia depois de o deixar trabalhar aqui o
tem po com que elle se conform ar, lho dê por prêm io o ir-
nos aju d ar na nossa scára, que lie o que d e s e ja ; e a nós
por allivio c consolação de vir em endar o que tiverm os e rra ­
do, que não pode deixar de ser m u ito ; e verdadeiram ente
a grandeza daquella Missão pede o seu talento e espirito.
c( E ntretanto Vossa Reverencia nos m ande encom m endar
m uito a Nosso S enhor p ara que nos faça dignos instrum en­
tos de seu m aior serviço e gloria, e particularm ente pedi­
m os a benção e SS. SS., de Vossa Reverencia.
«L isboa”, 14 de Novembro de 1652.- De Vossa Reverencia
Filho em o S en h o r.— Antonio Vieira. »
Esta carta lie hum vivo testem unho, e a m ais concludente
prova do fervor, zelo c grande espirito do sem pre grande
P adre Vieira, sem que os m orsos da mais apaixonada critica
possão com razão d ar a hum a tão heroica resolução o nom e
im proprio de desconsolação, motivo que dizião fora da sua
re tira d a aos incultos m atos do M aranhão, pois do m esm o
contexto delia consta as sum m as difíiculdades, que venceu,
guiado mais da Providencia do Àltissimo, que das diligencias
p ro p rias, hum negocio, que p or todos os lados parecia
arriscado, c nem se podia em prehender sem m ui pesadas
conseq u en d as.
Comtudo Dcos, que guiava estes fervores pelas m edidas
daquelle anim oso coração, lhe deu taes alentos para p ersu a­
d ir ao Principe e a Seus A ngustissim os Pais, que pôde sem
risco do desagrado da M agestade alcançar licença para pro-
seguir hum a em preza tão propria do divino agrado, como
profícua ao real serviço.
Q uerer d a r o u tro nom e a em pregos tão apostolicos, e
desejos tão bem nascidos, e a forças tão virtuosas, he o
m esm o que q u erer tira r a gloria a quem só p o r esta acção,
com que trocou os mimos da Côrte pelos desertos de tão
laboriosa conquista, m erecia im m ortal estatua no Templo
da V irtude.
Nem sirva para fundam ento a carta que o mesmo Vieira
depois escreveu de Cabo-V erde ao Serenissim o Principe, da
qual só se prova o desejo que o m esm o Padre tinha de sahir
da Côrte p o r vontade de seus Soberanos, a quem , além do
vassallo, devia carinhos de Pai, como m elhor que ninguem
exprim ia a suavidade da sua m esm a penna. — «Se algum
sacrificio fiz a Nosso S enhor nesta jornada, foi em aceitar
a licença a El-Rei, quando m ’a co n ced eu ; porque o fez
Sua Magestade com dem onstrações m ais que do Pai. — »
puem não vê nestas palavras a grande força, que con­
tendia do am bas as partes, de hum a a real benevolentia, de
outra o fervor do Padre, que não podia acabar com sigo o
largar a ompreza a que o incitava o seu espirito.
D esenganem -se pois os apaixonados, c confessem , apezar
da sua rigorosa critica, que a alm a do Padre Vieira não se
governava nas suas m aiores acções senão pelo seguro n o rte
do m aior serviço de Deos, do Rei, e da P a tr ia ; quando hum
e outro se não encontrava com o prim eiro.
Esta a carta que o P adre Vieira escreveu ao P ad re P ro­
vincial, antes da sua p artida na caravela até a Ilha do Ma­
ranhão, m as não tanto a seu salvo (não obstante a real
licença) que não experim entasse antes de em barcar na cara­
vela hum fortissim o em baraço, como logo verem os, depois
de referirm os a viagem da nova Missão, e sua entrada na
Cidade de S. Luiz.
CAPITULO i\.
OHKUÃO AO MAUA.MÍÀO COMFEDZ Y1AUE.M OS NOVE l l K U t U o . S O S
MANDADOS PELO JÁ NOMEADO SUDERlOíl DE TODA A MISSÃO
O P A D R E ANTONIO VIEIRA.

Estam os no íim do mino de 1052, Imm dos mais felizes


que póde contar a nossa V ice-Provincia, tres vezes m orta, e
ires vezes resuscitada, e nesta ultim a com m ais algum as es­
peranças de não se opporem contra ella as astúcias do in­
ferno, a quem faz não pequena guerra todo este pequeno
esquadrão de operarios evangélicos.
Com a m orte gloriosa do Venerável Padre Francisco Pinto
e retira d a de seu com panheiro o P adre Luiz Figueira, p ri­
m eiros descobridores desta espiritual conquista, m orto o
prim eiro ás m ãos dos B arbaros T acarijús, passada já a Serra
da Ibiapaba, acabou tam bém na sua infancia esta nova Mis­
são no a ono de 1608, resuscitada depois do anno de 1615
pelos dons fervorosos operarios, o P adre Manoel Gomos e
Diogo Nunes.
N estes ultim os retirad o s á Castella por f u g i r e m da p r i m e i
ra perseguição e buscarem o rem edio della na presença d e
de Sua M agestade Catholica, veio a acabar segunda v e z n o
anno de 1619, para resu scitar depois com a vinda dos apos ­
tólicos varões o P ad re Luiz Figueira e Benedicto A m o d e i , no
anuo de 1622. Morta terceira vez com os bons P adres M a n o e l
Moniz e Francisco P ires e o Irm ão G aspar F ernandos, a quem
a b arb ara perfídia dos U rúatys deu aleivosam ente a m orte
no Engenho do Itap u cu rú no armo de 1649 /r e s u s c ita agora
como Phenix, para p o r falta de operarios não acabar de todo
esta gloriosa e sem pre m em orável Missão, que veio a apro­
fu n d ar as raizes a toda a nossa 'Vice-Provi.nc.ia, que até ao
presen te com o favor divino, p o r m ais esforços que, apezar
do odio, fez o inimigo com m uni do bem das almas, ainda s e
não poderão de todo arran ca r, que com as assistências di ­
vinas mal poderião te r vigor as astúcias dos hom ens.
C o r r i a p o i s o a n n o d e 1 6 5 2 , e m q u e g o v e r n a v a o F.s t a d o
d o M a r a n h ã o .Luiz d e M a g a l h ã e s , e p a r e c e n d o a o m i n i s t é r i o da
a licença a El-Rei, quando m ’a co n ced eu ; porque o fez
Sua Mages lado com dem onstrações m ais que de Pai. — »
Quem não vê nestas palavras a grande força, que con­
tendia de am bas as partes, de hum a a real benevoloncia, de
outra o fervor do Padre, que não podia acabar com sigo o
largar a em preza a que o incitava o seu espirito.
D osenganem -se pois os apaixonados, c confessem , apezar
da sua rigorosa critica, que a alma do P adre Yieira não se
governava nas suas m aiores acções senão pelo seguro n o rte
do m aior serviço dc Deos, do Rei, e da P a tria ; quando hum
e outro se não encontrava com o prim eiro.
Esta a carta que o P adre Vieira escreveu ao P ad re P ro ­
vincial, antes da sua p artid a na caravela até a Ilha cio Ma­
ranhão, m as não tanto a seu salvo (não obstante a real
licença) que não experim entasse antes de em barcar na cara­
vela hum fortissim o em baraço, como logo verem os, depois
de referirm os a viagem da nova Missão, e sua entrada na
Cidade de S. Luiz.
CApm'LO i'\.
OllEUÃO AO MAUANliÀO COM FELIZ VIA CEM OS NOVE UHLiR 1USOS
MANDADOS PELO JÁ NOMEADO SUPERIOR DE TODA A MISSÃO
O PADRE ANTONIO VIEIRA.

Estam os no íim do anno de 1052, Iram dos m ais felizes


que póde contar a nossa V icc-Provincia, tres vezes m orta, e
Ires vezes resuscitada, e nesta ultim a com mais algum as es ­
peranças de não se opporem contra elia as astúcias do in ­
terno, a quem faz não pequena g u erra todo este pequeno
esquadrão de operarios evangélicos.
Com a m orte gloriosa do Venerável Padre Francisco Pinto
c retirad a de seu com panheiro o P adre Luiz Figueira, p r i­
m eiros descobridores desta espiritual conquista, m orto o
prim eiro ás m ãos dos B arbaros T acarijús, passada já a S erra
da Ibiapaba, acabou tam bém na sua iníáncia esta nova Mis­
são no anno de 1608, resuscitada depois do anno de 1(515
pelos dons fervorosos operarios, o P adre Manoel Gomes <>.
Diogo N unes.
N estes últim os retirados á Castella por fugirem da primei
ra perseguição e b uscarem o rem edio della na presença de
de Sua M agestade Catholica, veio a acabar segunda vez nu
anuo de 1619, para resu scitar depois com a vinda dos apos ­
tólicos varões o P adre Luiz Figueira c Benedicto Amodei, no
armo de 1622. Morta terceira vez com os bons P adres Manoel
Moniz e Francisco P ires e o Irm ão G aspar Fernandes, a quem
a b arb ara perfidia dos U rúatys deu aleivosam ente a m orte
no Engenho do Itap u cu rú no armo de 1 6 4 9 , resuscita agora
como Phenix, para p o r falta de operarios não acabar de iodo
esta gloriosa e sem pre m em orável Missão, que veio a a p ro ­
fundar as raizes a toda a nossa Vice-Provincia, que até ao
presente com o favor divino, p or m ais esforços que, apezar
do odio, fez o inimigo com m uni do bem das almas, ainda se
não poderão de todo arran car, que com as assisten d as d i ­
vinas mal poderião te r vigor as astúcias dos hom ens.
C o r ria p o is o antro d e 1 6 5 2 , e m q u e g o v e r n a v a o E s ta d o
d o M a r a n h ã o L u i z d e M a g a l h ã e s , e p a r e c e n d o a o m i n i s t é r i o d.a
(Vine ser nui is convenienti) dividir o governo do Estado om
duas Capitanias, com Capitães-m óres que governassem inde­
pendentes o na m utua correspondência' de se ajudarem tudo
110 que a necessidade pedisse para defesa do m esm o E stado;
loi nom eado para a Capitania do M aranhão Balthazar de Souza
P ereira, que tom ou posse do seu governo aos 40 do Novem­
bro deste m esm o anno de 1652 : "o para a do Pará Ignacio do
íleo-o B arreto, que entrou a governar a sua Capitania no se­
gunde mez de Dezembro, com assaz agrado dos povos pela
independência dos dons governos.
Nesta náo, que foi a única que por então partio para o Ma­
ranhão, e em que tam bém ião alguns Religiosos de outras
sagradas familias, partio do porto de Lisboa a gloriosa e
m ais bem succedida Missão que teve a Y ice-Provincia, m an­
dada pelo grande P adre Antonio Vieira, S uperior que já era
da Missão, sendo P ro cu rad o r Gerai da P rovinda do Brazil o
P adre Francisco Ribeiro, varão de incansável zelo no serviço
das Missões, e a cuja actividade deverão p o r então aquelles
aposíolicos Missionários o bom exilo e com m odidade da sua
viagem, que foi bum a das mais felizes que para esta conquis­
ta sc tem feito que parece concorria Deos com especiaes assis­
ten d as para hum a tão gloriosa expedição, que tanto havia
de servir á m aior gloria de seu Santíssim o Nome.
J}a carta do P adre Vieira do capitulo passado se vê bem o
quanto este heroe se em penhou p or esta Missão, assim na
eleição dos m uitos c singulares sugeitos da Provincia de
Poriugal, que se lhe offerecêrão para esta tão difíicultosa
conquista, como das provisões c m ercês reaes que alcançou
do Soberano o Sr. D. João IV, de eterna m em oria, para so-
ccgo dos P adres e m elhor governo das aidèas já estabelecidas,
( ' . que depois seh av ião d e fu n d a r; como o m esm o M onar­
ch;) linha rccom m endado ao fervoroso zelo dos nossos Mis­
sionários.
Erào os intentos do P ad re Vieira, que assim como fôra o
prim eiro cm os convidar e anim ar para o cultivo de tão dila­
tada seára, fosse tam bém o prim eiro etn lhes fazer com pa­
nhia ao tem po da colheita, que já ia prom ettendo copiosos c
sazonados f ru to s ; mas como para a sua partida se offereces-
sem os em baraços de que atrás fizemos m enção, partio a
náo e ficou em te rra assaz saudoso de a não poder seg u ir
este destemido argonauta, que na Corte ficava correndo co m a
torm enta que seus com panheiros não experim entarão no m ar.
beixem o-lo hilar com as poderosas ondas da poliiica e
razões do Estado, do quo a sua virtude mais quo a s u a v a ­
lentia o fez vencedor, com im m ortal gloria do sen norm*: r
vam os seguindo os nossos navegantes até o p o rto do fda ra-
nlifio, oil do (lerão os prim eiros passos com a sua m odestia,
com a sua prudência, e com o bom exemplo para o feliz os
labelecim ento da nossa am ada Viee-Provineia.
E rão os Religiosos desta feliz expedição os P adres F ran­
cisco Yelloso, S uperior dos m ais na ausência do P adre Y ieira;
o P adre João de Souto-M aior, m aior ainda quo seu mesmo
nom e no zelo e salvação das almas dos m iseráveis índios,
em cujo serviço acabou depois gloriosam ente a vida: o
Padre G aspar Fragoso, o P adre Thom é Ribeiro, noviços o
P ad re José Soares, e os irm ãos estudantes Antonio Soares o
A gostinho Gomes, coin clous irm ãos coadjutores Francisco
Lopes e Simão Luiz, official de carpinteiro. Erão por todos
nove tão escolhidos, e tão im portantes ao bem da nova Missão
como a exporiencia m ostrou no m uito que depois obrarão
em credito da Fé e serviço do seu Rei.
P artirão de Lisboa aos 23 de Setem bro do anno de 1052
com hum a feliz viagem, depois da qual (exccpLiando a do
P ad re Vieira na segunda que fez para o Maranhão) se não
fez o u tra, nem m ais breve, nem m ais segura com ventos
sem pre de servir em toda e ! ia ; prosperando o m esm o Céo
tão gloriosa Missão com 25 dias de navegação, cm que fer­
ra rã o o porto do M aranhão aos 17 de O utubro, sem susto
nem m otivo que lhes fizesse desabrida esta passagem .
Muito o b rarão e m uito edificarão aos navegantes estes fer­
vo ro so s M issionários, todos revestidos de hum espirito apos-
tolico, e abrazados no fogo da caridade do proxim o. Ex­
pliquem o-nos em poucas palavras nela penna do m esm o
P adre Vieira em carta ao P ad re Provincial do Brazil de 22
de Maio de 1653.
Diz assim . — « A viagem dos prim eiros P adres não foi de
tantos dias, como a nossa, de m aiores calm arias na linha,
com m enos perigos ; como naquelle navio vinhão soldados,
tiv erão m ais occasiões de exercitar a caridade, principal­
m en te com os doentes, sendo elies os que lhes fazião o
com er no fogão e com sua m ão lhes davão ; os que lhes as-
sisiião nas sangrias c nos o u tro s m edicam entos, os que dor-
m ião sobre as taboas do convez, para lhes dar as cam as, e
o u tro s actos sem elhantes de m uito fervorosa caridade, de
,m t. grand em ente so odi ficara o todos. Estas íorão as artes
corn ,'fijp, o Padre João do Souto-M aior ganhou ao Capitão-
rruir d’<i Pará, do cuja bcnovoiencia vinham os m ais duvidosos.
Os oxcrcicios espirituaes de pregações praticas o doutrinas
tõrão quotidianos, com grande frequência de confissões e
c.otnmmdiòos nos runs de lesta, quando o tem po dava lugar a
dizer missa, que desta consolação não era capaz o nosso
barco. 0 que. mais estim am os adiníra, c não deixarão do o
notar os de fóra, principalm eute os Religiosos que no m esm o
na vio vinham de ires Religiões differentes, foi como todos se
hoiivcrão em toda a viagem, com tanta conform idade o
união, como se cada hum fora Superior, ou nenhum o hou­
vera m ister. » — Deste pouco (porque não acham os mais) se
poderá colligir o m uito e o m ais particular que estes vir­
tuosos operarios obrarão nesta viagem, a todos proficua, ao
Céo grata.
Desembarcados os Padres, foi notável o applauso e alegria
com que íorão recebidos da piedade dos m oradores, a quem
a paixão não anticipára o susto, e a sinceridade do affecto
tinha feito mais pesada a ausência, e não m enos sentida a
falta. Davão-se m utuos parabéns por terem já seguros na
vinda dos filhos da Companhia o rem edio prom pio nas
affiicçOos do corpo, e o soceorro certo nos perigos da alm a.
Assim discorria a piedade, assim se dava por satisfeita a
devoção. E ntrarão os novos M issionários na nossa casa
acom panhados de alguns nobres , e seguidos do povo, no
receber obsequioso, no despedir severo por se trocarem de
ordina no as palmas e as capas da entrada, em varas e sam -
benitos na despedida.
Constava o pequeno Collegio de hum corred o r, que como
já dissemos tinha m andado levantar o P adre Luiz Figueira
para a parte do Norte ou Praia Pequena, com cubículos por
baixo e por cima, e junto hum a pequena Igreja, que se r­
vindo em ouiro tempo á edificação pelo asseio, se via agora
por falta dos nossos que delia cuidassem , se não de todo
arruinada, quando menos pouco limpa. A com m odárão-se.
como poderão nos cubículos, que por inbabitados não p o ­
derão deixar de m ultiplicar occasiões de sentirem seus h a ­
bitadores eíleitos da santa pobreza, com m uita especialidade
as officinas, a que era preciso acudir com o necessário; porém
a engenhosa caridade do Superior, o P adre Francisco Yelloso,
deu a tudo tão prom pta providencia, que assim Igreja
-JU'.i

como casa so via logo restabelecida do quo podia so n a r


do commodo nos Religiosos. o dí' cdiüeaeão aos ileis, respi­
rando no reparo do Culto Divino devoção a igreja, e no
asseio dos corredores religião a casa.
Mandou logo o novo S uperior abrir duas classes, confor­
mo a ordem do Padre Vieira, huma em quo se ensinassem
os prim eiros rudim entos da puerícia de ler, escrever e
contar, e outra em que se aprendessem os preceitos da
gram m atica, cousa até então nunca vista no M aranhão. Con­
tentes ficarão os m oradores quando na publicação dos edi­
bles, em que se convidavão os novos candidatos, virão total-
m ente abertas as p o rtas ao conveniente ensino dos seus
li lhos, que de todas as partes correrão logo a buscar nas
nossas aulas o rem edio m ais prom pto da sua inacção e igno­
ra n d a ; e como na terra não haviào os instrum entos necessarios
para o exercido dos novos estudos, m andou o Superior (que
para tudo tinha vindo providencia) que pelos estudantes
artes e cartapados, c pelos meninos traslados e papel re ­
partissem os m estres, o que parecesse preciso para a sua
in stru cção ; tudo a tão bom tem po, e com tão feliz progresso,
que brevem ente conhecerão os Padres nas singulares capa­
cidades de alguns, que as terras do Brazil, se erão aptas
para as officinas dos seus engenhos, erão tam bém officina de
engenhosas habilidades para os seus naturaes, como depois
p o r experienda testificou em carta o P adre Antonio Vieira :
« São tão hábeis nos rudim entos da gram m atica, que lhe vi
fazei- vantagens que não vi em outra parte, e espero que se
possão criar delies m uitos e bons sugeitos para a Companhia. »
E na verdade que os filhos dos nossos Portuguezes no
E stado são dotados de raro s e excellentes engenhos.
Tinha trazido com sigo, quando voltava de Roma o P adre
Manoel de Lima, o precioso donativo de dous corpos de
Santos M artyres, que o seu respeito e agrado que conci­
liou naquelía curia tinha alcançado por via dc hum dos
Em inentíssim os Cardeaes ; não duvidando Sua Santidade
concorrer com piedosa liberalidade para fundação deste
novo Collegio apostólico com duas pedras tão seguras e fir­
mes na Eé, que por elía não duvidarão dar gloriosam ente as
vidas, eternisadas agora na m em ória da nossa devoção, de
que recebem quotidianos cultos nos dous Collegios do Ma ­
ranhão e Pará, para onde forão m andados.
E rão esies os veneráveis c o rp o s d e S. B o n i f á c i o o S a n t o
. '." / i i —

M rm m d re , quo os n o sso s M issionários q u e riã o t ir a r d o navio


r o m ’a m a io r p o m p a e a p a ra to so triu m p h o . D epois d e p re-
onrada a igreja o m e lh o r que as p en u rias daquelle tem po
p erm itlião , c o n v id ad o s p rim e iro s o s R elig iosos e E cclesias­
t i c o s , forão c o n d u z i d a s a o s 2 d e D e z e m b r o e m s o l e m n e p r o ­
cissão a s p re c io s a s re liq u ia s d o s S a n to s M a r ty r e s , e collo-
cadas no alia r-m ó v da no ssa Ig reja de a m b o s os lados do
S acrario , b e n eíician d o -se de ta rd e as v e s p e ra s d a festa do
G lo rio s o A p o s to lo d o O r i e n t e S. F r a n c i s c o X a v i e r , e n o dia
seguinte, m issa c a n ta d a com se rm ã o , e m q u e p re g o u com
n ã o m e n o s espirito q u e retlio ric a o P a d r e Souto-M aior,
u n in do as glorias d a coiloeação d o s s a g ra d o s o ss o s n a A m e ­
rica c o m as d o S a n to A p o s to lo n o O rie n te .
E stes d o u s th es o u r o s q u e d e u o S a n tís s im o P a d r e U r­
b an o V ilt ao P a d r e M anoel d e L im a fo rã o a p p lic a d o s, o d e
S. D o n i f a c i o a o C o l l e g i o d o M a r a n h ã o , e o d e S a n t o A l e x a n d r e
ao C ollegio d o P a rá , d e d o n d e e ste to m o u o n o m e , q u e
a lé m d c te r e m esp e cia l culto n o s d o n s a lta re s e m q u e lo rã o
re lig io s a m e n te em ilocados, se fa z d e lle s p a r tic u la r c o m m e m o ­
ra rim n as lad a in h a s d e c ad a dia, p o r c o s tu m e a n tig o da
V ic e - Provincia.
C om tão s a n to s p rin c íp io s íiz e rã o a s u a e n tr a d a os n o s s o s
n o vos M issio nários, o p a r a q u e os raio s da su a d o u trin a e
ex em p lo s de su a s v irtu d e s se c o m m u n ic a s s e m aos m ais
m e m b r o s do E sta d o , p a rtirã o logo p a ra o P a r á os P a d re s
Jo ã o d e Sou lo -M aio r o G asp ar F ra g o z o , lev an d o c o m sig o a
m a io r felicidade d a q u e lla s a lm a s, q u e no c e n tr o do se u s
m a to s vivião s e m c o n h e c im e n to d o v e r d a d e ir o D eo s. D e ix e ­
m o - l o s n a v e g a r , q u e a seu. t e m p o v e r e m o s a s v a l e n t i a s d e
seu espirito, e v ejam o s p rim e iro e m q u e g a s ta rã o o resto
do anno os do ns P ad res que iicárão no M aranhão.
lerão e s te s o S u p e r i o r o P a d r e F ra n c is c o V ello so e T tio rn é
R ib e iro , p o rq u e os m ais, tuins e r ã o n o viços, o u tr o s Ir m ã o s
c o a d j u t o r e s , q u e n ã o fazião p o u c o c m c u i d a r d a c a s a , n o
tr a b a lh o s o e x ercíc io d a s s u a s ollieinas.
0 P a d r e R ibeiro, a lém do M agistério d as classes, e m p r e ­
g o u -s e todo o A dvento e m p re g a r as D o m in g as, o u v ir c o n ­
fissões o n ã o fa lta r a o s m a is m in isté rio s d a n o s s a C o m p a ­
n h i a : e o P a d r e V e llo s o , t o m a n d o p a r a si o m a i o r t r a b a l h o ,
d i s c o r r e u p e l a s a h l ò a s d a i l h a d o M a r a n h ã o ,7 o n d e f o i e x t r a o r -
i

b in á rio o fru to e im m e n s a a colheita q u e n e ila s f e z ; b a p ti-


m u d o , confessando c m M m indo a m m iseráveis índio s que
uL, I i

havia tr e s annos carecia o do Pastor., o lhos faltava Pai que


(idles cindasse c consolasse nas suas maiores aíflicçôes ;
tendo m o rrid o muitos totalm ente ao d esam paro, faltos de
rem e d ies p a ra o corpo e m e n o s assistidos de soccorros para
a alma.
Já se ia ap proxim ando o Matai, o queren d o os nossos
at trail ir os m o ra d o r e s p a ra a lembrança de tão ternissimo
mysterio, idearão h u m devoto e bem arm a d o Presepio em
h u m dos altares eollaleracs, q u e servio d e p a s t o á curiosidade
e de incentivo á devoção; sendo a nossa Igreja da hi em diante
a do m aior frequência, assim pelas funeções que nelia se
celebravão, como pelo asseia d o com que s em p re se tra to u
do culto divino. 0 gran d e cuidado que desvelava o S u p e­
rio r no q u e dizia respeito ao espiritual, não o esfriava para
o fazer esq u e c e r o te m p o ral da casa; pois além da p ro m p ta
providencia, de que necessita vão os súbditos que tinha
nelia, era ainda m aior a falta de com m odo para os Reli­
giosos que esperava do Reino, que não podião t a r d a r tanto
que se podesse in tro m e tte r g ran d e d em ora até á sua che­
g a d a. E com o se via destituído de meios para e n t r a r em
o b ras, s em accrescentar nada de novo, cuidou em re p a r a r
o q u e havia, e de p ôr em m e lh o r o rd em o que o tem po o
o descuido na falta dos P a d r e s , ou tinha arru in a d o , ou r e ­
duzido a m ais im proprio ministerio.
À ccom m odadas em m elhor fórm a as cousas dom esticas, era
preciso acudir tam bém á cobrança dos bens dos Padres,
que se achavão espalhados, ou por tribunaes, ou por mãos
de alguns p a rtic u la re s; e como foi então m ais faci! o rece­
b ê-lo s, que agora o en treg a-los, ficou por conseguinte mais
difficultosa a restituição e m ais sensível a falta que deli es
tínham os.
Foi com tudo tão activa a diligencia do Superior na sua
arrecadação, que revolvidos os inventários, por elles se foi
cobrando, senão tudo, ao m enos a m aior p arte do que nos
pertencia. Sendo o m ais rem isso entre todos o testam en­
teiro do defunto Antonio Moniz B arreiros, que não se lem­
brando já do orphão, a quem tinha ficado o Engenho do
Itapucurú, reservado p ara os Padres o usofruto delíe na m e ­
noridade do herdeiro, se q u eria tam bém esquecer dos m ui­
tos bens dos Religiosos, que para o effeito de p o d er m oer
tinhão m ettido no dito E ngenho especialm ente escravos e
cousas de m aior p o rte.
■)I ■)

i'o[ j, , . s l e I'di ji r i 'c i S D c o r r e r o s I r r m o s d a j u s t i ç a , a l e v i r


d d i ‘ u l t i m o a a c a b a r a c o u l e i u h i c o m Imma i r a n s a e r à o r
á i n i g a v e i c o m p o s i ç ã o , c o m o s h e r d e i r o s do t e s t a m e n t e i r o ,
è o n í q u e ao m e n o s sc salvou a m e ta d e d o q u e le g ilim a m e n te
]ios lo c a v a .
'{’evo lambem noticia o Superior de algumas outras
cousas (.{lie não apparecião e que injustamente se sonega-
vão, e querendo reivindica-las por justiça, ou pelo meio do
huma carta de cxeommunhâo, o Padre Antonio Vieira, que
chegou a esse tempo ao porto do Maranhão, por certas
razões bem pesadas primeiro pelos dietames da sua grande
prudência, julgou se devião total mente deixar sem elhantes
requerimentos para cabal prova do nosso desinteresse, do
nosso comedimento c modestia religiosa. De tudo deu
depois parte ao Padre Provincial do Brazil, por carta em
que dizia :
(( Dos outros moveis de casa, que erao poucos, também
tivemos noticia, que nos tomarão alguma parte, e houve pa­
receres que se tirasse carta de excomm unhão: mas além
de ser por esta via mais o estrondo que o preceito, julgou-se
por melhor que a restituição se deixasse á consciência de
cada hum ; porque não era razão, nem ainda decencia, que
por interesses de tão pouca consideração, accrescentassem
laços ás almas os que vinhão só com o intento do as salvar.
(( Assim o fizemos e assim esperamos que Vossa Reve­
rencia o haja por bem, e approve a nossa intenção, a qual
foi principalmente, de que se introduza a Companhia nesta
Missão, evitando quanto fôr possível aquellas duas pedras
de escandalo, posto que mal fundado, em que sempre to­
parão nesta Provincia os nossos ernulos, que são índios o
fazendas.
« Estas duas cousas trazemos mais que tudo diante dos
olhos, para que acabem estes homens de conhecer c se per­
suadir, que não viemos cá buscar fazendas nem índios, e
que dclles e dos Portuguezes não pretendemos mais que as
suas almas.
<( Com estas demonstrações de desinteresse lemos com e­
çado aqui, c com as mesmas se procede no P ará; e ainda
que sejão princípios de termos Companhia menos rica, não
o serão de termos menos Companhia.... Sirva-se Nosso Se­
nhor do que em tudo n o s c o n f o r m e m o s s e m p r e c o m o q u e
t o r d e s u a m a i o r v o n t a d e e - ' i o r i a . ■■>
Us bens dc raiz, que por on Ião possuía aquella casa, ora
a legua de terra do Anyndiba, que tinlião doado os pri­
meiros Bemfeitores, sendo Superior o Padre Luiz Fimieira
que a mandou demarcar judicialniente e fincar marcos que
servissem de divisas ; porém a malicia dos heréos, vendo-se
sem parte que os podesse defender, os arrancou para e s ­
tender mais os lim ites das suas terras; mas o zelo do Padre
velloso, que a tudo attendia, os mandou aclarar levan­
tando junto delles humas cruzes de pão muito grandes, que
ainda achou o Padre Superior João Felippe Bettendorf!, in­
cansável indagador de noticias para esta chronica no anuo
de 1063, em que tornou a renovar juridicamente a mesma
demarcação.
0 Engenho do Itapucurú, dc que só tinhamos o usofruto
na menoridade de Ambrozio Moniz, se tinha arrematado em
Praça, para satisfação das dividas, a requerimento do testa-
m enteiio do defunto seu pai; e sobre a mesma arrematação
corria pleito ao tempo que os nossos Padres chegarão do
Reino, em que se tomou a resolução seguinte, que quero
exprimir pela m esm a phrase do Padre Vieira:
« Como este Engenho, depois de nós, pertencia a hum
iillio do testador, que elle nos deixara encommendado todo
ao nosso cuidado, e era receio que estivessem as cousas do
Engenho em estado que fossem os obrigados em consciência,
ou a continuar demandas, ou a tornar a entrar nelle • mas
ainda que a venda se poderá desfazer, por ter muitas nnlli-
dades, quiz Deos que houvesse aqui huma sentença da casa
da supplicação duas vezes confirmada, pela qual o Engenho
e os rendimentos, e as mesmas terras delle estão julgadas
a h u m terceiro, que tinha mais antiga doação; com° que
assim o orphão como nós ficámos excluídos da tal herança.
Está esta sentença com embargos á execucão, com que
se poderá dilatar algum tempo, mas como por cila, e muito
mais por seus fundamentos, que são muito solidos, ficamos
seguros na consciência, depois de aconselhados, quanto ao
toro exterior, com quem nos podia dar conselho, julgámos
que o que convinha á nossa quietação e edificação era o
retirarmo-nos totalmente desta demanda, e pedirmos, como
o pedimos, para o orphão novos curadores que melhor po~
dessem tratar da sua justiça quando tivesse alguma, visto
faltarem todos os Padres que tinhão noticia desta causa e
com sua morte haverem -se perdido todos os documentos
de quo para beneficio da mesma justiça nos podiamos va-
ler • e sobretudo que nós vinhamos só a tratar da conver-
são" da Gentilidade e salvação das almas, e que era contra
o intento da nossa m issão e instituto divertirm o-nos a
estas temporalidades.
<( Foi esta nossa resolução recebida, não so com edifica­
ção, mas com grande admiração de toda a terra, e com ella
desmentimos os pensamentos dos que esperavão que fizésse­
mos grandes demandas, c já ameaçavão comnosco aos com­
pradores do Engenho. »
CAPITULO X.
FELIZ VIAGEM PARA A MISSÃO DO MARANHÃO DO GRANDE
PADRE ANTONIO VIEIRA, GRANDE EMBARAÇO QUE TEVE
ANTES DA SUA PARTIDA , PODERES E MERCÊS COM QUE
O DESPEDIO O PIISSIMO E SEMPRE AUGUSTO REI O SR.
D. JOÃO IV.

A huma tão grande bonança, como a que logrou no prin­


cipio da sua intentada viagem o Padre Antonio Vieira,
recebendo o decreto que tanto o intimidava, não deixou de
seguir a grande tormenta que padeceu antes da sua partida
no Paço e logo depois della no mar, na caravela. Tinha clle
mettido este negocio, como já tratámos, em caso de con­
sciência, descarregando a sua na do Serenissimo Monarcha
o Sr. I). João IV. Amava o Principe D. Theodosio aos R e­
ligiosos da Companhia por costume, e ao Padre Vieira por
natureza. Era este o maior obstaculo que encontrava a sua
virtuosa resolução.
Oílereceu-se a occasião mais opportuna na perigosa doença
daquelle grande Principe, e armado da sua costumada ener­
gia e eíiicaz persuasão, tanto soube dizer e tanto soube
ponderar sobre o prejuízo das muitas almas, que na sua
ficada poderião privar-se do importante soccorro da sua
pregação, que movido o Principe mais do serviço de Deos,
que das conveniências da Monarchia com a falta de hum varão
tão consummado e completo, persuadio a El-Rei seu pai
a que o deixasse ir para onde a valentia do seu espirito o
conduzia, apezar do real agrado da Magestade e da publica
murmuração da fidalguia, que não podia levar a bem o dei­
xar empregar hum homem tão digno da côríe nos rusticos
exercícios da barbaridade do Maranhão. Venceu porém a
constância do grande Vieira a innata piedade de seus Sobe­
ranos, privando-se do m elhor homem que naquelle tempo
conhecia Portugal; porém El-Rei o fez com tanta dôr e sen­
timento, que ao m esm o Vieira ficou mais que pesado aquelle
sacrificio pelas demonstrações mais que de pai, com que lhe
deu a licença que pretendia, que bem dão a conhecer as
vivas instancias com que emprehendeu este negocio. Seja a
provisão real o melhor testemunho desta verdade. Diz
assim :
i Padre Antonio Vieira... Ku El-Rei vos envio muito sau­
dar.-—Tendo considerado o que tantas vezes me represen­
tastes sobre a resolução com que estais de passar ao Estado
do Maranhão para proseguir nelle o caminho da salvação
das almas e íazer se conheça mais nossa Santa Fé, me pa­
receu não estorvar tão santo e pio intento, e sem embargo
do que antes tinha ordenado ácerca da vossa viagem, man­
dando-vos tirar do navio em que estáveis; sou servido con­
ceder-vos agora licença para o fazerdes pelo fruto que delia
devo esperar ao serviço de Deos o m eu,
e E para que melhor se acerte, vos encommendo muito a
continuação da prédica do Evangelho, que vos leva áquellas
partes eq u e para isso levanteis as igrejas que vos parecer nos
lugares que para isso escolherdes, e façais as Missões pelos
sertões e paragens que tiverdes por mais conveniente, ou
por mar ou por terra, ou levando os índios com vosco, des­
cendo-os do sertão, ou deixando-os em suas alclêas, como
então julgardes por mais necessario á sua conversão; de que
tudo terei grande contentamento pelo muito que desejo, que
aquellas terras se cultivem com a nossa Religião Catholica;
e para melhor o conseguirdes, ordeno aos Governadores,
Capitães-mores, Ministros de Justiça e Guerra, Capitães das
fortalezas, camaras e povos, vos dêm toda ajuda e favor
que lhes pedirdes, assim de índios, canoas, pessoas praticas
na terra c lingua, como do de mais que vos fôr necessario,
para o que lhe mostrareis esta ou copia delia, que guardarão
inviolavelriiente, como nella se con tém ; e fazendo o contra-
ião mandareis logo conta para mandar proceder contra os
que assim o não fizerem, como fôr justiça. Escripta em Lis­
boa a 21 de Outubro cie 1652. — R e i. »
A’ vista de huina tão ampla licença, quem não diria que a
viagem do Padre Vieira estava mais que segura e totalmente
desembaraçada de huma tão ardua difficuldade?
Assim parecia, mas não foi assim ; porque pesando mais
no conceito do Serenissimo Rei os talentos tão notoriamente
conhecidos deste grande homem, julgava menos acerto da
sua elevada prudência o consentir se enterrassem aquelles
nos malos do Maranhão, privando a Curie do hum orador tão
sublime e de hum politico tão consummado.
•lá se arrependia de ter dado a licença firmada de seu real
punho; e não podendo acabar comsigo o ver ausente e apar­
tado do seu lado hum sugeito que elle tinha por hum dos
mais lieis vassallos da sua coroa, o chamou particularmente
e com carinho muito alheio da soberania lhe propoz o em­
baraço em que fluctuava o seu animo, que só poderia encon­
trar soccgo quando soubesse tinha elle desistido de huma
empreza tão opposta ao seu real agrado; e sem esperar
mais resposta lhe recommendou o segredo, intimando-lhe
que era sua vontade que ficasse na Corte, mas de sorte que
como quem partia se havia de portar até o ultimo dia do
embarque, em o qual mandaria passar o decreto de como
assim lh’o ordenava.
Pasmou o Padre Vieira da novidade, e para serem tudo
grande, teve coração para levar este sensível golpe da
fortuna, que bastaria a derrubar a mais incontrastave!
constância.
Reclamou licença, ratificando as mesmas razões que tão
fortemente tinha já allegatio para a conseguir, até lhe pon­
derar a nota da inconstância, com que se poderia macular
a Magestade, faltando ao que já tinha concedido.
Tal era a grandeza desse vassallo, que por elle parece se
arriscava a mesma soberania.
Nada pôde por então conseguir daqiielle real animo amo­
rosamente endurecido, cuja dureza ponderada pelo supe­
rior juizo do Padre Vieira pela parte do motivo o assom­
brava, vendo tão evidentes provas do mais excessivo cari­
nho e o grande lugar que tinha adquirido no piissimo cora­
ção do seu Soberano Monarcha.
O que estava tão longe de o fazer réo do mais leve des­
vanecimento, que recolhido o espirito ao centro da sua pro­
funda humildade, confessando a sua inutilidade e pouco
préstimo, beijou a mão a El-Rei, sem cuja vontade bem
sabia que pouco ou nada faria no Maranhão, e deixando o
negocio por conta de Deos, a quem o encommendou com
os maiores fervores do seu virtuoso affecto, se retirou con­
forme com a divina vontade.
Foi-se dispondo para a viagem, como Sua Magestade lhe
tinha determinado, fluctuando aquella alma entre o tem or e
a esperança até aos 21 de Novembro, v e s p e ra da p a rtid a .
om quo por momentos esperava o real decreto que havia de
ser para elJe o formidável raio, com que por h u m a vez se
consummissem todos os seus desígnios.
Passou-se este dia (e em que tormenta se não passaria a
noite?) sem que tivesse noticia de cousa algum a; e em bar­
cando-se com os companheiros, sem lhes dar parte de nada,
no seguinte, que era o da partida, entre gostos e receios,
fez com que sahissem logo pela barra fóra, esperando como
da vez primeira o encontro de algum Ministro, que o fizesse
retroceder a viagem, embargando-lhe os vôos e cortando-lhe
totalmente as azas das suas já menos alentadas esperanças,
ex vi do decreto que Sua Magestade ajustou m a n d ar-lh e ao
partir.
Erão nove horas d am an h ã a e já a caravela com muita va~
sante ia sahindo a b a r r a com vento tão galerno, e veloci­
dade tão grande, que ao que ao Padre parecia calma, p a re ­
ceu aos navegantes a mais violenta briza.
Gomo o vento era todo de servir, em breve tempo la rg á -
rão por popa as torres c perderão de vista a terra.
Entrou então o grande e assustado coração do P a d r e
Vieira a largar lambem as velas aos seus d e s e j o s ; e sem
poder penetrar o motivo de hum a tal novidade depois de
tantos empenhos do Soberano, ficou entendendo que sendo
a causa toda de Deos, por sua conta tomára o seu feliz suc­
cesso e desejado e x i lo ; fazendo, ou que o Monarcha se e s ­
quecesse do decreto, ou que se lembrasse a tempo em que
já pela partida da caravela não poderia sortir o remedio
desejado.
Parece quiz Deos deste m odo fazer a vontade ao seu
servo, que não ha duvida sentia apartar-se da Côrte contra
a vontade de seu Dei. que quanto mais o impedia, mais
parece que o amava, fineza que ainda despida da Magestade
se fazia summamente attendivel de hum varão, que sabia
como ninguem pesar as circumstandas, medir os tempos e
conhecer do mais fino ouro os seus subidos quilates.
Via-se agora navegando sem encontrar ordem alguma do seu
Soberano, caminhando para aquella terra de Promissão donde
esperava colher tantos e tão formosos frutos, quantas erão
as almas daquelles miseráveis barbaros faltos de fé, faltos de
conhecimento, e sem podê-los obter, por isso que se achavão
sem mestres, sem pastores e sem operários evangélicos.
Voava a caravela cnm vento, mas não tanto a seu salvo.
que depois não experimentasse seu perigo, como logo ve­
remos na carta do mesmo Padre Vieira.
Vencida já por elle em terra a primeira tormenta, pela
qual parece gozava agora no snliir da barra tão favoravel
m onção; obedecendo, ao que parecia, os mares e os ventos
a quem tão prompto, e á custa de tantas fadigas, soube
obedecer ás vozes de D e o s; corria agora no mar melhor
fortuna, que a do Propheta Jonas, porque a agulha da pro­
pria vontade sem declinação buscava fixa o mais seguro
Norte da maior gloria de Deos.
Foi preciso aos nossos mareantes tomar a ilha de Cabo-
Verde, e como não havia commodo na caravela para todos
celebrarem o alto sacrifício da Missa, vendo os nossos Padres
se ia aproximando a festa do Natal, estimárão tomar (como
tomarão) o porto aos 21 de Dezembro, onde quando já mais
socegado estava o receioso animo do Padre Vieira, pegou na
penna, e escreveu ao Serenissimo Senhor D. Theodosio, que
entre os cordeaes affectos, que sempre rendeu aos seus So­
beranos, era este Principe a quem tinha consagrado maior
e mais affectuosa veneração.
Diz pois na sua caria ao seu amantíssimo Principe, na
qual dá bem a conhecer em como a sua ida para o Mara­
nhão fôra toda obra da inexcrutavel Providencia do Altís­
sim o, vindo, sem querer vir, e desejando íicar, sem querer
flCclF
Ninguem m elhor que o Padre Vieira para se explicar,
com o quem foi sempre muito claro no seu dizer.
« Não sei, Senhor, que diga neste caso, senão, ou que Deos
não quiz que eu tivesse merecimentos nesta Missão, ou que
se conheça que toda ella he obra su a ; porque a primeira
vez vinha eu contra vontade de Sua Magestade, mas vinha
por minha vontade, e agora parti contra a de Sua Magesta­
de, e contra a minha, por mero acaso ou violência, esen ella
houve alguma vontade, foi só a de Deos, a qual verdadeira-
mente tenho conhecido em muitas occasiões com tanta evi­
dencia como se o mesmo Senhor m ’a revelára.
(( Só resta agora que eu não falte a tão clara vocação do
Céo, como espero não faltar com a divina graça, segundo
as medidas das forças com que Deos foi servido alentar
minha fraqueza.
« Emfim, Senhor, venceu Deos.
«Para o Maranhão vou voluntario, quanto á minha primeira
280
intenção, e violento quanto á segunda, mas mui resignado, e
mui conforme, e com grandes esperanças de que este caso
não foi acaso, senão disposição aItissima da Providencia Di­
vina , como já neste Cabo-Verde tenho experimentado em
tão manifesto fruto das almas, que quando não chegue a
conseguir outro, só por este posso dar por hem empregada
a Missão e a vida : o muito que nesta terra e nas vizinhas
se póde fazer em bem das almas, e a extrema necessidade,
coin que estão, aviso em carta particular ao nosso Bispo do
Japão, para que o communique a Vossa Alteza, e o modo
com que facil e promptamente se lhes póde acudir.
« Não encareço este negocio, que he o unico que hoje
tenho no mundo, e o unico que o mundo devia ter, porque
sei a piedade e zelo de Vossa Alteza, pelo qual Nosso Senhor
o ha de fazer por este serviço, não só o maior Monarcha da
terra, mas hum dos m aiores do Céo.
« Ku não me esquecerei nunca de o rogar assim a Deos cm
meus sacrifícios, offerecendo-os continuamente como hoje
fiz os tres, hum por El-Rei, outro pela Rainha Nossa Se­
nhora, c outro por Vossa Alteza, e o mesmo se fará na nossa
Missão tanto que chegarmos a ella, e em tudo o que nella
se obrar e merecer terão Suas Magestades e Vossa Alteza
sempre a primeira parte.
«. Principe e Senhor da minha alma, a graça divina móre
sempre na alma de Vossa Alteza, e o guarde corn a vida,
saúde c felicidade, que a Igreja e os vassallos de Vossa
Alteza havemos mister. Cabo-Verde, 25 de Dezembro de 1652.
—Antonio Vieira. »
A formalidade da primeira carta , e d e s ta , ponde­
rando as desculpas da sua viagem, nada prova a favor do
genio e critica portugueza, como já notei, e torno a adver­
tir, querendo attribuir a desconsolação do Padre, o que foi
muito^ proprio do seu ardente espirito e grande zelo da
salvação dos índios do Maranhão, não tendendo a outro fim
mais que a desculpar politicamente a sua partida, e de
nenhuma sorte mostrar esfriada a sua firme resolução.
Bem deu elle a conhecer, quando no armo de 1655 vol­
tando ao Bcino a buscar o remedio das injustiças, que se
idziao contra os miseráveis índios, se oppoz vmorosamente
a El-hei, que o pretendia deixar ficar na Corte, vencendo o
seu zelo a vontade do mesmo Soberano, e cedendo esta ao
maior serviço de Deos, e proveito daqucllas almas, como a
’Ni

'" i; veremos, ardendo s em p re nolle o desejo de a ca


,a; a : ; ! ,a f trc ^ b arbaros, a não sor mais p o d ero sa
pn. h daquelles povos, a r r a n c a n d o -o prim eiro do s e u
m .! ío p a ia o m a n d a r para o Reino desterrado, como o p -
í snas conveniências na valorosa delesa com q u e
Inmemn rcie
n todas
t n f CaVa, S-° roebaserv
as leis rs . asscm como tão importantes ao
m d d ' N 1!;' Ilist01;ia “ f ú.a r i lleslc clar0 lestem uoho a maia
GMdentc p u n a : iicanoo mnegavel qnc o liso e sincero p r o -
Z ; r ií0 ?°1 ^ i m r a só queria concordar nacjuella
cai ia a vontade do Lei do Céo, c sua, com a do Rei o P rin ­
cipe da te rra .
. Sabendo, como ião sábio politico, que só assim se n o d e -
ria a d ia n ta r a cjue 11a Christandade.
Cedao pois as so m b ras de tão grosseiros discursos ás
claras o patentes luzes do P a d r e Vieira, e saiba o m u n d o
q n e esta g ra n d e aguia só iitava os olhos naquella carroca
u r i que rodava m agestosa a m a io r gloria de Deos
, Clm c.° (?if 80 ít.eteve a caravela em Cabo-Verde’ os quaes
acabados, levou lerro, c so pôz lesta a seguir viagem aos
. 111081110 D ezembro, cm q u e em b arco u o P ad re A n -
omo Vieira com seus tres c o m p a n h e i r o s , os P adres
Vanoe! de Lima, M athens Delgado e Manoel de Souza, dei­
xando naquella ilha h u m suavissimo cheiro de suas v ir i u -
<!es, o nao pequenos exemplos da sua excellente caridade
0 10iif i ° sa niodestia, o a todos os m o r a d o r e s tão cheios de
sau d ad es como movidos de desenganos.
... Í!R'° 1108 'Ico á larga noticia a m esm a carta do P ad re
u e u a , que só com h u m a ta o sublim e penna be quo p o d ere­
m o s acre d itar nossos escriptos.
. J í diS8cm08 como o P a d re Manoel de Lima com seu com­
p anheiro o P ad re Manoel de Souza, não podendo to m a r (por
mais que o seguirão pela b a r r a fora cm h u m b a r c o ' d o
alto) o navio 'cm q u e ia a Missão do M aranhão, arribarão á
,ei'r a ’ motivo que obrigou ao dito P a d r e a fretar h u m a
caravela p a ra den tro em vinte c q u atro horas partir, e os ir
u ri çmi na J l h a da Madeira, p a ra da hi se p assarem ao navio
do Maiatmao, q u e p rccisam en te havia de tomar aquelle
porto. 1
. V in cspeiada vinda do P ad re Vieira foi causa de m aior
1 í>moia, 0 (lu0 0 Ice te ate a ilha se estendesse até ao Ma­
r a no
Kra a embarcaeao pcqueiia, c os passageiros muitos, p a i l e
,lc, distinccão, em que entrava hum Vigário Geral do Kslano
c h u r n Syndicante, c outras mais pessoas religiosas c cie
respeito, o que precisamente havia de lazer por ialta de
commodo, mais pesada e desabrida aquella derrota. _
Vinte e cinco vezos sabemos, embarcou o grande vieira, e
não obstante empregasse em todas o exercício de suas he­
roicas virtudes, nesta porém pelas circumstancias se expe­
rimentarão mais os influxos do seu caritativo trato. _ _
Tão solicito sc mostrava no corporal, como no espiritual
dos navegantes.
Por tradição sabíamos, que o costume de se rezar o te rç o
da Virgem Senhora nas nossas náos portugnezas fôra intro­
duzido' pelo Padre Vieira, nas muitas vezes que andou e m ­
barcado, e porque as vivas e efficazes razões com que m o ­
via os homens do m ar lhes ficárão impressas no corar ao,
de humas para outras náos sc foi communicando esta sua­
víssima pensão ; porque buns aos outros sabião promover
a devoção e cordial a flecto á Mãi de Deos.
Passou esta tradição á evidencia, quando o vi firmado
pela sincera e nada affectada penna do mesmo Padre, de que
resultará maior credito a esta nossa asserção.
(í No Maranhão, nas Ilhas Terceira, S. Miguel e Graciosa,
e em lodos os navios cm que naveguei introduzi o rezar-se
o Tereo do Rosario publicamente a córos, donde se tem p e ­
gado esta devoção a quasi todos os navios mercantes c das
armadas, por industrias claquelles mesmos marinheiros que
comigo assistirão. »
Assim sabia lucrar no convez, quem frutificou tanto
para Maria Santíssima no pulpito brados que ainda boje se
ouvem no singularissimo Tomo dos seus Sermões do Ro­
za rio.
Já dissemos em como a 26 de Dezembro desferio velas do
Porto de Cabo Verde para o cio Maranhão a caravela em que ião
os nossos Padres, que, como até então tinhão obrado, conti-
nuárão os exercícios da sua caridade até o Maranhão, sendo as
rações dos passageiros mais necessitados as prim eiras q u e se
repartião n a sua p o b r e m as asseiada m esa. Pregava o P a d r e
Vieira todos os dom ingos c dias santos, dizia algum as missas,
a que m uitas vezes se ajuntava grande n u m e ro de confissões
e com m andoes. A doutrina corria p o r conta do P a d r e Ma­
noel de Lima. A frequência da oração, a que sem pre p rece d ia
í(\ I
lir.-io espiritual da vida dos Santos, ora abraçada tio m a i los
o louvada do todos, c todos os dias se cantava o Terço, q u e
se concluía co m a ladainha, salve e b e m d i t o da Senhora. Aos
in a is provectos na virtude explicava e dava o mais a c c o m m o ­
datio m eth o d o de o r a r , não faltando lam bem ao exame da
consciência, era qao muitos acom panhavão os P ad res ao
som da cam painha, de tal sorte que a erran te embarcação
parecia collegio de Religiosos e c o m m u n id a d e de Reformados,
com tantos e tão santos exercícios. Chegarão ao porto da
Cidade do M aranhão aos 10 de Janeiro, cm que d esem ­
b arcarão e forão recebidos os nossos Padres, filhos todos
da sua p ersu asão e espirito, com m ostras inexplicáveis cie
alegria, e não m e n o r consolação do suas almas. Isto o que
em s u m m a o b ro u e obrava o g ran d e espirito do P ad re
Pieira nas suas viagens, claro testem u n h o cias sitas virtudes,
q u e as suas g ran d es letras e erudição parece que cie algum
m o d o escurecerão, levando todas as attenções os gera cs e
comments applausos do pulpito. Taes os genios da corte,
ta es as etiquetas da politica do m u n d o , estimar mais o que
aos olhos clô Deos avulta menos, vindo aqui m uito a p r o ­
posito o dito do doutíssimo P ad re-M estre G aspar Ribeiro
escrevendo ao erudito P a d r e André cie B arro s, digno a u to r
cia vida do nosso incomparável lieróe : « Se o m u n d o as
visse no púlpito (falia das virtudes) sem sobrepeliz, seria da
opinião que concebi, e ainda conservo, persuadido que entre
tantos talentos n a tu ra e s e de espirito, o m e n o r no P ad re
Antonio Vieira era o de p reg ad o r. »
F o rão ta n ta s e tão m iúdas as particularidades desta aben­
çoada navegação, que m e pareceu as não poderia exprim ir
com p h ra s e mais p ro p ria, que a do P ad re Vieira d e s crev en ­
do-a com todas suas circ u m s ta n d a s ao P ad re Provincial do
Brazil, em carta feita no Maranhão aos 2 2 de Maio de 1653.
<( Muito Reverencio P a d re Provincial. — Começo a escre­
v e r esta a Vossa Reverencia em 22 de Abril, em que fazem
cinco mezes do dia que partim os cie Lisboa, dos quaes quasi
dons forão cie navegação : e como da terra não ternos mais
que tres mezes, he pouco o que posso dizer a Vossa Reve­
rencia, m as desse pouco se verá cm parte o m uito q u e
desta Missão sc p ó d e esp erar.
« Partim os do Lisboa os Padres Manoel de Lima, Matheiis
Delgado e eu. aos 22 de Novembro em um a caravela ou
b a r r o de A dam a de (10 b m e l a d a s . o qua! negociou o Parir*-'
Manoel de Urna c o m g r a n d e p r e s s a p o r o o c a s i ã o d a s u a
arribada, d e q u e já dei conta a Vossa Reverencia. No m e s­
mo dia p o r noite alcançám os as cinco n áo s, liu m a p o r tu -
gueza o q u a tro hollandezas, q u e naquella m a d r u g a d a tiiihão
partido de Paço de Arcos para os p o r to s de P e rn a m b u c o ,
em cuja conservação navegám os em popa os p r im e ir o s dez
dias, e sendo tanto avante como a Ilha da Madeira, u m
sabbado á ta r d e avistámos tre s velas, d u as das q u a e s se arra-
zárão em popa logo sobre nós, p o r vir a prim eira m u i to sota
venteada. R eco n h ecem o s s e r e m fragatas d e PecheSingues (*),
muito p equenas e s e m bcque, a q u e (dies cíiamão pingues,
mas muito b e m velejadas, a r m a d a s c g u arn ec id as d e gente.
Quiz Deos que lhes ti cassem os muito a b arlavento, p o r q u e se
viessemos n a esteira dos o u tr o s navios sem d uvida seriam os
sua presa aquella ta rd e . P orão logo d e s c a r r e g a n d o a arti­
lharia s o b re os nossos, que mal lhes resp o n d ião, sendo
todos m uito m a io re s e tão h e m artilh ad o s como elles, m as
a gente lie q u e faz a guerra. Indo assim todas na. m esm a
volta sobreveio a noite, com a qual c o n s id era n d o n ó s que
não podíamos servir aos c o m p an h eiro s mais que d e em b a.
raços, n em elles nos podião d a r muita defensa, s e g u n d o a
pouca resolução daquella ta rd e , nós a to m ám o s d e v irar em
outra volta, na qual fomos toda a noite e m u m a la rg a , e ao
am an h ecer nos ach ám o s sós. Demos graças a N o sso Senhor
por nos livrar d a quelle perigo, e lhe pedim os livrasse ta m ­
bém aos co m p an h eiro s ; com eçando logo a c u m p r i r a p r o ­
messa que á Virgem S en h o ra fizemos, de*Ioda a caravela rezar
o Terço do s e u Rosario e m q u an to a viagem d u r a s s e , como
se fez, e aos d o m in g o s e dias santos e m voz alta a coros.
« Na noite s eg u in te, que íoi v espera de S. Francisco
Xavier, nos visitou Deos com o u tro tra b a lh o m u ito maior
que o passado, que foi h u m a g r a n d e te m p e s ta d e com que
co rrem o s fortu n a tr e s dias e tres noites. Era o vento sul, o
coração do inverno, e aquella a prim eira te m p e s ta d e d a-
quelle anno, os m a re s muito grossos, a e m b arcaçã o muito
p equena, e n o s m uito chegados á costa de Portugal ; p orque
a volta q u e fizemos para escapai* ao inimigo foi quasi ao
Norte, c o m q u e desandam os gran d e p a r te do q u e tín h am o s
caminhado, o que tudo junto com os m uitos votos que
víamos lazer a gente do m a r , foi h u m a r e p r e s e n ta ç ã o da
i 1 bordaria, co r rn p cu o V- t i n . porto da H o l l a n d s , d o n d e sa b i ã o cor-
XU i D''
qU'/1 tivuos Ui>s a};ai'í'Sh;'ir5K>s r a ra v;-a, o o ^
iizcrão os dem ais, não havendo n inanem rpm so não con­
fessasse, on geralm enlo on c.omo que a fazia para ir logo dai
contas a Deos.
« Colhido (‘Sic fm lo da tem pestade, quiz Deos quo abo­
nançasse o tem po, com que tivemos lugar do nos porm os
na altura das Canarias, onde nos sobrevierão tão grandes
calm arias, que cm oito dias não podem os saltir de outro
ellas, por mais que para isso nos aproveitássem os até dos
rem os, entrando p o r huns cana os o sahindo por outros.
Rodeám os toda a Gomcira e Ilha da Palm a; vimos de m uito
p erto Lancerote e to d as aqucilas praias e m ares santificados
com o sangue dos nossos M artyres do B razil, com cujas
m em orias m uito nos consolám os; e posto que o lugar de
en tre estas ilhas he tão infestado de todo o genero de co r­
sários, e os m esm os m oradores das Canarias o poderião ser
nossos, pois vinham os em caravela, que era sobrescripto de
serm os Portuguezes, com tudo em todos aquelles dias não
vim os vela nem cousa que nos desse cuidado.
«Na m olestia das calm as, e no aporto dos agasalhados não
fallo, porque quem vem para o M aranhão não padece, m as
hem podéra dizer a Vossa Reverencia que poucas vezes tern
acontecido sahirem de Portugal Religiosos da Com panhia tão
m al agasalhados, como estes P adres vierão, por ser a e m ­
barcação tão lim itada, e os passageiros m uitos, e en tre d ie s
b u m Syndicante, b u m Vigário G eral do Estado, e outras
m uitas pessoas de respeito.
(( Vinhão outros Religiosos na caravela, m as as cousas es-
p iritu aes correrão todas por nossa conta. Nós cantám os
sem pre a ladainha da tarde. Eu preguei aos dom ingos do
A dvento, e todas as festas principaes ; o P adre Manoel de
Lima fez as d o u trin as todos os dias que o tem po e seus
achaques davãolugar, e teve por sua couta o rancho da proa,
fazendo praticas fam iliares e repartindo livros espirituaes; e
nesta m esm a conform idade, em sendo noite o P adre Manoel
de Lima, e o P adre M atheus Delgado, hum se ia para o b a ­
tel, outro para a pôpa, que erão os dous lugares da con­
versação da gente do m ar, corn que toda vinha a ser cousas
de Deos, e se evitárão p o r este modo m uitas praticas, que
e n tre esta gente costum a haver, de que Deos se não serve,
e o u tro s graves inconvenientes que delias se seguem .
“ Por dia de Nossa Senhora da Coneeieão se tornou a
con fossar a genie da caravela, e ou Ifíís o íizerao. Doentes
d , '10 h o u v e r S o m uitos, m as a todos acudim os com ludo aquili o
que trazíam os de regato, sendo sem pre as porções dos doen­
tes as prim eiras que se repartido na nossa m esa.
(( D eu-nos o Padre P ro cu rad o r para que nos servisse no
m ar Imm Índio, que tinha vindo do Prazi! com os Padres, ao
qua! servim os m uito mais que ellc a nós, porque adoeceu
duas vezes, e hum a tão gravem ente que esteve á m orte. De­
m os-lhe liinna cama das nossas, e sendo a doença das que
costiim ão a causar m olestia e m aior asco, nós fom os sem pre
os seus enferm eiros, no que m uito edificou toda a caravela
a caridade do P adre M atbeus Delgado, como tam bém no que
exercitou com nosco, assistindo sem pre em cima do fogão c
acudindo a tudo a a todos com grande prom ptidâo, trab a­
lho c desprezo do si m e sm o : e verdadeiram ente que foi p a r­
ticular providencia de Deos m an d ar-n o -lo nesta occasião,
porque sem esto soccorro passaríam os m uito m al.
« Gomo a viagem se ia fazendo tão larga, e não sabíam os
que vento nos renderia adiante, resolverão os do governo
da caravela, que era necessario tom ar o Cabo V erde, como
se fez. Chegámos á villa da Praia aos 20 de D ezem bro, onde
havia duas horas que tam bém tiníião dado fundo tre s nãos
da nossa com panhia, que nunca m ais tínham os visto, das
quaes soubem os que a portugueza as deixara naquella m es­
ma noite, entendendo sem duvida que as o u tras, p o r serem
hollaiidezas, lhes guardarião os Pechelingues m ais respeito;
m as não foi assim, porque abordando hurna a renderão, e
querendo fazer o mesmo a o u tra, forão resistidos com tanto
dam no seu, que a deixarão o as dem ais. No dia seguinte,
que era o de S Thomé fomos dar fundo no porto da cidade,
á hora que já não era de m issa. M andou-nos logo visitar o
G overnador pelo S argento-rnór da praça, offerecendo-rios a
sua casa com prim eiro e segundo recado. T ínham os já re ­
solvido en tre nós, por evitar toda a occasião de doença, que
em quanto ali estivessem os, não tivéssem os o u tra casa mais
que a caravela, salvo se algum serviço dc Deos nos obrigasse
a estar cm te rra.
« Com este presupposto sab ia dar as graças ao G overnador,
e escusar-nos da hospedagem , e vindo-nos recolhendo para
a caravela nos lizerâo a mesma força os P rebendados da-
uuella Sm o particularm ente o T h cso u reiro -m ó r Diogo F u r­
tado de Mendonça, ailogando-nos ter Vossa Reverencia sido
•*> /

...■•it hospedo lodo o tem po quo ali sc delevo a frota. Tam f>0111
mo pedirão quizesse pré gar ao outro (Via, quo era a quart a
dom inga do Advento, 0 isto só acoitei,
«Pela m anliãa desem barcám os todos para dizer m issa, 0
para que 0 serm ão podesse ser de algum frulo, tom ei 0
them a a S. João Baptista, 0 preguei 0 baptism o da peniten­
cia. Obrigarão-nos os ouvintes a que não tornássem os para
0 m a r: houve naqueila tard e 0 na seguinte doutrina, a que
nos acom panbavão com grande am or e devoção, c com g ran­
de m agoa nossa os nossos antigos estudantes, e com elies
sens pais, e toda a cidade.
« Emfim, foi tanto 0 quo Deos m oveu os corações de todos,
cjue em quatro dias que ali estivem os de dia c de noite não
fizemos o u tra cousa que ouvir confissões, c quasi todas
e lla sg e ra e s, já rep artidas pelas igrejas, já na casa onde es­
távam os, que era a do T hesoureiro-m ór, já na ca doa e em
casas particulares de doentes e outra gente im pedida, sem
ficar pessoa de conta em toda a cidade que se nao aprovei­
tasse daqueila occasião, dizendo todos, que nao fora a nossa
ida ali acaso, senão para salvação e rem edio de m uitas
alnaas
(( Não nos podiamos deixar de constar ser assim pelas con­
fissões de grandissim a im portância que fazíamos, reconhe­
cendo então c attribuindo á Providencia p articu lar de Deos
as tem pestades, inim igos, calm arias, e todos os outros des­
vios, que nos fizerão tão dilatada viagem e nos obrigárao a
ir tom ar aquella escala. Os que m ais que todos nos edificarão
forão os reverendos Capitulares daqueila Só, que sao tao a u -
torisados e tão ricos como Nossa Reverencia sabe, os quacs
todos se confessarão comnosco de toda a vida. Além destes
frutos espirituaes que se colherão cm secreto, houve m uitas
dem onstrações publicas, como de am izades, restituições 0
votos, que logo nas Igrejas, nos adros, e pelas ru as publicas
se fazião com grande edificação e dem onstração dos efíeitos
da Divina Graça.
« Mil diligenciass fizerão os da te rra p ara que ao m enos
nos detivessem os m ais alguns dias. Foi 0 ultim o á prim eira
oitava do Natal, em que tornei a preg ar, exhortando a todos
a perseverança na graça recebida, c principalm ento aos Ca­
pitulares, a quem dirigi grande p arte do serm ão, receitei 0
encareci quanto pude, a grande obrigação em que estavao de
acudir ao rem edio do tantas alm as, cias quaes d ie s, sede va-
‘•.•lisle, er, mi h i s lores, e, quo cm fa! la do o t i i r o s Sacerdotes
i d o n e o s , p o i s o s n ã o havia, dev ião olios m esm os visitar os
C l i r i s t â u s das ilhas, o da torra íirm o, sujeitos áquolle Mis-
pado, í i 11o todos e s t ã o em extrem a necessidade espiritual: e
q u e s e para isso deixassem as cadeiras e curo da sua Só
l o u v a r i ã o muito mais a Reos, c llic farião m uito m ais ag ra­
da vel serviço.
« Saquella mesma tarde nós partim os, deixando a todos
os da terra mui sentidos c apartando-nos nós tão obrigados
delies, corno elles ediíicados dos nossos P adres que ali e s-
li verão, os quaes com seu exemplo o religiosa vicia nos gran­
ge,'irão para todos os da Companhia esta grande benevolencia
o amor.
«' Desejou o Cabido e a cidade, que dos quatro ficássem os
nun. d ies ao menos dons, c esta petição nos vicrão fazer em
nome do Clero ou Vigário Coral, cem nom e da cidade os juizes
e \eread o res em firm a de Gamara, e estes nos offcrccêrão
huma petição por escripto coin bum relatorio tão largo da gran­
de■necessidade de doutrina que dentro e fora daqueílas ilhas se
Padecia das almas, que por falta de quem lhes adm inistrasse os
Sacramentos se estavão perdendo do am or que sem pre tive-
i'ão aos da Companhia, da pontualidade com q u e lh esco n ser-
vcvao a casa e fazenda que elles deixarão, da prom ptidão
ciirn (jue eslavão de lhes edificar a Igreja, c os assistir com
bulo o necessario, das instancias que tem feito para que
ihes sçjão restituídos, sem quererem nunca adm ittir outros
Religiosos que de outras Religiões se lhes offerecem , e tudo
com palavras de tanto sentim ento, de tanto respeito e de
lauto allecto a Companhia, que affirmo a Vossa Reverencia
fizemos muito em não nos deixar vencer dc ficar ali, ou todos
mi algum de nós, sc nao sc nos pozora adiante virm os cle-
lerminados a esta Missão, c não haver nella quem a tivesse
a, seu cargo, e pertencerm os á Provincia do Brazil e não á de
Portugal, arquem pertence Cabo Verde, c a não se r esta a
iiiissa vocaçao, sem duvida fora a quelle o term o da viagem .
<{ Estes m esm os desejos, e estas m esm as difíiciildades°lhes
piopozomos, o esta to ia resposta com que os deixámos de
alguma m aneira satisleitos, obrigando-nos a ser solicitadores
com Sua Magcstade, e com os S uperiores da Com panhia,
para que m uito brevem ente se lhes m ande o soccorro de Re­
ligiosos que pedem ; e sobre este p articu lar escrevi bum a
caif.i encarecida, quo li con no mesmo Calm V erde para ir em
com panhia da nova instancia, quo'qucrem fazei* a E l-Bei sobre
oslo too justificado requerim ento.
^ es^a occasi a o tom o a rep resentar a Sua M ajestade <»
e se revo tam bem ao P adre Provincial, para quo acuda a oste
extrem o desam paro, o mio sc dilate hum a tão prande gloria
do Deos c da Companhia, como da Missão do todas armellas
Hhas c te rra firm e sc pode esporar.
(( ^ mi ini partim os, como dizia, na tarde do 2(> do Rczem-
Dro, na nossa caravela de Simão F erreira do Alfarna o am i
nommo aqui por hum a grande fineza quo fez por nós nessa
occasiao, de que nao tivem os noticia senão depois de estar­
m os no m ar. Foi o caso, que pessoas principaes dc Cabo Ver­
de o cham aruo, c lhe ofTerecêrão, que logo lh eco n tariào em
patacas m into mais do que poderia interessar em toda a
viagem , sc naquella ultim a noite sc fizesse á vela íinm ndo
que lho a n e b e n ta ra a am arra, c nos deixasse cm te rra e
sendo assim que todos os passageiros c gente do m ar d o r-
m u o a bordo, c a brisa era tão rija, que com cííeito lhe re­
bentou hum a am arra, foi o M estre tão honrado, que antepoz
-i te e respeito que nos quiz g u ard ar a todo aqtielic interes­
se, que huns c o utros lhe prom ettôrão dc contado, e Iheoffe-
recerao com grandeza.
« Com os m esm os exercícios com que arribám os a Cabo
verde, iom os depois continuando na viagem até ao Maranhão
passando as calm as da linha brevem ente, até que tivemos a
prim eira vista da costa do Brazil, que foi a te rra dos baixos
i c o. lioqiie, sobre a ponta dos quaes nos achámos hum sab-
bailo a m eia noite com trin ta braças do fundo. Ha dahi ao
M aranhao m ais de trezentas léguas, e todas as andám os com
pouco panno em tres d ias; tanta be a c o rre n te das u n ia s.
« A noite de terça-feira á q u arta, c da quarta para a quinta
passam os sobre ferro, porque s e n ã o póde ro d ear a ilha
nem accom etter a barra senão de dia, p o r serem m uitos os
baixos, c todos alagados. Na tard e de quinta-feira Mj de
. aneiro, vespera de Santo Antão, Pai de todos os Missionários
das nossas conquistas, entrám os fm ahncnto p ara d e n tro : e
allirm o a Vossa Reverencia, que quando m e via chcmar a
salvam ento ao M aranhao, era com grandissim o sobresalto
p orque depois que vi que Dcos nos dividira esta Missão
em clous navios, vindo toda junta no m esm o, como a m inha
confiança em Dcos he tão fraca, sem pre rceeici, que fosse
p o r haverem dc te r (liíTerente fortuna as duas viagens; mas
.o7
200 _

clnvou ;i bordo ;i primeira canòa, que nos dou nova da che­


gada d os Padres, c então acabámos do nos alegrar da nossa.
Vierão Jogo buscar-nos á caravela o Padre Francisco Velloso,
e o Padre Tliomé Ribeiro, os quaes me pagarão em alegres
abraços os tristissimos que eu lhes tinha dado, quando nos
apartámos no rio de Lisboa.
(( Se a alegria de entrar no Céo tem na terra comparação,
foi esta. Seja o Senhor louvado, que vindo em tão differentes
tempos e navios, c a huma costa de tão desacreditada na­
vegarão, c na peior monção que ha para cila em todo o anno,
a huns e outros nos trouxe a salvamento. Queira Sua Divina
Magcstade, que seja para todos fazermos o a que viemos, e
o servirmos como por tudo nos merece, etc. »
Até aqui o grande Padre Vieira, tão largo nos alheios,
como curto nos louvores proprios, dando assim alegre fim
á sua tão desejada navegação.
Forão tão vivas c efficazcs as razões que de Cabo Verde
escreveu o Padre Vieira, que ponderadas pelo grande juizo
de Sua Magcstade c do Principe D. Theodosio, como não
ardia menos em seus reaes peitos o fogo da propagação da
nossa fé, e a salvação das almas dos seus vassallos, atten­
dendo á obrigação que tiidião de lhes acudir com o remedio,
mandou o Piíssimo Rei, que se estabelecessem duas glo­
riosas Missões, huma de Religiosos Relormados de S. F ran ­
cisco da Cidade em Cabo Verde o costas de Guiné, e outra
do exemplarissimos Carmelitas descalços em Angola e mais
Ilhas adjacentes. De sorte que como ao grande Gregorio se
deu o nome de Apostolo de Inglaterra, pela fé que ali m a n ­
dou promulgar, assim ao grande Vieira se pôde d ar o de
Apostolo, não só da America, pelo muito que nella obrou,
levado da força de seu ardente espirito, senão também da
Africa, pelo que nella promoveu o zelo que tinha do bem de
tão desamparadas Ghristandades, que ao fervor e valia do
Padre Antonio Vieira deverão e deverão o grande lucro es­
piritual com que as enriquece a vigilância c cuidado de tão
santas c esclarecidas familias.
Isto o que obrava este heróe na Africa ; depois veremos o
muito que soube trabalhar na nossa America, para onde a
vocação do seu fervor o chamara, para o que não bastando
bum só, nem ainda mais capítulos, será preciso b u m livro
inteiro para huma parte da narração das suas illustres c
memoráveis acções.
l.m quanlo elJc com^scus com panheiros doscansão da via-
e so congralulão na com panhia de seus tão bons e
am ados Irm ãos, passemos ao quarto livro, quenos está cha­
mam o a rigorosa chronoíogia dos annos, para referirm os os
apostolieos exercícios dos nossos dons Padres na Capitania e
Cidade do G rão-Pnrá. 1
M V R© IV .
no QUE SE SEGUIO DA ENTRADA DA COMPANHIA NO PARA', E DA DO
PADRE VIEIRA NO MARANHÃO.

a m m o i.

FUNDÃO AOUIvLLA CASA OS PADRES SOUTO-MAJOR E CASPAR


FRA(10SO, E DAS OONVEAJENO!AS ESPIR1TIIA.ES OUE
RESULTARÃO.

E m o capitulo penúltim o do livro terceiro deixám os os


nossos P adres João de Souto-M aior e G aspar Fragoso nave­
gando para o G rão -P ará, m aisconíiados nossoccorros divinos
que nos favores lm m an o s; porque o serem novos, assim no
clima como na te rra não deixaria de Ilies oílerccer logo nos
princípios as difíiculdades, que se fazião inseparáveis do seu
bom zelo e santos desejos. Erão estes o fundar naquella
cidade hum Collegio como Sua M agestade ordenava, em que
se exercitassem os m uitos operarios que havião de sa lair á
vasta c trabalhosa conquista do tantos s e rtõ e s ; divididos
com a variedade dos rios, e diversidade de nações; que pelas
dilatadas m argens de suas correntes se fazião ao m esm o
tem po im praticáveis pela barbaridade c peio num ero, sendo
o qu e mais avultava entre todos, o tão celebrado rio das
Amazonas, cm grandeza o m aior de toda a America, povoado
de hum a c outra parte das mais incultas e bellicosas gcíin-
lidades daquelle sertão. Fazia-se tão precisa esta praça de
arm as para os novos soldados de Christo, que sem cila se
im possibilitava a ernpreza daqucllcs vastissim os d escobri­
m entos, em que mais as suaves vozes do Evangelho, quo os
estrondos de Marte havião do cooperar para a desejada con­
quista daquelle innum erave! Gentio.
Tiniião vindo estes fervorosos Missionários na seg u n d a
Missão quo Vo io para o M aranhão. par lindo do Lisboa aos
'±\ do Setem bro do 1G52, c chocando á quel la cidade aos 18
de Outubro do inosnio armo, enviados lodos, como já disse­
m os. pelo fervoroso o prande P adre Anlonio Vieira, S uperior
já de toda a Missão, porém detido ainda na corte pelos m o­
tivos já apontados nesta h isto ria; cujas ordens seguindo
agora o Padre Francisco Yelloso, rom oítêra os dons P adres
para o Pará, por serem os nom eados por aquelle grande
talento, como quem previa na actividade e virtude de am bos
os acerlos e feliz exito daquella tão necessaria, como d ese­
jada fundação, assim para a conversão dos Gentios, como
para a espiritual conveniência daqnolles m oradores.
Aos 5 de Dezembro de 1052 chegarão ao porto dosIa
illustro cidade, a que a serie dos futuros tem pos havia de
coroar rainha entre todas as mais daquelle Estado, vindo a
ser cabeça a que por então era hum pequeno e não m uito
avultado m em bro de seu tem poral e espiritual governo. Dia
sem duvida felicissimo, o digno de m em oria pelas felicidades
espirituacs, que dei!o pela successão dos annos se seguirão
para lodos uteis, c para ninguém escassos, c para os annaes
da Yicc-Provincia illustre, não só pelo muito que ella se
honrou cm contar por seus prim eiros fundadores a tão in­
signes Padres, mas também pelo m uito que elles obrarão na
prescrito conquista, em abono da eleição do grande P adre
Yieira, credito da Companhia e serviço de am bas M agestades,
como m ostrará a historia, sem que padeça affectação a ver­
dade, e violência o credito, por serem forjadas na m esm a
officina dos que nos deixarão suas noticias na fidelidade e
singeleza de seus escriptos.
Mas antes que ao seu edifício lancem a prim eira p ed ra os
nossos fervorosos fundadores , perm ittão-m o os leitores
huma pequena digressão, com a qual ainda que brevem ente
sera preciso cortarm os o tio da historia, para que esta não
padeça para o futuro a falta de averiguação, que precisa-
m ente terá experim entado na m enos ajustada noticia que
nos seus Annaes historicos do M aranhão dá o illustrissim o
historiador Bernardo Pereira de Berredo, G overnador e
Capipio General que foi daquelle E stado: affirmando nelles a
sem lc.itores no livro 13. que os Religiosos da Com panhia
tinliao repetidas vezes procurado fundar no P ará, sem nunca
0 poderem fazer, senão agora. Não sei onde esto erudito
Aimaiisla (mídoii a legalidade desta nolicin. sendo lolalm enle
- 195

opposta aos docum entos o indisputáveis m em órias dos


nossos cartorios, que a vêl-os o m esm o autor, não nos dif-
íicultaria tanto a nossa entrada naquclla cidade, nem a seus
m oradores privaria da gloria de nos receberem então nos
braços da sua grande caridade, grandeza c singular carinho,
nos princípios da nossa fundação, como m ostrará a rigorosa
chronologia dos m esm os tem pos.
Já dissem os no prim eiro livro desta nossa historia ser o
prim eiro Jesuita que pisou as te rras do Pará o fervoroso
Padre Luiz Figueira, no anno de 103o,para onde passou do
M aranhão com o intuito do descobrim ento das gentili-
dades do grande rio das Amazonas. R etirado este a
P ortugal a pedir novos operarios, se seguirão os P ad res
Christovão da Cunha c André de A rtieda, da nossa Com­
panhia da Provincia de Q u ito , m andados p or aquella
real audiência na com panhia de Pedro Teixeira, no anno
de 1 6 3 9 , em que passárão a Castella. D’ahi a q u atro
annos, no de 1 6 4 3 ,avistou o Pará o sobredito P adre Figueira
com a sua gloriosa Missão de 15 Religiosos, que na m esm a
b a rra íizerão deplorável naufragio, não escapando m ais do
que o P adre Francisco Pires e os dons Irm ãos Antonio de
Carvalho e Nicoláo Teixeira. 0 prim eiro passou logo para o
M aranhão a b u scar as ordens de seu S u p erio r: o Irm ão Car­
valho partio desta p ara m elhor vida, e o Irm ão Nicoláu
voltou para Lisboa a co ntinuar os seus estudos.
Estas e não m ais forão as entradas dos Religiosos da Com ­
panhia no Pará, e todas ellas transeuntes até este anno de
1652, em que entrou de assento nesta cidade, com as che­
gadas dos P adres Souto-M aior e G aspar Fragoso ; o que
posto, se faz m enos attenclivel a asseveração de tão sabio An-
nalista, p o r ser talvez m enos pura a fonte onde bebeu esta
n o tic ia; não faltando tam bém quem reílectisse, o quão dimi­
nuto se m ostra sem pre este autor nos seus escriptos, por
não co rrer tam bém a sua penna em nossos louvores, lem­
brado talvez de alguns encontros no seu governo sobre a li­
b erd ad e e isenções dos Índios, que defendíam os, e não são
deste lugar, por não faltarm os ao devido respeito ao distincto
caracter de tão illustre Fidalgo.
Mas a causa que, a m eu ver, lhe fez passar a seus escrip­
tos esta opposição foi, ao que parece, valer-se das noticias
de hum Paulo da Silva N unes, acerrim o inimigo das Religiões
daquelle Estado, em especial da Companhia, contra as quaes
:uii!<•'.va cm requerimentos na curio o Cidade do Lisboa, com
I)a;)i•is o razões, quo b em davão a conhecer na sua falsidade
a sua insaciável paixão, tudo afim do atropollar a liberdade
dos Índios o li r a r-lh e s o arrim o d.os R egulares, e cru esp e­
cial da Companhia. A. este patrocinava então o a u to r dos
Amiaes, ao tempo quo escrevia, a q u em la m b e m favorecia
muito o respeito e letras do Ií!m. Sr, Paulo de Carvalho (*),
nosso inimigo; e era faetivel tomasse este autor delle a espe-
c i e q u c nos fizesse mais odiosos para com acjucile povo, sendo
tanto pelo contrario, quo em tudo nos ajudarão, conforme
o perrniLtião então as suas posses, experim entando se m p re
e m nós m ostras de agradecidos c serviços de obrigados.
Se os desígnios de Paulo da Silva crão ou não justifi­
cados, não nos pertence averiguar, não obstante saberm os
que no Lim oeiro, aonde veio acabar este m iserável de hum
repentino estupor, o favoreceu m uitas vezes o nosso P adre
P rocurador Coral do Maranhão Bento da Fonseca, em cuja
m ão vicrão depois, e tam bém na m inha, a p a ra r os m esm os
eseripfos que contra as Religiões tinha form ado.
Baste o quo tem os dito, calando o m uito que sobre a
m ateria podíamos dizer, para que aos leitores não faça d u ­
vida o quo dizemos sobre a nossa fundação no P a rá ; c o
que sobre cila c a Companhia narra em seus Annacs aquelle
Jllm. autor seja mais cffeito de não poder por então alcan­
çar m elhores noticias, que nota que sc lhe possa em algum
tem po pôr á veracidade de seus escriptos, por ser to tal-
m ente alheio da sinceridade do nosso animo, haver quem
cm tempo algum st; queixe dos toscos e m enos respeitosos
rasgos da nossa penna.
Como os nossos peregrinos chegarão ao Pará sem m ais
commodo, nem apparelho que o que costum ava dar naqucl-
Ics tempos hum a sum m a e inviolável pobreza, lem brados
dos prim eiros passos que cm sem elhantes fundações tinhão
dado aqiiclles dons astros da nossa Com panhia, um no
Oriente c outro no Occidente, o Santo Padre Francisco Xa­
vier o o Venerável Padre Mestre Simão R odrigues, prim eiras
luzes da nossa Religião, modelo de M issionários fervorosos
c fundadores circum spectos da Companhia em hum c outro
hem ispherio.
Buscarão, como filhos da sua doutrina, as casas da Misc-
( ) Inmio do Marquez ele Pombal, e que depois sendo Inquisidor fez q ueim a r
o infeliz .Missionário Padre Pabriel líaíayrida.
lic o n lia , p a r a q u o o sou e x e m p lo o ed ific aç ão d a v id a fo s s e m
ns p r i m e i r a s p e d r a s q u o a g i s ia s s e m p a r a a q i i e l f c c d i i i c i o .
to d o , p o r e n tã o , e sp iritu a l n a aclm inislrar.no, e x ercíc io c
lo u v á v e is m in is té r io s d o n o s s o lo u v á v e l I n s tilo lo, n ã o fal­
ta n d o ao s pui pilos c o m a d o u trin a , ao s c o n íissio n ario s c o m
a assislcn eia , o a to d o s c m g e ra l c o m os b e n ig n o s e e n g e ­
n h o so s b u ím o s da sua g ra n d e c arid ad e.
E r ã o g r a n d e s a s c o lh e ita s e p a lp a v e is o s f r u t o s q u o ('sia
s e á r a o H er cci a a o s i n c a n s á v e i s e n o v o s o p e r a r i o s , q u e n ã o
o b r a r ã o p o u c o n o s p r i m e i r o s d o n s m e-zes d a s u a e n t r a d a ,
a s s im n a r e f o r m a d a s vidas, c o m o n o so c e g o d a s c o n s c iê n ­
c i a s c m t e m p o s t ilo c r i t i c o s , q u e , a l é m d a p e r í c i a d o s m e ­
dicos, n e c e ssita v a la m b e m da suave e c o m m o d a applicaeim
d o s r e m e d i e s , q u o p o r e s p i r i t u n e s s o far ião m a i s i n a p p l i c a -
veis á q u a lid a d e d as d o e n ç a s , so n d o m a l q u e to cav a a m u ito s ,
a s e n s u a lid a d e p elo clim a, a a m b iç ã o pela n e c e s s id a d e , J m -
m o r e s e m q u e p e c c o u s e m p r e a l a l a . 1 e o u s t i U v ç ã o (3 h a r m o n i a
da q u e l l e c o r p o politico.
cias p o rq n o o in te n to d o s P a d re s ora la m b e m e sta b e le c e r
c a s a n o s s a n a q u e l l a c id a d e , c u i d a r ã o lo g o e m b u s c a r sitio
p a r a a f u n d a ç ã o , e f o r ã o o s p r i m e i r o s q u e , p o r e n t ã o , lo~
rn árão tuins c h ã o s ju n to d o m a to p a ra a p a rte d a c a m p in a ,
qu o son do b o je a m e lh o r , situ ação d aq u eila c id ad e, e ra
n a q u e lle te m p o a p a rto m a is r e tir a d a , e p o r isso d o s P a d r e s
m ais ap p etecid a.
J u n to ás casas de u m F ra n c isco R ibeiro se a chav ão estes
c h ão s, p e rte n c e n te s aos R elig iosos d a esclarecida O rd e m de
F o ssa S e n h o ra das M ercês, n o m e sm o lu g a r c m q o e alg uns,
p o r tra d iç ã o , a ílirm ã o se a c h ã o ho je as c a sa s do R e v e re n d o
C o m m i s s a r i o d o S m iio O ílicio, o .P a d re C a e t a n o E l e n t c r i o ,
q u e a liberalidad e e a m o r uequeilcs religiosíssim os P a d re s,
po sterio res á nó s na p rim eira entrada, p o ré m p rim eiro s na
fu n d a çã o , n o s oííeroeeu co m o te s te m u n h o da so a g ra n d e
carid ad e e m h u m com o e te rn o p a d rã o do no sso agrad eci­
m e n t o . E s te o p r im e ir o sitio q u e p a r a s u a h a b ita r ã o ü v e r ã o
aquelles p rim e iro s P a d re s, c m o q u a l fu n d arão Im m a p e ­
q u e n a c asa c o b e rta d e pallia d a te r r a , c o m s u a capeiliníia,
on de p o d e s s e m c o n tin u a r o louvável o p ro v eitoso exercício
dos nossos santos m in istério s.
I t e m via o d o m o n i o a f o r m i d á v e l f o r t a l e z a q u e n o r e c i n t o
d a q u e l l a s p o b r e s p a r e d e s s e fazia c o n t r a o s s e u s d e s í g n i o s
e d i a b ó l i c a s a s t ú c i a s , s a b e n d o m u Ho b o m , c o m o m u i t o b o m .
— ii i IN —

logico, que o zelo dos Padres sempre havia do insistir cm


derrubar ídolos tão antigos em receber culto daquelles liallu-
cinados moradores como os descobrimentos daquellas terras.
It use ou, como tão grande mestre, tres das prindpaes pes­
soas da terra (c forão as unicas) para nellas vomitar, sem
os remorsos da consciência, h u m tal veneno, que facilmente
fundisse por todo o corpo politico daquclla republica. Erão
estes o Capitão-mór, Sargento-mor c Vigário da Matriz
daquclla cidade, a quem a inteireza de vida dos novos hos­
pedes, sempre animosos em perseguir os vicios, causava
não pequenos receios, temendo não se descobrissem tantas
e tão paíeadas injustiças, em que erão mais culpados os que
pretendião segurar o golpe sem descobrir o braço.
juntos os tres conferiào entre si no grande risco que
corrião as suas conveniendas, em que, como mais podero­
sos, erão os mais interessados, o que os Padres não podião
deixar de cortar os fios ás suas pretenções, ou com o voto,
ou com a conta á Sua Magestade, quando as não podessem
impedir, conforme as novas ordens que traziào da corte,* de
cuidarem muito e tomarem á sua conta o governo espiritual
daqueila gentilidade, limitando-se-lhes com isto as amplas o
arbitrarias jurisdicções de que até ali gozavão a seu arbitrio,
e diUicultando-se-lhes os negocios que para diante intentassem,
por não se poderem tão geralmente utilisar do suor e san­
gue dos pobres Índios; muito mais vendo-se o Capitão-mór
precisado a dar, conforme a provisão de Sua Magestade,
huma das aldêas vizinhas para serviço privativo dos Padres,
pagando-lhes, como os mais, o seu salario na fórma da lei,
que foi a fundação que por então aceitou do Piedosíssimo
Monarcha o Senhor !). João IV, o Padre Antonio Vieira, como
já apontámos nesta Historia.
Pareceu ao novo triumvirato, que levar este negocio pela
força, era acção sobre temeraria arriscada, que não podia
deixar de produzir com novo escandalo lmma serie inevitá­
vel de perniciosas consequendas ; pelo que assentarão que
a guerra fosse toda occulta e não a escala vista, que fossem
laes as minas com que se cingissem aquelles reductos, que
podessem segura e irremediavelmente voar todo o recinto
da nova praça ; sendo preciso desampararem-a desgostosos
os mesmos que agora a fabricavão innocentes de tão diabó­
lica e não esperada invasão.
Corno as armas de ambos os partidos temporal e espiri-
íiial se acha vão nas mãos destes poderosos, m ordidos já da
infernal serpente, foi faeil achar ai guns partidários que de
noite rondassem, a casa dos P adres, descarregando nelia a
repetida artilharia de m uitas pedras, o de dia espalhassem
pelos m oradores até ali m uito satisfeitos com os serviços
ospirituaes dos nossos hospedes, qne não convinha favorecê-
los nem concorrer para o seu estabelecim ento, pelos g ran­
des prejuízos que ao povo se liavião de seguir, inclinando-se
os P adres, como era infallivel, para a parto opposta do seu
despotism o cm m ateria cie índios, que era o peccado origi­
nal que inficionava a to d o s ; que desconsolados com as
m uitas e clandestinas perseguições procurarião m u d ar de
domicilio ou p ara o M aranhão ou para P ortugal, deixando-
lhes livre o campo, e ab erta de p a r em par aquella entrada
que_ p retendião te r para os sertões, sendo esta, como na
realidade era, o alvo unico de todos os seus interesses, para
d ar no qual assestavão furtivam ente tantos tiros.
Assim discorrião os hom ens o assim se enredavão as
almas dos que pretendião o p p rim ir a innocencia, por fartar
o seu odio e saciar a inextinguível sêcle da sua cobiça, que
quanto mais bebia, m ais desejava — quo plus sunt poke,
plus sitiuntur aqim — sem se contentar com o que tiiihão,
po rq u e ainda não tinhào o que clesejavão; não duvidando
p ara isso de d escontentar a Deos, e escandalisar aos hom ens,
com procedim entos tão alheios da piedade portugueza, e
m ais proprios cie b arb aro s que de catholicos.
Como os assaltos ás pobres palhoças cia vivenda erão
continuos, erão por conseguinte frequentes as vigilias, conti­
nuos os sobresaltos, que não passassem das pedras ao fogo,
elev assem á escala vista aquella quasi rendida fortaleza,m ais
p o r falta cias forças do corpo, que das valentias do espirito.
Todos resignados nas m ãos de Deos, de quem só espera ­
va o o rem edio em tão vigorosa trib u lação , ás faltas de
som no se seguirão as m olestias do corpo e ás faltas do
su sten to a debilidade das fo rças; vendo-se os dons soldados
de Christo a re n d e r nas pobres camas, faltos os alentos
com notável perigo de suas vidas, p o r ser tanto o desam ­
paro em que se virão que, a não terem por si ern tão fu­
rioso com bate a g rande caridade de D. Cecilia de Mendonça,
m atrona nobre, e das principaes da te rra, por ser casada
com Antonio da F rança, cidadão honrado, que sabião s e n ­
tir os aggravos dos P adres como pro p rio s; acabarião sem
‘'vito

, ! ijVi(i;i á p u r a m sx m sid a d o ; m a s c o m o n a m a i m i a p a s s a s s e
Hvní o quo estes t ã o insignes btmtímiorus l h o s m a n d a v ã o
in [o i o a i a m - L n o cam inho os partida rins d a q m u i a s a c r i l e g a
o t r í p l i c e a l l i a n c e , kng.R:ão os P a d r e s m m m a i s c o ü y c í u o u h
d e s a m p a ra re m a vivenda, o ivcm inoren i-so a ssim d o e n te s
so m o estava o ao (knivento do sa as p rim e iro s b e in íb ilo res
os R eligiosos P a d r e s d e P o s s a d e m o r a d a s M ercês, o n d e a
s u a g r a n d e caridade, p r i m o r o c a r i a d o c o m q u e o s t r a t a r ã o
o s tez e s q u e c e r b r c v e m e n t o o m u i t o q u e n a q i i e l l e sitio
ü n h ã o j)adecido.
S o ja - m o licito r e c o m u K in d n r a o s a n n a c s d a p o s t e r i d a d e
e sta p ie d o s a a cç ão p a r a a C o m p a n h ia e s e u s filhos, d e s te s
d o n s illu s tr e s m o r a d o r e s , o d e s ta Ião R e lig io sa c o m m in li­
d a d o , a (p.;em o n o s s o a g r a d e c i m e n t o c o o l e s s a e s t a d i v i d a ,
p a ra q u e a se u s h e rd e iro s c su c c e sso re s liquo p e rp e tu a d a a
acção de leg ítim os a c re d o re s pelo m e s m o d o c u m e n to q u o
c m no ssos escripfos c o n fe ssa m o s; p a ra q u e com a v e rd a d e
q u e se g u im o s e m n o ssa s m e m ó r ia s n ã o p e rc a m o s n u n c a do
v i s t a o s í i r m e s p a d r õ e s da. n o s s a c o s t u m a d a g r a t i d ã o ; e p a r a
q u e as illustres m a tro n a s da g ra n d e C idade do P a rá sa ib ã o
a p ie d a d e m e m o r a v d d c s u a s a n tig a s a s c e n d e n t e s ; foi
Ião g r a n d e a q n o e n tã o m o s t r a r ã o a u u e lla s s e n h o r a s , q u o
lizerào r o m a r ia s p u b lic a s a o s S a n to s pela s a u d o e q u ie ta ç ã o
dos p e rs e g u id o s P a d re s , p o r q u e , cxcepí-uando os tro s e m p e ­
n h a d o s n e sta diabólica p e rs e g u iç ã o , a m a io r p a rte d o p o v o
o os m a is b e m in lc n c io n a d e s m o r a d o r e s n ã o p o d iã o o n vir
s e m e sc a rn id o as e x o r b ita n d a s dos a p a ix o n a d o s s e q u a z e s
d a q u e lla ím pia o d e s a rra z o a d a c o n d u c ta .
N ã o sei q u o m a i s p o d e s s e m f a z e r a q u e l l a s p i e d o s a s s e ­
nhoras dando b u rn auüieníico te ste m u n h o n a s su as devotas
ro gativ as d o m u ito qn c a m a v ã o a v irtu d e e d ese ja vão a c o n ­
servação dos P ad res, quo n ão d eix arão de e x p e rim e n ta r os
e ííe ilos d e s u a s f e rv o ro s a s d c p r c e a ç õ c s , v e n d o - s e r e s t a b e l e ­
cidos b ro v e m o n te da sa u d e , p a r a c o n tin u a r e m zeloso s e m
se u s c o s tu m a d o s exercícios o apostólicas ta re fa s.
C e m a e n f e r m i d a d e e p a c i ê n c i a tios P a d r e s , c o q u e m a i s
era, c o m esp ecial assistên cia d o A ííissim o, se íb r ã o d e s e n g a ­
na ud o os a p a ix o n a d o s, e so n eg an d o os p e rs e g u id o re s , vind o
por ultim o os p e rs e g u id o s a b u s c a r depois d e p o u c o s dias
a sua vivenda p a ra m e lh o r se e m p re g a re m , c c o m m a is
c o n v e n iê n c ia tios p o lir e s n o s e rv iç o d e D e o s e b e m d a s
« d n i a s ; m a s n ã o foi i s f o l a u t o a s e u s a l v o , q u e o s m o t o r e s .
.;o!

J;o m ( ) c m h u m s' o u l r o j i ' r u o s who n b r i m m s e m a


h r / f ' r t e r m o d o s o n ã o m e D o r e m cm-.' a a P m m . y M .3',* Vi-L-
] n ( ! i ( ) s - m-'-iii c o m c a t i v e i r o (!<,s m o s m n s i i ( - s a r a v u s - - - •
0 <{'!<-'- m a i s I l i e s i o e a v a n o v i v o t i n s s u a i m s m v o i s i c m r h s • p - i j s
s a b i ã o , ^ e x e o p t o o s m a i s t i m o r a t o s (a d o m e l h o r m n s u , :ím/ r i n
<[iio m a i s a s I c i s d o s o n c a p r i c h o o a m b l r ã o , q u o a s d o •.
i m l i a o p r i v a i l o a o s m i s e r á v e i s í n d i o s d a s e e u n i o n 1 ]j_
berclade.
Arnos d o p a s s a r m o s a d i a n t o s e r á p r e c i s o darn m s b r e v e
noticia do i i m u l t i m o d o s t o d e s g n c a c l o t r i u m v i r a t e , s o n d o
corto q u e aos má o s seg u e a l g e m a s v e z o s o c a s t i g o p e l e s
m e sm o s passos c o m q u o a q u e l i o s c o r r e m a Iu i s c a r o o n' •
cipicio a quo os c o n d u z e m a s s u a s d e p r a v a d a s p a i x õ e s ; * p e r
m ittin d o -o assim a P r o v i d e n c i a D i v i n a , p a r a q u e n ã o o bre
tno in có lu m e a i n s o l ê n c i a , nem as m a l é v o l a s a c e d e s d o s cul­
p ad o s c o n tam in e m c o m o s e u m á o e x e m p l o a b o a i n d o l e e
1 oct.í in leuca'o do lantos bons ; v e r d a d e (pio até a mesm a
gentilidado conheceu, o o poeta lyrico com gravo energia
cm d u m a das suas odes co n fesso u : — Raro"<mUu-e<leu!e)u,
scelcslwm proscquUnr pede pena ("‘laudo. — 0 í l a p U ã o - m ó r ,
como p rim eiro no cargo o principal m o to r da antecedente
perseguição, logo cm Maio seguinte, pouco m ais do h u m
armo, no de 1655, quando mais longe se considerava das
u n h a s da m orto, pela ro bustez que lograva, ca hi o nellas tão
rep en tin am en te, que n e m p ara so confessar, n e m dispor de
seus liens, e o q u e mais foi, n e m ainda p ara n o m e a r suc ­
cesso r teve t e m p o ; vindo esto cargo a cah ir pela antiguidade
o g rad u aç ão da sua paten te no Sarg o n to -m ó r da P m ca, que
e ra a s eg u n d a figura na tragédia dos perseguidos P ad re s .
P arece n ão q u i z j t e o s g o v ern asse m u ito aqueila Capitania,
q u e m se achava n ao m e n o s culpado q u e o p rim eiro, estado
a que o tinha conduzido igual p a i x ã o ; pois to m a n d o posse
do governo em 30 cie Maio, dalii a p o u co mais de h u m mex
Ja tinha dad o contas a Decs cia sua vicia ; não constando
q u e pile n e m _scu antecessor d esse satisfação alguma ao
publico, e m u ito m e n o s ao p a rtic u la r d o s P ad res, o b rig an ­
d o - o s a rem ir* a sua vexação com o te rm o que lhes fizerão
assignar, totalm ento opposto ás o rd en s reaes que tinhão cm
s u a m ao cao ^ serviço do Deos c h em das almas dos índios,
a cjiio se clirigião as bom intencionadas'o apostólicas p reteri-
coes cia sua adm inistração, em cujo cuidado descansava já
s e g u r a a vigilância, cio seu Augustissimo M onarcha.
;Í02
0 mnis bem livrado dos Ires foi o Reverendo M g a rio ;
nom uo aterrado com os rem orsos da consciência, e tocado,
rnmo pareceu, da divina graça, trato u na ultim a doença que
,iao tardou hum anno, de buscar a salvação no mesmo baixel
contra o qual tinha excitado a torm enta, que nao lhe laltou
m uito para de todo naufragar, a não te r por si os seguros
da m ão poderosa daquelle Senhor, por quem se tm hao sa­
crificado a m o rre r ou a viver no seu santo serviço c salva
cão do proxim o, deixando os m im os de P ortugal pelas in -
falliveis perseguições que esperavão na A m erica, que assim
costum ava cila então pagar aos cansados operarios o seu tra ­
balho quando o seu espirito mais sc esforçava para m ettei
n0 céo, e tira r do m ão estado em que estavão suas e n re ­
dadas consciências. n
Quem tal d issera! que deste m esm o Sacerdote ja a U tos
convertido, c já reconciliado e assistido pelos oítendidos,
sahiria a tíiág a daquelle m ortal veneno, e hum fatal d esen ­
gano áquelles m oradores, de como pesão na balança da boa
razão o tem or da divina justiça e castigos eternos.
Com os olhos postos na conta que havia de dar a Ueos,
o Reverendo Vigário a quiz d ar ao seu Serenissim o Soberano,
escrevendo-lhe p ara descargo da sua consciência a seguinte
certidão, que vai de verbo ad verbum, e lie hum prodigioso
testem unho da força da divina graça, que a quem d e rru b a
como a Saul p e rse g u id o r, o levanta algum as vezes como
Paulo arrependido, defendendo já com as luzes daquella po­
derosa illu stração a mesm a doutrina que até então im pug­
nara endurecido.
} Advertindo que os desenganos daquella hora em q u e se
achava este bom Prebendado já desconfiado da propria vida,
fazem ser sem suspeita os seus desenganos, e mais atten d i-
veis as suas razões.
Assim pois se pôz a dictar a seguinte conta que deu a Sua
M agestade,por m odo de certidão ju ra d a ,q u e me pareceu cah ir
neste lugar, em bora pertença á clironologia do seguinte
ilUhU'
« Manoel Teixeira, Conego da Sé de Eivas e Vigário desta
Cidade de Belém do G rão-P ará, e de todas as suas Capita­
nias, etc. Declaro que me acho com os Sacram entos recebi­
dos, proximo á m o rte, para ir d a r contas a Deos, pelo es­
tado em que estou, e por descargo da m inha consciência
certifico, que ha m uitos annos que vivo neste E stado, e
n^sim cm rnzao do cxcrcicio deste meu ollicio, como p d a
(Vpi|pTp!miniI CJ0S
1 0 ,10m5J" s mais antigos e experim entados
íle m eu irm ão o Capitão-m ór Pedro
A n i l'S (íllC f01 hnm (los Prim eiros conquistadores, e dos
‘r ! sc n il,i0 os Hiaiores postos e íizorào m aiores entradas
•edos nos e sertões desta costa; por todas estas razões e no­
ticias sei qne nas ditas en tradas, ou fossem de paz ou de
g u erra, se exercitarão som pre grandes injustiças, e crueldades
extraordinarias contra os índios; queim ando-se-lhes suas
povoaç.oes, m atan d o -se m uitos m ilhares delles sem piedade
nem causa, e trazendo m uitos cativos, sem mais razão nem
ju stiça que se r m aior o nosso poder, tirando-os de suas
terras com enganos, e não se guardando fé nem palavra
aos que se sujeitavão e fazião vassallos de Sua M ajestade •
antes tratan d o -o s com tanto rigor e e x c e s s o d e trabalho;
que no espaço de trin ta e dons annos, que se eomeeou
a coiKiinstar este E stado, são extinguidos a trabalho e a
in ~n°’ |Se? U!K 0 a, conta (los fIlie ouvirão, m ais de dons m i-
ioes de índios de m ais de quatrocentas aklcas, ou para m e-
hoi dizer cidades m uito populosas, e nas quaes havia dous
tres, emeo e seis m il frecheiros, fóra velhos, m ulheres e
m eninos, dos quaes todos hoje e das m esm as nacocs intei­
ras quasi nao ha m em oria, sem nunca se a c u d irá tão gran-
t es dam nos e encargos do consciências, antes havendo
sem p re taes governos que continuavão as tyrannias dos pas­
sados, c accrescentavão o u tras de novo.
« Assim mais sei e certifico, que os m oradores deste Estado
so tem servido desde o principio dc grandissim o num ero de
inchos com titulo de escravos, aos quaes por sua m orte
lo ia o succedendo o u tro s, de que ao presente se servem
“ ° - os e vendendo-os pela m aior p a rte com a m esm a
justiça acima d ita ; os quaes índios, além de serem trata-
os ngorosissim am ente, trazendo-os despidos, assim ho­
m ens como m ulheres, com grande indecência, e dando-lhes
m uito m al de com er, e ch am ando-lhes nom es m uito feios e
m lrontosos de que elles m uito se sentem , são castigados
com m uito asperos castigos.
« No_ espiritual, e pertencente ás suas alm as lie m uito
m aio r ainda a deshum anidade com que são tratados, porque
os deixao m o rrer a m uitos sem baptism o, e quasi todos sem
n en h u m outro Sacram ento, indo ao inferno por culpa dos
ditos seus am os ou senhores, que além desta falta do dou-
■M -
,,,,, .. c ' i'i ií!;s imr seas ink-rossos particulares. llms
:;;;;; (, >S 1 * (VatlOS, i1i'?XH>1!10-0s vivor roam m ora-
. <?■:) b ap Usados e ebrisínos, c no on no

ílí^ílííVuio-lK^VIiilM^^r uo campo, eomo r.ni’.nn^ s SívvíIos , som


iioiu sacerdote, sunn slpna! ab;ma dc U rm ta n u a n o ou
v ^ c i,uVwv; ono, vivam nas suas alilèas, com nome do li­
vres a imzo\le todos os uno vivemos nestasparles, I ^ e e m
eluda muiío mnis Arrival o enub cahvcum, o , <.o-
os
vi»rn‘1í nt <lís (/ íi !'((> v.1 .j.tiUi.t m uo iraiao, 1 n<;o sn r como
,. e, s m «1-
l , C e r n i u escravos que Ides não custarão dmnciro
t, r nmbi mmimma - - ™ " ^ ' > oasSim os
lii/m n 'W rv ir cnnVmnnmr.nlu
>1 i ! -! 17
/1 r\ rH

<> n n i v M n n h n c n i o n a
í'(>" suns' vidas 0 do suas almas, porqrm s« t e m /)S m os
í a! runts em terras muito distantes das aídeas, onuc os Ín­
dios mio podem arndlr a fazer suas roras, iiein a traim (.0
V1j i ('; 1j0 lo soas mulheres e íiiíios, e ansemes oellas vivem
ii!, flTei;des offenses dolKms, som donlrina, nem missa c
, ' ; íu; (mnssão, ai ml a peia ob ri^r.ão «la Quaresma 0 11a lioni
,i;i jnorít' 0 ainda m o rrem neste desamparo muitos, poi sei
O vaoor do labaro quando so fabrica muito venenoso ; 0
(.,;ía he, a cansa não só de estarem destruídas 0 quasi aca-
;; j •í S-JIS, (*,01110 C(*dO O S i C m O (; 0 ÍOdiO, IÍ18S U.inJlOlll
,1o OS (ioníios do scrião não quererem descer o viver entro
1HKe, n Ue íenhão desejo ds rocobor a ío de Uirislo,
dizendo iodos a Imma voz : , Quo o não t e m . p or medo
,i 0 [j'jt];níIio, a que os obrb-ão os brancos, o que nao qiicicm a
vis- oaovrer do tabaco, como são mortos o s s e u s parentes. »
Oar. lie matéria de qramussnno ozempío c a que Sua L a -
.eoslaile deve m andar acudir ro m cnica.z c biovo loiiicdio <i
dirar esto inuunliuienlo á salvacao de lautas a mias.
(( boníess n (pie pau* o mina ei up, a e nr
dido muitas p< ■SSOesmle; sóis ( j -■(, i !o f:
n o’ i l>«
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one peco pe h I ão a Decs , dos: a ! Scobssr vIü
nine a que tu i íizm*n da i sen bs perfe í vi i
1i *.'5\,üssivoi a (CUd ir ao 1’eii sedio o o cressi
per icmiias *esUStOo (jiie ■peia hora em u
sir -one. na ra (:; i:e lho 1l i u 1.1dem ]-òr
rojas ronscienries Socar. r
■ i;o;j; 1i;',j I;,' si.!i esta mim.a ir. reja Ino oi í au i de t m (■!••
k t i i u j do t e t i a , quo co m p re h en d o p(jr eus la alg u m as <iu-
zentas leg nas do com prido e nolla cinco Capitanias a
saber:
« Pará, Gurupy, Gamutá, Gurupú c Cabo do Norte, nas
quaes todas ha povoações de Portuguezes, c estes pela m aior
jiarte divididos m uitas léguas huns dos outros em suas la ­
v o u ras e fazendas, com m uitos rios de navegação diííicultosa
em meio, com que lie im possível serem estas ovelhas cu ra­
das por m uitos P arochos, quanto mais por hum só.
ft. A segunda, porque mesmo neste districto ha m uitas
a Ideas de Índios christãos de diílercnles nações e linguas, c
nos sertões delles m uitos Gentios, a cuja conversão lam bem
estão obrigados os m inistros deste Estado, por viverem em
extrem a n ec essid ad e; c além destes todos os outros índios
qu e servem aos Portuguezes, que não são m enos em num ero,
nem tem m enos im possibilidades os meios de sua doutrina c
salvação, por seus proprios senhores serem os que lh a im ­
pedem e difíicultãOj pelos não tirarem hum dia do serviço
que lhes fazem.
« A terceira e m uito principal, porque os G overnadores
e Capitães-m óres são os que tinhão obrigação de m ais
cuidar na C hiistandade, como Sua M agestade lhes encom -
m enda nos seus regim entos tão pios e tão catholicos, que
parece forão dictados pelo Espirito S a n to ; m as d ie s cegos
do interesse de nenhum a o u tra cousa tratâo senão de°se
aproveitar do su o r e sangue dos ditos índios, ainda que os
acabem nos seus tres annos, sem respeito algum ao bem de
su as alm as, governando com tanto im perio que nenhum Pa­
rocho tem ousadia para lhes fallar a que dê lugar c socego
aos índios p ara acudirem ás obrigações de suas a lm a s; e se
algum algum a vez o faz, he sem nenhum fruto.
« Por estas causas, que digo e torno a dizer por descargo
de m inha consciência, se perdem as alm as, assim dos índios,
como dos P ortuguezes n este Estado, e tam bém tem o que se
pereão em P ortugal as dos que tem obrigação de rem ediar
estes clamnos, e os não rem e d eiã o ; em endando o modo do
governo secu lar que até agora tem havido neste E stado, e
provendo de pessoas ecclesiasticas que tenhão as partes re ­
quisitas de tem o r dc Deos o letras para acudir a tão em ba­
raçadas e desencam inhadas consciências, como são as de
todos os que nestas p artes vivem, porque posto que nesta
cidade haja Religiosos, são pela m aior parte mocos e sem as
39
- ,‘300

Ictn s para isso necessarias, por não terem ainda estudos


r ^ í cs seus Conventos, c são fáceis de accomiriodar aos mes-
erros do povo sobre o tom ar c vender índios ; e nao
estranhando isso aos Seculares, para melhor viverem com
eiies confessando-os e absolvendo-os, assim na vida, como
na morte, que hc a principal causa do os homens viverem
tào cepos como vivem e lerem alguma apparencia de des­
culpa ; porque sc ha algum douto e timorato, que q u i n a
desfazer os ditos erros, como ha poucos dias succedeu ao
Reverendo Padre Antonio Vieira, na sua chegada, alguns Re­
ludo sos são os primeiros que a encontrão e se poem da
narle do povo, como nesta occasião se p o z e ra o ; o qual povo
os >t>i'ai i' i n c crêem antes a ell.es, por lhes ensinarem d ou­
trina °rnais conforme aos seus interesses; com o que os
c n -0s das conveniências não tem nenhuma emenda, e os
ditos Religiosos são os que lião de dar a Deos maior conta
disto; porque se se conformarão na verdade da doutrina e
não arhárão os leigos quem os absolvesse em huma parte,
quando se lhes nega a absolvição em outra, d ie s conhecerão
0 oSl;,do de ciindeiimação cm que vivem, e se e m e n d a rã o ; c
d ’aqui se não seguirião tantos inconvenientes; motivo por que
já n Reverendo Padre Commissario de Santo Antonio, Frei
Christovão de Lisboa, que m o rreu Bispo eleito de Angola,
tirou já em outro tempo das a Ideas a alguns Religiosos da
sua ordem ; e querendo este anno o Padre Antonio Vieira,
Superior da Companhia de Jesus, por serem poucos seus
companheiros e haver dc levar comsigo Ires ao sertão, que
as a Ideas que os Padres visitavâo c doutrinavão se re p a r ­
tissem pelos Religiosos das outras ordens, eu por ju lg a r
assim cm minha consciência fui de voto que menos incon­
veniente era serem as aldêas menos vezes visitadas, que se­
rem visitadas de outros Religiosos, que precisamente q u e-
rião as effertas das missas e mais Sacramentos, como os
P a r o c h o s ; pensão muito penosa e desabrida aos Índios, por
serem muito pobres e despojados dc tu d o ; o que não expe-
rimentão com os Padres da Companhia, senão que d o u tri-
nào aos índios e os assistem por suas aldêas, os curão em
suas enfermidades c lhes administrão os Sacramentos, sem
mais offer ta nem interesse algum, que lie hu m a das causas
por que os índios os buscão c querem mais que a nenhuns
outros Religiosos.
P o r esta experiência, e peio mais que tenho visto, e s a -
.-'.07

Iiido dos d ilos Padres da Companhia, assim dos prim eiros


<]uc cstiverao neslo Estado, como m uito particularm culo
dos que ultim am enlc viorào m andados por Sua Ma gesta de ;
na presença divina, que m e lia de jnigar, digo e declaro, que
ate ao presente só nos ditos P adres da Companhia reeonheco
as partes necessarias, por ser este o seu instituto, para a
reducçâo c conversão deste E stado, o qual verdadeirainente
lodo lia de m ister ser reduzido c convertido, p o r que. todos
assim Portnguezes, como Índios, assim ehristãos, como
Eentios, vivião até agora como em gentilidade. Eu confesso
publicam ente de mim, que todas as esperanças que tenho
hoje da m inha salvação são nascidas das doutrinas dos
ditos Padres da Campanhia ; c dou graças a Deos por mo
conservar a vida até ao tem po em que viessem a esta terra,
porque d ie s m e alum iarão da cegueira em que vivia,
como os m ais, e por seu conselho desllz o testam ento que
já tinha feito, c dei liberdade por hum a escriptura publica a
todos os índios que tinha p o r escravos, que crão m uitos,
p erd o an d o -m e d ie s o serviço que me linhão feito, com que
confio em Deos que m e ha de salvar, e assim espero que
succederá a o u tras m u itas alm as, principal m ente a todos os
índios, que são os mais d esam p arad o s; porque depois que
os ditos P adres vierão e andão pelas aldêas, ainda que pelas
causas acim a ditas, não tem feito tanto fruto como p o -
derião, se a d ie s e aos índios lhes não pozessem os que go-
vernão tantos im pedim entos ; e sem duvida lie m uito o que
já tem obrado, p o r serem práticos na lingua e a estudarem
de profissão os que a não sabem, e na doutrina dos índios,
não só os dias inteiros, mas tam bém (como me consta) as
h o ras da noite gastão ajuntando a esta continuação e zelo
o u tras in d u strias particulares que tem para affeiçoar os In-
(fios ás cousas da nossa Santa Lei, ainda aquelias que de
si são repugnantes, como lie o deixarem as m uitas m ulheres
com que os índios Principaes são casados, ao que os ditos
Padres tem reduzido a m uitos ; e já em todas as aldêas tem
alguns índios c índias tam bém in stru íd o s, que na sua
ausência servem de m estres e m estras aos dem ais, de m a­
n eira que se pócle affirm ar sem nenhum encarecim ento,
e assim o certifico, qu e em cada hum a das visitas que os
P adres fizerão ás aldêas dos índios, ainda que não fosse
m ais que de oito até quinze dias, obrarão mais em seu hem
esp iritu al, do que todos os o u tros Religiosos que teiri vindo
! - Kstado depois que ellc so conquistou : porqnn crn
esto espaço dc annos não liouvo Imm que soubesse
P adre Nosso e a Ave Maria, salvo na lingua portngueza,
pie é o m esm o que se fòra em grego, pela não saberem ,
nem entenderem , como tam bém os m ysterios do nossa
Santa Fé, como lie necessario, que hoje os sabem os que
tem assistido á doutrina dos Padres, e não houvera ne­
n hum que os não soubesse se todos assistissem a Santa
D outrina. ,
(( Assim que em sumçqa, Senhor, falia com Vossa M agestade,
Manoel Teixeira, com perto de 70 annos do idade, esperando
cada hora a m o rte, e desencarregando como p asto r destas
tão mal governadas ovelhas sua consciência sobre a de
'Vossa M agestade, e da dos seus m inistros, c digo que o E s-
l;i(to do P ará o do Maranhão tem hum só rem edio, que con­
siste em duas co u sas: a prim eira, que os G overnadores ou
G apitães-m óres não tenhão jnrisdicção nos índios das aldéas,
salvo no que fôr preciso e directam ente do serviço do Sua
M agestade e em occasião de guerra.
I( A segunda, que as ditas aldéas se encom m endem aos
Padres da Companhia, com ose faz no Brazil, porque só desta
m aneira se conservarão os poucos índios que ha, e com elles
se trarão outros m uitos do sertão, e tuins c outros servirão
á Republica como no mesmo Brazil, e os pobres terão re ­
m edio, e cessarão os cativeiros injustos e todas as outras
crueldades e tyrannias, que por estarem os índios sujeitos
a pessoas de pouca consciência se executarão nelles, e tira ­
do este peccado, que he o original e capital destas conquis­
tas, todos os m ais se rem ediarião facilmente.
« Isto he o que entendo, e assim advirto e declaro pela hora
cm que estou e pela fidelidade que devo a Deos e a m eu
Bei, c por descargo da minha consciência, a qual p o r não te r
feito antes esta advertenda e protestação, sinto nesta hora
m uito encarregada, e assim peço ao P adre m eu confessor,
que m andando fazer dons traslados authenticos deste papel,
o faça rem etio r logo ao Reino p o r via que possa chegar ás
reaes m ãos dc Sua Magestade, ou quando m enos ás dos m i­
nistros do Conselho U ltram arino, para que provejão como
convém no rem edio desta minha igreja, e acudão á perdição'
de tantas alm as. E para que tudo que tenho dito faça fé, o
ju ro pelo ju ram en to de m inhas ordens. Belém do G rão-P ará,
r» do Janeiro de 1(15.4. — Manoel Torreira. ?
Até aqui a rerlitião quo por descargo do ona consciência
i'ez eslo ditoso e já desenganado Sacerdote, ao m esm o
tem po que fechando-se os do corpo, se abrem os olhos da
alma, para que se veja quão differente era o conceito que
hum anno antes fazia dos Padres da Companhia ao que
agora faz á luz daquella candêa, que faz ver as cousas mais
pelo que na realidade são, do que o m undo e seus in te­
resses as represe.nlão. F iguras de perspectiva, a quem as
som bras avultão os objectos , que as luzes, a não serem
furtadas, dim inuem por ser tudo m ero engano da vista, o
aflcctado fingim ento do pincel. Mas porque ao tem po de
estarm os com estas M emórias entre mãos chega a lei novis­
sima das liberdades, publicada nesta cidade aos 28 de Junho
de 1757, vespera do Divino Espirito Santo, pela qual clamava
o bom clérigo a Sua M agestade ; seja-m e licito fazer lium a
breve digressão, reílectindo sobre a m esm a m ateria da cer­
tidão, que estando m ais de hum século sepultada nos cscru-
tinios do esquecim ento, veio agora o projecto daquclle zeloso
p astor ap o r-se em praxe, estabelecendo-se o mesmo que então
insinuava desin teressad o ; e porque nossos escriptos po­
derão algum dia d esp ertar nos vindouros a curiosidade de
saberem os m otivos de hum a tão catholica e justissim a d e­
term inação, saiba o m undo e saibão os vindouros que a
innata clem encia de Sua M agestade Fidelissim a o Sr. D. José I,
p o r obviar de hum a só vez tantos litigios de liberdades e
cativeiros, foi o único que com a espada da sua inflexível,
inteireza co rto u por hum a vez este nó gordio, a que não
pôde ch eg ar a piedade de seu gloriosissim o e sem pre g ran­
de pai, não p orque a este lhe faltasse poder e religião, m as
sim p orque para seu A ngustissim o Filho estava guardada esta,
no m eu lim itado juizo, a m aior de suas gloriosas e m em o­
ráveis acções, tendo a seu lado hum m inistro tão circum s­
pecto e activo como o Excellentissim o S ecretario de Estado
Sebastião José de Carvalho e Mello, que foi o que prom oveu
esta tão piedosa m ercê, digna sem duvida de hum Monarcha
P ortuguez, ideando tam bém os m eios para que as difficult-
dades se vencessem que não houvesse contradicção na publi­
cação de um a lei tão ju sta e necessaria, assim ao bem dos
índios, que nella interessavão não menos que a sua liber­
dade, sem a m enor disputa, como aos m oradores deste
E stado, que pela m esm a causa sabirão do intrincado laby­
rintho em que esta vão em baraçadas, com não pequeno perigo
— .i (is —

a oslo Estado depois quo ellc sc conquistou : porque cm


ioilo os to espaço dc annos não houve hum que souhosso;
o Padre Nosso e a Ave Maria, salvo na lingua portugueza,
que é o mesmo que se tora em grego, pela não saberem ,
nem entenderem , como lam bem os m ysterios de nossa
Santa Fé, corno lie necessario, que boje os sabem os que
tem assistido á doutrina dos P adres, e não houvera ne­
nhum que os não soubesse se todos assistissem á Santa
D outrina. , T
« Assim que em sum m a, Senhor, falia com Vossa M agestade,
Manoel Teixeira, com perto de 70 annos de idade, esperando
cada hora a m orte, e desencarregando como p asto r destas
tão mal governadas ovelhas sua consciência sobre a de
Vossa M agestade, e da dos seus m inistros, c digo que o Es­
tado do P ará o do M aranhão tem hum só rem edio, que con­
siste em duas c o u sa s: a prim eira, que os G overnadores ou
Capita es-m ú res não tenhão ju ris dicção nos Índios das aldêas,
salvo no que fô r preciso c directam ente do serviço de Sua
Magestade e em occasião de guerra.
i( A segunda, que as ditas aldêas se cncom m endem aos
P adres da Com panhia, com ose faz no Brazil, porque só desta
m aneira se conservarão os poucos índios que ha, e com elles
se trarão outros m uitos do sertão, e huns e outros servirão
á Republica como no mesmo Brazil, e os pobres terão re ­
m edio, e cessarão os cativeiros injustos e todas as outras
crueldades e tyrannias, que p o r estarem os índios sujeitos
a pessoas de pouca consciência se executarão nelles, e tira ­
do este peccado, que he o original e capital destas conquis­
tas, todos os m ais se rem ediarião facilm ente.
((Isto lie o que entendo, e assim advirto e declaro pela hora
em que estou e pela fidelidade que devo a Deos e a m eu
Rei, e por descargo da minha consciência, a qual p o r não ter
feito antes esta advertência e protestação, sinto nesta hora
m uito encarregada, e assim peço ao P adre m eu confessor,
que m andando fazer dous traslados authenticos deste papel,
o faça rem etter logo ao Reino por via que possa chegar ás
reaes mãos de Sua M agestade, ou quando m enos ás dos m i­
nistros do Conselho U ltram arino, para que provejão como
convém no rem edio desta m inha Igreja, e acudão á perdição
de tantas alm as. E para que tudo que tenho dito faça fé, o
ju ro pelo juram ento de m inhas ordens. Belém do Grã o -P a rá ,
5 de Janeiro do 1(154. — Manoel Teixeira, r
• ;;0:i

Ati'1 aqui a certidão que p o r descargo de sua consciência


tez este ditoso e já desenganado S acerdote, ao m esm o
tem po que fechando-se os do corpo, se abrem os olhos da
alm a, para que se veja quão differente era o conceito que
hum anno antes fazia dos P adres da Companhia ao que
agora faz á luz daquella canclêa, que faz ver as cousas m ais
pelo que na realidade são, do que o m undo e seus in te­
resses as rep resen tão . Figuras de perspectiva, a quem as
som bras avultão os objectos , que as luzes, a não serem
furtadas, dim inuem por ser tudo m ero engano da vista, e
affcctado fingim ento do pincel. Mas porque ao tempo de
estarm os com estas Memorias entro mãos chega a lei novis­
sima das liberdades, publicada nesta cidade aos 28 de Junho
de 1757, vespera do Divino E spirito Santo, pela qual clamava
o bom clérigo a Sua M agestade ; seja-m o licito fazer hum a
breve digressão, reílectindo sobro a m esm a m atéria da cer­
tidão, que estando m ais de hum século sepultada nos escru­
tínios do esquecim ento, veio agora o projecto daquelle zeloso
p asto r ap o r-se em praxe, estabelecendo-se o mesm o que então
insinuava d esin teressad o ; e porque nossos escriptos po­
derão algum dia d esp ertar nos vindouros a curiosidade de
saberem os m otivos de hum a tão catholica e justissim a de­
term inação, saiba o m undo e saibão os vindouros que a
innata clemencia de Sua M agestade Fidelissim a o Sr. D. José í,
p o r obviar de hum a só vez tantos litigios de liberdades e
cativeiros, foi o unico que com a espada da sua inflexível,
inteireza cortou p o r hum a vez este nó gordio, a que não
pôde chegar a piedade de seu gloriosissim o e sem pre g ran ­
de pai, não porque a este lhe faltasse poder e religião" m as
sim p o rq u e para seu A ugustissim o Filho estava guardada esta,
no m eu lim itado juizo, a m aior de suas gloriosas e m em o­
ráveis acções, tendo a seu lado hum m inistro tão circum s­
pecto e activo como o Excellentissim o S ecretario de Estado
Sebastião José de Carvalho e Mello, que foi o que promoveu
esta tão piedosa m ercê, digna sem duvida cie hum Monarcha
P ortuguez, ideando tam bém os m eios para que as diííicul-
dades se vencessem que não houvesse contradicção na publi­
cação de ii ma lei tão ju sta e necessaria, assim ao bem dos
índios, que nella interessavão não m enos que a sua lib er­
dade, sem a m enor disputa, como aos m oradores deste
Estado, que pela m esm a causa salurão do intrincado laby­
rintho em que esta vão em baraçadas, com não pequeno perigo
.-)>

(](! s n a «, almas, as consciências do m uitos, sendo esta talvez


a causa do atrazo do suas fazendas, ru in a de su as casas,
'(lecadencia da antiga opulência do suas famílias por
ser de ordinario certo, male parta, male dilabantur.
O herdeiro que está possuindo a herança que seu pai lhe
deixou, vendo-so cada vez mais pobre c os bens dim inutos,
attrib u e á propria o má fortuna o que só foi peccado e
crim e da am bição, c má consciência tio prim eiro possuidor,
quo a to rto o a direito, por ajuntar ca b ed a l abandonou to ­
talm ente a virtude da justiça, que manda d ar o seu a
sou dono, c quem assim o faz como catholico, ou fica sem
nada, o u s e ha de contentar com muito_pouco que lhe fica, o
que seria o m esm o que d errib ar a fabricada instituição da sua
herança, sendo depois aos filhos indispensável o h erd arem
co m a fazenda as restituições das dividas; vivendo de o rd i­
nário cm má consciência, quando as não pagão, p or latirem
com frequência os rem orsos, e por nao ser m uitas vezes a
posse da sua fe tão boa e sincera, que lhes tire interiorm ente
as duvidas, quando se ponhão a fazer boas contas com a
sua alma.
Eu não duvido, que a m uitos m oradores do M aranhão e
Pará assistio até agora a possessão de boa fé, sobre o cati­
veiro dos índios ascendentes c descendentes que possuião,
m as quem sabe se o sangue destes m iseráveis esteve até
I agora clamando como os de Israel no Egypto pela sua devida
e justissim a liberdade, até que a m isericórdia do Altisssimo
ouvindo seus clam ores, m ettendo o sceptro na mão do F ide­
lissimo Monarcha, como na de Moysés a vara, em hum só dia
c e n tr e as m argens de liuma só lei deixou subm ergido os
cativeiros do corpo nos escravos, e os cativeiros da alm a
nos senhores, tirando de hum a vez a tantas duvidas, e fe­
chando as portas a tantas injustiças, e ainda en tre a justiça
de m uitos dando o mais seguro á alma em m ateria de tanto.
peso.
Na m inha sagrada religião, sei eu, que para evitar os es­
crúpulos, que nesta intrincada m ateria se ventilavão m uito
antes, m andarão os Superiores levantar hum tribunal dos
m aiores m estres e theologos que então tinha a Y ice-Provin-
cia/p ara nelle se decidirem as duvidas na causa destes ca­
tiveiros, que como íinhão sido deixas de legados seculares,
possuídos por herança de m uito antigas suceessões, poderia
haver ditíiculdades. quo fizessem precisa declaração da liber-
(liiilu tii‘ n i in!os, coillo succedeu, porque duvidando- st’ tit*,
sens cativeiros, I'oi necessario cnni'orme o direito d orlara-
los livros, corno do facto so 11son com nm itos, do (juo so fez
declararão nos inventários dos CoUegios; mas quem me po­
d erá assegurar, sendo certa, como se deve presum ir, a certi­
dão acima, que alguns dos que sir aehavao ainda no cati­
veiro por constar que sem pre forão tidos por escravos, sc -
jão oriundos do prim eiro tronco, que a mesma certidão sup-
j)õc ser injustam ente cativo, c que talvez o decurso de
m uitos annos já passados fez confundir as condições, e passar
p o r escravos os que na realidade erão livres ?
Seja como for, eu sem pre estou firm e, que esta lei foi ju s ­
tissim a, ea sua publicação liuma das m aiores glorias do rtosso
M onarcha que a assignou, do seu m inistro de Estado, que a
prom oveu, e do C apitão-G eneral c G overnador do E stado,
que a poz cm execução, o Illustrissim o Francisco Xavier de
Mendonça F u rtad o , estabelecendo-a com tão ajustadas medi­
das e prudentes reflexões, que sahirão m uito conform es ás
disposições que seu incansável zelo distribuio sem a m enor
disputa', sem o mais leve m o tim ; como já no século antece­
dente tinha acontecido p o r sem elhante causa, c ainda não ha
m uitos annos no tem po do Capitão-General José da Serra (se
he certo o que a pessoa fidedigna, que m ’o disse, afíirm ou o
seu Secretario) veio instrucção para se põr cm praxe a m es­
ma lei, que não teve por então effeito pelas difliculdades e
em baraços, que cm m ateria tão m elindrosa en tre aquelies
m oradores precisam ente encontrou a execução, vencidas
agora todas pela p articu lar conducta do actual G overnador
Mendonça.
Nem me digão os apaixonados ou prejudicados na m atéria,
que a paixão ou affcciada lisonja me moveu a penna para os
elogios deste m aior p ro tecto r da liberdade dos ín d io s; pois
o faço a tem po que está repetindo pesadíssim as execuções
nas fazendas e bens da m inha religião, com enorm e paixão,
sem dar m ais m otivo que o rnanda-lo ellc, ao que devemos
suppor p o r ordens expressas que teria de seu Soberano, em
cuja execução he o m ais inteiro e rigoroso m inistro que vio
este Estado, porque a verdade, além dc ser alma da historia,
lie hem se diga dos varões henem eritos ; qual (nesta m ateria
fallo) foi desapaixonadissim o este inllcxivel G overnador para
com os índios, que a clle se deve a execução de lium a obra
tan to do agrado de Deos e bem das alm as, com tanta paz e
sufixo em beneficio espiritual dos povos, o lambem tempo­
ral, se sc souberem aproveitar fios meios que para o sou
augmento lhes estabeleceu nos escravos legitimos fic Angola
(>. Gniné, que são só os que com maior segurança das con­
sciências lhes poderão augment,ar os cabedaes, comprando-
os por preços moderados, como palpavelmente se está ex­
perimentando no Rrazil. Contente-se pois este Fidalgo com
o retrato que na Camara do Pará lhe levantou o agradeci­
mento politico de seus Senadores, mas seja por este serviço da
promulgação da lei novissima da liberdade dos índios, por
não achar segundo que o iguale; visto que o Excellentissi­
mo Ministro de Estado, que zelosamente o promoveu, lhe não
faltará lugar (pie occupar no Capitolio das maiores ho n ras: c
ao Fidelissimo Hei, a firmou estatua de bronze no Templo
da Fama, para que se não visse privada a America Portugue-
za do huma gloria com que tanto brilhava na Castelhana a
piedade catholica de seus Augustissimos Soberanos, fazendo
geralmenle livres aos mesmos de quem possuião as terras,
com a perda cie cujo dominio não era justo perdessem tam­
bém as liberdades aquelles miseráveis nacionaes.
E para que aos illustres moradores do Pará c Maranhão
não pareça sou totalmenle opposto aos seus interesses,
saihão, que pelos muitos annos em que recebi neste Estado
os seus favores, desejo, c com efficacia, se utilisem do ser­
viço dos ditos índios, sem o qual lie muito difficultoso pas­
sar nestas, terras, cortadas universaImente de rios, a que só
ajiidão mais os braços dos Americanos que os dos Africanos,
porém seja tudo por meio de índios no estado de livres.
Acuda-se com dies ás necessidades de tantas pobres e
honradas familias, recorrendo as Camaras ‘,ao piedoso’
tribunal de seu Clementíssimo Soberano, que assim como
acudio ao desamparo dos índios com a lei novissima
das liberdades, em que deu por livres a todos os descenden­
tes destas nações da America, que até agora gemião de­
baixo de seu falso ou verdadeiro cativeiro, assim também
soccorrerá ás necessidades (que confesso são urgentíssimas)
de seus fieis vassallos e Portuguezes deste Estado, cujos
gloriosos ascendentes á custa de seu sangue sustentarão
firmes o dominio a seu legitimo Rei, lançando fóra de suas
terras a Francezes e Hollandezes, sem mais ajuda de fóra que
a de seus esforçados braços e invencíveis espadas ; o que
posto será muito justo conceda Sua Magestade a repartição
dos Índios a estes benemeritos moradores já privados de
seus antigos escravos (que muitos os possuião em boa fé)
que he o que só podia socegar suas consciências, servindo-
se os moradores delles pelos seus justos salarios, como se
usa nos dominios de alguns Principes da Europa, sem que
po r isso a obrigação de servirem os prive de alguma sorte
de suas ingenuas liberdades, visto que nos índios a total in­
dependência de servirem os poderá fazer insolentes por ocio ­
sos com grande prejuízo do Estado.
Perdoem-me os leitores a digressão, a que o zelo, mais que
a paixão, me conduzio, e passemos já a ver em que se oceu-
pão os nossos primeiros fundadores.

40
CAPITULO II.

P R O S E O U E M - S E OS TRABAL HOS DOS NOSSOS P A D R E S NA SUA


PRIMITIVA FUNDAÇÃO NA GIDADE DO P A R Á .

Livres os nossos P ad res da an teced en te c penosa p e rs e -


ííiiicão, m e lh o r inclinados e sonegados já os animos dos
desafíectos, depois que a g ra n d e carid ad e dos R e v e re n d is -
simos Mercenários, corn carinhoso trato tinha tido cuidado
dos reinedios, c vião já convalescidos com ta n ta b rev id a d e
os seus d o e n t e s ; lavrárão estes a du reza dos corações dos
poucos apaixonados, que ainda havia, com o diam ante d a
propria paciência, com a humildade, e com o incansável
zelo, com q u e a todos acudião na s u a p o b re casa e oratorio,
corno se fosse burn sulriciente Collegio do sugeitos p ara o la­
borioso exercício dos nossos m in istério s, p o r q u e os dons
valiao p o r muitos, e não obstando o s e r e m poucos n o n u ­
mero, erão muitos nas forças com que a peito d escoberto
se oiíerccião aos trab alh o s.
O Padre Fragoso, acudindo ás obrigações do confissiona-
rio e doutrina dos índios escravos cios P o rtu g u e z e s, a q u e m
la m b e m não faltava com a explicação dos m ysterios de n o ssa
Santa F é ; e o P a d re Souto-Maior no pulpito, em que era
singular, e n a classe de latim e reth o rica, e esta p a r tic u ­
larmente, além dos filhos dos P o rtu g u eze s, pelo dictar aos
Religiosos Mercenários, seus insignes bcmfeitores, s e rv in ­
d o -o s entre obrigado e agradecido com este p e q u e n o o b se­
quio do seu préstimo ; dando o q u e tinira, posto que não
fosse o u ro o u prata, que não tinira, c com q u e se não p a -
gavão obrigações tão finas, que só adm ittião p o r paga estes
o sem elhantes tributos de sua en g en h o sa, s o b re a g rad e cid a
caridade, que quando esta he sabia, co rre p o r conta do e n ­
genho os d esem p e n h o s.
Raros erã o já os que na cidade m o rriã o sem P a d r e da
Companhia á cabeceira ; não liavião odios p ublicos p o r q u e
aos maiores atalhava a industria, aos m e n o r e s acudia o r e s ­
peito e diligencia dos P ad res.
Os presos eruo visi lados a m iúdo, r s o c c o r m l o s ri.ua fre­
quência c o m a s esm olas quo íiravão.
Os doentes da M isericórdia, ainda quo erão poucos, so-
bravao os da cidade, e a ínms e outros consolavao os novos
op erario s, que para que o tem po lhos não sobejasse em casa,
íevavão o resto do dia, e grande p arte da noite na lição dos
livros para acudirem aos pareceres o em baraços da abria, por
serem m uito ra ra s naquelle tem po as letras em Imma
terra, tanto no seu principio, que parecia não ler ainda
sabido das prim eiras m antilhas da sua infanda.
E rão de ordinario consultados nos negocies do m aior peso,
o em hum a palavra era tanto o trabalho c continua a lida
dos dons P adres, qu e seria preciso ceder a tão continuado
peso, m ais por falta de braços que de forças de espirito,
por serem estas m uito avantajadas em ião apostolicos va­
rõ es, com pasmo e assom bro dos m esm os m oradores, tão
agradecidos já aos espirituaes favores que recebia o da sua
ard en te caridade, que parece os querião m etier nos cora­
ções ; e ainda que se lhes m ultiplicassem com os m uitos
rogos as fadigas, erão em todos indispensáveis sem elhantes
supplicas, sem as quaes não podião passar, como rem edio
do suas ordinarias desconsolações, que a alegria que nadava
naquelles dons- fervorosos corações desfazia logo deixando-os
dc todo satisfeitos.
E ra o eoníissionario entro os m ais m inistérios da nossa
Com panhia, o que por então fazia m ais avultados os lanços
na pesca dos m uitos e grandes peixes que busca vão no
m a r alto da confissão, para aju star as vidas c soeegar as
consciências; p o rq u e a grande energia do P adre Souto-M aior
se não descuidava de os ir pouco a pouco m ettendo corn
suavidade e sem ruido nas redes, sendo m uito raros os que
ao p u x a-las para a to rra lhes escapavão pela m alha ; e
p o rq u e o grande n u m ero fazia precisa a ajuda dos compa­
nheiros, para que as redes se não rom pessem , pedirão a
quem os ajudasse, c reco rrerão ao grande P adre Antonio
Vieira, que já então era chegado ao-M aranhão com Imma
gloriosa Missão de P ortugal.
Gomo solicito- S uperior, que era de toda ei la, se alegrou
com os a u g m e n tos espirituaes da nova f u n d a ç ã o , e que es la
se tivesse estabelecido á custa da m uita paciência e hum il­
dade d o s sú b d ito s; e porque a sua ida para o Pará não po­
dia s e rtã o b r e v e p o l o t i m i í o que l i n h a que c s h t b e í e e e r n o ;
M aranhão, avisou logo aos Padres Manoel de Souza e M a-
theiis Delgado, para quo se preparassem e partissem prom p-
tos para o Pará a ajudar a seus irm ão s, visto que com se ­
m elhantes intentos o tinhão acom panhado tão fervorosam ente
para a Missão.
Em quanto elles não partem e chegão, vejamos o que
vai obrando o infatigável animo do nosso grande P adre
Souto-M aior na consideração de esp erar por novos h o s­
pedes.
E rão as casas que por então habitavão os nossos o p era­
rios de tão limitado recinto, e de tão poucos com m odos,
que sobejando para os dous, para os m ais se fazia precisa
m aior ex ten sã o ; e ainda que no m esm o lugar se podesse
alarg ar m ais o edifício, era porém a te rra tão húm ida, p o r
se r baixa e alagada, que não podia deixar para o futuro de
fazer pouco sadia a vivenda.
E ra preciso ao P adre Souto-Maior b u scar sitio em que se
fizesse mais com moda e agradavel a habitação do novo Col­
legio, e onde se podesse gozar das conveniências precisas
ao maneio delle.
Achava-se n u m a ponta de te rra, que sahia m ais ao m a r,
e estava na parte da cidade junto ao F orte do Santo C hristo,
em terra alta, de boa vista, de accom m odado porto, e o m ais
lavado dos ares, e de m elhor com m odidade daquelle d is­
tricto .
Erão nquelles chãos de G aspar Cardoso e de sua m u lh er
Joanna de Mello, com extensão sufficiente para a nova fa­
brica.
Commetteu a venda o P adre aos senhores dos chãos, que
com facilidade vierão no a ju s te , não podendo deixar de con­
co rrer para hum a obra tão pia, e em que todos in teressa-
vão, certos já das conveniências que a com panhia de tão
bons operarios lhes prom ettião, e a experiência lhes tinha
afiançado com os passados frutos da sua grande caridade.
A' com pra do sitio se seguirão logo os em baraços pela
vizinhança do Forte da cidade, sendo por isso necessario
tira r prim eiro licença do Governador do E stado, da C am ara,
e depois de El-Rei, que todas felizmente se alcançarão,
ainda que depois de passados alguns a n n o s ; o G overnador
e m inistros reaes, querendo m olestar os Padres, derão hum a
conta a Sua Magestade, rep resentando-lhe os inconvenientes
do Collegio para a defesa do Forte.
Chegou esta conta ás m ãos da Serenissim a Senhora IJ. Ca-
tharina, Rainha que tinha sido da G rãa-B retanha, e que
governava então o Reino na ausência do A ugustissim o Se­
n h o r D. Pedro II, de saudosa m em oria, partido já para a
cam panha ; c com animo verdadeiram ente catholico, e com
su p erio r fé ao que lhe propunhão os m inistros da conta, fun­
dados no mal que o Collegio fazia ao F orte, respondeu que
mais fiava cila a defesa da cidade no F orte do Collegio dos
soldados da Companhia de Jesus, e em suas orações, que
em seu proprio F orte e artilh aria.
E na verdade fallando ao hum ano, vencida a Fortaleza e
F orte da B arra, que julgo sum m am ente difíicultoso, estando
as ditas forças em sua devida e vigilante segurança, de pouco
servirá o F o rte do Santo Christo, e das Mercês, m ais que
p ara esp an tar o inimigo; pois a m elhor defesa desta cidade,
pelo dito de hom ens práticos na milicia, toda está nas em ­
boscadas, que olferece a com m odidade do terreno, de que
se não poderá livrar o invasor, vendo-se em breve tem po r e ­
duzido á desesperação, e como encurralado dentro do re ­
cinto da cidade ; porque a q u erer alargar-se, de cada páo
do m ato lhe sahirá hum a boca de fo g o ; pelas m argens dos
rios lhe b ro tarão innum eraveis setas, vendo-se brevem ente
precisado a reco lh er-se com m ais pressa do que sahio, e
com as m ãos na cabeça, p o r lhe não servirem para outra
cousa, não sendo, como não póde ser, a contenda em cam ­
panha rasa, pela não haver no paiz, que todo se meneia
p o r m a r e braços de m uitos e em baraçados rios.
Vencidas já as diíFiculdades, e form ado o desígnio do novo
Collegio pelas m edidas que o tem po futuro fosse offerecen-
do p ara com m odidade dos R eligiosos; m andou o P ad re
Souto-M aior a b rir logo os alicerces á obra, lançando-se a
prim eira pedra no co rred o r que corre de leste a oeste, com
assistência do C apitão-m ór, G overnador, da Camara, e mais
nobreza da Cidade, que quizerão fazer m ais plausível o acto,
a que todos acudião, senão com as m ãos, com os desejos e
corações ; certos nas conveniências que a nossa fundação
prom ettia com os proficuos m inistérios de seus religiosos
fundadores ; pois o prégar-lhes, confessa-los, en sin ar-lh es,
e d o u trin ar-lh es os filhos, não erão partidos para d esp re­
zar, em tem po que tendo tão bons engenhos os descenden­
tes dos Portuguezes, andavão por falta de cultura não
m enos rudes, que faltos de letras, por apenas saberem
então as do A. R. C.
I-; conio delineada a obra era preciso liaver o p e rá rio s que
tr.íballiassem nella com a p ressa q u e a necessidade eacíividade
do Padre pedia, en tro u na diligencia de pedir a aldêa quo
Sua Mages tade lhes assignava n a s fundações do M aranhão,
Pará c G urupá, cuja cópia do concessão real se acha já ex­
pendida nesta Historia. A p resen to u o Alvará ao C ap itão-m ór,
G overn ad o r c Camaristas, que p ro m p ta m e n te lh e pozerão o
— c u m p r a - s e — , como Sua Magestade m a n d av a, assignando-
l lie para o serviço do Collegio a aldêa de M ortigura (), q u e
depois se p e r m u to u pela de Gonçary, s o b re o rio Amazo­
nas ; mas como as distancias fossem g r a n d e s , e se n ão
podesse com tanta facilidade acudir ao serviço dos P ad res,
tizerão estes cessão da dita aldêa nas m ão s do G o vernador
e Capitão-General A rth u r de Sá c Menezes, com a condição
de lhes co n ced er licença p a ra d es cerem o u tr a á s u a custa
cm sitio m ais perto da cidade, o que foi facil co n ce d er pela
co n v en ien d a dos m o ra d o re s, p o r lhes íicar mais esta aldêa
de Gonçary da sua repartição.
Do rio Jury descerão os nossos P ad res a que hoje se acha
no Curuçá (“ ), com não p equeno trabalho e gastos do Collegio,
ohrigaiido-se
o
os Índios a serv irem tão s ó m en te aos P a d r e s ,
pagando-lhes o seu serviço, d a n d o - lh e s te r r a s e . o m a is
preciso para as suas lavouras, com o tizerão e se te m até ao
presente conservado, com m u t u a satisfação d e h u n s c outros,
peio bom trato e assistência q u e recebem , em bora assistão
com o seu trabalho com p ro m p tid ã o e alegria.
Neste tem po já os nossos P ad res tin h ão c m M amayacú
alguns poucos índios com que lavra vão algum a roça p a r a
sustento dos Religiosos, aos q u a e s depois se ajuntarão a l­
guns poucos Tupynam bás e Goyapires, que tinha descido do
rio Tocantins o P a d r e Francisco Velloso, e quizerão v o lu n ta­
riam ente servir aos Padres, p rece d en d o p rim eiro licença do
Governador, que approvou a r e s o lu ç ã o ; lendo recebido p ri­
a m e iro para o serviço de E l-R ei passante de mil almas, co m
que gloriosamente se recolhia aquelie insigne o p erario ,
fundando na 1.1ahia do Soi a aldêa que depois se c h am o u
dos Tupynam bás (***), e hoje se cham a do Anil em razão da
fabrica (pie ali se formou sem eíTcito ; ou com o n o m e de
Gábú, que lie o mais trivial e conhecido dos m o r a d o r e s . Estes
i ’ 1 t ilia do I Imule,
i '' i (Ui 1r ora Villa-Nova ilT.i-im i
) I ilia ile ( ail lares.
• ;119 —
poucos easaes, quo Imhao vindo com aqui'iio grando dosei
m ento, o ido, pelo assim o pedirem os índios ao Padre
Vclloso, para a nossa Fazenda do .Mamayacii, forão depois
m alsinados pelos invejosos para quo se n o s tirassem , odian­
do m ais para os poucos com que ficámos que para a grande
m ultidão que tinlião ás suas ordens, devida á actividade o
zelo daquellc bom P adre, sendo Iruma das m aiores aldêas
que tinha Sua M agcstade, ao principio no sitio que foi do
José Bento, que depois passou a titulo do venda aos Reli­
giosos das Mercês, cham ando-se a aldêa do Espirito Santo,
onde havia duas Igrejas, como me aííirm árão hom ens anti­
gos, o p o r causa do um a grande m ortandade epidem ica do
contagioso mal de bexigas se passou para a costa no lugar
que dissem os de Cábú, onde fui algum tem po M issionário.
P orém o Serenissim o Sr. I). Pedro, de saudosa m em oria,
m andou no anno de 1685, que os Padres os conservassem
sem controversia, e os G overnadores não bulissem com d ie s.
Depois de m uitos annos, no de 1729, quiz o G overnador
e Capitão G eneral A lexandre do Souza tira-lo s, como tirou,
p o ndo-os no Guamá ; porém , on o cscrupulo ou receio de
contravir ás ordens reaes os fez logo restitu ir ao m esm o
lu g ar de Mamayacii, junto da villa da Vigia, onde ao p re ­
sente se achão soccorrendo com seu serviço ao Collegio que,
posto que pago, sem pre o julgo digno do nosso agradeci­
m ento a tão bons e cuidadosos índios.
Dou esta noticia, pelas que tenho diante dos olhos destes
princípios, p ara que os vindouros saibão o titulo com que
nos servíam os de tão preciosos o b re iro s; m as porque ao
tem po que fui M issionário de Cábú o fui tam bém da aldêa
do T abapará, que por falta de terras em que lavrassem os
índios, no lu g ar antigo, a m udei para quasi sobre a costa
hum a legua por te rra distante do antigo sitio, onde fiz
Igreja o casas novas, com consentim ento do G overnador o
Capitão G eneral João dc A breu Castello-Branco, que a deu
a requerim ento dos m esm os índios, estando no sitio de-
M athias Caetano, onde se achava convalescendo, não m uito
distante de T abapará (que sem preceder esta licença a não
quiz m u d a r); e porque não quero fique sepultada a verdade
com o tem po, digo ser tão falso o dc que m e arg u irão os
m o rad o res da Vigia, que cu m udara a dita aldêa sem licença
do G overnador, contra as ordens do Sua M agcstade, como
lie verdadeiro quo a dita aldêa lie do serviço privativo dos
pobres, c mais que todos necessitados m oradores da m esm a
villa, pela descerem á custa da sua fazenda do interior do
sertão, para se servirem defies p o r repartição nas suas ne­
cessidades, como fizerão sem pre, até que o G overnador e
Capitão General Mendonça absoluta e potencialm ente os
m andou ajuntar com os índios de Cábú, aldêa do serviço
real, destinada para a arrecadação dos dizim os; o que não
poderá deixar de red u n d ar em grave prejuizo dos m iserá­
veis m oradores.
E se disserem que quando fui Missionário lhes não dava
os índios que me pedião, não era por falta de vontade, mas
pela penuria dos ditos Índios, e te r já dado os poucos que
havia para as obras da Igreja da m ilagrosa Im agem da
Virgem Senhora de N azareth, p o r concordata que com seus
freguezes fez o R everendo e zeloso Vigário, de cederem
defies os m oradores em quanto durasse a obra, que hoje se
acha muito adiantada e grandiosa, tudo devido á religião e
cordial devoção destes fervorosos Vigilenses, cujo direito ao
serviço dos índios de Tabapará quiz perp etu ar nesta his­
toria, que em todo o tem po poderá reco rrer á real piedade
de seu Rei em ordem á antiga utilidade da sua repartição.
Perdoem -m e os leitores, por breve, a digressão a que não
pude faltar neste lugar, levado da propensão de aclarar a
verdade áquelles tão necessitados como pobres m oradores.
Já o nosso Padre Souto-M aior com a assistência dos ín ­
dios de M ortigura tinha obreiros para adiantar em poucos
dias a obra, e com tanto excesso, que a m etade do corredor
principiado se achava até ás vigas de pedra e cal, e dahi
para cima se foi continuando de boa taipa de pilão, até ficar
por ultimo concluida toda aquella parte correspondente entre
as penurias do tem po e cabedaes ; com os quaes concorreu
por então a liberalidade e am or de Manoel David Souto-
Maior, irmão carnal do nosso fervoroso fundador, como tam ­
bém a assistência de Paulo M artins G arro, grandes bemfei-
tores, e m oradores am bos os m ais abastados daquella ci­
dade, não sendo necessarios m uitos rogos para a m ultiplici­
dade das esm o las; p orque ao prim eiro, as leis do sangue, e
a hum e outro as da religião e piedade portugueza abrião
as bolças para rep artir pelos operários o jornal.
Mas porque ao P ad re faltava Igreja para exercer nella o
unico fim a que aspirava o seu fervor, m andou brevem ente
levantar huma de taipa de vara, que he mais fácil, pelas me-
didas a quo o conduzia o seu zelo, que ora preciso m oderar
mais por falta de posses quo porque lhe faltasse animo para
em prehender m aiores obras. Na o tinha m ais que hum altar
onde se coliocou hum formoso quadro do glorioso Apostolo
do Oriente S. Francisco Xavier, que por isso ficou sendo
sem pre o Ora go da nossa Igreja naquella cidade. Tal era então
a pobreza daquelies tem pos, que se não podia alargar am ais
o ornato da nova Igreja, que pelo decurso dos ânuos veio a
ser hum dos mais magnificos Templos, c dos mais ricos e
hem param entados de todo o Estado, porque crescendo com
o commercio das drogas do sertão a opulência, se forão
augm entando no Culto Divino as riquezas, como as mais
hem em pregadas do m undo.
A portaria da nova vivenda era hum pateo cercado do
páos a pique tudo á ligeira, onde pegava hum a escada pela
qual se subia, para o co rred o r : e junto á mesma estava
hum a porta que entrava para a sacristia, que era tão limi­
tada como a Igreja, na qual apenas havia hum caixão com
alguns poucos ornam entos, e hum Santo Christo em cima.
Mas brevem ente no principio logo da Q uaresm a deste
anno de 1658 a tiro u desta penúria o P adre Manoel de
Souza com o Padre M atbeus Delgado, enviados do M aranhão
pelo P adre Superior Antonio Vieira, como atrás tocám os,
com. hum bom provim ento de ornam entos e bem precisos'
e algum as peças para a Igreja, e outras para o serviço da
c a s a ; e quando não trouxessem outra cousa mais que a si
proprios, trazião m uito, porque para m uito havião de servir
em beneficio dos proxim os que com tanto gosto buscavão.
notável a ale^i ia com que os dous que chegarão forão
recebidos pelos clous que estavão, sendo m utuas as congra­
tulações , porque crão m utuos os fins de seus apostolicos
intentos, e huns e os m esm os os interesses daquelle novo,
assim tem poral como espiritual edifício.
Forão recebidos os novos hospedes nas prim eiras casas
e antigo sitio, por não estar ainda de todo acabada a obra
do corredor, por se te r prim eiro acudido á pequena Igreja,
recebendo nellas da caridade de seus bons Irm ãos mimo no
trato , e edificação no exem plo, porque tudo respirava hum a
asseiada pobreza e um a abundanda religiosa, pois não fal­
tando da parte dos operarios o date, no que obravão, não
ialtava também o dabitur vobis da parte dos fieis no que
ojferecião.
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-
--
--
-*í .J -i

TiM/.ia o Padre Manoel do Souza a incumbência do cmda-


,|0 </ govern o da casa, para licar mais desembaraçado o
Padre Soulo-Maior no inuUu a que abrangia o seu z e lo ; e
assim Iralou com a maior aefividade deapeifoit oai o melhoi
qUC nMlc a nova habitarão, para sc mudarem, como sc m u ­
darão. liara fazerem as fimeçoes da Semana Santa do mesmo
anno de 1053, com grande gosto e alegria dos moradoras da
cidade, pelos terem mais perto de si o mais promptos para
o allivio, assim do corpo nos trabalhos, como da alma nos
pulpitos e coníissionarios. Mas como a obra, assim pela
pressa da factura, como e principalmente pela imperícia dos
oííiciacs não estava seguramente travada pelos madeiramen­
tos que sustcnlavão a telha, de repente abatèrao as te­
souras não podendo suster o peso da coberta, faltando
pouco para que os Padres ficassem debaixo delia , porque
lhes defendia Pcos as vidas para os futuros exercícios da
sua maior gloria. r , .
Visto o perigo mandou o Padre tirar a tolha cujo peso
ameaçava ruina, e em seu lugar mandou cobrir com
pallms, ou pindóba da terra, a que os natnraes dão o nome
de Pb u n i : e assim esteve os 10 annos seguintes até o de
1070. n
Emqiianto os nossos P adres, buns arrum ao a nova
vivenda, e outros descansão dos trabalhos da viagem, re­
p e l i n d o entre si os officios para melhor acudirem ao bem
espiritual, assim dos índios, como dos Portuguezes nos
ministérios da Companhia ; demos Iiuma chegada ao Ma­
ranhão, que nos estão chamando as saudosas memorias do
nosso grande Padre Antonio Vieira, chegado proximamente
do Reino, com Iiuma pequena mas gloriosa recruta de
Missionários.
CilKUA AO MARANIIÁO 0 PADRE ANTONIO VIEIRA COM him
PE Q U E N O SOCCORRO DE MISSIONÁRIOS. D Á - S E NOTICIA DO
QUE OBRARÃO D E P O IS DA SUA ESTANCIA NAQUELLA
CAPITAL.

Entra o anno de 1053, o mais glorioso da nossa Vice-Pro-


vincia, c com d i e a sua maior felicidade na importante che­
gada do grande Padre Antonio Vieira, pelo augmento quo
justamente espera no seu feliz governo, para todos suave,
ainda que para die trabalhoso, pelos pesados encontros cm
que topou a sua prudente c admiravcl conducta. Govcrna-
va-se o Estado, como dissemos, com a jurisdiccão dividida
e independente, por dous Capilãcs-móres; Ilalthazar de Souza
Pereira, no Maranhão, e Ignacio do Rcg'oParreto, no Pará.
Logo que chegou o Padre Vieira, o veio visitar o Capitão-
mor, mostrando no rosto a alegria c nos parabéns o gosto
da sua boa vinda. Ao Capitão-mor seguirão os nobres e
principaes da cidade ; por ser tao antigo como o mesmo
mundo, o m overem -se os Céos conforme o impulso que
recebem do primeiro movei a que estão subordinados os
seus Planetas. Passadas as primeiras visitas, recebeu das
maos do P adre Francisco Velloso o governo, que lhe tinha
entregue no Tejo por causa da sua repentina demora já na
ultima hora da partida ,• reconhoccndo-o todos por seu Supe­
r i o r que era de toda a nossa Missão, ao qualo mesmo Padre
Vieira conferio logo o governo da casa dc Nossa Senhora da
l u z , no Maranhao, assim corno também o tinha conferido já
ao Padre Manoel de Souza o da casa do P ará, para onde logo
o enviou com o Padre Matheus Delgado, que já deixamos
naqueiia cidade entrado no seu governo, cuidando nas obri­
gações do cargo, e nas pensões do oííieio, peio ler assim
pedido o Padre Souto-Maior, que brevomente como snppu-
nha esperava a chegada ao Maranhão do seu novo Superior
o Padre Antonio Vieira ; para cite poder acudir com mais
desembaraço coillorum as medidas do seu espirito ás muitas
almas, quo não só na cidade m as principnlm cidc nas aldêas
necessitavao, como do pao p ara a boca, do espuitnal pasto
da sarda doutrina.
Dispostos assim os governos das duas casas, entrou logo
o P adre Vieira a cuidar com grande m adureza nos m eios
inais eficazes p ara a reform a daquellas ohristandades, assim
dos P ortuguezes, como dos índios, por estar tudo hum a
m ata brava e inculta, que necessitava de grandes braços e
m aiores forças para o cu ltivo; e sobre tudo de hum a tal
prudência na introducçao dos m esm os m eios, cpie so a grande
com prchensão do dito P adre o podia executar com tao cabal
acerto, como industria.
Para prova do que, quero, como costum o, copiar a sua
carta ao Padre Provincial do Brazil, porque com seu estylo
se desenfastiem nossos leitores do que levamos ; e vejão de
cam inho as sabias providencias deste experim entado poli­
tico. Assim diz na de 22 de Maio deste m esm o anno de 1653:
« Muito Reverendo Padre Provincial etc.— Passados os trc s
dias de hospedes, entendem os logo em com eçar ao que
viemos, e a prim eira foi assentar quotidianam ente hum a lição
da lingua da te rra , indispensável até nos dias santos, para
nos fazermos instrum entos hábeis da conversão dos índios.
«A. esta lição ajuntam os outra de casos de consciência, duas
vezes na sem ana, e o prim eiro caso que se disputou foi, que
obrigação tínham os os confessores acerca do peccado como
habitual em que vivião todos estes com os cativeiros dos
Índios, que pela m aior p arte se presum em injustos ?
«Resolveu-se que a quem se nãoconfessassedeste peccado
não tínham os obrigação dc lhes faltar nelle, assim por nos
não poder constar de certo de tal penitente em particular
estar cm má consciência, como por se p resu m ir geralm ente
de lodos, que o m over-lhe escrúpulo em sem elhante m atéria
seria sem nenhum fruto, que são os casos em que os Dou­
tores não só esensão, mas obrigão os confessores a não
p erguntar. Sobre esta resolução assentám os tres cousas
muito necessarias ao serviço de Deos, e á nossa conservação
nestas partes. P rim eira, que nas conversações com os secu­
lares, nem por um a nem outra p arte fallassem os em m ateria
de índios. Segunda, que nem ainda na confissão se faltasse
em tal m ateria, salvo quando a disposição do penitente fosse
tal, que se julgasse seria corri fruto, principalm ente na
m orte. Terceira, que se na confissão por escrupulo, ou fora
•)JL,t
della pur conselho, algum nos perguntasse a obrigarão que
linha, lh ’a declarássem os com toda a sinceridade c liber­
dade. E para que nisso não houvesse en tre nós diversidade
de pareceres, se praticarão tam bém e resolverão todos os
casos que se podião oíTerecer; as quaes resoluções se m an­
darão tam bém ao P ará, para que em toda a parte idem
sapiamus•, idem dicamus omnes, como diz o Apostolo. »
Até aqui, pelo que pertence ao governo interior da casa.
Vejamos tam bém o que nos diz sobre os de fora na reform a
dos costum es e pcccados antigos, a que a grande eloquência
de Vieira se oppoz por meio de hum serm ão, que foi o da
prim eira Dominga da Quaresm a daquellc armo, que logo se
offereceu na sua chegada, o qual a valentia do seu espirito
soube p o n d erar com tão vivas expressões, pelo que dizia
respeito aos injustos cativeiros dos m iseráveis índios, pedra
de escandalo, e em que, com não pequena m agna sua, topava
de continuo a caridade do seu apostolico talento, que mais
forão as liberdades que com elle poz em limpo que as leis
reaes que p ara o m esm o effeito se tinhão já expedido da
corte, como verem os. De tudo o m ais que depois obrárão,
assim S uperior como subditos, assim na reform a das vidas
como no m elhoram ento dos costum es, totalm ente corruptos
pela dissolução com que corrião, nos dará breve noticia a
m esm a carta do grande Vieira, que vou copiando para re ­
creação dos leitores.
« Em todos estes serm ões (prosegue) se pregava a Christo
crucificado, accom m odando os discursos á cura das m aiores
chagas; e como os corações dos ouvintes já esta vão tocados
da divina graça, antes de passada meia Q uaresm a, se vião
outros os hom ens do que quando nclla tinhão entrado, que
nem nós os conhecíam os, nem ellcs a si m esm os. Só a nós,
dizião, nos conhecião; m as até nisso se enganavão m uito,
porque os bens e louvores que dizião da Com panhia erão
tanto sobre o que m erecião estes indignos filhos delia,
que não m enos excedião os limites da verdade no bom con­
ceito que tinhão de nós do que antes no máo que tiverão.
Com grande confusão m inha, o digo, mas ninguém sabia
outro nom e naquelles dias a estes P adres senão os Santos, os
A rchanjos.
« Dizer as inimizades que se com pozerão, as injurias que
se perd oárão , as restituições que se fizerão, as pessoas que
se tirarão de máo estado, as consciências que com erros
e embaraços do m uitos aimos so encam inharão, fora cousa
iniinila, c ainda arriscad a; porque sem elhantes eíleitos da
divina graça, ainda quo publicados sejão do grande gloria
do Deos, lio m ais seguro passa-los do sigilo ao silencio que
á narração : só digo em sum m a que correndo na Q uaresm a
quasi toda a gente portugneza á esta cidade, houve m uito
poucas que ou se não confessassem geralm ente de toda a
vida, ou não dessem balanço a alma e se mão tirassem de
todo o escrúpulo que nclla podião ter.
« Ajudou m uito a tudo o P adre Manoel de Lima, posto
que mais apertado então da sua enferm idade do que agora
passa, o ajudavão m uito os poderes do Santo Oííicio e de
Coimnissario da iíulla da C ruzada, que trouxe, com que
assim enferm o rem ediou e curou a m uitas alm as. Em íim ,
os serviços de Peos nesta parte forão tão continuados que,
não bastando o dia, o rã o necessarias no coníissionario as
boras da n oite; e confessor houve nesta casa a quem cou­
bera o, só na Q uaresm a, cento e vinte Ires confissões. Às
pregações da Semana Santa, desde dia de Ramos até o da
Jinsurreição, as lizemos todas na Matriz, por ser Igreja m ais
capaz .; e o Vigário-Gera! e mais clérigos, por serem poucos,
nos vierão aju d ar a beneficiai* os officios na nossa Igreja,
onde se íizerão com a m elhor m usica da terra e m uito con­
certo ; com o mesmo lizemos hum sepulchre, que, para
parecer bem, entre a curiosidade dos que aqui se fazem, foi
necessário ser tão bem traçado e alumiado, que podesse te r
bigar em toda a parte; e com haver outros de m aior arch i-
leclura, mais custosos, até cm o julgar por m elhor de todos,
m ostrou esta genlo o am or que tem a todas nossas cousas;
‘‘.como a todas estas lie necessario acudir, não pelo culto
divino, senão ainda pelo credito que nolle tem a Com panhia,
julgue, agora Vossa Reverencia quão bem em pregada será
na pobreza (lestas casas e Igrejas a esmola que dessa P ro ­
vincia lhes iizerem os Collegios como fazem a tantos pobres.
(( begum do o fervor da gente, c desejando que todos fi­
zessem algum serviço geral e publico á Virgem Senhora
m issa, cuja invoeaçao lie a desía Igreja, preguei em dia da
miiumeiaçao, e publiquei para que daqueila tarde em diante
st' rezasse o terço do Rosario a coros, como se usa em
S. Domingos de Lisboa e em outras lim itas Igrejas da m esm a
'e e i jior olirigação todos os estudantes e m eninos
oa nos.Mi escola: s-gruem a estes u n ite s soldados e ogente de
lodos os eslados, o cs lá Ião iuDmduzidn o mí m ;i dcvocim,
(juo se en cl iG o rdiuariam cnle a igreja do m u ilo s que con­
c o r r e m á cila. Faz-se cslc exercício ao põr do sul por s e r
a hora mais com m oda; põo-so a imagem da Virgem Senhora
so b re a ara no a l la r - in ó r com velas a coesas ; assiste liuni
P ad re, que cn co m m cn d a o (erro peio ínelh.odo da nossa
cartilha. Comerão a e n to a r dons m eninos do melhores vozes,
e segue Ioda a Igreja altern ad am en te com gran d e piedade
e devoção. Dura tudo de Ires q u arto s p ara h u m a hora ,
a qual todos dão p o r bem em pregada, acabando com cila
a quelle dia e começando a noite e m louvores de Ocos c Sua
Mãi Santíssima. Nos sabbados ha m aior detença, p o r q u e se
preg a do pulpito h u m exemplo do Rosário, p o r espaço de
meia h o r a , ao qual he tanto o concurso, que, não cabendo
n a Igreja a muita gente, liça da parte de íb r a ; o aos que
o u v em sc recom m end a contem depois o exemplo aos mais,
co m q u e a devoção da Virgem S en h o ra vai em lanio a u g ­
m e n to , que não só rezão nesta íb rm a os q u e vem á nossa
Igreja, m a s muitos que não p o d em vir fazem o m esm o cm
suas casas com a sua familia.
e Não faltará por ventura a quem por este modo do d e ­
voção com canto publico pareça cousa m enos propria da
Com panhia, m as a Vossa Reverencia, que esteve em Roma e
vio sem elhantes devoções que nas sextas-feiras c sabbados
se fazem na nossa casa professa, certo estou que não ha de
p arecer cousa estranha do nosso In stitu to , antes m uito propria
delle, pois h e trazer alm as a Deos por todas as m aneiras, e
p o r hum a tão segura e approvada como a devoção cia Virgem
Senhora, a m aior de suas devoções; c para que o fruto não
fique só nos P ortuguezes, além das doutrinas ordinarias que
se fazem aos índios nos dias santos na nossa Igreja, publi­
quei no serm ão da segunda Dominga da Q uaresm a outra
doutrina m ais geral, a qual se havia fazer todos os domin­
gos á ta rd e na m esm a Matriz, por ser Igreja cie m aior capa­
cidade, eneom m endando a todos m andassem á ella seus
índios e ín d ias, como logo se com eçou a fazer, e sc continua
com grande proveito espiritual e edificação. Sahimos da
nossa Igreja á hum a h o ra : levam os adiante hum grande
pendão branco com a im agem do Santo P adre Ignacio, que
leva algum índio principal das aldêas, se o ha na cidade,
e senão por outro de respeito.
<í Vão os nossos estudantes cantando a Ladainha. Damos
volla pelas ruas principaes, levando os Índios adiante e as
Índias atrás, pedindo aos Portiiguezcs, que estão pelas
porias e janellas, que os m andem , o, se lie necessario, eom-
pellindo os que ficão; e desta m aneira, com um a m uito
com prida procissão, chegam os á Matriz, e ali postos os ín ­
dios de hum lado da Igreja e as Índias do outro, lhes faz o
Padre a doutrina, ensinando-lhes prim eiro as orações do
oathccismo, e depois declarando-lhes os m ysteries da Fé,
perguntando o prem iando os que m elhor respondem . E
porque esta gente pela m aior p arte está m uita inculta, e os
que sabem algum a cousa são as orações cm portuguez, que
(dies não en ten d em ; não sendo capazes de cathecism o tão
dilatado e miúdo como lie o geral que anda im presso, tom á­
mos dellc as cousas m ais substanciaes c fizemos outro ca~
thccismo recopilado, em que, por m uito breve e claro estylo,
estão dispostos os m ysterios necessarios á salvação, e este
lie o que se ensina. Os índios o percebem de tal m aneira por
sua brevidade e clareza, que não havendo índio na prim eira
doutrina que respondesse a alguma pergunta que se lhe
fazia, á terceira doutrina houverão m uitos, e alguns m eni­
nos, que responderão a m uitas.
«Servio isto de confusão e reprehensão a m uitos P ortugiie-
zes que se acharão presentes, os quaes se desculpavão com
a incapacidade dos seus índios, sendo que pela m aior p arte
são m uito capazes, e só lhes falta a cultura.
«Além deste cathecism o breve, fizemos outro brevissim o
para nos casos do m aior necessidade se poder b ap tisar hum
gentio, e ajudar a bem m o rrer hum baptisado, dos quaes
se tem pedido copias para os lugares onde não estam os, c
se começão a fazer algum as; m as porque he quasi im pos­
sível escreverem -se os m uitos que são necessarios, na p ri­
meira monção determ inám os de os m andar im prim ir em grande
quantidade, para que se possão rep artir por todos os m ora­
liores, e cada hum ensinar aos seus índios, e in stro i-lo s em
(alta de Sacerdotes para o baptism o e para a m orte.
« Aos Padres do Pará se m andou já huma cópia dos catlie-
cismos porque a não poderão levar quando forão, e como
sao ainda pouco práticos na lingua, serv ir-lh es-h ão m uito
para as doutrinas, que sem em bargo disso tam bém fazem.
« As daqui pela Q uaresm a acabavão na Matriz, porque na
nossa Igreja se prégavão ás tardes, mas agora acabadas
ellas, iamos com a mesma procissão até á nossa Ig re ja,
drib
itii;i;1 j;i os Poriuguezes ost/í.) esperando p d a sua doutrina,
a (l Iial V10s UK‘° b ü i ‘ ( ' s p a r o d e o u t r a h o r a , l > a v r i i d o m u i t o s
q u e a ssistem a a m b a s, e nisto g a slâ o toda a tard e,
« T a m b é m assistem a am bas os estudantes e m eninos da
nossa escola, que já passâo de setenta, e o fazem com tanto
gosto e sujeieao, que lie cousa que nos adm ira n a q u d ia
idade, e g eralm en le lie tal a indole d e s Ies m oros, que cada
dia nos confirm am os mais nas esperanças de h averm os de
ter doües alguns que recebidos na Companhia nos sirvão
minto hem , e prm cipalm ente p o r q u e quasi todos s ab em a
língua da terra.
«Além deste cathccism o commurn ha m uitos índios que
hao de m ister ser instruídos com mais particularidade e
vagar, e como se mão póde acudir juntam ente a todos acode-
se em prim eiro lugar aos enferm os.
«D estes íorao alguns tao venturosos, que sendo Tapuyas
pagaos, acabando de receber o baptism o, m orrerão lo«>o
com evidentes signaes de sua predestinação. Tal tam bém
julgam os a de hum herege Jnglez, que ficando aqui prisio­
neiro do tem po em que os líolíandczes tom arão esta cidade,
agora se reduzio, c conciliou com a Igreja Rom ana.
«Aos presos da caclea visitamos, e como os m inistros de
bl-R ei tem todos m uito respeito á Companhia, tem os a juda­
do bem a alguns cm seus trabalhos.
«Ao hospital não vamos, porque o não ha nesta te rra,
mas estranhando-se isto em hum serm ão, logo trata rão os
Irm ãos da M isericordia que o houvesse, se oíferecêrão
boas esm olas e se dispõe a obra, que será hum grande re ­
medio, principalm ente para os soldados, que não tem outro,
e pela m uita gente derrotada que aqui vem ter.
«Aà po rtaria não dam os a esmola ordinaria, porque não
ba nesta cidade pobres que peção de porta em porta. Para
soccorrerm os no que podessem os ás pobrezas occultas, e lhes
buscarm os-algum as esm olas, peclimos ao P aro d io nos désse
num a lista das pessoas necessitadas, mas não teve effeito
esta diligencia, porque mais fácil lie padecerem a pobreza
que confessa-la.
«G om tudonos confissionarios á volta do outras fraquezas,
se m anifestao tam bém estas, e p or esta via soccorrem os al­
gum as necessidades, em que tanto se acudioaos corpos como
ás almas.
11bom as cousas da botica se trouxéram os m uito, se po
Vi
— Ado
dera excrccr bem a caridade, porque he a terra muito falta
de m edicam entos como de m edicos, quo não ha : m as do
pouco que trouxem os se da tudo com boa vontade, espe­
rando que pelo darm os pelo am or de Deos, nos dará bile o
não os haverm os m ister.» — Assim continua o logo acaba o
P adre Vieira a sua carta.
CAIUTÜLO IN.
COMME T I E 31 OS REVEREIS DOS CONEf.OS DA RAIMA, SEME VA
CANTE, A DIRECÇÃO DO GOVERNO E S P I R I T U A L AOS NOSSOS
P A D R E S DO M A RANHÃO. - MOTIM P O P U L A R P OR CAUSA DC
DOE S VICARIOS G E R A E S QUE SE QUERIÃO I NTR ODUZIR, E DA
GRANDE P R U D Ê N C I A E ACERTO COM QUE 0 P A D R E V I E I R A
ULTIMAMENTE ACUDIO Á PAZ E QUIETAÇÃO DE TODOS.

Viuva de P asto r por m orte de seu Illustrissim o Bispo


I). Pedro da Silva, a grande Metropole c illustre Cidade da
Palria, com m cttôrão os R everendos Capitulares os seus po­
deres ao nosso Superior, que então era do Estado do Ma­
ran h ão , sujeito en tão áq u ellad ilatada D iocese; conferindo ao
dito S uperior todas as suas vezes para poder nom ear hum
ou m ais clérigos, pessoas aptas para Vigário Geral, que bem
o zelosam ente cuidasse do governo espiritual de tan tas e tão
necessitadas alm as, por fiarem da virtude c prudência do
dito Superior obraria nesta p arte com os olhos tão sóm ente
no m aior serviço de Deos e de Sua M agestade.
P ara prova do que, offcrcccm os a carta, íielm cnte trasla­
dada, do Illustrissim o Cabido:
« Senhor Prelado e S uperior da Companhia de Jesus no
M aranhão. — Foi Deos servido levar para si o Sr. Bispo
D. Pedro da Silva, em 15 cie Abril proxim o passado; e como
lhe succedem os na jurisdicção e governo deste Bispado, não
nos occorre pessoa de quem nos possam os valer com tanta
confiança, como de Vossa Paternidade, por se r este Bispado
tão dilatado.
« Pelo que agora se offcrccc pedir a Vossa Paternidade
queira fazer eleição de h u m Sacerdote, que lhe pareça ido­
neo e conveniente aos cargos que lá houver, para ser Vi­
gário da Vara, c juiz delegado ad universilaiem causarum,
e o que pertence a Provisor, Vigário Geral e Juiz dos Re­
siduos, o qual dará appellação para o Vigário Geral, que resi­
de nesta Cidade da Bahia, e faz comnosco o» m esm o tribunal
o ordinario cm todo o Bispado. E á pessoa que Vossa P ater-
nula de determ inar eleger e no m ear, essa m esm a nom eam os
o ncllii fazemos eleicfso para os ditos cargos em to do esse dis­
tricto.
«< E pareecndo-lhe a Vossa Paternidade dividir os ditos
cargos cm dilíerentcs pessoas, ou nomear outros Juizes de­
legados cm outras partes diílerentes, nesse mesmo districto
do Maranhão e mais Capitanias da nossa jurisdicção, o p o ­
derá Vossa Paternidade fazer, porque para tudo lho damos
nossas vezes c poderes, e havemos por nomeadas todas as
ditas pessoas o lhos damos e concedemos jurisdicção intei­
ra ou rcparlidamentc na fôrma que Vossa Paternidade o r ­
denar. Assim também damos a Vossa Paternidade poderes
para que possa remover a qualquer pessoa que tiver cargo
ou ofíicio pertencente a nossa jurisdicção, parecendo-lhe que
convém a s s im ; quo todo o nosso poder e jurisdicção con­
cedemos a Vossa Paternidade cm todo esse districto, como
se nós mesmos em pessoa estivéramos nelle para todas as
cousas, ainda que tenhão necessidade dc especial comrnis-
são, porque com isso nos parece desencarregarmos nossa
consciência fiando de tai pessoa como a de Vossa Paterni­
dade o bom espiritual dc nossos súbditos, como cie quem
lhe h a d e procurar com muita efficacia.
« E para mais segurança desta materia cie tanta im por­
tan d a por todas as vias e modos possiveis em direitos, e
além do sobredito, também constituímos a Vossa Paterni­
dade Ouvidor da Vara e Provisor em todo o districto dessa
Capitania e governo, com poder de subdelegar a jurisdicção
desses mesmos officios, todas as vezes que lhe parecer con­
veniente ao serviço de Peos e bem commurn das almas. F a ­
ça-nos Vossa Paternidade mercê mandar ao Reverendo P ro ­
visor ou Vigário da Vara tomo conta cio dinheiro da Chan­
celaria ato á morte do Senhor Bispo, que foi a 15 de Abril
cm liuma quinta-feira de madrugada do presente armo de
1 64i), e o que se achar se depositará em pessoa abonada,
se não houver liuma letra segura, para que o dito dinheiro
se entregue em Lisboa a Mathias Lopes, familiar do Santo
Ofíicio, morador na Calçada de S. Francisco; do que tudo
nos avisará, para dispormos o que fôr mais conveniente; e
de 15 de Abril por diante sc arrecadará o que tocar á Chan­
celaria, para o que sc nomeará pessoa abonada para que o
cobre, c tenha em seu poder as cousas que pertencem á
Mitra para o futuro Prelado do que lhe toca: o havendo aqui
em que sirvamos a Vossa Paternidade, o faremos de muito
lina v o n í a d e i o d o s o onda h u m <*;a p a r t i c u l a r . Bahi a, i d d e
Setem bro do Ilidi). — 0 Peão Luiz [ }i u l o . ■— (I M estre-Es­
cola D t o í / o Lopes Citares. — O Licenciado F r a n c i s c o t i a S i / .
i v . — O ('-oncgo C l e m e n t e F i a l h o . — () Chantre S e b a s t i ã o
d e B u l h õ e s . — 0 A r c e d i a g o A n U m i o P i n h e i r o . — J o s é P i n lo
d e F r e i t a s . — 0 Gonego A n d r é (.i o u r a I r e s d e M e l l o . _ f) Li­
cenciado A n t o n i o d a C o s t a . -— F r a n c i s c o P e r e i r a . »
Esta carta chegou ao M aranhão no anno seguinte de 1050,
tem po em que já não havia Padres naqnclle Estado por le­
rem naorrido os últim os ás m ãos dos barbaros Tapnyas Um a
tys no rio Itap u c u n i, como já deixám os escripto cm outro
lugar.
Por cuja causa, em quanto não chegavão novos Padres e
S uperior da Companhia, resolverão os letrados da terra que
visto te r expirado com o defunto Bispo toda a jurisdiccão do
Vigario-Geral actual, podia o Clero eleger outro, c depor o
que actualm eute existia, p arecer sem duvida m enos prudente
que não podia deixar de trazer consequências pessim as, e
para o socego das consicncias nada seguras,«parecendo m ais
acertad o conspirarem todos no que até ali governara com
provisão do Illustrissim o Bispo, evitando com isto o perigo
de m ais pesados encontros na supposição de serem os povos
de ordinario m ais amigos de novidades que am antes da
razão.
Fosse o motivo qual fosse, que nunca deixaria de se r ou
o de m aior paixão ou de m aior em penho, o Vigário Geral
que servia ficou apeado do cargo, c eleito outro em seu lugar,
que susten to u o posto apezar das representações do prim ei­
ro, de que resu lto u em b arcar-se este no mesmo anuo e
ir-se queixar a E l-R ei da m anifesta violência e injurias que
se lhe fizera, não havendo erro que o podosse privar do
officio, a que tinha acudido com zelo, assistido com credito
e susten tad o com inteireza
Ficava ainda este Vigário Geral em Lisboa esforçando o
seu requerim ento a tem po que o P adre Francisco Velíoso
com seus com panheiros p artira para o Maranhão, onde che­
gado que foi, receb eu logo a carta do Cabido da Bahia, em
virtude da qual, como S uperior que era, c pelos poderes que
nella se com m ettião, confirm ou a nova eleição, não atten ­
dendo m enos ao socego das consciências que á utilidade da
paz com m um , que precisam ente se havia alterar ao mesm o
passo que se quizesse alterar aos eleitores a regalia e ao
■•deito a posse.
;M *
,\i;)s roiiin o deposto não dormia, c repotia cm Lisboa
iirins ii-ilmiiaos o sou requerim ento, vencidas lodas as d e ­
m o r a s que semelhaules negoeios levão na côrle pelas con-
tiiuias c muitasoccupaçüesdosministros, cm que gastou mais
do hum armo, foi ultiinamentc despachado com ordem ex-
pressa de Sua Magesíade, para que o Capitão-mór Gover­
nador o rcpozcssc e meücsse de posse do seu antigo go­
verno.
Alegre com o despacho, só lhe faltava a occasião do em­
barque, que brcverncníe se lhe o fereceu na caravela em
qnc partia para o Maranhão o Padre Vieira com seus com­
panheiros, com grande contentamento do novo pretendente,
assim pela boa passagem, corno pelo que poderia interessar
na sua boa companhia ; c na verdade não se enganou, p o r­
que a não ter por si a prudente conducta do Padre Vieira,
correria maior risco a sua causa, c ser-lhe-hião necessa­
rios novos c mais trabalhosos requerimentos que os p r i ­
meiros.
Chegou finalmcntc a salvamento, sem se saber a que
vinha, senão quando fiado na segurança do cargo pela incon-
Irastavcl força da real ordem, a apresentou logo ao Capitão-
mór. que deferio para o dia seguinte, emquanto o Suppli­
cante descansava a execução.
Porém o Vigario-Gcral, que no Maranhão dormindo.,
parece tinha sido mais esperto que o outro na Côrte
acordado, tinha já tirado, pelo sim pelo não, liuma tal de­
vassa contra ellc, na ausência logo que fez para Portugal,
rcceiando-se talvez da volta que fizesse, que sem lhe d ar
nem ao menos hum a noite de hospede, ao tempo que se
achava gozando do descanso da primeira noite sem os b a ­
lanços do navio, lho derão repentinamente os ofílciaes da
Justiça Ecclesiastica hum tal balanço, que da propria cama o
lançarão e m a cadêa publica da cidade, com pasmo ea sso m ­
bro do pobre c descuidado clérigo, que clamava p or r e m e ­
dio ao Capitão-mór, que cm tão grande e tão raro aconte­
cimento não sabia o que fizesse á vista do muito que ainda
mais clamava o actual Yigario-Geral, protestando se lhe se­
gurasse o preso incurso em vários crimes na antecedente
devassa.
Mas quem levantava com mais desentoados gritos o triste
tom cia quelle motel e era o povo, que a fogo e sangue i m ­
pedia a posse do novo Vigário, querendo a todo o risco sus-

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t e n ta r a sua primeira eleição pelo muito que na sua graça
se tinha já introduzido o novo eleito.
Fazia-se intolerável ao despojado o não lhe valer a p r o ­
visão e ordem real, em que vinha tão coniiado, que ntinea
lhe passou por pensamento as pesadas meias que lhe haviào
metier nas pernas, disfarçadas em huns grilhões, que o
carcereiro lhe metteu por ordem do novo Vigário; o ainda
que ao Gapitão-mór parecia desarrazoado o procedimento e
manifesta a violência que se fazia ao seu afilhado, munido
nada menos que com a protecção real, quo mandava ao
governo o meltesse logo de posse, este comtudo se não
atrevia a embaraçar com a força outra maior forca ; porque
temia a do povo já meio amotinado em acudir peio seu Vi­
gário, pelo bemquisto que estava de todos, a (piem pela
mesma razão de os experimentar firmes naquelle premedi­
tado encontro, tinha feito c obrado tudo muito á sua von­
tade e satisfação.
O que posto resolveu o Gapitão-mór convocar huma junta
em que entrou o Desembargador Syndicánte, como também
os Prelados das religiões c o actual Vigário, que todos uni­
formes rogárão ao Padre Vieira quizesse também assistir
pelo que dizia respeito ao serviço de Sua Magestade e so-
cego daquelle povo.
Em tão criticas circumstandas recusava o Padre assistir,
porém houve de obedecer, fiado talvez em que seguirião o
seu voto, que era o que se poderia offereccr mais commo­
do ao futuro prejuizo de ambos os pretendentes, e porque
não poderei com palavras mais proprias referir o fim desta
contenda, continuo como costumo, com a mesma carta de
Vieira. Assim diz;
« Por me livrar desta Scylla e Carybdes, procurei quanto
pude não me achar na junta, mas foi força ir a cila, onde
os pareceres dos Prelados indinavão todos para a parte
onde estava o desejo do povo, e só h u m houve que pedio
tempo para estudar o caso (como se ainda o não soubesse,
sendo tão publico). Quando me tocou a fallar, disse que
não via de que fruto podessem servir nossos pareceres
nesta controversia, supposto não haver para a decisão delia
quem no Maranhão podesse ser juiz, nem declarar qual dos
dous fosse o Vigario-Geral, pelo que dies mesmos o fossem,
e que se lhes pedisse primeiro que pelo bem da paz se qui-
zessem c o m p o r e a j u d a r entre si.
(( Appmvou-se u meu parecer e quizerão que eu fosse o
que o proseguisse.
« Tomando então comigo o novo Vigário, que lambem es­
lava na junta, me íui com elle á cadôa, onde eslava o outro,
e audios pozerão todo o negocio em minhas mãos.
« 0 expediente que tomei foi que ambos fossem Vigários-
Geracs, o ]irimciro do Pará, onde tinha sua casa, e o se­
gundo do Maranhão, onde também tinha a sua, dividindo-se
da mesma sorte o governo espiritual, assim como Sua Va­
ges! ade o tinha já dividido no secular c politico ; o que
tambem foi conforme á mente dos Senhores Capitulares da
balda, os quaes prudentissimamente apontão na sua carta
que se parecer conveniente dividir-se o governo ecclesiastico
em duas Vigararias-Geraes, por serem tão dilatados os dis­
trictos, sc faça.
« Compostos nesta fôrma as jurisdicções, não foi difíicultoso
compor os animos dos dons competidores, os quaes logo se
abraçarão e p e rd o a rã o ; c o que tinha mandado lançar os
grille 3es sc lançou aos pés do outro e HEos tirou de joelhos.
c Logo sc forão ambos comigo á junta, onde todos ap-
provárão o que estava feito, menos o povo, em quem os
affectos são menos poderosos, vendo sahir dos grilhões ao
primeiro Vigário.
« E assim por este meio tão suave apaziguou Peos os
motins que já se ião semeando c depois brotárão, e se evi­
tarão as inquietações e concursos com que em semelhantes
casos sc costumão perturbar os povos e embaraçar as
consciências, e sc impedio ir o negocio appellado para o
Reino, onde scrião bem ou mal julgados os nossos provi­
mentos.
« Por estes c outros inconvenientes senti muito que os
Padres tivessem aceitado a commissão do Reverendissimo
Cabido, e tambem porque nestas partes ha poucos Eccle­
siasticos em cujas letras e consciências possa desencarre-
gar seguramente a sua quem quer dar boa conta de si aReos.
« Rastão-nos as nossas almas e as dos índios que formos
lendo a nosso cargo.
« Pelo que, peço muito a Vossa Reverencia o queira re­
presentar assim aos Reverendos Capitulares da Bahia, que
se sirvao do nos alliviar desta obrigação c encommenda-la a
outros mais desoccupados, c que com menos inconvenientes
a possâo executar.
MT
« Lem vejo liavcra quoin lho pareça quo esta depen-
ilencia dos Vigarios-beraes do mais da autoridade, tarn bem
nos porte see de grande importanda cm occasiõcs em ana
quando nos nao seja muito util termo-la nós, ser-no*’
mmto damnosa, se a tiverem o u t r o s ; mas estas razões dr
Lstado, men Padre Provincial, já iicão além da linha.
/( O Cabido diz, que descarrega sobro nós a sua con­
sciência, e ja que Dcos o nosso Instituto nos livrou de seme­
lhantes cargos, melhor nos está que corra o por outra
conta. » 1 1
v . Assim serenou o prudente juizo do grande Padre Antonio
Vieira huma tempestade, que promettia raios o ameaçava
coriscos, em que precisamonte, além da reputação, havião
de naufragar as vidas de muitos e as consciências de todos
Nao sei o tempo em que os Padres continuarão na no­
meação de Vigários, quo no mais que pertence á dimtidade
os nossos exercé-la fóra da Companhia sem expresso p re­
ceito do Summo Pontífice conforme seu louvável instituto
seria faltar ao voto. '
Sei que o governo do Estado, no que tocava ao espiritual
esteve sempre annexo ao Bispado da Bahia, que daria nova
providencia conforme o requerimento do Padre Vieira até o
anno cie 1679, cm que o Maranhão teve o primeiro Bispo na
pessoa do Illustrissimo D. Gregorio dos Anjos, Conoco seen-
lar da nobilissima ordem de
I fi V* í l e TI a K «llCIfM W* n í-1 n r l r, ^
João Evangelista
o
.1„

como a
'I — T~t * ... '^

seu tempo veremos.


Entre todos os que tiverão o governo espiritual até o dito
anno toi o sempre venerável e douto Padre Frei Christovão
de Lisboa, Religioso de Santo Antonio, que com 12 com­
panheiros, melhor dissera com 12 servos de Decs, fundou
com geral edificação esta exemplarissima ordem naquella
capital, e alem do governo da sua Religião, teve também o
espiritual de todo o Estado por quasi 12 annos até o de
Ib5b, em que voltou para Portugal, tendo governado com
exemplar virtude e rara prudência, sendo por ultimo no­
meado Bispo cie Angola, que primeiro o chorou morto, que
gozasse do suavissimo cheiro dc suas singulares virtudes.
Erecto o Maranhão em Bispado, ficou desannexo do da
Bahia, e sujeito ao Metropolitano dc Lisboa, assim como
depois^ o do Pará, para onde se cosíumão interpor as ap­
r o e s destes doms Bispados.
CAPITULO V.

I'RIMEIKA TORMENTA E MOTIM PÜDUL AR NO MARANHÃO P OR


t.Al S.\ D V NOVA L E I SOBRE O INJUSTO CATIVEIRO DOS
.1ÍNDIOS. __ plMlIClA COAI QUE O P A D R E ATEIRA SOCEGA OS
,
m a k e s E SE 01 'P Õ E AO ÍMPETO DE TÃO P R E C I P I T A D A COR­
RENTE NO MAIOR P E R I G O DOS S E E S SUBDITOS.

Tocámos com as mãos, pela não podermos levantar com


tão desmarcado peso, aquella pedra de escandalo, paia
abalar a cpial forão sempre muito fracas as maiores forças,
debilitados os meios, e quasi inúteis as maiores diligencias.
Mra o injusto cativeiro dos índios o peccado original e
habitual dos moradores daquelle Estado, querendo que os
miseráveis fossem seus escravos, sem mais titulo que e n ­
trarem armados cm suas terras, matar huus, e a m a n a i
outros, e a torto c a direito celebrar vendas de sangue l m -
m a n o / q u e estava clamando pela liberdade, e causando h o r­
ror e escandalo aos olhos da piedade portugueza ; vendo a
buns infelizes, por falta de forças, privados não só das suas
terras, mas também das próprias vontades, sem aproveita­
rem os brados dos Missionários para espantar a fereza cie
tão encarniçados lobos, que nunca jamais sc quizerão accom­
moda r a servir-se dos índios como livres, merecendo tal­
vez com esta sua tenacidade, quo sens descendentes chegas­
sem a tempo em que n em ainda como taes os tivessem
para seu serviço, antes os vissem superiores nas vantagens
e isenções com que forão cxcluidos do primeiro e despotico
domínio de seus antigos possuidores, contando estes injus­
tos cativeiros sua origem dos primeiros descobrimentos
pelos Portuguezes, cujo principio dizião nunca teria íiin.
E a fallar a verdade, a experiencia mostrava que ou os Ín­
dios, que erão os mais , ou os mesmos Portuguezes, que
crão os menos, liavião de acabar na e m p re z a ; porém en­
ganarão-se todos, por se não poderem dar forças humanas
contra as divina-, nem a s a s t ú c i a s dos h o m e n s oppor-se
— -
confiadas ás inevitáveis disposições do sua a Hiss ima o a d ­
mirável Providencia.
Teve finalmente fim a enganosa persuasão destes lialliicina-
dos moradores, e tiverão lim glorioso os cativeiros; o que
os mais circumspectos tiverão sempre por impossível, que
como se suppnnha peccado original, necessitava de. hum vi­
gorosíssimo e gloriosissimo Redemptor; porém mais que tudo
de zelosissima aeíividade e perspicaz conducta nos minis­
tros desta grande obra, de que não posso fallar sem as­
sombro, sem respeito e sem os vigorosos impetus de huma
extraordinaria complacência ; vendo cííectuada huma lei
por que snspiravão ha mais de u m século o zelo da maior
gloria de Deos, e o soccgo das mais timoratas consciências.
Yivão pois em perpetuas eternidades, o Clementíssimo
Rei, e os ministros por conta de quem correu esta gloria
sempre excelsa da Nação Portugueza.
Constante foi sempre nos Serenissimos Reis de Portugal
a piedade e justiça com que repetidas vezes se lumverão
na liberdade dos pobres índios, c protecção destes desgra­
çados nacionaes, da mesma sorte no Maranhão e Pará, que
no Brazil nos seus princípios.
Tinlião todas as mesmas leis que reprimião as injustiças-
que sc usavão contra a pretendida liberdade.
Erão eílicazes os meios, mas erão de ordinario lastimosos
os tins.
Clamavão as leis pela liberdade, e clamava a liberdade
pela execução das leis, porque nunca faltarão estas, nem dos-
Monarchas Portuguezes se, podião queixar os índios, nem
de tantas desordens os Missionários, que ao mesmo tempo
que admiravão a piedade real, não podião v e r s e m pasmo
a inacção dos governos, a quem o temor continha entre os
limites da prudência, vendo-se sem forças para rebater os
ímpetos de hum povo indomito, que cm materia para eile
tão sensível não podia deixar do perder o respeito á pro­
pria fidelidade.
Nascendo todo o excesso, não da falta da lei, mas da in­
observância delia por falta do meios, c por falta do hum reso­
luto e acautelado ministro da sua devida execução.
Demos disto alguma noticia, por so acaso encontrarem
estas memorias a curiosidade de alguns leitores que a não
desestimem.
Permittiráo -se no Brazil os cativeiros feitos conforme o
d i r e i t o m u g u e r r a j u s t a , (i. segundo a o p i n i ã o mais segura
d o s J u r i s t a s ; o d a mesma sorto, e com o mesmo motivo se
j M ' l i n i í t i r ã o d e p o i s n o Maranhão c P a r á ; porém advertindo
o s m i n i s t r o s d o El-Rei o muito que abusavão os Brazileiros
d a s l e i s do 1 5 7 0 , 4 5 8 5 e 4 5 9 5 , que permittião os ditos cati­
v e i r o s n o s r a s o s apontados nas mesmas leis, conforme o
commum d o s a u t o r e s ; multiplicando-se á sombra das leis
r c a e s a s i n j u s t i ç a s d a s leis da ambição, consultarão a m a ­
t e r i a a o P i e d o s í s s i m o Rei, q u e mandou totalmente prohibir
no B r a z i l t o d o o g e n e r o de cativeiro de índios, ainda nos
c a s o s permit t i t i o s e m direito, na lei que se passou em 4009,
a qual se mandou publicar com expressões tão apertadas,
que totalmcnlc se prolubia d ar ouvidos a todo e qualquer
requerimento, que parecesse encontrar o disposto na m es­
m a lei.
Assim se observou dahi p or diante no Brazil, com a cir-
comstancia de que só desse tempo em diante crescerão
aqueiles moradores em cabedaes.
Nó anuo de 1015 tomarão posse os Portuguezes do Mara­
nhão, e com a primeira conquista da terra derão também
por conquistada a liberdade dos índios, naturaes senhores
das mesmas terras em que nascerão, e a que só podião ter
direito os Serenissimos Reis de Portugal cx vi da Bulla do
Summo e Universal Pastor Alexandre VI, com que dividio
o globo terráqueo por liuina linha, que chamarão mental,
entre as duas Monarchias Portngueza e Castelhana, com o
especioso titulo da promulgação do Evangelho aos que o
quizessem abraçar, e com guerra aos que com as armas o
pretendessem impedir: porém nem esta, nem outra alguma
força aos que se não quizessem sujeitar , por serem legiti­
mos senhores do que possuirão com tão bom titulo, como
a benigna doação que a elies, como ás mais nações, tinha
leito o Supremo e Eterno Autor da natureza humana.
feita por Sua Santidade esta demarcação em virtude da
linha mental, cortando Norte-Sul pelo meridiano de 330
graus de longitude na linha equinocial, correndo para o
Oriente a Portugal, e para o Occidente a Castella até intei-
i<u cada buma das coroas os seus ISO gráos; conforme a
concessão pontifícia, parece não tinhão mais jus os P o r tu -
guezes que promulgar aos índios o E v an g e lh o , e se
elies o quizessem boamente receber e aproveitarem-se
e a s c o n v e n i ê n c i a s d a n o s s a a m i z a d e , vivermos com os Índios
a'li'gavdniHUo, servindo-nos com olios a son contcuto o
jh.'Io interesse (|i!o do nos recebessem polo son trabalho
I ovum os moradores desta' Estado , excepluando os
( no minui se deixarao preoccupnr deste erro communi, tem
] <iia si e allirmao que com as terras receberão os primeiros
povoa dores o dominio das liberdades dos seus naturaes
que JJeos lhes dera para seu serviço, p or serem gente bruta'
a quem be mais conveniente o cativeiro no grêmio da
gnqa, c em poder de quem os doutrine nos mysteries da
-loq que estarem-se matando uns aos outros, e vivendo nos
matos a maneira de leras (como se tudo isto se não podesse
lazer no estado de livres); proposição para dies a mais es­
candalosa, e que tanto tem custado aos Missionários da
Companhia.
Àccrescentavao mais, quo a restauração do Estado das
maos dos francezes, e depois dos Hollandezcs, fòra á custa
de muito sangue de seus ascendentes, a quem em prêmio
se concederão os Índios, o por conseguinte a todos os seus
descendentes (como se os índios os chamassem para a con­
quista ou para cila oíferecessem cm algum tempo a perda
das suas mesmas liberdades).
Além de que, se havemos dc dar credito ás verdadeiras
noticias sobre que se fundão nossos escriptos, aos índios
e valentias de seus arcos deve o Estado huma grande parte
de sua restauração, que a não desam pararem estes os F ran ­
z i 38 l>clo nosso partido, animados dos nossos primeiros
l a d r e s , nao seria por então tão fácil de conseguir a ein-
preza na circumstanda de tão limitado poder dos Portmuie-
zes, como já dissemos. D
0 que posto, todos e quaesquer raciocínios que se
íizcssein contra a liberdade dos índios erão erroneos in jus­
tos, e h u m continuo tropeço das almas o sustentar estes
discursos: mas estas razões naquelle tempo erão, além de
Iracas, de nenhum vigor para derribar a huma posse pres-
cimlmdo da boa ou má fé) táo arreigada, e que se não po­
dia disputar sem grave perigo dos arguentes.
bem o experimentarão, e muito á sua custa, os nossos
Padres Manoel Comes e Diogo Nunes, vendo-se obrigados
a coder ás violências do povo, e em barcar-se para as índias
dc Castella tio anno de ICES para 10, a buscar na curte de
Madrid o remedio dos perseguidos índios.
A s s i m c o r r e u livre a a m b i ç ã o d o s c a t i v e i r o s a t é o de
lid
i oh a n o « d u m - a r ã o a o M a r a n h ã o o s Padres L u i z figueira
ircnedicio Aniodoi. que h u m a s vezes mais e outras
íamos impedirão peias medidas do tempo as desmedidas
immdacões das mesmas injustiças, até que mortos pelos
Tap uvas bravos os ultimos Padres, no de -H»49, soitarao
todos' os diques á Mia insaciável cobiça os m oradores inun­
dando aqueílos sertões com tropas volantes, que nao laziao
mais que am arrar e conduzir os miseráveis índios a h u m
pesado e irremediável cativeiro : tanto assim, que escan--
dalisado summamente o Vigário Geral do hstado, Matheus
de Souza, não havendo quem protegesse os Índios senão
os Padres da Companhia (tão comrnum era então aqnella
causai, obrigado da propria consciência, e razao do caigo
que servia, c não de paixão, como então se disse, deu na
Curte hum a tal conta, e com tão vivas razões a expnmio na
presença de Sua Mngestade, que o Piissino Monarcha o
Senhor D. João I V , compadecido de tantas injustiças e vio­
lências, mandou por lei de lC5t2 prohibir totalmente o ca­
tiveiro dos índios no Maranhão e Pará, onde ordenava com
as maiores forças se observasse a lei passada no mesmo in­
tento para o brazil no de 1009, sem ainda permittii os
casos exceptuados em direito.
Esta lei mandou o mesmo Senhor pôr em execução no
Maranhão e Pará pelos mesmos dons Capitaes-inores que
partirão a governar o Estado no mesmo navio em que íoi a
Missão, alguns inezes antes da partida para o mesmo do
Padre Antonio Vieira ; porém pelos motivos que ignoramos
se não publicou aqnella até o decimo quinto dia da chegada
do mesmo Padre ao Maranhão, em que m andou ao som de
caixas publicar a dita lei o Capitão-mór Balthazar de Souza
Pereira, como Sua Magestade lhe mandava, que foi o mesmo
que tocar a rebate para que os moradores da cidade de
S. Luiz se ajuntassem logo armados na casa e terreiro da
Camara, seguindo as vozes do P rocurador delia Jorge de
Sampaio e Carvalho, onde se resolveu defender a injustiça
da causa á custa das vicias, de sorte que se não cum-
prisse a lei, e se oppozessem ás ordens do Capitão Balthazar
de Souza, que a pretendia d a r á execução. A primeira cousa
que fizerão foi arrancar a lei do lugar onde estava afííxada.
A segunda levantar huma voz do meio daquella amotinada
turba, que se lançassem tora os Padres da Companhia, por
lerem sido os autores, e os que linhão procurado e conse-
- , >!, I

ii.lij( lo a dita !oi. Do tudo isto, o do m ass quo so segui o


(jiiero ler o gosto do coiiimiinicar aos leitores as mesmas ex­
pressões (!() bom Padre Vieira na sua mesma carta do '22 do
Maio do ií)53, de que já acima fizemos menção, por mc não
sabor explicar melbor quo por esta eloquente penna.
a Como os nossos intentos e acções era o tão contrarias
ás do demonio, tratou o inimigo de semear zizania sobre
este grão tão limpo, o fê-lo com tanta astúcia, que nos pôx
a perigo, não só de arrancar a cl 1e da terra senão lambem
a nós. Tinha mandado nesta occasião Sua Magestadc huma
lei na qual declara por livres, como nesse Brazil, a todos os
índios deste Estado, de qualquer condição que sejào.
« Publicou-se o bando com caixas, eaflixou~se a ordem de
Sua Magestadc nas portas da cidade. O eífeito foi recla­
m arem todos a mesma lei com motim publico na Camara,
na praça, e por toda a parte, sendo as vozes, as armas, a
confusão e perturbação, o que costuma haver nos maiores
casos, resolutos todos a perder antes a v id a (e alguns houve
que disserão a alma] do que consentir que se lhes h o u ­
vessem tirar dc casa os que tinhão comprado por seu di­
nheiro. Aproveitou-se da occasião o demonio, e pôz na
língua (não se sabe de quem) que os Padres da Companhia
forão os que alcançarão de El-Rei esta ordem para lhes ti­
rarem os índios de casa, c os levarem todos para as suas
aldêas e se fazerem senhores delias, c que por isso vinhão
agora tantos.
« Achou esta voz fácil entrada não só nos ouvidos, mas nos
ânimos do vulgo, atiçando talvez a labareda alguns que
tinhão obrigação de a apagar ; mas esla a desgraça que os
da mesma profissão sejão de ordinario os mais apaixonados
contra n ó s ; porque só elles querem valer na terra e olleo-
de-lhes os olhos tanta luz na Companhia, e posto que h o u ­
vesse pessoas das mais graves e autorisadas, que se pozerão
cm campo por nós, comtudo contra h u m povo furioso
ninguem prevalece.
« 0 furor que tinhão concebido contra a lei de El-Rei
(á qual também não perdoárão, arrancando-a donde es­
tava) todo o converterão contra os Padres da Companhia,
não duvidando já de fazer alguma grande demonstração com
elles, mas tratando, ou tumultuando em qual havia ser. Para
o fazer com maior justificação, como a elles lhes parecia,
formarão huma proposta ao Capitão-mór Governador, em
■i i i -
nome da Nobreza, Religiosos, o povo de iodo o Estado,
.na (|nal lho rcquerião levantasse o bando, allegando que a
republica se não podia sustentar sem índios, e que os do que
se servião crão legitimamente ca tiv o s; quo as entradas ao
sertão e resgates erão licitos, quo os índios erão a mais
barbara e peior gente do inundo , e que se servissem
com liberdade se havião levantar contra os Porluguezes : e
outras cousas a este modo, humas verdadeiras c outras d u ­
vidosas, e as mais totalmente falsas e erradas.
«. Esta proposta, assignada pelos Prelados das religiões, c
pelos dons Vigários Gcracs, nos mandou a Gamara, para que
também a assignassemos. Escusámo-nos de o fazer, porém
insistirão a que respondêssemos. Pareceu a todos os Padres
que devíamos responder, e que a resposta fosse a mais fa­
vorável ao povo, quanto désse lugar a consciência, para que
entendessem que só obrigados delia nos não conformávamos
em tudo o que elles querião.
« Feita esta resposta, e approvada por todos os Padres, le-
várão-a dons ao Vereador mais velho, que he pessoa
muito autorisada, Capitão-mór que ficou do Gurupá, o dos
maiores devotos e bemfeitorcs que tem nestas partes a
Companhia. Era em papel apartado, para que podessem
usar delle, ou não, como lhes parecesse. liisserão-se as
missas todas daquelle dia por esta tenção; e no seguinte
estando nós conferindo que mais orações e penitencias se
havião applicar, era a primeira hora da noite, e eis que ou­
vimos hum tumulto muito maior que os passados, o qual
cada vez soava mais, e se vinha avizinhando á nossa casa.
Sahimos a huma varanda, e as vozes que sc ouvião erão :
— Padres da Companhia 1'óra, fora inimigos d o b e m com mum.
Mettão-os em duas canoas rotas ! — Entre as vozes reluzião
as espadas, das quaes escaparão com muita difíiculdade o
piloto c alguns marinheiros da caravela em que viemos,
contra os quaes arremetteu o povo, q u eren d o -o s m a ta r por
nos haverem trazido.
c( Emfim o tumulto cresceu de maneira que para osocegar
foi necessário que o Governador com todas as tres com ­
panhias que aqui lia de presidio, com balas o mechas accesas,
os viessem arrancar das nossas portas. Não houve porém
em todo este tempo, que seria espaço de huma hora, quem
se atrevesse a por as maos nellas; só o Vereador que já dis­
semos entrou a pedir, quo quizessomos pôr alguma v__
— :u :s ...

S’ariio no nosso parecer sobre os ponlos quo toe a vão ;i li­


berdade dos índios, para quo com isso so moderasse lam .
jjciii o aquietasse o povo.
« Hespondemos-lhc com declarar a grande vontade quo
tinliamos de servir a esta republica, da" qual lambem nos
oramos parte, puis viéramos para viver e m orrer iieila, c
qno por e s ta c a u s a no nosso papel seguíramos as opioides
mass largas, e, favoráveis aos moradores, e que só lhes negá­
vamos nolle aqnillo que em consciência lhes não podia' de
nenhum modo pertencer. Ono o nosso primeiro intento lura
não dar parecer nesta matéria, pelos não desagradar, mas
qne obrigados delles mesmos a dizer o que sentíamos falta­
ríamos muito ao que de nós so esperava, se disséramos
cousa alheia da justiça e da v erd ad e; c no caso que, pelos
contentar, nós o fizéssemos então, merecíamos não só que
nos lançassem fora, senão que nos tratassem muito peior.
«Sobre isto lhe relerim os como em Lisboa renunciara o
Padre Manoel de lama o oflicio de pai dos Ghristãos, como
na índia, c eu o da administração c repartição dos índios,
tudo afim de evitar encontros nesta maleria com os Portii-
guezes, cujas almas primeiro que as dos Indius vínhamos
buscar ao Maranhão. P arliu -seo Vereador bem satisfeito da
nossa resposta, c resultou o vir cllc pela man há a do dia se­
guinte com os mais em fôrma de Gamara a terem satisfação
comnosco sobre o tumulto da noite passada, estranhando
muito o atrevimento do povo, e sentindo que na terra em
que elles governavão tivessesucoedido tal d escom postura; e
o mesmo cumprimento viorào também ter comnosco os
mais graves da terra.
« Aquietárão-se com isto as vozes eos tumultos, porém os
ânimos pouco ou nada se socegárâo. Cada dia d a li por
diante nos levantavão h u m fatso testemunho. Dia da Purifi­
cação de Nossa Senhora fez o Padre Francisco Velloso a
doutrina aos índios, como he costume á primeira missa da
m adrugada, e sendo que de industria só lhes ensinou as
orações, sem lhes fallar outra palavra, dissera o depois que
prégára aos índios, que todos erão forros. D a hi a poucos
dias nos escreveu hum Prelado de certa religião (assim nos
tratavao) que lhe tom áram os quatro índios que andavão
trabalhando nas suas obras, para nos irem rem a r hmna
canoa, estranhando-nos muito semelhante termo ; c nem tal
canoa, nem ta cs índios houve, nem sombra de fundamento,
.. ;r,r, -

sobre que tal chimera se podesse levantar, logo espalhou o


.Procurador do Conselho que hum Incho lhe fugira e se reco­
lhera na casa dos Padres, e que lá lh o tinhão escondido,
sendo tão grande falsidade como as demais, as quaes nós
sem nenhum estrondo tiravamos logo a limpo ; de maneira
que constava serem todas invenções de gente malevola,
com que cansarão e desistirão deste modo de perseguição.
Não faltou neste tempo quem lembrado da cliííerença com
que foramos tratados e pretendidos em Cabo-Verde, quasi
esteve arrependido de se não deixar ficar lá ; mas esta mes­
m a perseguição devia animar mais nossa confiança, pois o
demonio nunca procura estorvar senão onde prevê alguma
cousa que temer, e t c . »
CAPITULO \ i.
COPIA DA RESPOSTA QUE DERÃO OS PADRES, E DE COMO
ÜLTLMAMENT E SOCE 0 OU TEDO A ORANDE PRUDÊNCIA Do
PADRE ANTONIO YIEIRa .

Jcndo diante com os mais documentos a resposla que


derào os nossos obrigados do povo, sobre o quo mandava a
lei a favor da liberdade dos índios, parecen-nos conveniente
d ar della cabal noticia, para quo so não sepulte nas trevas do
esquecimento humas memorias, dignissimas da luz publica
pela claridade que nellas nos communica quem na sna
formação teve a maior parte, e ao que se deve supmV a
grande comprehensão de seu autor o grande Padre Antonio
\leira. He a s e g u in te:
<( Senhor Capitão-mor Governador Balthazar de Souza
Pereira.— Supposto que esta representação se faz a Vossa
Senhoria em nome de todos os Religiosos deste Estado no
qual numero entramos também nós os da Companhia e por­
que os Senhores Officiacs da Gamara desta Cidade nos instão
que ou assignemos ou respondamos, não podemos deixar de
dizer a Vossa Senhoria o que neste particular sentimos •
p orque nem em todo elle se conformão nossas consciências
com o que no dito papel se re p r e s e n ta ; motivo por que á
parte damos nossa resposta.
« Primeiramente suppomos que por nenhum interesse
temporal se deve commetter, nem perseverar em h um pecca-
do mortal, ainda que do contrario se seguisse a perda, não
só de u m Estado ou Reino, senão ainda de todo o mundo.
« Em segundo lugar suppomos que de se dar logo to­
talmente execução á lei de Sua Magestade publicada pelo
bando, se seguirão vários inconvenientes a esta Cidade e
Estado, que sem índios, de que os Portuguezes se sirvão
se não póde conservar.
« J s t o posto, nos parece que as consciências dos moradores
do Estado, e os interesses e inconvenientes temporaes d elle
assim quanto á restituição do passado, como ao remedio do
futuro se podião concordar na 1urina seguinte.
« Quanto ã restituição do passado, todos os índios do
quo so servem os Portuguezcs cm. suas casas c fazendas, on
são conhecidamcntc escravos, ou conliecidamente livres on
estão em duvida?
(( Sc são conliecidamente cativos, he certo quo os podem
reler sens senhores em Ima consciência, ao m enos emquanto
Sua Magestadc lie melhor informado e se espera nova re ­
solução.
(c Se são conliecidamente livres, também lie som duvida
que os não podem reter cm boa consciência sens chamados
senhores, e que os devem logo pôr em sua liberdade, rei vi m-
d içando o preco daquohas pessoas que lidos venderão, com
que a perda da tal restituição ou fique muito moderada ou
nenhuma,
« Se se duvida da sua liberdade ou cativeiro, se deve
também logo fazer exame, c acbando-sc serem verdadeira­
mente livres ou cativos, se restituirão ou reterão, como
taes.
(( E no caso que feito o dito exame se não tire a duvida,
se esteja sempre pela liberdade conforme o direito.
« Acorcscentamos que aos índios conliecidamente livros,
não só se lhes deve restituir cm consciência sua liberdade,
mas também o preco de seu serviço, e ainda o de seus pais
e avós, se da mesma sorte estiverão debaixo do cativeiro
dos Portuguczes.
(( Mas a todo este escrupulo que lie gravissimo, se pode
acudir muito facilmente, alcançando dos mesmos índios,
quo remit tão e perdoem o tal serviço e direito, como se não
póde duvidar, o de muito boa vontade, huma vez que se
vejão senhores da sua liberdade ; e só por esta via ficarão
seguras o desembaraçadas muitas consciências.
« Quanto ao remedio do futuro, se póde reduzir aos qua­
tro pontos seguintes :
<( Primeiro, que se alcance de Sua Magestadc licença para
se fazerem legitimos resgates no sertão, os quaes não lia
duvida que são licitos, sendo feitos os escravos conforme as
mais seguras regras do direito, e muito convenientes ao bem
espiritual das mesmas almas dos Índios, sendo feitos com
todas as circumstandas que pede a justiça c Chris landa de,
e não por pessoas que debaixo de liberdade fação as injus­
tiças e sem razões que até aqui se tem experimentado.
« Segundo, que para o serviço e maneio das fazendas se
— —

poça a Sua Magosíado mando vir para es! o Estado alguns


navios (it? escravos cio Angola, para o que não fallaráu m e r ­
cadores, prirmipalmoiito convidados com alguma mercê que
os applique a este emprego.
« Terceiro, que os sobreditos Índios restituídos á sua
liberdade se ponhão nas suas aldèas, ou se aggregtiem ás
antigas, o delias se reparlão pelo serviço dos ' Portuguezes
com n equidade que convem, na qual repartição se pode ler
respeito no maior ou menor numero que cada limn leve
dos ditos índios, mas nunca seriamos de parecer que os
mesmos se dessem aos que antigamente Corão seus senho­
res, para assim se remover melhor toda a cspecie de cati­
veiro, revesando-se sempre as mudas a seu tempo.
(( Quarto e ultimo, que feita toda a paz, que fôr possível
com os sertões, se fação entradas a d ie s e sc desção índios,
que podem ser cm grande numero, e para o que offerecc-
mos já nossas pessoas, os quaes vivendo corno livros, sc po­
derão também applicar ao serviço dos Portuguezes, na forma
que parecer mais útil ao bem cia Republica, com que cila
terá com que se remediar tão justa como licitamente.
« De maneira que, vistos os graves inconvenientes tem­
porãos que se seguirão aos moradores desta Capitania e
Estado, de se dar logo execução á ordem dc Sua Mages-
tade, somos de parecer, que interpretando Vossa Senhoria
cm tão criticas circumstancias sua real vontade, poderá cm
consciência suspender a execução cia dita ordem cm tuclo o
mais, salvo naquclla parte que tocar aos índios cio conhe­
cida ou duvidosa liberdade, os quaes na fôrma acima dita,
se não podem rete r sem peccado, ainda quando não houvera
a dita ordem de El-Rei ; e querenclo a Gamara fazer a sua
proposta clentro destes termos, então a assignaremos de
muito boa vontade, como também a serviremos ern tudo o
mais que não encontrar nossas consciências.
« Isto hc em summa o que nos parece e isto o que dize­
mos, cie que se darão os fundamentos mais por extenso,
quando seja necessario.
« Nesta casa de Nossa Senhora da Luz, 31 de Janeiro de
1653. »
Esta a resposta que clerão os Religiosos da Companhia
sobre as doutas reflexões cio Padre Vieira, sendo a mais fa­
vorável que se podia dar a favor cio povo, ainda assim
descontente, ou para melhor dizer frenetico contra o mesmo
— ; Km —

medico (|uo com a possivcl suavidade lhe applicava o re m e ­


dio, (jno mais pedia fogo c cautérios que oleo ou outro
algum brando lenitivo ; mas o que não pôde concluir com
olio a razão, o direito o a justiça, eonciuio Deos para m o s ­
trar a facilidade com que se mudão os corações e intentos
dos homens, quando por conta de sua particular Provi­
dencia correm os nogocios ao parecer difíicicis; vencendo-se
corn hum repente ou h u m acaso o que se não podia c o n ­
cluir em largo tempo, sendo hum a cortezia justa, mas sin­
ceramente negada, e depois com algum genero de adulação
restituída, a que por então abrio lugar o deu occasião á
desejada concordia. Foi o caso:
Mandava o P adre Superior Antonio Vieira, como já disse­
mos, aos Padres Matheus Delgado e Manoel dc Souza para o
Pará a ajudarem ao Padre Souto-Maior, quo logo á chegada
do Reino do Padre Vieira, pedira Superior para a casa e
operários para a colheita.
Partião agora os dons nomeados para a villa de Tapuyta­
per a , terra firme defronte da Ilha do Maranhão, em h u m
barco, por se interpor huma grande bahia que terá tres
léguas de furiosas correntezas, por se receber nellas as
aguas dos dons rios principaes, Pinaró e Mearim, que sahin-
do na boca da barra pela Ilha a que chamão do Medo, vai
n caliir no Oceano, com o nome que alguns lhe dão de Rio
Maranhão.
Ao ponto dc levantar ferro, por repontar também já a
vazante da maré, hora que era da partida, chegou ordem
do Capitão-mór para que o barco não levasse os Padres que
eslavão já embarcados para a dita villa o dahi passarem para
o Pará em canôa, conforme a ordem de seu Superior, que
ao mesmo tempo se achava com elles fazendo as despe­
didas.
Instava a maré e o mestre do barco pela brevidade da
viagem, porque o Padre Vieira lhe mandou h u m escripto
ran que desculpando com a ignorância a falta da licença, l h ’a
pedia com efficacia, por não perderem os Padres a occasião,
o elle a ter p or esta mercê de ir beijar a mão a Sua Senho­
ria o dar-lhe a satisfação desta sua innocente culpa.
O Capitão-mór que estava offendido, não p o r lhe não pe­
direm licença, pois nunca tal se praticou, mas sim por lho
não tomar o Padre Matheus Delgado, b o m dos navegantes,
a vénia honoraria no principio do sermão de Cinza, que
— 3T; 3 —

ímlia pregado no dia antes na nossa Igreja. o estava ião


possmdo da paixão por huma falia tão iüra do cstylo ono
11:10 so nao respondeu ao Padre Vieira, quo foi assaz V o s -
seira ímpolitica, senão (jue mandou ordem para que o Padre
ala luens Delgado fosse logo á sua presenra.
Psías de ordinario as despóticas ar cue's daquelles novor-
nos, quando o proprio desvaneeimento’os faz degenerar em
divindades fingidas.
_ Pasmado o Padre Vieira de lnima ordem tão repentina e
tao fóra da sua jnrisdicçao, entendeu logo, que o Capitão-mór
queria .tomar occasião de quebrar coin os Padres, e assim
ordenou ao Padre que não fosse, e elle se botou em seu
lugai, sujeitando-se ao perigo de ser mal recebido como
na verdade foi, pelo apaixonado Governador da praça, que
bom podia tomar a sua queixa sem faltar ao respeito de bum
tao grande homem e tão bem tratado das mesmas Majes­
tade. ‘ °
Entrou logo com desentoadas vozes a queixar-se dos P a­
dres por se embarcarem sem lhe pedirem licença, assim
c o m o o linlião feito no púlpito, sem lhe tomarem a’ venia
de Illustrissimo.
A tudo attendia e calava o Padre Vieira, cm tudo sempre
grande, porém mais que tudo cm ser muito senhor cie si nes­
tas e semelhantes occasides.
Passado o primeiro furor, e vendo o Padre que já era
tempo de fallar, o satisfez com a ignorância da tal licença
sendo ainda novatos na terra, além de que os Padres por
duas vezes o tinhao buscado para tomar suas ordens antes
de se pôrem em p a r t i d a ; c quanto á venia do sermão, res­
pondeu que o Padre o fizera com toda a sinceridade e in-
ciilpayelmente, por ser cousa nunca usada com os Senhores
Capitães-móres e ainda com o titulo cie Governadores, não
sendo Viso-Rei; porém accrescentou logo a rara prudência
cio P adre Vieira, que estava prompto para lhe dar toda a
satisfação c pregar na seguinte Dominga, afim de lhe tomar
a venia de Illustrissimo, para que não parecesse ao povo
que a Companhia, que costumava ensinar politica, a não sa­
lda usar, ou faltava a ella levada tão sómente cio seu. capri­
cho ou de outra paixão que respirasse soberania.
Logrou a industriosa resposta deste insigne varão clous
íins os mais convenientes a seu i n t e n t o : o primeiro dirigido
a congraçar-sc com o Capitão-mór cm ordem a elesembara-
r;ir ns i’;kires para sua viagem, cumo succedeu, mandando
fo e, ordem ao barro para que partisse cum os Padres : o
segundo e do mass superior espliera, e o que parece enca-
m in lion Deos para totalmente desvanecer o motim do povo,
q u e posto estava mais socegado, não deixava por isso de estar
ainda occulto nos corardes dos moradores, nem de sorte
oxiincto, que se não temesse, brotasse depois no maior ex­
cesso.
Siicccdeu porém, que estando continuando na mesma p ra­
tica com o Capitão-mór, entrárão duas pessoas das princi-
paesda terra; o entrão também asformaes palavras do nosso
Vieira, com as qnaes quero referir esta portentosa m u d a n ­
ça: « Pu trarão (diz) duas pessoas de maior porte, e g radua­
rão da terra, as quaes a poucas palavras mettôrão pratica
sobre a nossa resposta acerca da liberdade dos índios. Ar­
gumentarão rijamente contra elles; c o Capitão-mór Gover­
nador era o que estava mais duro, exagerando suas malda­
des c barbarias, e approvando as causas dos cativeiros; mas
explicando-lhes eu ponto por ponto os fundamentos das
nossas razões, o a verdade c justiça das nossas resoluções,
c como era impossível ter salvação quem fizesse ou seguisse
o contrario, e de quanta utilidade ainda temporal podião
ser, se se abraçassem os meios da conveniência que ellas
apontava o : ficarão tão convencidos todos da força da verda­
de, que confessarão, não só que tínhamos razão, senão
que era hem que todos se conformassem com aquelle papel
c assim se executasse.
«0 Governador da praça se persuadio tanto, que me peclio
Jogo, já que eu queria pregar o domingo seguinte, fosse
este o assumpto do sermão, promettendo, que se o povo o
aceitasse, elle disporia e ajudaria o negocio de maneira que
viesse a sortir hum grande effeito.
«Despedimo-nos com grandes demonstrações de amizade, e
esforçando as suas o mesmo Capitão-mór: — Ah! Padre An­
tonio Vieira (me disse), quem esperara que os princípios
desta nossa pratica havião de ter semelhantes fins? mas isto
mostra que lio cousa de Deos, e que elle ha de ajudar.
«Preguei na seguinte dominga, que era a das tentações, e
tomando por fundamento o Hmc omnia libi dabo, que era a
terceira. Mostrei primeiramento com a maior efficacia que
pude como huma alma vale mais que todos os reinos do
m u n d o ; c depois de bem assentado este ponto, passei a des-
v > r w>
— —

cuyaiiar coni a maior clareza os homens do Maranhão


mosmandoohes com a mesma que todos os ta vão geralmcnte
em estado uc condcmnar.ão pelos cativeiros injustos dos
jn d m s ; o que emquanto este habitual pcccado se não reme­
diasse, todas as almas dos Portuguezes deste Estado ião e
haviao de ir para o inferno; propuz finalmente o rem ed ii/
qne veio a ser em substancia as mesmas resoluções da nossa
resposta mais declaradas e mais persuadidas, facilitando a
execução e encarecendo a conveniência delias • e anhei
prom ettendo grandes beneãos de Deos e M i d d l e s a S
temporaes aos que por serviço do mesmo Senhor e no-
salvar a a Ima lhe sacrificassem estes interesses
« Nas côres que o auditorio mudava bem via êu
fe os allectos que por meio destas palavras Deos obrava
claramcn-
nos coraçoes de muitos, os quaos logo dali sahirão p ersu a -
dmos a se querer salvar, e a applicar os meios que para isso
tossem necessários, a qualquer custo.
« Na mesma tarde, antes que a memoria se perdesse ou
alguma conferencia secreta a confundisse, deu o Canitm -
m o r principio a h u m a junta na mesm a Matriz, em que en-
í ° l ° ^yncheante os 'Prelados das Religiões, a Gamara o
\ i g a n o Geral, e todas as mais pessoas, assim de guerra, como
da Republica, c grande multidão de povo, que sem ser cha-
mac o entrou, e se nao pôde estorvar que estivesse presente
« i cdirao-m e quizesse tornar a p ropor o que de manhãa
c çsei a, o approvado por todos, nemine discrepante, chegou-se
aos meios da execução, em que houve grandes difficuldadcs
e claramente se via mechia muito o demonio, e não queria
que a quelle negocio se levasse ao cabo: e quando já todos
de Ihe , vei; cont;,usao- cm lmm momento o
lesolveu Deos, concordando todos se nomeasse dons Pro-
do^fnS P0F parte d? s P ° r Giguezes, outro por parte
í Sfl n ' ,os <Iuaes to m ando-os todos a rol, c informando-
se de cada h u m em particular, o dos Portuguezes allegasse
pelo cativeiro, e o dos índios pela liberdade; e que destas
mformaçoes e allegações fossem juizes os officia es da Gamara
com assistência do S y n d i c a t e , sem o qual se não senten­
ciassem os processos e que as sentenças se dessem loco á
execução, sendo declarados p o r livres todos os índios de
cujo cativeiro nao constasse.
c Na mesma junta se elegerão os dons Procuradores um*
lorao pessoas conhecidas p o r maior desinteresse, V u i /

— '.Yòl —

scion cia u v e rd a d e ; e p arlicu ia rm en le o P r o c u r a d o r dus


índios lie liomem que mais au to rid ad e tem com eíles, <3
mais couheciinenlo de todas as suas nações, (3 do to d a s as
entradas quo ao sertão se fizerão, p o r ser dos p rim eiro s
conquistadores deste Estado, e Iram dos inais práticos na
lingua d d ie , a q u e m os Índios em todos os seu s trab a lh o s
o desgostos reco rrem , como pai, p o rq u e como tal lhes acode;
e assim foi esta eleição m uito h e m recebida de todos.
c( Ajustada assim a fôrma do juízo e execução, fez-se
logo hum termo em que assignor! o Capitão-mór Governa­
dor, o Vigário Geral, Syndicante, Ouvidor, Provedor da Fa­
zenda, Gamara c Capitães, Prelados das Religiões, e todas as
pessoas mais principaes que se acharão presentes, d ando-
se todos mil parabéns, e ouvindo-se a muitos entre outras
palavras de grande satisfação c contentamento: — Bemdito
seja Dcos, que nos trouxe á terra quem nos alumiasse e
puzesse cm caminho de salvação. — Outras cousas se ouvirão
a este modo de grande honra da Companhia e tanta confu­
são nossa, que era necessario baixarmos os olhos os que alli
estacamos e irmos á mão aos que as dizião, porque se não
offend essem outros Religiosos que estavão presentes, os
quaes verdadeiramente se hoirverão neste caso com grande
edificação, porque receiando-se quizessem sustentar algu­
mas opiniões differentes que sobre esta matéria havião tido,
todos se conformarão conmosco, sem haver palavra de con-
tradicção nem discordia.
« Ao Governador e Syndicante se deve em grande parte o
bom successo deste negocio; porque verdadeiramente se
honverão nelle com grande prudência e zelo do serviço de
Deos c de Sua Magestade. Acabada a junta pedimos aos P ro ­
curadores o aos Juizes, que dos índios que se houvessem
de julgar, fossem os nossos os primeiros.
« Vai-se executando o exame das liberdades na confor­
midade que se assentou, e são já muitos os índios que
estão declarados por livres, e não só índios senão nações
inteiras, sem haver quem o contradiga, nem se queixe, que
he cousa que faz admiração; e só quem sabe quanto depen­
de o remedio e ajuda destes homens do serviço dos índios
que tinlião por escravos, c quem vio quão resolutos e obs­
tinados estavão a defender seus cativeiros com o sangue,
com as vidas, ecom as mesmas almas, poderá entender quanta
ioi a eílicacia da Divina Graça, que contra a opinião de iodos
o da sua
0S ;'odlI^ o c '-fncleu; sinnal sem duvida
0 g " ,a ^ |,iJ-; cntrc d ie s m uilos cscoiludos
mino-o Srio sacccsso de 2 d« Marco, i>rimoirn Do-
I m m 'dm i 08511'! (eSlC anno; Princjpiaclo c acabado cm
i n la i', 0 T m[ sn’ (Iuando nào houverao oulros* SC
i odea a clau por bom empregada toda esta Missão o trab a -
lhos dcJla; pois nao Jiiima alma, on huma familia, on Imum
cidade, senao b um Estado inteiro, cm que todos como lia-
bitualmente se ião dispondo para o inferno, se pozerão m -
S V a estíld0 <lcsaiva^ ficando com animo prona-
ado de restituir e p or em liberdade a quantos os que tinhão
poi escravos baviao feito o exame, fossem j u r a d o s por |jvres
b s t a r em tudo o r n a is ás obrigações da consciência'.
Muitas considerações se fizerão sobre este tão pouco esne-
™as1 0 fí°e a mim mais me consola e anima não
0 deixarei dc dizer a Aossa Reverencia.
. V i i m m . das caiisas cílie pareceu em Portugal podia
ajudar muito a entrada da Companhia nestas terras era o
respeito (ia mercê que El-Rei me fazia, a autoridade das
suas cartas e a recommendação que nellas faz a todos seus
; ™ ! ! 5 r(f e P°yos áccrca de mim e da Missão; os cffeitos de
todas estas cartas erecom m endações foi quererem-nos lançar
m ia, cji m im particularm ente, pelos respeitos acima referi-
n o s; nao havendo em todos aqueIJes primeiros dias quem de
tudo isto fizesse mais caso, que se tal cousa não houvera
« E quando todos estes respeitos não tinhão alguma valia
e os ânimos dos homens esta vão tão alheios de nós c tão
odiada corn d ie s nossa vinda, hum a vez que subi ao pulnito
c preguei o Evangelho de Christo, foi tanta a sua efficacia e
u. oi idade, e tal o respeito que nós concebíamos com ei 1a
que mudados em h u m momento os juizos e vontades dé
tantos homens, e tao interessados, anoitecemos amados res­
peitados, louvados e seguidos dos mesmos que na manhâa
eo mesmo dia nos aborrecião, nos m urm uravão, nos perse-
gmao, e tanto a seu pezar nos tinhão entre si. Oh! forcas das
01 ças c e - e o s ! O n ! portentosa Providencia do Altíssimo 1—•
(Juam incomprehensibilia sunt judicia Dá!
, <( (IUC entendamos os homens, quo os movimentos
oa alma c império dos corações são de jurisdiccão mais
«dta que a dos bois da terra, e que para entrarmos seguros
mn toda a parto , e conciliarmos o respeito e benevofencia
eom qnaesquer pessoas, por inimigas e alheias da razão que
— AÔ6
^j;lo nilo ha mollior caria do recommend a cã o que o Evan-
„',.‘|ho’ dc Jesus Christo, pregado c muito melhor imi lacio.
\o s i a conii aura dizia S. Paulo: Nnnquid cqcmvt, sicut qui­
dam armmcndatiiiis Epistolis:>E o mesmo devem te r os quo
no oílicio do salvar as almas, c’J evar o nomc do Christo ás
Centos, imitao ao mesmo Apostolo.
<( E sem duvida se sente Deos do pouco _ que delle fia­
mos, e que toma como caso de honra o muito que fazemos
do alguns meios humanos, corno se forao aggravos da sua
Providencia o Bondade, a qual permitto muitas vozes que os
successos não respondão ás esperanças, para que acabemos
de entender cm quem as havemos p ô r nesta vida. »
Até aqui a doce penna do grande Vieira deixou-nos muito
satisfeitos com a. sua leitura, e á quell.es povos muito mais
com a prudente e suave conducta de seu remontado dis­
curso; permutando Deos tantos trabalhos da tormenta pelo
descanso da bonança, querendo servir-se deste seu apostolo
ministro como de instrumento proporcionado p ara socegar
o primeiro motim popular do Maranhão, com tanta gloria
sua, proveito das almas e bem universal dos tristes índios-
Mas para que o socego e paz publica se podesse p erp etu ar
á sombra da já promettida conveniência, e que esta se de­
vesse por então á Companhia, tomou o Padre Vieira a penna,
c representou, a Sua Magestade o que deixamos referido,
propondo-lhe a necessidade daquelles moradores, a que
sua real piedade podia acudir corn o mesmo que lhes per-
mittisse o direito no resgate dos Índios e descimento dos
outros, conforme o que já tinha expendido na antecedente
resp o sta; e foi cila tão hem. aceita como da mão segura que
a mandava, que o prudentíssimo Monarcha, conformando-se
inteiramente com ella o revogando a sua primeira resolução
de JG1V2, que tinha sido o fundamento da referida alteração
do povo, mandou expedir a lei de 17 de Outubro cie 1053,
ern que permitte os ditos cativeiros nos casos tão somente
expressados em direito, e primeiro examinados com a mais
judiciosa circum specção; c como estas leis de cativeiro, o
sobre a justiça ou injustiça deSles se trata de ordinario neste
Estado sem distinceão de certa ab incertis, visto term os á
mão a cópia de^algiima delias, quero no ultimo capitulo deste
livro dar huma succinta noticia aos leitores daquelie estado,
para saberem em substancia o que tem sabido sobre esta
ião debatida matéria, assim para o Maranhão como para a
Cidade do Crão-Pará.
CAPITULO VIL
NO TICIA SUMMARIA DAS LETS R E A.E S SOBRE O CATIVEIRO
DOS Í N D I O S NO E S T A D O RO M A R A N H Ã O E D A R Á .

Infeliz foi sem pre para com os Européos a sempre per­


seguida nação dos índios Americanos. Cheias esíão as histo­
rias, que se não podem ler sem h o rro r da piedade christã
logo no principio de seus mais famosos descobrimentos. As
mesmas injustiças que experimentarão nas índias Occidentaes
dos Castelhanos forão depois praticadas pelos Portuguezes
no Brazil, vendo-se obrigados os Senhores Reis de Portugal
a atalhar com repetidas leis o injusto procedimento de seus
vassaiios, com ordens nascidas todas da innata piedade dos
nossos Monarchas Portuguezes, assim como já o tinlião feito
com seu costumado e catholico zelo os de Castella.
Mas por que virão que nenhumas leis erão bastantes para
obviar ao da ambição daquelles obstinados moradores, huma
vez que se lhes permittissem casos em que se podessem fazer
justa e licitamente alguns cativeiros, conforme o direito de
que elles ordinariamente abusavão, fiados nas leis que se
passarão por este respeito para o Estado do Brazil nos annos
de 1570, 1587 e 1 5 9 5 ; com conselho dos maiores ministros
se tomou a ultima resolução de prohibir totalmente os ca­
tiveiros no Brazil, ainda nos casos permittidos, que além de
ser lei penai sempre, em consciência, os obrigava a segui-la.
Para este fim se publicou a de 1609, e se fechou com ella
a porta á insaciável cobiça daquelles povos do Brazil, ao
mesmo tempo que se abrio á liberdade sem disputa de seus
nacionaes, senhores daquelias terras, que Decs, como aos
mais homens, lhes repartira.
No descobrimento do Maranhão correu com a mesma li­
b erd ad e dos primeiros povoadores a injustiça contra a liber­
dade dos mesmos índios, como já tocámos no principio desta
Historia; mas ainda assim, entre a desgraçada pensão do seu
infortunio, tiverão a consolação de ter nos nossos Padres,
que no descobrimento forão pais c pastores, que senão cm
tudo, ao menos em parle, os defendião muito á custo das
.. - —

farpanl.ns unhas de taníns leões, sempre famintos do sangue


<3 suor dos polires índios.
Emqnanto viverão os Padres na quelle Estado íiverão mão
no que poderão, mais ou menos, conforme as assistências
das respeitadas forças do Governo. Com a morte dos ultimos,
no anno de IG/dl, se acabou também a liberdade de buns,
morta juntam ente ás mãos da injustiça de outros, que não
íicavão mais bem livres nas almas que aquelles nos corpos.
Chegarão flnalmcnte aos piissimos ouvidos do Serenissimo
Senhor D .Jo ã o IV , pai daquelía Cbristandade, o escandaloso
procedimento destes injustos usurpadores da liberdade dos
índios, e mandou logo cm um capitulo do seu Regimento
aos Capitães-móres que ião naquelle anno governar o Es­
tado, m a n d asse m publicar a mesma lei de 1609, já praticada
no Brazil; obrigando outro sim aos moradores, e com maior
força, a p ôr em sua antiga liberdade a todos os índios natu-
raes da terra, ou fossem realmente escravos ou fossem
livres, sem distineção de huns a outros. Ardua empreza na
verdade, c de que se não podião prornetter senão arriscados
effeitos, como succedeu, e vimos no capitulo passado; pois
não era ainda clmgado o tempo, que a mão poderosa do Al­
tíssimo tinha reservado para o anno de 1757. Pondo-se então
tudo em um a exacta execução, e com providencias muito
anticipates pelo Governador e Capitão-General do Estado,
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, sem o m e n o r motim
dos povos; motivo por que se faz credor cm nossos escrip-
tos da g rande gloria que nesta parte lhe tocou, pelo que diz
respeito á liberdade dos índios, p or ser o unico executor em
obra tão pia, tão justa e de tão importantíssimas circumstan­
c e s. Chame-se isto amor á verdade, de que se preza a nossa
penna , am ante da razão, por ser em tempo era que nos não
laitao motivos de resentidos pelo extraordinario rigor com
(pio o dito governo nos traia com as suas ordens.
Esfa resolução do Serenissimo Senhor D. João IV, que por
então na o levo o seu devido cumprimento, se havemos estar
pelo que em suas memórias nos deixárão nossos antigos,
qne o norte por onde sempre nos governamos nestas e se­
melhardes noticias foi elíeito de hurna conta que o Capitào-
111(1r Ignacio do Rego Barreto deu a Sua Magestade, junto
rom o \ igario-Geral do Estado: o primeiro, pela ilesattenção
(jue recebeu do Governador Luiz de Magalhães, removendo-o
Sf"-! que depois veio a ter com mais ampla juris-
dicção na divisão dos dons governos do Maranhão e Para.
0 seSUD{10' PeJo molivo dos moradores o deporem do oííirio
nomeando outro : e ambos juntos na Côrte e d o n a u d o e
í ep,:?sent1aC'í*° da que 11as injustiças, em que
precisamcnte liaviao de hear prejudicados assim o Gover­
nador como os moradores do listado. De cuias premissas
que supponho certas, se segue por inlalliveí consequência
não sei em os nossos Padres, como erradam ente cuidou o
vulgo, os que forao causa da expedição da dita lei e ordem
q u e t a o grande sobresalto lhes deu ; e muito menos o Padre
Vieira, por resultar depois da sua proposta o que os rnora-
< ores desejava o ; nem he bem q u e e n defraude os autores
de hum a resolução, que tenho por mais segura, da gloria
qoe por cila merecem que embora fossem apaixonados os
mnUn0S
m allogradosT 0 os
queseus
S0 d ,sse’ sem Pre forão bons, ainda que
ím s, 1
Anniiio depois com effeito o Serenissimo Rei ao proposto
requerimento do Padre Antonio Vieira, em virtude do qual
mandou lavrar corri o parecer de seus ministros a lei de 17
de Outubro de lb53, em que revogava primeiro a lei pas­
sada no anno antecedente que tanto tinha azedado os animos
aaqueíles p o v o s ,e quasi precipitara no execrando abysmo da
infidelidade a sua constanda; e parecia conveniente m o d e -
la -lo s corn mais brandos lenitivos por estarem ainda muito
irescas as alegres memorias, com qne a justiça e resolu­
ção portugueza tinha felizmente sacudido o pesado hm o do
governo antigo de Castella, em cujas circumstandas era p r e ­
ciso ter contentes os povos, e aos vassallos satisfeitos, q u an ­
do as leis da d e m e n d a não encontravão ás da razão n em a
consciência delicada de tão catholico Monarcha.
Mandava em segundo lugar a nova lei, que os cativeiros
cios Índios se examinassem com o mais apurado informe e
que so ficassem cativos os que verdadeira e realmente o
tossem; e pelo contrario em sua liberdade os que o não
tossem. 1
terceiro, expressava os seis casos em que conforme o
direito se lhes podia fazer guerra justa, e por conseguinte
ficarem cativos os que fossem prisioneiros no conflicto e
quizessem, permittindo-lties os combatentes commutar pela
m orte o cativeiro. 1
Quarto, determinava que fizessem entradas nos sertões
com tropas de resgates, onde se podessem resgatar os im
— ;}(>(.)
dios quo estivessem presos á corda para os comerem seus
inimi.ros, ou fossem escravos dos mesmos, por serem ha-
vidos em guerra justa conforme as suas leis muuicipaes, poi
injurias feitas de humas a outras cabeças do governo, a que
cita mão Principaes, ou de humas a outras nações em com­
muni; mas nunca por damnos, on injurias de particulaies,
advertindo, que entre estes barbaros basta muito menoi
motivo para aquellas se reputarem por grandes, e dignas
de satisfação, e na falta desta de huma justa guerra que
entre os Serenissimos Ileis da Europa, e os mais cultos da
Asia e Africa, exccptuando os negros della, que poucas es-
pio-as de milho furtadas por seus vizinhos nas suas lavouras
bastão, sendo apanhados no furto, para passarem logo por
escravos. , . , ,
Fiz esta advertência sobre o titulo de guerra justa, que ne
a que ordinariamente se topa entre os la p u y a s daquelle
sertão; porque ainda que abominasse sempre estes cati­
veiros pela incerteza dc seus princípios, nunca neguei, nem
negarei, que entre as nações destes barbaros podem haver,
o de facto ha guerras muito justas, e de muito bom e se­
guro titulo todos os escravos leitos nellas. Supponhamos
pois, como dizem os que querem sustentar que nestes ser­
tões’ do Pará não ha guerras justas, que liuma nação, sa­
bendo que ha tropa de resgates em hum dos rios vizinhos,
e necessitando de ferramentas, e mais resgates para o sen
uso, não tem escravos seus inimigos que com mutar ; que
faz ? Busca humas noites de boa lua, parte para huma das
aldêas daquelles districtos, c de menos animo, e quando
dormem todos no seguro da boa fé dos vizinhos, dá de re ­
pente sobre os descuidados, e entre o somno e a confusão
amarrão os que podem, e se retirão com a presa, que logo
vão trocar pelo cie que necessitão.
I Neste caso quem poderá negar a injustiça deste attentado,
c o injusto destes cativeiros ?
Comtudo lie certo sem duvida ser este o mais ordina­
rio modo de fazer escravos entre elles, buscando sempre
as unhas destas féras fazer tiro nas presas dos mais fracos.
Porém supponhamos mais, que estes miseráveis offendidos
á falsa fé, se vão queixar da violência feita á pequenez da
sua nação a h u m Principal vizinho mais poderoso que o
primeiro aggressor, pedindo-lhe o auxilio de suas forças para
o desaggravo, o esle compadecido l h a s concedo, e uns e o u -
n!

Iros meiieào i ao bem os arcos cuiilra aquelles primeiro;-,


oilensores, que os vencem, o mortos alguns, reservãu a
maior parto dos rendidos para so sorvnvm'dollos como sons
e s c ia v o s; ou para os porem a corda o os comerem.
iNesie caso quem não vê, que a injustiça da guerra peio
aggravo dos primeiros ficou justificando a guerra no d es­
a g r a v o dos segundos, c os escravos fritos íiella íorão lei--
fnnos, e legitimamento comprados não só os que eslavão á
C()fda, mas também os que os servião como seus escravos,
nao havendo lei real que proiiiba, ou annuile a cominula-
çào deste contrato?
Sc todos os cativeiros deste listado tivessem este ou se­
melhante principio, seria muito conveniente que as tropas
do resgates os^ tirassem das mãos de seus inimicos, para
nao virem depois a caiiir nas dos líollandezos em a sua co-
loiiiii deaurinam e, cjlio pelo i*io 1 ([no destig’Uri no Necaro,
se communica com as nações coulhiaiites, e outras (pie per-
teneem ao dominio de P o r t u g a l ; vindo aquelles miseráveis
vendidos aos hereges, a perder com a do corpo a liberdade
da alma, que foi h u m dos motivos (o para mim o de maior
I>eso) que teve o Augustissimo Rei para permittir as tropas
de resgates, compadecido daquellas almas, c dcsejando-as
antes vêr no gremio da igreja Catholica, que no dos inimi­
gos della.
I oi que necessitando os lap u y as do ma to de algumas
cousas da Luropa, com especialidade de ferramentas, de
(pie o costume os inciteu ja cm precisa necessidade, não
tendo Portuguezes para o commercio polo beneficio da
tiopu de resgates que ha o de lazer senão buscar os cs-
tiungeiios, por mais retiradas que pareeão estar as suas
colonias, por conduzir muito ao intento a commodidade da
fazenda, que por si só se menea ?
Assim parecia e seria mais conveniente, sc á sombra de
mim cativeiro justo se não fizessem milhares de injustos,
sem nunca se poder pôr o remedio a tantas desordens, ou
conter aquellcs sertanejos a obrarem entro os termos da
razao, governando-se pelo genuino sentido das leis de seu
soberano, e nao pela apaixonada iiitelügcncia do seu i n ­
teresse, do seu capricho, o da sua demasiada ambição, que
loi causa de que justissima men te so fechassem agora todos
os caminhos que pudessem em akniin te moo conduzir aos
cativeiros.
in
— —

Dg si c dc suas demasias sc queixem, que a let novissima


foi a todas as luzes piissima, c digna pela sua qualidade de
eterna memoria.
Perdoem os leitores, e fiquem mais bem informados os
curiosos, a quem communico as exp erien d as que adquiri
em os exames do tempo que fui Theologo cie Sua Mages-
lade na Junta dc Missões.
Ordenava em quinto lugar a sobredita lei, que as pessoas,
cabo e Religioso, que precisamente havia de ser homem
douto para "a decisão dos casos no exame dos cativeiros,
fossem eleitos pelo Governador e Gamara da cidade.
Sexto e ultimo, prohibia aos Governadores e ministros
reaes e de justiça, que não occupassem índios no seu p a r ­
ticular serviço, nem os repartissem, senão por causa pu­
blica, e não pozessem Capitães nas aldêas, m as que estas
se governassem por seus respectivos Principaes.
Esta a primeira lei, a que alguns clerão o no m e de lei dos
resgates, mas como nella nunca se observasse o disposto
pelo Principe reinante, segundo a sua real mente, foi p r e ­
ciso passar nova lei, c foi "a dc 1055 de 9 de Abril, porque
tal era naquclles tempos a insolência do povo, a que parece
não podião conter entre os limites da obediência o rigor e
respeito das mesmas leis, que em seu beneficio mandava
passar a provida vigilância de seu Augusto Soberano.
Notáveis tempos! em que sobejando audacia nos povos,
faltava nos governos valor para a cohibir, e prudente d e s ­
treza para por hum a vez a derribar.
Nesta lei de 9 de Abril se revogarão: primeiro, todas as
leis antecedentes; segundo, se tirava aos Governadores
e ministros reaes o poder, de que já ião abusando, de poder
fazer guerra offensiva aos índios sem autoridade do Monar-
rha, por ordem firmada de sua real m ã o ; terceiro, assignava
Ião sómente dons casos em que se podia fazer guerra ao
Gentio da te rr a ; quarto, permittia os resgates pelo"methodo
da lei antecedente, com rccommendação de se fazer o exame
dos cativeiros pelo Missionário, e cabo da mesma t r o p a ;
quinto, que se nestes resgates se achassem alguns sem as
precisas condições que os fizessem escravos, sempre no tal
caso se resgatassem e servissem ao dono dos resgates,
cujo preço era limitado por espaço tão sómente de 5 annos,
que era recompensa muito superior ao custo que po r clles
lizerao : sexto, prohibia aos Governadores e ministros o
mesmo quo na lei passada de 53.
Mandou mais Sua Magestade no mesmo anno, no regimento
que deu aos seus Governadores, que todas as aldèas"fossem
administradas pelos Religiosos da Companhia.
Item, que a repartirão dos índios se íizesse peio mesmo
Missionário, e por lmma pessoa eleita pela Camara ; o quo
a dita repartição fosse, quando muito por G mazes, para
terem os índios tempo nos seguintes seis de descanso de ira
tarem das suas lavouras e conveniências, em ordem á con­
servação e melhor commodidade do suas familias.
Seguio-se depois a lei de 18 de Outubro de IGtíG, em que
mandava Sua Viagesta de,: primeiro, restituir aos Padres da
Companhia as suas a ld è a s ; segundo, que os Missionários
não tivessein jurisdicção alguma temporal, mas só a espiri­
tual das aldèas, ficando estas governadas por seus Princi-
p ae s; terceiro, que nenhuma religião podesse ter aldèas
próprias dc índios forros.
Para o que foi necessário depois faculdade real para po­
dermos ter as aldèas do Curuçá no Pará, e Maracú no Ma­
ranhão, por serem dadas corno em fundação dos Collegios
do Pará e Maranhao ; conforme a mente do Serenissimo
Senhor D. João IV, do boa memoria, e de mais a mais des­
cidos do sertão os índios á custa dos Collegios ; quarto, que
no serviço tias índias se praticasse o mesmo que era estylo
com as orphãs do R ein o ; quinto, que nas tropas dos resga­
tes íosse sempre h u m Religioso de cada religião por seu
turno, com h u m cabo nomeado pelas Camaras das cidades;
sexto, prohibia á tal Religião, e aos Governadores o minis­
tros reaes que não podessem mandar fazer resgates na dita
tropa para suas utilidades p r o p ria s ; sétimo, qao todas as
aldèas que fossem da administração dos Religiosos da Com­
panhia se lhes tornassem a dar, e o mesmo se confirmou por
carta de 9 de Abril de 1007, na qual se tirava ao Missio­
nário a repartição dos índios, que mandava se fizesse pelo
Juiz mais velho da Gamara.
Chegou, e se passou depois a celebre lei de <80, bem no­
meada nos pleitos que sempre correrão das liberdades.
Mella mandava El-Rei : primeiro, prohibit1 todo o genero
de cativeiro de índios, e em todos e quaesquer casos, su s­
citando para isso a lei do Brazil, de G09, e a do Maranhão
dc 652 ; segundo, que a repartição dos índios fosse cm
tres partes, lmma para ficar nas aldèas, a segunda para o
serviço dos moradores, e a terceira para os Missionários ;
-X I
i e ir e i r o . q u o as Mis s u e s novas, o entradas ao sertão íossom
privativas dos Religiosos da Companhia, como tambem
quaesqner aldòas rjoio não tivessem Missionário ; quarto.
Iodos os Índios pertencentes ás alrieas se recolhessem logo
a ollas, obrigando aos que os retivessem a sua restituirão:
quinto, que o salario dos índios se depositasse antes de
irem para o serviço dos P o r ln g u e z e s ; sexto, que as aldèas
fossem governadas pelo Principal e Missionário sómente ;
sétimo, one os (lo verna dores assignem lugar c terras suili-
7 'X C' CJ

cientes aos Índios que descerem, ainda que para o clTe.ilo


da sua convenienria se hnjâo de retirar os moradores, dan­
do-se--! lies em seu lugar outras terras, por deverem prevalecer
os Índios como legitimos senhores delias ; oitavo, que a
repartição se Taça pelo bispo, Prelado dos Reverendissimos
Capuchos e huma pessoa eleita pela Camara.
A’ esta segnio-se a lei de 2 dc Setembro de 1084, cm que
o Serenissimo Rei concede as administrações particulares de
Índios, com as condições seguintes: primeira, que o Gover­
nador poderá dar licença a hum ou muitos m oradores para
descerem ludios do sertão para seu serviço; segunda, que
estes descimentes se farão á sua custa, levando comsigo
Missionários, ou da Companhia ou dc Santo Antonio, o qual
persuadirá aos índios do mato a descerem, sem mais indus­
tria que a da virtude e natural persuasão; terceira, que
situarão estes deseimentos em lugar e terras separadas
do mesmo morador em distancia ao menos de meia
légua, dando-lhes terras sufficientes para a sua cultura ;
quarta, que lhes farão logo Igreja, tendo Missionário da Com­
panhia ou de Santo Antonio, o qual terá sómente o governo
(‘spiritual dos ditos índios; quinto, que estes índios e índias
se repartirão somente pelos moradores quo concorrerão
com os gastos para o seu descimento, mas de sorte que os
sirvão meio, e descansem outro meio anno, ou seja ás se­
manas, ou aos mezes, como parecer mais conveniente, assim
a respeito do serviço, como dos índios, com condição que
as índias, que só poderão ir com seus pais e maridos, não
iiao dc pernoitar fora da sua aldôa ; sexto, que os tacs mo­
radores depositarão primeiro metade do salario na m ão do
Missionário, e no fim do serviço satisfarão a outra metade,
com pena de pagar em dobro, se recusarem fazê-lo.
Concirna-se íinalmcnto com o regimento das Missões de
'21 de Rezem!na> de Iffiíh. que o Serenissimo Sr. D. Pedro
Ili,

Cirt'limsi)0(;n° l)m’ Comens zelosos,


/XP . . ( 'miames ‘io serviço (|c Deos, que ])0 o iin
' I ‘llCI[í,l! I1 (I"e :; V iiVvm (liriM‘’ todas as disposições roars
° i1'.'1" C;1!>ru‘ho e direcção trio sémen Io de”m inistros’
I " ‘ 151aiS a ítendem no temporal, que ao espirilml das
; J' f i0 r c "'m)ent0 hc o que ao presente elistc na s „ í
evula observância, e observado á risca nem dá h,«ar '■
,!,!(,,x:,s- 1K>m nbro a porta a discordias, p o rq u e de seu
c u m p rim e n to d ep en d e a paz de iodos. ,u
•V substancia do qne nolle se determina lie - primeiro mio
os Jicligiosos da Companhia, e d e Sardo Antonio, e p o / e o n -
segumte todos os Missionários de ou Iras sagradas ro lH ô c s
Icnhao nao so o governo espiritual mas lambem o temporal
c politico das aldoas (pelos graves inconvenientes one do
contrario se segmão;; segundo, que os Missionários cuidem
lc ‘Uigmcntar as mesmas com descimentes, e que estas não
bmhao menos de 150 vizinhos : te rc em o /q u o a ivpartirlio
os Índios se faça em duas partes, para que no tempo mie
lunna trabalha, descanse outra, o para que não haja queixas
se matriculem os Índios, e pelo livro da matricula' so repam
bio pclo (.overnador, e por duas pessoas eleitas pela
a? rcada
? ( l í ahiiC
numTfrtn
dos bir i)C-IOr q-n° fôr
Missionários se (la CninPanl,ia
concedão 25 ; casaes
quarto, r quo
nn
com o producto do seu serviço poderem acudir ao bein’ tem­
poral e espiritual de todos os mais aldèanos. Consta-mo de
certo estar o Excellentissimo Governador Xavier de Men­
donça lavrando outro novo regimento em ordem a abolir c
q u et m ar (como elle diz) o que acabamos dc referir.
i n i m í n ? ° u Speit? f cativciro (los lD(11os, mandou uiti-
mamente bua Magestade na lei de 28 de Abril dc 1088 • m:i~
meiro, que se possa fazer guerra oífensiva os Tapuvas
que invadmem corri armas os seus dominios ou aos seus vas-
°.s , assilü lothos como Portuguezes, e também aos
Missiorianos a entrada e pregação do Santo Evangelho, jul-
f ,l: se P01 P ° :| presa todos os que se tomarem cm tão
justa g u e r r a ; segundo, dá autoridade ao Governador para
rif'r) /'i irlcsnia lAmrra, com condição de concordarem nella
os i relados da Companhia e dc Santo Antonio, c o Ouvidor
boral cia comarca, c não concordando, recorrerem a Sua
lagestade ; terceiro, manda fazer entradas ao sertão com
tropas do resgates para os que estiverem á corda para serem
<"nudos, escolhendo estes o sei' resgatados que mortos, ou
nara os quo forem escravos dos mesmos índios, tendo-os
icito e in guerra justa, que precisamente lia de constar do
seu exame, devcndo-se entender em sentido disjunctivo ou
uns v. g. ou outros, o não como aliinnava, e queiia sc
observasse certo ministro, notavelmente contrario a seme­
lhantes tropas, que queria se entendesse no sentido c o p u ­
lativo, v. g. que fossem escravos, e que estivessem a corda,
e sem esta ultima não consentiria a dita tropa, não obstante
a permissão real aos m oradores do Pará, porque susten­
tava que a condição de estarem á corda era só o nde se es­
tendia a concessão de Sua Magestade, que era o mesmo que
impossibilitar-se a mercê c nunca poder avultar o num ero
dos resgates, por serem muito raros os que nestes tempos
se achão á corda, pois es timão agora mais a conveniência de
os vender por escravos ao gosto de os comer rendidos; quarto,
quo nestas tropas de resgates vá cabo escolhido pelo Su­
perior da Companhia, e leve Missionário da mesma douto,
({iie julgará a condição dos índios resgatados conforme o
conhecimento dos exames ; quinto c ultimo, que o custo
destes resgates se faca pela Fazenda Real, o os índios resg a­
tados se remettão ás Camaras para os repartirem com eq u i­
dade pelos moradores, que não darão por elles mais que o
custo que tiverem feito, para depois sc restituir ao tliesou-
reiro dos resgates.
liste regimento e lei de 1088 tom sido até agora os dons
pólos em que se tem sustentado o governo deste Estado
pelo que respeita a índios, aldêas e Missionários, com as
duas modificações feitas depois no felicissimo reinado do
sempre grando e Fidelissimo Sr. D. João V, de eterna m e­
moria, a primeira por resolução de 13 de Abril de 1634,
que o Covernador não possa fazer guerra offensiva sem pri­
meiro remetter o seu voto o o dos ministros da junta de
Missões em segredo ao Conselho Ultramarino, para este dar
a ultima decisão. A segunda, por resolução do anno de 1648,
para o Governador não poder m andar tropas de resgates,
sem primeiro informar com seu parecer e dos mais minis­
tros da junta, se ha ou não os índios nos sertões com as
condições que requer a lei de 1688, para serem resg a­
tados. Destas leis o regimentos ainda que breve e succinta-
mente me pareceu dar a presente noticia, por se haver de
fallar nellas muitas vezes nesta nossa historia, e por cuja
observância pugnarão sempre os nossos Padres, não que-*
H'mlo mi uca assentir, o menos concorrei* para a iuobser-
\aneia delias, nao obstante que p o r salvar as consciendas,
quo eia o principal, se expozessem firmes aos maiores tra­
balhos, experimentando destes povos os mais violentos o
sacrílegos excessos, chegando por duas vezes os do M an-
nhao a lançarem-nos íora com inaudito e desusado atrevi-
mento, sem ainda perdoarem ao grande respeito e virtudes
do grande Padre Antonio Vieira, que ibi h u m dos expulsos •
e nao deixou com tudo isso d e m o v e r a piedade e com­
paixão dos Clementíssimos Reis de Portugal, quando assim
os v n ao tao mal tratados por aquellc povo, fazendo-os logo
l e s td m r a seus antigos domicílios com credito e honra dos
1 adres, e com exemplar castigo dos mais insolentes e cul­
pados em tao execranda sedição; o que tudo reservamos
1aia a segunda parte da nossa historia, que mais pela rari­
dade dos successos, que pelo insulso e humilde do cstvlo
nao deixara (dando-nos Deos vida, ou não permittindo o
contrario) de ser appetecida e vista com gosto pelos mais
curiosos o desapaixonados leitores.
Permittao-me agora estes por conclusão deste (por nos es-
tarem p‘ chamando para o seguinte as acções gloriosas no
Maranliao dos nossos fervorosos Missionários), fazer huma
reflexão sobre a multiplicidade destas leis, não defirindo
muito pela maior parte humas das outras, mostrando re ­
petidas vezes os Sereníssimos Reis e seus zelosos ministros
o quanto desejavao favorecer aquelles povos, sem nunca os
poderem contentar; e o que mais he, o mesmo Padre Vieira
que elles tiverao erradam ente p or contrario aos seus inte­
resses, como me consta de hum authentico que tenho em
meu poder, foi o mais empenhado em assignar os meios
com que em boa e sã consciência se podessse acudir ao
augmento daquelles descontentes m o r a d o r e s ; o pelo dito ins­
trum ento se mostrão as duas diligencias, que o dito Padre
lez ambas favoráveis aos povos, p orque mandando Sua Ma-
gestade fazer huma grande junta de ministros e maiores
letrados, assim da corte como da universidade de Coimbra,
iiies pedio o Padre com a maior efficacia primeiro que tudo
o que a consciência e o direito permittissem em favor dos
povos, o consultassem a Sua Magestacle; segundo, que fossem
chamados a dita consulta os Procuradores dos mesmos
povos, para lembrarem e requererem nclla, quanto sem
damno de terceiro julgassem mais conveniente áquclle Es-
— 30N

: o que pradenfemeide se concedeu, e ponderadas as


I.,'iilo
razões, e tubo o que podião p en n illir as leis da justiça, se
lavrou a Jei de 4(»55, em que se permit tião os resgates, e
com esta chave se abrião as portas do sertão aos m oradores
do Maranhão e Pará, cuja entrada foi sempre deiles for­
çosamente appetccida, e comtudo ainda descontentes c ainda
queixosos do bom Padre Antonio Vieira e mais Religiosos
da Companhia.
Sendo pois, como rcílectiamos, da mesma substancia as
leis, sendo tão justas c conformes á razão c equidade, e o
que mais lie a respectiva conveniência dos mesmos povos,
para que se renovavão emultiplicavão, e p o r q u e havia então
tantas alterações c motins populares na sua execução ? Dons
motivos, ao que parece, c conforme a minha fraca intelli-
gencia, pela experiência que tenho dc 32 annos do Instado,
descubro cm tão raras como repetidas metamorphoses. O
primeiro, a recciosa inacção do governo, e falta total de
desinteresse no Governador em buscar os meios proporcio­
nados afazê-las executar. 0 segundo, a falta de forças, para
segura e prudentemente as conservar na sua devida obser­
vância. E senão digão-mc os que de ordinario se prezão de
mais discursivos.
Sc hum Governador, depois de lograda com excessivo tra­
balho a diligencia do seu requerimento allegando serviços, e
não perdoando a gastos, vai áquelle Estado a desfrutar os
devidos emolumentos da sna patente, e entre os limites de
hum a escrupulosa conducta, busca por todos os modos acudir
aos empemhos da sua casa, e aos precisos gastos da sua fa­
milia, como lia de ter valor para se e m b a r a ç a r e m negocio,
de que não ha de tirar outro lucro, que o desasocego da
pessoa, o pouco respeito do cargo, e por ultimo e a melhor
livrai', o ser rendido intempestivamente por pouco p ru ­
dente, pouco destro e cobarde, e por não saber reprimir
huma alteraçao do povo, c h um fogo, que com h um púcaro
de agua, como cuidão os zelosos (porém sem a mais leve
experienda), se podia apagar e aquietarainda no maior fervor,
por ser do ordinario o vulgo que ao primeiro estalo do
açoute, como animal desbocado, teme e se reprime, e se
deixa guiar polo beneficio das redeas dc quem o meneia e
g o v ern a?
Assim parece, mas não he assim na verdade, porque para
moderar o mesmo povo alterado são necessarias poderosas
forças nos braços do quem governo a bride, c quando esta sr
morde pelo bruto, muito maiores ainda para que ca vallo <
ca vali ei ro não ca ião ambos no precipício. Eu mo explico,
liemcttidas aqncllas leis do Estado, era preciso d a rem -se ;í
execução pelo Governador, que prccisamcnte ba via do casti­
g ar aos transgressores delias, que descontentes pelas não ve­
rem dictadas pela sua ambição e com limitações condicionaes
que lhes a ta vã o as mãos á injustiça, desprezavào as ordens
e impedião o exercício das mesmas, c i s t o logo ao principio
da sua primeira publicação: mas que íarião neste caso os
ac tua es Governadores, que já suppomos zelosos, desinteres­
sados e resolvidos a dar a vida no serviço de seu Bei? Usa-
rião da força para reprimir a força dos povos?! Mas com que
forças? Com as do presidio? Não, por certo; porque os não
supponho tão pouco práticos que não saibão medir as forças
do cargo com que se aclião, c que não passão de tres ou
quatro companhias, com as do povo, que a maneira de rio
caudaloso cresce e parece q uerer inundar as maiores cam­
panhas.
O que posto e melhor ponderado pelas regras da p ru d ê n ­
cia, temendo a incerteza dos acasos e a inconstância dos
povos, para quem a força sem meios era o mesmo que es­
pada sem ponta e arvore sem tronco, mais apta, por secca, a
acender o fogo que attendee ás leis da sujeição: que havião
de fazer os Excellentissimos Governadores, senão accom-
modarem-se ás attendiveis necessidades do tempo, á quieta­
ção dos povos c conservação do Estado, não querendo cada
h u m ser o primeiro a quem a posteridade o mostrasse com
o dedo, como o autor da mais deplorável ruina?
Eu dissera, e o que parece devião então fazer, era o m es­
mo que depois fez hum de seus mais bem afortunados suc­
cessores, que nunca se poderá queixar de olhar para ellc
c o m m á o s olhos, aquella deidade fabulosa.
Pedir primeiro soldados, não por companhias, mas por
regimentos, p ara tentear melhor humas com outras forças,
para se fazer respeitado o nome do Soberano, e para se as ­
segurarem na prompta obediência de tão luzidos cabos e
ofllciaes fidelissimos ás ordens de seu General, cujo nome ao
som de tantas e militares caixas lie ouvido e sôa por todo
o Estado com respeito, com temor, e sem o mais mínimo mo ­
vimento de rebellião, como tantas vezes no século passado,
com menos causa e muito menores motivos se e x p e rim e n t-
47
370 -

va: mas vejo me respondem os circumspectos Governadores.,


quo mal podião esperar soldados da côrte, que nem ainda
osperavão o soldo dos que eslavao na terra, sem mais faida
uoni pagamento que o distribuído pordiversas parcelas e r e -
ccbidos°dos Almoxarifes em buns poucos trastes, que ape­
nas usados, quando rompidos, que era a moeda corrente
daquell.es tempos, com que se pagava a infantaria.
pelo que seria o mesmo pedir soldados-que conciliar des-
affeclos pelos tribunaes, cujos ministros julgarião talvez por
vaidosa e menos sincera a Supplica, á vista dos grandes gas­
tos que precisamente se havião seguir á Real Fazenda.
lie tão certa e genuina esta resposta, como foi sempre
certo, que por falta de milícias, que contivessem e refreas­
sem os povos, senão poderão p ôr nunca em sua devida exe­
cução as leis, como no tempo em que isto escrevemos e
que vemos correr e discorrer por esta cidade dous luzidos
regimentos limpamente fardados e pagos com maior soldo,
a que os reaes cofres que conduzem algumas vezes a frota
satisfazem á risca os soldos-sem haver queixosos; porque
não repara em gastos a real grandeza do Fidelissimo So­
bem no.
Esta a meu fraco entender a razão (salvo o juizo dos que
melhor discorrem) de se concluírem neste Estado os mais
difíiceis negocios e a s mais arduas difficuldacles, que annos
anteriores "se julgarião pela mesma experientia invencíveis ;
pois a tão bem ideados e proporcionados meios parecia im­
possível não corresponderem os desejados fins, da mesma
sorte que se premeditarão, e se virão por ultimo socegada-
mente concluídos, fazendo o mesmo respeito das armas p a ­
recer natural o que já se executava sem violência, e se
abraçava sem réplica.
Esta a fatal mudança dos tempos, que quanto mais se
applicavão os ministros a conciliar as leis ás conveniências
dos povos, nunca poderão, porque a lei dos resgates lhes
limitava os casos e reprimia as ousadias, e em vez de agra­
decerem a liberdade e clementia de seus piissimos Monar­
ches. culpavão a escassez com que se lhes conceclião os ca­
tiveiros, por lhes parecerem muito limitadas as concessões
que só podião estender até onde se pudessem vadear com
váo seguro os fundos da justiça.
Estimavão a lei, não pelo que mandava, mas pelo que
permitlia, porque huma vez levantada a bandeira de resga-
371

ics, já podiao militar nella as injustiças dos cativeiros, o á


sua sombra tocar a recolher, não entre os limites da razão,
antes pelo contrario a recolher índios o mais índios, por
iiao dizer roubos o mais roubos, como ouvi gabar a muitos,
pondo, como dizião, toda a importância dos seus resgates
no provimento das muitas cordas; e sendo tão raros os que
sc achavao á corda para os comerem nas mãos dos b a rb a ­
ros, c r ã o e m grande numero os quo so acliavão á corda nas
mãos dos Protuguezes para os venderem.
Oh ! c quanto darião elies agora por observar o que as leis
então lhes prohibião, que talvez ainda hoje lograssem a real
mercê, se se não ouvissem tantas desordens, c não conti­
nuassem ainda as mesmas ousadias, que Porão a causa c!e se
fechar de todo a porta principal de seus interesses, e não
os tristes Padres da Companhia, que de culpados na pro m u l­
gação da nova lei não tern mais que o que falsamente lhes
impõem os mal affectos, querendo-os fazer odiosos no sin­
cero conceito de tantos bons, que sem paixão nem suspeita
poderão a boca cheia afíirmar que os Religiosos da Compa­
nhia sempre ensinarão, e sempre defenderão a mesma fé, e
a mesma doutrina. Sempre reprovarão os cativeiros injustos
e os que se não fundavão cm justo e seguro titulo; mas n u n ­
ca negarão, que os feitos em boa guerra, e com autoridade
do Principe, erão legitimos c verdadeiros escravos; que os
feitos em tropa, conforme a mente e inteliigcncia da lei, e
nos casos apontados e substanciados nella, erão verdadeiros
e legitimos escravos, pois havemos de suppor como certo,
que nem o Piissimo Rei, nem os sapientíssimos ministros
de seu conselho havião m andar se fizessem guerras injustas
aos índios, nem tão pouco se resgatassem índios a quem as
leis do direito não dessem por escravos; pelo que, ou fossem
as tropas de guerra ou de resgates, verificadas nos índios
as condições e mais requisitos das reaes ordens, e fielmente
executadas as obrigações de seus ministros, assim cia junta
de Missões como a das tropas, principalmente o cabo o Mis­
sionário delias, no tal caso e supposição que muitas vezes
succedo (ainda que algumas vezes se faça o contrario), fica vão
os taes índios sendo legitimos e verdadeiros escravos, e sem
escrúpulo os que com tão bom titulo os possuíssem.
Isto o que sempre disserão, isto o que dizem, e isto da­
qui por diante não dirão já os Padres da Companhia por não
encontrarem o minimo apice da justissima e clementíssima
372

Id do Fidelissimo Rei e S en h o r nosso, o S e n h o r D. José í .


digno por elia de eterna m em oria.
Fechemos o livro co m o resto da reflexão. Até ag o ra cati­
veiros o mais cativeiros, c este n u a s foi o que fez mal aos
m o rad o re s do Estado.
Agora p o rém liberdade o m a is liberdade, c este mens r e ­
ceio faça ta m b é m m uito mal aos índios da t e r r a , e sejâo n e­
cessarias as m e sm a s providencias para os cohibir, quo forão
applicadas para os m o r a d o r e s os larg arem .
Até agora cativeiros e depois de publicada c executada a
lei, os vemos livres, c tão livres os que so prezão de mass
ladinos, que já o servir por paga lhes causa fastio, as justas
reprehensões de seus amos, todio, e hum muito leve cas­
tigo pelo seu ensino, huma total deserção da casa onde r e ­
ceberão a creação, c forão creados com o maior mimo, ou
já nos braços de seus antigos senhores, ou já nos regaços
do suas amorosas senhoras, não sendo menor a desgraça dos
moradores, que a liberdade dos forros, que a tanto chega,
que passa ao atrevimento de se queixarem dos desampara­
dos c ofíendidos amos ; e a desgraça maior he a que estes
de ordinario experimenífto, que elles são os esbulhados o
aquelles os attenclidos, muito mais quando os aggravos são
feitos pelo outro sexo porque não falta quem se compadeça,
quem faça a petição, e quem patrocine o requerimento, e
bem joeirado todo este procedimento, não salie mais que
zizania, joio, c ervilhaca que he o mesmo que discórdia,
injustiça c sensualidade. — Medio tutissimus ibis. — Nem
tanto cativeiro que padeção os índios, nem tanta liberdade
(pie padeção os moradores.
lio tão essencial a esta miserável gente o serem ingratos,
preguiçosos, e dados á ebriedade e luxuria, que basta terem
o sangue da terra, para reinarem, como lá. dizem, como
mulatos do Alemtejo. Eu pela experienda que tenho do
Estado julgo que assim elles como ellas necessitão de tutor,
pessoa virtuosa, por serem tão miseráveis que tirar-lhes
este, he o mesmo que deixa-los viver á lei da natureza.
Mas sejão os mesmos amos e amas os tutores e tutoras,
quando não, viverão ociosos, e por conseguinte entregues a
vidos; e por ultimo insolentes c rebeldes, e seg u ir-se-h a
a ruina do Estado, se lhes não forem á mão, e os não conti­
verem com o castigo dentro das leis da caridade, por serem
de tal compleição que o muito mimo he para elles o maior
veneno, e algum eas ligo o melhor remedio p ara evitar
desordens c consolar descontentes.
O briguem -se, assint a índios como índias, a servir aos
derrotados moradores, que para isso lhes pagão, e não para
andarem "vadios: sustentem os ministros a autoridade dos
amos, informando-se primeiro da realidade dos factos, para
obrarem peias seguras regras da justiça, e n ã o pelas viciosas
da paixão e* appetite dos empenhados, desterrando da sua pre­
sença a tantos padrinhos, e mandando assentar a palmatória
nas afilhadas, cujas almas com as dos que as governão irão
sem remissão perdidas, e o E s ta d o ; e se não houver em
todos hum a total reforma, irá de dia em dia caminhando
sempre á sua ultima decadência, e os m oradores á sua
maior ruina, e a gentinha da terra aos effeitos inseparáveis
da sua natural inconstância. Queira ou permitia Deos, que
me engane, e qne todos gozem de huma paz inviolável p a r a
o futuro.
L IV R O V.
DE OUTRAS ACÇÕES DOS NOSSOS M ISSIO N A RI OS NO ESTADO DO MARANHÃO,
E DAS DO GRANDE PADRE ANTONIO VIEIRA ATÉ A SUA PARTIDA
PARA O PARA’.

CAPITULO I.

CH EGÃO A. C A PIT A L DO M A R A N H Ã O MAIS O B R E IR O S D A COM­


P A N H IA D A PRO VINCIA DO B R A Z IL , E DO QU E O P A D R E
V IE IR A O B R O U EM SERVIÇ O D E D E O S E BEM D A S ALM AS.

No livro passado referimos algumas acções de virtude,


assim do Padre Vieira, como de seus fervorosos subditos com
a sua feliz chegada ao Maranhão na entrada do anno de
53, em que também entrarão a trabalhar na seára com
certas esperanças da colheita; e no presente livro, por não
cortar o fio á historia com as do Pará, e não adiantarmos
os annos, irem os continuando no Maranhão sens gloriosos
serviços por todo o anno de 53 até a ultima partida, quo
aquelle grande heróe, e abrazado espirito na reducção dos
Indms ha de fazer para o Pará, com a mira posta nas muitas
nações, que bebem e se crião com as aguas do famoso rio
das Amazonas; em que pretende empregar os fervores de seu
apostolico zelo e repartir as influencias de seu feliz governo,
cujo primeiro emprego por agora foi cuidar do ensino da
mocidade, mandando continuar com maior fervor a classe
de latim para os estudantes, e uma boa e grande escola para
os meninos, porque com as letras se podessem também in­
troduzir na mais tenra idade as virtudes, p or serem estas o
AS
37Í) —
fim ultimo dos louváveis e proveitosos ministérios cia nossa
minima Companhia de Je su s; sendo ião grande o contenta­
mento dos moradores, que uns aos outros se davão publi-
oamente os parabéns vendo desterrada pela diligencia dos
mestres da Companhia a ignoranda da terra p erp etu ad a até
ali na inculta e mal empregada indole de seus filhos; que
notavelmente se adiantavão umas vezes tristes com a repre-
hensão e castigo, porém as mais das vezes alegres com a
remuneração dos prêmios, que não falta vão á vista do me­
recimento, sendo um dos principaes empregos, para que
tinha cooperado, com mão larga, a actividadé, e provida di­
ligencia do Padre Vieira, como quem sabia a infallibilidade
do proloquio, — à teneris consuescere mullum est— ; e cla-
queilas plantas bem cultivadas se podião esperar para ao
(liante novos e bem sazonados fructos, que o rnesmo Supe­
rior queria se devessem ao cultivo e cuidados dos ja rd i­
neiros da Companhia.
Estabelecida em melhor fórma a classe e escola, cuidou
da assistência dos enfermos e vigilância com os m oribundos,
não se esquecendo do desamparo dos miseráveis p reso s;
tudo pelas regras, e conforme a direcção e fim do nosso
louvável instituto; e para que tudo se executasse com os
auxílios divinos, recommendava a todos a reza ou canto do
Santíssimo Rosario da Mãi de Deos, e que todos, assim
Portuguezes, como índios assistissem ás doutrinas estabe­
lecidas na nossa e na Igreja Matriz. Já os sermões e costu­
mada energia do Padre Vieira ião colhendo no confessionário,
o que primeiro semeara do pulpito, porque embora não fal­
tassem pedras e espinhos, em que muitas vezes cabia, e bem
ao caso a semente, para abrandar as primeiras, bastava a
graça, para desmontar as segundas não faltava a industria,
cmquanto se não topava com a boa terra, que essa sem
muito trabalho promettia logo e oíTerecia o fructo pelo tra­
balho. Já a frequência dos Sacramentos era ordinaria, a re-
lorma dos costumes a mais exemplar, a restituição da liber­
dade dos índios a mais seguida, e a mais praticada , não
sendo necessarias as extorsões da violência, quando para a
execução sobeja vão os meios da suavidade e b r a n d u r a .
Dava o Superior por bem empregado o trabalho da p r é ­
dica pelo muito que interessava na pesca pela importância
dos lanços; e só se d o ia dos subditos, vendo-os tão fatigados
por falta dc companheiros, que lhes ajudassem a p u ch a r as
nulos, que parece so querião ro m p er pela multidão dos
peixes que a prendiao. Mas deste cuidado os tirou locro a
Altíssima Providencia do Senhor, que corno a vinha era toda
sua, unha cuidado de enviar mais obreiros para o trabalho
tieoa. brao estes cinco fervorosos sugeitos, que o Padre Pro­
vincial do Prazi! Francisco Gonçalves mandava de soccorro
a seu grande amigo e subdito o Padre Antonio Vieira; visto une
p o r nomeação sua era elle agora Superior de toda a Missão su­
jeita na quelle tempo áqueJla edifica tiva, e sempre gloriosa
é respeitável Provincia.
Pra o primeiro e Superior dos mais o Padre Manoel Nunes,
proíesso de quatro votos, varão acreditado em virtude e le-
T h ilm 0 D3*1/ 6 . r nt(!ni0 m ,!eiro’ insiSne lingua; o Irmão
ih eologo Rafael Cardoso, o Irmão Humanista Bento Alvares
e o Irmão Coadjuctor temporal João Fernandes.
hntroii esta pequena recruta pela bahia de S. José, que
nca a leste do Maranhão, e saltando aonde chamão Riba-mar
com a invocação daquelle purissimo Patriarcha, vierão
buscando a cidade, abreviando e segurando a sua viagem
por terra. Detiverão-se no caminho em duas alcleias° de
Índios, nas quaes o Padre Ribeiro prégou na linmia do
brazil, em que era perito, com tanta valentia e fervor°de es­
pirito, que foi preciso deterem -se alguns dias para ouvirem
de confissão aos índios e índias, que quasi todos se confes­
sarão e commungárão, com notável consolação dos novos
hospedes, que quando assim fructificavão de caminho, que
fanão de assento. Chegárào finalmente á cidade, aonde na
nossa casa da Virgem Senhora da Luz forão recebidos nos
braços do Padre Antonio Vieira com inexplicável alegria
assim delle, como dos mais Padres, de quem forão tratados
com mimo de Irmãos e agasalhados com caridade religiosa.
Com este pequeno soccorro, e vindo a tão bom tempo já
o Superior da Missão podia repartir com as partes, que por
então julgava mais necessitadas de operarios. Não se es­
queceu do Para, que reservamos para seu lugar, por não
cortarmos o fio ao que vamos dizendo, e querermos rematar
os successos do presente anno de 53, com o muito que
obrarão o Padre Vieira e seus subditos; estes nas visitas das
aldeias c algumas entradas ao sertão, aquelle, dentro na
cidade e seus contornos, que ainda parecia pequena messe
a vista de tão fervoroso e esforçado espirito. Como capitão,
a quem as experiendas na espiritual conquista tinhão acre-
ditado a eleição do cargo, que servia, foi distribuindo os
postos e assignando os lugares a tão valorosos combatentes.
Nomeou por embaixadores aos índios Goajajáras aos dous
Padres Francisco Yeüoso, e José Soares, pelos quaes man­
dava annunciar áquella nação a publicação do Evangelho no
rio Pinare, aonde vivião distantes sessenta léguas da ilha do
Maranhão. Aos Padres Antonio, e Thomé Ribeiro com o Irmão
Bento Alvares, que visitassem as aldeias da Ilha, andando e
discorrendo de um as a outras em um continuo gyro, tudo a
p é ; por se fazerem mais especiosos os passos, que como os
de seu Superior evangelisavão a paz e bens da vida eterna.
Na casa íicava o Padre Vieira com o Padre Manoel de Lima
o os Irmãos Rafael Cardoso, Antonio Soares, Simão Luiz, e
João Fernandes, os primeiros para a classe de latim e escola,
os outros dous para o exercicio e ministerio domestico.
Dispostos assim os sugeitos desta nova e assas compen­
diosa, e principiante provincia, entrou cada um a cumprir
com as obrigações do seu laborioso apostolado. O Padre Viei­
ra como primeiro, e Superior cios mais, cuidou em ser o
primeiro no exemplo, no zelo das almas, e edificação dos
proximos. « Resolvemos com o parecer dos Padres (são pa­
lavras suas, como costumo) que até a partida dos navios
para o Reino deste anno de cincoenta e tres, ficasse eu na
cidade cuidando no cathecismo dos índios, e examinando
os baptismos por estarem muitos invalidos, para o que fui se­
guindo o rol do Parocho por não ficar algum de fóra. Nisto
se faz um grande serviço aR eos particularmente nos índios;
porque a necessidade espiritual extrema, em que vive esta
miserável gente, difíicultosamente se póde conceber. Muitos
defies estão ainda pagãos, e assim vivem, e morrem na casa
dos Portuguezes; e quando os reprehendem os desta impie­
dade, cscusão-se com dizerem, que não tinhão Padres da
Companhia que os baptisassem (como se só estes o po-
dessem fazer: ó Deos, e que m iseria, mas ó gloria da Com­
panhia !); muitos achei baptisados, que verdadeiramente o
não erão; porque lhes clerão o baptismo sem nenhuma in s-
trucção, nem fazerem conceito do que recebião. Dos m ys­
teries da fé, raros erão os que sabião alguma cousa, ou ra­
rissimos os que sabião o que era necessario para se sal­
varem. Achei velhos de sessenta e mais annos , que nunca
se confessarão, e os que o íizerão algumas vezes, pergun­
tados quando, respond ião, que com o Padre Luiz Figueira,
que por boas contas lia via mais de dezosete annos tinha
sabido desta cidade.
« Desterrei o abuso geral muito introduzido de não dar a
communhão aos Índios, nem na hora da morte; o qual es­
tava aqui estabelecido como lei, e quasi o m esm o se pra­
ticava com o uso do sacramento da Extrema-uncráo. Os Índios
menos mal instruidos, erão os que assistião nas aldeias,
que antes tinhão sido frequentadas dos nossos Padres
antigos; ainda que também nellas estava quasi perdido o uso
dos Sacramentos por falta de quem lh o s administrasse. De
sorte que achei a maior parte dos índios, que vivem entre
os Portuguezes, como se então acabarão de descer do
sertão, e com alguns vicios demais, que se lhes pegarão dos
m esmos Portuguezes. » Assim fallava, e assim referia este
apostolico varão, segundo o que achava e apalpava com as
mãos, quea não serem tão fieis na escripta, se farião impossí­
veis de credito suas narrações. Não podia deixar de penetrar
no mais vivo da alma o que encontrava seu zelo em tão santo
exercício, que não podia deixar de ser de grande agrado de
Deos, sendo todo o proveito das alm as; que não interessa­
vam menos na sua industriosa caridade, como o unico rem e­
dio da salvação eterna, o que não podia deixar de com m uni-
car ao operario grandes júbilos, assim como aos afilhados
grandes bênçãos.
Nesta mata brava, ou neste sertão e cidade entrara o
Padre Vieira com tal fervor e zelo na sua cultura, que cm
poucos m ezes se via no Maranhão mudada toda a scena.
Com os m esm os cathecism os que formara, uns maiores,
outros mais breves, e outros brevissim os, instruía a muitos
que por mais hábeis, passavão de discipulos a sufficientes
m estres, com m unicando-se a todos em breve tempo a pu­
reza das aguas da santa doutrina, de que todos abundante­
mente bebião a sua m aior felicidade. Estes os fructos, que
então avultavão, e os trabalhos que com tanto lucro rendião;
porque abandonados os do sertão, só se attendia para
o fructo das almas; tendo dado em droga a espiritual con­
quista, por darem nas drogas do sertão a temporal e espiri­
tual milicia.
O maior trabalho deste bom Padre era o do confessio­
nário, aonde já práticos na sua obrigação acudião a satis­
fazer o annual preceito sendo-lhe preciso, e ao Padre
Manoel de Lima, gastar com o dia grande parte da noite.
porn que se não recolhesse penitente, a quem a sua cari­
dade não acudisse com o mesmo remedio que buscava.
Assim cavava, e assim replan ta va el Se aquella quasi assolaria
vinha do Senhor com não pouco suor do seu rosto, e de
seu inseparável companheiro o Padre Lima, communicando
forças e renovando alentos a bondade infinita do Senhor
delia, cpie não deixa de se agradar do trabalho, vendo o
desejado fructo da colheita; e porque este na hora da
m o rte era o principal effeito, e ultimo complemento de toda
a safra, e fructos da vida, nella com maior assistência
lhe segurava os fructos da eterna. Ouçamos das vozes desta
afinada cithara o progresso, e augmento de tão gloriosos
trabalhos.
« Com os Portuguezes (diz Vieira tocando com a penna
as cordas, de que com maior naturalidade, que a nossa,
se forma a harmoniosa narrativa das suas cartas) posso affir-
mar a Vossa Reverencia se não tem trabalhado m enos, que
com os índios; nos sermões dentro e fóra da casa; nas dou­
trinas de todos os dias; no exemplo da Senhora, e praticas
do sabbado; rios jubilêos das festas principaes, na visita dos
presos e enfermos, na devoção e ensino dos estudantes,
assim no estudo de latim, como na escola de ler e escrev er,
e geralmente nos ministérios proprios do nosso instituto
nunca se tem faltado, sem embargo de sermos tão poucos,
e carregar muitas vezes grande parte destas occupações
sobre mm só até dous. Mas dá-nos Deos e accrescenta-nos
as forças de maneira, que, até eu que sou o mais fraco de
todos, posso affirmar que não estou ocioso. Ao trabalho
corresponde o fructo que se colhe, e se este não fosse tão
sagrado, nem a terra tão pequena, se poderião dizer gran­
des fructos e effeitos da graça e misericordia Divina. Só
referirei por muito publico o caso seguinte:
«Estavão differentes neste Estado as duas maiores cabeças
delle; uma do de guerra, outra do de justiça e fazenda.
Começou o desgosto em materias de jurisdicção, tinhão pas­
sado ás das cortezias, e estavão já papeis escriptos e assigna-
dos para chegarem a outras materias mais pesadas. Acudirão
ao rebate dous Padres nossos que tinhão am'zade com ambos,
e posto que uma das partes estava mais rija, alílm cederão
ambos, e pozerão o negocio nas mãos dos Padres. Compôz-se
tudo de maneira, que ambas as pessoas e jurisdicções ficárão
na sua antiga correspondência, e cessarão os escândalos e-
- mi -

iíicon v c i íienl,es, que sem elh an te s d esu n iõ es c o slu m ã o c a u s a r


n a r e p u b i l e a. »
JSao cabia o espirito de u m tão grande homem (pois em
topa a matéria se mostrou ‘irando;-, no peiiucno recinto da
i’iUade de S. Luiz, que tinha tomado p or sua c o n t a ; o
porque desta distavao as aldeias da ilha, u m a s quatro, e
outras cinco léguas, não podendo os Padres, que as visita-
'vao, ncuoii a todas com a promptidao, que requeria a n e ­
cessidade dos enfermos, passou ordem aos ncophitos, que
‘odes as vezes que algum adoecesse, o viessem chamar logo
a ciiiade, como 1azia o ; e era para ver e adm irar, o como a
qualquer hora do dia ou da noite, se punha a pé um corpo
pesado, a quem os annos e os trabalhos tin hão diminuído
em parte as loreas, e sem mais arrimo, que de um tosco
bordão, corria, como anjo veloz a acudir ao seu doente, con-
íessando-o e dando-lhe o Santíssimo Tia tico, e ajustando
aos da alma os remedies do corpo, com tão conhecida cari­
dade, que cada vez mais se entranhava nos co racõesde todos,
nomeando-o imiversalmente com o amoroso titulo de Pai
dos índios, brilhando mais a virtude deste varão apostolico
nos pobres tugúrios, e vis choupanas destes miseráveis, que
em outros tempos nas casas dos fidalgos, c palacios dos
reis. E era raro o que morria sem o Padre Vieira á cabe­
ceira, sem reparar nas difficuldades, que se offerecião, já,
na passagem dos rios, já no sombrio dos matos com o e s ­
curo da noite, e o que mais he, sem caminho, sem guia, e
sem mais auxilio, que o divino, com e q u a l vencia até a
mesma difíiculdade,para que nem o catheciuneno ficasse sem
baptismo, nem o baptisado sem os sacramentos daquella
ultima '■....
Por este cuidado do bem espiritual de tal sorte exercia
suas funeções, que o não fazia esquecer do temporal soccorro
dos necessitados. Sentia o costume de n ào p e d irem os pobres
d a qnolle Estado de porta em porta, como se pratica nas ci­
dades; como também, e muito menos nas portarias religio­
sas, que o fazem para m elh o r os soccorrer com a ordinaria
esmola: mas para que nem a introducção do abuso nem o
r u b o r da pobreza o podessem defraudar do merecimento de
huma obra tanto do agrado de Deos, podio no Parocho h u m a
lista dos mais necessitados, aos quaes sempre acudia a sua
vigilância, senão peias de m aio rq u an tia, sempre porém pelas
leis da mais subida caridade, não se descuidando de os eon-
o82 —
vidar para o remedio da alma nas confissões, depois de estar
já soccorrido nas necessidades do corpo; e para que aquella
podesse abranger a todos, c tivessem algum abrigo nas suas
doenças os pobres, iníluio com a efficacia de seus serm ões
liuma tal misericordia nos Irmãos desta santa Casa, que todos
a huma offerecèrão logo grossas esmolas para a fundação de
hum hospital. Mas succedeu a esta obra, o que ordinaria­
mente succede a outras, quando os que a idearão não po­
dem continuar na sua devida execu ção; porque mudados
com a nova mesa os Irmãos, m udárão-se também as von­
tades, e ficou suspenso por então este monumento da pie­
dade christfi. Estas, e outras mais difficuldades se vencerão
depois, quando das mãos dos homens passou a obra para
as de Deos pelo motivo, que refere o m esm o Padre Vieira,
querendo o mesmo Senhor satisfazer os desejos do seu servo,
pelo m uito que este trabalhava pela sua maior gloria em
beneficio dos proximos.
«Querendo (assim diz na sua carta ao Padre Provincial do
Brazil) estes novos Irmãos da mesa da Misericordia, que lhe
fizéssem os alguns serm ões, e que os remediássem os pelo seu
dinheiro com o provimento para as m issas da Santa Casa,
por haver já muitos mezes faltavão os navios: veio o Procu­
rador, e mais Irmãos a conseguir o pedido, menos o aceitar­
mos o preço, mas pelo bom despacho da sua petição sem ­
pre lhes mettemos em condição, nos havião também despa­
char a nossa. Promettêrão que sim, e declarando eu que a
nossa era, que suas m ercês fizessem a obra do hospital, to­
dos vierão nisso, e o agradecerão m uito. Quizerão assignar
dia, em que se havia tratar da obra, mas nós não consenti­
m os, senão que fosse logo, e sahindo com o m esm o Procu­
rador e Irmãos fomos ao sitio da Misericordia, traçou-se o
hospital, e se entregou a obra aos officiaes, que havião cor­
rer com o edifício, dando-se-lhes a gente de serviço neces­
saria para elle. Tudo isto se fez naquellamanhãa, e no dia
seguinte, e por principio se começou a enfermaria de doze
camas, que já está feita. A primeira cama foi logo da nossa
casa para a do Thesoureiro muito limpa e concertada; por­
que houve um religioso que quiz dar a sua para os pobres,
e elle dormir dahi por diante em uma taboa. He esta obra de
grande serviço de Deos, eserá de grande allivio e remedio,
principalmente para os muitos roubados, que aqui chegão da
costa de Pernambuco; porque ainda que a gente da terra,
" " o ou
conio costuma, os soccorrc, o sustenta a todos com graúdo
caridade, e as pessoas nobres e de posto com maior gran
deza ; comtudo, como vem muitas vezes alguns feridos, o
outros doentes, que lhes não basta só o sustento para pode­
rem convalescer e viver, sem pre estes no hospital terão
melhorcomm odidade para serem curados, e melhor tratados
nassuas doenças.» Este hospital, que por então foi de grande
abrigo aos pobres, veio depois a experimentar as incons­
tâncias do tempo, que tudo acaba.
Quando encontro com muitas e agradaveis memorias deste
insigne varão, lendo em suas cartas a fiel conta, que era
obrigado a dai a seu Superior maior, e se nos communi—
cárão do cartorio do Collegio da Bahia, pelo que toca ao
augmento espiritual e temporal da nossa gloriosa missão do
Maranhão, que bem se póde chamar tal, por contar entre
seus varões illustres um tão grande, como o grande e sempre
grande Padre Antonio Vieira; me succede o m esmo, que
quando leio em seus serm ões as raras e inimitáveis valen­
tias de seu elevado e subtil engenho, offerecendo-se-me lcm
como questão problemática, se brilharão mais nelle os ta­
lentos do pulpito, em que foi Principe, como o mundo con­
fessa, se as preciosas virtudes da alma, em que foi eminente
como vai publicando a nossa Historia ; e assento commo sem
a menor violência de meu limitado discurso, embora que
repita o que já em outro tempo disse com m elhor penna o
doutíssimo Padre Gaspar Ribeiro, como escreve o erudito
Padre André de Barros, na vida daquelle seu famoso heróe.
Assim diz fadando de suas virtudes — Se o mundo as visse
no pulpito sem sobrepeliz seria de opinião, que concebi e
ainda conservo, persuadido, que entre tantos talentos natu-
raes e de espirito, o menor no Padre Vieira era o de pre­
gador. Meção agora lá os devotos de Vieira as grandezas
daquelle principado na prédica, com as eminências deste es­
pirito que vem os resplandecer na America entre os exercí­
cios da caridade, assim como já tinha luzido o talento na
Europa entre os innumeraveis applausos da prédica. O'
varão esclarecido e em tudo admiravel! a quem o zelo da
salvação das almas (virtude nelle a mais distincta), fez trocar
os mimos e applausos da côrte, pelos!trabalhos e suores da
Missão, acudindo ao bem de tantos miseráveis e soccorrendo
as miserias de tantos necessitados até ficar sem a propria
cama de que usava, pela largar ao pobre, que de justiça a
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pedia; que ainda que a sua humildade nos escondesse na
carta, como o recommendava a modéstia, a narração de
outros escriptos nos derão a conhecer o autor da obrajpor
todos os titulos de misericordia.
Não costumava o fogo daquelle peito dizer b asta; porque
todo o pasto era ainda pouco para a voracidade de suas
chammas. O ardente espirito do Padre Vieira, como já vimos,
não se contentava ainda com o muito que tinha feito; porque
ainda se não tinha empregado no que rnais que tudo dese­
java, que era entrar em pessoa na espiritual conquista do
rio Itapucurú, em cujo districto se dizia estar a nação dos
Barbados, de quem tantas cousas se disião, não sendo menor
o que defies se contava, de terem barbas, como os Europêos,
contra a natureza ordinaria dos índios; por se dizer pro-
cedião daquelles que logo nos primeiros descobrimentos
naufragarão na barra do Maranhão, como já tocámos na en­
trada desta nossa Historia; de serem mais politicos no trato,
e que pela sua distincção e valor erão arbitros absolutos das
nações confinantes daquelle sertão; e finalmente disião terem
em suas povoações algumas cruzes, que davão a entender
tiverão em outro tempo algum conhecimento de nossa F é;
e este accrescentavão (mas todo o referido por tradição) que
não podia ser de outros, que dos primeiros que intentárão
povoar o Maranhão no anno de 1535.
Estas noticias, posto que não o asseguravão a tradição,
por não haver testemunha de vista em que se fundar, não
deixavão com tudo de avivar o desejo do bom Padre Vieira
para entrar no descobrimento destes Índios, com o ultimado
fim de os regenerar a todos nas salutiferas aguas do Santo
Baptismo. Participou os seus intentos ao Capitão-mór Go­
vernador Balthazar de Souza Pereira, propondo-lhe as con­
veniências de um e outro fôro, que não podião deixar de
trazer comsigo algum proveito aos moradores daquella sua
Capitania. Approvou elle os intentos e assentárão ambos,
que se fizesse a entrada pelo S. João do anno em que
vamos de 53, por ser o mais proprio de sem elhantes en­
tradas. Feito o assento em 27 de Fevereiro, tratárão por
ultimo se fossem arrumando as cousas mais precisas para
o bom logro da viagem, e como as occasiões em que um e outro
se encontrav o erao muitas, também erão muitas as em que
o Padre lhe lembrava o ajuste; para que o descuido não
mallograsse depois o desejado effeito da entrada. Repetidas
m —
erão as lembranças, quo o fervoroso missionário lhe fazia ;
porem a todas cilas (são palavras suas) me respondia o Ca­
pitão-m ór — que tudo ia prevenindo. « Coratudo os Padres
queandavão pelas aldeias, e vião as occnpações em que estavão
divertidos os índios, que havião ir comigo áquella entrada
me avisarão por vezes, que entendião que ella se não havia
de fazer, e que o Capitão-mór nos não tratava verdade.
íHundárão-se (e hem) em que os índios para poderem ir
devião ter feito primeiro as suas roças, e que o Capitão-mór
no tempo que elles as havião de fazer os trazia occupados
nos serviços de seus interesses; e sobretudo, que tinha plan­
tado com elles duas grandes lavouras de tabaco, as quaes
se havião de colher e beneficiar no mesmo tempo da jor­
nada, e com os m esm os índios, por não haver outros e que
não era cousa para se suppor de um homem pobre', e tão
desejoso de o não ser, que houvesse de plantar para não
recolher.
<( Bem via eu a razao que os Padres tinhao, e também sus­
peitava e presum ia; mas não me pareceu desistir da em -
preza, nem tomar logo outra, como alguns me aconselhavão
porque tive sempre por melhor, que a jornada se desfizesse
antes por parte do Capitão-mór, que pela nossa: e porque
se não perdesse por falta de diligencias, fiz com elle se cha­
massem os Principaes e Capitães das aldeias, para que com
todos se ajustasse o que era necessario e assentasse o dia
certo. Fez-se a junta em dia de S. João Baptista, e porque
todos os índios se escusárão, por não terem ainda roçado
para o preciso sustento das suas familias, que sem a man­
dioca, que he o seu pão, não podião viver, se lhe deu para
isto tudo o que restava daquelle mez, e todo o seguinte:
e assentou-se de commum consentim ento, que a partida fosse
aos 31 de Julho, dia de Santo Ignacio, nosso Padre.
«Erão já partidos neste tempo para o Reino todos os navios
daquelle anno, e só faltava um, o qual se expedio dentro em
quinze dias. Ao seguinte nós partimos, eu e o Padre Antonio
Ribeiro a visitar as aldêas, e juntamente a fazer lista dos
índios, e armas de arcos, frexas e rodelías, que havião de
ir, e tudo negociám os pelas medidas do grande desejo, que
se tinha para a empreza. Porém o Capitão-mór, tanto que
vio a partida do navio, e que já não tínhamos por quem
avisar a El-rei, e que eu, que com as ordeus que tinha de
Sua Magos ta de, o lhe podia fazer alguma resistência, estava
ausente, convocou logo a uma junta os Prelados das reli­
giões e mais pessoas da justiça e republica, que eüe escolheu,
e com todos se resolveu, e fez um auto, que não convinha
que a jornada se fizesse, por ser já fóra de tempo, que para
o seguinte anno se faria.
«. Achou-se nesta junta o nosso Padre Manoel Nunes, que
allegou por parte da cidade a convenienda cia entrada com
m uitas e muito forçosas razões; mas nenhuma delias nos
valeu ; porque só uma tinha lugar naquella junta, e foi a que
deu logo o Reverendissimo Prior do Carmo, o zeloso Padre
Frei Ignacio de S. José, o qual disse desta m aneira.— Eu,
senhores, não sei, sc he ou não tempo de fazer a jornada,
porque não he essa a minha profissão: o que sei de certo
he, que se a jornada fôra para captivar índios o tempo seria
muito bom, mas como he só para salvar almas, por isso não
he tempo, nem o será nunca.— Isto disse este bom religioso,
e deu sem duvida no ponto da verdade, a qual, confesso a
Vossa Reverencia, que não acabei de conhecer senão depois
que o virão os olhos, porque mão cuidei era tão máo o mundo
com ter visto tanto delle.
« Emqnanto as m issões econversões da gentilidade tiverem
dependencia dos Governadores e Capitàes-m óres, bem nos
podemos despedir delias, porque hão de poder mais que
nós e que tudo, seus interesses. E porque se veja quão
certo éra ser dissimulação, e fingimento tudo que o Capitão-
iriór me dizia das prevenções que tinha feito, tratando eu
logo de me passar ao Pará, pedi-lhe canoa c índios, e s e n ­
do que as canoas que havião de ir á jornada erão duas,
e os índios mais de duzentos, para depois me descubrir
uma, teve grande trabalho, e dando-m e um escripto para
dez índios, correu o Padre Antonio Ribeiro ás aldeias, e
não achou mais que dons! Eis aqui corno estavão preveni­
dos os índios, e as canoas. E se Vossa Reverencia m e per­
guntar: pois onde estavão os índios ? Digo que nos taba­
cos e nas pescarias, e em outros interesses de quem não
quiz que eu fosse buscar almas ao sertão; e no serviço
dos senhores de engenho, e outros poderosos, que pagão
em caixas de assucar o darem -se-lhe a eiles mais que aos
outros.
« Por estas vilezas se vende o sangue de Jesu-C hristo,
por cilas se desobedece ás ordens de El-Rei; mas já tenho
dado conta de tudo n Sua Magpsfade. e espero m au-
•i 8 7

dçira acudir com o mais prompto remedio, lirande foi a m o r­


tificação que recebemos de se nos estorvar, e por taes
meios, esta missão, que além das esperanças que nos p r o -
met tia, tinha de mais os alvoroços de ser a primeira. O que
mais sentimos foi a perda do tempo, porque desde Abril até
princípios de Agosto, em que nos detivemos no Maranhão
esperando por ella, era bastante para lermos passado no
liuiupá e entrado pelo rio das Amazonas. Comtudo não
estivemos aqui ociosos, e se fizerão algumas cousas de aran ­
de serviço de Deos, em beneficio espiritual, assim dos índios
como dos Portuguezes. »
Este o fim tragico, que teve a entrada do grande rio Ita -
pucurú, pelo qual queria o ardente zelo do Padre Antonio Viei­
ra tremulassem as bandeiras do Santíssimo Nome-de Jesus,
sendo elle o alferes desta expedição verdadeiramente apos-
tobca • e que promettia grandes fructos na famosa nação
dos Barbados, a que o demonio, inimigo comrnum das almas,
como costuma, se oppoz com suas astúcias pelos imeios já
relermos, e nunca assas deplorados, que forão sempre, e
sao ainda boje o comrnum embaraço da propagação do Evan­
gelho, e conversando gentilismo, e a mais verdadeira pedra
de toque da paciência dos missionários d esta Vice-Provin-
cia neste Estado; e o serão para o futuro, emquanto se não
praticar o meio, que acima aponta, e a mesma experienda o
persuade, o Padre Vieira, para se não verem acabar em flor
tão bons desejos, dos quaes se podião esperar m ad u ro s e
copiosos fructos.
Mas a Providencia do Altíssimo, que por seus occultos ju í­
zos a nossa comprehensão investigáveis, permittio, por então
se impedissem os passos a este apostolico varão, os fran­
queou depois a outro (*) não menos grande no zelo, e salvação
das almas, como publicào os se rtles do Piaguy, Pernambuco
e Bahia, que virão, e admirárão a s su a s virtudes eprodigiosas
miss es, em que converteu a Deos e a melhor vida innume-
raveis almas; e ao tempo que isto escrevemos continúa o
mesmo exercício em Portugal com proveito (como affirmão
n esta os que vem daquelle Reino) e edificação dos proxi­
mos, um missionário d ’esta Provincia, que trocando as d e ­
licias da patria pelos trabalhos da missão do Maranhão, foi
mandado pela santa obediência, pelo grande fervor que m o s ­
trava a annunciar a estes barbaros os mysterios da Santa
O Priftre CnliriH Mnlnfrida.
Fe, sendo Governador e Capitão General do Estado João da
Maya da Gama, um dos que mais promoverão a conversão
do gentilismo, por ser tão notoriamente zeloso no serviço de
ambas Magestades.
Nomeado o dito Padre para tão santa e diííicultosa expe­
dição, partio logo paraella no anno de mil setecentos e vin­
te e sete, e com tão bom e feliz successo, que o m esm o foi
chegar, que vencer, tirando com as luzes do Evangelho a
tantos barbaros das trevas do gentilism o, que com elles pô­
de fundar duas populosas aldeias, huma, que ainda hoje se
chama Aldeia Grande, a outra Aldeia Pequena, que depois
situou seu bom successor o Padre João Tavares sobre as
margens do mesmo rioltapucurú com notável conveniência
dos Mineiros, que por elle navegão vindos do Piaguy pelas
Aldeias Altas (’) distantes mais de quinze dias de viagem da
cidade de S. Luiz do Maranhão; que posto paguem aos ditos
índios as suas conducções, para o transporte daquelles com -
boeiros, são estes Barbados os melhores conductores.
Assim veio a desfructar este fervoroso missionário o que não
pôde então colher o zelo incansável do grande Padre Vieira.
Era este de opinião, que o rio ltapucurú se ia ajuntar com od e
S. Francisco; porém o tempo e o descobrimento m ostrou
depois o contrario, ainda que a distancia das cabeceiras de
bum a outro he tão pequena na commum accepção dos via-
gciros daquelles sertões, que o espaço de vinte para trinta
léguas, que poderá ter, o tem elles por visinhança da porta.
1 "foquei nesta breve noticia, não obstante pertencer á futura
chronologia dos seguintes annos para adoçarem parte o des­
gosto dos mais zelosos, vendo privados aquelles m iseráveis
de huma occasião tão favoravel ao bem espiritual de suas
almas Mas para que os curiosos saibão logo sem a impaci­
ência de tão longa demora, em quevierão a parar as particu­
lares noticias, que a tradição publicava desta bellicosa nação,
direi o que pude colher da boca dos m esm os m issionários,
que os tratarão.
Notável costume he a efficacia com que algumas noticias
por antigas passão entre o vulgo por verdadeiras, não ex­
cedendo a esphera de meras fabulas: ou porque a sua vera­
cidade se não decidio ainda no tribunal de uma rigorosa
critica; ou porque o tempo, como mais experim entado, não
desterrou a mentira pelos evidentes calculos do desengano.
f ) AcMinlmenfc n cidade dc Caxias.
N otheatio critico do sapientíssimo Feijó se desterrou total­
mente, com o erro commum, huma especie, que corria como
certa, sobre a existência da celebre nação dos Battuecos dis-
tn cto muito v,smho ao famoso sanctuario de Nossa Senhora
da len h a de frança, oito léguas distante de Ciudad Rodrigo
bispado de Cona, tidos por gente barbara incognita e sem
conhecimento algum da menor parte de tão dilatada Penin­
sula, sendo tudo tao falso, como fabuloso; que muito pois
que nos sertões da America portantos annos inaccessiveis ao
descobrimento dos nossos Portuguezes, corresse como certo
o que se dizia por tradição de hum gentilismo, sobre que
iaoulisava o discurso, sem ainda tocar com as mãos o que
por beneficio da communicacão veio finalmente a servir de
desengano, porque nem a nação dos Barbados excedeu nun­
ca as leis da natureza dos demais índios da America de or­
dinario sem barba, nem a sua politica era tal que os exi­
m isse dos costum es da maior barbaridade, excepto a de não
comerem carne humana, h menos se podião achar cruzes
em suas povoações, experimentando nelles os nossos m issio-
narios huma quasi ignorância total do primeiro Numen,
affirmando elles proceder a sua nação de hum grande formi­
gueiro, que houve naquella terra ; e que o diabo era por el­
les tratado com respeito, não porque fosse bom, mas pelo
mal, que lhes podia fazer nas suas caçadas e lavouras.
Entre tantas ficções sahio sóm ente certo o de serem na
realidade, e por natureza guerreiros, exercitando-se uns
com outros em exercidos de trabalho, e experiendas de
forças, como be carregar aos hombros de huma para outra
parte pesadíssim os troncos de palmeiras, e na mesma
velocidade da carreira passarem-nos aos dos companheiros,
com tal destreza, que embora offendão aos ouvidos com o
desentoado dos gritos, não deixão de agradar aos olhos com
este seu jogo da barra, pela ligeireza aonde m elhor experi-
mentão as suas valentias ; que não ha duvida, que em forças
e estatura são notoriamente grandes, não menores na terri-
bihdade do aspecto,^ principalmente quando se pintão com
urucu, de que formão uma tal graxa, que untados com ella
parecem huns demonios, ainda os de diverso sexo, para o
qual se não póde olhar sem h orror; e muito menos chegar
sem asco pelo fartum da confecção com que se untão, e
pelo perigo de participarem os Portuguezes no vestido da
mesma tinta que abominão nos corpos.
390
Dos Portugiiezes fallo: porque entre elles he a gala cie
maior estima, de que com facilidade varino com a diversi­
dade da pintura, e sem mais custo da droga, nem neces­
sidade de quem lhe faça a obra, com lavarem o corpo no
rio, e se pintarem de novo, tem mudado de vestido, que
lie indispensavelmente de còr de sangue, por se não estender
a rnais o seu estimado u ru cú , planta em cujos botões se
escondem muitas sem entes, como as dos bagos de uvas,
que botados de molho, largão este sanguineo p olm e, q u e,
assentado no fundo do vaso, escorrida a agua, e enxuto ao
sol, he guardado por elles em cabacinhas, para o uso, junto
com unto de peixe, como enfeite da sua mais prezada e
preciosa gala. Basta de noticia para os que se prezarem de
curiosos.
CAPITULO II.
DO QUE OBRA RÃ O OS P A D R E S ANTONIO R IB E IR O E TIIO M É
R IB E IR O , NA V ISITA DAS A LD EIA S DA IL H A DO M A RA N H Ã O .

Contava ainda a Ilha de S. Luiz do Maranhão no breve


recinto da sua circumferenda, cinco aldeias de sete com que
em outro tempo se servia, e no dia de hoje apenas uma nas
limitadas reliquias da aldeia de S. José. A primeira das cinco
e que foi a norma para o governo das mais, era composta
dos índios, que os nossos primeiros Padres tinhão trazido
de Pernambuco, logo no primeiro descobrimento e entrada
dos Portuguezes, depois de restaurado o Maranhão das mãos
da nação Franceza. Dos índios, que então ficárão, e erão a
maior parte Tupinambás, existião ainda as cinco, que erão
agora todo o emprego do fervoroso zelo dos nossos Missio­
nários.
linha o Padre Superior Antonio Vieira nomeado para
a cultura desta grande seára aos Padres Antonio e Thomé
Ribeiro para administrarem os Sacramentos, e ao Irmão João
rem andes para cuidar no sustento dos operarios e fazer as
doutrinas aos índios. Mas como para tanto trabalho, fossem
poucos os obreiros, ordenou o Padre Vieira aos dous Padres
que visitassem em gyro de umas para outras as cinco aldeias
da Ilha, aonde além de baptisarem e confessarem aos que
tivessem necessidade, estabelecessem para maior commodi-
dade as tres providencias seguintes. Primeira, que em todas
ellas pozessem livros de baptismos, casamentos e obitos,
conforme o Concilio Tridentino. Segunda, que em cada uma
se instruíssem dous outros rapazes dos mais babeis, que po-
dessem todos os dias na Igreja repetir as orações e santa
doutrina. Terceira, que se adestrassem da mesma sorte
alguns índios mais capazes para poderem baptisar aos ca-
thecum enos, e ajudar a bem morrer os baptisados na precisa
ausência dos dous Missionários, e que o estabelecessem de
sorte nas aldeias, que em nenhum tempo se experimentasse
falta.
Executárão elles a ordem com tão grande zelo e activi-
Aíl
dade, qne dentro em breve tempo não faUárão m estres para
os homens, e já sobejavão m estras para as m ulheres, que
de ordinario são as mais babeis em aprender, e de melhor
retentiva para ensinar. Já nas aldeias era menos sensível a
falta dos Padres, porque erão promptos na sua obrigação os
eathecliistas ; vendo-se effcctuado na America o que n.a A s a
costumava com maravilhosa industria o zelosissim o Padre
S. Francisco Xavier, snpprindo muitas vezes a falta de sa­
cerdotes com os meninos da doutrina, que a sua paciência
tinha com grande applicação adestrados, sendo iguaes as
vantarens nos discipulos, porque não erão desiguaes nos
mestres os fervores ; sahirão tão bem instruídos os nossos
Americanos, assim no repetir das orações, como na decla­
ração dos m ysterios « que quem os ouvir (são palavras do
nosso Padre Vieira) julgará, que são os mesmos Padres que
estão ensinando e fazendo a doutrina; porque todos geral-
mente tomarão isto com tanta bondade e affecto, que se póde
inferir do que aconteceu aos dons Padres andando nestas
santas visitas. Chegarão'estes ao porto de uma aldeia com
uma hora de noite, e já perto das casas sentirão que se fal­
tava alto, e estava toda a gente acordada. Estranharão a
novidade, e muito mais áquellas horas, por serem os índios
de pouca conversação, e de ordinario dados ao som no, que
em qualquer hora da noite parece não haver na aldeia cousa
viva. Julgarão logo pela experienda seria talvez effeito dos
seus vinhos, que como se não vendem e são fáceis de fazer,
em o havendo em alguma casa, para lá concorre a maior
parte, e depois que bebem, he que entrão a fallar estes
mudos, não havendo historia dos passados, nem obrigação
ou queixa dos presentes, que não venha á pratica, que o
mais certo lie levar o resto da noite, com tanto que o vinho
se não acabe.
(( Chegarão emfim os Padres mais perto, e notando o que
se fallava na primeira casa, forão correndo por tora as de­
mais, sem serem sentidos, e acharão, que o que se dizia em
todas erão as orações c declarações do cathecismo, as quaes
uns rezavão, outros ensinavão, e outros aprendião, deitados
todos nas suas redes, emendando aos pais os filhos, e aos
maridos as m ulheres, porque estas e os rapazes são os que
mais facilmente aprendem de memória. Emfim a aldeia estava
feito uma escola ou universidade da doutrina christãa em que
se ensinavão ás escuras as brilhantes luzes da fé. Edificárão-se
os Padres de que ouvirão, corno era razão, muito mais não
o tendo elles insinuado aos índios, o que deixavão de fazer
na sua presença por respeito, e agora o fazião pelos suppo-
rem ausentes.
<( Succedeu aqui aos Missionários com os índios o que
ao sacerdote Iíeli com Anna, mãi de Sam uel, que o que
julgarão vinho, erão orações da doutrina. E posto que esta
vez se estimou este caso pela novidade, de então para
cá lie cousa tão ordinaria nas aldeias, que todos que vamos
a ellas experimentamos esta piedade e curiosidade nos índios,
porque depois de ílies ensinarmos a doutrina, rezão em com-
munidade, corno se faz todas as manhãs e tardes na Igreja,
e recolhendo-se a suas casas, os ouvimos outra vez rezar e
repetir o que primeiro lhes ensinámos. Não crera isto destes
homens, quem primeiro os conhecera, mas tanto póde a
graça sobre a natureza! Nem nós lhes tiramos os dias de
festa, nem prohibimos o seu cantar e bailar, nem ainda o
beber e alegrar-se, comtanto que seja com a moderação
devida, por lhes não fazermos a lei de Christo mais pesada
e triste, quando o seu jugo lie suave e leve » .— Até aqui a
relação do Padre Vieira.
Estas Missões pela maior parte as fazião os Padres á pé,
e com inexplicável trabalho; e posto que os índios pelos
alliviarem do caminho, lhes offerecião com as redes os hom-
bros, como lie costume naquellas terras, nunca qüizerão
aceitar a commodidade das jornadas á custa do suor dos
índios, que ainda que voluntários, sempre havião de tirar o
merecimento áquelles angelicos e velocissimos passos; porque
era maxima do Padre Vieira que o pastor lie o que havia
carregar aos hombros as ovelhas, e não estas ao pastor,
por cuja razão ordenou, e o mesmo praticava sempre com-
sigo, que nenhum usasse de rede pelos caminhos, salvo se
a necessidade ou enfermidade o pedisse. Assim o cumprirão
estes dous fervorosos Missionários, seguindo não só a ordem
do seu Superior, senão também o exemplo de seu amantís­
simo pai (pelo ser de todas as Missões) o grande Apostolo
do Oriente S. Francisco Xavier, correndo na índia a pé, e ao
mesm o passo dos cavallos no Japão. Mas he de advertir,
que todo este trabalho, que recebião os Padres pelos cami­
nhos, lh’os trocavão Deos nas aldeias em gostos, pela grande
consolação com que nelles colhião o frueto daquellas labo­
riosas jornadas.
Km cada huma das aldeias se cletinhão tres, e quatro dias
; ouvir confissões, a assistir a alguns doentes, e a instrui-
los melhor na repetição da Santa Doutrina. Ao m esm o pas­
so que corrião as consolações pelo fructo que colhião de
suas amadas m issões, corrião também, ou se lhes contra-
punhão os desgostos nas queixas e insoffriveis lastimas, que
os Índios padecião e referião no serviço dos Portuguezes,
que só tinha da liberdade o nome e de um rigoroso capti-
veiro os efíeitos. Que por compaixão se lembrassem do mui­
to que por elles tinha obrado o bom Padre Figueira, de sau­
dosa memoria, co m o seu amparo e defensa, por serem só
os Padres os unicos protectores do seu desamparo, e em
quem tinhão posto todas as esperanças do remedio. Daqui
lhes nascia grande desejo, que tinhão de terem comsigo
nas aldeias a companhia de tão am orosos Pais; e porque
vião que os Padres, sendo só dous, não se podião multiplicar
e assistir a todos, cada hum allegava com as mais vivas ex­
pressões todos aquelles 'motivos, que fazião a bem da pre­
tendida preferencia; parecendo invejas as queixas, quando
em humas se detinhão mais dias, que em outras aldeias;
por cuidarem era desigualdade o que a mesma necessidade
fazia ser preciso. Foi conveniente que os m issionários m e­
dissem o tempo de sorte, que quanto a occasião o permit-
tisse, fossem para todos iguaes os dias, assim como erão
em todos iguaes os desejos.
Iluma das maiores consolações, que estes apostolicos va­
rões experimentavão era a da ultima hora daquelles índios,
a que assistião de continuo, até finalmente os deixarem en­
tregues á sepultura; porque não tendo esta gente os emba­
raços das nações mais politicas; livres commummente de
ambições, odios, de restituição de honra e fazenda, era fá­
cil a disposição no total desengano da morte; deixando com
a piedade e socego com que morrião signaes muito pro­
prios de huma predestinação eterna, motivo porque os Pa­
dres não perdoavão a diligencia alguma, que ao maior custo
da sua rara caridade podesse conduzir aquellas almas ao
desejado íim da Bemaventurança, a que os convidavão, no­
meando-lhes muitas vezes e elles repetindo com singular ter­
nura os dulcissimos nomes de Jesus e Maria. Não conduzia
também pouco para aquella hora o total desapego destas
almas, quando já nas ultimas despedidas, que fazem do
inundo, nem o amor dos pais a filhos, ou de m aridos am u-
lhcres, oil pelo contrario de filhos para pais, ou do m ulhe­
res para maridos, que são de ordinario os mais distinctos,
segundo as leis da natureza, lhes causa aquelles embaraços,
que experimentamos entre as familias dos Portuguezes, com
não pequena afflicção dos moribundos e não menor magoa
dos Padres que lhes assistem: porque a demasiada affeição
que a estes atormenta na morte, lie a que falta naquelles’
quando em vida se não póde notar nelles amor algum que
padeça excesso.
Foi a primeira diligencia dos nossos missionários o dar
execução á ordem do seu Superior, dispondo os livros por
tal methodo, que ficarão os baptismos de todos, assim inno­
centes como adultos, livres daquella confusão em que os
tinha posto o descuido, e gozando de uma tal clareza, que
com facilidade se descobrião já os gráos de hum e outro pa­
rentesco, o que não conduzia pouco para guiar com segu­
rança a celebração dos matrimônios; pelas diligencias desta
espiritual matricula, ficarão os Padres muito certos não es­
tar nas aldeias pessoa alguma que carecesse de baptismo.
Succedeu porém, que o Padre Antonio Ribeiro, discorrendo
um dia pela aldeia, como he costume dos nossos missioná­
rios, quando ha doentes, topasse com uma velha já decre­
pita, e quasi amortalhada na sua propria rede. Levado de
superior impulso se sentio mover, a que lhe perguntasse, se
estava já baptisada; e como tinhão sido exactas as diligen­
cias, que pouco antes se tinhão feito sobre o baptismo de
todos os aldeianos, não deixava de sentir repugnância, por
lhe parecer escusada a pergunta, mas como não podesse so -
cegar a sua desconfiança, porque erão poderosos os impul­
sos da graça, lhe perguntou finalmente, se estava já baptisa­
da. Quando a boa velha ouvio fallar em baptism o, ficou tão
admirada, como quem delle tinha, nem ao m enos a menor
noticia, com pasmo e assombro do m esm o Padre, que logo
entrou a catechisa-la, e depois de bem instruida lhe confe-
rio o baptismo, que he o que até então esperava para o ca­
bal logro da maior ventura. Eva foi o nome que lhe deu o
Padre, porque com m elhor fortuna que a primeira conse-
guio por graça do baptismo o Paraíso, que a outra tinha
perdido pela culpa original.
Notável força a da predestinação e admiráveis os m eios
que o Clementissimo Deos toma para acudir com o rem e­
dio á sua creatura, quando da sua parte obra segundo os
Em cada huma das aldeias se detinhão tres, e quatro dias
a ouvir confissões, a assistir a alguns doentes, e a instrui-
los melhor na repetição da Santa Doutrina. Ao m esm o pas­
so que corrião as consolações pelo fructo que colhião de
suas amadas m issões, corrião também, ou se lhes contra-
punhão os desgostos nas queixas e insoffriveis lastimas, que
os índios padecião e referião no serviço dos Portuguezes,
que só tinha da liberdade o nome e de um rigoroso capti-
veiro os effeitos. Que por compaixão se lembrassem do mui­
to que por elles tinha obrado o bom Padre Figueira, de sau­
dosa memoria, co m o seu amparo e defensa, por serejn só
os Padres os unicos protectores do seu desamparo, e em
quem tinhão posto todas as esperanças do rem edio. Daqui
lhes nascia grande desejo, que tinhão de terem comsigo
nas aldeias a companhia de tão amorosos Pais; e porque
vião que os Padres, sendo só dous,não se podião multiplicar
e assistir a todos, cada hum allegava com as mais vivas ex­
pressões todos aquelles 'motivos, que fazião a bem da pre­
tendida preferencia; parecendo invejas as queixas, quando
em humas se detinhão mais dias, que em outras aldeias;
por cuidarem era desigualdade o que a mesma necessidade
fazia ser preciso. Foi conveniente que os m issionários me­
dissem o tempo de sorte, que quanto a occasião o permit-
tisse, fossem para todos iguaes os dias, assim com o erâo
em todos iguaes os desejos.
Iluma das maiores consolações, que estes apostolicos va­
rões experimentavão era a da ultima hora daquelles índios,
a que assistião de continuo, até finalmente os deixarem en­
tregues á sepultura; porque não tendo esta gente os emba­
raços das nações mais politicas; livres commummente de
ambições, odios, de restituição de honra e fazenda, era fá­
cil a disposição no total desengano da morte; deixando com
a piedade e socego com que morrião signaes m uito pro­
prios de huma predestinação eterna, motivo porque os Pa­
dres não perdoavão a diligencia alguma, que ao maior custo
da sua rara caridade podesse conduzir aquellas almas ao
desejado fim da Bemaventurança, a que os convidavão, no­
meando-lhes muitas vezes e elles repetindo com singular ter­
nura os dulcissimos nomes de Jesus e Maria. Não conduzia
também pouco para aquella hora o total desapego destas
almas, quando já nas ultimas despedidas, que fazem do
mundo, nem o amor dos pais a filhos, ou de m aridos a mu-
lliercs, ou pelo contrario de filhos para pais, ou de m ulhe­
res para maridos, que são de ordinario os mais distinctos,
segundo as leis da natureza, lhes causa aquelles embaraços,
que experimentamos entre as familias dos Portuguezes, com
não pequena afflicção dos moribundos e não menor magoa
dos Padres que lhes assistem: porque a demasiada affeição,
que a estes atormenta na morte, he a que falta naqueíles’
quando em vida se não póde notar nelles amor algum qué
padeça excesso.
Foi a primeira diligencia dos nossos missionários o dar
execução á ordem do seu Superior, dispondo os livros por
tal methodo, que ficárào os baptismos de todos, assim inno­
centes como adultos, livres daquella confusão em que os
tinha posto o descuido, e gozando de uma tal clareza, que
com facilidade se descobriâo já os grãos de hum e outro pa­
rentesco, o que não conduzia pouco para guiar com segu­
rança a celebração dos matrimônios; pelas diligencias desta
espiritual matricula, ficárão os Padres muito certos não es­
tar nas aldeias pessoa alguma que carecesse de baptismo.
Succedeu porém, que o Padre Antonio Ribeiro, discorrendo
um dia pela aldeia, como he costume dos nossos missioná­
rios, quando ha doentes, topasse com uma velha já decre­
pita, e quasi amortalhada na sua propria rêde. Levado de
superior impulso se sentio mover, a que lhe perguntasse, se
estava já baptisada; e como tinhão sido exactas as diligen­
cias, que pouco antes se tinhão feito sobre o baptismo de
todos os aldeianos, não deixava de sentir repugnância, por
lhe parecer escusada a pergunta, mas como não podesse so -
cegar a sua desconfiança, porque erão poderosos os impul­
sos da graça, lhe perguntou finalmente, se estava já baptisa­
da. Quando a boa velha ouvio fallar em baptismo, ficou tão
admirada, como quem delle tinha, nem ao m enos a menor
noticia, com pasmo e assombro do m esm o Padre, que logo
entrou a catechisa-la, e depois de bem instruida lhe confe-
rio o baptismo, que he o que até então esperava para o ca­
bal logro da maior ventura. Eva foi o nome que lhe deu o
Padre, porque com melhor fortuna que a primeira conse-
guio por graça do baptismo o Paraiso, que a outra tinha
perdido pela culpa original.
Notável força a da predestinação e admiráveis os meios
que o Clementissimo Deos toma para acudir com o rem e­
dio á sua creatura, quando da sua parte obra segundo os
(lidamos da natural razão. Destes casos tem suceedido
muitos aos nossos m issionários, de donde se collige a m -
fallihilidade do proloquio — facienti quod in se est, Deus
non denegat gratiam. — Ponhamos da nossa parte as for­
ras da natureza, que Deos dará o auxilio, sem o qual não
podemos exercer as obras da graça. Louvemos a tão bom
Senhor, que assim cuida de salvar a todos; porque para os
salvar derramou o sangue, offeree eu a vida, e morreu na
cruz, por cujos m erecimentos, que sao infinitos, espeianios
os maiores peccadores salvar-nos e gozar para sempre da
eterna gloria. .
Outro caso semelhante succedeu dahi a pouco tenapo ao
Padre Manoel Nunes, emquanto os dous Padres anclavão por
outras aldeias da sua visita. Vierao chamar á cidade, con­
forme a ordem do Padre Vieira, hum sacerdote para acudir
a hum enfermo, que estava de perigo. Foi nomeado o Padre
Nunes, que como lhe não era necessario para o caminho
mais que os pés, e hum tosco bordão, mettido debaixo do
braço o breviario, partio logo ao primeiro aviso. Ao tempo
que ia caminhando, se foi escurecendo o ar de sorte, que
antecipada a noite, sobreveio huma tão horrivel tempestade
de trovões e agua tão rija, que foi preciso ao Padre buscar
alvergue, emquanto não passava a maior furia da tormen­
ta. Descobrio por entre o matto á borda do caminho huma
pobre casa de palha, como as mais daquelledistricto, e nella
não achou senão humas pobres índias muito velhas, que
alli passavão a vida entre as penurias de sua mesma pobre­
za; e como a chuva ia sempre a mais, teve o Padre tempo
para se informar e praticar com ellas sobre sua condição;
c apenas achou que estavão baptizadas, sem ter em toda sua
vida recebido algum outro sacramento, que o do Baptismo.
Pasmou o Padre do grande desamparo daquellas m iseráveis,
e como a tormenta dava lugar para tudo, gastou toda a noite
em as instruir a todas tres para se confessarem como fize-
rão com grandes signaes do seu arrependimento, até que
chegada a manhã e mais branda já a chuva, se partio o bom
Padre a acudir ao primeiro chamado, com não pequeno re­
ceio pela demora que tinha havido, de que logo sahio; porque
não só achou o índio livre totalmente’do perigo, senão tam -
tem melhorado na saude, e ficou firmemente entendendo,
que para aquellas pobres velhas, e não para o índio o cha­
mara Deos, pois a larga vida nas índias, a necessidade do
enfermo, e o rigor da tempestade bem davão a entender
serem tudo meios com que a Divina Providencia quiz acudir
ao bem ultimo daquellas almas, totalmente esquecidas dos
bens da gloria, de que estavão pouco, ou nada instruídas.
Nesta mesma aldeia succedeu outro effeito, o mais raro
da Divina Clemencia, que quero seja referido pela mesma
phrase do Padre Vieira, a quem elle aconteceu. « Estando eu
nessa mesma aldeia em missão com os Padres Ribeiros,
m e mandou pedir um morador honrado, que lhe mandas­
se lá um Padre para que lhe confessase os seus escravos.
Erão vesperas do nosso Santo Padre, e o Irmão que havia
acompanhar o Padre era necessario em casa. Nos escravos
não havia doença nem perigo, que obrigasse logo á partida;
as instancias não erão apertadas, nem 'os respeitos que se
devião á pessoa muito grandes: comtudo sem saber como,
nem porque, disse ao Padre que fosse, e que partisse logo
e logo. Partio, e chegou á casa onde era chamado. Ali se
fallou acaso em um visinho Portuguez, que dizião estar
m uito doente. Quiz o Padre ir vê-lo, com a tenção só de o
consolar, e fallar de Deos, achou-o porém quasi em artigo
de morte, e que se não tinha confessado, nem recebido
algum outro Sacramento em toda a doença. Ouvio-o de
confissão, e pelo beneficio do altar portátil,”lhe administrou
os mais Sacramentos, e depois de os ter recebido, immedia-
tamente expirou. Este foi o primeiro cíleito desta viagem
contra o entendimento e vontade até do mesmo que a orde­
nou, mas quando os homens achavão tantas razões para
não se fazer, então tinha Deos outra razão maior que todas
para que se fizesse. Era certo, que se se não achasse ali o
Padre, que o pobre homem morria sem Sacramentos, por­
que nem havia sacerdote, nem quem lh ’o fosse buscar,
nem elle mesmo tratava disso; mas Deos que o tinha pre­
destinado, como piedosamente se póde crôr, foi o que lho
chamou o confessor, e lh o levou á casa, medindo tão pon­
tualmente as horas com a necessidade, que bem mostrava
ser o autor da obra o m esm o Senhor, que o he das vidas,
e mais dos tem pos. »
Nestas santas visitas se occupavão os fervorosíssimos
Ribeiros, que parece querião inundar com as enchentes da
sua caridade ao dilatado circuito daquellas aldeias, sobre o
que nos não faltarião successos, a não serem os seus acon­
tecimentos quasi idênticos, cuja narração precisamente ha-
— 398 —
via causar fastio aos leitores. Basta-nos saber que o zelo de
ambos na instrucção dos índios foi admira vel, e quem pa­
rece as fez multiplicar tanto na cultura daquella grande
seara, gyrando pelas cinco aldeias com tal ligeireza, que com
verdade se podia dizer, não estar alguma sem missionário;
porque o m esm o era ser chamado que acudir prompto a admi­
nistrar o remedio. A assistência das doutrinas era contínua,
o asseio das Igrejas respirava devoção, a boa ordem das
cousas, assim no espiritual como no temporal, bem dava
a conhecer a vigilanda dos operarios, que tudo obravão
pelas medidas de seu exaltado espirito, por estar nelles sem ­
pre vivo, e como impresso nos corações, o fim ultimo para
que seu Santo Padre instituio a Companhia, mandando a
seus filhos buscassem em tudo a maior gloria de Deos; em-
preza caracteristica de seu admiravel instituto — A d m a jo ­
re m Dei g lo ria m .
CAPITULO HI.
MISSÃO QUE OS PADRES FRANCISCO YELLOSO E JOSÉ SOARES
F1ZERÃO AOS ÍNDIOS GOAJAJÁRAS NO RIO PINA RÉ POR MAN­
DADO DE SEU SUPERIOR O PADRE ANTONIO VIEIRA.

Entre os rios que desaguao na grande bahia que corre


junto a ilha de S. Luiz do Maranhão, a que commummente
dao o nome da Bahia de Tapuytapéra, por estar esta defronte
da cidade, e ao Norte delia em distancia dc tres léguas mie
tanto conta de largura esta grande boca, em que se forma a
narra e entrada para aquelle porto; tem o terceiro lugar o
n o chamado Pinaré, que cahmdo no rio Miary, ambos juntos
desaguao pela parte do Poente na bahia do Maranhão, de que
la liamos. Corre este rio do Sul para o Norte com alguma
declinação para o Poente, e ainda que não seja tão poderoso
em aguas, he comtudo celebre por dcllc se formar o famo­
so lago do Maracú, aonde se ajuutão aquellas, para depois
continuarem seu socegado curso até se confundirem com
as do Miary, deixando primeiro depositado naquelle lago
numa tal abundancia de peixe do mais corpolento, como são
Surubis, Mandubés, e pescadas de olho amareilo, que são
delicias pelo tempo do verão, e servem de grande conveni­
ência aos que se aproveitão das suas salgas, sem mais re­
des nem anzoes, que provimento de frexas, on arpões com
que os índios os pescão, discorrendo em canoinhas pelo mes­
mo lago.
lmi descoberto até assu as cabeceiras pelos Religiosos da
Companhia, mas em diversos tempos, com o fim da conver­
são destes índios, que habitão este sertão e cabeceiras do
no com o nome de Coajajáras. Nasce de humas serras, a
que chamão do Pinaré, e pelas mesmas cabeceiras se com­
munica com o rio Gurupy, que desemboca na costa entre
o Maranhao e Pará, e com o rio Capim, o qual cahindo no
mama vem a formar parte da barra desta insigne Capital.
Lsta noticia, como succede de ordinario, foi dada por liuns
lQgidos, que cortando^de humas a outras cabeceiras, sahindo
das do rio Capim í o r a o dar depois de muitos dias de via—
ol
m —
o-em sem mais gnia, que a que a necessidade c o acaso lhts
offerecia com a aldeia destes Goajajáras, sendo sen Missio­
nário o Padre Francisco da Veiga, da nossa Companhia; a ra­
zão mostra ser o sertão o m esm o, porque por qualquer des­
tes tres rios que se entre, se pôde peias suas caheceiias la­
zer cravo, e oleo de Copaúba. Os índios desta naçao sao de
sua natureza pusillanimes, e mais aptos ao exercício do remo,
em que são insinues, que aos encantos de Marte, am dadentio
de sua mesma casa, em que tem experimentado não peque­
nos estragos, quando nellas são buscados de seus inimigos
confinantes com mais valor e barbaridade, que recebidos
com valentia dos tristes Goajajáras, que a nao serem anima­
dos de seus Missionários e algum Portuguez^, que os acom­
panha, servirião de irremediável presa as mãos e bocas dos
Tapuyas bravos.
A estes Goajajáras foi agora mandado o la d re brancisco
Yeiloso pelo Padre Antonio Vieira, porque logo que chegou
ao Maranhão teve noticia, que no rio Pinaré habitava tauma
grande nação de índios, divididos em seis aldeias, todos da
lin°ua geral e da mais polida do Brazil. Inste o motivo, p o i-
que reservou esta primeira missão para o Padre Yeiloso,
que era o Marco Tullio delia, dando-lhe por companheiro ao
Padre José Soares, ainda neste tempo noviço, pelo assim pre­
cisar a grande falta de operarios, e se reconhecer nelle ta­
lentos, e virtude para desempenhar a eleição. Ao tenijm que
se cuidava na expedição chegou á cidade de S. Luiz hum
índio da mesma nação mandado pelos principaes das sobre­
ditas seis aldeias com o caracter de embaixador, cuja ins-
trucção não constava mais que significar aos Padres o
grande contentamento que tiverão, quando souberão de sua
nova vinda, depois da ultima ausência que íizerão do Es­
tado. Que ficarão todos com desejos de os ver nas suas ter­
ras, para o que oííerecião tudo que podesse servir á con-
ducção do seu transporte. Fui recebido o embaixador com
seus companheiros, lambem, como depois forão agasalhados
do bom Padre Antonio Vieira, que parece não cabia dentro
de si de contentamento, vendo logo no principio da sua che­
gada abertas as portas do Evangelho, c huina tão dilatada
seára, como proporcionada a grandeza de seu grande es­
pirito.
Já os Governadores passados se tinlião applicado a descer
esta nação, e a tira-las do intrincado labyrinto de seus matos,
— HM —

c com elicito ainda poderão conseguir o descer uma pequena


aldeia, que situarão no lugar a que hoje chamão Itaquy, en­
trando pelo Boqueirão em uma grande distancia da cidade,
que era a causa de se lhe não poder acudir com o remedio
espiritual, a não ter Missionário de assistência propria. Era
lama constante, que nesta aldeia não havia luz alguma dos
mysterios da nossa fé, qne nella morrião, assim adultos, como
innocentes, sem as salutiferas agnas do baptismo, o em uma
palavra, que estando já distantes aquclles infelizes Goajajáras
das terras da sua barbaria, vivião ainda tão barbaros, como
delias sahirão, com escandalo da piedade porlngueza, que
na grande distancia e maior perigo da passagem do boqueirão
punha toda a razão da escusa, que, posto não encontrasse
as da justiça, sempre offendia as leis da caridade. A noticia
deste deplorável desamparo ferio cie tal sorte o animo do Padre
Vieira, logo quando o soube depois da sua chegada, que
propoz acudir-lhe, apenas o tempo desse lugar, e se offe-
recesse opportunidade para cabal effeito de uma obra tão
pia. Julgou ser esta a m ais propria occnsião, e assim expedio
logo ao Padre Vclloso a cuidar dos índios Goajajáras do Itaquy,
e depois que estivessem instruídos e baptisados, em que são
tão fáceis, como promptos pela docilidade dos genios, cui­
dasse de se pôr habil para com os m esm os ir descer os pa­
rentes do sertão do Pin aré.
Estas ordens, que levava o Missionário de seu Superior,
com as quaes, o com o mais que foi preciso para o bom
logro da viagem, se partio logo tão desejoso de acudir ao
bem daquellas almas, aonde os trabalhos havião correr pa­
relhas com os^ perigos, como se fosse do seu collegio de
Coimbra a ter férias na deliciosa quinta de Villa Franca. Com
oito dias de penosa viagem chegou alegre ao porto da sua
tão appetecida aldeia do Itaquy no descobrimento da preciosa
mina de tantas almas, qual outro Jason no Vellocino de ouro
da Ilha de Gólchos em demanda do tão celebre, como en­
cantado e fabuloso thesouro. Buscou logo as casas, que foi
o mesmo que discorrer por um deserto, aonde se não des­
cobria alma viva. Perplexo com a novidade não descahio de
animo, porque discorreu, e bem (como na verdade tinha
sido), que os índios espantados com a vinda do Padre, e
novos hospedes, se tinhão retirado para o mato, que de or­
dinario lhes fica pegado com as mesmas casas, até tomarem
falia, ou se livrarem com a retirada daquclla repentina in -
/(02

vestida. Tão bravos c ariscos estavão aquelles barbaros, qu«


ao mesmo Missionário que os buscava, como pastor, o tinlião
por alguma lera, que os assaltava para os comer.
Não se deu o Padre por achado, nem fez com a novidade
muito estrondo ; que seria o mesmo que augmentar o temor
e embrenha-los mais naquelles m atos. Ordenou a alguns
Índios da sua comitiva, que mansamente, e como disfarçados
penetrassem a espessura, e que topando alguma gente, a
desenganassem de seu receio, e lhe participassem os bons
e fieis intentos da sua vinda, que a todos seria grata, e a
nenhum escassa, pelo muito que pretendia com elles re­
partir, por serem estes laços mais proprios para caçara
estas feras, que parece tinlião de humana só a fórma. Não
se enganou a prudente conducta do Padre Velloso; porém
não conseguio a volta tão depressa como tinha sido arre­
batada a fugida, sendo primeiro necessarias algumas expe­
riências para se darem por seguros do perigo. Praticados
os primeiros pelos índios do Padre, sahirão alguns mais
afoutos e menos assustados a descobrir o campo, com passos
tão lentos e com pisar tão brando, como se viessem a espiar
o inimigo. Chegados íinalmente á presença do pastor as es­
pantadas ovelhas, mas ainda de largo pelo receio com que
vinhão, lhes fallou este com vozes tão brandas e com phrazes
tão attractivas e proprias da sua lingua, em que o Padre, por
ser a geral, era peritíssim o, que como se fosse um delles o
abraçarão alegres, e receberão contentes, voltando com as
mãos cheias de prêmios a buscar os parentes e familias, que
todos juntos com os filhinhos diante o reconhecerão logo
por pai, deixando-lhe em casa, como prendas os mesmos
que o erão do seu amor e naturalidade. Era para admirar
o grande contentamento, com que o acompanharão, deixando
a dos pais pela companhia dos Padres, que com tal amor e
carinho os tratavão, que parece não reeonhecião outras
mãos, que a dos seus insignes bemfeitores. Attractivo he este
entre os Tapoyas, que o cuidar e acariciar-lhe os filhos, he
o mesmo que tê-los seguros e constantes nas aldeias.
A primeira disposição do nosso novo Missionário foi es­
colher tres índios dos de maior capacidade, e manda-los em
companhia do embaixador que viera, com o m esm o caracter
aos do sertão de Pinaré, avisando-os em como era vindo de
Portugal por mandado do seu rei a busca-los e fazê-los
film s de Deos, e que para prova desta sua determinação
Hies ficava já fazendo naquclle lugar m uitas o boas rocas.
prcvenindo-Ihes casas, c tudo o mais necessario para a sua
vivenda e com m odidade entre os Portuguezes, com a assis­
tência dos Padres, para lhes acudir nas suas m aiores neces­
sidades. Acompanhava a em baixada um bom presente de
ferram entas e curiosidades de pouco custo, mas de grande
preço entre aquellas nações, para se rep artirem pelos P rin-
cipaes e suas fam ilias; porque sem este adjunto pouco se
a dia nt ao as negociações com sem elhantes b arb aro s.
Partirão os embaixadores com promessa de se adiarem
de volta com a resposta dentro de tres luas, que são os
mezes por onde se governão, que era o mais breve que se
podia lazer a viagem, distando mais de quarenta jornadas
daquelle sitio o sertão dos Goajajáras. Emquanto d ies ca-
minhavão, cuidava o zeloso Padre na instrucção da aldeia,
gastando a maior parte do dia na explicação do cathecismo
e ensino das orações, sendo para admirar o grande gosto
com que índios e Inclias acudião á doutrina, que infalíivel-
mente se fazia aos meninos e meninas todos os dias de manhãa
e de tarde, costum e antiquissimo de todas as nossas aldeias;
umas vezes mais e outras m enos, conforme se podião
desembaraçar do serviço preciso das suas casas e lavouras.
Não constava por então a aldeia de mais almas, que setenta,
por ter fugido a maior parte para as suas terras, por causa
da terrivel fome, que abrangia a todos naquelle tempo, e a
não chegar o Padre tão depressa, nem ao menos rasto acharia
d aquellas pequenas reliquias. Foi facil ao caritativo m estre
ajudado do Irmão José Soares instruir-se de sorte a escola
da Santa Doutrina, que todos assim grandes, como peque­
nos, assim moços,^ como velhos, se forão pondo capazes de
receber os Santos Sacramentos, entrando primeiro pela porta
do Santo Baptismo. Baptisou primeiro com toda a solem ni-
dade e festejo aos Principaes, elevando da mesma sorte a
Sacramento seus antigos matrimônios, pela obrigação que
tinhão de os fazer, como já christãos in facie Ecclesiae, na
fórma que determina o Sagrado Concilio Tridentino. Dos
baptismos dos Principaes passou aos dos innocentes, depois
aos adultos, tudo e da mesma sorte que nos primeiros,
com grande gosto e consolação dos Missionários, e não menor
dos índios pelo socego e paz, cm que todos vivião, também
assistidos no espiritual e temporal de seus vigilantes e ca­
rinhosos Padres.
Occupados em tão santos exercicios esperavão d ies pelos
embaixadores com olhos tão longos, como os desejos, poi
ser já passado o tempo do ajuste. Entretanto ia picando a
fome na aldeia por falta de farinhas, que mandou logo pedir
ao Capitão-mór Governador, para com ellas acudir ao des­
amparo dos mais necessitados. Muito padecei ao os P adies,
mas muito soffrêrão os ín d io s; porque, como o Capitão-mor
respondesse, que se quizesso as farinhas, as fosse com os
Índios comer á cidade, que ao Itaquy estava resoluto a nao
lh’as mandar, querendo que a necessidade obrasse o que
a força não poderia sem a nota e perigo de os trazer invo­
luntarios, aonde precisamente havião os índios experimentar
maiores extorsões nos pertos que nos longes da cidade, sus­
tentou a praça o valoroso ministro e soldado de C hristo; ate
que venclo no ultimo desamparo aos seus neophytos, e que
seria tenacidade com visos de imprudência o querer resistir
a um tão poderoso inimigo, como a fome, pralicou a sua
gente e com parecer de todos, por remir a sua necessidade
se retirou com os seus aldeianos para a cidade a buscar o
remedio entre os receios do maior p erigo; não sendo menor
a desconsolação dos Padres, que a dos índios, vendo frus­
tradas e sem effeito as bem fundadas esperanças da sua
embaixada. Forão todos recebidos cio Padre Superior An­
tonio Vieira com entranhas de pai e carinhos da mais am o­
rosa mãi, não sendo pequeno o gosto, quando os experi­
mentou tão adiantados nas cousas da fé e repetições da
Santa Doutrina; em que mais que t alos se distingido um
menino de seis para sete annos, decorando com tal viveza e
graça as orações e respostas, que ordenou o levassem no
dia seguinte á doutrina, que costumava fazer na Igreja da
Matriz, aonde o menino se achou todo pintado e empavesado
com pennas ao modo da sua terr a ; e á vista de todos os­
tentou a sua viveza, e leu de ponto com lai expedição, que
deixou assombrados os Portuguezes, que assistirão ao exame,
sahindo o nosso innocentc candidato laureado por voto
de todos nos pontos e exame da Santa Doutrina com
grande ternura do mestre, e juntamente do arguente que
lhe assistira, que era o grande Padre Vieira, que quiz cor­
ressem por sua conta os gastos daquelle tão plausível, como
edificante acto, em idade tão tenra e entre educação tão
rustica.
Recolhidos os Missionários á nossa casa, c os Judios a uma
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<las aldeias de El-rei, dentro da mesma ilha, iicou por então
desvanecida a entrada ao sertão do Pi na ré do nosso Padre
Francisco Velloso, a quem os embaixadores que mandara,
totalmente esquecidos da volta na companhia dos parentes,
nao deixárao de cortar os vôos ao sen espirito, obrigando-o
a buscar nos sertões do Pará o mesmo que agora perdia
nos do seu appetecido Pina ré.
M as, porque a entrada deste se seguio dalii a pouco
mais de um anno, depois já da partida do Padre Velloso
para o Pará em companhia de seu Superior o Padre Vieira,
concedào-m e os leitores licença para tratar delia, por não
cortar o fio á Historia, ainda que precisamente se altere
a rigorosa chronotogia do seguinte armo, porque receio
nos não dê esta primeira parte outro lugar a fallar della.
Antes porém de entrarmos nesta expedição , hc preciso
lem brarm o-nos de uma Provisão, de que já fizemos men­
ção, que o Serenissimo Senhor Dom João IV, de grata
memoria, mandou passar ao Padre Vieira, assignamlo-lhe
como fundações dos ires collegios do Maranhão, Pará e
Gurupá, outras tantas aldeias das do seu real serviço para
nos servirem com total independencia dos seus ministros o
isenção da repartição dos m oradores de seus respectivos
districtos. Já no Pará se tinha entregue a aldeia de Morti-
guera aos nossos c x - v i da determinação real. No Maranhão
ainda se dilatava por se não oíferecer ainda a occasião de
a pedir.
Pela ausência para o Pará do Padre Superior de toda a
Missão, o Padre Antonio Vieira, ficou Superior da casa de
Nossa Senhora da Luz da Cidade do Maranhão o Padre Ma­
noel Nunes. Estavão ainda frescas as memórias da embai­
xada que o Padre Velloso linha mandado aos Goajajáras;
mas sem effeito por não terem ainda chegado com a res­
posta. Ardia não menos no coração do Padre Nunes, que no
de Velloso o desejo da conversão e reducção daquellas almas,
que a mesma facilidade do idioma, por ser da lingua geral,
tirava um dos maiores estorvos, que seexperimentão em s e ­
melhantes entradas, quando se vêem obrigados a explicar
por interprete o que dito pelos Padres cobraria maior força,
sendo bem entendidos; que com boas palavras, e m elhores
dadivas he que se costumão mover ao christianismo, e ac­
cedar a visinhança dos Brancos (assim chamão aos Portu-
guezes) e companhia dos Missionários. Todas estas difíicul-
•— /i()(i

(lades facilitava a lingua geral desta nação, em que o Padre


Nunes era versado; e como o seu zelo não concedia demoras
ao desejo daquella entrada, buscou o Governador e Gamara,
e a am bos propoz a resolução com que estava de descer,
ou toda, ou parte daquella nação Goajajára, concedendo-se-
Ihe huma limitada ajuda de custo para o preciso gasto da-
quelle descimento, não pelo que respeitava a sua pessoa,
que podia muito bem correr parelha com os remeiros das
canoas, mas sim pelo que estes e os do matto indubitavel­
m ente liavião gastar no seu transporte.
Foi a proposta tão má de digerir em Irum e outro tribu­
nal, que nem ao menos lhe alargarão as esperanças com
hum a u d ie m u s te de hoc ite ru m , mas ambos á huma d es-
enganadamente responderão, que estavão os erários tão ex­
haustos, que nem ainda para cousas de menor quantia, e
maior necessidade se achava dinheiro. Passado ficou o bom
Padre Nunes com a sequidão da resposta, e pensativo com
cila se recolheu para casa, contando aos companheiros a
causa da sua desconsolação em uma expedição tanto do ser­
viço de Deos, quasi resoluto a levar adiante a empreza,
posto que para o effeito delia fizesse algum em penho por
conta da mesma casa, que bem via não poder com os gastos
pelo limitado da renda: porém que Deos, de quem era a causa,
daria com que pagar o empréstimo c com que cobrir os
gastos em obra tão pia, e de tão grande serviço de D eos.
A todos pareceu bem a resolução, menos em que os Índios
se descessem para as aldeias de E l-rei, não correndo os
gastos por conta de sua Real Fazenda, mas sim pela pobre
casa, que precisamente se havia de empenhar com as mais
necessarias hagatellas, que costumão intervir nos descim en­
tes. Além de que aquella casa ou collegio de Nossa Senhora
da Luz ainda não estava entregue de huma aldeia das do seu
real serviço, que Sua Magestade lhe manclára dar logo na
entrada de sua primeira fundação, como patrimonio delle,
e manutenção deseus Religiosos para o futuro. Que se fizesse
pois o descimento á custa da casa, mas com obrigação de
nos ficarem servindo voluntarios em lugar dos já descidos
que o Serenissimo Rei mandára dar aos Padres.
Esta a determinação com que logo se recorreu ao Go­
vernador e Camara: e como nella se lhe não pedia dinheiro,
e o que mais era se forravão da obrigação de dar aos Pa­
dres huma aldeia, como Sua Magestade mandára, foi nota-
vel o gosto com que aprovarão a ideia, e maior ainda a
liberdade com que concederão a ampla licença de poderem
descer á custa do Collegio huma aldeia, que fosse só do ser­
viço privativo dos Padres, em lugar da que se mandára dar
na Provisão Real, ficando os reaes ministros desobrigados da
entrega, e os Padres satisfeitos com a que descessem á sua
custa.
Deste ajuste se deixa ver o grande prejuízo, com que
se nos fazia mercê da maior parte do que era nosso, man­
dando-nos Sua Magestade entregar huma aldeia já estabe­
lecida, sem os inconvenientes e contingências dos desci­
m entes do sertão. Por m como a tenção dos nossos Padres
por uma parte do serviço de Deos, por outra do serviço dos
moradores, poupando-lhes mais aquella aldeia para o seu ser­
viço, erão os dous polos que sustentavão firmes o peso de
tantos gastos, havida a licença do Governador e Gamara, se
tratou logo de pôr corrente todo o necessario para a viagem,
e com a maior brevidade se partio o bom Padre M anoef Nu­
nes para a sua gloriosa missão, deixando a casa entregue ao
cuidado e diligencia do Padre Manoel de Lima.
CAPÍTULO IV .
CONTINUAÇÃO 5>A MESMA MATERIA.

"Vencidas pelo nosso Missionário as correntezas do rio, e


a enfadonha praga dos insectos, de mosquitos e maroins,
eoutra espécie mais pequena, ainda que por outra parte re­
creada a vista com a variedade de aves e largas e dilatadas
campinas, que se offerecião de huma e outra parte do rio,
sendo tantas e tão enroscadas as voltas que faz com a cor­
rente, que não he das mais precipitadas, como quem algu­
mas vezes o navegou, que he preciso correr a prôa das ca­
noas todos os quatro rumos, motivo porque em hurna hora
se póde vencer em hum cavallo por terra o que na canôa
apenas basta hum dia. Esta a razão porque as canoas da
nossa expedição gastarão agora trinta e cinco dias até chegar
ás terras dos desejados índios Goajajáras, que para o nosso
Padre foi na verdade terra de prom issão pelos grandes e co­
piosos fructos, que esperava colher da abundancia de seu di­
latado terreno.
Erão estes os índios que buscava, e achou situados os
primeiros em hum lugar, que se dizia Capiytuba. Não es­
tranharão os que recebião os hospedes que chegavão,
porque a maior parte erão parentes, que o Padre levava
por remeiros, dos que linhão sido neophytos do Padre
Velloso, e já estavão passados do Itaquy para a Ilha do Ma­
ranhão, como dissem os. Dadas as boas vindas, e passados
os primeiros dias de hospedes, inquirio o Padre a causa da
demora dos Embaixadores, que não foi outra m ais, que o
receio de virem a cahir nas mãos dos Portuguezes, não lhes
parecendo racional deixar o descanso das suas terras pelos
trabalhosos serviços, e violências experimentadas no poder
dos brancos. E na realidade este he o principal embaraço dos
descim entos destes gentios ao gremio da Igreja, e que não
custa pouco vencer aos nossos Missionários por mais que
lhes assegurem o bom trato dos Portuguezes, por sem pre vi­
verem na desconfiança que os Padres aos prim eiros im pul­
sos das ordens dos Governadores os hão de relaxar ao
braço secular.
Pouco saiisteito ficou o Padre com a nolicia do funda­
mento do mallogro da primeira embaixada; com tudo, como
liava mais nos auxílios divinos, que nas forcas humanas
propoz ao Principal daquella nação a causa da sua vinda’
que era o fazê-los filhos de Deos, e reduzi-los a huma vida
menos barbara, e de maior conformidade com a razão cm
que humanisadosao divino e ao humano podessem desfruetar
as mesmas conveniências de outros índios, que primeiro
que elles tinhão trocado a vida de infiéis pela de christãos
e gosavão na companhia dos Padres, quando não fosse dê
menor trabalho, ao menos de maior soccgo; sem sustos de
guerras, e sem os inconvenientes de estarem’ sempre á barba
com seus inim igos, com perigo de suas familias, e de fica­
rem sujeitos nas inconstâncias da fortuna ás leis invioláveis
da cruel barbaria dos vencedores. Que elle tinha licença de
El-rei de Portugal para descer para o serviço dos Padres
huma aldeia totalmente independente do serviço dos mora­
dores. Que querendo aceitar o convite, e aproveitar-se da
occas ião de serem ao mesmo tempo filhos de Deos, e da
boa ciiação dos Padres, que lhes promettião e asseguravão
da parte de todos de os tratarem como taes, e não duvi­
dassem acom panha-los, pois sabião muito bem, eestavão in­
formados de serem e terem sido os Padres da Companhia o
commum amparo, e protecção dos mesmos índios.
Ouvida a proposta, a todos agradarão as condições, assen­
tando logo entre si, que no poder privativo dos nossos
Padres não tinhão que receiar suas antigas desconfianças,
antes pelo contrario, debaixo de seu particular cuidado se -
rião promptos os salarios dos seus serviços, continuas as
assistências nas suas doenças, e quotidianos os soccorros nas
suas mais leves necessidades: e porque o Padre ultimamen­
te lhes assegurou, lhes não havia faltar tempo para o descan­
so, porque emquanto m etade da aldeia servisse, a outra
m etade havia descansar. Livres já do susto de serem entre­
gues aos brancos, e seguros na asseveração e fiel palavra
do Padre, aceitarão os pactos e concordarão nas condições
offerecendo-se á partida, depois que desfizessem as suas
roças, que não tardou m uito, expeditos já e desembaraça­
dos, a seguirem as ordens do seu Missionário, a quem lo no
renderão anticipada obediência, como subditos.
Contente e satisfeito com a sua missão, se embarcou o
Padre Manoel Nunes com todas as almas dos que se acharão
naquelle sitio de Capiytúba, sem ter gasto mais na expedi­
ção que o espaço de quatro mezes. Rico, acompanhado de
tantos despojos, conduzindo tantas ovelhas, que estavao des­
garradas pelo inculto dos scrtõos do Pinaré, do apiisco deli­
cioso dosespirituaes campos eferteis pastos da Santa Igreja,
a que via conduzidas tantas victimas, quantas erão as almas
dos seus amados Goajajáras, íilhos já da sua conducta, do seu
zelo, e da sua doutrina. Gomo a correnteza do rio ajudava
o curso das canoas e alliviava os braços dos íem eiros, foi
breve a viagem, e em poucos dias chegarão alegres ao por­
to da aldeia do Itaquy, por terem ali casas feitas, e tal ou
qual commodidade da Igreja, sem a trabalhosa pensão de
haverem fundar de novo, o mesmo que a diligencia dos pa­
rentes que já ali tinhão habitado lhes offerecia, e em gran­
de parte lhes poupava.
Àqui viverão alguns annos, visitados sempre dos nossos
Padres, cuja penuria de sugeitoslhes impossibilitava a actual
assistência de missionário; o que foi parte para que os ín ­
dios se desconsolassem, e picados das saudades do natural
domicilio ( paixão ordinaria entre elles ), se retirarão pouco
a pouco a seu amado Capiytúba, senão todos, ao menos
uma grande parte. De sorte que foi preciso acudirem os
Padres á consolação dos que ficarão desgostosos já daquclle
sitio, m udando-os para outro, a que chamao Gajnype,
um dia de viagem mais abaixo do Itaquy. Continuem-me
licença os leitores, que quero acabar esta noticia dos Goaja­
járas até o presente tempo.
Neste lugar lhe mandou fazer depois, sendo Superior o
Padre João Felippe Bettendorf, uma bella aldeia com boa
Igreja, e casas para vivenda de m issionários, em ordem aos
ter mais contentes, por estarem enfastiados da assistência do
Itaquy. Como já neste tempo tinhão chegado de refresco al­
guns sugeitos da Europa, nomeou o Padre Superior por pri­
m eiro missionário ao Padre João Maria Gorçoni, e por seu
companheiro o Irmão Manoel Rodrigues, Coadjutor tem po­
ral, que ainda achei vivo no Maranhão, já entrevado, e com
uma idade quasi centenaria. Tinha chegado o Padre João
Maria Gorçoni, de Italia, arrebatado de seu fervente espirito,
e com opinião commum de santidade tal, que ainda hoje
contavão alguns Goajajáras muito velhos terem ouvido a seus
pais, que o"Padre João Maria fôra deites respeitado como
homem santo: porque alcançara de Pens o prolongar-lhes
o dia para alcançar completa- victoria de seusinimig'os; de
cuja crueldade forão livres pelas orações do Padre João
Maria. Este illustrissima varão, que assim se podia chamar em
todo o sentido, foi então o missionário dos Goajajáras no
novo e bello sitio deCajuype.
Com grande cuidado tratava o solicito pastor de acudir á
necessidade das suas ovelhas com o pasto da santa doutri­
na, instruindo-as em exercícios de devoção, e santo temor
de Deos, porém com maior ainda discorria sobre o meio de
trazer ao mesmo rebanho as que tin hão fugido para o mato,
levadas de sua natural inconstância: sendo tão fáceis em
descer, como em voltara buscar os m esm os sertões donde
sahirão, propriedade muito antiga desta inquieta nação.
Considerava a precisa obrigação de deixar noventa c nove
por ganhar uma ovelha perdida, e que faria por adquirir a
tantas desgarradas, na precisão de deixar essas poucas com
que ao presente se achava. Julgou por mais seguro mandar
primeiro hum embaixador, que tenteados os animos lhe fran­
queassem a entrada a repetir maiores diligencias, até os ver
totalmente conduzidos aos primeiros postos, que largarão
mais por motivo de hum temor panico, que por causa racio­
nal, que os obrigasse a uma ausência tão reprehensi vel, e
por todas suas circumstandas opposta ao bem de suasalm as,
e á eterna salvação de tantas e tão innocentes familias;
morrendo, assim adultos como crianças, ao desamparo nos
matos, sem Deos, sem lei, e sem Sacramentos, buns apos­
tatas, e outros, sobre gentios, barbaros, e sem outras regras
de bem viver, que as de seus brutaes appetites, a que os
tinha emancipado a fragilidade da natureza, reduzindo-os a
feras, por se não quererem sujeitar a viver corno homens,
e a obrar como racionaes.
Partio o Indio com a embaixada, mas não voltou com a
resposta o embaixador, porque o inimigo, serpente astuta,
lhes tinha m etíido na cabeça, que o intento dos Padres era
mettêl-os na rede para os entregar aos brancos, que era o
mesmo que sacrificar-lhes as liberdades, para chorarem,
como os mais, as rigorosas pensões de hum captiveiro;
porque não obstante os Padres os quizessem defender, era
impossível livrarem-os das mãos dos Portuguezes e ordens
dos Governadores, em Cajuype. Assim discorriàoaquelles bar­
baros, que neste discurso o não parécião, mas a mesma ex­
perienda, que em outro tempo os ensinara, os fazia agora
ser um pouco mais cautos.
Iíesoiveu-se por ultimo o bom Padre João Maria a ir em
pessoa, ou a conquistar os animos daquelles obstinados, ou
a tirar'na sua repulsa o total desengano da desistenda da
conquista. Encommendando primeiro o negocio aD eos, partio
finalinente acompanhado dos seus neophitos Goajajáras, pio-
vido de prêm ios, e com todos os mais aprestos, que lhe pa­
recerão necessarios para a conducção dos reduzidos, no caso
que alguns o quizessem seguir.
Foi a viagem trabalhosa, por ser preciso obrarem as torças
na agua o mesmo que serviao na terra, porque eia ne­
cessário abrir caminho ás canoas, rompendo com o fe n o os
densissim os múrúrys (sao os limos do rio) que nascião ao
lume da agua, nadando ao mesm o tempo pelo rio aquellas
ilhas volantes nas partes onde não era tão basto, para con­
tinuarem outras em mais prolongada distancia.
Chegou em fim, apezar de tantas difíiculdades, a hum porto,
por onde se servião por terra os Índios de Capiytúba que
buscava, por não poderem romper o rio com a matta fechada
dos m úrúrys. Aqui deixou o bom e afflicto Padre as canoas
com guarda sufficiente, e como lhe não permittia m ais de­
moras o fervor abrazado de seu espirito, partio im m ediata-
rnento por terra com seu companheiro, o Irmão Manoel Ro­
drigues, e alguns índios com a bagagem e altar portátil.
Se até ah tinhão sido os trabalhos das mãos grandes, m aiores
forão por diante os trabalhos dos pés, e fadiga do corpo,
porque lhe era necessario romper matos fechados, e passar
lagos e pantanos com agua até a cinta, com os olhos sempre
no Céo, donde esperava o apostolico varão o auxilio de seu
Senhor. Com oito dias de tão aspero caminho chegou final­
mente o Padre ao seu desejado Capiytúba, tão fatal sem pre
ao incansável desvello dos nossos missionários. Chegarao tão
desfallecidos, e cortados da viagem, que movião á compaixão
os m esm os Índios, admirados de verem tanta valentia n a -
queiles espíritos, sem perdoarem a trabalho, nem fazerem
caso da saude até chegarem a pôr em perigo a propria vida
pelo seu rem edio, e conversão das suas almas.
Então o bom Padre, depois que os vio juntos ao éco da
novidade, tirando da mesma fraqueza forças, lhes fez hum
tal arrazoado, propondo-lhes os trabalhos a que a sua tena­
cidade dava causa, afeiando-lhes a brutal vida que passavão
nos matos, e trazendo-lhes á memoria o muito que pelos
conservar filhos de Deos tinhão obrado os Padres, sem p er-
doar gastos, e sem omittir diligencias que podessem fazer
a bem de seu espiritual e temporal proveito, que os deixou
assombrados, e a buma grande parte m ovidos a abraçar os
avisos de tão solicito e amoroso pai. Agazalhados os m is­
sionários, segundo o tempo e lugar permittião, humas vezes
com bons desejos, outras com boas obras, forao alimentando
os novos hospedes, reluzindo em tudo huma total pobreza
por se não estenderem a muito, nem a qualidade dosguizados,
nem a diversidade das viandas, que de ordinario são algum
peixe ou caça, com o seu costumado beijú, que é um bôlo
redondo feito de farinha de p á o ; entretanto, como já lhe
sabião o intento, andavão ruminando a primeira pratica do
Padre, e conferindo entre si, se o havião ou não seguir
debaixo da segurança de que os Padres havião de assistir
com elles, e que não havião de ser repartidos pelo serviço
dos brancos, conforme a promessa que offerecia o Padre
em nome do Rei. Já a este tempo tinha o missionário re­
partido com o Principal, e com os que lhe parecerão mais
aptos, dos presentes que para o mesmo effeito levava; ena
verdade mais com elles, que com as palavras e prom essas
lhes ia já abrandando a dureza dos seus animos, por na­
tureza barbaros.
Como era vulgo, dividio-se em contrarios p areceres; os
mais animosos e menos encapnchados assentárao logo de
se descerem , e assim o derão a entender ao missionário,
attrahidos da carinhosa affabilidade, com que os tratava e a
seus fdhos e familias Os mais tenazes, ou para melhor
dizer os mais m edrosos recusarão seguil-o, porque se não fia-
vão das prom essas, ou porque talvez não era chegado ainda
o tem po da sua reducção. Vendo o Padre que se não aca-
bavão de resolver, e que perdia na demora quanto podia
lucrar na partida, despedido dos mais, buscou o porto com
os m enos, que sempre o numero dos escolhidos be o menor,
e nesta occasião foi maior o trabalho por razão das crianças
e alguns v elh o s; porque era preciso esperarem os valentes
pelos fracos, e o pastor levar adiante as ovelhas com bran­
dura entre as asperezas de hum tão intrincado caminho.
Tudo venceu, e tudo prevenio, carregando muitas vezes, e
o companheiro os mansos cordeirinhos, quenãopodião acom ­
panhar as m ãis, carregadas já de outros de menor idade
com tanta alegria, que chegárão ao lugar das canôas com
mais contento que trabalho. Embarcadas, e carregadas as
V S T S & q « " t r e s m eies antes navegado

S i^ S iS
S E S &
o a m e r .e com este os aflectos dos P ^ m m ^ a = «
como a imagens do Cre.idM. - offerecer todos
* . .
‘ ? c 'hpm cprvidos nor serem mutuas as relações de pa

F'E 5 & “
r r d S X d e T d s l r u i P na Santa D outrina.e mys-
. 'ne Ha fé até colher de todos o fructo desejado de
S fe m T e ? e t a b a C , que era o Santo Baptismo, que
nrimeiro aos innocentes, e depois por sua ordem , e conform e
a disposição de cada hum, conferio aos mais adultos, com
orande consolação do servo de Deos, que embora poucos,
se contentava côm os que o Clementíssimo Senhor lhe dera,
nnr rrio ser ainda chegado o tempo de maior colheita.
P Ao Padre João Maria Gorçoni succedeu o Padre Antonio
Pereira, que no seu tempo recebeu alguns, que por si s
espontaneamente se d escerão; sendo m uitas vezes hum leve
accidente a causa, e obrando huma .descoa^
entre si nos inatos, o que nao poderão acabar as m ais fortes
persuasões do Missionário. Tão extravagante he nelles ^
ordinario vicio da inconstância ! Ao Padre Antomo P er®*ra J*
seguio o Padre João Felippe Bettendorf, que fora o fundadoi
da aldeia de que era Missionário, e por isso cuidou muito
no seu augmento, expedindo ao Irmão Manoel Rodrigues,j a
pratico no paiz, e conhecido dos Goajajaras de Capiytuba,
de onde trouxe hum grandioso lote de Tapuyas, por serem
já menores os receios, informados do bom tratamento> e so
cego dos parentes, no poder e serviço dos nosso s P a ^ e s
sendo aquelles causa de nunca descerem juntos, q
experimentar em cabeça albeia o m esm o a que nao q
su jeita ra propria; porém en gan árão-se; porque nem os
Governadores, nem os Portuguezes inquietavão os Índios,
sabendo pertencer pela ordem real ao serviço dos Padres, e
muito á sua custa nos descim entos, que repetirão por causa
das fugas para o seu sertão, a q u eerã o notavelmente incli­
nados os Goajajáras.
Ultimamente no anno de 4083 a mudou o Padre Pedro
Pedrosa, duas vezes duro como pedra, na tolerância dos tra­
balhos, com os quaes o conseguio, apezar da repugnanda e
pouca vontade dos índios, que nao querião apartar-se para
mais longe das suas terras, por não experimentarem maior
difficuldade na retirada; para que não era necessaria grande
causa, bastando huma pequena reprehensão do Missionário
ou hum moderado castigo para se ausentarem para o seu
valhacouto de Gapiytúba. Vistas comtudo as grandes con­
veniências do Maracú (*), junto e á beirada de hum famoso
lago,abundantíssimo de peixe,com excellentes terras de roçar
para a parte de Tremaúba, se resolverão a seguir o conselho
do Padre, e a assentarem a aldeia no lugar, aonde ao pre­
sente se acha, e he o sitio mais delicioso que tem o Ustado,
e o de maior recreio no tempo de verão, que no inveino se
faz pouco appetecivel pela immensa multidão de insectos, que
lie preciso apagar as luzes e fechar as portas e janellas pai a
passar menos mal o resto da noite, e huma grande pai te do
dia. Tem huma bella Igreja de Nossa Senhora da Conceição,
que ha pouco tempo se acabou, e muito boas casas para vi­
venda do Missionário, o qual reparte os Índios por turno para
o serviço do Collegio, que commummente he conduzir bois das
m esm as campinas do Maracú, aonde os Padres tem innume­
ra vel gado para sustento dos religiosos do Collegio. Deíronte
a huma vista desta aldeia está situado o engenho de S. Bo­
nifacio, huma das m elhores fazendas, e o maior nervo do
Collegio do Maranhão, em terras do m esmo, por carta de data
e sesmaria, fundação do Padre Manoel de Brito, de boa me­
moria nos annaes da Vice-Provincia.
Antes de Analisarmos este Capitulo he preciso advertir,
que, segundo a determinação do regimento das Missões, se
mandava dar esta aldeia no rio Itapucurú; porém os Índios
Goajajáras, que sentião difficuldade de situarem no Maracú,
maior a tinhão para se m udarem para aquelle rio, querendo
(’) He hoje a cidade de Vianna.
(Sola do Edicíur).
■,"les n t í f t o r i ã o minea fle
lle mCL “V « a lta r m ara mesma M e i » ; e como s i
- » k :*
IIC' SU, f . f , tivesse o seu devido cumprimento, c se po­
voasse o rio Itapucurii, como
dárão nelle os P ad res, alem c a j i g • bellicosa

abundantemente » t o f e .t o o m

P0Oraclen"va mais Sua Magestacle, qne os; Padres quanto pos-


sivel ll.es fosse, M U b d e e e ssm o u ^ . l d ^ M
Pinaré e seu serto) o qne s ■ sujeitar a0 serviço
l i T f S o r c s t ó q0 ;" en cid a s todas as difficuldades, e o
qne S m » perseguições e . « - « o " ” S «
obrigarão a aceitar a protecção das nossas armas se
nrimeiro Missionário desta empresa o Padre Luiz. de UWe ,
natural de B e ll» ,ju n to á cidade de L isb oa;0 qualI p o m e »
“ ^ := a :^ e n ^ tr y to r s e u d ie m -

mnr T f‘piobt'0 p nonulosa aldeia do Pinaro. Ma^, 1 1


To m tempo doTerao® que era o proprio da navegaçao so
se deixava vadear até o porto do Card, sendo p ieciso tra
nnrtar a caro-a da canoa por terra aos bom bros dos índio
com não menor fadiga destes que prejuízo das c a t|a s nes
sitio do Cará a fundarão ultimamente os P e e r » Anton o
Dias e Manoel de Miranda, para pouparem com o trabadho de
lmma mudança o de m uitos annos cm tao abonosa co
duccão que foi para os Índios o principal motivo para
abraçarem o m esm o, de que sempre fugirao. Ile es
como as mais do serviço de Sua Magestade, nao obstante
— 417

descida a expensas dos P adres, e sem o m enor custo da


sua real fazenda no principio da sua prim eira fundação.
O P adre João Felippc B ettendorf, em hum dos seus es-
criptos, que deixou por apontam entos para a H istoria da
V ice-Provincia, a quem esta nossa deve a m aior p arte
das suas noticias, por ser religioso de exactissim a ver­
dade e coetâneo daquelles tem pos, aííirm a, que indo ao
Fieioo por P ro cu rad o r de toda a m issão em 'IbSo, alcançara
do Serenissim o Senhor D. P edro II, novam ente assum pto ao
throno hum a concessão absoluta da aldeia do Maracu do
serviço e adm inistração dos P adres independente das condi­
ções expressadas no regim ento das M issões; poiém nem
copia, nem original achei da dita concessão, devendo suppor
de hum religioso tão authorisado p or virtude e letras nao
q u ereria m acu lar a seus escriptos com hum a m entira tao
enorm e, nem tão pouco deixar á posteridade _noticia, com
que sep o zesse em perigo a verdade da H istoria.
Estas fielmente tiradas do que achei, são as noticias que
podemos dar do Pinaré, e suas aldeias, a que nos concluzio
a primeira m issão dos índios Goajajáras feita pelo insigne
Missionário Francisco Velloso, no anno, que levamos, cie
•1653 e foi preciso alterar a successão dos seguintes annos
pelo que diz respeito á essa matéria, pela não deixarmos
truncada, e nos não ser facil poder tratar das cousas cio
Maranhão, senão na segunda parte ou tom o, em que nao
faltarão outros materiaes para a historia, por vanos e ra­
rissim os acontecimentos daquelle tem po, de que podei a
resultar não pequeno gosto aos leitores, visto que com a
infelicidade do estylo, podendo encher as obrigações de
obediente, não podemos acudir ás condiçoes de h istorico,
o que confessam os sem a m enor affectação, quando para
o conhecimento do pedantismo, he a leitura da obra o
m elhor e mais evidente desengano.
Estas expedições aos Goajajáras nos tem apartado da vista
as acções gloriosas do nosso grande Padre Antonio Vieira,
não porque elle as deixasse de obrar, medmdq-as e ajustan-
do-as á valentia do seu animo, para que a ociosidade e m
acção não tivesse lugar em espirito tão fervoroso e em hum
varão tão zeloso da maior gloria cie D eos; mas p o rq u eta^"
bem admirássemos o valor de seus subditos, como filhos da
sua conducta e da sua apostólica doutrina. _
Continuava elle no exercido dos seu s serm ões, que forao
s£ s i
s s r^Bih
Pi-ão as civic o tinhiio feito desprezarosapplausos a corte,
,■ ;,. . Lj;.,o tic vim principe poderoso, sem peidoai as d
iiifcncias, nem se poupara trab alh o s para o' “ "s®guirn
,1c o pôr por obra quiz d istrib u ir os postos Pa l “ .®°“S “
o conquistado, e d ar a tudo providencia com a distribuição
,10S r ; u » e i t o s ( melhor dissera dezoito tochas que ar-
‘P itvno s m ic o de Doo») contava a nossa gloriosa
£ f e 0° ü v l òf im S anno de ,nil seiscentos e cincoen a
e tres. A lnz maior, que de dia e de noile acnd.a ao ben, das
almas dos proximos com a assistência e ao dos subditos
com a vigilanda e prudentes maximas do seu governo,
o°™rando Padre Antonio Vieira, Superior de to to ..
d i semnre orande e illustrissima Cidade de Lisboa, aonae
nasceu a 6 de Fevereiro de 1008, entrou na Companhia no
Collegio da Bahia, corte da America, em 5 de Maio de l b - 2 ;
Professo de quatro votos em 26 do mesmo do anno de 16M
vindo a acabar por ultimo bum tao grande astro no►mesmo
ponto, donde tinha sabido para íechar com perfeição 0 cir­
culo de sua ditosa carreira no Collegio da Bahia, aos 18 de
Julho dc 1067. A luz menor, e que recebia mais mfluxos
do primeiro astro era 0 prudente e virtuosíssim o Padre
Francisco Velloso, Benjamin, e desempenho das mais diffi-
callosas ideias do Padre Vieira. Era natural de Villa Nova de
Famclicão, arcebispado de Braga aonde nasceu no anno de
1619, entrou na Companhia no Rio de Janeiro, em 1 •
Professo de quatro votos em lo de Agosto de 1 6 4 8 . var -10
de especial talento para tirar d o m a to nações barbaras e
indomitas.
o P adre Thom ó Ribeiro, terceiro na antiguidade, c nao in­
ferior aos prim eiros nas valentias do espirito, a quem nao
acobardavão diííicultosas em prezas. N asceu em Lisboa no
anno de 1623; entrou no Collegio da Bahia cm 164-«. e era
pré» a cl o r c lingua geral insigne. O P adre M atheus Delgado
era n atu ral de Gordo, bispado de Leiria, aonde nasceu em
1624, entrando na Com panhia em 1641.
O P adre Manoel de Lim a, de singular agrado e natural
respeito. 0 illustrissim o e activissimo P adre Joao cie S outo-
Maior. 0 P adre Manoel cie Souza, o P ad re C aspar Pragozo,
o P ad re .lose Soares, todos n atu raes cia grande Cidade cie
Lisboa, fecunda m ãi de varões illustres c de hom ens sábios,
do quem não pude sab er os dias e annos dos seus nascim en­
tos e entradas na Com panhia. O P adre Manoel Nunes, yarao
douto e cie raro talento para os governos; nasceu em Lisboa
em 1606, entrou no Collegio da Bahia em 1 6 2 2 ; professo cie
q u atro votos em 1649. O Padre Antonio Ribeiro, natural
de S. Paulo, bispado do Rio cie Janeiro, nasceu em 161o,
entrou, na Bahia em 1 6 3 7 ; p reg ad o r, e o m ais perito na
lingua brazilica, que tinha hebiclo com o leite na prim eira
^ (H r m ã o Antonio Soares, coadjutor temporal, formado em
2 de Fevereiro de 1 6 6 9 . 0 Irmão Rafael Cardoso, que nasceu
em Lisboa no anno de 1620; e entrou no Collegio do Rio de
Janeiro no de 16/i9, e ainda não acabára o curso tu eo-
logico. 0 Irmão Bento Alvares, natural do Porto, aonde nasceu
em 1627, entrou na Bahia em 1645, para coadjutor espiritual.
0 Irmão João Fernandes, coadjutor tem poral,nasceu em ton
de Lima, arcebispado deBraga, em 1602, entrou Comp
iihia no Collegio da Bahia em 1629, formado em 1645 era
official de ferreiro. O Irmão Simao Luiz, do de carpm teuo.
O Irmão Francisco Lopes, o Irmão Agostinho Comes, toctos
coadjutores tem poraes, de quem não achei o assento cias ida­
des, e entradas na Companhia, só sim, que este ultimo tora
depois despedido. _ , n
Estes os religiosos, e esta agora a nomeaçao do 1 adre p -
rior Antonio Vieira. O Padre Manoel Nunes, Superior ca c
de Nossa Senhora da Luz. O Padre Manoel de Lima, operário.
Os Padres Thomé Ribeiro e José Soares, Missmnanos em
gyro pelas aldeias cia ilha do Maranhão. 0 Irmão Rafael Car­
doso, mestre da classe e doutrineiro. 0 Irmão Antonio Soares,
estudante de moral, e lambem doutrineiro. O Irmão Bento
Mvares,companheiro d o sd o e sMissionários w lw rtes. O Jw rto
K -Vnrisro Lopes mestre de escola, e sacristao. Os lrm aos
l o i r Fernandes' e Agostinho Gomes, com o crndado das
ollicinas da casa do Maranhão. _ , v:„m.
P i n seus companheiros na viagem para o Para avis i
J ^ a m e m estre da lingua Antonio Ribeiro, ao lrm ao car­
pinteiro Simão Luiz, e a seu Padre Fran^ \ f lf a°m\ fT^ e
hem sc podia chamar sen, por ser seu1 subddOj sei am o
sen m im oso, que também o Apostolado de Christo i ' ^ o seu
em doao! E k l o abençoado triumvirato, com que P dem ha
n n rtírm ri o Grão-Pará o grande Fieira, tao preoccupauo
de santas ideias muito próprias do seu zelo, como mos
traímquanto°p™ ém d ies scpreparão, e tó o « h e g o à^ oeto
Pm itm ia vamos ver o que fazem os nossos 1 adres àouio
Maior e Fragoso, que deixámos no fim do capitulo segu ir o
dn iL r o m r recebendo a seus hospedes, o novo Superior
dã ca™ o Padre Manoel de Souza, com seu companheiro
o Padre Matheus Delgado.
CAPITULO V.

DO QUE OBRA HAG OS NOSSOS P A D R E S NA CAPITANIA DO P A R Á


NO ANNO DE 1653.

Dissemos no lugar acima citado terem chegado o Padre Ma­


noel de Souza, e o Padre Matheus Delgado no principio da
quaresm a de 1653, muito bom tempo para ajudar no p u l­
pito, e melhor no confessionário aos dons fervorosos Mi­
nistros do Evangelho, e operarios na fundaçao da nova casa
e Io reja, que po r não estar tudo acabado se nao tmhao m u -
dacío, e vivião ainda na sua antiga vivenda A vinda porem
dos Padres deu maior calor á obra, e avivou os grandes
deseios que tinha o Padre Souto-Maior para aperleiçoar a
p arte do corredor, que estava coberta, e asseiar melhor a
Igreja para nella se poderem celebrar com primor e devoção
os officios divinos da Semana Santa. Tudo se eífectnon em
breve te m p o , p orque o material da obra facilitava a factura,
por ser a gente muita p ara maior brevidade; e por ser aquello
P adre activo por natureza, e naturalmente perfeito, e cabal
no que emprehendia.
Mudados finalmente os Padres, entrarao nos laboriosos
serviços daquelles d ia s, por antonomasia santos, llumas
vezes' ideiando o sepulchro, mais ao devoto, que ao p o m ­
poso; outras acudindo aos confessionários, que era o que
levava o maior tempo, e o que restava se repartia com o
somno, e com o estudo para os sermões mais proprios da­
quelles dias, a que acudio quanta podia caber de gente na
Igreja, ainda que a, maior parte de f o r a ; mas todos no
tavelmente satisfeitos, por verem renovados peia p ie d a d e d o s
Padres os mais dolorosos passos da nossa Redempçao, aco -
panhados de sermões tão bem ditos e a tao bom tempo, que
foi grande o fructo, e não m enor o gosto, com que todos
derão, e receberão as alleluias dos seus Padres, que ja
olhavão com respeito, fallavão com agrado, e assistiao co
larComo osCpad res e singularmente o Padre Souto-Maior, se
ião entranhando cada vez mais nos coraçoes dos m o rad o -
W9 -

roc n o da mesma sorte desentranhando estes, com as


' V ( Actiiiinrhs e primorosas liberalidades, que trio dm-
» o ” lros pobres c necessitados. Quern
mais sc esmerava nestas caritativas dem onstrações e quoti
d im es soccorros, era a casa do nosso amant^
Antonio Lameira da França, correndo pot eon a t e sua m »
Ilipr 0 Sr a D Cecilia de Mendonça e snas filhjs as b ias.
Maria D Yioíante e D. Anna, o sustento dos Padres; e
r man an to não passarão dos dons, não foi possível acabar
2 S se°abstivessem de « o p r i - ^ 1 - ^
netn o n n sa porque agora em nossos e r u p to s a tazemos
S t e m d i J senhoras, pois não he b e m se ca em f a v ^ s
f-,A npnnrioi da sua arandeza, como dignos cio nosso e iu n u
w i d e c i ,nento sendo nas senhoras americanas muito eom-na-
S T S S s d e p í m t e a e e grandeza; porque nao sabem ser
efc^ssas aTdo Maranlião e Pará, e o m esm o observe, nas se ­
nhoras da Ualiia e Pernambuco. Alem desta se nao deaemd, ^
tim bem a casa de Manoel David Souto-Maior, lim ão uo
Padre, e a de Paulo Martins Garro, que todos acudiao com
gb " é t o s 1 S u S m r especial talento, não só
para a edificação espiritual e temporal da P™P™ « > . •
Tfrreia senão também para a alheia, que hum as e outras ae
'esmolas e ajuda dos .lieis . ^ “
nuaes parece linha adquirido domínio a mtimativa e per
S T £ > solicito operário. Quatorze annos havm que
o P a r á não reconhecia por Matriz mais que huma pob is
sima I orei a apenas sustentada cm linns poucos esteios, alem
d^velhos,8 desm antelados, e o lugar mais proprio de hum
estábulo que de hum Templo. A tão grande desamparo
quiz o Padre Souto-Maior experimentar se podia acudir o
seu zelo. influindo nos animos dos fregnezes a reparar com
suas esmolas huma ruma, que nao deixava de escandalisar
os olhos, e de esfriar totalmente a devoção no culto, e a e
na crenca. Tanto disse o prégador apostolico em dia da festa
de Nossa Senhora da Graça, orago da igreja, tanto ateiou a
indecência do Templo, e tanto estranhou o descuido dos
moradores, que avivada a devoção, quasi extincta, de todo
o auditorio, assentarão a huma voz de cuidarem logo do re­
paro e decencia da sua Matriz; e para que o fervor dos ou­
vintes senão entibiasse, avisados para o dia seguinte a darem
principio a obra, forão o prégador com seu com pantieno o
4-23

padre Fragoso, os primeiros, que com a sua enxada cava­


rão e tirarão terra para a fundação dos alicerces. E com
esta santa industria se acabou íinalmente a Igreja, que era
a mesma que até agora servio, e se desfez na erecçao da
nova, real, e nobilissima cathedral que hoje serve.
A este mesmo zelo se deve também a capella de Jesus,
chamada vulgarmente do Santo Christo, junto ao nosso Col­
legio, como também a de S. João Baptista, pelos mesmos
m eios das esm olas e concurrencia dos piedosos moradores,
o que também participou a capella da Virgem Senhora do
Rosario, do cuidado e administração dos brancos da cidade
do Pará ; até que ultimamente foi erigida, a fu n d a m e n tis ,
pela actividade e diligencia do Padre José de Souza, sendo
reitor do Collegio de Santo Alexandre, até a pôr na sua ul­
tima perfeição, por huma sorte de terras, que os senhores
da mesma Irmandade cederão ao engenho de Ibyrájuba, fa­
zenda dos m esm os Padres. E porque o seu incansável fervor
a tudo abrangia, instituio na Igreja dos Religiosos das Mercês
huma confraria das almas, a que chamavão Monte da Pie­
dade, com hum tal e tão industrioso com prom isso, que não
sendo a terra por então das mais ricas, se recolhião no cofre
cada anno perto de tres mil cruzados, que se despendião em
m issas e suffragios, por aquellas bemditas esposas de Jesus
Christo, constando pelos livros da despeza ter-se gasto por
conta da confraria até o anno de 1667, vinte mil cruzados,
que ao mesmo tempo que servirão de allivio ás santas almas,
soccorrerão também ás necessidades dos mais pobres sacer­
dotes daquella Capitania.
Costumavão os filhos da Companhia ser agradecidos por
lei de seu Santo Pai Ignacio: o Padre Souto-Maior, era de
mais a mais agradecido por natureza. Muitas e repetidas
vezes se lembrava elle dos benefícios que tinha recebido de
huma religião a quem as mercês dão o titulo, não só para
prova da generosidade com que as m ultiplicão, senão para
despertar nos que as recebem a lembrança para o agrade­
cimento.
Tinhão recebido os Padres dos Religiosos Mercenários o
sitio da primeira vivenda, que tiverão no P ará; tinhão sido
assistidos da sua caridade com os primores do maior cari­
nho, emquanto no seu convento passárão de enfermos a
totaím ente convalescidos, mas não constava ainda, que das
palavras passasse o agradecimento ás o b ra s; posto que o
I -ctA cnm rme dictava rhetorica aos sous alumnos,
£T‘anfle S,jst0’ ^ ; fll ava nue não faltavão bons desejos, íal-
alevoiia cousa siGn 1 rioepmnpnho' offerecerao-se
undo ev,lão o ^ ^ ” n0 ,0d* T & S o " m h l a i o r as

' rio Sereníssimo Senhor D -loao i \ , paia nu


sua ’Via licença 1 , , - n terem até acmehe tempo,
darem convento no Para, Pel' padres para a mesma
A segunda in c o rre re m pobre;
Imidaçao , porcpje JP n3o retardasse a obra, pelos po-
« para que í l;3 P'J’’™ c biflo ,la Bahia, nomeou vigário

f S Ü T f t S , tc m íir aósqg « ’tos, e adiantar com a ajuda

“ cx , ^

n etS o q? ¥ P » " vieira- Assim diz na carta


a ° *Ô Padre JoTodò Souto-M aior p rég o u na festa da collocaçao
rins Santos M artyres S. Bonifacio e Santo A lexandre, e g
(r ; ( J rJ<o P ará, como eu tinha encom m endado em Lis-
boa ((uando delle me apartei; e posto cpm bOOT^s^ antes ties a

M e f d W G » " ; pot“ oe o m e l o

nheíro j S t a por

SE ísm m
tem o sitio m elhor cia te rra , e princípios de Collegio e n
tendo nada, lhes não falta nada, an tes sao senhores de tu ,
2
e vivendo de esm olas, as podem fazer, e fazem a m uitos.
Pile chama por mim para o P a r a , e o G urupa, que he o
meu principal intento, eslá ainda sem m isssa o ; m as nada
ak in nnderá fiz e r antes da volta da entrada aos B arb ad o s,
to r a im m ^ab arcar tudo não venham os a não ap ertar n a d »
P E pouco m ais abaixo fa lta d o da perseguição passada diz
.E m qm m to noM arantião corria a Com panhia com esta tot
m enta, cam inhavão felizmente no P a rá os princípios
como Vossa R everencia verá dessa ca rta do P adre Joao de
Souto-M aior. Pedio-m e que lhe m andasse com panheiros, que
o ajudassem a tira r as red es, e coube a sorte aos P adres
Manoel de Souza e M atheus D elgado, que partirao no p rin ­
cipio deste anno para o P ará, e leyárao os ornam entos e
m ais peças p ertencentes áquella Igreja e casa. ü la d re Ma
noel de Souza vai p o r S uperior p ara deixar mais livre ao
P adre Souto-M aior nas cousas da conversão, e lhe succeaer
na licão da rh eto rica, que lê aos religiosos de Nossa Se­
nhora das M ercês, ou se já estiverem aptos, para lh a ler do
philosophia, como nos tem pedido. Nem deve parecer esta
occupação alheia do fim para que cá v ie m o s; porque> a em
de ser necessario residirem sem pre alguns lad re* nas po­
voações dos P ortuguezes, para o credito da Companhia es-
necíalm ente naquella te rra , aonde agora entra de novo, im­
p o rtará m uito que vejão os P ortuguezes, e ainda os índios.
L ê as o u tras Religiões sen ão d esp rezáo de aprender e buscai
m estres da n o s s a ; e que não só os velhos, mas os m ais
mocos delia tem capacidade para en sin ar. Com este exem plo
se pócle e sp e ra r se acabem de confundir, e ren d er os que
em m aterias de suas consciências se lião, e allegao com
opiniões de o u tro s, que p o r m uitas vezes serem fundadas em
poucas letras tem feito grandíssim os dam nos as alm as, no
ponto principalm ente das liberdades, e captiveiros cios ín ­
dios, que é o laço m ais forte com que o dem omo os ata e
em baraça neste E stado. »

ãrr
CAPITULO VI.
DO MAIS QUE SE OBROU NA CAPITANIA DO PARÁ DEPOIS DE
CHEGADOS OS DOES PADRES MANOEL DE SOUZA
i? atitttetts DELGADO.

Tinha chegado, como dizíamos, esto abençoado par de


operários no fim quasi da quaresma do anno de 53 Tmhao^
sc oil! ciado as ceremonias da semana santa m i
itrrph com o maior culto e grandeza que a escassez ao iem
p°o permittia. Passada a festa da paschoa trato»i logo>onovo
Superior de repartir pelos operários o trabalho da c“,tnr“ -
que, como era grande e aquelles poucos, nao faltava q
fizer a todos e ao feitor delles em que cuidar. P a n si e
m ra seu companheiro o Padre Math eus Delgado tom ou o
cuidado a ssto Pdos índios da cidade, com o das aldeias v.si-
nhas por serem práticos na lingua e os mais aptos a quelle
ministerio. Ao Padre Souto-M aior e . a ^ P o r t u T e z e s
Padre Gaspar Fragoso, entregou o cuidado dos Portu ueze
e moradores da cidade. Em huns e outros nao fa lt^ a que
trabalhar; porém aos primeiros ficava sendo■
emprego, por falta de cultura e ser tao basto o m at to, que
afogava as tenras plantas, que erão necessarias grande fo
e maior paciência na primeira capinaçao, ou monda, que de
ordinario he a mais trabalhosa.
Notável tinha sido o desamparo espiritual, em one o
nossos primeiros Padres acharão os Portuguezes daquel
Capitania, mas muito e sem comparaçao_maior, o mtelic s-
simo e lastimoso estado em que se achavao agora os Índios
seus escravos, porque a maior parte destes erao Pa| a°s>
vivião entre catholicos como no gentilism o,nao cuidando ma
delles seus senhores, que se fossem brutos, a cujo tranaino
c serviço só attendião, sem cuidarem por então no precioso
dos individuos, que erão as almas.
Dos baptisados que erão os m enos, havia subüivisa ,
porque huns estavão baptisados in voce, et n o m in e , que era
o mesmo que lavados com a agua do baptismo m as nuna
mente e sem effeito pela indisposição e brutalidade oo
o-eito, porque não sabião o que receberão, por os não dis­
porem para a recepção de tão venerável Sacramento, imagi­
nando seus senhores mais por ignorância, que por malícia,
que bastava applicar-lhes com a agua a lbrma para íicarem
regenerados á graça, não lbes causando mais eiíeito aquello
banho salutifero, que se fossem liuma pedra, ou tronco de
huma arvore. INno se devendo culpar tanto aos senhoies em.
lh ’o procurarem, como aos ministros do Sacramento,
rantes, e tão brutos, como os mesmos baptisados, em h o
conferirem indispostos, e in puris naturalibus da sua antiga
rudeza. Os outros, e que não era menor desgraça o serem
tão poucos, moslravão pela capacidade, ou pelo tempo da
innocencia, o estarem validamente baptisados; porem era tal
o desamparo, ou na ignorância das oraçoes, ou dos pre
ceitos da lei que devião guardar, que so sabiao o que seus
senhores lhes ensinavão, que era roçar, plantar e todo o
mais beneficio das suas lavouras, porque so disto cuiclavao
de dia com o trabalho e de noite corn o discurso.
Daqui nascião os intoleráveis abusos dentro do mesmo
christianismo. Primeiro, o impedirem os casamentos aos
escravos, ao mesmo tempo que não achayao deformidade
em os verem amancebados e no caminho da perdição,
mando por pretexto hum motivo, que parecia ser míluido
pelo diabo, e era que os escravos tão depressa casavao
como m orrião; que o matrimonio os tazia logo desobe-
dientes e preguiçosos no serviço, e, em uma palavra, que
se os quertão perdidos que os casassem, com o s® ®s !
vessem mais perdidos no estado da mancebia. &ai hora da
morte era a todos commum a mesma desgraça, tanto por
falta de parochos e vigilância nos pastores, como por des
cuido dos senhores em os não chegarem em vida, e naquella
hora, a quem lhes pudesse administrar os Sacram entos, e
como a infelicidade dos miseráveis passava ainda alem da
morte, ficavão seus corpos insepultos, ou sem sepultura
ecclesiastica; porque a huns os lançavão no rio e a out os
os enterravão ao pé das casas, por se pouparem de maior
trabalho em os fazer conduzir para os lugares sanrados sem
reverencia ao baptismo que receberão, sem _ temor algum
de Deos e sem m edo dos homens, que o sabiao, e nao im
pedião por razão de seu officio. Não pareça incrível o que
dizemos, porque as mem orias donde o tiramos sao mfalliveis
e a experienda do que soubemos, e cm tem pos mais polulos
g ® ® í3 S S 5 £
SsSsSSaSffiSrH
dos m oradores, a que ja em parte f "0 ’ COmo

i^ .s s s s s S
a já crescida ignorância jj ® mej10S basta a ziza-
pequenas e grandes plantas, ‘ v princípios

os dias na nossa lgiej oostuim A lo Padre Superior da


f f it « « u d e frueto e aproveitamento
(,\ i' è l f d o u t r t e t s S ^ o d 0o S os índios da cidade que
seus senhores podUo escusar do serviço r w t o °™
h u n s.ora outros; por estarem ]» os animos dos morador
bastantemente dispostos com os serm ões da quaresma

—ETiSt-oSas-yryrs
s%%terrsaraKi««
humas vezes a huns, outras a outros, ião perguntam ,
ensinando e apontando aonde vião que erravao Neste>santo
exercício gastavão com visível aproveitamento a maior parte
dos dias e grande parte das noites, nao faltando ao mesm
tem po em acudir aos Índios moribundos e em extrema ne
cessidade com os sacramentos do Baptismo e Confissão.
■ Já na cidade se colhia grande fructo, seguindo-se mim -
diatamente a colheita, depois de huma tão Vigorosa e adm i­
rável cultura, havendo ja m uitos por m > s’ i
podião em casa ensinar a doutrina aos m ais rutos,
esta apostólica diligencia, que na cidade hnha desterrado a
m aior parte da ignorancia, não se p o d ia estender as muitos
rocas e fazendas dos Portuguezes, que estavao por lora, nas
quaes não menos nos escravos que nos brancos e brancas,
havia a mesma ignorância dos mysteries da te e santa dou
trina por serem criados em sitios retirados, que mais par
ticíoavão de mato que de povoado; e como os Padres erao
apenas dons, que de nenhuma sorte se podiao m ultiplicai,
instituirão, como no Maranhão, a outros tantos m estres,
quantos erão os cathecism os muito breves e claros, quo
mandarão togo repartir petos sítios, com as perguntas e
respostas, e assim mesmo as orações de uma parte em por
tuouez e da outra na lingua geral dos índios, paia que as
familias dos brancos podessem aprender, e ao mesmo tempo
ensinar aos escravos, ou lendo ou repetindo, contoim c o
pedisse a capacidade de cada hum. Assim acudirao com os
m uitos e breves compêndios da santa doutrina, que mau
dárão trasladar, aonde não podião moralmente chegar com
C om °esta engenhosa industria e continuo trabalho dos
fervorosos missionários se vio em pouco tempo o paganis­
mo e quasi paganismo dos escravos dos Portuguezes, o a
ignorância de suas familias reduzido tudo a rmia mediana
e clara noticia dos principaes m yslenos de nos.,» Jc, s .
cujo conhecimento se não pôde salvar um ch m tao t do
devido á continua applicaçao e mcansavel diligencia
operarios, que só por este e os mais fruetos que s e segui-
,4 o podião dar por bem empregados os suores da sua pu
m 1 r PorSprhnicias dos serm ões e praticas da quaresma e
Semana Santa dos Padres Souto-Maior e Fragoso■ se tinha
tirado o abuso de não ouvirem missa no d ™ ngo c cha
santo assim índios que mandavao para o seruco, como as
senhoras brancas pelos frivolos motivos que aUegavaor e x -
nerim entando-se já nas oitavas da pasclioa maior trequcncia
d e'gente nos tem plos e m enos gente de serv.ço nos tmba-
jhos Porém os dons maiores fruetos que se virão no Paia
depois da entrada dos nossos Padres torto os qne^resulUrao
dos dous mais poderosos contrarios, amor e odio. tom o
primeiro se evitarão os escanda os publicos ^ « n d o - s t c
as mancebas por acudirem as almas, e isto nao so entre os
Portuguezes mas também entre os m esm os índios- Co
segundo se t e ã o as o
rancores m ortaes, e na m esm a casa euuo uo 0
vinculo do maior parentesco.
Taos crio então as vidas e b e s os costumes ; e taes os
niirhflos industria c vigilância dos filhos da Companhi.,
assistindo pelas regras do seu louvável instituto ao bem ( as
lim as assim dos Portuguezes, como dos Índios, que a
tid o abrangia a sua grande caridade sempre viva e sem ­
pre ardente aos raios e fogo de seu Santo Pa. e Fundador
o Illustrissimo Patriarcha Santo Ignacio.
Do muito que tinhão desbastado na cidade inferirao os
novos missionários o desamparo que m a na
nhas, por estarem já quasi extmclas as pnmeiras luzes com
que os tinha illustrado, e como de PassaSem ’ ° fs°!L?s8em
Luiz Figueira, havia já vinte, annos, sem que depois U sem
outro missionário que os doutrinasse. L fio S dons
podia acudir com os dous que ficavao a ausência ò o s á o u s
que partião, como erão os mais práticos na f. ^ nniiia das
estes á sua conta a visita das aldeias de ELrei espajhadas
pelo districto da cidade, que erao nove, pela segu in te.
— Para a parte da costa eb arradoP ara,adosT np in am b as (l),
Saparará (2) e Maracanã (3); para a parte de cima, cor­
rendo para o sertão, Mortigura (4), que Por entao era do
serviço dos Padres, como já dissem os, Bocas (b) e 1*3456^ ieJ1oai
has (6), e mais perto da cidade, Tupinambas de cima, Goa-
rápiranga e a de Faustino, da administração do Reverendo
Vigário °Manoel Teixeira. , . nc
Nestas laboriosas visitas m uito flzerao e m uito obrarao os
nossos esforçados obreiros, sempre promptos e sempre
alegres em cultivar com tão visivel augmento a vinha ao s e ­
nhor que parece lhes dobrava os salarios pelo resultado nos
serviços. Expliquemo-nos pelas frases dos m esm os operários
na fiel relação de seus exactos diários, de onde emanou a
certidão jurada do Padre Matheus Delgado, cujo original se
acha em nosso poder entre os mais documentos para a His­
toria. Diz assim : « Certifico que visitando as aldeias visi-
nhas á cidade na companhia do Padre Manoel de Souza;
achamos o m esm o, e ainda maior desamparo espiritual que

(1) E ’ actualincnte a villa de C ollares.


(-2) A Parochia de B em fica.
(3) A Parochia ou villa de Cintra.
(4) A villa do Conde.
(5) A villa de Oeiras.
(6) A villa de P ortei.
Notas do Editor.
na cidade, porque os índios, tirado o nom e que tinhão de
ehristãos, em tudo o mais vivião como gentios, c corno de
taes pareciâo suas aldeias, sem cruz, sem Igreja e sem signal
algum de christandade, ou conhecim ento de Deos, como quem
verdadeiram ente carecia delLe; e estranhando-lhes nós esta
ignorância ou modo de vida, se desculpavao com dizer, que,
como havião elles sab er as cousas de Deos, e sua salvaçao,
se tinhão passado tantos annos sem te r quem lhes ensinasse
as obrigações de christão?
(( Pelo que, procurando nós acudir a este extremo desam­
paro, depois de baptisarmos innocentes, e prevenirmos com
os Sacramentos aos que estavão em perigo de m orte, co­
meçamos logo a levantar cruzes, fazendo-as e ensinando-as
a fazer aos Índios por nossas mãos, e da mesma maneira
tratamos de levantar Igrejas, que fizemos de cobertura de
palma, quanto o permittia a brevidade do tempo, as quaes
se vão já hoje melhorando, para nellas se poder celebrar com
decencia o Santo Sacriíicio da Missa e haver lugar cm que
se ajuntassem os índios, como fizemos em todas as ditas
aldeias, ensinando-lhes as orações do cathecismo, em sua
propria lingua, e instruindo-os nos mysterios de nossa santa
fé, de maneira que os entendessem e fizessem concedo defies.
« As aldeias em que se levantarão Igrejas forão: lupinam -
bás,Saparará, Maracanã, Mortigiira, Nheengaibas, Bócas, Goa-
rapiranga, mais outra de Tupinambas, e a do Faustmo. JNas
sobreditas aldeias, achei, que quasi todos os índios e Índias
vivião como casados, sem serem recebidos in fcicie facclesicc,
e reprehendendo-os eu em hum pecca do tão publico, elles
se escusárão com a ignorância e falta de doutrina; e sendo
bem instruidos na essencia c obrigação do Sacramento do
matrimonio os casei a todos, como hoje estão casados, tirando
a alguns Principaes a multidão de m ulheres, com que vivião
ao modo gentilico. Também nestas aldeias baptisei a muitos
velhos e velhas de 50, 60 e 7 0 annos de idade, que vivendo
entre ehristãos, e com os pastores, que devião ter cuidado
de suas almas, por negligencia sua lhes tinhao faltado com
agua do baptism o, sem a qual estavão arriscados a m o iier,
como morrião cada dia outros muitos, assim nas aldeias,
como em casa dos Portuguezes, em que he tão pouco o zelo
christão, que não só não a procurão para os índios de que
so servem, antes lh a impedem c eslorvâo,^ de (jue ha cjqo
tidianos exemplos. Tudo o acima dito, na fórma em que fica
rpípndo passo na verdade, e assim o juro in terbo sacer-
dotis. Belém do Grão-Pará, 20 de Fevereiro de 16o-4.-H ía-
//iT tô'aqui a certidão deste zeloso Padre, de qne me pare­
ceu offer ecer a copia, porque poderá parecer °
Upsamnaro daqnellas cbnstandades, antes da enfiada cie
obreiros e fundação da Companhia na cidade e capitania do
P a íi E para que não cuidem os nossos leitores, que a le­
ia m o s só com instrumentos de casa, vejamos a certidão de
S i , que sem suspeita poderá agora ser™ de
TtVinírpiista nelo que diz respeito a narraçao desta veidaae.
" Assim diz- « 0 licenciado Matheus de Souza Carvalho, vi­
á r io geral e provisor desta capitania do Para, &c Certifico
aue os Padres João de Souto-Maior, em Janeiro de 4 b 5 ? ,e
o Padre Matheus Delgado, vindo depois ao Para, começarao
Iqo-q a exercitar todos os ministérios da sua profissão com
grande zelo e muito continuado trabalho, Pre^
sando e fazendo doutrinas ao povo, o qual todo assim os
o-randes, como os pequenos estavão m uito necessitados deste
soccorro espiritual, por haver m uitos annos que faltava neste
Fst-’do quem se em pregasse em sem elhantes exercício», e
iom as guerras da àm qaista e pouca attenção ás cousas cia
alma se tinhão introduzido muitos abusos e ignorâncias, que
com as ditas doutrinas se tirarão. Junlamente abnrao os
ditos Padres escolas publicas, em que logo começarao a en­
sinar não só aos filhos dos Portuguezes, mas também a
religiosos de differentes religiões, dando os ditos Padres a
todos, de graça, as artes, cartapacios e mais livros por onde
liavião de aprender, que para este effeito tintiao trazido do
Reino, e até o papel em que escrevessem os estudantes por
haver pouco na terra, e não chegarem as posses de todo»
ao poder comprar. Todas estas cousas sobreditas faziao e
fazem os Padres, sem por ellas levarem estipendio, nem es­
mola alguma ; o que me consta por ser publico e notorio,
e assim o juro pelo juramento do meu cargo. Delem do
Grão-Pará, I o de Marco de 4654.— O licenciado, M a th eu s
de Souza Coelho. »
Estas as noticias que podemos descobrir do muito que
trabalharão até á chegada do Padre Vieira na cidade e ca­
pitania do P a n , os primeiros quatro obreiros da vinha ao
Senhor, que íorão como quatro angulos, em que se tunaou
a fortíssima praça de armas, de donde bavião de salnr tantos
c tão valorosos cam peões, que cleviao c o rre r o discorrei
por tantos e tão varios rios e dilatados sertões, e verocr, a
m ilagres do seu esforço, a tantos m onstros da harbnriuaue e
tan to s sequazes do gentilism o, e o que mass era a tantas lu­
rias do inferno, conjuradas iodas contra os santos intentos
e rectas intenções dos soldados de Christo, c da sua Com­
panhia debaixo dos estan d artes do Santíssimo Nome do
Jesus, a quem todo o joelho se prostra no coo, na te rra o
no in fe rn o ; 'seguindo todos a celestial conducta de seu Santo
F u n d ad o r, em braoando com hurna m ão o escudo da fe, e
nelle a em preza, Àd maiorem Bei gloriam; o na o u tra biun-
dindo a lanca do zelo na pregação do Evangelho ao genti­
li smo, e rui “publicação da palavra de Dcos ao christianism o
desta illustrissim a cidade, que nunca poderá negar sem nota
de ingratidão o m uito que logo em sons princípios obrara o
os filhos cia Companhia cm seu objecto c serviço; devendo
os m oradores de todo o E stado ao carinhoso e p atciaal cui­
dado (lo grande P ad re Antonio "Vieira ser clle o prim eiro, que
á sua custa lhes m etteu na m ão aos filhos os livros e papel,
com os quaes vencerão a nativa ignorância, ajudados cia ga­
lhardia cie seus delicados engenhos, que ja agora m ais cul­
tivados pela industria c frequência das nossas aulas, não
tem nada que invejar os nossos am ericanos do M aianhao c
Pará aos mais hábeis e prom ptos juízos de P ortugal.
Mas porcpie a viagem daquelle illustrissim o varao (a quem
devem tão gratas m em orias os senhores m oradores do E s­
tado) está a pique e quasi largando velas a popa para a
cidade do G rão-P ará, vam os a csperarnella ao grande Meira
nas prim eiras m argens e entrada do seguinte livro.
LIYM O V I.
DA E N T R A D A DO PADRE ANTONIO VIEIRA NA C A P IT A N IA DO P Â R a
DO DESCOBRIMENTO E S P I R IT U A L DO RIO D A S A M A Z O N A S,
E D A S A LDEIA S QUE NELLE FUNDÁRÃO OS RELIGIOSOS DA
COMPANHIA DE J E S U S .

CAPITULO I.
ENTRA O PADRE ANTONIO VIEIRA NA CIDADE DO PARA A DAR
PRINCIPIO A ESTA ESPIRITUAL CONQUISTA.

D ispostas pelo P ad re S uperior da m issão Antonio Vieira


as cousas da Com panhia no M aranhão para a conversão dos
jrentios, c conservação das ch ristandades, vendo frustrada
e acabar cm flor a entrada dos rios Ita p u c u ru e Missão dos
B arbados, como já dissem os, determ inou p a ssar-se ao I a m
com o intento sem pre fixo, aonde trazia sem pre a m em oiia,
que era a fundação do G urupá, como porta e chave P^ra
ab rir e e n tra r na espiritual conquista do rio das Amazonas.
E m barcados com os já nom eados com panheiros, os Path es
Francisco Velloso e Antonio R ibeiro, e o irm ão carpinteiro
Simão Luiz, no mez de Setem bro, chegarao com feliz viagem
no porto e cidade do P ará em 5 de O utubro do anno em
que vam os de 1653; dia sem duvida m ereced o r de eterna
m em oria para esta Capitania pela fortuna de te r em si hnm
tão çran d e hom em , como o P ad re Vieira, tao zeloso do bem
publico, e zelosissim o m ais que tu d o do bem das alma
sem afrouxar um ponto em b u scar todos os m e i P «■ ' 1
sua reduccão. Logo que chegou, passados os p n m c o
dias de hospede en tre m u tu a s e alegres congratulações do
seu am antissim o subdito o P ad re Souto-M aior e m ais reb
oiosos com universal c não pequena consolação dc todos
entrou como solicito pai dc famílias a d istrib u ir os operarios
d aau d la o-rnmlc vinha, segundo os talentos de cada hum e
a qualidade do seu serviço, conform e a inl" ™ J U “ d i i t u n
.lerão os P ad res (la m aior on m enor n co essitiad e de cult a.
Pareceu-lhe agora m ais convem enle que o 1-adie houlo-
Maior ficasse com elle na casa, continuando no antigo go
'verno delia para acudirem aos serm ões c confissões e mais
m inistérios da Com panhia na cidade, vi» o que ] t V ‘ V ’
seguro o acertado applicar o granee ta k m o ia Logo, ( a
te rra fine tinha o P adre ManoCi de Souza, P
pelas’ aldeias com os ín d io s; e na verdade o lervoroso I adre
estimava sum m am ente a troca e a nom eaçao de tao santo
S que era ao que m ais o inclinava seu esp .n to . O r­
denou dem ais ao P ad re Souto-M aior continuasse na Iiçao
de rhetorica e gram m atica aos religiosos cie outras sagradas
familias e estudantes da cidade. Ao irm ão bimao Luiz m an­
dou tom ar conta das officinas da casa. Para as aldeias de
baixo nom eou m issionários aos P ad res Francisco fello so e
Manoel do Souza ; para os de cima ou do Çam uta, aos P adres
Antonio Ribeiro e G aspar F rag o so ; p ara m issionário oa
nossa aldeia de M ortigura e das m ais vism lias, ao P ad re
Ma th eus Delgado. E sta foi a distribuição com que a sabia
conducta de" tão experto cabo repartiu no m esm o mez de
O utubro em que chegou, o pequeno num ero de soldados
volantes da sua com panhia pelos quartéis de inverno, na o
a descansar e arrim ar as arm as, m as a tom a-las com m aior
calor e em prega-las em novas e m ais perigosas com endas,
como m o strarão os successos e varios acontecim entos da
nossa histo ria.
Não escolheu p ara si o descanso, porque nao viera ao
Pará a d espir as arm as quem sem pre estava ai macio p a ia
os com bates, e com o peito exposto ao perigo das balas o
ás penetrantes pontas cias lanças; pois nem o seu generoso
animo lhe infundia cobardia, nem o intrépido espirito e
resolução, com que do pulpito fazia g u erra aos vícios, in­
fluía em seu coração tem ores que o fizessem p e rd e r
hum palmo de te rra cio que conquistava, com o form idável
m ontante de seu apostolico zelo ; nem era m uito contasse
o tem po tan tas e tão estupendas valentias cie varão tao
grande, quando pelejava com arm as cia m elhor prova, que
era a efficacia cie suas razões, e com a espada mais da
m arca cia sua eloq u en d a, por não haver naquede tem po
quem a podesse m ed ir com tão desm arcado gigante e com
orador Ião eloquente.
E n tro u logo a resplandecer este novo astro e a coininu-
nicar a todos as luzes da sua doutrina, segura, nervosa,
clara, efilcaz e proveitosa, assim a hnns como a outros,
porque todos tinhão que aprender, ninguém que cen­
su ra r, pasm ados ao m esm o tem po que convencidos, com ­
pungidos e em en d ad o s; nem era novidade parecesse num
Tullio no P ará como em Roma quem tinha sido num
D em osthenes na cidade e corte de Lisboa. Com os seus
serm ões, que erão frequentes todos os dom ingos c dias
santos, com innum eravel concurso de gente pela recom m en
dação, que comsigo levava a fama constante de pregadoi ,
foi notável o frueto que se colheu no P ara, assim com o ja
se tinha colhido no M aranhão, cujo m ethodo quiz agora
se °u ir, como quem tinha experienda do m uito que luciava
com este singular talento, que elle procurava nao occultar
na te rra contra a vontade cie seu Senhor. .
Além dos serm ões dos domingos e dias santos, m stitm o
os dos sabbados sobre a devoção da Virgem Senhoia, cujo
terço a córos persuadio a todos com adm ira vel_consolação
dos m uitos que quotidianam ente assistiao a tao louvável
costum e que ainda hoje se conserva, posto que so entre os
estu d an tes das nossas classes e m eninos da escola, cantan
do-se sem pre no fim o Remdito e Louvado da Conceição,
pelo tom que ainda conserva com o nom e do seu a u to i.
In stitu io dem ais as d o u trinas geraes e publicas, salnndo em
p ro cissão , cantando a ladainha com bellas vozes e ensinando
as orações e m ysterios em hum a e o u tra língua. Na língua
brazilica se fazia todos os dias indispensavelm ente na nossa
ierreia aos Índios e escravos que assistiao na cidade, senão
elle e o P ad re Souto-M aior os que sem grande m terpellaçao
d e hu n s a o utros se em prega vão em tantos e tao santos
exercícios, por qu ererem assim desem penhar a obngaçao
que lhe coubera pela prim eira distribuição, parecendo in
crivei que dous sugeitos podessem sos e sem ajudantes
-acudir ás obrigações do pulpito, do confissionano, da ca
deira, das do u trin as, dos m oribundos, cios presos, e as da
u rb an id ad e e politica, q u e tam bém levavão tem po quanao as
visitas não erão de m edico. , , . ,
Tinha ouvido com pasm o e adm iração a talta de cn n stan
dade que os P adres acharão no P ará, assim entre os L o r tu -
■guezes como entre os índios e escravos, sendo nao pouco» os
abusos que pouco a pouco se ião vencendo pela in d u stria
i' í-im hdo dos M issionários, e cuidou dc lhe applicar elíicaz
remédio; n ã o ‘só para o presente c o m a s d o u lrm as e p ra -
t in s oublicas senão para o futuro com a autoi idade e 10
deres ^do lh u strissim o Cabido da Bahia de que se valeu
nersuadindo ao Vigário Geral M atbeus de Souza Coelho o
nue devia o b rar para cum prir com a sua obrigação de p a s­
to r e i u z que e a o mesmo que do cajado e da v ara, para
enram inhãr aos desgarrados ^ ^ “
mio referim os a m esm a certidão ju ra d a do sobrccuio vi
ooirio cuio original se conserva em nosso poder. Diz assim
nelo ciué respeita a esta m ateria: « Em quanto a reform ação
entre os quaes
lnvi'i m enores abusos que nos In d io v na o b se n a n c ia uas
cousas ecclesiasticas, o Padre S u p e rio rAntonio
nnderes uue tem do Cabido e obrigações que lhe c o n e aicm
llesla sua profissão, tratou tam bém logo de qu® se a c u t o e
o rip m aior im portância, ajustando comigo e com §
queD eos tem , Manoel Teixeira, o rem edio delles ordenando
se pozesse em capitulo de visitas as seguintes cousas
« Prim eiram ente que pela Q uaresm a se fizesse ro íd a s -
fissões em que fossem assentados por seus nom es, nao so
o fo rtu g u o zes, e suas m ulheres e filhos, senão odos s
seus escravos ou índios, de que se servem com chstmcç o
de nom e e nação, o que ate agora se nao f a m , nem desobri
gava da Q uaresm a escravo ou Índio algum , se pecm
conta disso a d ie s ou a seus senhores, os quaes p o rem
daqui p o r diante não serão dados por desobrigados ate na
constar que o estão tam bém seus escravos, begunda, que
o” o m o rad o r que se servir, ou tiver em sua casa Indm
algum que m ostre te r idacle de sete annos para cim a ten h a
obrigação de os apresentar ao P aro d io todos, p ara que el
m andando-os exam inar, saiba se estão b ap tisad o s e m
tru id o s nos m ysterios da nossa santa fe, e quando nao e s-
tejão, se fação baptisar, por ser descuido m uito g ran d e em
todo este Estado nascerem os índios em casa dos P o rtu
guezes, c tam bém m uitas vezes m o rrerem sem baptism o,
nem conhecim ento da fé. T erceira, que todo o m o rad o r que
tiver ín d io , que não cotiabite com sua m u lh er o u ín d ia que
não coliabite com sen m ando, o m anifeste ao P a ro c ^
tam ente com as causas de não cohabitarem , p aia-Q
depois de exam inadas, ordene o que convier ao seiv ço ae
Üeos, por serem m uitos os índios o Índias casadas, qt ■1
causa das lavouras o outros serviços, vivem apartados m uitos
annos com grandes offensas de boos.
Q uarta, que nenhum ludio case daqui, em diante sem que
se lhe corrão os banhos, no lu gar de seu nascim ento ou d o ­
m icilio; porquanto, até agora se casavao todos, sem se lazer
esta im portante diligencia, antes na o ialtava quem os re c e ­
besse sem licença do P arocho, nem testem unhas, nem o u tra
algum a solem nidade, das quaes re q u e r a Igreja. Quinta, que
em todas as Igrejas, assim de P ortuguezes, como de índios,
haja livros de casam entos, baptism os e defuntos, que até
agora não havia, principalm ente para os índios, ou tossem
livres ou escravos, de que se seguião gravissim os inconve­
nientes sabidos, e lie força sejão ainda m uito m ais c m aiores
os que se não 'sabem . Sexta, que adoecendo consideravel­
m ente q u alq u er índio dos que servem em casa dos m o ra d o ­
res, o dito m orador seja obrigado ou a o levar, ou a lhe trazer
sacerdote idoneo, o qual lhe adm inistro todos os ires S acra­
m entos de conlissão, com m unium e extrcm a-uncção, p o r ser
cousa m uito ordinaria em todo este Estado m o rrerem os ín ­
dios sem nenhum Sacram ento, por nao haver quem lh o pro-
cu re, e ser introduzido en tre os sacerdotes, quarum contes-
savfm alguns na hora da m orte, nao lhes adm inisti arena
outro algum Sacram ento, principalm ente o da com m unium ,
tendo a todos por incapazes disso, sendo que realm ente o nao
são, e que mais instrucção se req u er para h um Índio se con­
fessar, como convém, que para com m ungar.
Sctim a e ultim a, que nenhum índio ctiristao so en terre,
senão em lu g ar sagrado, e com sacerdote, cruz e m ais re -
com m endações da Igreja, e que quem se seryio delle na vida,
seja obrigado a lhe m andar dizer por sua alma num a m issa,
nor haver geralm ente nesta terra tão pouca caridade e h u ­
m anidade para com os índios, que sobre os deixarem m o rre r
ao desam paro, os m andão e n te rra r no campo com o b iu os
anim a es
Todas estas cousas trato u o P ad re S uperior Àntonio Vieira
comigo se em endassem rui fôrm a sobredita, deixando o u tias
quasi de igual necessidade, por se não poderem rem ediar
n o r junto. E porque nesta te rra se faz pouco caso cias cen­
suras e penas ecclesiasticas, a todos os sobreditos capítulos
se pozerão penas pecuniarias, esperando-se que pelo tem or
destas sejão mais obedecidos, &c. Leiao todos com ieflexao
estes capítulos, que elles só som mais exagerações sim capazes
,\n in d n iir io s do m en or capacidade em lium perfeito conhe
c i m e n t o l m is e J a b L s im o 1 system a em que vivia todo este

^ a e S S > toM » r r w ^ 5 a 6 Com panhia, não se

laroorias de hum h erd e sob re-d outo, em tudo sem pre adver
P;fi fP servindo p ara prova do que dizemos a certidão su p ia ,
q u e 'bemV1concorda e confirm a a do P ad re Manoel Teixeira,
qUTemorse!S ° e m como o S u perior de todos desem penhou
o cum prio a sua obrigação de operário, o m ais diligente para
o e x S o e de su p erio r, o m ais esperto para os acertos do
Poverno Ê se na praca e cidade do P ara assim trabalhava
o rin itã o e com m andante dos Jesuítas, com nao m enos cui­
dado, fadiga e zelo, obravão os seus soldados na cam panha,
cinco reli'dosos que trazia divididos pelas aldeias dos ín ­
dios Nas que tinhão tocado anteriorm ente á diligencia e
industria d^s P ad res M atheus Delgado < í S ? ^ S q u é
como tinha sido de passagem a cu ltu ra, nao faltava^im da que
d esb astar posto que não tanto como nas que ainda nao tinha
chegado o beneficio do nosso trabalho.
au e encontrarão, e im pedião aos arados o a b rir na te rra os
?e®os p ara que disposto o te rren o podesse receb er a se­
m ente da palavra de Deos com esperanças de fructo, nao e ra
a rudeza dos Índios, nem a introducção dos abusos no c h n s -
tianism o, ainda que a tivessem endurecido, e a deixassem
mais ag reste ao c u ltiv o ; p o rq u e tudo com a graça divina
esperavão rem ediar com a sua assistência, e com a valentia
de seu industrioso espirito. 0 que prm cipalm ente os desa­
nim ava, erão os im pedim entos da m trodueçao da fe e bons
costum es, que achavão pelos m esm os, que p arece os deviao
aju d ar pela profissão do estado e pelas obrigações do officio.
0 prim eiro, e m aior, que fazia infructifero qu alq u er tr a ­
balho provinha da total d eserção dos índios, de que estavao
evacuadas as aldeias, oeeupados nos tabacaes e m ais serviços
das duas prim eiras cabeças, espiritual e tem poral. E st
pedim ento foi universal em todas de qne tem os testem unhos
authenticos, e não se faça incrível, supposta a am biçao de tao
lastim osos tem pos, 0 segundo tinha a sua origem e tom ava
m aiores forças na autoridade do principio, quo cimo alguns
religiosos c ecclesiasticos, que m ais por seguirem a voz do
povo, a quem pretendi ao lisongear, do que as opinioes com-
m uns dos autores que m ostravão não ter lido, espalliavao
d o u trinas totalm ente oppostas ás que segnião os nossos P a­
d res, como m ais seg u ras, e im portantes ao bem espiritual
dos m oradores, qu e era o que m enos se attenuia na consi­
deração só m ente de conveniências tem porãos.
E stes erão sem duvida daquellcs m estres, de que mandava
S. Paulo se acautelasse seu bom discipulo T im otheo, por
serem estip en d iad o s do hum povo, que só lhe parccião
bem as doutrinas que m elhor harm onia fazião nos seus ou­
vidos em beneficio de suas conveniências, que era o m esm o
que tapa-los á verdade, para os abrirem ao fabuloso dis­
cu rso de tantos m estres sem letras. Im pedim ento foi este
de g ran d e força c totalm ente opposto a introdueçao da
v erd ad e e bons costum es, e de que m uitas vezes se quei-
XtiVci m agoado o douto F&dro Antonio Vioira, polos giandos
m ales que com sigo trazia aos perseguidos filhos da Compa­
nhia, m elh o r d issera da verdade christã. Provem os o dito.
Andava em m issão o P ad re Antonio Pubeiro discorrendo
pelas aldeias do Cam utá com seu com panheiro o P adre
G aspar F ragoso, conform e a distribuição de seu Superior.
Succedeu pois acharem nas aldeias a m uitos ín d io s, ^ que
sinceram ente, confessa vão não sab erem .0 q u e receberão,
nem 0 para que os lavarão e m etterão 0 sal na boca, que
era a unica lem brança que tinhao de serem, baptisados, de
so rte que nenhum a duvida ficava aos P adres que estes
ad u lto s, tão faltos e alheios de instrucçâo, não nzerao ten ­
ção de receb er 0 baptism o, sendo im possível cab ir a tenção
so b re aquillo que indispensavelm ente se ignora. Em outros
que erão os do m aior num ero ficava m uito duvidoso 0
Sacram ento pelo que depunhão os m esm os ín d io s, signi­
ficando a sua palpaveU gnorancia ainda dos m ysterios que
são n ecessario s, necessitate medii.
Isto assim observado, foi preciso aos P adres consultarem
ao S uperior tão douto como 0 P adre Vieira, que depois de
consultados tam bém os m ais P adres, ordenou 0 m esm o que
m andão os au to res catholicos, c era que buns se rcbapti-
sassem a b s o l u t a m e n t e c outros sub conditione^ conform e a
duvida ou certeza da nulhdade do prim eiro baptism o. Havida
a resolução, en trarão os Padres Hiberno e fra g o so a d ar
., • „m Knm vip0'ocio tão serio cm quo sc nao
as providencias cm * '• ; 1 . e forão rebaptisando
interessa m enos ’e neeessitav ài da eili-
S : r ^ S * » do C a m u tá; a p rim a ra
deste nom e, a segunda Mojuy, “O f ^ C a n u U i o R everendo

11. A.; i , .1 cAn|j0(*imento (íUciiiuO tro


Pa'1’1'3- f ium u tos (lo M aranhão, na segunda p arte
le r m o s ' os g aves ^ t m t Deos o contrario, que
p o r am i!odestia
d esi i a rcalam
ala mos
os seus
s ^ nom esnma
porpe]o
ser sen
m uito
„ o malheio
e c o m doa
nosSO UGIliO O OiteiKler pGSCÜi » , Uo-fa l>runt*p|j—

0 m esm o se devia observar com os a d u lto ., - !


- ki o n in tro d u /ir novidades na Igreja cie D eos.
T m to d a on A c l a m o u contra os dons pobres Missiona-
• „ ! t o o s veio a declarar excom m ungados e m -
™ r o f m s m is penas fulm inadas contra os que re,terão o
UH sos nas mass pstava do form idável m on-

(a mu tá tornou publica satisfaçao aos descuidados la d ie s ,


" o a S v â o de cabir em si com um a tao repentina
chum bada á c a n a cerrada e á mão ten te de injurias e die
lerios "contra a Companhia e seus filhos que enm oo o povo
a alterar-se contra os dous P ad res; o tom ou tal eo.po _
t d e ã o e tão "rande lavareda aquelle incendio assopra, o
p e lo 'a rre b a ta d o espirito do Religioso, que uw o
unneo para passarem das palavras as obras, insultanao os
de p raticarem opiniões extravagantes de que nunca tm hao
usado os m ais sacerdotes. Q ue os outros erao tanto e m ais
letrados que nós, e que p o r isso com m aior segurai ^
h avião seguir suas opiniões e não as nossas que sem pi
crão contra o povo, não só nos baptism os, m as no qu e a
m ais, que erão os índios seus escravos que os p ielen
diam os ou diziam os serem livres, conti a o 1 j _
P adre e mais Religiosos lhes ensm avao, que o co n tim io era
q u ererd b es em baraçar as consciências.
— II /I.S.)> —

One os mais ileligiosos lião polos m esm os livros, nia^


não' os enleiidião como nós (aqui eslava c e r r o o d aq u i p ro ­
vinha a origem deste scism a), o que posto, vinliao a mio n r
que a nossa doutrina era errada sobre suspeita, p ara noa.
fazerm os senhores de todos os índios do Estado
Fulm inarão íinalm ente por ultim a sentença do seu des­
potism o e acórdão de tão desarrazoada rclaçao, que se
continuássem os m ais com sem elhantes doutiinas, que nos
havião lançar fóra do P ará. Sápe com o laconism o! __
Se elles tom assem o exem plo do tribunal de 1 natos, ruo
darião talvez tão iniqua sentença nem condcm nariao a nino
Cbucia sem m andar prim eiro aos réos que dissessem aiiiut
de sua justiça. Mas o exem plo que os senhores do Fam ula nao
to m arão por então daquelle tribunal, pelo que dizia respeito
ao m inisterio, o tom arão os nossos hum ildes M issionários
de seu m estre e exem plar Jesus Christo, porque calados e
sem abrir boca se retira rã o bem confusos para a vivonfla.
P orém o peior de tudo foi o trazer comsigo para o ta ra o
nosso novo zelotypa o m esm o togo que tinha accenüido no
C am utá, com a circu m stan tia de que, como era I-rolado, u
zerão os seus religiosos m ais p o r capricho, corno u l
nho que por ignorância su sten tar com grandes mqes elo*
apaixonados as duas sobreditas opiniões, a s a b e r:— que os
p rim eiros baptism os nos adultos totalm ente ru d es sem pre
erâo validose sen ão podião pelo m esm o re ite ra r, como tam­
bém o erâo as escravidões dos índios, que os m ,jrad° 1 ^ ‘
sua custa com tanto trab alh o e gastos traziao do se iL o ,
não obstante se não te r observado o disposto pelas leis
de Sua Ma gesta de. E pegou tão bem esta doutrina e o p i
nião, que por ella com a m aior tenacidade pugnao aim a
m uitos, não sendo possivel poder arrancar-lhes de tudo &
raizes porque dizem e assim argum entao ab exemplo q c
ratione será tão im possivel como tirar-lh es dos cascos
t0n«^ S ó 'v o ssas P atern id ad es são le tra d o s? Os mais Reli­
giosos e Ecclesiasticos não leem pelos m esm os I m o s .
Pois como só vossas P atern idades dizem que os índios sao
livres, dizendo os m ais Religiosos que sao escravos pois
não é de c rer que elles lam bem se nao queirao s a lv a r/» Mas
isto eme em tem pos m ais anteriores se poena allegar com
verd ad e, no dia de boje se nao pócle fazer sem enoim e
in ju ria dos hom ens d o u to s, que respeitam os nas o u tras sa­
g ra da s familias da nd aue uu Para e M u a n i m o .
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n rposmo quo o b rarão no Gam utá e aldeias de cima os
P i , {d tonio R ibeiro c G aspar F ragoso fazia tam oem em
Í & n e h a s v i r i n t a n d o P adre B alboas Delgado
" ftH ta V m en o r trab alh o , peVo pr.m m ra l.rapa que
íinlrin tid o . 0 m esm o c pci a m esm a razao, 01 a m a m ora
m enos, os P ad res Francisco Velloso e Manoel de Souza, nas

““ Ha do "M aracanã se achavão os solícitos jm -


d an d o no baptism o dos innocentes, na ' " f ' d °s 1 j
to s o na revalidação d o sm atn m o m o s na « d a g .aç a, quando
rlieo-a ordem do Capitão-m or p ara que todos os Inclios sem
excepcào, nem ainda dos p r i n c i p a l la tis s e m ogo para
certa ‘p ararem a fazer-lhe q uatro canoas, o que todos sem
lhes valer os privilégios (que no governo presente gosao com
inviolável isenção executarão, retirando-se os P ad ies assas
desconsolados-po’r não colherem os frojUM que esperavao
Dara a aldeia de S aparara, que era de Ind os lu p in a m n a s,
porém com m uito pouco lucro das suas a mas com o P
tendião p orque a m esm a serp en te que tinha atu 0en taao
p ara o m aio os do M aracanã para fazer canoas era a que
lam bem tinha m ettido no engenho de Domingos de T o rres
aos de Saparara para m oer canas. . .
Notável bicha a am bição antepondo as conveniendas tem ­
porãos ao espiritual dos m iseráveis que era o m enos em que
se cuidava, e m enos m al seria se m eio anno trabalhassem
p ara o Capitão-m ór e o outro meio tratassem para as alm as
e tam bém dos corpos seus e de suas famílias, perecendo
m o rtas á fome por lhes não deixarem os pais o quotidiano
sustento para m ãis e filhos, gastando o tem po que deviao
g astar nos p roprios, nos roçados alheios, violentados o com
pagam ento tão escasso que apenas chegava para refazer o
eme rompia o no m esm o serviço donde vivião. _
Com o resto da gente que acharão em S aparara se foi ao
entretendo os tres m issionários doutrinando, e d esterran d o ,
quanto poderão, o abom inável uso da polygam ia, dispondo-
os com p raticas, o m ostrando-lhes com exem plos os santos
costum es quedevião seguir, se q u erião d escan sar com Deos
no céo, e não acom panhar ao diabo no fogo eterno do in­
ferno. Pouco d u rarão estes santos exercidos, c de que rc
sultaria grande fructo, por ser aqnelia nação d e i upm am oas
os mais babeis e de m elhor juízo para se habilitarem m hos
do íleos, s e n ã o chegasse o Capitão Domingos de lo rre s com
4 -4 5

ordem do C apitão-m or para levar os que fossem capazes de


serviço. R etirados os operários com o m esm o sentim ento
que no M aracanã, p assarão áaldeia dos N heengaibas, aonde
exercerão o m esm o que nas m ais aldeias, c nella como nas
o u tra s não faltou que em endar, assim na doutrina, como
nos costum es; p o rq u e de o rd inário se não topavão m enores
abusos, nem m aio r cuidado no serviço de Decs, que nos
dos h o m e n s; p o rq u e este só era naquclles tem pos o idolo,
a que se sacriíicavão tan tas victim as. E ste, p o is, lie ainda lioje
o em baraço com m um que tem os Índios, assim pelo que p er­
tence á d o u trin a, como pelo que diz respeito ao bem de suas
consciências; p o rq u e os m eninos e m eninas ate a idade de
treze annos a repetem todos os dias na Igreja dem an h ã ecle
tard e. Dos treze em diante entrão aquelles ao serviço de
E l-rei, e m o rad o res, conform e o regim ento das m issões, e
precisam ente se esquecem de tu d o ; porque apenas tem
quem lh e sle m b re o serviço que lião de fazer. Os adultos, pelo
m esm o regim ento são privilegiados a não sahirem das aldeias
antes de dous annos, que hc o que se lbes concede para
aprenderem a d o u tr in a ; porém succede ou que os tirão
antes do tem po, quando ha falta de ín d io s, ou, se os nao
tirão , são de ord in ario tão ru d e s, que apenas nos clous an­
nos se sabem b en zer com o P ad re Nosso e Ave M aria; e de­
pois que andão p o r fóra, se os m ais d estro s nella se es­
quecem , que farão estas estatu a s anim adas, a quem com
p ro p ried ad e se podia acom m odar, o rudis, mdigcslaquc
TUOllcS.
0 nosso P adre M atheus Delgado em M ortigúracolhia m aior
fructo, porque havia m ais tem po para a cultura, p o r sei por
então a dita aldeia da adm inistração privativa e serviço dos
P ad res, que como cuidavão prim eiro no espiritual, e o tem
noral ia regulado conform e as leis divinas, havia tem po
p ara tu d o ; po rq u e p ara tu d o havia ordem , distribuição e
providencia. Visitava com tudo a aldeia dos T upm am bas de
cima, e a do F austino, em que não achava pouco que tra ­
balh ar seu g ran d e zelo, com particularidade nesta ultim a, que
e ra da adm inistração e serviço do Reverendo Vigário da
Matriz, o P ad re Manoel Teixeira, porque lem brado ja da sua
obrigação, e reduzido a m elhor vida, convertido o desam or
em caridade, tinha pedido ao S uperior da m issão, m andasse
cuidar do espiritual da dita aldeia, o que o P ad re agora
fazia p o r m andado do P ad re Vieira. Succedeu que o feitor da
,..k (IUC era h u m B althazar Dodoes, p a r a coiniiiudi-

% f e° n j r í ^ s f t o r £
podesse estar com o em s rn ^ a s a com Mo
giosidade; porem sábeudo m sto 1 cd o ^ do P a d re ,
Z Z X 'o os ludios, p o r t—
cham ando o M issionário para a adm im straç.ao dos Sacia
m Vstós erão os grandes bem feitores, a quem então s e r -
-l 'slcs e ^ n.„ n,.n Piies davão aos operarios daquella
víam os, c a paga que c im pedir-lh 0S a colheita do trigo
vinha, q u eim ar-lh esa casa, e im poa desem penhavão
para o celeiro do àenhoi da sea a. ssn i e d£, sfJU
„s valerosos; cinco ta m p e u ^ . ^ ^ Tencendo
com m andante a pc firm , g dovorando trabalhos, m as
U le is ’ da rasão as do in teresse e
am bição. fim m e n te r ,11v: H n;„ uo
na uapitania rln Pi cua
ará se tra b a -

,1 - a t ? f ^ r n ° a C f e t S » “ e“ C a
vmcia in te iia , — e fal v irtude e constância dos su b -
KuM sM oM bedecer. Ditosos turns e outros, pelo que a todos
S t o u de gloria em tão santos ex e rc id o s, e copiosos
fructos.
INTENTA. 0 P A D R E AN TO N I O V I E I R A E N T R A R P E L O IMO 1)0
A M A Z O N A S , MA S NÃO 0 C O N S E G U E ; OEFERECEM -LIIE A
E N T R A D A 1)0 RIO T O C A N T I N S , Q U E ACEITA. DÁ-SE
N O T IC IA D O DITO RIO, E D O QUE R E S U L T O U D E ST A VIAGEM.

M ínim as vezes tem os significado os grandes, desejos em


que ard ia o fervoroso espirito do P adre Vieira para d ar p rin ­
cipio á conquista espiritual do grande rio das Amazonas,
cuias m argens se dizia estarem povoadas de in tm m en v eis
o-entios, em que não podião deixar de fazer hunpgrande lanço
as red es do pescador, sendo lançadas, e estendidas por hum
tão sabio m estre, como o P ad re Vieira. E sta noticia c es­
perança da colheita o tinha feito p ô r nas reacs m aos de sens
Soberanos os honorificos cargos e estim ação, que recebia
defies, não já como reis, m as como pais.
Com esta m esm a a n d a se expedio doM aranhao no prim eiro
an n o hmo da sua ch eg ad a; e com o m esm o desvcllo procurava
agora esta en trad a das A m azonas, que queria fazer cm pes­
soa, e p ara a executar só esperava que o C apitao-m or Co
v ern ad o r lhe abrisse esta grande p o rta, que o sou zelo mais
que o u tro algum interesse p retendia ab rir. Havida prim eiro
licença do governo, e ajuda de custo para a jornada, instou
com oC apitão-m ór, m ostrando-lhe as ordens que tinha de ona
M agestade para fu n d ar casa no G urupa, de donde^se podesse
cuidar da conversão de tantas e tão diversas nações ; porem
elle, que levava diversos in tentos que os do P ad re vieira,
sabendo p o r experiencia que aquelle fam oso rio, assim como
era o m ais caudaloso em aguas, o era tam bém das conve­
niências, e interesse das suas drogas, não sendo so as do
cacáo e cravo as que naquelle E stado despertavao m ais os
incentivos da cobica, senão tam bém , o que m ais quo tu d o
entre elles valia, e era o negocio m ais im portante c de m aior
lucro a m uita canella, d e q u e abundavão todas aqiiellas
m a rg e n s; p orque as canellas dos índios corrião c discorriao
já pela m elhor d roga cio se rtã o .
Como ora dissim ulado, e estaria ja talvez advertido dos
;7
m —
dropiiistas deste negocio, reeeiou que as p o rtas, que ag o ra
se abrissem aos M issionários cia Com panhia p ara aquella co
qoista, se fechassem , com o era factível, aq on' 3 f ™ s
m oradores, e q u e a canella,fazenda cie contrabando por s e r
contra as leis reaes, não co rresse tao livre p o r aquehe » ,
o mais apto para este com m ercio, e que “ 2 “ da
poderia to p a r com os m alsm s e vigias do f 1tr™ on, “
Igreja, que era uifalhvel haviao d e d a r conta * ^ j.,A is.
tade de sem elhantes enco n tro s, que o seu zelo nao sa b iad is
sim ular ; e o P adre V ieira, que era agora o que pi etendia a
entrada seria como testem u nha de vista, o que m elhor o
afeiasse, e o que pozesse os contrabandos n a jP re s® ^g
seu Rei do cujo zelo e vigilância era m falhvel resu ltasse m
despachos pouco conform es, p or não dizer totalm ente d estru c­
tivos, dos com m uns e p articu lares m teressees do E stado.
Bem discorria o C ap itão -m ó r: pois nao era crivei que os
P ad res, ao m esm o tem po que os descião, etirav ao dos m atos
para viverem livres, ecom o christãos nas suas aldeias, con­
sentissem que os brancos os am arrassem como escravos, e
como taes os vendessem aos m oradores. Pelo que, nao q u e ­
rendo o G overnador, que era destro, u sa r de o u tras arm as
que das m esm as com que era acom m ettido, convidou ao p a a re
Vieira com hum a g ran d e seára, com que parece íicaria sa ­
tisfeito o seu grande z e lo ; e vinha a ser a entrada do n o
Tocantins, e in q u e não faltavão nações a que acudir com a
luz do Evangelho. Da franqueza deste o ferecim en to , cousa
tão nova naqueiles tem pos, em que o m esm o era fallar em
I descim entos, sem haver escravos, que nao haver descim entos,
por haver m uitas e m uitas difficuldades que vencer, e n tre
as quaes a m aior era não q u e re r quem p o d ia; p o rq u e nao
fazia boa conta a quem m andava.
Bem entenderia logo o P ad re Vieira, que^ o convite, p o r
tão repentino e liberal, tinha m ysterio, e não se enganava,
p o rq u e com elle divertia aquella entrada das A m azonas, de
que os interessados não gostavão, e jim tam ente evitava
novos gastos, ten d o -o s feito prim eiro para o rio Tocantins
e estando já tudo p rep arad o ao tem po que chegou do P ara
o P ad re Vieira, que não ha duvida deixou o negocio m al
assom brado, ainda que se não p erd erão de todo as esperanças
pela grande confiança, que se fazia do cabo da expedição,
G aspar Cardoso, tão grande sertan ejo , como official de te r­
reiro, que peia loja ab erta, que tinha no P ará, de ju stiça se
lhe devia d ar o nom e de m e stre no seu officio de te rre iro .
— m —
Acceitou com tudoo P adre Vieira de boa vontade a viagem,
reservando p a ra melhor oecasiãoo primeiro intento p orque
desta pretendia fazer degráo para a outra conquista, que
como maior, necessitava também de maiores experiências,
e m uito mais porque sabia haver pelo rio Tocantins muita
gente de lingua geral, que a maior parte crão Tnpinr.mbás,
mierreiros por natureza, ladinos, c que se não dcixavâo
cahir tão facilmente nos laços do captiveiro, e cm hum a
palavra, nação era esta a que os nossos antigos forão
se m p re ' com especialidade inclinados: pois be sem duvida
que participão muito pouco da barbaridade das mais nações.
Ajustada pois a viagem, mais_ por vontade de quem
a aceitava, que de quem offcrecia, se determinou a p a r ­
tida para o dia de Santa Luzia. O que com effeito se exe­
cutou, levando o Padre Superior Antonio Vieira em sua com­
panhia aos Padres Francisco Velloso c Manoel de Souza, a que
depois se ajuntou o grande mestre de lingua, o Padre Anto­
nio Ribeiro. Mas porque esta celebre Missão a tenho relatada
em hum a carta original do mesmo P adre Vieira ao seu P ro ­
vincial do Brazil, não obstante tê-la elie tocado em outra,
como se vê no tomo primeiro das suas cartas, quero te r o
gosto de a copiar aos leitores, que entendo se não hao de
d esag rad ar da pilhéria, e miudeza do autor, embora me fique
o sentimento de a não poder dar toda, p o r lhe faltar o íim,
já gasto pelo tempo, que tudo coe. .
« Muito Reverendo P adre Provincial Francisco Gonçalves,
p. C. (Paz em Christo.) Aos 5 de Outubro de 1653 cheguei
a esta Capitania do Pará, e depois da boa vinda me con­
vidou o Capitão-mór Ignacio do Rego Barreto para h u m a
missão do rio Tocantins, aonde elle e j a outros antes
delle Pinhão mandado alguns índios principaes das nossas
aldeias a persuadir outros do sertão a pratica'-los, como ca
dizem, p a ra que quizessem descer c viver entre nos. Acei­
tei o offerecimento pela grande fama que em todo este Ls-
tado ha do rio Tocantins, assim na multidão de gente, quasi
toda lingua geral, como em outras muitas commodidaües
nara uma gloriosa missão. E posto que o intento com que
sahimos do Maranhão foi a passar logo ao Gurupa e entrar
nelo rio das Amazonas, a todos nós pareceu que tendo esta
entrada os fundamentos que a fórma do Governador p r o -
mettia a não largássemos; porque delia, se Deos nos favo­
recesse, podiamos lançar os mais firmes alicerces de nosso»
in ten los que são fazer g ran d e num ero de ch ristão s da
nossa do u trin a e independentes de todo o u tro governo para
com edes p en etrarm o s os sertões e levarm os a Chiisto
por toda esta im m ensidade de te rras e m ares, que sem
esto prim eiro fundam ento será im possível.
« Em 2d de N ovem bro chegou hum dos em baixadores com
h um P rincipal e h u m seu filho, e alguns o u tro s Índios do
sertão com nova de que nove aldeias esiavao aoaladas,
já á b eira do rio p ara descer, e que no sertão ficava o ou­
tra s q u atro, as quaes não q u en a o vir nem d m . suas
te rra s. Passarão estes índios novos por um a Capitania
deste Estado, cujo Capitão-m or os acom panhou com hurna
carta em que aconselhava ao G overnador que aquellas
quatro aldeias rebeldes se lhes fosse logo
« uo além do serviço que nisso se fazia a Sua M agestade.
seria com aran d e utilidade do povo, que p or esta via te n a
escravos com que se servir. De m aneira que ao nao que­
rerem deixar suas te rra s h u n s hom ens que nao sao nossos
vassallos se cham a por cá retoellião, e este crim e se avalia
por diooo de ser castigado com g u erra e captiveiros, para
que se'veja a justiça com que neste paiz se resolvem sem e-
lliantes em prezas e com serem as causas tao justificadas
como isto. Houve logo nm prelado de certa religião que
sem lhe pedirem conselho o deu ao G overnador e ao Vi-
gario-G eral, para que a dita g u e rra se fizesse. No m esm o
dia em que chegarão os índios novos os m andou o Capitao-
m ór que nos viessem ver. Nós os festejam os e brindam os,
o posto que estran h arão a ag u ard en te, que lie o vinho de
ca ii na que cá se usa, elíes nos prom ettêrão corn m uita
graça que se Irino acostum ando, e nós o ciem os.
((O G overnador despachou logo ordens a todas as aldeias
para que aprestassem as m ais canoas e m antim entos que
fosse possível, e que até 10 de D ezem bro estivessem ju n ­
tas no porto da cidade, p o rq u e até dia de Santa Luzia _de-
term ioava que partissem , como com effeito se fez. L u a visei
tam bém aos P ad res Francisco Yelloso e Manoel de Souza,
que andavão nas aldeias de baixo, se fizessem prestes e
viessem nas canoas daquellas aldeias, e porque^ o P ad ie
Antonio R ibeiro andava doutrinando as do G am ntá, que he
na boca do rio Tocantins, o tinha tom ado larg a infoiinação
da gente delle e m e tinha escripto que desejava não só ir a
esta em preza, m as ficar lá en tre aquellas gentilidades, eu
lhe escrevi que estava do mesmo parecer, em caso que
achássemos as cousas como se nos referião, c que ou viesse
logo a aprestar-se com o Padre Gaspar Fragoso, sou com­
panheiro, ou me avisasse do que lhe parecesse necessário,
assim para ir como para hear, porque lhe levaria tudo o
m elhor aviado que pudesse. Com este aviso se despedio
logo uma canòa expressa, mas nao tornou, nem tive res­
posta dos Padres até a minha partida.
<( Emquanto estas cousas se dispnnhao, foi o Governador
descobrindo os seus intentos que tinha nesta jornada, que
erão totalmente oppostos aos n o s s o s ; porque pretendia t r a ­
zer os índios a si, e com pretexto de nao haver m anti­
mento reparti-los por casas dos Poríuguezes, que era o
mesmo que captiva-los c vendê-los, e da mesma sorte tinha
promettido muitos a differentes religiões, e para oomnosco
era ainda mais liberal nas promessas, dizendo que daqui
podíamos levar para a nossa aldeia de Mortigura (que he
a que nos deu por força da Provisão de Pl-rei) Iodos os
quo quizessemos, e que tam bém nos daria mais com que
accrescentur a nossa aldeia do M a ra n h ã o ; entendendo que
esta melhoria com que nos queria interessar na jornada nos
taparia os olhos para que não reparássemos nos inconve­
nientes delia.
« Descoberto este pensamento desejei muito consulta-lo
c o m todos os Padres, mas não estavamos então mais
que o Padre Souto-Maior e eu; encommendamo-lo a Dcos,
e resolvemos em tres cousas: primeira, que em ne­
n h u m caso aceitássemos nem u m so Índio para alguma das
nossas aldeias, nem daqui nem do Maranhao, porque nunca
se pudesse dizer que tiravamos os índios aos outros e os
tomavamos para nós; segunda, que no caso que os índios
se houvessem de repartir ou de espedaçar, na fúrma que
o Governador dizia, que não levássemos a jornada á nossa
conta • porque não era bem que promettessemos aos índios
o que se lhe não havia de g u ard ar, e muito menos nesta
primeira entrada, que era a que havia de acreditar ou des
acreditar a nossa v e r d a d e ; terceira, que em qualquer caso
era bem que fossemos a esta missão, principalmente porque
e m semelhantes mudanças sempre morrião muitas pessoas
a cujas almas era bem que acudíssemos, e juntamente por
não perdermos a posse deste rio, que tínhamos po r uma
grande importância para nossos santos intentos.
r f n m esta resolução nos fomos no G overnador, e em p ie -
do v a O-Geral lhe dissem os sobre e lh com m uita

defendesscinos, c p m o» lugares que ossem


riorinc a isto se nom earao duns aldeias junto n . j
h t T visinhV d nossa aldeia de M o rü g n n
do rio Tocantins, pela com m od.dade “ “ ' fsta s aldeias
com os P adres que ficarem no sertão; e PJ1“ “ A m non-
haver prevenção de casas e m antim entos, que W r
co tem po, 0 G overnador d an a índios que ■
sem neste trabalho, e eu nom earia um ta c h e ,1te mq e
intendesse a elle e visitasse entretanto Iodas estas aW ™
« Capitulado assim sobre esta prim eira ba tal ha, se dcsco
kpí 0 o0 outro c]ja a segunda, de que ja tínham os al6um a
noticia, e foi que os Religiosos de Santo ^
que esta m issão fosse com mum de dons, e Q «enao r a cüa
junta meu te comnosco, allegando que enes forao im ^ .
que vierão ao P ará, e q u eE l-rei os m andara tam bém a e s ta s
m issões. O Governador foi o que nos veio com esta pro
posta, 0 qual lhes tinha prom ettido a jornada m as eu U e
respondi que me parecia m uito justo e que me e d if im a
m uito 0 zelo que aqnelles religiosos Unhao demi\ as m iss ,
e que o campo era tão largo que podíam os todos tra b a lh a r
n a s c á r a sem nunca se encontrarem os arados. Que esta
empreza dos Tocantins havia m uitos dias que estív a p o r
nossa conta, c que irm os juntos á mesm a m issa *■ 1
inaudita e im praticável; porque nem era ju sm que os m
dres de Santo Antonio fossem á nossa ordem , nem nos m io
á sua poderíam os obrar com a liberdade que convinha, e
irem differentes cabeças seria dar occasião a discordias, qu
são as que p ertu rb ão toclos os bons effertos, e m ais havendo
de tra ta r com gente tão suspeitosa e tao varia como os
índios barbaros que iamos b u sc ar: quanto m a.s que eni
os Padres de Santo Antonio não havia hum que soubesse a
lingua da terra, com que vinha totalm ente a sei m u _
sua jornada, que depois que aprendessem a hngua então
])oderião fazer m uitas entradas c em pregar seu zc
sertõ es, e se o quizessern desde logo fazer, que nos lhe nao
tapavam os os rios, antes os serviríam os e ajudaríam os
quando em nós fosse possível.
« E stas sós razões dei ao G overnador, porque sabia que as
havia de com m unicar aos ditos R eligiosos; mas a m aior de
todas era que indo ellcs comnosco liaviao de tiazei Índios,
e todos os que trouxessem os liaviao de rep aitii couisigo e
com os seus devotos, que lie o que E l-rei nao qviciia, c o
to tal inconveniente que se pretende atalhar. Consta-nos
tan to ser este o intento daquellcs Religiosos, que tenho em
m eu poder o capitulo authentico de um a carta de crença que
o seu Reverendissim o Custodio trouxe ao G overnador m an­
dada peio C apitão-m ór acima dito, em que cl 1e se oiferecia
a pagar os gastos dos índios que os Padres de turn to An­
tonio trouxessem para o seu convento e para o enge­
nho delle; m as para que nos não cansem os com mais provas,
ao dia seguinte no-la trouxe o m esm o Governador, dizendo
que já tinha ajustada a dem anda dos Padres de Santo An
torno, e que se contentavão que fosse a sua canoa e viesse
carreg ad a de índios. P erguntei-lhe se ia tam bém a dos Re­
ligiosos do Carmo e a dos Religiosos das Merces c se fos­
sem essas tres porque não irião a dos m o ra d o re s. Ano
teve que responder, e acab o u -se a questão. .
« Desta m aneira ficámos desem baraçados da com panhia
destes Religiosos, que posto que de P ortugal ate ao M ara­
nhão e do Maranhão até aqui no-la hzcrao m uito santa e
boa, e nos edificarão m uito, sendo agora tao d ife re n te s
os seus in tentos nesta p arte, nos servinão de grande im
pedim ento e estorvo. Sós partirem os e sobre nos sos ca-
hiráõ as m urm urações, e ainda as pragas de todos, que como
vivião d estas entradas e dos escravos que nellas se laziao,
quantos índios ganharm os para Christo tantos imaginao
que lh ’os roubam os a elles. , . no p ,
1 (t Yeio emfim a vespera de Santa Luzia, e chegarao os 1 a
dres Francisco Velloso e Manoel de Souza as quatro horas a
tard e com quatorze canoas; e porque o Governador queria
que logo pela m anhã partissem , e nos paieceu que nao
estavão aviadas as cousas para tanta pressa..fom os; todos a
sua casa e lhe disse que eu nao queria sei como al? uns
generaes da nossa te rra , que têm a arm ada em Pelem e
não sabem o que levão nella. Que antes do partirm os -
viamos de saber o num ero de canoas, de Índios, dc ía n
I rip fp rn m e n ta s e de tudo o m ais pertencente á jo r-
’ t / n o T n o o hoove p o r enU o lu g ar para mau>, que
1 u c nnp fo rm la r°as e ficamos em que pela m a-
& todos a aju star tudo. Fom os em am anhecendo
o acham os o G overnador occupado com o regim ento que

eopiGr °ú
antes de se^ copiai
op T á o W s
ag ^ e n s cle E l-rei, e contra
n m7ea tiní am os assentado. Km sum m a, tinha-se assentado
? L n ins viessem para quatro aldeias à nossa d isp o si-
e í o e elle no regim ento nom eava oito aldeias, e a disposi
r Í o toda a d a « ao capitão da jo rn ad a, com o se nos nao
íoram os nèlla, e só para o rol q n e s e havia fazer dos índios
nn<í nnm cava m andando que o íizessem os. .
« Rpm nuízera elle que nós por esta oeeasiao abríssem os
n r o ( h em m a , e nos lançou um a prancha bem larga para
q ô e s t b b s n U d elia; m as ca não fiz « e P U « r peU
n rdem tie El-rei. que parece a dictou o E spirito banto so
m r i este caso. M ostrei-lhe como as m issões nao erao cousa
nc lh e estivesse eueom m endada a elle, senão a m im e q u e
^ n u e ;» elle tocava era só dar-m e canoas, índios e todo o
m ais nue eu pedisse, nem eu queria o u tra cousa. Disse
r Z não entendia assim a ordem de E l-rei, p o rq u e se^se
houvesse de entender assim , e ra tirar-lhe o bastão da m ao.
Fiz-lhe hum requerim ento que m e désse cum prim ento a e . ,
e sahi-m e tendo por certo qne havia o b rar m ais com elle
este escrupulo qu e toda outra ra z ã o ;, e p o rq u e nao per
dessem os a posse da jo rn ada, m andam os logo to m ar tres
“ levar p ara ellas as nossas redes e h u n s panem os
tie farinha (que assim se cham ão ca) e algum as ferram entas
e resgates que podem os aju n ta r; porqueMendo VromeiUo o
Governador que os d aria tam bém se a n e p e n d e _
m essa, dizendo que elle os daria aos Índios quando vies
" Z já estavam os p ara sah ir de casa quando chega o Yi-
eario-G eral com um a ordem nova do G overnador, p o r
escripto em que m andava que sem em bargo do regim ento
que tinha dado ao capitão e cabo cia expedição se seguisse
em tudo o m elhor conselho e ordem do P a d re Antonio
Vieira, pela confiança que fazia da sua pessoa,_ etc. d e s ­
pondi ao Vigario-Gcral que nós nao íam os as m issões p o r
Grelem do G apitão-m ór, nem pelas confianças que lazm
I

í ;>5

do nós, senão polos poderes que nos dava E l-rei para isso,
o qual ordenava a eüe não que nos m andasse, senão que
nos désse tudo o que lhe pedíssem os. Que a em enda do
regim ento para v ir em fôrm a havia de dizer que na direcção
da jornada e no tocante de trazer, ou deixar, ou pôr os
índios em qualq u er parte que quizessem os, seguisse o ca­
pitão o que lhe dissessem os P adres pelo m andar assim Sua
M agestade. E p ersisti tanto neste em penho, porque como
esta m issão he a prim eira, e a que ha de servir de exem ­
plo ás dem ais, convém m uito que se não perca nada de
jurisdicção, e qu e os G overnadores nao m andem sobre nos
na disposição dos índios, porque seria o m esm o que capti-
va-los por nosso m eio com m aior deform idade que ate
ao-ora, e im pedir-se totalm ente a conversão dos Gentios.
° « P artio o V igario-G eral com a resposta, e juntam ente nos
p ara as canoas, m as antes de chegarm os a ellas me trouxe
o m esm o o u tra te rc eira ordem na ultim a forma, que eu lhe
tinha dito, e o C apitão-m ór accrescentou de boca ao cabo
que em tudo servisse e obedecesse aos Padres m uito m ais
que á sua pessoa; com que nos despedim os. P artim os final-
m ente em dia de Santa Luzia pela hum a hora depois do
m eio-dia, e posto que as dem ais canoas tom árao o cam inho
de dentro, que h e p o r entre os rios, nós com as nossas tres
canoas (porque nos era necessario fallar com o Padre Ma-
th eu s D elgado, que estava na nossa aldeia de M ortigura)
tom am os por fóra, que he hum pedaço de costa de m ar.
« Chegám os a esta já ao sol posto, a distancia era de trcs
léguas, as canoas pequenas, a noite escura, os m ares grossos,
que quebra vão nos baixos cie pedra de que tudo esta cheio,
m as levou-nos Deos a salvam ento. Chegámos as clez horas
da noite, e aqui achám os ao P adre Antonio Ribeiro, que ia
em dem anda cia cidade, conform e o aviso que recebera, e
no m esm o dia tin h a chegado áquelle p o rto com a canoa
alagada. P areceu que clalli voltasse logo com nosco, posto
mie houvesse de ficar o P ad re G aspar Fragoso seu com pa­
nheiro, o qual ficou tão m altratado cio naufragio, que poi
estas e o u tras causas não pôde proseguir viagem . O 1 atire
M atheiis D elgado ficou com ordem cie assistir as tres aldeias,
a une se tin h a assentado viessem os índios cio descim ento,
e fazer toda a diligencia p o r levantar casas c recolher m an­
tim entos com que com eçar a sustentar-se.
«No dia seguinte (14 tie Dezembro) partim os cleM oitiguia
Do
nrm a m aré da tarde os P ad res Antonio Ribeiro, Francisco
Vdtoso Manoel de Souza e eu, cada 1mm ™
crnnpmTios a navegar nor hum mar dc agua aoce. ucr.oiuu
S. noite, e o ^ V h lT ab K eA o
nflccarnos amarrados ás arvores de huma ima, que nus
servirão (le ancoras e amarras, que estas em barcações nao
trazem outras. Chamamos os companheiros mas nem d ie s

fom os A ortm A n n h C a™ ™ ^ aonde


oheizou também pouco depois o capitão com as suas canoas.
p iS “ 1 nos acharem abi, porque, segundo os
,rondes ventos e mares com que tínhamos passado os rios
r p t t e i m ' 1noite d , nossa partida, todos
era im possível atravessarmos a costa de MoiUgunq nci
atrever-nos a tom a-la. Então nos dissejao a giam ^
ridade que tínhamos feito, e nos contarao alguns im üra ios
que alli tinhão succedido, e que aquella costa estava^afa
mada pela mais arriscada de todos estes m a res, c d
nella se perdem poucos escapão por causa dos baixos e
dc pedra. O mesmo nos disserão depois todos os que sou
i.prnn a liora e maré em que tínhamos passacio.
«Demos graças a Deos de nos ter livrado, ei conhecem os que
he tão particular a providencia com que nos faz mimososi que
não só nos livra dos perigos, senão ainda do [ ec^10 de ’
porque verdadeiramente nós passam os aquella costa sem
saber nem temer o perigo que nella havia, que se o sou
bessem os nunca tal temeridade com m etteriam os, mas com o
detendo-nos aquella noite era força que desencontrássem os
ao Padre Antonio Ribeiro, com que a viagem íica\a retar
dada e descomposta, quiz Deos que ella se alagasse e ficasse
na aldeia, e que nós chegássem os a ella, para que tudo se
dispozesse como convinha e não se perdesse m om ento.
«Deixando o Capitão naquelle lugar, porque ainda esperava
por algumas canoas, nós com as nossas no mesmo dia n os
partimos para a aldeia do Camutá, aonde tínhamos que lazer.
He esta aldeia a maior de todas as desta Capitania, e indo eu
em demanda delia já de noite sobreveio tão grande travessia
de vento, que não foi possível tomar terra. A canoa do 1 adre
Francisco e a minha se recolherão em um rio, não m uito
distante, em que passámos a noite. O jejum desta e da p as­
sada foi em todos mais que de A dvento; porque a canoa ao
Padre Manoel de Souza,em que vinha a pobre despensa,sem pre
ficava tão longe do refeitório, que não era de proveito, nem
era necessario tocar á m esa.
« Com a m aiihãa da terça-feira chegám os ao Camilla, onde
achám os já ao P adre Manoel de Souza só, c o P adre An­
tonio Piibeironão apparecia. Chegou dalii a duas horas, tendo
navegado toda a noite. Aqui soubem os ter chegado dons
dias antes hum a canôa do rio Tocantins com alguns índios
novos, dos que iam os b u scar, e que estavao na aldeia de
M orajúba. Logo partim os p ara esta aldeia distante duas
léguas, a tom ar falia com Giles, e nao nos disserao cousa
de novo; só os achám os m enos contentes, do que fora bem
os tivessem satisfeitos, p o rq u e havendo chegado ao sabbado,
logo ao outro dia p o r hospedes os m andarão carreg ar pui-
doba para fazerem um a casa para os tabacos de certa p e r­
sonagem . Eis-aqui o agasalhado, que lhes fazem! eis-aqui o
p o rq u e os m andão buscar! c eis-aqui o porque olles nao
q u erem vir; e porque os P orluguezes, e a fe que prégao,
está tão pouco acreditada nos sertões.
« De M orajúba viem os a fazer noite á casa de Balthazar
F ontes cie Mello, que lie o C apitão-m ór da Capitania do Ca-
m u tá, aonde tinham os ajustado de nos ajuntar todos. P er­
guntei ao nosso Capitão que canoas tinha? que gente? que
abastecim entos? etc., e resp o n d e u -m e que não sabia,
p o rq u e nada lhe fôra en tregue p o r conta, e que al­
gum as canoas não tinhao chegado ainda, poi viiem m al
esquipadas. M ostrei ao C apitão-m ór do Camutá a ordem de
El-Rei, e pedi-lhe que nos désse alguns índios de rem os. R es­
pondeu em publico, que os nao tinha, e tirando-m e a p arte
deu a causa de os não te r, que era estarem todos occu-
paclos cornos canaviaes etab aco s dos dous m aioraes, Secular
e Ecclesiastico. Como a razão era tão poderosa, appellei
p ara Deos, de donde só podia vir o rem edio, assim como
só delle vem o castigo. N enhum G overnador dos que ate
agora vierão ao M aranhão to rn o u para P ortugal, ou logrou
o que ajuntou com o sangue destes m iseráveis, e nao bastão
e ste s exem plos para se acabarem de desenganar os que lhes
succedem .
« Na q u arta feira fomos alo jar na aldeia ultim a, que esta na
boca do rio T ocantins, e as dem ais canoas, até se acabarem
de ajuntar p o r resp e ito das caxoeiras, que ha m uitas neste
rio. Nesta aldeia, com o em todas as outras por onde pas­
sám os. se fe zíh m ln n n aos ín d io s, como era costum e, e affirmo
- v n ^ Reverencia que vi em todas ellas hum a cousa que
m uH cnne consolou, e adm irou, e foi, que não havendo (an es
(sp virmos) cm todas estas aldeias hum so índio, que m u
;L i orações, nem entendesse, ou desse conta do m enor
m vsterio de nossa Santa Fé, depois que os nossos P adres
fzerüo aqui a sua m issão, as deixarão d e tal m aneira en si-
Ji in tim id a s uue sabem todas as oraçoes do Caíhe
„ ” Spòmlem H o d a s as perguntas delle e em todas
.,)j’e ias (icão m estres, que cm ausência dos Parties ensinao
•10S dem ais todos os dias com grande pontualidade e p er
feição Tudo isto se venceu em tão pouco tem po a pura força,
não cessando os P ad res de pela m anhaa ate a noite, ja em
com m m unpi em p a rtic u la r; e luctando juntam ente com os
° “ “ dos tabacos, que todas as boras que os P ad res occu-
pavão na doutrina tinirão por perdidas, e lhes faziao tan ta
instancia para os lançarem cias aldeias, que so faltava lan­
çarem -nos delias ás punhadas. Tanto cega o interesse, tanto
soffre Deos, e tanto be bem se soffra p o r am or delle.
(( Fm flm checarão as canôas, que com duas que vao diante,
o m ln X w hão de ir depois, fazem todas o num ero
de vinte. Ouando o Capitão-m ór trato u ao principio desta jo r­
nada me disse por m uitas vezes, que liaviao de i r i ella
setenta canoas, e com eííeito no dia an tes da partida se a]un-
S perto de q u aren ta, não entrando em conta as que p o -
derião ir das aldeias do C am utá; m as como yio que se lhe
im pedirão os intentos, divertio p arte d as canoas e da gente
para outros que lhe im portavão m ais. Iao n estas dezaseis
canoas hum Capitão com oito officiaes reform ados portu
.ruezes duzentos índios de rem o e a rc o , quarenta cavalleiros,
e de pente de serviço atésessen ta, que fazem por todos m ais
de trezentas pessoas. E porque não faça duvida o nom e de
c a v a l l e i r o s , he de sab er que entre os índios d estas p a ite s
b e costum e de se arm arem alguns cavalleiros, e isto com
(irandes cerim onias a seu uso. D estes se cham ão tam bém
cavalleiros os que, p o r nascim ento ou p o r officios, são com o
a cmnte n o b re, e estes nem rem ão, nem servem aos P o rtu
(ruezes, e só osacom panhão na g u erra, e defies se escolhem
os que lião de m an d ar aos d em ais; e assim como esta dig
niclade se dá no sertão aos que fazem grandes façanhas,
assim a dão cá os Capitães-m óres aos que mais se assignalao
nos seus tabacos. . . •
cr Com esta frota partim os pelo rio Tocantins, aprovei
ta n d o -n o s da enchente da m aré, que só até aqui nos acom ­
panhou, prom ettendo-nos muita felicidade na jornada, por
se r em dia de Nossa Senhora da Expectação, a d8 de Dezem­
b ro . A’ meia noite fizemos pâbóca, que lie a írase, com que
cá se cham a o p artir corrom pendo a palavra da terra, e nos
dias seguintes passám os as praias da viraçao. Parecera se
cham ão assim por co rrer nellas vento fresco, mas a razao
p o r que os Portuguezes lhe derão este nom e, he a que direi
a Vossa R everencia. Nos mezes de O utubro e Novembro,
sabem do m ar e do rio do Pará grande quantidade de ta r­
ta ru g a s, que vem criar nos areaes de algum as ilhas, que
pelo m eio deste Tocantins estão lançadas. O modo da criaçao
he en terrarem os ovos, que cada hum a põe em num ero de
80 até 100, e cobertos com a mesma areia os deixa o ao sol
e á natureza, a qual sem outra assistência ou beneficio da
m ãi, os cria em espaço pouco mais ou m enos de hum mez.
D estas covas sabem para as ondas do m ar por instincto da
m esm a natureza, a qual tam bém os ensina a sahir de noite,
e não de dia pela g u erra, que lhe fazem as aves de rapina,
p orque toda a que antes de am anhecer nao alcançou o n o
a levarão nas u nhas. Sabem estas tartaru g u in h as tam anhas
como hum caranguejo pequeno, mas nem esta mnocencia lhe
p erdoarão os nossos índios, com endo e fazendo m atalotagem ,
p o rq u e são delicia, e havia infinidade delias. Os Portuguezes
as m andão b u scar aqui, e as tem por com er regalado, e a
m esm a inform ação nos deu tam bém o P adre Manoel de Souza,
o qual está já tão grande pratico, que sondo todos os outros,
que aqui viemos m azom bos, elle lie o que menos estranha
esta tlifferença de m anjar.
« A estas m esm as praias vem no seu tem po quasi todo o
P ará a fazer a pesca das tartaru g as, que cada hum a ordina­
riam ente pesa m ais de hum a a r r o b a ; e assim as tem em
cu rraes ou viveiros, onde entra a m aré, e as sus ten tão, sem
lhe darem de com er, salvo algum as folhas de aninga, arbusto
que nasce pela borda dos rios, sustentando-se deltas quatro
e seis mezes. A carne he como a de carneiro, e se lazem
delia os m esm os guizados, que mais parecem de carne, que
pescado. Os ovos são como os cie gallinha, na cor, e quasi
no sabor, a casca m ais branca, e de figura differente, p o rq u e
são redondos, e defies bem m achucados se fazem em tachos
as bellas m anteigas do P a rá ; e o modo com que se laz esta
pesca req u er m ais noticia, que industria, pela m uita cauteia
„ rescien d a das tartarugas. Quando vem a desem -
L r n r nestas praias trazem diante duas, como seotineltas,
ne vom a espiar com muita p au sa; logo depots destas com
' ,....... «pm oito ou dez, como descobridores do campo,
e°depois deílas em maior distou.na vem tod,m r f o t e

1’nni A llas’ a sse n ta is, e todas se som em em hum m om ento;


nnr isso os une vem á pesca se escondem todos detraz dos
m atos’, e esperão de emboscada com grande qmetaçao e si-
'“ fsa h e m pois as duas primeiras esiúas passeião de a lto ^
i-»nivn ‘i nraia e como estas achao o tampo livre, sanem
m X m as d^vansm anla, e fazem muito de vagar a mesma
vioia e como dão a campanha por seguia entrao a agua t
X , e T p o is delias s a l toda a multidão do exercito com
os escudos ás costas, e começao a cobi as praias e. a
correr em grande tropel para o “ ãis alto dedas. Applica
cada huma a fazer sua cova, e quando )a ao sahem ma ,
e estão entretidas, humas uo trabalho, »"tra^ ja na dm
daquclla oceupação, rebentão enUto 0b
cada tomao a parte da praia e rem etttndo as tartarugas,
não fazem m a is‘que ir virando e deixan do; porque em e s -
laudo viradas de costas, nao se podem mais buiu, e por isso
estas praias, c estas tartarugas se chamao de vir^Ç •
«Ha difíerenca de outros m odos de pescaria,com que se toma
ou lmma ou outra especie delias, porque atqra estas tarta­
rugas do mar, que são inferiores, a que os índios chamao
d elir a rã o , e de ordinario magras, ha outras ciiadab un
hums, e mortas com arpões nas pontas das nexas, e esta
são as mais singulares, como também outra especie, que
sempre vive em terra, que em as Índias de Casmlla se chain ^
Icotèas, e aqui Jabotys, que he sustento muito geral em todas
estas partes; e forão os que nesta jornada nos matarao
muitas vezes a fome. Nascem estes jabotys, e vivem sempre
na terra, sem nunca entrarem no mar, nem nos rios, e com
tudo estão julgados por peixe, e como taes se com em nos
dias em que se prohibe a carne, por se ter averiguado que
tem o sangue frio. Sustentão-se muitos dias, e m uitos sem
outro mantimento que o dos proprios fígados, que sao graimes
e muito saborosos, e nos dias em que estes se consom em ,
morrem também elles. São comer muito sadio, nao so } f-
os sãos, mas lambem para os enferm os; e verdadeiramotile
quern os comer sem memoria do que parecem , nao só
podem servir para a necessidade, senão para o gosto.
« Na manhã do outro dia, que foi o de S. Thomé, nos rece­
berão os matos com alvorada de passarinhos, cousa nova, e
que até aqui não experimentámos, antes Unhamos notado
quasi não haver passnros do mato no Para, havendo infinitas
aves maritimas, e dc muito alegres cores em todos seus rios.
A razão natural desta difference nos pareceu ser, não só a
do sitio, senão a do clima, porque depois que partimos do
Camutá, fomos sem pre inclinando para o sul, e estes tres dias
ultimos direitos a elle, com que nos fizemos hoje quasi em
dous grãos para cá da linha ; e como o Pará está quasi de­
baixo della, a moderação, com que aqui vem já inclinada a
intemperança do equinocial, ciará mais lugar á criaçao e con­
servação das aves terrestres, principalmentc das menores.
Muito desejámos trazer astrolábio para notar com certeza as
alturas deste r io ; mas com o a este porto vem tao raros
navios, e lie m ais rara ainda a curiosidade, nao o achámos.
Governámos a esm o pelo sol, e este basta com conhecimento
dos ventos para saber a que rumo, pouco mais ou menos
navegamos. Ficaráõ as averiguações mais exactas para os que
depois de nós vierem , que esperamos não seja muito depois.
O argumento infallivel de estarm os desviados da linha, he
que nos prim eiros dous dias nos alcançárao as tiovoadas,
que no Pará, por estar debaixo delia, são quotidianas, e cie
então até hoje nunca mais ouvimos trovejar, nem vimos chu­
veiro ; e esta póde ser também a razão cie já aqui haver
mais aves destas pequenas, pois mostra a experiência quanto
mal faz o abalo dos trovões á criação de outras maiores
antes cie crescerem . . . ,
«4 tarde deste mesmo dia de S. Thome tivemos festejada
com touros de agua, que vimos de palanque, porque estan­
do nós alojados em hum assento sobre o rio á sombra de
arvores com as canoas abicadas em terra, vierão dons cro­
codilos (que aqui chamão jacarés) a rondar-no-las por tora.
Não provárão nelles os índios as suas frechas,_ porque ja
sabem que as conchas de que estão armados são impene­
tráveis a ellas, sendo que as frechas de canna, a que chamao
taauáras, não ha saia de malha tão forte nem tao dobrada
eme lhes resista, e se são tiradas de boa mão passão uma
porta de madeira rija de parte a parte. Os nossos soldados
i l i i ...
em nrcmrão nelles as soas espingardas, mas com o
• is n c e r t à d o effeilo que se pudera imaginar, porque a hum
metteríio ties balas na cabeça, e posto que a cada tiro mos-
Ía r to sentir o golpe, saltando e mergulhando a baixo
ornàvão loco a sahir a cima e a nadar como antes tao
alheios ele fugir nem temer, que antes b n sc ^ a o o kig

“ “ s W s fc s c
assyss r -
e iustos, que o braço ou perna que. alcançarao de um b o-
CTClo a cortão cercea, e o m esm o fazem aos remos
andão assanhados. Huma cousa nos affirmão aqui pessoas
praticas (sobre o que eu suspendo o m eu assenso) e he que
| " o ) o d i l o s que se crião de ovos, como as aves e: r-
taru^as o modo com que os chocao he pelos olhos. I azc
S o i b o r d a da a gia e ás vezes em parte aonde a agua
lhes chega e os cobre, e logo o crocodilo esta desde o n o
com os olhos fitos nos ovos, e perseverao assim os dias
necessarios sem se divertirem mais que por-breve tem po a
comer, como as aves. Desta maneira os fomentao com a
vista, e lhes communicão aquelle calor vital com Que
animão. Padece isto as mesmas dificuldades da víbora con­
ceber pelos ouvidos e do bazilisco matar com os olhos. »
CONTINUA A CARTA BO P A D R E ANTONIO VIEIRA ÀS MESMAS
NOTICIAS DO R IO E MISSÃO DO TOCANTINS.

((O dia depois de S. Tliomé gastámos cm espalm ar e cala­


fetar as canoas, e acabar do prevenir cordas para passar as
cachoeiras, em quo daqui por diante havemos de e n lia i.
E não cause estranheza o calafetar das canoas, porque posto
que aqui se fazem de um só páo, como no Brazil, sao porem
abertas pela pròa e pela popa, e accrescenladas pela borda
com falcas para ficarem mais altas c possantes, e assim as
costuras destas, como os escudos ou rodellas com que se
fechão a pròa e popa necessitão de calafeto.
«Os armazéns de que se tirão todos estes aprestos sao os que
a natureza tem promptos em qualquer parte deste>rio aondeise
aporta, (o m esm o h e nos mais) que he cousa verdadeiiam en e
Pi ona de dar graças á Providencia do Divino Creador, porque
indo nesta jornada trezentas pessoas (lie o mesmo como se to-
rão tres mil) em embarcações calafetadas, breadas, toldadas,
velejadas e não providas de abastecimentos mais quo horna
pouca de farinha; eem q u alqu er parte que chegamos
m os prevenido de tudo a pouco trabalho. A Ç . '
de cascas d e arvores, sem mais industria que despi-las
D estas mesmas ou outras semelhantes fazem lc\ \
cordas muito fortes e bem torcidas c e o c h a te , í f
carretilhas, nem outro algum artificio. Os toldos se la e
de vim es, que cá chamão timbostitica, e certas folhas ar„as
a que chamão uby, tão tecidos e tapados que nao ha n e­
nhuns que melhor reparem do sol nem de endao da chuva
por mais grossa c continuada, o sao tao leves [ P
peso fazem á embarcação. m„ nf!p ftmn_
« 0 breusahe da resina das arvores, cie que har^ian!;® 5 ua
tidade nestas partes, e se breão com elle nao so as «ano
não os navios de alto bordo quando erenao, tao bemi c o o
nosso senão que este lie mais cheiroso. As velas, se jis nao ha
ou rompem as de algodão, não so tecem mas lavrao-se com
grand™ faSid ad e, porque são feitas de hum páo leve c delgado.
flue coin o beneficio de u m cordel se serra de alto a baixo, e se
dividem em taboinhas de dons dedos de largo, e co m o mes
“ 0 de que fazem as cordas, que chamão embira, am arra o e
v',o tecendo as tiras como q u em tece u m a esteira, e este
rK,o de que ellas se formão se chama jupaty, e estas velas,
que se enrolão com a mesma lacilidade que hurna esteira,
to mão tanto e mais vento que o mesmo panno. ^
« He h u m louvar a Deos. lu d o isto se arma e sustenta
,e m u m só premo, o que se não vè em h u m a canoa para o
intento ■ pois todo o pregar se suppre com o atar e o que
havia de fazer o ferro fazem os vimes, a que tam bém cha­
mão cipos, muito fortes, com que as mesmas partes da
cauda se atração, e tudo quanto delta depende vai tao se-
iTLiro e lirme como se tora pregado. Mos abastecimentos na a
mesma facilidade, p o rq u e primeiramente a aguada vai de­
baixo da quilha, e em q ualquer parte e em qualquer h o ra
que se tira he fresca e muito sadia: em abicando as canoas
a terra sabem os índios huns á caça, outros á pesca, e a
pouca detenção trazem de h u m a e outra muitas vezes em
grande a b u n d a n d a e sempre o que basta para todos. Mo
mesmo tempo (sendo inverno se occupao outros em lazer
;k casas, que se fazem todos os dias, quando se não tem
por melhor passar á sombra de arvoredo, que sem pre he
verde, alto e tapado. As casas são ordinariamente cobertas
de palma, e quando na jornada vai tropa de Portuguezes
se fazem tão largas e reparadas, que mais parecem p ara
viver que para as poucas horas para que são levantadas.
«Aqui será bem que se note que os índios são os que fa­
zem as canoas, astoldào, as calafetão, os que asvelejão, os que
as remão. e muitas vezes como veremos, os que as l e v ã o á s
costas, e os que cansados de r e m a r as noites e os dias in­
teiros vão buscar o que hão de comer elles e os Portuguezes
(que be sempre o mais e melhor , os que lhes fazem as casas,
e se se ha de m archar por te rr a os que lheslevão as cargas
e ainda as armas ás costas. Tudo isto fazem os tristes índios
sem paga alguma mais que o cham arem -lhes cães e outros
nomes muito mais affrontosos, e o melhor galardão que
podem tirar desta jornada os miseráveis he acharem (o que
poucas vezes acontece hum cabo que os não trate tão mal.
Jornada tem havido em que dos índios que p artirão não
v o l t a r ã o a metade, porque a puro trabalho e máo trato os
m atarão.-
«E m 28 de Dezembro navegámos até nos vir pôr ao pó
das cachoeiras, que foi como virmos até agora pelos valles
deste rio, para daqui por diante subir aos m ontes cleíle. IIo
o rio até aqui de largura de meia légua, quasi sempre igual,
salvo aonde algumas ilhas que tem pelo meio o dividem em
dous canaes. Èstreita-se poucas vezes, mas nunca tanto que
fique em menos largura que a de quarto de légua. A agua
para beber he excellente, vai agora um pouco turva por ser de
inverno c levar muitas aguas de monte ; mas os que passao
o rio em verão a chão a agua tão clara que em duas o tres
braças veem o fruído dellc e escolhem o peixe que sc lia do
matar com a frecha. Muitas cousas nos contao da sua ferti­
lidade em outra conjuncção de tempo desta abundancia dc
pescado. 0 que nós até agora experimentamos não se póde
chamar abundancia nem. falta. As terras de huma e outra
banda do rio não são razas como as do Pará, mas levanta­
das mais em outeiros que em m ontes. Por huma parte e
por outra tudo são arvoredos agrestes c sem frueto, posto
que no principio cio rio nos convidarão com huma fructa do
tamanho e còr das nossas camoesas: he especie dos gnytes
do Brazil, porém estes tem muito menor caroço e sem couro;
cham ão-lhe os índios tiriribas, se o assucar fôra m enos
doce delle e de gemas de ovos, parece se poderá imitar na
còr e no sabor a massa de que he composta esta frueta.
« Tornando ao rio, as praias pela maior parte são de areia
ou picão, e nenhuma parte ha em todo clle que seja dc
lodo. A isto attribuem os naturaes, e parece com razão, nao
haver em todo este rio a praga de m osquitos que mfecciona
m uitos outros desta America e os faz quasi m habitaveis. A.
corrente até aqui he lenta ;m as de maneira que a sentem os
remos e distingue a vista. Do fundo não podem os dizei
cousa certa, porque o não medimos, mas encalhadas
as canoas com as popas em terra, estavão ordinariamente
com as proas em tres e quatro braças de agua, com que
entendem os que pela madre terá cie doze e quinze para
cima. Chama-se rio dos Tocantins por huma naçao de índios
deste nome, que quando os Portuguezes vierão ao Para o
hahitavão: mas desta como de muitas outras apenas sc
conserva hoje a memoria e muitas ruinas de huma pequena
aldeia. Tanto pode em tão poucos annos a inhumamdade e
a cobica, inim igos da conservação deste Gentio. _
« Amanheceu o dia vespera dc Natal, c depois do sol
, , rn iv,n nor scr muito necessaria a luz, começamos a
tfo m m r tter a primeira cachoeira, em que houve grandes
Yiffirnlrlarips * a primeira foi huma corrente de agua
í ta e furiosa que para as canflas a vencerem era n eces-
I rio descansarem primeiro os rem eiros, com erem e toma­
rem novos "lentos. Então se punha c s ^ canoa por^rn com o

totalmente não poder passar a deixámos ate <1 volta. Daqui


,t a v i s á m o s por entre pedras e redem oinhos de aguas a
Pumas penhas muito altas que estão no meio do rio, e en
rnstadas a ellas se começarão a arrastar as canoas por hum
d " a t o o de agua tão estreito e tão Íngreme que era
npcpssario lanearem-se primeiro cordas a parte de cima, e
nnvrnco por^ el as huns índios e arrastando outros a canoa
V
p o í C ir n a is pedras e quasi sustentando-n desfc,■ — a
com grande vigor c excessivo trabalho se ioiao mnincio
t0<«a Aquideu lu g a ro rio a que se remasse hum bom espaço
até que demos em huma ladeira de pedra e agua muita com­
prida, pela qual foi necessario irem subindo as canoas como
nor huma escada á pura força de cordas, de b r ç y
len te iá fincando-se sobre humas pedras, ja encalhando,
e^á virando-se em outras. Foi este trabalho excessivo p n o -
cioalmente por ser tomado no rigor do s o l; e pai a que fosse
de alguma maneira vencivel, provêo a Divina Providencia este
limar de humas arvores não muito altas, nascidas nas m esm as
penhas, as quaes servirão nesta escada como de m am eis,
cm que os índios se firma vã o para poderem tirar pelas coi das,
e sustentarem -se a si e a canôa contra a força da corrente.
São estas arvores por huma parte tão fortes, que basta fazer
presa em huma pequena rama, para suster a canoa contra
todo o peso da agua, e por outra parte íao flexíveis, que se
h e nescessario passar a canoa por cima dos ramos, e ainda
das mesmas arvores abatidas, cedem, etornam a surgir, sem
quebrar; como nascem nas pedras c na agua, parece> que
das pedras íomão o duro, eda agua o flexível, e de am ba. o
remedio para vencer a m e s m a d in ic u ld a d e q u e ambas causao.
Dão huma irnela semelhante e menor que as C oyábase
Araçás do Brazil, de que sc duvida sc lie cspccie, mas não
sc come, nem se pôde comer; porque lie dura, como
as pedras de que nasce. Na subida deste m uro, e
na passagem desta escada tão intrincada de pedras, que
achámos depois deila, se gastou o dia todo, de maneira que
quando chegám os a tomar porto era ja quasi ar pardo.
«Tínhamos determinado fazer alto neste dia mais cedo que
nos outros, para gastar toda a tarde em adereçar huma ca­
pella depalm a, em que celebrar com mais deecnçia osm ys-
terios desta sagrada noite, mas nao tivemos lugar para mais,
que de engenhar huma pequena choupana mal coberta com
as toldas das canoas, aonde armámos o nosso altar. Parece
quiz o benigno Senhor renovar aqui os seus desam paros,
porque tudo era o mesmo que representava. Não nos acha­
m os aqui juntos m ais, que os Padres 1’ rancisco \ elloso, Ma­
noel de Souza, e e u ; porque o Padre Antonio Ribeiro com
a sua canôa não pôde avançar tanto, e ficou em outro lugar,
aonde também aportarão algumas canoas, que não estavão
com nosco, e por esta tardança e apartamento vieiao buns
e outros a ter a consolação da Santa Missa aquclla noite.
« Ò Padre Antonio Ribeiro contentou-se só com a agua sem
farinha, os demais, ainda que o com ê-la foi a conçoada,não
tiverão mais sobre a farinha que hum pouco de peixe secco ;
mas Deos tempera de maneira estes regalos que os nao troca
rão os que gostão delles pelos maiores do mundo. O trabalho
tão extraordinario de todo o dia parece pedia o descanso u
noite, mas toda ella se passou cm vela sobre a terra nua
da choupana, offerecenclo cada hum ao Menino nascido nao
só os desam paros de seu Belém, mas as saudades da devoção
e concerto que esta santa noite celebra nos Gollegios da
Companhia. A’ meia noite dissemos tres m issas, que todos
ouvirão, as demais se disserão ás suas horas, e no dia com -
mungárão alguns Portuguezes e alguns índios.
« Por celebridade do dia não fizemos jornada nolle. No de
Santo Estevão, e S. João fomos continuando a nossa viagem
sómente a rem o, que sendo hum tao pesado trabalho, em
respeito do passado parecia genero de descanso. As correntes
aqui são muito arrebatadas, a largura do n o quasi a m esma,
mas menos limpa por estar todo elle embicado de pedras,
que não deixãode fazer grande estorvo á navegação. 0 rumo,
com que navegámos esses dias, he inclinando cada dm mais
468 —
pill.a o Leste, de sorte qae ao amanhecer já o sot he quasi
^ \ o dia dos Santos Innocentes, que tot domingo, entrámos
nasse “unda c choeiras, chamadas da Taboca, as quaes estao

S ’; ; grande traW ho e

z ^ os r quor .» r z
se eastírão nestas fadigas dons dias inteiros ; o ne
heesoraiadoeism al, mas vai todo dividido em m uitos hraç ,
cm que se despenha por entre grandes penedias e ilheo ,
que tem aberto com o peso da corrente ou correntes
te Estas correntes se encontrão humas com as outras
o-ares c fazem tão fortes remoinhos e abrem tao oran
covas'no meio da agua (o que chamão caldeirões) que m uitas
vezes as canoas se virão nellas. Emfim acabamos cie pass
este roator perigo á segunda-feira 2 9 .d e Dezembro, e se
fechou a tarde, e a alegria com tmma
porcos montezes, que naquella conjuncçao iao atravessa
rio para a outra banda, e derão as nossas canoas m m to qu
festejar c comer. Ter vencido nesta viagem a Taboca, he ter
passado na índia o Gabo da Boa-Esperança; mas nao quiz
Deos que lográssemos este gosto, sem mis ura dej
pezar e perplexidade, em que no primeiro destes dous d
nos vimos. Pelo que víamos obrar ao Capitao, m uitos lias
havia que suspeitávamos que o Capitao-mor tinha dado
outra ordem encontrada, á ultima, com que satisfez, ou se
livrou dos m eus requerim entos. _ . A A
<( Neste dia pois me disse o Capitão havia de mandar dua
canoas diante a avisar da sua vinda aos índios que íamos
buscar, para que o viessem receber, e elle lhes praticar e
ordenar o que havião de fazer, e por aqui m uitas outras
cousas, em que se fazia totalm ente dono da Missão.
(,:Pareceu-me não dissimular mais, como até aqui tinha teito,
por entrarmos já no ponto essencial da gentilidade e sua
conversão. Quiz-lhe explicar a ordem de Sua Magestade e a
do Capitão-mór, e tirando-as para lh a s mostrar, elle se le­
vantou em altas vozes, tapando os olhos e os ouvidos paia
as não ler. nem ouvir As palavras irreverentes, com que
então nos tr a to u em particular e em com m um , e os ciebco-
medimentos que disse, c quem he a pessoa que os ctisse,
■169 —
c a l o ; p o rq u e não he isto o que sentimos, nem sentiríamos
cousa alguma, se nos deixassem exercitar o a que viemos,
e se não nos impedirão os fructos dos nossos trabalhos: cm
tudo o mais lhe déramos grata licença, para que nos tratasse
muito peior. Depois que esteve menos colérico ou menos Irí­
gido, declarou, e por todos os modos, que; podia, nos mani ­
festou, que ainda que o Capitão-mór nos tinha dado aquella
ordem, depois delia dera a elle outra. O mesmo disse
depois em particular ao Padre Antonio Ribeiro, e h u m soldado
chamado Antonio Furtado, que vem com nome de ajudante,
e deve trazer a ordem da empreza, e a cxplicaçao delia, p ra­
ticando na materia com o Padre Francisco Velloso, lhe d i s s e .
Ah Padre, quem poderá f a lla r!
((Affirmo a Vossa Reverencia, Padre Provincial, que em toda
esta viagem vim muito edificado da paciência e soíírimento
dos Padres, que nella v ã o ; porque, sendo os trabalhos e po­
rmos, que todos os dias se padecem, tantos, e tao conti­
nuados, e as incommodidacles deste genero de vida, ainda
para os barbaros que nelle se crião, tão asperos de levar,
a grandeza de coração e a alegria do rosto, com que os
passão e desprezão, he admiravel, e muito para louvai a
Deos. Mas chegados a este ponto de se nos impedir, e por
taes meios o fim de nossos desejos e trabalhos, sem nos
valerem leis de Deos, nem ordens do Rei, confesso a Vossa
Reverencia, que a todos nos faltava a paciência e quasi o
a n i m o ; e se não nos alentáramos com os exemplos das con-
tradicções, que padecerão os Apostolos e o mesmo Christo,
posto que as padecerão de gentios e idolatras, e nao de cliris-
tãos, como nós, estaríamos perto de entender, que ainda nao
he chegado o tempo de se segar este pão.
« Algumas horas passámos este dia, cada h u m calado p a .a
seu cabo, como anojados. Assim nos resolvemos a encom-
m e n d a r o negocio a Deos, e não resolver nada nelle ate
chegar e ver, e dahi (se fôr conveniente) ir diante h u m de
nós a desfazer estes enganos, ou ao menos ate tirar a m a s ­
cara p ara que não tenha a obediência alguma escusa ou ap­
p a r e n d a delia diante de Sua Magestade. Mas ao outro dia,
30 de Dezembro, depois de ter tomado porto, nos alvoioçou
e aleerou a todos a vista de hum a canoa, que vinha 110
abaixo, e foi a primeira embarcação, e as primeiras pessoas
que encontrámos em todo este rio, tendo ja navegado p or elle
a nossa canoa mais de 130 léguas. Os que vinhao na canoa
forto |u'»o levados ;>o Capim», o qualos recebeu, e d i t o u
[ baixo no m esm o dia sem no-la íazei sabei,
a canoa pai - _ npnhnm caso Vinha nesta canoa hum

rtn vir fazer guerra ás quatro aldeias desta mesma naçao,



ouekt}como dissemh os, nao miprern
querem descer
uescei com 'um os dem ais,
As causas são todas falsas, como ja tem os averigua do e
miando fôrão verdadeiras, nao se podem chamai ] •*
causas. A principal que allegão h e’ " A fu C r h sM v so s
morreu nesta aldeia tmma Indra m ulher de hum do no sos
sugeitos, e que os das oulras quatro aldeias lhe v erao des
enterrar os ossos e lhe levárãoacaveira para as suas terras,
e lá lh ’a quebrarão, como costumao as cios imm^ os<
« Esta vingança tão ridicula e tao barbara quer a ora
Índio, que leva a embaixada, e querem tam b u n os^ P ortu
guezes, e Portuguezes religiosos, que se venha ^
outra mais barbara. Em companhia deste índio v erao seis
da nação a que iamos buscar, filhos e sobrinhos dos Pt
cipaes, com os quaes e com os dous que vierao desdei Q
Pará não tem os perdido tem po, declarando-lhes a tenção
de Sua Magestade, e a nossa, em que parece qne vao 1b em
instruidos, e nos tem promettido que nao hao de admittir
senão o estar juntos, e ser filhos dos Padres, e vassallos de
E l-rei. Pasmei de ver, quão familiar lie entre elles este
nome de Rei, e quão continuamente o trazem na Doca, o
querendo eu saber, que conceito fazião da palavra, e o que
cuidavão que era Rei, responderão: J a m o rn a m e y m a , que
querem dizer: Senhor que não morre. Explicamos 1 e q
immortal era só D eos; mas por este alto conceito que
fazem estes Gentios do nosso Rei m ereciao ao mono*, que
em prêmio da im m ortalidade que lhe attnbuem , os cteien-
dessem efficazmente de tantas v io lê n c ia s.»
Aqui acabou com gravo pena nossa a suave penna
g r a n d e P a d r e V ieira, p o r q u e a ca b o u a c a r i a , o u p a r a m o ­
llio r d izer, a ca b o u o te m p o , o u o d e s c u i d o , a c a r t a e m q u e .
e lle d a v a co n ta ao P a d r e P r o v in c ia l do B r a z i l , d a s e i r c u m s •
ta n c ia s e p a r tic u la r id a d e s d esta g lo rio sa m is s ã o , c m q u e i a
p o r e m b a ix a d o r e v a n g é lic o b u m h o m e m , d e q u e m s e f i a r a o
im p o r ta n tís s im o s n e g o c io s ás P o tê n c ia s m a i s p o d e r o s a s d a
E u r o p a ; se n d o s e n s ív e l a fa lta d o fim d e s t a p r e c i o s a c a r t a ,
q u e s e m d u v id a n o s m o str a r ia o fim d e sta j o r n a d a c o m a
m iu d e z a e c la r e z a q u e c o stu m a se u a u to r , q u e m i o p o d e
d e ix a r d e c a u sa r a o s le ito r e s gra n d e p a r t e da m e sm a p e r , a ,
q n e n o s tó c a p e lo g o s to q u e tín h a m o s d e c o p i a r c l e r m e ­
m o r ia s , q u e além d e se r e m g ra ta s a q u em as lê , s e l a z e m
r e s p e itá v e is p e lo g ra n d e e sp ir ito da c o n v e r s ã o d a s a lm a s q u e
n e lla s s e d iv is a ; fic a n d o c e r to s q uo o s e u raro lo rv o r u e u
lu g a r ao p r o b le m a , s e o P a d r e V ieira í o i ta o b o m c i s m o
n a r io , c o m o tin h a sid o o r a d o r .
P o s s o a ífirm a r q u e tu d o o q u e to p a m o s en tro a s m ais
n o tic ia s p a ra e s ta h is to r ia , p e r te n c e n te s a e s te g r a n d e h e r o o
d o m u ito q u e o b r o u o se u ze lo p e lo s a n n o s e m q u e illu s lr o u
e s ta m is s ã o , h e p r o d ig io , h e a sso m b r o e e m h u m a p alavra
a c ç õ e s h e r o ic a s d o g ra n d e P a d re A n to n io Y ic u a , O q u e
m e lh o r s e v e r á na s e g u n d a p a r te d a } r>
c r e d ito da C o m p a n h ia , g lo r ia d a n o s s a V ice l i o n n u a , e .
c o m m e n d a ç ã o á p o s te r id a d e d e h u m tã o b e n e m é r ito ifih o se u .
M as p o r q u e a relação da jornada n a o fiq u e no a r , sa U -
fa zen d o P a n o tic ia d o fim d e lla c o m o u tr a s q u e te m o s da m e ­
te r ia , s e n d o -n o s im p o s s ív e l a c o m p a n h a r c o m o c s ty lo o
que n o s r o u b o u o d e s c u id o n a falta d a q u e lla c a it a , eh
S o s o q u e a c h á m o s , q u e p o s to n o s falta o e s te m u n h o
d e v is ta c o m o d e h u m a tã o a u to r is a d a p e n n a , te m o s o .
h u m d o s c o m p a n h e ir o s p e lo q u e tóca ao fim d e s ta im s s a o
e a d e o u tr o s expertos M issio n á r io s p e lo q u e r e s p e ita -
n o tic ia s do r io , q u e n ã o d e s m e r e c e m n a v e r d a d e , o que pci
d ê r ã o p o r d e sg r a ç a n a q u e lle e s ty lo .
CAPITULO IV .
CONT1NUÃO iVS NOTICIAS DA MISSÃO E BIO TOCANTINS.

I'ara c o n tin u a r m o s a d e sc r ip ç ã o do rio Im p r e c is o v a le r -


m o -n o s d o s a p o n ta m e n to s q u e so b r e e lle n o s d e ix o u o P a d r e
M an oel da M oita, p o r raza o da en tra d a e m is s ã o q u e n e
?p , no a n n o d e 1 7 2 1 , c o n tin u a n d o ao m e s m o te m p o a v ia -
n e m d o P a d re V ieira p ela r e la ç ã o q u e te m o s d e h u m d o s
P a d res q u e o a c o m p a n h o u , ain d a q u e d im in u ta ao q u e
n a r e c e p or n ão s e r tã o m iu d o n o s s e u s d iá r io s.
1 V en cid a s a s cen to e trin ta lé g u a s ate a c a c h o e ir a d a T a b o c a ,
lo r ã o n a v eg a n d o o s P a d r e s rio a cim a p o r e sp a ç o d e c in c o
d ia s m e ttid o s se m p r e n o r u m o d e e n tr e s u l e le s t e , cu ja n a -
m e lh o r p o r v o g a r e m a s c a n o a s com^ m e n o s
p e r i° o e m e n o r fo r ça d e r e m o s, liv r e s ja d e c a c h o e ir a s e d
fio da co rren teza q u e d e lia s r e s u lta v a , p ara s u s te n ta r a
q u a l er a n e c e ssa r io a ju n ta r á a r te a s fo r ça s da n a tu r e .
A o sé tim o dia d eix a rã o á m ã o d ir eita o rio A ra ry , ao q u
o s P o r tu g u e z e s ch a m a v ã o o rio da S a u d e , e n a v e r d a d e
p a r e c e te rem razão s e h e c e r to o q u e n o s d e ix o u e s c r ip to
o P a d re Jeron ym o da G am a, m e u m e s tr e q u e fo i, e q u e
v ia jo u com su a s p e r e g r in a ç õ e s p o r m a r e te r r a , q u a n to v a i
do ca b o do n o r te e rio d a s A m a zo n a s a te o n o da P ra ta
cabo d o su l, lim ite s d o d o m in io p o r tu g u e z n a s p a r te s d a
Â.íílGÍ*lC2l
E ste M issio n á rio , s e n d o -o d a tr o p a e m q u e er a ca b o
D o m in g o s P o rtilh o (o m a is in sig n e se r ta n e jo q u e t e v e o
E sta d o ) e ch eg a n d o a e s te rio da S a u d e m u ito e n fe r m o e
c o b e r to de ch a g a s, o m e sm o fo i la v a r - s e q u e ficar liv r e e
in te ir a m e n te sã o , p o d e n d o -s e lh e d ar o n o m e d e J o r d ã o 5
p o r q u e até n a c ô r im ita e s te su a s a g u a s ; h e a b u n d a n te d e
m u ito e sin g u la r p e ix e , a ssim c o m o o s m a to s q u e lh e a c o m -
p an lião as m a r g e n s a b u n d a n tíssim o s d e ca ç a s a té to p a i o
g o sto com o m im o so d e P o r tu g a l na p e r d iz e c o e lh o , q u e
la m b em h a v ia , p o s to q u e em m e n o r a b u n d a n cia . N ão c o r r e
co m p r e su m p ç õ e s d e g ra n d e p o r d a r m o s tr a s d e n ã o s e r n o
v e r ã o n a v eg a v el, p o r q u e m a n d a d o s e m ca n ô a p e q u e n a c in c o
ín d io s no d e sc o b r im e n to , já ao q u in to dia n ão p o d ià o r o m p e r
o s ta b o c a e s, o a p en a s in fo rn iá ra o o s da tro p a co m o m e s m o
d e se n g a n o .
Da b o ca d e s te rio forão o s n o s s o s n a v e g a n te s b u sc a n d o
se m p r e a m a d re d o s lo c a n tin s , g a sta n d o na v ia g e m s e te
d ia s a té e n c o n tr a r e m da p a rte d ir eita ao rio T a q u a n h o n b a ,
a ssim ch a m a d o da n a ç ã o q u e d eite b e b e d e m istu ra co m
o u tr a s n a ç õ e s , to d a s b a rb a ra s e co m fam a d e g u e r r e ir a s.
N a b o ca d e s te rio d isp o z a n atu reza u m a ilh o ta d e a re ia ,
q u e lie o m e lh o r v iv eiro d e ta r ta ru g a s d e toclo a q u e llc cren-
tilis m o , q u e p e lo te m p o da p o stu ra leva in n u m e r a v e is para
o se u s u s te n to , p ara su p p r ir co m e lla s a falta d e p e ix e do
rio e a p e n u r ia d e caça d a q u e lle s m a to s. A ch a rã o o s n o s s o s
n a m a r g e m a lg u m a s p e d r a s co m o as q u e ch a m ã o d e a m iia ,
d o ta m a n h o d e o v o s com m io lo d e n tr o , cuja m a ssa affir-
m a v ã o o s ín d io s s e r ad m ira v el r e m e d io co n tra fe b r e s . E ste
rio T a q u a n h o n h a fic o u m u ito c e le b r e p ela en tra d a q u e n e lle
fe z o P a d re M anoel N u n e s , se m o in tim id a r em , n em as m u i­
ta s c a c h o e ir a s , n e m a falta d e v iv e r e s , d e q u e lie fa m in to ,
n e m a b a rb a rid a d e d o s n a tu r a e s , p o r q u e a p eza r d a s m e s ­
m a s d iffic u ld a d e s d e se n tr a n h o u d e s e u s s e r tõ e s a b e llic o sa
n a ç a o d o s P o q u y s , d e q u e a m e sm a h is to r ia , q u e le v a m o s ,
d ará a s e u te m p o c u r io sa e a g ra d a v el n o ticia , q u a n d o c h e ­
g a r m o s ao a n n o d e 1 6 4 9 .
F o rã o su b in d o m a is cin co d ia s o r io , e á la rg a d ista n cia
s e d e s c o b r io da p a r te d e o e s t e o g r a n d e rio A ragu aya, q u e na
la r g u r a d a b o c a , c o m q u e p a r e c e , q u eria tr a g a r ao m e sm o
T o c a n tin s, b e m m o str a v a a gran d eza d o c o r p o , c o m q u e
en tra v a s o b e r b o a d isp u ta r co m e lle m a io r ia s, a n ão e n c o n ­
tr a r a m e s m a in fe lic id a d e que os grandes rios, q u a n d o s ã o
r e c e b id o s d o s p e q u e n o s , q u e co m o ca b ed a l d a s a g u a s , q u e
n e lle s d e p o s itã o , v e m a se p u lta r o m e sm o n o m e , c o m q u e s e
fazião d e a n te s tã o fa m o so s ; e n g r o s s a n d o c o m o p e so d e
su a s c o r r e n te s a q u e m lh e o ffe r e c e u o s e p u lc lir o para lh e
r o u b a r a g lo r ia , e para p ro v a d e su a g ra n d eza b a s te -lh e
d u v id a r o c o m p r e h e n s iv o ju iz o d o P a d re V ieira, q u a l d o s
d o n s era o tr ib u ta r io , e a q u e m s e d ev iã o a s r e g a lia s d e
sen h or.
F o i e s te rio d e s c o b e r to p e lo C apitão D o m in g o s P in to
d a G aia, n o a n n o d e 1 7 1 9 , e n o to u a su a c u r io s id a d e , q u e
fo i g r a n d e , c o m o ta m b é m o s e u m e r e c im e n to ; q u e to m a n ­
d o - lh e a a ltir a lo g o na en trad a da boca em s e is g r ã o s d e
17 /'i —
, i , ont r ár a pelo rio Tocantins d e n tro ale a
^ í n i i i t e e clou s m in u to s . Já d a q u i p ara
,laUi3
cima ia eo n' •o/ Tioeantuas
n n n tin s me
menos
os la
m rg„ o ;, porque
1 macã0
enos serico do
forão

■ n ‘,;..ro a u, Yorui rmp


q u e npoi
,.i. ost
e ^ ee rio
n u Tocantins a
. a ,, suas cabeceiras no anno ue dom

S È Ü s e K íiW S :
“ abo d e h u m a " m p a com a lg u n s so ld a ­
d o s da sua 'b a n d e ira , vindos de S M o ^ e g o g a r a o a o ^ a n , ,

8 ’, r h í r n r i a nrcval«cendo o direito n a t u r a l dos p o b r e s


£ T w S ’f t m m r t o d e se m e lh a n te s s e r ta n e j o s ,
qu e nlio d e v e o f í e n d e r a lib e rd a d e d o s n a t o r a e s s m m a i s
crim e q u e a infelicidade de os t o p a r e m no mo n a occasiao

d j J á ' o n o ^ s o c a b o c capitão da t r o p a se ia fazendo c o m te r r a


e ao m e s m o te m p o dispondo já da viagem co m o » . « i e
como havia de t r a z e r c dispor dos ín d io s q u e ia buscar
o b ra n d o algum as acções d ir e c ta m e n l e o p w U s a lib e r d a d e
dos miseráveis, á qual parece queria o a n u w ^ d a m » » h m
as exéquias e se p u lta r nas a g u a s do m os , ' , '
•qos P a d r e s dissim ular p o r então a li b e r d a d e do cabo, q
só nolle q u e ria o s e n despotism o a h o u v e s s e ,
m e s m o te m p o q u e aos Índios, aos P a d re s , a q u e m Sua Mc
(restade fizera a r b it r o s d a q u e ü a s r e d n e ç o e s ; ate qu e c h e -
nados íinalm c nle á povoação dos P o q u ig o á ra s, se m o s t r o u
m absoluto c in d e p e n d e n t e , q n e n e n h u m a d i s p o s t o c e u o u
fn „ n V -to Piflrp Vieira qne era conduzi-los to n o s c o m suavi
dade, V r n o » ° e s p a a t í r com a l g u m a d e t c n m n a c ã o q u e
p o d e ss e d e g e n e r a r e m violência. Mas essa mesma d< m o i < ,
q u e o s P a d r e s p r e le n d iã o para m e lio r se m lurça n a s r e d e s
a q u e lla s o v e lh a s in n o c e n te s, h e q u e o cab o n ão q u e r ia , p or
n ã o p e r d e r o la n ç o , q u e o se u C a p itã o -m o r e s e u s ap an i­
g u a d o s ta n to e m a is q u e tu d o p r e le n d iã o .
A v iso u lo g o o ca b o a o s ín d io s para q u e s e d isp o z e sse m
a o e m b a r q u e , p o r q u e n ã o p erm ittia o te m p o m a is d em o r a s;
e co m o trazia c o m s ig o u m m u la to , g r a n d e lin g u a , p o r sua
in te r v e n ç ã o m a n d o u p ra tica r a o s ín d io s P r in c ip a e s s e n ão
m e tte s s e m c o m o s P a d r e s, p o r q u e se m d u vid a o s h avião
p r iv a r d a s m u ita s m u lh e r e s q u e tin h ã o ; e lh e s n ã o h avião
p e r m ittir o s c o s tu m e s p á tr io s, co m q u e fo r ã o c r ia d o s ; q u e
o s P a d r e s e r ã o h u n s p o b r e s , q u e p o u c o o u n ad a p o d iã o dar,
em b o r a fo s s e m lib e r a e s n o p r o m e tte r , q u e o G o v ern a d o r os
e sp e r a v a c o m m u ita s ferra m e n ta s e p r ê m io s , co m q u e os
h a v ia r e c e b e r , p o r q u e co m o g o v e r n o tu d o tin h a na su a m ã o .
N ã o d e ix a r ã o d e te r en tr a d a os fin g im e n to s e p r o m e s s a s do
c a b o na in c o n stâ n c ia d a q u elles b a r b a r o s tim id o s p o r n a tu ­
reza e p o r n a tu reza v á r io s . M as ain d a a ssim n ão faltarão
m u ito s m e n o s g r o s s e ir o s n o d is c u r s o , q u e a fu rto com m e d o
d o ca p itã o b u sc a v ã o o s P a d r e s na su a c h o u p a n a , e lh es
d e e la r a v ã o a su a v o n ta d e e d e s e jo d e se p ô rem s ó s n as
su a s m ã o s , co m o a sy lo m a is s e g u r o d a s su a s lib e r d a d e s , e
n ã o a s p r o m e s s a s do c a p itã o , q u e p r o m e tte n d o m u ito n o se u
s e r tã o , n ad a h a v iã o d e cu m p rir q u a n d o o s tiv e s s e m fóra
d e lle . Q u e u m a g ra n d e p a rte d o s s e u s p a r e n te s esta v ã o
r e s o lu to s a n ã o d e s c e r e m p ara b a ix o , se n ã o e n tr e g u e s á
co n fia n ça d o s P a d r e s em n o m e d o R e i, q u e e s s e n u n ca
h a v ia d e fa lta r ao p r o m e ttid o .
In c e n tiv o s e r ã o e s t e s p ara a b a la r m a is d u ro c o r a ç ã o , q u e
o d o P a d re V ieira , a q u e m p a r e c e faltava o a n im o , p o r q u e
lh e so b eja v a a p r u d ê n c ia . R e so lu to p o is com a a p p r o v a ç ã o d os
c o m p a n h e ir o s a n ã o d a r m a is te m p o ao te m p o , v e n d o tão
p ro x im a a retira d a d a s c a n o a s, e m q u e e lle s p r e c is a m e n te
h a v iã o s e r o b r ig a d o s a v o lta r , s e fo i te r co m o C apitão para
q u e em n e n h u m a c ir c u m sta n c ia p o d e s s e a lle g a r co m a in a c ç ã o
d o s P a d r e s p o r falta d e r e q u e r im e n to ; foi-o d isp o n d o com
a su a v id a d e , e p a la v r a s m u ito p r o p r ia s da su a b ella in d o le ,
e q u e r e n d o p o r u ltim o le r -lh e as o r d e n s q u e trazia d e E l-r e i,
e do C a p itã o -m ó r da P r a ç a , o d ito cab o co m o u s a d o a tr e v i­
m e n to , d ig n o s e m d u v id a da m a io r c e n s u r a , e n ã o m e n o r
c a s tig o , e m p u n h a n d o a esp a d a liu m a s v e z e s, e o u tr a s m u ­
d a n d o delia as m ã o s . para as p ô r n o s o u v id o s , en tr o u a
0 ri Lar com d e se n to a d a s v o z e s , d iz e n d o e r e p e t in d o : P adre,
n ão m e te n te , e q u e e lle não era p e s s o a q u e o m a n d a sse
á sua o rd em (já s e n ã o lem b ra v a da safra, e f l c h o dn e
q u eria rnctter e n tr e b u m e o u tra a p aciên cia d o P a d re -
lo n io V ieira). Q u e se n ã o h avia su je ita r a s a c e r d o te s , em b o
fo s s e m A r c e b isp o s o u C a r d e a e s ; p o r q u e tin h a o s e u G o v e r ­
n a d o r , a q u e m só esta v a su jeito e cu ja s o r d e n s h a v ia s e m
O ne lh e n ã o em b a r a ç a sse o e m b a r q u e , e d e ix a s s e os ín d io s
e s e n ã o m e tte s s e co m e lle s , p o rq u e a su a con ta e s t a v a o .e p o r
su a co n ta h avião d e ir, e q u a n d o e r r a s s e tin h a n o 1 ara su
p e r io r que lh e a p p lic a sse o c a s tig o • • nn
1 N ão o b sta n te a d e sa tte n ç ã o e co n tu m a cia d o c a b o , r e p lic o u
o P a d re V ieira o d e ix a s s e p ra tica r o s ín d io s , p o r sa b e r d e
certo q u e a m e ta d e d e lle s e sta v ã o firm es e m n a o s e g u i J i a -
g em , n ã o s e n d o p ela d ir ecç ã o d o s P a d r e s, o que- e g
p reten d ia im p e d ir c o m m a n if e s t o p e r ig o d e ta n ta s alm a ,
q u e p o r su a co n ta era in e v itá v e l s e p e r d e s s e m n o s m a to s,
p o d e n d o v ir to d o s p ara b a ix o e n tr e g u e s a o s M is s io n a n o s ,
c o m o SuaM a g e sta d e m a n d a v a , e o C ap itao-m or n a su a u ltim
o rd em lh e a d vertia o b e d e c e s s e ; a q u al e lle d ev ia ob >
p o r se r p o ste r io r ao r e g im e n to q u e d e lle r e c e b e r a ; Po r e
o ca b o te im o so lh e r e s p o n d e u , q u e q u a n to a o s ín d io s , mine
h a v ia la rg a r m ã o d e lle s , e q u a n to á o r d e m p o s te r io r , que
b e m lh e p od ia o m e s m o C a p itã o -m ó r te r p a ssa d o o u tr a e m
co n tra rio
A q u i calou o P a d r e V ieira, e s e r e tir o u á su a c h o u p a n a a
c o n so la r -se c o m o s c o m p a n h e ir o s d o m a llo g r a d o d a q u e lla
v ia g em d ep o is d e ta n to s e tã o g r a n d e s tr a b a lh o s da jo in a a,
v en d o fic a r -lh e s a trá s ta n ta s o v e lh a s p e r d id a s , p o r q u e a t e ­
n a cid a d e do cab o n ã o q u eria e n tr e g a -la s a o c u id a d o d e s e u s
v e r d a d e ir o s p a s to r e s. T res d ia s d eu o P a d r e V ieira ao s o l
fr im en to , n ão se n d o o u v id o , n e m c o n su lta d o e m m a teria a l­
g u m a , e o q u e m a is era n e m ain d a p o d e r fa lla r com o s Í n d io s
á s c la r a s ; p o rq u e te m ia o ca b o , q u e o s P a d r e s lh e p r a ti­
c a s s e m o G en tio , e lh e e m b r e n h a s s e m n o s m a to s ; a te q u e
c o n su lta d o o n e g o c io c o m D e o s , e c o m o s c o m p a n h e ir o s , o
b u s c o u u ltim a m e n te p ara fazer o seu r e q u e r im e n to e m f ó r m a ;
e s c o llie u o c c a s iã o e m q u e e s tiv e s s e m ju n to s o s P o r tu g u e z e s ,
e d ia n te d e lle s e d o s P a d r e s q u e em su a co m p a n h ia lev a v a ,
n o m e sm o q u a r te l d o C ap itão, e m 5 d e J a n eiro d e 4 6 5 4 , lh e
le u terceira vez as o r d e n s d e E l-rei e d o G o v ern a d o r, e lh e
p e d io h u m a r e s p o s ta p o sitiv a , e a u ltim a r e s o lu ç ã o e m n e -
gocio cle lanto peso, que lhe requeria da p arte de Deos o de
Sua M agestade lhe entregasse a disposição dos Índios, que
preten d ia praticar com verdade e lisura, e tirar o medo aos
que não querião descer, não sendo por intervenção dos Pa­
d res, e em poucas palavras lhe dissesse, se queria ou não ob­
serv ar neste particu lar as ordens de El-rei e doC apitão-m ór?
À isto respondeo o Sr. Gaspar Cardoso, cabo da tropa,
como se faltasse com os officiaes da sua tenda, que por então
não era de g u e r r a , p o r mais que a pretendia fazer ao
P adre Vieira — Quanto ás ordens de E l-rei, não as posso
g u a rd a r: quanto ás do C apitão-m òr, não quero.
Com esta resposta tão pathetica, como secca, desenganou
ao grande M issionário, e varão apostolico, a quem respeitarão
na E uropa as m aiores testas, e que tinha concluido negocios
grandes com os m inistros das m ais altas Potências. Tudo
se p erd eu neste dia, porque nem os P ad res com tão fortis­
sim o desengano se m ettêrão dahi por diante com a ex­
pedição, nem o Capitão deu tem po para m ais, que o fazer
em b arcar os índios, convidando-os com m uita aguardente
que levava abrindo francam ente as frasqueiras e cham an­
d o -o s com grande alegria, até que vendo não chegarem m ais,
não se atrevendo a obrigar com a força os que íicavão, p o r
não esp an tar os que vinhão, m andou com toda a diligencia
em b arcar os P adres e mais trem , e b o tad as para fóra as
canôas, en trarão a lab o rar rem os, que junto com a co rren ­
teza parecião as canôas no curso a tantas setas despedidas,
desandando em poucas horas o que tinhão m ontado em
m uitos dias.
E rão p o r todos m il alm as, ficando outras tantas no sertão ,
e o que m ais sentirão os Padres erão as alm as dos inno­
centes q u eb a p tisá rão o s dias que ahi estiverão, na confiança
de que viessem to d o s, ou deixaria ficar com elles hum P adre,
e cederia finalm ente o Capitão a hum a força tão grande, em
que toda a causa, p o r ser de Deos, era o principal agente,
a não d ar com hum coração tão d uro, e com hum a cara,
com o dizem, de ferreiro , em quem predom inava m ais a
cobiça que a razão e christandade. Bem m ostrou, quando
se foi chegando ao prim eiro povoado, repartindo pelos sol­
dados algum as familias, levando para a sua roça o u tras, e
a m aior parte da gente na aldeia de Ibyrajúba, ou M ora-
jú b a ás ordens do Capitão-m ór, p ara lhe tra ta r dos seus ta­
bacos, e lavouras que não íicavão longe. Chcgárão final-
„„311io á cidade do P ará, recebendo o Capitão uso braços do
G overnador repetidos vivas pelo bera que g u ard ara o seu
regim ento, a que se seguirão os Euc/es dos apaixonados a
hum servo tão fiel para elles, como infiel para Deos.
0 P adre Vieira assás desconsolado se partio logo para o
M aranhão a esp erar novo Governador, com m enos em baraço
e m aior segurança á conta que pretendia dar a Sua Miiges-
tade sobre hum" attentado tão m anifesto, que se lhe fizera
nesta Missão dos Tocantins, e o pouco respeito que am bos
m o strarão ter ás suas reaes ordens. A occasiao era b o a;
porque o p o rtad o r estava já no Maranhao de veiga de al o
para a p artid a; e a não ser chamado a mais Suprem o t r i ­
bunal o C apitão-m or, e com m orte quasi repentina, não lhe
faltaria que p u rg ar sua ambição nos requerim entos e defezas
dos seus excessos, como por costum e, em todo tem po do
seu governo. Ao m estre G aspar Cardoso foi mais fácil o li­
vram ento, desculpando-se sem pre c o m ia s ordens de seu
Capitão-m or, que, como estava m orto, não podia já ser cha­
m ado a juizo. Esta defeza porém lhe não havia valer, quando
estas cousas fossem tom adas pelo Juizo Divino; porque com o
christão tinha lei, que o obrigava a antepor o divino ao hu­
m ano, e não offender a Deos e ás alm as claqiielles m iserá­
veis, por não faltar ao regim ento do seu C apitão-m ór, que
mais valera fosse de salsa e cacáo, que não de hum a fazenda,
cm que se em pregarão os preciosos tbesouros e infinitos m e­
recim entos cio sangue de Jesus Christo.
No anno seguinte recuperou esta perda o P ad re Francisco
Velloso, indo b u scar voluntário, o que então deixou violento,
e sem mais cabo nem soldados, que hum unico P ortuguez,
por então cirurgião, tirou cia mesm a parte, não só o resto
destes, senão m uito mais, que passavão de mil alm as, com
que fundou a grande aldeia cio Espirito Santo, na Ilh a cio
Sol, como nos dirá com mais m iudeza esta H istoria n a se ­
gunda parte ou segundo tom o.
P artido para o Maranhão o P adre Vieira com os olhos
longos na prom oção de novo governo, com que esperava
m elhorassem os negocios cia christandacle tão m allogrados
pela am bição, q u erer te r nelles a m elhor p arte , depois de
hum a feliz viagem , que bem a merecia ter boa, quem tinha
tido a antecedente tão penosa. Chegou finalm ente a receb er
nos braços do P adre Superior cia casa o P adre M anoel N unes
e m ais religiosos a quelle cordial affecto, com que era de
todos amado, como Pai, e attendido com respeito, como Su­
p erio r de toda a Missão, que nelle parece tinha librado todos
os seus augm entos, e não pequenos, os que o seu valimento
lhe alcançava da M agestade em beneficio das ovelhas c au ­
to ridade dos pastores, tão abatidos com os governos ante­
cedentes, que o m enos mal era o desprezo dos Missionários,
á cuja vista erão ao m esm o tem po invalidos, espantados e
despedaçados os reb an h o s, com notável perca do adianta­
m ento das reducções dos gentios, que tanto recom m endára
ao nosso cuidado, e agora zelava com particular attencão
aquelle piedosíssim o Pai destas christandades o Serenissim o
S enhor D. João IV, nom eando G overnador do E stado (e foi
o ultimo do seu feliz reinado) aquelle raio de Marte, aquelle
felicissimo Capitão, te rro r dos Hollandezes de Pernam buco,
e hum dos seus principles restau rad o res, tão bom soldado
como christão, A ndré Vidal de N egreiros, bem conhecido na
republica m ilitar pelas heroicas acções, com que acreditou
as arm as e deu am pla m ateria á H istoria daquella re sta u ­
ração, com reputação, ex p erien d a e valor invicto. Vinha elle
agora a colher no M aranhão o fructo das m uitas palm as que
tinha cortado em Pernam buco, em quanto no m esm o lugar,
aonde alcançou tanta gloria com a espada, não ia receber o
que lhe era devido pelo bastão, recebendo-o aquelles m o­
rad o res duas vezes G overnador, p o r ser hum a das duas,
glorioso libertador das suas vidas e das suas fazendas. Este
aquelle heróe, de quem o grande P adre Vieira, que nada
tinha de lisongeiro, na carta, que escreveu a Sua M agestade,
do P ará, em 6 de Dezembro de 1655, diz: « Tem Vossa Ma­
gestade m uito poucos no seu Reino, que sejão como André
V idal.... He tanto para tudo o dem ais, como para soldado ;
m uito christão, m uito executivo, m uito am igo da justiça e da
razão, m uito zeloso do serviço de Vossa M agestade e obser­
v ad o r das suas reaes ordens, e sobretudo m uito desinte­
re s s a d o . »
Q uasi ao m esm o tem po, que o novo Governador buscava
occupar o lu g ar do seu governo, p artira im provisam ente
para P ortugal (pelo não p o d er dispensar a necessidade p re ­
sente) o Padre S uperior da Missão Antonio Vieira, a b u sc ar
aos pés de seu Clem entíssim o Soberano o rem edio dos af­
flictos M issionários, e desconsolados índios, huns e outros
por falta delle vexados e perseguidos dos m o rad o res do E s­
tado, e o mesmo foi chegar o P adre a salvam ento, que ser
01
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bem ouvido e aceito da M agestade, voltando para o M aranliao


despachado com a mesma pressa, com que tinha saindo
dei lo ollendido, não gastando m ais na viagem que 31 dias,
tempo cm que já achou no seu governo ao solicito A ndie
Vidal de N egreiros, que recebidas as ordens reaes, coin igual
zelo, que destem ido anim o, as fez dar logo a execução, par­
tindo com a m aior brevidade que lhe foi possível, a fazei
a m esm a diligencia na cidade do G rão-P ara, por serem as
ordens tão favoráveis aos índios, como aos m oradores en fie
os term os da possibilidade c justiça. . ,
A’ som bra deste grande p ro tecto r da christandade pe.o
m uito" que ajudou o seu zelo, e o seu m ando aos M issioná­
rios como o m esm o P adre Vieira confessa na m esm a carta,
navega lam bem para o P ará este solicito S uperior, e colum na
de toda a Missão, a pôr em execução o que sem pre trouxe
no pensam ento e im presso no coração, a fundação cio Cu
v J à e entrada do rio Amazonas, prom ettendo-se estas e se-
m elhantes em prezas, fiado nas grandes esperanças que me
offerecia o catholico zelo do novo G overnador, com as m aos
expeditas, tão prom ptas, como liberaes, para co n co rrer para
tudo o que fosse em m aior augm ento da conversão do gen-
tilismo, que era o que Sua Magestade ordenava, e para o que
ellc de boa vontade se offerecia Recebera o G overnador Andre
Vidal algum as ordens de E l-rei, ctue pedião a sua assistên­
cia no P ará, e como era prom pto no seu real serviço, partio
]0o-o para esta Capitania, e p o r conseguinte o P adre \ie ira ,
d0° cuja autoridade e letras flava tam bém Sua M agestade o
im portante negocio de m uitos captiveiros cie índios, que se
mandavão averiguar na Junta das Missões, em que o clito
P adre era o principal votante. Com vento em pôpa, levando
dous Missionários, que deixou no G arupa, foi breve a viagem ,
e por conseguinte a chegada cio Padre Vieira ao P ara, que
não foi tão occulta e tão pouco acom panhada, como a re ti­
rada ; porque o olhavão agora com outros olhos, pelas a t-
tençoes com q u e o vião tratado cio novo G overnador, que
além de d ar o seu a seu dono pelo m erecim ento cio P adre,
olhava tam bém para as com que o via recom m endado pela
M agestade.
Quizera o bom Padre Antonio Vieira ver-se agora expedito
para p a r tir á su a desejada conquista do rio A m azonas; porem
o exam e dos captiveiros e varios outros negocios do serviço
de Deos e Sua M agestade forão os que p o r então lhe tirai ão
das m aos o arado, com qua pretendia lav rar aquelles s e r­
tões, e sem ear o grão do Evangelho entre hum tão dilatado
gentilism o. Nao quiz porém p erd er a oceasiào, que o tem po
lho offeiccia para a conquista na liberdade, que alcançarão
m uitos índios natu racs daqnelle rio, que os P ortuguezes,
sendo elles am igos e confederados nossos, tinhão apanhado
c m ettido em injusto captivciro. P or virtude do exam e o
m aior num ero de votos, erão agora restituídos á sua ingênua
liberdade mais de cena índios, que o Padre S uperior com li­
cença e autoridade do G overnador entregou ao P adre Antonio
R ibeiro e seu com panheiro G aspar Fragoso, para que os le­
vasse em sua com panhia, e os expedissem das m esm as al­
deias, de que tinhão o cuidado noC am utá, para as suas terras
com as novas certas das ordens reaes, que tinhão vindo a
seu favor, acom panhadas de hum tão grande G overnador e
pai dos índios, corno elles m esm os experim entarão, o o tem po
lhes m ostraria, quando se resolvessem a sahir dos seus maios
para se fazerem filhos de Deos. Que dos Padres da Gomos
nhia já sabião elles por fama o quanto cuida vão e zelavão <
com m odidade e isem pção dos Índios, sendo ent re elles o m ais
assignalado o g ran d e Vieira, cujo nome retum bava pelo in­
te rio r do sertão, levado por aqueües rios, pelos m uitos que
o tinhão experim entado p rotector, c o m elhor tu to r na sua
m enoridade; p o r quern elle tinha posto em perigo a sua vida,
arriscado o credito eofferecido constante seu fervoroso peito
ás balas da em ulação e aos tiro s da inveja. A borrecendo
aos cegos apaixonados, porque amava aos índios, como im a­
gens do C reador, não se descuidando porém nunca de os
p ersu ad ir ao serviço dos povos, sem pre como livres, m as
nunca como escravos.
Com tantos e tão opportunos em baixadores, expedio e so
licitou a p ru d en te conducta do P adre Antonio Vieira ao gran­
de Missionário e lingua o P adre Antonio Ribeiro, e seu com­
panheiro, com ordem expressa de recom m enclar aos índios
avisassem aos paren tes, que dentro daqnelle mesmo anuo
esperassem o P ad re Vieira, que sem duvida, ou elle, ou outros
na sua falta os havião de ir b u scar ás suas terras para vive­
rem aldeados so b re as m argens do mesmo rio que habitavão,
para serem vassallos de hum tão grande Piei, que mais tinha
de pai, que de so b e ra n o : aonde livres de inquietações dos
b rancos, assaltos dos seus inim igos e violências dos se rta ­
nejos, vivirião em paz na com panhia dos seus P ad res, de
,mcm receberião com a doutrina e cuidado das alm as o trato
' .ouvio (las pessoas. E para que a expedição se nao dem o-
V c e n o r falta de m eios, ordenou m ais aos M issionários se
fossem provendo de canoas c de tudo o m ais que lhes pare­
cesse necessario para lium a tão im portante en tra d a, assim
r n o ervico de Íleos, como de Sua M ageslade, que. nada
mais desejava, que a noticia de ficar effectuada esta espiritual
Bem advertidos das sabias industrias de seu S uperior,
partirão os nossos Padres, que havião de ser os prim ei-
ros descobridores daquella tão appetecida te rra de pi omis­
são nela qual se esperava corresse, não so o m el e leite da
Santa D outrina, senão agua purissim a do Santo B aptism o, em
que pretendia o apostolico desvelo dos filhos da Companhia
de Jesus verdadeiros observantes do instituto de seu banto
F undador Ignacio, lavar a tantas alm as, p o r quem tinhão ja
corrido caudalosas correntes de infinito sangue. C o m e sta
alegre tropa de cento e tantos índios chegarao os nossos Mis­
sionários ao Cam utá, e ao mesm o tem po que discorrendo
nelas aldeias delle buscavão canoinhas e índios para o tran s­
porte dos em baixadores, os ião enviando pelós rios, conform e
a capacidade das em barcações, e elles tão alegres com a
commissão de convidar os parentes, e darem as suas em bai­
xadas pela boa instrucção do P adre R ibeiro, p a ra isto o mais
insigne, que brevem enle se expedirão a m aior p arte , dei­
xando aos P ad res esperanças firm es da grande colheita do
armo presente, para a qual entrarão log;o a p re p a ra r os ce­
leiros, que crão os meios para conseguir a jo rn a d a ; e nao
se enganarão, porque esta prodigiosa industria do gnm ae
P adre Vieira foi a pedra fundam ental 'do estabelecim ento
das christandades do rio Amazonas, e a chave m e stra com
que se abrio a porta áquella grande conquista, de quê forao
prim eiros descobridores no espiritual os P ad res da Compa­
nhia, como m ostrará a H istoria nas m uitas e populosas al­
deias, que p o r todo elle, e pelos rios que nelle desaguão,
fundarão e estabelecerão, conduzindo não pouco p ara o seu
feliz principio os índios libertados, que tinhão ido diante,
publicando, como pregoeiros, as conveniências da com pa­
nhia dos P ad res, e as ordens do Rei tão favoráveis aos ín ­
dios, que tinhão chegado, acom panhadas de h u in tão bom
G overnador, e tanto seu am igo, como p ru d en te . Mas porque
este famoso rio ha de ser o glorioso th eatro e cam po da
batalha dos Missionários da Companhia, não pareça fóra de
proposito o tratarm os com mais miudeza c clareza (da que
tocámos por incidente nos princípios desta Historia) dos seus
prim eiros descobridores, da sua situação, e braços de que sc
compõe o corpo deste dilatadissim o e agigantado Briarêo.

R d r-
CAPÍTULO V.
DOS P R IM E IR O S D E S C O B R ID O R E S DO R IO A M A Z O N A S, S E G U N D O
O O U E R E F E R E M A S H IS T O R IA S E S T R A N H A S , E DO S E U
DESCOBRIM ENTO PELO S NOSSOS P O R T U G U E Z E S , C O N F O R M E
AS N O S S A S N O T IC IA S M A IS M O D E R N A S N O S R E L A T Ã O .

Na divisão das Capitanias, que fizemos no terceiro livro


desta historia, tocám os com brevidade, algum a cousa deste
celebrado rio, mas com tão dim inuta noticia, que julgam os
por m elhor m udar de parecer, eofferecer aos leitores o que
achám os, não só em autores diversos, senão o que nos dei­
xarão escripto os nossos antigos, en tre os quaes tem o p ri­
m eiro lugar o sapientíssim o m athem atico, o nosso 1 atire
Samuel Fritz, de quem ouvi dizer ao insigne astronom o de
Sua Magestade Fidelissim a, o P adre Ignacio Sam artom ,
ambos da Companhia, quando agora veio ao Para as d em ar­
cações dos dous Domínios, que pasm ava com o o P adre b ritz
com um instrum ento tão lim itado, como o que tro u x era de
Quito, tinha calculado tão exactam ente o rio A m azonas,
que só poderia padecer algum a duvida na m aior ou m en o r
distancia dos calculos, pelo que elle P ad re Sam artom tinha
experim entado, quando por elle fez viagem ao nosso arraial
do Rio Negro. E se succeder to rn ar a rep etir o que já dis­
semos, será tão pouco, que m erecerá dos leitores o p erd ão
pelo trabalho, que agora tom am os de copiar as m ais seg u ras
e exactas noticias, que achám os escriptas sobre elle p elo s
mais antigos P adres da V ice-Provincia que o navegarão, em
que m e fundo, sem m ais experiencia que a com que elles
p ro cu rárão por então averiguar p o r si e por outros a v er­
dade, que não duvido se poderião enganar como hom ens
sem instrum entos que os guiassem a ponto fixo. N elles se
fundará esta nossa relação com respeito sem pre ás sapien­
tíssim as observações de M onsieur Carlos C ondam ine, socio
dignissim o da Academia Real das Sciendas de P ariz, na sua
viagem que p o r ordem da m esm a academ ia fez de Quito
para o P ará, de donde passou para a E uropa, depois de
term os a fortuna de o tra ta r por nosso hospede até a sua
partida. Não pretendem os fazer opinião, porque nada dize­
mos de nosso. Desejamos copiar sem confusão e sem o
em baraço em que as acham os, as noticias deste famoso rio
e mais braços que com elle se a b ra ç ã o : cada hum siga o
m elhor, que o m ais verdadeiro Deos o sabe.
Conta-se por prim eiro descobridor do rio Amazonas Vi­
cente Annes Pinçon, que em barcado no porto de Paios na
costa de Andaluzia em 13 de Novembro de 14-99 com seu
sobrinho Ayres Pinçon, ap ortando prim eiro em Cabo-Verde,
proseguio sua d erro ta em 13 de Janeiro de 1500. Passada a
linha para o sal, descobrio o cabo de Santo Agostinho, e indo
correndo a costa para o Poente, atravessou a g rande boca
deste rio até d o b ra r o cabo do Norte, e seguindo a m esm a
costa quarenta léguas, en tro u pelo rio Yapocó, nom e que
lhe pozerão os índios, c depois sc m udou no de seu desco­
bridor, cham ando-se o rio de Vicente Pinçon, de donde pas­
sou para as Índias de Castella, sem levar m ais do rio Ama­
zonas, que a vista de passagem , quando lhe atravessou a
grande boca.
Ao mesm o tem po, p orque no mesmo anno, e quasi no
mesmo mez ap o rto u felizm ente Pedro Alvares Cabral em o
porto, a que deu o nome de Seguro, na costa tio Brazil,
guiado da Providencia Divina en tre os perigos de hum a to r­
m enta, que quando Deos q u er os proprios naufrágios são o
m elhor n o rte para os m aiores descobrim entos. Por este
com que agora se illustrou a fama deste grande general
ficou o Brazil pertencendo ao dominio portuguez, o pela
bulla do Suprem o P astor A lexandre VI clividio a America
em Portugueza e C astelhana, fechando-sc esta m enor por­
ção do sceptro portuguez com os dous m aiores rios, de que
temos noticia; o das Am azonas, da banda do n o rte, p rin ­
cipiando do rio de Vicente Pinçon aonde se fincou um
m arco por p arte de P ortugal, e o rio da P rata, da parte do
Sul, de que era a m elhor balrsa a nossa fortissim a praça e
Colonia cio S acram ento, dem olida já pelos tratados novos,
ou para m elhor dizer ao p resen te, e ilha de Santa Gatharina,
não m uito longe da foz do dito rio da Prata.
Feita a divisão pela linha m ental do Summo Pontifice, pelo
descobrim ento feito por C abral no tempo do mais mimoso
filho da fortuna, e o mais afortunado ílci de P ortugal o Se­
renissim o Senhor Dom M anoel, de esclarecida m em oria, a
subdividio seu filho o S enhor Dom João I I I , pai da
— 480
Companhia o fundador delia neste reino, em quatro Capi­
tanias, que repartio com varios D onatanos. A prim eira, que
he o objecto da nossa historia, ao insigne historiadoi cia
Asia o grande João de B arros, com o nom e de i-Iaranhao,
que clle pretendeu descobrir e povoar pelos annos de 1o35,
porém a infelicidade de hum naufragio na sua b arra fez de­
sistir aos povoadores da pretençao como H ^ s e m o . A
m esm a infelicidade experim entou Luiz de Mello cia bilva,
pelo anno de 1540, tendo-lhe feito o m etano berem ssim o
Rei doação delia, supposta a desistência de Joao de B arros,
C°Ao niesm o tem po que o infortunio divertia a estes m enos
venturosos exploradores por m ar, intentava o seu d esco -
brim ento por te rra, e pelas suas cabeceiras, o Marquez Dom
Francisco P isarro, fiando esta em preza do animo deste­
mido de seu irm ão Gonçalo P isarro , que sahio de Quito
para ella em Dezembro de 1 o39 com 340 soldados, 4,000
ludios e 150 cavallos, sufficiente num ero para tao grande
expedição. Desceu pela provincia de Quixos, depois de ven­
cer com a resoluta intrepidez de seu anim o a se rra nevada
até topar com hum rio, por cujas m argens continuou su a
derrota por mais de cincoenta léguas da p arte do n o rte,
aonde notou se estreitava m uito o rio entre duas penhas,
que lhe não dava mais larg u ra que a de vinte pes geom e­
tricos. Aqui passou o rio o com m andante com todo o ex e r­
cito para a p arte do sul, e continuando sua jornada ao longo
delle para mais facilitar a sua m arch a, m andou ta b ric ar
canoas para servirem de tran sp o rte dos viveres e soldados
da sua obediência.
Chegou a liuraa aldeia de índios, que lhe derao noticia
certa, de como oitenta léguas, pela estim ativa, m ais a baixo
daquella povoação se encontrava com hum n o m aior em
aguas, e m ais povoado de gente, aonde acharia viveres com
abundancia p ara a subsistência das suas tro p as. Achava-se
Gonçalo P isarro quasi desgostoso pelas difficulclades que
cada dia se encontravão na em preza; não sendo a m en o r o
achar-se já o pequeno exercito sem abastecim entos; m as
como o inform e destes índios lhe segurou a abundancia no
lugar que apontavão, despachou a toda a pressa algum as
canoas, que mais á ligeira se adiantassem ao m aior corpo da
comitiva, ev o ltassem co m a m aior brevidade a en c o n tra r-se
com os com panheiros com todo o com estivel que achassem .
Para cabo desta diligencia escolheu a Francisco de O re-
lhana com cincoenta soldados tam bém escolhidos para sua
escolta, com ordem para que chegando á prim eira povoação
que encontrasse, guarnecesse o posto com os soldados que
julgasse precisos, c se lizesse na volta depois de abastecido
com a brevidade possível. P artio O relhana, e P isarro o foi
seguindo com m ais vagar p arte por te rra , e parte peio rio
porque não havia com m odidade para todos. Quanto mais o
cabo se ia ap artando do seu general, tanto mais longe se ia
pondo da sua sujeição, e desem bocando finalm ente no"rio das
Amazonas, rom peu p o r ultim o no m aior excesso do infide­
lidade, negando a obediência a seu com m andante e a rro ­
gando já a si, como propria, a gloria de tão insigne desco­
brim ento. F ernão Sanches de Vargas, soldado "de brio e
reputação, vendo os excessos de O relhana, lhe estranhou o
procedim ento, de que lhe não podia re su lta r m ais que a
infamia de traid o r, com que poderia escurecer a m em oria
de seu nom e, quando pela fidelidade da em preza se podia
fazer não só famoso, m as respeitado peia posteridade, rigorosa
censora das acções dos hom ens que cingem espada e blazo-
nãocle soldados. Com cousa algum a se m oveu o duro animo do
cab o , correndo já para o precipício com a m esm a corrente
do rio que navegava. Mas p ara que o Sanches lhe não to r­
n asse a ir á mão nos seus desígnios, se descartou delle cm
h um a daquellas praias, o continuou sua viagem tão deshu-
m ano como aleivoso, enfiando sem pre a em barcação cm que
ia pelo m eio da correnteza, p ara m elhor evitar os golpes das
m uitas frechas que o perseguião das m argens cios rios, a
m aior p arte povoados de Gentios.
Chegou a tanto o atrevim ento dos naturaes, que até as
m ulheres com arcos e b uchas o insultarão de te rra c o pi­
carão com suas arm as, donde nasceu o cham ar-lhes o
O relhana, Amazonas, pela sem elhança das arm as, e resoluto
valor com que m ostra vá o im itar o costum e das Asiaticas
dando pela m esm a causa o mesmo nom e ao rio, aonde se
lhe assom arão tantas íiíhas cie Bellona. E esta he ao m eu
p arecer (deixando o u tras p o r mais violentas), a razão de se
cham ar este rio cias Amazonas, porque ás índias contra elle
arm adas, e ao rio, de que ellas bebião, o deu Francisco de
O relhana, ainda que o utros lhe derão o nom e do au to r,
cham ando-lhe rio O relhana.
D esassom bradojá da furia de tão grande chuveiro de selas,
02
m elhorou d ec an ô a , e foisegm ndo o n o ale desem bocai j
d ie no m ar do n o rte, de donde voltou a viagem para a Mar-
rraritu e desta Ilha se em barcou para H espanha, aonde sou
be tão bem pintar e rep resen tar as preciosidades deste rio,
aue por ultim o, passados alguns annos, veio a alcançar cédula
de G overnador, e descobridor delle, que nao logrou m uito,
por acabar com toda a sua equipagem no m esm o desco o u
m ento com desigual infelicidade, a que lhe tinha m erecido
sua abom inável aleivozia. Gonçalo P isarro, desesperado com
a espera, apressou a m archa, e topando na praia ao fide­
líssimo Fernão Sanches de V argas, que á orça de hervas o
fructas silvestres se tinha sustentado, delle soube a exe
cVanda resolução de Francisco de O relhana com pasm o e
assom bro dos com panheiros, e do com m andante que Ibe
fiára a diligencia. Este fatal accidente lhe não deixou ammo
nara m ais, que persu ad ir aos soldados se retirassem todos
p ara Quito, visto o m alogro da conquista, que desvanecera
a infidelidade ambiciosa de hum seu subdito. Gomo ião
m uito destroçados, e íinhão já deixado m ortos a m aior p arte
pelos m atos e m argens do rio á fome, e inclem ências da
incerteza e rigor da m archa, aceitárao o convite. Chegou h -
nalm ente o pouco venturoso P isarro com oito ííespam ioes,
e poucos índios á cidade de Quito em o mez de am m o de
4542, tão pouco satisfeito de O relhana, como seu irm ão da
perda da jornada.
Depois de Francisco de O relhana, en tro u no anno de looO
no mesmo desígnio Pedro de O rsúa, acom panhado de F e r­
nando de Gusmão e Lopo de A guirre, com m uitos outros
ltespanhoes e Índios, não lhe valendo o caiactei de sei
o com m andante para o tirar das m ãos traid o ras dos com pa­
nheiros, que am otinados lhe tirarão a vida. ü mesm o A guirre,
autor da prim eira, o foi tam bém da segunda, tirando-a com
o m esm o dcsempacho do G usm ão: livre dos quaes á força
de continuadas lyrannias contra os tristes com panheiros, con­
tinuou sua d erro ta até sahir pela boca do rio das Amazonas,
e daqui se transportou para a ilha M argarita, aonde ás m ãos
violentas de seus m oradores, que parece não erão tão so f-
fredores como os da sua com itiva, acabou a vida, desgraçado
prêmio de seus tyrannos procedim entos. Alguns outros in­
tentarão o m esm o descobrim ento do rio das Amazonas, que
deixo de referir, por não parecer nimio em copiar a u to re s;
nem lograrem aquelles o fim desejado, que pretendião, p or
m —

e sta r talvez reservada esta gloria aos Portuguczes, a quem


a Providencia dia Altíssimo m ostrou sem pre g u ard ar para os
maiores^ e mais famosos descobrim entos.
dá referim os no livro terceiro a entrada do descobrim ento
da Cidade do Pará feita por Francisco Caldeira Castello
Branco, quando enviado pelo Capitão Alexandre de Moura
com duzentos soldados escolhidos, alguns Índios, e todo o
m ais trem necessario a hum a tão grande expedição, em bar­
cados em bum patacho, hum caravebão, c hum a lancha do
aUo; com hum a tão pequena arm ada dobrou com a m aior
felicidade o cabo da Tijióca, que he o que corresponde ao
do norte da banda de Oeste, e am bos formão a grande boca
deste rio de setenta para oitenta léguas, tom ada em toda
a sua extensão. Navegando pelo rio acima encostado sem pre
ao nascente, deixando algum as ilhas á mão direita pelo e s ­
paço de mais de vinte legoas, topou finalm ente com a ponta
aonde hoje sc acha situada a Cidade do G rão-Pará, e era
então povoação de índios Tupinam bás, a que derão o nom e
de Mayry, que ainda hoje conserva entre o gentio da te rra .
Depois de fundada a sua Cidade de Belém do G rão-P ará,
p o r chegar áquelle porto em 25 de Dezembro com a m utua
alliança das arm as auxiliares dos índios Tupinam bás, sem pre
fieis aos P o rtu g u ezes, perdendo m uitos por este serviço as
liberdades, de que não gozárão m uitos annos, depois de
celebrada a paz, efioa sociedade com o prim eiro Capiião-m ór
Francisco Caldeira, intentou este continuar o descobrim ento
do rio, e ainda que via a nova cidade ainda nas m antinhas
da sua infancia, não deixou de adiantar o começado, lan ­
çando á força de arm as, em que era ajudado dos n atu raes,
a m uitos p irata s, que convidados da com m odidade das ilhas
que estavão encostadas á enseada que faz a boca do rio ,
estavão espalhados para a seu tem po colherem os fruetos
d a sua fertilidade, sendo todo elle lim po e navegavel pelo
num eroso espaço de m uitas léguas.
Não continuou o descobrim ento, porque estava reservada
esta gloria para o seu verdadeiro descobridor, o felicissimo
Capitão Pedro Teixeira, pelo motivo seguinte, que foi o que
abrio a porta a esta sua afortunada em preza.
Tinha sahido de Quito no anno de 1636 o Capitão João
de Palacios com m uitos outros aventureiros, que quizerão
participar da m esm a gloria, levando em sua com panhia al­
guns religiosos Franciscanos, m ovidos, como verdadeiros
n,|,ns s „ , santo c hum ildo P atriarcha, do ardente deaejo
CO, nonicar a tão vastas n açõ es as luzes do Evangelho.
I S * o Capitão no desejo de ser o prim eiro que
1 0 I," tM
descourisse íotaimenie,a W n le ecoei
tou... gtoda a individuação • a pr*0
t n ~
este
í’f'lpv>nflo rio e tanto mais o picava o ...escjo, quan ■ ’
o m uitos os qne prelendftrâo até então arro g ar a si a m esm a
íu! i c l,c 4 rã i! á foz do rio S a p o , e incertos na resolução
nne to m m ã o querendo talvez o dem om o desviar a quelle
t o n e santo zelo dos M issionários, foi tão grande o tem o r,
one*lhe renreseníou a incerteza da viagem p o r te rra s im -
líitoas povoadas de barbaros, que m ais tm hiio de feras que
do tio m en s une todos á hum a descahirao de animo e d es-
m aiárâF m i em p reza; e o Capitão, qne era o que o to n a
com m iinicar aos co m p an h eiro s, poi m ai [ ' nalavras
com a valentia d e seu anim o, e com a foiça das palavras
na gloria q u e p e rd iã o , não p ô d e acab ar com elles> o s e g u s
se n t p o rq u e soldados c relig io so s s e volta ao p a ia C u ito ,
vendo-se o desconsolado co m m an d an te obrigado a con­
tin u a r a viagem com os p o u co s que o a c o m p h a r a o ^ B B -
tran d o d ons religiosos leigos, que po i m ais anim osos o
q" p o íé m S ' a desgraça que estes infelizm ente experi­
m entassem o m esm o que os com panheiros receiarao e
tinha sido causa do seu arrependim ento dando sobre elles
p o r falta de vigilância os Tapuyas bravos tap de repente
e a tão bom tem po, que o prim eiro que cahio m orto toi
0 Capitão João de Palacios e algim s> de seus soldados,
e escapando os qne poderão da subita invasão, a m aior
p arte procurou seguir os passos dos que se tinhao ap ar­
tado para Quito na foz do rio Napo; ao m esm o
seis soldados com os dous leigos Franciscanos, não lhes dando
m ais lugar o susto, se en tregarão em um a canoa, que to ­
m arão a precipitada corrente do rio das Am azonas, que toi
a que por então os livrou do perigo, e como já a este tem po
lhes não ficava lugar para o regresso, navegarão n o a baixo
até que guiados sem pre da Divina Providencia, vierão su rg ir
a salvam ento na cidade do P ará com universal adm iraçao
de seus m oradores pela novidade, e dos pobres navegantes
pelo perigo. ,
Tinha fallecido p o r este tem po, entrado ja o anno de lO d /,
o G overnador Capitão-general do Estado Francisco Coelho
de Carvalho, e arrogára a si o governo Jacom e R aym undo
..■ 41)!

lie N oronha, Provedor-m ór da Fazenda Real, que sabendo


dos hospedes m andou lhe conduzissem ao M aranhão, aonde
clle se achava, os religiosos c soldados Castelhanos ; e com
as inform ações, que deílcs tom ou, entrou na heroica resolu­
ção de m andar descobrir todo o rio das Amazonas até a
cidade de Quito. Elegeu para tão grande em preza a quem
parece tinha o céo destinado papa tão illustre gloria, ao
Capitão Pedro Teixeira, m andando-lhe passar patente de
Capitão-m or, dando-lhe para oííiciaes subalternos, com pos­
tos accom m odados á m esm a expedição, a Pedro da Costa
Favella, Bento R odrigues de Oliveira, bento de Mattos Cotrim
e a Pedro Eayão de Abreu, 70 soldados e 900 índios de
arco e rem o. Com esta luzida tropa, em que brilhavão
tantos P edros, partio do Pará o valoroso Teixeira em 8 de
O utubro de 1607, e rem ando sem pre contra a violência do
rio das Amazonas, vencendo ao mesm o tem po um m ar de
difficuldades, em bocou pela foz do rio Napo, e indo subindo
grande parte da sua corrente, chegou felizmente a desem ­
b arca r em Payam ino em 15 de Agosto de 1638, de donde
continuando a jo rn ad a p o r te rra com a m elhor p arte da sua
com itiva, entrou por ultim o victorioso em Quito em 20 de
O utubro do m esm o anno, tão mimoso da fortuna, como farto
de trab alh o s, com que tinha concluído a em preza, para
illu strar com m ais este tim bre as suas arm as, e ser pelo
m esm o conhecido no m undo o seu nom e.
Depois de informar a Real Academia de Quito sobre o
seu descobrimento, deu a mesma parte ao Viso-rei do Perú,
o conde de Chinchon, por serm os então todos vassallos de
hum mesm o Philippe, o quarto deste nome com o merecido
appellido de Grande. Mandou ao Viso-rei que os Portugue-
zes fossem assistidos com tocla a grandeza muito propria do
brio e primor desta opulenta nação, com ordem, qne sendo
bem providos de todas as m unições de guerra e boca, vol­
tassem pelo mesmo caminho, para por elle se poderem trans­
portar com maior segurança os thesouros do Perú, e que
com elles fossem também duas pessoas das de maior capa­
cidade de Quito, que a real audiência julgou por então
serem os dous religiosos da nossa Companhia, os Padres
Christovão da Cunha e André de Artieda, não obstante esta­
rem exercendo as suas occupações, o primeiro de reitor do
collegio de Cuenca, o segundo de lente de theologia na
universidade de Quito.
Corn estes dons jesu ítas sahio o C apitào-m úr Pedro T ei­
xeira a b u scar a equipagem que tinha deixado sobre o
rio Nano e deixando a estrada de Payamino, por onde
íizera a prim eira m archa, voltou pela de A rchidona, ci­
dade que não distava m uito do lugar aonde o esperavao
os seus, c sendo recebidos os que forão, dos que ficarão
com m ostras de g ran d e co n ten tam en to , em bai cados
todos, co rrerão pelo^Napo, desem bocarão no n o das Ama­
zonas, c chegarão finalmonto ao P ará em 1 - de D ezem bio
de 1639, aonde o C apitão-raór foi tam bém recebido, como
esperado com aqueílas publicas acclam ações cie que se fazia
acreditar o seu m erecim ento; devendo-se a m aior p arte &a
gloria deste completo descobrim ento a Jacom c R aym undo
(Ic N oronha, que com esta tao singular acção do seu go­
verno deve ser mais applaudido, que censurado pelos ex tra­
vagantes meios com que se introduzio nelle. A certada
eleição, cm que am bas tiverão tão grande gloria, o G over­
nador pelo que dispoz e elegeu, c o Capitão-m or Pedro le i-
xeira pelo que venceu e explorou, podendo-se legitim am ente
cham ar o verdadeiro descobridor do famoso e dilatadissim o
rio das Amazonas, pelo qual he bem navegue agora com
mais vagar, depois de se te r descoberto a nossa relação
geographica.
CAPITULO VI.
D ESC R IPÇ À O G E O G R A PH IC A DO FAMOSO RIO DAS AMAZONAS,
COM AS M ISSÕ ES Q U E N E E L E FUNDARÃO OS DA COM PANHIA,
E DOS M A IO R ES R IO S Q U E N E E L E DESEM BOCÃO A TÉ A FOR­
T A LE ZA DO G U R U PÁ .

A grandeza deste celebrado rio lhe tem m ultiplicado os


nom es pela m ultiplicidade dos acontecim entos. ílu n s lhe
cham arão rio M aranhão, outros Amazonas, O relhana e Grào-
P ará o u tro s. 0 prim eiro, que lie entre todos o m ais antigo,
sem ser necessário em baraçarm o-nos com deducções vio­
lentas, lie a m eu ver o que lhe derão os Castelhanos, de burn
seu capitão do mesmo appellido do Maranhão. O segundo
o deu Francisco de O relhana, quando navegando por elle,
foi accom m eltido das m argens, por onde passava, de hum
pequeno esquadrão de m ulheres, que com os arcos e frechas
lhe picarão a m archa, alludindo ao mesmo nom e, com que
forão distinctas entre as do seu sexo as bellicosas Amazonas
da Asia. E do seu m esm o appellido de O relhana lhe dérão o
terceiro os soldados da sua comitiva. O q uarto, de G rão-
P ará, que q u er dizer mar grande, foi dado pelos Portu-
guezes, p orque defronte da cidade, aonde só logra este
nom e, se fórm a a larga balda que compõe os quatro rios
Mojú, Goamá, Capim e Acará, que a não ter no meio a
grande ilha das Onças c as que lhe ficão defronte, correndo
para a b arra, seria m uito mais dilatada a sua grandeza.
P orém lie preciso advertir, para que os curiosos se não
equivoquem , como já o flzerào alguns geographos, que
quando se falia na ilha do M aranhão, que lie o mesmo que
a cidade de S. Luiz do M aranhão, p o r este nom e não se
entenda o das Amazonas, de que tratam os, duzentas léguas
distante, m as sim o que se fôrma na balda a que charhão
de T apuytapéra, que íica defronte da cidade, e fôrm a a sua
boca na ponta de ítacolum y, até a do Perôá, que lhe íica
da outra banda com seis léguas de distancia, p or desem ­
bocarem por ella o u tro s quatro rios (como no G rão-Pará),
que são Pinaré, mais occidental, Mia rim, lla p u c u rú e Mony o
n n js oriental, c alludindo á grande boca das A m azonas, lhe
quizerào, como a este, dar o nom e Maranhão; mas para de
todo se tirar esta com m um equivocaçao, tique a cidade do
ÍJrão-Pará com o sen rio das Amazonas e a cidade de b. Luiz
com o seu antigo Maranhão. E isto baste para hum a q iies-
írm de nom e, eme só tocám os para satisfazer a curiosidade
dos leitores, que querem os tenlião por certo ser o n o das
Amazonas o m aior que conhece o m undo, e nos nao m o stro u
ainda igual a geographia, por desem bocarem nel e m u d o s
e grandes rios, como são Xingu, Tapajoz Macleua e Rio
Nem-o que como principaes o enriquecem do vasto cabedal
d e &suas aguas. E para em poucas palavras o definirm os
pelas m edidas da sua grandeza, usam os das duas, com que
cabalmente o define o grande Padre Antomo fie ira , cha­
m ando-lhe mar doce, pois o he e ainda m aior no com pii-
mento e largura da sua boca que o m ar M editerraneo.
Do com prim ento, largura e profundidade do n o das Amazo­
nas fallão com variedade os autores. Nós porem , sem d isp u tar
a m ateria, seguimos agora nesta p arte a opinião cio nosso
Padre Samuel Fritz, pela precisa razão de nos guiarm os
pelas noticias que nos deixou, a que se poderão estendei
suas mais exactas averiguações, p or não encontrarm os ate
agora outra de m aior clareza, salvo sem pre o m elhor juí zo
do sapientíssim o acadêmico M onsieur Carlos de la Conda m ine,
pela m elhoria dos instrum entos e sabias observações cie seu
autor. Passão m uito além de m il as léguas que lhe da de
com prim ento, incluindo nellas as m uitas e grandes voltas
que o rio faz, e pouco mais de oitenta as que lhe da de
boca, contando da ponta cio cabo cio norte até a do sul da
parte da Tijioca. Da lagôa L auricocha, que está em onze
grãos de latitude austral en tre a cidade cie Lima da p a rte cio
sul, e a de Huanuco cia banda do norte, nasceu este fam oso
parto para adm iração do m undo. À sua altura ordinaria desclo
o prim eiro em barcadouro nunca he m enos que cie sete e
oito braças, e em algumas p artes tão profundo que a sonda
de Mr. de la Conclamine de oitenta braças lhe não topou com
0 fundo. . , ., . , i i
Principia a ser navegavel junto da cidade de .laen cie
Bracam oros, em cinco gráos c vinte e cinco m inutos de la­
titude austral. Ho para adm irar e louvar a Divina P roviden­
cia, epie em toda a prodigiosa distancia que vai deste lu g ar,
ou em barcadouro ató sahir ao m ar, não ha nolle cachoeira,
— 493
salto ou algum outro im pedim ento, que p ertu rb e a sua p a­
cifica navegação, exceptuando em Pongo junto á cidade de
Borja, em trezentos e quatro gráos de longitude e cinco e
meio de latitude au stral, aonde pela estreiteza e grande al­
tura, he preciso m aior reflexão e cuidado nos navegantes
por causa da precipitada co rrente d esu as aguas. Este Pongo,
que quer dizer, Porta, tem. de larg u ra som ente vinte varas,
e p o r hum a tão apertada po rteira sabe este furioso leão,
dando bram idos, que fórma na sua sabida, com grande peso
das aguas, m ais para espantar, que para offender aos que
navegão.
Desce este rio paralello com a linha equinocial de oeste
para leste, sem pre da parte do sul, e hum as vezes m ais
chegado, o u tras m ais afastado delia entre dous, tres, q u atro ,
e cinco gráos, conform e a m aior ou m enor obliquidade dos
seus gyros, excepto na sua fonte, em distancia de onze gráos,
como acima dissem os. He tal a força com que parece q u er
engolir o mesm o m ar, que en tra p o r elle arrogante pelo es­
paço de qu aren ta léguas, convertendo-o de salgado em doce,
e dando com tão extraordinaria m etham orphose lium a evi-
dentissim a prova da sua prodigiosa grandeza. A sua boca
está ladrilhada de ilhas m aiores e m enores, servindo-lhe a
grande ilha de Joannes do m aior bocado, que tem atrav es­
sado na garganta sem o poder engolir pela sua grandeza,
por não contar m enos a dita ilha, que cincoenta léguas de
com prim ento, e trin ta e oito de la rg u ra. Grande bocado sem
duvida, porém m uito m aior ainda para quem se aproveita
da sua grande fertilidade para gado vaccum , que era a m aior
propriedade de seu antigo donatario (hoje o Sr. visconde de
M esquitella que a cedeu á corôa) e a mais rendosa com ­
m enda que tin h a o reino e dom inios de P ortugal, se o b arão
daquella ilha se quizesse aproveitar das quatorze cabeças
annuaes p o r cento, de todos os gados vaccum e cavaliar
que nelle se criarem , assim de seculares, como ecclesiasti­
cos, como se vê ao presente estabelecido, que só dos c u r-
raes dos P ad res da Com panhia, em que se contavão por anno
seis para sete mil crias de vaccum , além mais de cem de
cavaliar, se podia em poucos annos form ar e receber m uito
grosso cabedal, p o r serem m uitas e grandiosas as fazendas
daquella ilha, sendo entre todas sem com paração m aior a
dos R everendissim os Religiosos de Nossa Senhora das M ercês,
por m ais antiga, que forão os prim eiros que com o bem no-
63
— m —
meado Domingos Barbosa Caldeira, povoarão de gados c
Postas tão dilatadas e fertilissim as carapinas. Nesta ilha, le­
rem os na segunda p arte desta H istoria, m atéria am pla p a ia
a narração curiosa c agradavel, quando derm os principio a
conquista espiritual do rio das Amazonas, com as entradas
dos prandes P adres Souto-M aior e Vieira, aos N heengaibas.
Estas m esm as ilhas não deixão de ser profícuas á nave­
gação das canoas, que entre ellas e a te rra firm e^se passao
a outra banda, ainda que para piratas não deixao de ser
eran d e covil, mas para os sacudir do ninho nao íaltaiao sol­
dados e canoas, de que está presidiada, e pelo tem po adiante
como prom ette o m inisterio presente m ais nervosam ente de­
fendida a Capitania do Macapá no cabo do n o rte , como chave
da porta principal do nosso fam oso rio das Amazonas. A p arte
aonde o rio se estreita m ais depois de Pongo h e na altura dos
Pauxis O , em que não tem de largo m ais que hum ad eg u a.
Do Guru pá para cima o ordinario são tres e q u atro léguas,
e partes haverá em todo olle, que tenhao seis e sete léguas.
Tem ultim am ente a felicidade de ser m ais facil a su a nave­
gação, assim aos que sobem, como aos que descem p or e lle ;
porque para a subida nao tem ociosas as velas os navegan­
tes, pelos g e n e s, que são os ventos lestes, serem certos e
sem iros, e para a descida b asta a correnteza, sem ser n e­
cessaria m aior violência nos rem os. A m aior com m odidade
de tem po para subir he a de Setem bro até D ezem bro, em
que, p o r ser verão, se encontrão m enos caudalosas suas cor­
rentes. Até aqui a sua descripção em com m um , desçam os
agora á particular, num erando-lhe os m uitos braços p ara
m elhor intelJigencia das suas forças.
Principiem os pela porção do Amazonas que banha a cidade
do P ará. Hum quarto de légua distante delia á m ão esquerda
entrám os pelo prim eiro que nelle desem boca, cham ado o rio
Goamá, soberbo na sabida pela carranca que logo faz em
M ortciú, m ettendo tal medo ás canoas, com seus rem oinhos
ou caldeirões, que he preciso passar de largo p o r lhe não
dar occasião de as en tra r á força pelos lados, de que se
contão m uitos o deploráveis naufrágios. C orrendo do sul
para o norte, c su b in d o -se por elle acima se encontra com
o rio Capim, com cujo cabedal de aguas, p o r ser grande, se
faz m ais insolente o Goamá. Este só pelo espaço de q u a-
IIrtje a villa de Óbidos.
(Nota do Edictor).
ren ta léguas, que tanto vai até á casa forte, se pódc n a v e ­
g a r; porque clahi para cima em pouca distancia entra a
offerecer clifficuldades á navegarão, com cachoeiras e outros
im pedim entos. Porém o rio Capim, como mais poderoso,
en tra mais pela terra dentro, fazendo-se navegavel o m elhor
de cento e cincoenta léguas de distancia, correndo com al­
gum a inclinação para o n o rd este. Affirmárão alguns práticos,
co rrer paralello nas suas cabeceiras com o rio Mojú, quo
am bos as tem m uito proxim as ao celebre rio T ocantins; o
que se tem experim entado p o r alguns índios que m oravão
nelles, e pelo motivo da fuga, como de ordinário costum ão,
atravessarão o m ato e forão cahir naquelle rio, ([iie não che­
gará talvez a vinte léguas, porque em dons dias sem grande
m archa se vence. P or este rio Capim sc podia ta m b ém fazer
o passo com m aior facilidade para as minas dos Goyazes,
p o r ser lim po de cachoeiras, p or inform ação de hum piloto,
que por elle navegou, e pela de alguns sertanejos, que das
suas cabeceiras ao arraial dos Goyazes, dizem, poderão ser
p o r terra, até vinte dias de viagem . Se se abrissem as portas
ao com m ercio, as estradas se rom perião logo para a pas­
sagem .
Foi o rio Goamá o m ais fértil, e seus m oradores os
m ais opulentos, depois que entrárão a plantar m uito café e
cacáo m anso, a instancias do C apitão-general João da Maya
da Gama, que foi o que prom oveu a sua cultura, em tem po
que valia m uito. Hoje porém , pelo contrario, com o achaque
que padecem os cacaoeiros, a que chamão lagartão, o outro
sem elhante que dá nos cafezeiros (*), para o que não ha outro
rem edio que plantar de novo, antes que de todo sc sequem ,
ou deem pouco ou nenhum fru c to ; m as para isto faltão os
escravos, e o que mais he, o cabedal para os com prar, m o­
tivo p o rq u e a m aior parte dos seus m oradores estão red u ­
zidos a hum a deplorável decadência, não sendo os que menos
a sentem alguns senhores de engenho, que quando m uito
poderão agora appellar p ara a sem enteira do arroz.
L argando a boca do Goamá, e indo subindo pelo rio P ará,
porção do Amazonas, em distancia de duas léguas, desem ­
boca a m ão esquerda o rio Acará, descendo do sul para o
norte, quasi paralello com o rio Capim. Tem quinhentas
C) Parece ser o mesmo mal de que estão sendo attacados os cafcsaes da
Provincia do Rio de Janeiro.
(Nota do Edictor).
tirara s ponen m ais ou m enos, na sua m aior la rg u r a ; porem
de boca pouco m enos, e lie navegavel p o r m ais de cm coenta
. e está povoado de m o radores p o r distancia de quasi
Irinta ’Tem alguns engenhos de assu car, assim como tam bém
os lia' no Goamá. Abaixo d este rio A cará hum a le g a i, e
acima de M urutieú o u tra , tem os Religiosos da Com panhia
hum engenho de assucar, cham ado Ib u raju b a, de que fez
doação ao Collegio do Pará e sua Igreja D. C athanna da Cos­
ta senhora m uito am ante e bem feitora da Com panhia. Pas-
sVda a boca do rio A cará, h u m tiro de canhão, tem lam bem
os Religiosos da Companhia o u tra fazenda, cham ada Jagua
n r y situada sobre o Mojú, e lie a segunda lazenda que teve
a Companhia no P ará, p o r deixa ao m esm o Collegio e Igreja,
de João d e Castro e sua m u lh er.
Da boca cleste rio Acará para cima, se com eça a cham ar
a bahia do P ará, rio Mojú. Este rio desce, com o os m ais,
do sul para o n o rte. Tem la rg u ra ordinaria de m eia legua,
e esta conserva por espaço de trin ta léguas, ainda acim a do
Igárapé-m irim . E ntende-se ser navegavel p o r espaço de
cento e trin ta léguas.
Tornemos á boca do rio das Am azonas, p ara fazerm os
algum conceito das ilhas que lhe ficão na boca, e co rrem ate
aonde agora chegám os a Ig árap é-m irim . .
Entrando pelo rio das Amazonas acim a, da p arte do sul
e pela ponta da Tijioca, que, encontrando o rio, fica á m ão
esquerda, e lhe fica á direita a ilha dos Joannes, em d istan ­
cia de oito léguas, e se vai estreitando, quanto m ais se sobe
pelo rio acim a, en trem ettidas o u tras ilhas en tre a do
Joannes e te rra firm e. Chegando á bahia do P ará, que tem de
largura na sua boca quasi duas léguas, e corre en tre a te rra
firme e a ilha das Onças, p o r d etrás da qual, da p arte do
norte, corre tam bém o u tra bahia cham ada de Carnapijo,
parallela á do P ará, e m enos larga que esta, p o r te r só um a
legua de largura, e parallela a am bas estas b a h ia s; p ara a
m esm a p arte do norte está a grande bahia do M arajó, que
passa de quatro léguas de larg u ra, e tem á m ão esq u erd a,
subindo para cima, hum a grande ilha que a divide da de Car-
napijó, e á direita a ilha grande do Joannes, que a divide
da m adre do rio das Amazonas da p arte do n o rte. E sta
bahia do Marajó se com põe das aguas dos rios de Tocantins,
Bócas, A raticú e dos mais rios, passado o Igárapé-m irim ,
assim como as bahias d o P a rá e Carnapijo se form ão sóm ente
V,H» —

dos rios Goamá, Acará, Capim e Mojú, do quo bem so in ­


iere o grando fundam ento com que se affirma quo a do Pará
ou leva m uito pouca, ou não tem uma só gota das aguas do
rio Am azonas. A largura do rio ou bahia Pará c Mojú tom,
subindo á m ão esquerda, a te rra firm e, o á direita algum as
ilhas que estão entre o Mojú e a bahia do Marajó e M ara-
patá, onde se passa pelo estreito do Igárapé-m irim , que
está en tre as ditas ilhas.
Os que q uerem ir para o Amazonas pelo rio Mojú entrão á
m ão direita pelo Igarapé-m irim , que he hum rio estreito
p o r en tre as ilhas, e tem de com prim ento doze léguas até
sah ir á bahia chamada M arapatá. Esta bahia, que tem de
largo cinco ou seis léguas, se fórm a da boca do rio Tocan­
tins, ou, p ara dizermos m elhor, he esta bahia o principio
da sua boca, que vem a desaguar entre a ilha de Marajó e
M ortigura. O rio pedia pela sua grandeza e fama das suas
riquezas capitulo particular. Corre de lcs-su d o este para o
noroeste. Este rio desce das m inas dos Goyazes, que tam ­
bém se cham ão dos Tocantins, as quaes se descobrirão pelos
annos de 1730. Antes deste descobrim ento que íizerão os
P au listas, se tinhão feito varias tropas e expedições do Pará
ao m esm o fim, sem pre infructuosas por causa da grande
difficuldade da sua navegação pelas m uitas cachoeiras
que tem .
A’ este rio fez a su a prim eira m issão o P adre Antonio
V ieira, no anno de 1653. Depois delle se fizerão varias m is­
sões pelos Religiosos da Com panhia, e as duas ultim as foi
hum a dos P ad res Manoelda Motta e Jeronym o da Gama, no
anno de 1722, e o u tra em 1724, em que foi o venerável
P ad re M arcos Antonio Arnulfini, que fundou um a aldeia na
cachoeira cham ada Taboca. Estando por este tem po fun­
dando a dita aldeia, descerão pelo rio Tocantins abaixo dous
P ortuguezes com um preto, fugidos da tro p a que andava no
descobrim ento das m inas dos Goyazes.
Deixemos o mais d este rio Tocantins p ara capitulo p a rti­
cu lar do segundo tom o, por q u ererm o s agora seguir a no­
ticia que vam os dando do rio das Amazonas. Na boca deste
rio , subindo á mão direita, tiverão os Religiosos da Com pa­
nhia duas aldeias no sitio cham ado C am utátapera, aonde
tem os Religiosos das M ercês hum a fazenda. Esta aldeia era
d a nossa resid e n d a, com a invocação de S. P e d r o ; e a do
P arájojá tin h a a invocação de S, João B aptista. Depois se
— r>oo —
reduzio tudo a hum a aldeia, que, pela destruição das bexi­
gas, a m udou o P ad re Manoel Nunes para o sitio do Parajó (*),
aonde actualm ente está governada pelos Religiosos Capuchos
da provincia da Piedade, por nós a largarm os no tem po da
divisão das aldeias. De tudo darem os a seu tem po, em capí­
tulos particulares, m ais distincta e individual noticia.
Deixando o rio Tocantins, e atravessando a bahia do Ma-
rapatá, vam os e n tra r na boca do Igarapé, aonde se costum a
dizer — deixão as alm as penduradas os P ortuguezes, quando
vão para o sertão, para to rn ar a receb er quando v o ltã o — .
Este rio Limoeiro te rá de com prido doze léguas até desem ­
bocar na bahia cham ada de João F u rtad o , a qual bahia se
fórma da boca dos rios Àraticú, Bócas, Jacundá e outros,
que logo referirem os. 0 rio A raticú desce do sul para o
norte, dizem ser navegavel por espaço de quarenta léguas.
As suas cabeceiras não são muito distantes do rio Tocantins.
E ntrando pelo dito Araticú acim a, á m ão direita, em dis­
tancia de duas léguas, está situada a aldeia dos Bócas (**),
dos Religiosos da Companhia, a qual antes estava situada no
rio Bócas, e a m udou no anno de 1738 o P adre Manoel dos
Reis para este r i o ; porque os Inclios não tendo te rra s nos
Bócas, fazião as suas roças neste rio de A raticú; e como não
podião assistir aos officios divinos pela distancia, julgou o
Padre conveniente m udar a aldeia para o rio A raticú. De­
fronte da boca deste rio está o sitio de João F u rta d o , em
hum a ilha de pequeno circuito. E indo seguindo o rum o
tf a noroeste seg u em -se á mão direita varias ilhas, e á es­
querda a terra firm e ; e costeando esta da boca de A raticú,
em distancia de oito léguas, vamos d ar na boca do rio Bócas,
que co rre da m esm a sorte que o do Araticú, só com a diffe­
rence cie ser m enor no seu curso, e as suas cabeceiras se
ajuntão com pouca distancia das do A raticú e Jacundá.
Passada a boca dos Bócas, á m ão esquerda, costeando a
terra firm e, vam os topar com a boca do rio Jacundá, que
corre da m esm a fórm a que os rio s A raticú e B ócas, ju l­
ga-se p o r m aior q u e os clous, e te rá pouco m ais de hum
quarto de legua d e larg u ra, e o m esm o tem de la rg u ra na
(') Baena no seu E n sa io C orographico escreve P a ra jó . Hoje h e a cidade
de Camutá ou Cametá.
(” ) Hoje a villa de Oeiras.
(Notas do Edictor).
— 501 —

sua boca o rio Araticú. Defronte da boca do rio Jacundá


fica um a grande ilha, distante oito léguas da dita boca, aonde
está situada a aldeia d e liu a ric u rú (*), dos Religiosos da Com­
pan h ia, e consta dos Índios Nhecngaibas, que ainda hoje se
glorião de serem reduzidos peio grande P adre Antonio
Vieira.
Para o leitor fazer m elhor conceito deste labyrintho de
ilhas deve sab er que assim como á mão esquerda, no cam i­
nho que levam os, está a terra firm e, assim tam bém á mão
direita ha m uitas e varias ilhas, m aiores e m enores, até
chegar á ilha grande do Marajó, sem entre estas ilhas e
a quell a haver m ais agua, que varios iguarapés ou rios, pelos
quaes se dividem estas ilhotas da ilha grande do Joannes.
Tam bém aqui advirto ao leitor que passando pelo rio Li­
m oeiro, fazendo-se um a linha im aginaria até o rio das
A reias, tudo o que fica á mão direita era pertencente ao
Darão da Ilha Grande, c o que fica á mão esquerda tocava
ao donatario do Camutá, Francisco de A lbuquerque Coelho
de Carvalho, cujas te rra s comoção da boca do rio Tocantins
até ao rio das Areias, por costa com algum as ilhas c qua­
ren ta léguas para o sertão . Porém lm m a e outra Capitania se
achão hoje encorporadas na real coroa.
Indo seguindo o m esm o rum o a noroeste, e costeando
a te rra firm e á mão esquerda, cm distancia de duas léguas,
vimos a d ar na boca do rio Jaguarajó, que tem o m esm o
curso, e pouco m enor grandeza que o rio Jacundá. De Ja­
guarajó, seguindo o m esm o rum o em distancia de sete lé­
guas, vamos dar na boca do celebre rio Pacajá. Este rio
pede a seu tem po capitulo particular, pelo que nelle o b rá-
rão os prim eiros Religiosos da Companhia, e pela gloriosa
m o rte que nelle teve o venerável Padre João de Souto-M aior.
P o r agora só direm os que fie, sem com paração, m aior que
os m ais rios que tem os até agora referido, de A raticú e
Jacundá. Subindo-se p o r este rio acim a, se divide em dous
braços ; um á mão esquerda, que co rre em pouca distancia
do rio Tocantins, e o braço da p arte direita se com munica
com o rio X ingú; de so rte que deste rio se póde vir á boca
do Pacajá sem pre em canoa pelo rio, e a causa por que se
não com m unicão p o r este rio he a grande diíílculdade das
suas cachoeiras.
(') lio a villa de Molga<;o. Ba ona cham a a esta alilêa — A rietini.
(Nota do Edictor).
— 502

Adiante da boca do rio Pacajá, cousa de d uas léguas, está


situada na terra lirrae a aldeia de A ruçara ( ), dos Religiosos
da Companhia, a mais populosa das que a té agora tem os
contado, pelos m uitos descim entos que os Missionários tem feito.
Desta aldeia e seus fundadores, assim como das m ais, da
remos noticia em capitulos particulares na nossa segunda
narte, para que não falta m ateria com que b rin d ar aos cu ­
riosos. Em distancia pouco mais de hum tiro de m osquete
desta aldeia está a boca do rio Anapú, que co rre da m esm a
sorte que os mais rios atrás, com a differenç.a de ser m ais
pequeno que o Pacajá, e terá o m esm o curso e largura que o
Araticú Dizem que as cabeceiras deste rio Anapu se com -
municão com o rio Pacajá. Também se diz que nas m atas deste
rio ha muita abundancia de páos pintados excellentes, a que
os naturaes dão o nom e de Ib u ra p in im a H , que lie o páo m ais
precioso que se tem descoberto em toda a America P o rtu -
o-ueza. De A rucará, se seguíssem os a costa da te rra firm e,
poderíam os ir saliir á boca do rio das A reias, ao largo do
Guru p á ; porém são tantas as ilhas e peninsulas, que não ha
communicação por entre ellas, e só alguns fugidos de oídi-
nario sabem estas veredas por en tre ellas. Pelo que, se­
guindo o cam inho com mum para o Amazonas, devem os
tornar atrás de A rucará a G uaricurú, e ahi entrarm os pelo
grande rio, ou Igarapé, cham ado T agipurú.
Este rio T agipurú corre por entre ilhas, e tem de com ­
prido mais de trinta léguas até irm os finalm ente sahir no
rio das Amazonas. E sahindo neste fam oso rio, objecto da
'fi» nossa descripção, a poucos passos topam os, á mão esquerda,
com a boca do rio das Areias, que tem o m esm o curso do
Anapú, mas he cousa lim itada.
Correndo o rio das Amazonas acim a, em ^ distancia
de doze léguas, chegám osá fortaleza do G urupá (***), que está
situada sobre o mesmo rio das Amazonas. Esta fortaleza se
diz fôra fundada pelos H ollandezes, e ainda a sua form atura
o m ostra. A sua guarnição se com punha de hum a com panhia
de soldados pagos, com hum Capitão-m ór com m andante,
um Capitão de infantaria e officiaes subalternos. Junto á
(•) Hoje a villa de Portei.
(” ) Baena no seu E n sa io C orographico dá á essa madeira o nom e de
M iira p in im a .
(•” ) 0 seu primitivo nome era Mariocay.
(Notas do Edictor).
furlaieza, para a banda do Xingú, quo cabo sohru o \m a -
zonas, csU ° convenio dos Iieverendos Padres Piedosos, quo
I’d Net o b i. D. i cdro m andou fundar no anno do iGD2 (1) <>
pouco inais adiante bunia aldeia quo be da sua doutrina. N()
lugar cllesto convento houve antes um convento dos Heveren-
dos Padres Carmelitas Calçados, que o deixarão com a orca-
síuo da vinda dos Iieverendos Piedosos, o neste convento dos
Reverendos Carm elitas se prenderão os prim eiros Padres da
Companhia no anno de 1601, na moção popular do Pará
como em seu lugar verem os, com não pequena adm irarão
c os leitores pelo depravado c injusto motivo que para isso
tom arão.
Defronte desta fortaleza, á parte direita do rio das Ama­
zonas, que daqui por diante cham arem os da parte do norte
assim como á esquerda da do sul, está a boca do rio Tuaró ■
corre do norte para o sul, e não parece ser muito com prido
no seu curso, assim como o não serão os mais rios que en­
contrarm os ao norte até o rio Negro. Na boca deste rio
íu a re esta hum a aldeia de Índios (2), adm inistrada pelos Re­
verendos Religiosos da Provincia de Santo Antonio dos
Capuchos.

(I) E sto convento cora a retirad a dos M issionários c as reform as incxcm ij.
v cis do M arquez de P om bal, arru in o u -se totalm ente. Segundo B acna, as ru in as
deste estabelecim ento ainda crão vistas em 1 780. Ficava perto da aldeia de
A rapijo, hoje o lu g a r de C arrasòdo.
„ . 0 . aportuguezarnento dos nom es das aldeias que estavão sob a direccão dos
m issio n ário síoi a um ea reform ado M arquez de Pom bal que vingou i A im posirão
da ling uag em portugueza tam b ém , porque os colonos forão augm entando e os
mhos perecendo, graças ao seu fam oso D irectorio de 1 75 8, que su b stituio o
R egim ento das M issões. Os fructo s deste D irectorio forão tão péssim os que a
linal rev og arão -o por C arta R egia de 12 de Maio de 1 79 8. Infelizm cnte depois
ué acabar com os índios dos estabelecim entos creados pelos Jesu ítas o o utros
M issionários, como se pode vèr no Ensaio Corofjraphico de B acna, o D irectorio
anula nos veio p rejud icar, concorrendo para isto o prestigio do nom e do M ar­
quez; pois em í 84. > intim o para sc nos dar o decreto n . 4,26 dc 2 4 de Julho
desse anuo com o R egulam ento de M issões, c cujo system a lio no essencial
idêntico ao celebre D irectorio. Sendo a arvore a m esm a não m aravilhão
fru to s.
(-) Roje a villa dc A rraiolos. B aena dá a este rio o nom e de T ocre.
(Notas do Edict or).
CAPITULO V il.
CONTINUE A DESCRIPÇÃO DO RIO DAS AMAZONAS E MISSÕES
DA COMPANHIA DESDE O GURU PÁ ATÉ O RIO TAPAJÓZ.

Tornando do Gurupá p ara cima da p arte do sul em d is-


tancia do cinco léguas vam os e n l n r na boca do | rande ™
Xincrú ciue corre do sul p ara o norte. Tem de boca m ais
de fesua e meia. He navegavel por espaço cie tre s m ezes
e de que bebe ao que parece m uito gentio. S ubindo-se por
este rio acima em distancia de quarenta léguas tem algum as
cachoeiras hum as mais o u tras m enos difflcultosas de passar,
porém ’todas são vadeaveis em canoas de trin ta ate qua­
renta palmos de com prido. 0 Reverendo P ad re Allemao
Roque H underptfundt, da Com panhia, que foi Missionário
alguns annos no dito rio , e subio acim a das p rim eiras e
m ais difficultosas cachoeiras com cinco sem anas de viagem ,
que pela difficuldade dos saltos poderão ser som ente cento
e cincoenta léguas de distancia, com o fim de tira r alm as
daquelle sertão, m e referio e deu a inform ação seguinte
dito rio, p arte tirada do que vio e p a rte das inform ações
dos índios. Diz pois que o curso do rio inclina m ais para
leste do seu descim ento. . , .
Em distancia cie cem léguas subindo pelo rio Xingu acim a,
desem boca n este rio á m ão direita outro rio de igual g ran ­
deza cham ado rio Iriry, que traz o seu curso cio poente, pelo
qual entrou o dito P adre nove dias cie viagem, que poderião
ser quarenta léguas por causa cias cachoeiras, a p raticar as
nações dos Incíios Curibarys e Jacipoyas, que h ab itão n as
m argens do dito rio, e por inform ações destes índios se
sabe*3haver m uitas outras nações de índios no dito rio.
Subindo da boca deste rio Xingú acim a em distancia de
trin ta léguas, está a nação dos índios Ju rú n as, situada em
quatro pequenas aldeias que tem nas ilhas do m esm o rio.
Desta nação se não duvida que seja feroz, e com e carne
hum ana. D istinguem -se cias mais nações, exceptuando os
Jacipoyas, que tem os m esm os signaes com hum a cinta
p reta, que form ão da testa até a ponta da b arb a de la rg u ra
— j f l ,( —

de ires dedos, ludo f e i t o a ferro c sangue e linia preta d e


janipapo. e os mais abahsados se distinguem com dous ris ­
cos pretos pelas faces e queixos menos" largos eme o signal
da testa.
Desta naeào dos Ju rú n as, subindo rio acima em distancia
de sessenta léguas referirão estes Índios ao P adre que se
dava em hm is cam pos abertos, o que indo d i e s p e l o s campos
se via á m ão esquerda do rio hum a grande serra, e subindo
ao alto delia, do mais alto ao longe se via Imma povoação
de brancos, porque ouvirão som de sinos, como tam bém que
virão gados de bois, cavallos e ovelhas.
O tem po m ostrará se he verdade o que estes índios
referem , que povoação esta seja que se pode discorrer ser
algum arraial pertencente ás m inas o governo dos Goyazes.
E confirm a este discurso o dizerem os m esm os índios que os
índios da nação C arajáuçú, que algumas vezes se tem visto
nos Tocantins, tem vindo a d a r guerras aos Jurúnas, e são
h abitadores daquelles cam pos, ainda que sem lugar certo,
por serem índios de corso.
O rio Xingú lie todo pelas m argens de pedraria, e se­
m eado de ilhas e cachoeiras pelo meio, signal que as te rras
p o r onde corre são de bastante altura. Àbundão estas te rras
de cravo e outras drogas. A sua largura he ordinariam ente
de duas léguas até acima dos Jurúnas, e referirão estes ao
P adre que ainda entre os cam pos de que falíamos conser­
vava a m esm a larg u ra, signal de que tem m uito com pri­
m ento en tre o nascente e o sul, ainda que de ordinário
innavegavel.
E ntrando por este rio Xingú acima logo na boca á mão
esquerda está a aldeia de Arapijó (1) cios Reverendos Religiosos
da Piedade. Mais adiante duas léguas da m esm a p arte está
a aldeia de Cavianá(á), dos m esm os Padres, e depois desta al­
deia duas léguas ha hum a povoação de Portuguezes com ­
posta de clous sitios, o prim eiro cham ado T abapará e o
segundo Boa-V ista, e de am bos estes sitios e alguns m ora­
dores cio G urupá se pretende form ar hum a villa, para o
que ba já licença de Sua Magestade. Todos estes m oradores
por agora estão sujeitos, e form ão hum a freguezia, que está
no G urupá com seu vigário, que tam bém o lie da vara, e se
(1) He o lu g ar dc G arrasédo.
(2) lie a freguezia de V ilhrinlio do Monte, líaeu a escreve — C auhiaua.
Õ Y o /tw tio lviH oh.
-— 506 —
julga serem os freguezes por agora até sessenta m o rad o res
com seu juiz c escrivão, e estes m oradores poderão ter
cousa de trezentos para quatrocentos escravos, que agora
perderão pela nova lei das liberdades.
Seguindo o mesmo rio Xingú á m ão esquerda duas léguas
distante da Boa-Vista está a aldeia de M atorú(l), tam bém dos
R everendos Religiosos Piedosos. Todas estas aldeias forao
prim eiro dos Padres da Companhia, hum as de visita e o u ­
tra s de resid en d a. E a esta de M aturú fundou o P adre Joao
Maria de Gorçoni, de cujos fervores e santidade já tocám os
alguma cousa no Capitulo ÍIÍ do Livro V. Da aldeia de Ma­
tu r a em distancia de cinco léguas da mesma p arte esquerda
do rio está a aldeia de Itacuruçá (2), da Companhia de Jesus,
que tem a gloria de ser fundada, ou de lograr as prim eiras
noticias da Religião Catholica por meio do Venerável P ad re
Luiz Figueira, pelo anno de 1637, como deixám os escripto
no Livro III desta historia Capitulo III.
Mais adiante duas léguas da dita aldeia está o u tra cha­
mada Pirauiry (3). Alguns annos antes até o de 1730estavão
unidas em huma estas duas aldeias, em que se virão obri­
gados os Padres a separa-las em duas por causa das g randes
differenças e m ortes que havia entre as duas nações, de que
se com punha a aldeia de Itacuruçá. Defronte de P irauiry da
da parte direita do rio Xingú tres léguas mais acim a
está a aldeia de Aricary (4), fundada tam bém e adm inistrada
pelos Religiosos da Companhia. U ltim am ente foi este rio
com as suas terras adjacentes doado ao donatarío G aspar
de Abreu de Freitas, que depois desistio da doação, e lie
hoje do Patrim onio Real.
Se se cuidara em povoar este rio , assim com aldeias de
índios, como com povoações de m oradores, haveria hum
grande augm ento espiritual e tem poral pela bondade dos
aro se terras deste rio. R etirando-se de Itacuruçá p o r clous
cam inhos se púde descer para o Amazonas, hum pelo m es­
mo rio abaixo, outro por hum rio cham ado Ayquiquy, que
vem satiir no Amazonas defronte da fortaleza do P a rú , a
(1) ííc a villa de P orto dc Mós.
(2) tie a villa de Veiros.
(■>) He a villa dc P om bal.
(-1) lie a villa de S oii/el.
(iXolfIS tin lulirlov).
•jua! está sobre o Amazonas da parte do norte, c junto
della huma aldeia dos Religiosos da provincia de Santo An­
tonio chamada tam bém a aldeia do Parú (1), appellido que
tom ara de hum pequeno rio que desemboca no Amazonas
junto á fortaleza do mesmo nome. Entre o Parú c Tu a ré da
parte do norte nos fica o rio Jary, que desemboca no Ama­
zonas defronte da boca do Xingai.
Este rio Jary lie m aior que o Tu a ré, c se julga ser nave-
gavcl por mais de oitenta léguas, c desce do norte para o
sul, e as suas cabeceiras vão tocar com as grandes serras
do P arú. Xa boca deste rio lia hum a aldeia chamada do
Jary (5), da adm inistração dosReligiosos da provincia de Santo
Antonio. He de advertir que todas estas aldeias (como já
dissemos) forão fundadas e adm inistradas pelos Religiosos
da Companhia de Jesus, os quaes as largarão ás mais reli-
gioes^ por não terem sngeitos para todas, motivo porque
pedirão a El-rei o Senhor Dom Pedro lí qnizesse rep artir
todas aquellas aldeias que correm á parte do norte com as
mais sagradas religiões, a qual repartição se fez no anno de
i69'2, como consta da ordem de Sua Magcstade expedida no
regim ento das m issões, m andado fazer pelo dito Senhor
Rei Dom Pedro pelos m elhores m inistros de governo c
letras.
Acima do Pa rú, subindo o rio das Amazonas da mesma parte
do norte, em distancia de dez léguas, está a aldeia de ÍJru-
búquára (3), da invocação de S. Francisco Xavier. Esta aldeia
fundou o nosso Padre José B arreiros no tempo do Padre
Superior João Felippe Bettendorf, e o Missionário que resi­
dia nella tinha de visita a aldeia de Jaquaquára (A) e a aldeia
do Parú. _Hoje, por causa da divisão, he da adm inistração
dos Religiosos da Piedade. Segue-se a aldeia de Guru pá-
tuba (5) cm distancia de dez léguas de U rubuquára pelo rio
Amazonas acima, adm inistrada tam bém hoje pelos Religiosos
('a Piedade. Fundou esta aldeia o P adre Manoel da Costa,
da Companhia de Jesus, em hum lugar alto e eminente
(I) He a villa de Almeirim.
Ç2) Foi depois a povoação dc Fragoso, lioje extincta.
(3) lie a povoação ou lugar do Outeiro.
(í) Desta aldeia já não ha noticia.
(5) He a villa de Monle-Alcgre.
{Nulas do Edirlor).
r>08 -

sobre o rio das Amazonas debaixo da invocaçao d ^ o s s a be


nhora da Conceição. Visitava o Missionário deGurupatuba
duas aldeias do rio Tapajoz, hum a da i^ o c a ç a o ^ a
Senhora da Conceição e outra de Santo Ignacio de Loyola.
Tinha tam bém de visita este Missionário defronte de G m u
n n tú ln (!a n arte do sul do rio hum a aldeia cham ada Gon
cary (í), cujo sitio se chama ainda G onçarytapera. Nos m atos
en tre esta aldeia e a de U rubuquára ba o pao pintado cha
maTam bem a cíesde *o P arú até esta aldeia ba duas se rra s
m uito altas, em que se diz ba ouro e p rata, e tam bém a un-
dão de salsaparrilba e cacáo de m aior grandeza a fava que
0 ordinário. íle esta aldeia celebre pela pintura de hum as
cuias, ano nella se pintuo com hum a tinta cham ada ciim ate,
tão tina e de tão bom gosto, que com pete com o mel boi
xarão da China. Defronte desta aldeia onde esta a de Go ri­
ca ry, desem boca bum rio cham ado G uruha, que descri cio
sul para o norte, e se sabe ser navegavel por m ais de oitenta
leoiias, cuja scabeceirasnão sao m uito distantes do rio X ingu.
Subindo o mesmo rio das Amazonas acima em distancia cie
quatro léguas da parte do norte está a aldeia do S u ru b iu (-),
da mesma adm inistração dos Religiosos Piedosos. E tie s
1ermas mais acima cia m esm a parte do n o rte das Am azonas
tem estes Religiosos outra aldeia pequena dentro em num
lago a que chamão a aldeia de Ouruhá (3): acima desta aldeia
s quatro léguas da mesma p arte do norte cio Amazonas esta
a fortaleza dos Pauxis, e junto desta, cluas aldeias pequenas
bruna pertencente á fortaleza e outra cia adm inistração dos
Religiosos cia Piedade (4). Dizem que Manoel d iM otta, fu n d a ­
dor da fortaleza dos Tapajòz, fundara tam bém esta fortaleza
dos Pauxis. lie o m elhor sitio que tem o rio das Am azonas
p ara fortaleza, por ser aqui o rio mais apertado, que tem oito ­
centas e setenta braças só de largo, m edidas p o r Mr. Carlos
de la Conclamine, que o vadeou, e se entende terá h u m
fundo ;inçom prehensivel, pois em tan ta estreiteza com pre-
(!) Baena cham a á este lugar Cuçary.
(-2) He a villa de Alcmquer.
(3) Esta aldeia teve posteriorm ente o nome de — L ugar de Areozelo — , qmg
segundo Baena, acabou cm 1787, passando-se seus habitantes para a aldeia
de Pauxis, boie a villa de Óbidos.
i í) Estas duas aldeias fundirão-se na villa de Óbidos.
(..Yii t í i s (hl i'.(hcloi').
— 509

hende bum peso de aguas, que pedião m uitas léguas de


extensão. Ainda aqui, posto que pouco so sente o (luxo da
m aré, que denota o serem estas te rras muito baixas, pois
em distancia de duzentas e tantas léguas do m ar não excede
a sua altura mais que o que costum a su b ir o m ar na sua en­
chente. Esta fortaleza so acha em altura de hum grão e
quarenta e cinco m inutos de latitude austral.
Defronte da fortaleza dos Pauxis, tre s léguas mais abaixo
da p arte do sul do Amazonas, está a boca do celebre rio
Tapajóz, que corre do sul para o norte em distancia de mais
de sessenta dias de viagem navegavel. Na boca deste rio
e na ponta que sc fôrm a delle e do Amazonas, entrando á
mão esquerda, está a fortaleza, e junto delia dons tiros de
m osquete a aldeia dos índios Tapajóz (1), que d erâo seu m es­
mo nom e ao rio, aldeia e fortaleza. Esta fortaleza fundou
Manoel da Motta á sua custa, e E l-rei lhe deu o titulo de
G overnador delia por tres vidas em rem uneração deste
serviço, e he digno de com paixão, que tendo o fundador
netos, a quem por equidade se devia dar o commando
perpetuo delia, são tão desam parados que hum neto do
fundador se acha aclualm ente tenente delia, estando ainda
na terceira v id a; o que se deve a ttrib u ir não á injustiça da
parte de E l-re i, mas ao desalinho e desam paro do dito ho­
mem em não p ro c u ra r o que lhe toca.
Subindo o rio Tapajóz acima á m ão esquerda, em distancia
de sete léguas, está a aldeia de Borary (2), tam bém da admi­
nistração dos Religiosos da Com panhia. Esta aldeia estava
unida com a dos Tapajóz até o anno de 1738, em que o
Paclre Manoel F erreira a separou para Borary, p or causa de
ser m uito grande a aldeia de Tapajóz, e não te r te rras bas­
tantes para a cultura de tantos índios. Defronte de Borary á
mão direita do rio está a aldeia de C um arú ou A raphm s (3), da
adm inistração da Companhia, que tam bém está sobre o rio,
que nesta paragem tem m ais de q u atro léguas de largura.
Subindo pelo m esm o rio Tapajóz acim a, da mesma parte
direita em distancia de oito léguas, vamos topar com a
aldeia de Santo Ignacio ou dos Tupinam baranas (4), situada
tam bém sobre a m argem do rio.
(1) He a cidade de Santarém .
(2) He a villa de A lter do Chão.
(3) He villa Franca.
(4) He a villa de Boim.
\NoUis dn Eãirtov),
510
Esta aldeia estava situada anligam cnle no anno de 1G(H)
sobre o rio das Amazonas, em lm ina ponta elu g ar alto, donde
por causa dos m uitos m osquitos a m udarão os P adres para
hum lago dentro form ado do rio dos Andirazes e de bum
'brar.o do Amazonas, que vai d ar ao sertão dos Coriatós.
Fundou esta aldeia o nosso P adre Antonio da Fonseca de­
baixo da invocação de Santo Ignacio. F orm arão depois, ou
este ou seus successores, hum a igreja e Casa Religiosa com
seu claustro tão bellas e tão form osas, que a sua bondade
foi o verdugo de m uitos índios e Religiosos que nella m o r­
rerão pela m alignidade de seus a r e s ; p o r não se atreverem
a desam parar tão bello edifício, até que o P adre Manoel
Lopes com autoridade dos S u p erio res deixou tudo pelo
armo de 1737, e m udou a aldeia em peso para o rio dos
Tapajóz, aonde agora se acha.
Subindo o m esm o Tapajóz acima á mão direita está a
aldeia de S. José ou M atapús (l). Esta aldeia fundou o nosso
Padre José da Gama pelo anuo de 1722. e era da visita do
dito P adre Missionário Gama, que o era então da aldeia dos
A rapiuns. Ile este rio na sua boca até a distancia de q u a­
renta léguas, onde principião as cachoeiras, cie bons ares e
clima benigno. Subindo as prim eiras cachoeiras lie m enos
habitavel pela praga dos m osquitos cham ados Piuns, que são
venenosos, e ainda aos m esm os n atu ra es insoffriveis; he
verdade, porém , que m ais para cima parece se acaba esta
terrív el praga.
Este rio Tapajóz e a sua prim eira aldeia teve por prim eiro
Missionário, que introduzio nella a fé, ao Padre João F elip-
pe B ettendorf, a quein se deve grande parte das noticias
desta historia pela curiosa exacção de seus diários, e a
quem o P ad re Antonio Vieira com m etteu esta em preza no
anuo de 1661, por con co rrerem no dito P adre dotes e ta ­
lentos dignos para a reducçâo do m uito gentilism o que
naquelle tem po havia, e pela grande fam a que havia da bon­
dade e boa situação deste rio. E com effeito E l-rei o S enhor
Dom Pedro ordenou que na boca do dito rio se fundasse
hum a villa e nella hum Collegio da Com panhia de Jesus,
que fosse como sem inario, onde se habilitassem os operarios
da fé que se devia espalhar e p lantar no vasto rio das Ama­
zonas e m ais rios seus collateraes. A boca deste rio T apa-
(J) lie a villa de Piuliel.
(JSola do Edirlorh
joz, conform o a observação do Mr. tic la Condam ine, está cm
altu ra de dons grãos e vinte e cinco m inutos do latitude
au stral.
Conta-so quo nos tem pos antigos subira hum navio de alto
b o rd o , c que surgira na boca deste rio, ainda que os p ráti­
cos do Amazonas dizem ser difficillima a navegação de nãos
de alto bordo, não p o rfa lta ^ d e fundo, que a té V Pongo, diz
Mr. de la Condam ine, não. ha paragem que não tenha ao
m enos oito braças de fu n d o ; m as sim p o r causa das
gran d es correntezas do rio, contra as quaes poucas vezes
resiste a força dos m aiores ventos, pelo que se faz preciso
aju d ar dos rem os.
Ile verdade que não lie pequena bondade deste grande rio
das Amazonas, para a sua navegação, p ara cim a, o te r sem ­
p re ventos n q tem po do verão, que com eça em Agosto o
acaba em Janeiro, sem pre constantes, que assoprão da sua
boca p ara cima, e posso certificar, como testem unha dc vis­
ta , que vi subir um a canoa pelo dito rio, de oitenta palm os,
governada por dous índios, hum com o governo da jacurná,
que serve de leme, como as pás nos barcos do Tejo, e outro
que governava o panno da vela. P ara baixo já se sabe, quo
a correnteza do rio facilita m uito a sua navegação, havendo
cuidado não topem os vasos em algum daquelles grandes
m ad eiro s, que nelle cahem , quando a m esm a correnteza lhe
leva a te rra em que se su ste n tã o ; porque correm perigo,
o u de se virarem , ou de se rom perem com a forca que
levão.
O rio Tapajóz esteve por d escobrir da p arte das suas ca­
beceiras até o armo de 1747, em que desceu por elle abaixo
h um Mineiro das m inas de M ato-Grosso, cham ado João de
Souza de Azevedo, o qual veio por este rio com prar fazen­
das ao P ará, _e com ellas voltou p ara o M ato-Grosso, não
pelo do Tapajóz, como determ inou, m as pelo rio da Ma­
deira, p o r novos m otivos, que se lhe ofíerecôrão na subida
dq Amazonas. Prim eiro que João de Souza, desceu por este
rio Leonardo de Oliveira, da ilha da M adeira, com outros
m ais, e chegou á aldeia de S. José em 1742.
Referio este João de Souza, que subindo pelo rio Tapajóz
acim a (que diz tem as suas cabeceiras em altu ra de doze
gráos de latitude au stral), em altura de cinco gráos desem ­
boca nelle á m ão esquerda ou tro rio, cham ado Rio N egro,
que desce do rum o de n o rd este, o qual Rio Negro acaba cm
65
— 51‘2 —

hum as cam pinas, o que d estas ha cam inho por te rra ás


cabeceiras do rio Cuyaba, distante so tres dias das cane
ceiras de h u m a outro rio . Indo subindo o m esm o rio Ta
pajóz acima, se encontrão m ais quatro n o s pequenos a mao
esquerda, dos quaes só o quarto tem o nom e de n o das
T res B arras, que he de c rer o deve ao m esm o descobridor
Souza, o qual entrou por este n o , e pouco entiado nelle,
m andou cavar nas suas margenS e batear, em que dizi achou
ouro de boa conta. E com effeito m andout a am ostr a^ -rei
o Sr. I). João V no m esm o anno de lv 4 7 , e erao ses
senta e quatro oitavas de ouro, tirado no dito rio c
T res B arras. Subindo da dita boca deste cousa de vinte
léguas de distancia se topa com outro n o a m ao es­
qu erd a, cham ado A rinóz; no meio deste rio d e s c o b ru a o o s
Mineiros do Matto-Grosso hum as m inas de ouro, no anno
de 1746, a que derão o nom e de arrayal de Santa Izabei.
Mais acima em distancia de vinte léguas está outro n o a m ao
esquerda, cham ado Jú rú en a, que todos descem de n o rte s
e desaguão no rio Tapajóz, ao qual o dito Joao de Souza
form a, e dá o curso de sul a norte, e cham a ao n o Tapajóz,
nas suas cabeceiras, rio Juyná. Das cabeceiras deste rio ia -
paióz ou Juyná se vai p o r te rra de chapada atravessando
varios riachos confluentes ao da Madeira ate o M atto-Grosso,
que lhe fica quasi a oeste em distancia de cem lé g u a s ; e na
m esm a distancia, pouco m ais ou m enos, das cabeceiras do
Tapajóz para leste íicão as m inas e povoação do Cuyaba.
Bem he verdade que João de Souza não desceu pelas cabecei­
ras do Tapajóz e rio Juyná, m as sim pelas do rio A nnoz, das
quaes ao Matto-Grosso diz que gastárão vinte e cinco dias de
viagem por terra, e que fazendo-se a jo rn ad a escoteiro se
gastarão quinze dias, e para o Cuyabá m enos. A com m um -
cação destas m inas m o strará para o futuro m enores distan­
cias c mais facilidade nos cam inhos. Refere m ais o m esm o
João de Souza ser a navegação do dito rio difficultosa p o r
te r m uitas cachoeiras. Todos estes rios collateraes do Ama­
zonas tem o defeito destas cachoeiras, signal de que descem
de te rra s altas, a saber, as da parte do sul correm dos m on­
tes que dividem as v erten tes, que cahem para o Amazonas,
das vertentes que descem para o rio da P ra ta . E da p arte
do n o rte as serras do P a rú , continuadas em m aior altura e
m ui visiveis até Tapajóz, que continuão m enos levantadas até
surgirem nos fam osos m ontes dos Andes, ju n to a Quito.
— 543 —

E stas m ontanhas dividem as v ertentes para o rio Amazonas


d as vertentes que co rrem p ara o n o rte e form ão o n o da
M agdalena, o celebrado rio Orinoco c o rio E ssequibo, que
desem boca no m ar, não m uito d istante de S urinam e, colonia
hollandeza, com quem os índios do m ato do nosso districto
negoceião, depois que lh es faltarão os resgates da banda do
P a rá . Fatal negocio! , _ . . .
E daqui se póde bem conhecer a bondade do n o das
A m azonas, que tem h u m curso de m il e quinhentas léguas,
sem em tão grande distancia se en co n trar hum a so ca­
choeira ou salto, que difficulte a sua navegação, e so no
Pongo pelo apertado de suas aguas se sente algum a diííicul-
dade em vencer a sua correnteza, en tre S. Thiago e Borja,
q u e são tres léguas de distancia.
CAPITULO VIII.
C O N T IN U ’A A B E S C R IP Ç Ã O CO R IO A M A Z O N A S, E M IS S Õ E S D A
C O M P A N H IA , D E S D E O R IO T A P A JÓ Z A T É O R IO
D A M A D E IR A .

D efronte do rio Tapajóz á mão direita da p arte do norte


do Amazonas, acima da fortaleza dos Pauxis, daas léguas,
está o rio cham adodas T rom betas (1), que desce do n o rte para
o sul, que terá na boca hum quarto de legua de largo, e lie
navegavel por mais de oitenta léguas, ainda que com diffi-
culdade pelas suas cachoeiras. Dizem alguns que os In 1 ios
das cabeceiras deste rio tem com m unicação com os Ilo llan -
dezes de Surinam e, por se achar entre elles algum a ferra­
m enta fabricada em líollanda; m aldita co rresp o n d ê n cia!
Subindo do rio Trom betas pelo Amazonas acima á m ão d ireita,
cm distancia de quinze léguas, está o rio cham ado Jam undás
(2), que desce (ta m esm a fórm a que o das T rom betas, e se en ­
tende ser de igual ou m aior grandeza. Na boca deste rio
sobre hum lago dello tem os Religiosos da Piedade hum a al­
deia de índios, cham ada a aldeia de Jam undá(3), a qual foi fun­
dada, como as m ais, pelos Religiosos da C om panhia, é era
visita do Missionário de G urupátúba.
Ile esto rio celebro p o r se clizer que nelle habitavão as
Amazonas, que na sua boca accom m ettôrão ao celebrado
O relhana, prim eiro d esco b rid o r do Amazonas. Tam bém se
diz que nas cabeceiras deste rio ba hum lago, donde se
tirão hum as pedras verdes com m uitos e varios feitios, de
que se infere com grande evidencia ser algum b a rro , que
den tro na agua (como coral) se conserva m olle, e em quanto
assim está, se formão dello as figuras que querem , m as
depois de tirado da agua se faz tão duro como bum dia­
m ante, e nao cede ao ferro e a ç o , mais duro, e de tem pera
mais fo rte que pódc haver.
(1) O nom e índio d e s te rio h c O rix im in a.
(2) B a e n a escreve N h a m u n d d . A e s te rio c h a m a v u o os índios a n tiç a m e n te
— Giimmz 0
(d) t i e a villa ile. i aro,
(Notas do Edictor).
M ostrando-sc hum a destas pedras a hum lapidario cm
Lisboa, disse que pelo toque m ostravão ser pedras finas.
Dizem que estas p ed ras são as verdadeiras pedras n co fri-
ticas, e tem a m esm a v irtu d e. He certo que Mr. de la C on-
dam ine fez hum g ran d e apreço delias, e póde ser que os
lapidarios de F rança lhes d escubrão algum as virtudes. Cha­
in ão-se estas p ed ras, pela lingua dos Índios, P uúraquitan, e
dizem alguns (relata refero) não acredito, que as m ulheres
Amazonas as dão aos hom ens, que hum a vez no armo vão
com m unicar com ellas. 0 certo lie que ha estas p ed ras en tre
os Índios, e eu tive hum a grande, e ainda se não sabe o
lu g ar onde se achão, e donde se tirão . D estas tive alg u ­
m as, e hum a de m aior grandeza, que representava o pes­
coço e cabeça de hum cavallo, que foi para Bolonha, p ara
o celebre M useu do Summo Pontifice Benedicto XIV.
Do rio Jam undá subindo as Amazonas acim a á mão direita
em distancia de quinze léguas desem boca o rio G uatum á (*),
que co rre do n o rte para o sul, cuja boca passa de m eia
legua de largo, e lhe dão m ais de cem léguas de com pri­
m ento, ainda que com o m esm o defeito das cachoeiras que
principião a oito léguas da sua boca*. Na deste rio tre s lé­
guas d entro e s ta v a h u m a aldeia que se acabou de d e stru ir
no anno de 1745, fugindo os índios para o m ato, desam pa­
rando ao seu M issionário da religião de N ossa Senhora das
M ercês, a quem pertencia a adm inistração da dita aldeia (**).
Tam bém se diz que nas cabeceiras deste rio tem os índios
com m unicação com os Hollandezes, cujas noticias p or m ais
que pelo prejuízo das pobres almas en tre hereges m e des-
agradão, as refiro.
Todos estes rio s desde Jam undá até U rubú tem a b u n -
dancia de cravo do M aranhão, como tam bém se achão nelles
o celebrado páo Iburapinim a, que quer dizer páo pintado
com m alhas. Acima de G uatum á tre s léguas está o rio Anibá
que c o rre da m esm a sorte que o G uatum á, m as m uito m enor
que este. D entro deste rio tre s léguas distante de sua boca
está hum a aldeia dos Religiosos das M ercês, que he o resto
(') Baena, Amazonas no seu Diccionario Topo graphico, Milliet de S ain t-
Adolpho, chamão á este rio •—- Uatumá.
(*') Em 1814 esta situação foi renovada pelos cuidados de Crispim Lobo
de Macedo, que ali foi aldeiar os índios Pariquis. H a hoje hum a capella sob
a invocação dc Santa Anna,
[Notas do Edictor).
— 516 -
das aldeias que os m esm os Religiosos tinhão no G uatum a,
Matary e U rubú. Segue-se da m esm a p arte do norte hum
rio pequeno cham ado Saracá, do m esm o curso do norte para
o sul, cuja boca dista do Ànibá tre s léguas. H e celebre este
rio pelas praias que junto a sua boca fórm a o das Am a­
zonas, nas quaes os P ortuguezes fazem todos os annos
hum a prodigiosa viração das tartaru g as.
D esta viração já falíam os na carta do P adre Aieira. Acima
d estas praias quatro léguas está o rio U rubú, da m esm a
p a rte direita do rio das Amazonas, que corre do norte p ara o
sul da mesma sorte que os rios Jam undá, Anibá e os m ais
que deixamos referidos. Tem este rio pouco mais de hum
quarto de legua de largo, e te rá cem léguas de curso nave-
gavel com a m esm a difficuldacle das cachoeiras. Na boca
deste rio teve a Companhia hum a fam osa aldeia que na re ­
partição tocou aos Religiosos de Nossa Senhora das M erces.
Hoje não tem aldeia nenhum a porque o resto , como ja dis­
sem os, se acha na aldeia do Anibá (1), dos m esm os Reli­
giosos. , .
Defronte do rio U rubú deixám os á raao esquerda das
Amazonas o celebre rio da Madeira, e abaixo deste o dos
Maguês (2) defronte do G uatam á, dos quaes logo fallarem os,
p ara acabarm os com o rio Matary da p a rte do n o rte, o qual
está acima do U rubú cousa de oito léguas. N este rio Ma­
tary teve a Companhia hum a residência com hum a populosa
aldeia de índios, a qual fundou o celebre Aloisio P ateil, na­
tural de Constância, e lhe succedeu o P ad re João Maria
Gorçoni. Passou depois esta aldeia á adm inistração dos
Religiosos das M ercês, que pelo tem po se acabou no anno
de 17 Ai. Já parece tem po de e n tra r a descrever o nosso
grande rio da p arte do sul.
Tornando abaixo da p arte do sul das A m azonas, e subindo
dos Tãpajóz, onde ficámos até a boca de h u m braço do rio
da M adeira cham ado P aranám irim , são sessenta léguas de
distancia. A boca deste P aranám irim te rá de la rg u ra duzen­
tas braças, e de com prim ento até á m argem do rio da Ma­
deira serão sessen ta léguas. Este rio P aranám irim se fórm a
de quatro rios pequenos que desem bocão nelle todos da
p a rte esq u erd a; o prim eiro se cham a A ndirá, que dista da
(1) He hoje a Villa de Silves.
(2) Baena e o utros au to res escrevem — Maués.
(Notas do Edictor).
— 517 -

boca seis lé g u as; o segundo, M aguês, q u e dista do A ndirá


quinze lé g u a s ; o terceiro , Abacaxis, q u e dista do M aguês
vinte léguas ; e o q u arto , Canum á, que dista do Abacaxis oito
lé g u a s; e deste Canum á á m argem do rio cia Madeira serão
seis léguas. E fica sendo a te rra da p a rte direita deste rio
P aran ám irim hum a ilha form ada deste P aranam irim , A m a­
zonas e M adeira. N esta ilha sobre as Amazonas acima da
boca do P aran ám irim cinco léguas se fundou prim eiro a
aldeia dos T u p inam baranas (1), que ainda hoje se chama Ta­
p era, que q u er dizer lugar que foi dos T upinam baranas.
0 M issionário desta aldeia fundou m ais duas de visita,
hum a de índios A ndirazes e outra de índios A rapiuns. De­
pois se m udou esta aldeia para dentro do P aranám irim na
boca, e sobre h u m lago do rio A ndirá, onde esteve m uitos
annos com bellas casas e igreja, e por causa dos m áos ares
se m udou ultim am ente para os Tapajóz, com o em seu lu g a r
dissem os, pelo nosso P adre Manoel Lopes, n atu ral da villa
de M ourào; e só re sta dizer que esta aldeia, estando so b re
as Amazonas, tinha a invocação de Santa Maria Maior, e
passando p ara os A ndirazes, tom ou a de Santo Ignacio, que
ainda hoje conserva nos Tapajóz.
Subindo da boca do P aran ám irim pelo rio das Am azonas
acima, em distancia de q u aren ta léguas, vam os e n tra r na
boca grande do rio da Madeira. Tem este fam oso rio duas m il
seissen tas e dez varas portuguezas de larg o ou m il trezentas
e cinco b raças pela m edição de Mr. de la Conclamine. Desce
cie Santa Cruz de la S ierra situada em dezesete gráos e trin ta
m inutos de latitu d e a u s tra l; o seu curso lie do sul p a ra o
n o rte , e a su a distancia com as m uitas voltas se estim a em
m ais de q u atro cen tas léguas, e da boca do rio ^ até Santa
Cruz de la S ierra pelo braço que cham ão M amore se gasta
com m um m ente até as cachoeiras vinte dias de viagem , e cias
cachoeiras até as prim eiras aldeias dos P ad res Castelhanos
quinze d ia s; destas até a cidade de S an ta C ruz vinte clias,
que vem a fazer cincoenta e cinco dias d e viagem .
Na boca deste rio está hoje um a aldeia (2) dos Religiosos da
Com panhia situada so b re o rio á m ão esquerda subindo para
cima dez léguas da dita boca. Esta aldeia esteve p rim eiro
na boca do rio M aturá, que desem boca no da M adeira, m ais
(1) P asso u p ara o ponto que h e hoje a villa de B o irú no rio T apajóz.
(2) He hoje a villa de S erp a . , r 7. , .
x J (Notas do Edictor).
do cinco cala leguas, e a principal nação de que se c o m p u ­
nha era do índios Arurizes, o se chamava p o r esta causa a
aldeia dos Arurizes, a qual fu n d o u e foi seu p rim eiro Missio­
nário o Padre João Angelo Buonóni, n atu ra l de R om a. Mu­
d ou-se depois esta aldeia p a ra a boca do rio C anum á, q u e
desemboca no P aran ám irim , e se situou no dito sitio na sua
boca, subindo á m ão d i r e i t a ; depois sc m u d o u deste sitio
p ara o rio Abacaxis, aonde estava a o utra aldeia de visita,
e sc u n irão ambas, e se situarão tres léguas acima da boca
do dito rio á mão direita. U ltim am ente se m u d o u para o
lugar, aonde está ao presente no anno cie 1745. Todas estas
m udanças se fizerão por causa dos ares, que em todas estas
paragens são pouco sadios, e causavão nos índios não p e ­
quena m ortandade.
Acima desta aldeia quinze léguas está outra aldeia dos Re­
ligiosos da Companhia cham ada Trocano (1), a sua invocação
lie de Santo Antonio, assim como a dos Abacaxis tem p o r
invocação a Santa V era-C ruz, e tendo antes a invocação cie
S. Francisco dc Borja, e póde ser que esta fosse a invocação
da aldeia de visita, e que se perdesse na união de am bas.
Esta aldeia dc Trocano fundou-a o nosso P ad re João de
Sampaio no anno de 1725 junto ás prim eiras cachoeiras na
boca cie hum rio chamado Jam ary (2) sobre a M adeira, e p o r
isso se cham ou a aldeia das Cachoeiras ou Jam ary, depois
se m udou para o Trocano p o r causa cios bravos índios M uras
que infestarão hostilm ente a dita aldeia, e p or se livrarem
cie inquietações por já lhes não poderem re sistir aos seus
assaltos se desceu para o Trocano no anno de 1742.
Seria conveniente á coroa cie P ortugal, que não só se con­
servassem no dito lugar, m as ainda se fundassem o u tras
(c com segurança) acima das cachoeiras para conservação
dos nossos dom ínios. Nem a Com panhia deixou cie attencler
a este bem da corôa, rep resen tan d o -o aos G overnadores,
para que dessem providencias contra a invasão dos M úras,
gentio indom ito e cru el; mas não se lhe pôz até agora o re ­
medio, e apenas o P adre José da Gama lhe pôz clous p e ­
dreiros (o), para espantar com os tiros os ditos M úras: de que
(1) He hoje a villa de B orba.
(2 ) ^P o steriorm ente, cm 1 8 0 2 , fundou-se u m a nova aldeia sob o titulo de
S. João do C rato, que foi abandonada, em razão de su a insalub rid ad e.
„ í°) E ra a fam osa artilh aria que tin h ão os Jesu ítas no A m azonas, para tom ar
a P o rtu g al as su as colonias.
{Nolas do E dic lor).
o Sr. G eneral Francisco Xavier fez grande m ysterio, in te r­
pretando esta conducta a fim m uito diverso do intento do
dito M issionário.
0 rio da Madeira tem varios rios m enores collateraes e
continentes a elle, como á m ão direita, subindo para cima
o rio dos G ualtazes, Capaná, e outros, e á mão esquerda o
A repuaná, M ataurá, M armellos, e o utros. Este rio Madeira
tem tres cachoeiras principaes de m ais difficuldade. Acima
destas co rre o rio p o r en tre p ed ras, cousa de vinte e cinco
íeguas, em que he m ais facil a navegação. P assadas estas
vinte e cinco Íeguas, se navega rio lim po, e em distancia de
quinze Íeguas se entra á m ão direita em hum rio de boca
larga, que dá o nom e ao rio M adeira; porque deste rio he
que descem os grandes troncos, p o r causa dos quaes se lhe
deu o nom e de M adeira; e da boca deste rio para cima senão
encontra hum só tronco. Este rio, pela sua grandeza da boca
h e verosim il que tenha m ais acim a o rio, a que os Caste­
lhanos cham ão Beny, distante do que cham ão M amoró p ara a
p arte de oeste cincoenta Íe g u a s; ainda que Mr. de la Condamine
ju lg a que este Beny sejão as cabeceiras do rio P u rú s, Bem
póde se r que tamlaem por algum braço se possa com m u-
n icar com o rio P u rú s, assim com o he certo que pelo rio
G ualtazes ha com m unicação com as Amazonas, P u rú s, e com
o rio Coary, que desem boca m uito mais acima dos P u rú s,
no rio das Am azonas.
Subindo da boca deste rio (que cham arem os com p arti­
cularidade rio dos Troncos p ara o não confundirm os com
o M ad eira), cujo curso principal daqui p ara cima (suppom os
se r o rio M am oré), em distancia de trinta Íeguas se encontra
á m ão esq u erd a outro rio grande, cham ado Ite n e z ; e por
este rio sobem e descem os P ortuguezes das m inas de Mato-
G rosso. Da boca deste rio até o M ato-G rosso, ou ao porto
onde se desem barca para o M ato-Grosso, serão cento e cin­
coenta Íeguas de distancia, p orque se gasta com m um m ente
da dita boca até o sobredito porto, vinte dias de Viagem para
cim a, sem p re p o r rio limpo e pacifico; e as m argens do dito
rio são todas de m atas, e fazendo-se a conta total da viagem
da boca do rio da M adeira até ás m inas de M ato-G rosso, são
ordinariam ente dous mezes de viagem para cim a; a sa b er:
vinte dias até ás cachoeiras, e vinte dias destas até a boca
do Itenez, e vinte desta até o M ato-G rosso. Do p o rto deste
rio Itenez á povoação de M ato-G rosso são oito Íeguas, ou
Si S\
>20 -

hum dia de jornada ordinaria por te rra ; de sorte que os


m oradores de M ato-Grosso m andão pescar a este iio p aia
seu ordinario sustento. Estas as noticias que derão alguns
Mineiros, que de Mato-Grosso descerão ao Pará a prover-se
do necessario e varias fazendas que leva vão. .
Tornando á boca do rio Itenez, e subindo pela m ai do rio
Madeira (que daqui p o r diante chapearemos Maniore, a
poucas jornadas vam os topar com varias aldeias dos P ad res
da Companhia, Castelhanos da Provincia do P eru . Os nom es
destas aldeias, e o curso deste rio M am oré achará o curioso
leito r no Mappa da Provincia do P araguay, im presso p o r
Matheus Sculero. Este mappa dá o curso deste rio d ireito
do sul a norte, com varios braços confluentes a elle, em
cujas m argens e braços descreve os sítios das ditas aldeias,
seis á p arte esquerda, e dez á direita do dito rio. D escreve
m ais nas suas cabeceiras huns grandes m ontes, e nas fraldas
delles para a p arte de leste a cidade de Santa Cruz de la
Sierra, e para a parte do sul, em distancia de oitenta lég u as,
com declinação para o oeste as m inas do Potozí. Todas estas
aldeias, situadas no rio Mamoré, se cham ão aldeias da P ro ­
vincia dos Moxos. .
Até aqui, ou até a boca do rio da M adeira, tive a relaçao
de hum Religioso Missionário curioso, que cu rso u m uitos
annos o rio das Amazonas, até o da M adeira, o qual teve a
paciência de inform ar por escripto as circum standas delle com
as particularidades que deixo referidas, e pela capacidade
do dito Missionário, posso aíllrm ar que tudo o que tem os
relatado se faz verdadeiro, menos no que toca ás distancias,
que estão escriptas p o r m era fantasia e estim ação, que todos
sabem lie de ordinario muito fallivel. Daqui por diante pelo
que toca ao curso das Amazonas, traslado com m ais re c o -
pilação a viagem deM r. dela Condamine, feita no anno de 1743,
que se não póde n egar foi feita com m uita exacção, diligencia
e cuidado deste au to r francez, m em bro da Academ ia P a­
risiense.
Sinto nao te r p ara este lugar as duas relações, que tin h a ,
c erão da m inha m aio r estim ação; hum a que m e participou
o juiz de fóra que foi de Mato-Grosso, Theotonio de G usm ão,
m inistro p o r extrem o zeloso do serviço de Sua M agestade,
quando agora desceu por este rio ao P ará a b u scar o preciso
p ara a fundação da nova villa, que pretendia estabelecer n o
salto grande das cachoeiras, que seria sem duvida h u m a
521 —
optim a estalagem dos passageiros cio M alo-C rosso. JNcsta
relação m e offerecia como em m appa todas as cachoeiras e
saltos cio rio da Madeira, que, segando a m inha lem brança,
serião sete, algum as cio vinte e vinte dons palm os de alto
p o r modo de ladeira. A segunda, com m aior m iudeza que
a prim eira, cjue já tinha dado, m a com m unicou o S a i­
mento-mor João de Souza, o m ais pratico sertanejo clesia car­
reira, que tam bém notava m uitas outras curiosidades; porém
quiz a desgraça, que dando-as a ver a lium a pessoa de con­
fiança e iotelíigencia, esta, ou por descuido, ou p o r não sei
que, as não pôde ach ar quando lidas pedi, dando-m e apenas
h u n s fragm entos, que ainda poderão servir p ara p arte do
que já dissem os. E para que o desgosto da perca nao fosse
desconsolação sem allivio, ainda que se não possa cham ar
to tal, succecleu o que vou a dizer.
Estando nós descrevendo este rio Itenez ou b u ap o re, ti­
vem os a fortuna de nos chegar ás m aos hum exacto m appa
do curso do dito rio, que desce de leste para oeste, com
curso pacifico e navegavel, sem difíiculdade algum a. E n -
tran d o -se pGla boca do dito rio acima, cm distancia do cjua-
re n ta léguas, se topa, subindo á m ão esquerda, corn hum a
aldeia de índios da invocação de Santa Ilosa, que esta m uito
dim inuta de índios, e apenas terá trezentas alm as, lie ao pi e-
sente da adm inistração dos P ad res cia Companhia do P e r u ,
e está assignado h u m tratado entre P ortugal e Castella, no
qual esta cede a P o rtu g al toda a p arte esquerda do dito n o ,
ou a p arte oriental com a dita Missão de Santa Rosa, e as
m ais que se achão da dita parte oriental do dito rio, o qual.
fica sendo o lim ite dos dominios de P ortugal e Castella, pelo
qu e aquelle cede a esta da parte do s u l ; m as até o presente
se não tem dem arcado, conform e o dito tratado assignado
em Janeiro de 1750. Fabrica esta Missão de Santa Rosa pan­
nos de algodão, e tem seu engenho de assucar. Antes estava
situada esta aldeia na p arte occidental do m esm o n o , e se
m udou para a parte oriental por m ais saudavel.
Subindo o rio acima, em distancia de tiin ta léguas, se
en co n tra da p a rte oriental ou esquerdo do rio a Missão ou
aldeia de S. Miguel, que se diz tem para cima de q u atro
m il alm as. He governada pelos P adres da Com panhia da
provincia do P erú, e actualm cnto hc M issionário delia o
P ad re C aspar de N .... já m uito velho, o qual falia oito lín ­
guas differentes do índios, e tem reduzido m uitos a nossa
020 0

Santa Fé. Fabricão estes índios panno de algodão e assncar.


Tem na sua Igreja m uitos instrum entos, como orgão, h a r­
pa, etc., que sabem tocar os m esmos índios. Subindo o
mesm o rio G uaporé acima, em distancia de seis léguas, se
encontra á m ão direita a b o c a do rio M agdalena. E ntrando
por este rio Magdalena acima, em distancia de cinco léguas,
tem os P adres da Companhia do Perii hum a aldeia de q u i­
nhentas alm as da invocação de Santa Maria M agdalena, que
deu o nome ao rio, o qual desce do sul para o norte, e o
Missionário actual desta aldeia he o P adre José Ritevam be,
Italiano.
Da boca do rio Magdalena continuando a viagem do rio
Guaporé acima, em distancia de cincoenta léguas da m esm a
parte direita, desemboca hum rio, cham ado Baury (I), que
desce do sul p ara o n o rte; e da boca deste rio subindo o m es­
mo Guaporé cousa de duas léguas se encontra á p arte e s­
querda o rio cham adoC om biaré, ouC um briaré (2), que desce
do norte para o sul. Nas cabeceiras deste rio pela te rra
dentro para a parte de oeste está hum a aldeia da invocação
de S. Simão, fundada ha poucos annos, e terá duzentas
almas, o Missionário actual he o Padre Francisco Xavier, da
Companhia de Jesus, Italiano. Nas m esm as cabeceiras deste
rio se descobrio ouro no anuo de 4748.
Subindo o mesm o rio Guaporé ou Itenez acima cousa de
cincoenta léguas se encontra á mão direita a boca do Rio
Verde, nom e que lhe derão as suas aguas, p o r parecerem
verdes, e desce do sul para o norte. E acima da boca deste
rio em distancia de seis léguas desemboca da parte esquer­
da no rio Guaporé hum corrego, ou hum rio pequeno, cha­
mado Galerio, cm que os Portuguezes do M ato-G rosso tirão
ouro. Acima da boca deste rio, subindo o rio Guaporé da
m esm a p arte esquerda, está o rio cham ado S araré, que
desce do n o rte para o sul, e desemboca no rio G uaporé.
E ntre estes dous rios, Galerio (3) e S araré, está o A rraial
de S. Francisco Xavier, que be a capital povoação das m inas
do M ato-G rosso, situada pela terra dentro em distancia de
(1) Baena c outros au tores cham ão á este rio — Baurés.
(2) Baena cham a á este —- Curaimbiara — ; M iiliet do S aint-A dolphc no
seu D iccionario G eographico— Corumbiára.
(d) Baena o o utros au tores cham ão á este rio — Galera.
(Nofn.s do Edictor},
seis logons do rio G uaporé para a p arte do norte. Dista esta
povoação do porto do rio Sara ré, que lhe fica a leste, cousa
de tre s léguas de cam inho por m ato e cam po. E do porto
d este rio S araré até desem bocar no G uaporé são tres h o ras
de viagem, que poderão ser o u tras tres léguas. E por este
rio Guaporé se póclo continuar a viagem e com m ercio, ou
subindo por elle acima, ao rum o de leste, até o porto do
Cuyabá, ou descendo por elle abaixo até o rio da Madeira,
e deste ao P ará. E stá situada a povoaçao do M ato-Grosso,
segundo hum roteiro que vi, em altura de doze gráos de
latitude au stral e trezentos c dezeseis gráos de longitude,
ainda que se deve esp erar m elhores noticias nesta m ateria,
e serão por agora estas para o curioso leitor fazer algum
conceito da sua situação.
Tem os m oradores do M ato-G rosso com m unicação com os
do Cuyabá por te rra , por hum a estrada que fizerão desde o
Mato-Grosso correndo a leste até o Cuyabá, por cuja estrada
se atravessa o rio Sararé, e m uito perto já do Cuyabá se
atravessa tam bém nas suas cabeceiras o rio G uaporé, que
nellas declina de leste para o norte, e vão topar quasi com
as cabeceiras do rio Tapajóz em m enos distancia de trinta
léguas. Fica o Cuyabá na m esm a altura de doze gráos de
latitu d e au stral a leste do Mato-Grosso distante deste cousa
de setenta léguas, e a sua invocação he a villa do Bom Jesus
do Cuyabá, que está bastantem ente povoada e com bastantes
edifícios, o que não tem ainda por m uito nova a povoação
do M ato-Grosso, que talvez o tenha m aior ao diante.
Continuando em subirm os pelo rio G uaporé acim a, sahindo
da boca do rio S araré em distancia de duas léguas, se acha
á p arte direita hum a aldeia de índios da invocação cie S. Ra­
phael, a qual aldeia não está sobre a m argem do rio, mas
sim pela te rra dentro em distancia de tre s léguas. Daqui
p ara cima se sóbe pelo rio G uaporé ainda ao rum o de leste
cousa de vinte léguas, e passadas estas inclina o rio m ais
para o n o rte, e já he m enos navegavel por se avizinhar
ás suas cabeceiras. Ficão estas perto da povoação do Bom
Jesu s do Cuyabá, que lhe fica a leste, e as cabeceiras dos rios
P araguay e Cuyabá lhe ficão ao sul em distancia de dez ou
doze lé g u a s, assim como as do rio Tapajóz lhe ficão ao n o rte
em m enos distancia, como dissem os, de trinta lé g u a s; e
daqui se póde saber a altura e rum o em que lhe ficárão as
cabeceiras dos riosX ingú e Tocantins, que descem das m es-
mas torras a desem bocar no nosso grande ião das Ama­
zonas.
Tornando á boca do rio G uaporé, que desem boca no rio
da Madeira, subindo por este acim a, a que os C astelhanos
já norneão por rio M amoré, que desce do sul para o n o rte
entre o rio G uaporé a leste e o rio que cham am os dos T ron­
cos ou Beny a oeste, se sóbe até á cidade de Santa Cruz de
la Sierra, que lhe fica a leste, e ao sul com declinação para
o oeste as minas do Potozí, en tre quinze e dezoito grãos de
latitude austral e trezentos e quinze de longitude. Subindo
da boca do Guaporé pelo rio Mamoré acima quinze léguas se
vai d ar cm liurna grande aldeia de índios dos P adres da
Companhia, Castelhanos, da invocação da Exaltação da Cruz,
que se diz tem m ais do cinco mil alm as; cujo Missionário
actual se chama o Padre Leonardo d e N ..., crioulo (*), n atu ral
do P en i.
Tem esta aldeia engenho de assucar, de que se su sten ta, e
m uitos officia.es de ferreiro, entalhadores, carpinteiros e dos
mais officios; assim como m estres que ensinão a ler e a
escrever, cantar, c tocar instrum entos m usicos. Mais acima
desta aldeia da Exaltação está outra sobre o rio M amoré, da
invocação de S. P edro, c he m aior no num ero de alm as que
a da Exaltação, por ser a m ais antiga destas M issões, e se
diz te r mais de oito mil alm as. Tem o m esm o governo, e
officios, que a da Exaltação,e nella assistem com m nm m ente
m uitos Padres da Companhia, que servem de aju d ar aos
Missionários das mais aldeias. Nesta aldeia assiste o visitador
da Companhia, que he o S uperior de todos os M issionários, e
todos recorrem a ellc pela distancia que tem do seu P ro ­
vincial da Província do P erú ,q u e com m um m ente assiste na ci­
dade de Lima.
Além destas duas aldeias ha outras m uitas nas m ar­
gens e braços deste rio Mamoré, que se descrevem no
já dito mappa de Matheus S cutero,da Provincia do Paraguay,
onde o curioso leitor os pôde vêr, e o curso deste rio Mamo­
ré, como tam bém as cabeceiras do rio Beny, que suppom os
ser o que abaixo cham am os rio dos Troncos, ou rio da Ma­
deira .
(') E ntro nós cliam a-so crioulo ao d escendeufc do negro africano nascido
; nas outras p arles ria A m erica lie o descendente do E uro pêo .
CAPITULO
D E S C R IP Ç A O DO R IO D A S A M A Z O N A S D E S D E O R IO DA M A D E I­
R A A T É O R IO N E G R O , E M IS S Õ E S D A C O M P A N H IA Q U E N E S ­
TE HOUVE.

Voltando agora a seguir o curso do rio das Amazonas, da


boca do da M adeira,deixando da p arte do N orte defronte dei-
le o rio U rubó, que desem boca no das Amazonas defronte
do da M adeira ; subindo o rio das Amazonas acima se topa
looo com o rio Matary a oito léguas de distancia da boca do
rio da M adeira, que desem boca no das Amazonas, como dei­
xám os dito no capitulo antecedente. Da boca deste rio Ma­
ta ry , subindo trinta e seis léguas, se encontra a boca do fa­
m oso rio N egro (*) nom e que the deram os P ortuguezes pelas
suas aguas crystalinas parecerem negras na conjuncção que
fazem com as do rio Amazonas, que são mais brancas e des­
m aiadas, e pelo grande im peto destes dous rios conservao
am bos p o r m uitas léguas a diversidade das_ cores nas suas
co rren tes. Está a boca d este rio na observação de la Cqnda-
m ine em altu ra de tre s gráos e nove m inutos de latitude
au stra l, e em trezentos e quatorze de longitude, conform e
o P adre Sam uel F ritz. D esce do n o rte para o sul ate o meio
do rio. D este p ara cim a desce de leste para oeste. He este
rio sem duvida o m aior que da p arte do n o rte desem boca
n o vasto corpo do rio das Amazonas.
Tenho p o r sem duvida, que traz o seu nascim ento das se r­
ra s de Popayan das m esm as fontes donde nasce o rio Caque-
tá ou Ja p u rá , p o r levarm os a opinião do sabio Condamine,
que diz se com m unica com estes, e nasce na m esm a fonte.
H e navegavel p o r mais de qu atro m ezes de viagem , por ra­
zão das co rren tes, e p o r elle se com m unica, ou ha com m u-
nicacão p o r agua até o rio Orinôco, que desem boca defron­
te da ilha da T rin d a d e ; como tam bém tem a m esm a co m -
m unicacão com o rio E ssequibo, que desem boca no m ar do
n o rte, ju n to a S urinam e,feitoria hollandeza, en tran d o -se p or
(') S esu n d o B acna c A m azonas, o nom e indigena deste rio e ra Quiary c
Guryguacurú, o acim a das cac h o eiras Ucneya. 0
um braço del!e,a quo cham ão rio Branco (F>, aonde esteve o
nosso Missionário da nossa tropa de resgates, o Padre Achil­
les Maria, que me disse era a estrada seguida para S urina­
me pelos Tapuyas, que com m ercião com elles na infeliz d ro ­
ga de escravos. Antes de chegarm os á boca do dito rio se
encontrão duas grandes correntezas junto á te rra da p arte
do norte, cham adas uma Itaquatiára, que q uer dizer p ed ra
lavrada, e lie adm iravel a form a de m uitas figuras que alli se
adm irão nas pedras: e a o u tra se cham a a das Lages, pelas
m uitas que ha junto á boca do rio, e que ha nesta p a ra ­
gem , são as que causão a dita correnteza tão im petuosa.
E ntrando a boca deste rio, que tem duas mil e oitocentas
varas castelhanas de largo, em distancia de cinco léguas se
encontra á mão direita, ou á p arte tio norte, q d e h e o m e s-
m o, a fortaleza da invocação de Jesus Maria José, situada
sobre as m argens do rio N egro em sitio alto, e de boa elei­
ção, que tem um capitão por com m andante, e guarnição de
infantaria paga, que lhe vai da praça do Pará. Foi fundada
p o r ordem de El-rei o S enhor D. Pedro II pelos annos de
1690. Acima da dita fortaleza duas léguas da m esm a
p arte direita está a Tapera, que q uer dizer aldeia que
foi cham ada dos T orom ás(2), em um bello sitio, alto, e com
praias aprazíveis e de bom gosto,sobre o m esm o rio N egro.
Este foi o prim eiro sitio em que os Religiosos da Com­
panhia fundarão Missões neste grande rio, q u e te m a felicida­
de de serem seus prim eiros Missionários os P adres F rancis­
co Velloso, e Manoel P ires, no anno de 1657, a 22 de
J u n h o ; e depois destes no anno de 1658 lhe succedeu o P a­
d re Francisco Gonçalves, Provincial que foi da Provincia do
Brazil, com o Padre Pedro P ires por com panheiro. Celebre
a sua felicidade este rio p o r lo g rar p or seus prim eiros con­
quistadores estes dous Padres Velloso e Gonçalves, os m aio­
res da Vice-Provincia, depois dos Padres Antonio Vieira e
Luiz Figueira. Cuidarão am bos estes M issionários em p ra ­
ticar os Índios, e reduzi-los á vida civil, e que vivessem
junto das m argens do rio para m elhor serem ajudados d o s
nossos P adres. Assim forão soccorridos e in stru íd o s es­
tes índios pelos M issionários cia Companhia de visita
(jj 0 nom e indigena deste rio, segundo Baena c Amazonas, era P a r a v ia n a
.‘tu fjueceuene, c na parte superior Uraricuera.
(21 lev e depois o nome dc A ir ã o , que ainda conserva. He hum a parochia<
(Nolas do Edictor).
O'il

até o anno do 1090, em que El-rei o S enhor L). Pe­


dro m andou apertadam ente ao S uperior da Com panhia, que
a m issão do rio Negro tivesse M issionário de residência.
Foi com effeito o P ad re João Maria G orçoni neste anno em
h um a tro p a, e deu as providencias necessarias para a resi­
d en d a, e assistência do P adre, que se dem orou até o anno
d e 1692, sendo o prim eiro M issionário delia no rio N egro o
P ad re João Justo de Luca, assim cham ado por ser n atu ral
da Republica de Luca. He adm iravel a fertilidade de gente,
que produz este rio e terras vizinhas a elle; pois desde o
seu principio até hoje continuarão os P ortuguezes a tirar
ín dios deste se rtã o ; e na m elhor opinião passão de vinte mil
alm as as que deste rio e suas vizinhanças tem tirado os P or­
tuguezes do Pará em escravos e os nossos M issionários em
descim entos quanto baste, com que se tem fornecido as nos­
sas aldeias. Era esta aldeia dos T orom ás da invocação de
N ossa Senhora da Conceição, do tem po em que foi adm inis­
tra d a pelos Religiosos da Com panhia, que pouco depois a
larg árão aos Religiosos de Nossa S enhora do Carmo na re ­
partição das aldeias, na qual lhes toca p or districto proprio
este grande rio; e o prim eiro M issionário do Carmo q u e nol­
le entrou foi o R everendo P adre F rei João E vangelista, que
adm inistrou a dita aldeia debaixo da invocação de seu grande
P atriarch a Santo Elias, para com este patrono avivar o zelo
dos m ais M issionários do Carmo, que com tanto fervor tem
reduzido á fé de Nosso S enhor Jesus C hristo m uitas e mui­
ta s alm as. Muitos annos depois a m udou o R everendo Pa­
d re Frei José da Magdalena, Religioso de m erecim ento, no
serviço de am bas M agestades, que quando agora p assou por
ella o arraial p ara a dem arcação dos dous dom ínios, não
padeceu, e a m udou para a boca do rio Jahú, aonde actual-
m ente se acha.
Pelos annos de 1740, pouco m ais ou m enos, to rn o u a
fu n d ar neste sitio ou T apéra dos T orom ás, o capitão da for­
taleza João P ereira de Araújo, hum a aldeia para o serviço da
fortaleza, que hoje tam bém não existe, p o r não sei q u e ac­
cidente. Pouco acim a desta T apéra da parte direita ou de
sul, em distancia de tre s lég u as,está a boca de hum ygarapé,
p o r onde se com m unica o rio N egro com o rio dos Solim ões,
e se fórma hum a ilha perfeita de toda a te rra que fica ao
e n tra r do rio N egro, á mão esquerda, até o dito ygarapé ou
pequeno braço do rio Solimões. Subindo este ygarapé rio
íicirna tres léguas, se chega ao lu g ar cham ado das Igreji­
nhas, nome que lhe deu li urna adm ira vel Capella, íorm ada
pela natureza das pedras do rio, qnc se adm ira quando vazio,
porque nas suas enchentes fica debaixo da agua. D este lu g a r
subindo dez léguas está da mesma parte esquerda ou do sul
a aldeia de Santo E liasdo Jahú, situada em alto na boca do
m esm o rio, que desem boca no rio Negro. íle esta aldeia que
m udou o P adre F rei José da Magdalena dos lo t ornas p m a
este sitio pelos armos de 1732, por causa da inquieta vizi­
nhança da fortaleza. Acima desta aldeia, dez Seguas, e da
m esm a parte do sul está a aldeia de Santa Rita da P edreira (1)
e tanto esta, como as dem ais aldeias deste rio Negro,^ são da
adm inistração dos R everendos Religiosos de N ossa S enhora
do Carmo.
Acima da aldeia de Santa Rita d uas léguas se en­
contra, á mão direita, ou da parte do norte, o rio B ranco,
nome que lhe derão os Portuguezes em razão das su as aguas
mais desm aiadas, que as crystalinas do rio N egro. C om m u-
nica-se este rio Branco nas suas cabeceiras com as do rio
Essequibo, que desem boca no m ar do n o rte entre os rios Su­
rinam e e Orinôco ; e a sua com m unicação he tal, que se pócle
navegar do rio Negro até o m ar do N orte sem pre p o r agua (2).
P or este rio Branco desceu Lopo de A guirre, como affirm a
na sua relação o P adre Acunha.
Em o armo de 1741 suhio Nicoláo H orstm an, Allemão (com
quem fallei depois), com m uito vagar pelo rio E ssequibo
acima, e de rios em lagos veio por fim a d ar com a sua em ­
barcação no rio N egro, onde entrou por este rio Branco.
lie este rio Branco abundante de peixe e ta r ta r u ­
gas; e sobretudo abunda de m uitas nações de índios,
'ainda boje , porque os Portuguezes tinirão feito poucas
entradas nelle, e bem era que se acudisse com a fé a
tantos m ilhares de alm as, como tem os de obrigação. Agora
no anno de 1748, entrou nelle com hum a tropa o Capitão José
Miguel Ayres, donde tiro u m uitos Índios, mas com a iníeli-
(!) Em 1758 foi-lh o dado o nom e de Moura, e em 1833 o de Ilarendám,
tm ilucção indigena do nom e de P ed re ira . Foi villa, e lie lioje h u m a P aro ch ia
sob a m esm a invocação de S arda R ita de C assia.
(3) P osteriorm ente re c o n h e c e u -se qnc não ex iste essa co m m u n icação , bem
q ue as cabeceiras do seu alllueiile T acu tii, estejão m u i p ró xim as das do fte p u -
ntiry, aílluenle do E ssequibo.
(Notas do Edktor).
cidade de co n trah ir nelles hum a tal epidem ia geral de bexigas
m o rtaes, que destruiu p o r onde passou todas as aldeias,
roças e escravatura de Índios da Capitania do P ará, avalian­
d o -se os m ortos em m ais do vinte mil alm as. Subindo da
boca deste rio oito léguas, vam os d ar na aldeia de Santo Al­
b erto de A ricary (l), situada da p arte do sul em lugar baixo o
alagado. Desta aldeia até á boca do rio Mariuá, que d esem ­
boca da p arte do sul no rio N egro sãO( vinte léguas de via­
gem ; como tam bém da boca deste rio á aldeia de Santo An-
gelo(2),situadada mesm a parte do sul cm bum sitio adm irável
sobre o rio N egro, alto, e de bella vista, p or descobrir im -
m ensidade de ilhas sem eadas pelo mesm o rio. Assim esta,
como a antecedente de Santo Alberto, sao da adm inistraçao
dos R everendos P adres do Carmo.
Da aldeia de Santo Angelo até chegar á de Santo Elizeu
de M ariuá (3) são cinco léguas. Neste Mariuá m andou o Exrn.
G eneral Francisco Xavier de Mendonça form ar o arrayal para
as dem arcações dos dous dom inios, cie que elle foi plenipo­
tenciário, e em quanto lá esteve, que não foi pouco, trabalhou
e padeceu m uito, e ultim am ente se retirou para o Reino em
1759, sem ver o principio da dem arcação, não obstante estar
tu d o prom pto da parte de P ortugal, com excessivos gastos
da real fazenda, & c. Está situada a aldeia da m esm a p arte
do sul, e lie m uito populosa e bem construída. Foi seu pri­
m eiro M issionário que a fundou o R everendo P adre Frei Ma­
th ias de São B oaventura, m eu grande am igo na villa de ra-
p u y tap éra, que não só fez este serviço a Deos,_ m as íez
o u tro s m uitos descim entos de Índios, assim neste rio N egio,
com o no rio dos Solimões.
Da aldeia de Santo Elizeu se sóbe rio acima, vintese
cinco léguas, até chegar á aldeia do Principal C abuquenaíu),
da invocação de Nossa Senhora do Carm o, situada em
lu g a r alto e aprazível, e desta aldeia de Nossa Senhora
do Carm o até á aldeia B araruá (5) do Principal Caba-
(1) T eve p o sterio rm en te o nom e do Carvoeiro, que ainda conserva. Ile lium a
P a ro c h ia sob a invocação de S. A lberto. B aena e A m azonas escrevem A racaiy.
(2) Hoje c h a m a -s e Poyares. He h u m a P aro ch ia pobríssim a.
(3) He Barcdlos, cuja P aro ch ia tem hoje por orago N ossa S en h o ra da Con­
ceição.
(4.) Hoje ch a m a -se Moreira. _
(5) T eve p osterio rm en te o nom e de Thomar com o predicado de vida. He
h u m a P aro ch ia sob a invocação de N ossa S en ho ra do R osário.
(Notas do hmetor).
acima tres léguas, se chega ao lu g a r cham ado das Igreji­
nhas nom e que lhe deu hum a adm iravel Capella, form ada
pela natureza das pedras do rio, que se adm ira quando vazio,
porque nas suas enchentes fica debaixo da agua. Deste lu g ar
subindo dez léguas está da m esm a p arte esquerda ou do sul
a aldeia de Santo Eliasdo Jahu, situada em alto na boca do
mesm o rio, que desem boca no rio Negro. Ho esta aldeia que
m udou o P adre Frei José da Magdalena dos loionaás pana
este sitio pelos annos tie 17o2, por causa da inquieta vizi­
nhança da fortaleza. Acima desta aldeia, dez léguas, e da
m esm a porte do sul está a aldeio de Santa lu ta do Pedreiro ( j )
e tanto esta, como as dem ais aldeias deste rio Negro^ são da
adm inistração dos R everendos Religiosos de N ossa b enhoia
do Carmo.
Acima da aldeia de Santa Rita duas léguas se en­
contra, á m ão direita, ou da p arte do norte, o rio Branco,
nome que lhe derão os Portuguezes em razão das suas aguas
m ais desm aiadas, que as crystalinas do rio N egro. Com rnu-
nica-se este rio Branco nas suas cabeceiras com as do rio
E ssequibo,que desemboca no m ar do norte entre os rios Su­
rinam e e O rinoco; e a sua com m unicação he tal, que se póde
navegar do rio Negro até o m ar do N orte sem pre p o r agua (2).
P or este rio Branco desceu Lopo de A guirre, com o affirm a
na sua relação o Padre Acunha.
Em o armo de 1741 subio Nicoláo H orstm an, Allemão (com
quem fallei depois), com m uito vagar pelo rio E ssequibo
acima, e de rios em lagos veio por fim a d ar com a sua em ­
barcação no rio Negro, onde en trou por este rio Branco.
lie este rio Branco abundante de peixe e ta rta r u ­
gas ; e sobretudo abunda de m uitas nações de índios,
ainda hoje , porque os Portuguezes tinhão feito poucas
entradas nelle, e bem era que se acudisse com a fé a
tantos m ilhares de almas, como tem os de obrigação. Agora
no anno de 1748, entrou nelle com hum a tropa o Capitão José
Miguel A yres, donde tirou m uitos índios, m as com a infeli-
(1) E m 17f>8 foi-lho dado o nom e de Moura, e em 183 3 o dc Itarendáua,
trad u cção indigena do nom e de P ed reira. Foi villa, e he hoje h u m a P aro ch ia
sob a m esm a invocação de S anta R ita de C assia.
(3) P o sterio rm en te reco n h e c e u -se que não ex iste essa co m m u n icação , bem
que as cabeceiras do seu allluente T a c u tú , estejão m ui p ro x im as das do R epu-
nury, affluente do E ssequibo.
[Notas do Edictor).
— o29 —
cidade de co n trah ir oelles hum a tal epidemia geral de bexigas
m o rtaes, que dcstrnio p o r onde passou todas as aldeias,
roças e escravatura de Índios da Capitania do P ará, avalian­
d o -se os m ortos em m ais de vinte mil alm as. Subindo da
boca deste rio oito léguas, vam os dar na aldeia de Santo Al­
b erto de A ricary (l), situada da p arte do sul em lu g ar baixo e
alagado. Desta aldeia até á boca do rio Mariuá, que desem ­
boca da p arte do sul no rio N egro são vinte léguas de via­
gem ; como tam bém da boca deste rio á aldeia de Santo An­
g e lo ^ ),situada da mesma parte do sul em hum sitio adm irável
sobre o rio N egro, alto, e de bella vista, por descobrir im -
m ensidade de ilhas sem eadas pelo m esm o rio. Assim esta,
como a antecedente de Santo A lberto, são da adm inistração
dos R everendos Padres do Carmo.
Da aldeia de Santo Angelo até chegar á de Santo Elizeu
de M ariuá (3) são cinco léguas. Neste Mariuá m andou o Exm.
G eneral Francisco X avier de Mendonça form ar o arrayal para
as dem arcações dos dous dom inios, de que elle foi plenipo­
tenciário, e em quanto lá esteve, que não foi pouco, trabalhou
e padeceu m uito, e ultim am ente se retirou para o Reino em
1759, sem ver o principio da dem arcação, não obstante e sta r
tudo prom pto da parte de P ortugal, com excessivos gastos
da real fazenda, &c. E stá situada a aldeia da m esm a p arte
do sul, e lie m uito populosa e bem construida. Foi seu pri­
m eiro M issionário que a fundou o Reverendo P ad re Frei Ma­
th ias de São B oaventura, m eu grande amigo na villa de Ta-
puytapéra, que não só fez este serviço a Deos, m as fez
o utros m uitos descim entos de Índios, assim neste rio N egro,
como no rio dos Solim ões.
Da aldeia de Santo Elizeu se sóbe rio acim a, vinte e
cinco léguas, até ch eg ar á aldeia do Principal C abuquêna(4),
da invocação de Nossa Senhora do Carm o, situada em
lu g ar alto e aprazivel, e desta aldeia de N ossa S enhora
do Carmo até á aldeia B araruá (5) do Principal Caba-
(t) T eve p o sterio rm en te o n om e do Carvoeiro, que ainda conserva. He lium a
P aro c h ia sob a invocação de S . A lberto. B aena e Am azonas escrevem A racaiy.
(2) Hoje c h a m a -s e Poyares. He h u m a P arochia pobríssim a.
(3) He Barcellos, cu ja P aro c h ia tem hoje por orago N ossa S en ho ra da Con­
ceição.
(-{) Hoje ch a m a -se Moreira.
(5) T eve p o sterio rm en te o nom e dc Thomar com o predicado de villa. H e
h u m a P aro ch ia sob a invocação de N ossa S en ho ra do R osário
(Notas do FAictor).
cabary, são outras vinte e cinco léguas. Iíe dedicada esta
aldeia á Senhora Santa Rosa, c o M issionário que a fundou
foi o Reverendo P adre Frei Anastacio Cordeiro, que soube
ganhar os corações dos índios Manáos para s i ; e as alm as
para Deos, pelo m uito am or que lhe tinhão os índios. Acima
da aldeia de Santa Rosa, cinco léguas da m esm a p arte do
sul, está a aldeia de S. José do Dary (1), e p o r o u tro nom e
Nayo. D efronte desta aldeia da p a rte do norte está a o u tra
boca do rio Branco, ou o outro rio B ranco, que no centro
do sertão se com munica com o p rim eiro rio Branco, de q u e
já falíamos (2).
Subindo por este rio Branco acim a, a cinco dias d e
viagem, se encontrão algum as cachoeiras, assim como as
tem o prim eiro, depois de seis dias r e viagem , ou de se s­
senta léguas de d istan cia; p orque tam bém de noite se n a ­
vega. Da boca do rio Branco subindo á p arte do sul, d u as
léguas de distancia, está a aldeia de Nossa Senhora de N a­
zareth do Avidá (3),a qual estava antes ju n to ao arrayal, e a
m udou para este sitio o Reverendo P ad re P resentado F re i
André da Piedade, sendo V isitador G eral destas M issões.
Acima desta aldeia, tres léguas, fica o arrayal (4) da p arte do
sul, onde se situão e arranchão as m u itas tropas de resga­
tes que tem ido áquelle rio. D efronte do arrayal da p a rte
do norte, pouco m ais acima, está a aldeia de Santo A ntonio
do Lastellinho(5),e he a ultim a povoação deste rio. Acima da
(1) TIc hoje L a m a lo n g a .
™ ,1C ° qUe Se Cílan,1a P a d m i r !l, e cujas aguas por serem b ran-
o V ° * corneço da, dcscoberta destas regiões, ser um braço do rio
Uranern Segundo Am azonas, bum isthm o de m eio dia de jornada separa este
no do Umauoca, que desagua em hum braço do Orenoco ou Orinoco.
( h f V n iir w l S° r ll0''e /° 1"gar~ /joff V ista ~ ’ segundo o que se lê no n. 1 5 3
d° COnego André Fernandes de Souza. Os ín d ios
desta aldeia passarao posienorm ente para a de Lam alonga.

IU or dí oi ,A™com ro pi reced
r í ü,lí e fbem
en te; tC que
Iugaremque h °je tera
principio por0 causa
nom e da
de visinhanca
M açam by ou
da
f d®ia se cbaraaf c indifferentemente tanto a aldeia como ao arrayal — A v id a — -
nome que Condanune em sua obra sobre o Am azonas alterou por A r a v id á —
ÍIÍp IT u G ^ amPai° — D ífln o da via g em ao rio N e g ro , n . 5 0 2 ,5 6 6 . E ste lu car
{ f;eJí: irc Porque em 174 4 foi á elle conduzido do Orinoco o Jesuita H esn a-
nliol Manoel Rom ao, por Francisco Xavier de M oraes, sendo por este f u t o
OnnoA: i r ^ 7 S e T r HeSPanlld ^
(3) He o lugar do Castanheiro Novo.
(Notas do Edictor).
— r.;i 1

aldeia do CasteUinho, dezoito leguas da p arte do sul, desem ­


boca o rio N egro,ou rio cham ado Miçá ou M ariuá(l),pelo qual
se s o b e je das suas cabeceiras se passa ao rio Jap u rá, em
m enos distancia de sete leguas p o r terra, e nas enchentes so
pó d e chegar de hum a outro rio em em b arcação ; os P o rtu -
guezes costum ão a rra s ta r a em barcação p o r te rra dous dias
p a ra passarem de hum a á o utra cabeceira.
Da boca deste rio ás cachoeiras são trin ta leguas de dis­
tancia. E sem pre he de ad m irar, que em ta n ta distancia
d este rio N egro sejão estas as prim eiras cachoeiras, e as
p rin cip aes: neste lu g ar são tre s, e se gastão em p assa-las,
sendo canoa grande, dez dias, segundo a relação de alguns
M ineiros que tem descido ao P ará.
(1) Baena chama á este rio M arié, e Am azonas, M eriá .
(Nota do Edictor).
CAPITULO X.
c o n t in u ’a a m e s m a d e s c r ip ç ã o até os u l t im o s c o n f in s

1)0 DOMÍNIO DE PORTUGAL.

Segue-se depois o rio Cayary (1) m ais celebre pelo lago dos
sens sertões (se lie certo o que clelle se diz) que pela c o r­
renteza de que o dito se fórm a. Neste rio Cayary habita a
nação dos Buacipés, dos quaes se diz que nas suas te rra s
está o celebrado Parim é ou Lago do Ouro (2); como tam bém
se diz que m uitos destes índios trazem seus brincos, ou fo­
lhetas de ouro nas orelhas. Seja o que fôr, que o tem po
brevem ente o m o strará, pois se vão abrindo cada vez m ais
estas te rras, e o não estarem já descobertas he por se não
adiantarem hoje as conquistas com as tropas de resg a tes,
que erão as que sem tanto receio de inim igos se e n tra n h a -
vão mais pelos rios e matos daquelles sertões, fiadas an tes
no respeito das arm as, que no pequeno num ero das forças,
que erão as que bastavão.
0 que parece certo he, que o decantado lago P arim é, ou
D ourado, que deu tal estrondo nas historias, e a celebrada
cidade de Manôa, he nestas vizinhanças do rio N egro, onde
tem os varios lagos, e varias povoações de nação Manôa, ou
índios Manáos, e ultim am ente algum as folhetas de ouro que
ou ha nas cachoeiras deste rio, ou o sln d io sd e lle o ad q u irem
por commercio de outros índios que o trazem das s e rra s do
novo reino de G ranada e Quito, que será para elles o seu
lago Parim é.
Subindo por este rio Cayary acima a oeste, em distancia
de vinte léguas se topão o u tras cachoeiras, e passadas estas
acim a doze léguas se desem boca no rio Jap u rá em a ltu ra
(t) He o rio Uaupés, antigam ente chamado Ucayary, segundo B aena o
outros. 55
(2) 0 author aparta-se aqui da opinião geralm ente recebida, deque a situ ação
desse famoso lago era ao norte do rio Negro, para o lado das cabeceiras do rio
Branco, que tem hum pequeno affluente chamado Parima.— Baena— Ensaio
(jorofjraphico sobre o Pará- pag. 5 3 8 . Am azonas, Diccionario Topoaraphico,
art. Parim a, Ribeiro Sam paio.— Relação histórica do rio Branco.
(Notas do Edictor).
pouco m ais ou menos de cinco gráos de latitude boreal, e
trezen to s e nove gráos de longitude, pouco mais ou m enos.
De so rte que íica sendo ilha perfeita a te rra que medeia en­
tre o rio Negro e o rio Japurá.
Advirto porém , que antes das prim eiras cachoeiras do rio
N egro, que deixam os referidas, ha um braço á mão esq u er­
da, ou da parte do sul, que subindo por elle acima se vai
com m unicar com o rio Cayary junto ás cachoeiras deste rio,
de so rte que quem navegar do rio Negro para o Jap u rá
escusa p assar as cachoeiras do rio N egro, e póde seguir
este braço, e su rg ir no rio Cayary junto ás suas cabeceiras.
Da boca deste rio Cayary, subindo o rio Negro em d istan ­
cia de cloze léguas, se encontra á m ão direita da p arte do
n o rte a prim eira boca do rio P a ra n á , e subindo m ais acima
o u tras tan tas léguas da mesma p arte do norte está outra
segunda boca deste m esm o rio P araná. Fôrm a elle a figura
de meia lua, e desta meia Ina desce hum braço (1) que corre
p ara o rio Orinôco, e o u tro desagua no nosso rio Negro.
P or este braço do rio Paraná se com m unica o rio Negro
com o rio Orinôco pelo rio Caurá, que nelle desem boca, não
o b stan te o que diz o nosso P adre G um ilha no seu livro cio
Orinoco Illuslrado, pois além do que diz Condamine, he certo,
qu e bum Religioso M issionário da Com panhia, do Orinôco
veio ao nosso arrayal em em barcação, e a hi esteve com o
M issionário da tro p a, o nosso P adre Achilles Maria Avogadri,
que foi o que me contou depois que veio da tropa de resga­
tes, em que padeceu m uito, e p o r m uitos annos, e nos deu
p ara a historia algum as noticias sobre o que vamos dizendo,
e nas aldeias do Carm o, por onde passou o dito M issionário
C astelhano, depoz a dita com m unicação, e se voltou para a
sua aldeia na m esm a canoa em que viera.
A fôrm a da com m unicação julgo eu que he por estar o rio
P aran á em tal posição e altu ra da te rra , que desagua para
am bas as partes, isto he, para a p arte do norte do Orinoco,
e para a p arte do sul das Amazonas. P assada a segunda boca
do rio P arauá declina o rio Negro totalm ente para o oeste, e
ainda a setenta léguas d e distancia he navegavel, e tem sido
navegado pelos P ortuguezes, donde venho a inferir, que traz
a sua origem das se rra s de Popayan.
( i) He o que hoje se c h a m a Caciquiary. O conego A ndré F ernand es de
S ouza cm suas Noticias geographicas do rio N egro, ch am a á esse canal ou
rio Quixiquiary. (Nota do Edictor).
Tornando á boca do rio Negro para seguirm os o curso do
rio das Amazonas, entram os na m ais bella e rica provincia
que tem o rio : cham a-se elle daqui até o rio Napo, rio dos
Solimões, mio porque haja rio algum proprio, cham ado Soli-
mões, m as porque os P ortuguezes lhe derão este nom e nesta
dilatada provincia.
Os Missionários da Com panhia que en trárào n este rio a
catechisar índios depois do Padre A cunha, forão os P adres
João Maria Gorçoni e Manoel Pires, pelos annos de 1670, com
a occasião de hum a tropa de resgates, de que foi cabo Manoel
Coelho, m orador na cidade do M aranhão, á qual cidade p e r­
tencia a dita tropa. Digo ser a m ais bella e rica provincia,
porque sobre m uito abundante de nações de índios, he ferti­
lissima de cacáo, salsaparrilha, e dizem que tam bém de b a u ­
nilhas, como tam bém o será de hum a quinaquina, pois o ha
mais acima em terras do dominio de Castella ; ainda que até
o presente a não tem descoberto os nossos P ortuguezes, as
quaes arvores de cacáo são tantas, assim nas m argens do rio
Solimões, como nas dos rios collateraes, que hum a grande
p arte das canoas do Pará a vão colher a este rio, e só al­
gum as poucas o fazem no rio da M adeira. Com fundam ento
diz o Padre Acunha ser esta paragem a m elhor que encon­
tro u cm todo o rio das Amazonas.
Todas as m issões que nelle ha de presente desde o rio
Negro até o Napo, são dos Religiosos do Carm o, que com o
fervor do seu espirito reduzirão m uitas nações á fé de
Christo neste rio Solimões, as quaes elles fundárão ao p rin ­
cipio da parte do norte, ou subindo á m ão direita, que pela
divisão das aldeias lhe toca ; e aos P ad res da Companhia toca
a parte do sul do dito rio, como a seu tem po verem os, no
em que se fez a clita nova divisão por ordem de Sua Mages-
tade. Tem porém hoje os ditos Religiosos a m aior p a rte das
suas aldeias da nossa p arte do sul pela boa am izade, que h a
entre a Companhia e esta Sagrada Fam ilia, e te re m sugeitos
bastantes para povoar aquelíe rio, e e n tra r pelos seus colla­
teraes da p arte do sul.
Subindo da boca do rio Negro até o lu g ar cham ado G nju-
ratuba (1), são quarenta léguas de distancia. Fica este sitio da
p arte do norte, em lugar baixo c alagado, sujeito á praga de
carapanás e m osquitos enfadonhos, m as m uito abundante
decacoáes, e são os prim eiros que se encontão no rio Soli—
(I) Baona c A m azonas escrevem — Gmráüba.
inoes de notável extensão. Estes forão a causa p o rq u e os
Religiosos fundarão nelle a prim eira m issão, porém o seu
máo sitio e conhecim ento cio paiz os íez m u d ar p ara o rio
Coary (1), onde hoje se acha com a invocação de Santa Anna,
que tam bém teve a de G ujuratuba.
Sahindo da T ap era de G ujuratuba, rio acima dez léguas,
se topa á mão esquerda da parte do sul hum a boca do rio
P u rú s, nom e com que hoje he conhecido por habitar nelle
hum a nação de ín d io s cio m esm o nom e. Antes tinha o nom e
de Cuchivary. Iíe este rio P u rús o m aior que entra no das
Am azonas acima do da M adeira da p arte do sul, donde traz
a sua correnteza, e entende Mr. de ia Condam ine, que este
he o rio a que os Castelhanos nas suas cabeceiras cliam ão
rio Beny, e nasce nas serras que íicão ao norte do Potozi, e
este Ihé fica direito ao sul em altura de vinte grãos, e as
cabeceiras do rio em dezesete grãos.
Já na descripção do rio da Madeira disse que m e parecia
ser o rio Beny o que desemboca no da Madeira da p a rte de
oeste. E não duvidarei que destas m esm as cabeceiras se
rep artã o os clous rios P urús e M adeira, com binando hum as
com o u tra s as noticias que tem os diante.
C om m unica-se este rio P u rú s p o r hum braço subindo á
mão esquerda com o rio da Madeira antes das suas cachoei­
ras, com o na descripção deste dissem os. He abundante cie
cacáo, e tem g ran d e num ero de índios P u rú s e M uras ; estes
últim os cie corso e cruéis, que habitão este rio c o cia Ma­
deira, pela com m unicação interior do sertão. Da boca do rio
P u rú s até á do rio Coary são quarenta léguas. Na boca des­
te rio está hum formoso lago, e dentro nelle a prim eira al­
deia cie Santa Anna, dos Religiosos do Carm o. Esta ho a aldeia
que m u d o u o R everendo Padre F rei Mauricio M oreira, da
T apera de G u júrátuba. Desce o rio Coary do sul para o norte
como o dos P u rú s, mas m uito m enor que este; não deixa
porém de te r hum grande curso e distancia para o sertão.
Referem os índios que o habitão, que nas suas cabeceiras
tem cam pinas, vaccas, e gente b ran ca, de que se infere que
nella ha H esp a n h ó es; e o m esm o se deve disco rrer d as ca­
ll) T ev e p o sterio rm en te o n om e de Alvdlos. Hc h u m a P aro c h ia. R eferin ­
do-se á e ste lug ar n o táv el pela h ospedagem que recebeu o capitão P ed ro T ei­
xeira, na sua cele b re viagem á Q u ito , da p arte dos índios Ju rim á u a s, e pela
estada que fez Mr. do la C oinkunine, diz B acna, quo lia ali ananazes sin g u lares
na d o çu ra e na rarid a d e d as cspccies. (Noítt do Edivlor).
530

bccciras cio rio P u r ú s ; com m unica-se pelo sertão com o rio


P urús, c consequentem ente com o cia M adeira, lie ao p re ­
sente seu Missionário o Reverendissim o Fr. Caetano,7 Religio- o
so cie prendas c préstim o, digno pelo seu agrado de p a rti­
cular attenção.
E ntre o rio P u rú s e Coary, abaixo deste tre s léguas
nos íica cia p arte do n o rte a prim eira boca do rio Ja­
p u rá. Desagua este rio no das Amazonas p o r cinco bocas
principaes, desce de noroeste para leste com m aior inclina­
rão para lés-sueste. As suas cabeceiras são nas se rras dc
Popayan, nas quaes tem o nom e dc C aquetá, e do meio para
baixo se chama Ja p ú rá .Mr. de la Condam ineo com m unica no
seu mappa com o rio Orinôco. He este prim eiro braço do Ja­
purá o m aior de todos, e nas enchentes dos rios se com m u-
nieão pelos m atos buns com outros, além da com m unicação
total dos rios, signal de quo estas te rra s da p arte do n o rte
em distancia de quarenta léguas ao sertão são m uito alaga­
das. Quanto ás bocas do Japúrá, dista a prim eira da ultim a
cem léguas, ficando esta prim eira boca abaixo do rio Coary
tres léguas da p arte do norte, e a ultim a boca fronteira á
aldeia de Santa Maria Magdalena de Pazzi, ou d e P a ra g u a ry (t).
Tem os Portuguezes navegado m uitas vezes o rio Jap ú rá
por mais cie tres mezes de viagem, c referem que a trin ta
dias de viagem da sua boca se topa com cachoeiras, e que
passadas^ estas ainda tem algum as pelo rio acim a, n enhu­
m as porem são taes, que lhes empeça o a sua navegação, ain­
da que lh a difficultào em algum as passagens.
Da boca do rio Coary até á boca do rio Teffé, ou Tapé são
quarenta léguas de distancia. Na boca deste rio Teffé está
bum grandeMago, e dentro delle duas aldeias de índios, lm m a
dedicada a Santa T heresa (2), e o u tra fronteira á esta,d a invo­
cação de Nossa Senhora do Rosario dos Maná os (3). Da boca
d o rio 'le ffe a aldeia de Santa Maria M agdalena de Pazzi,ou de
Paraguary, sao oito léguas de distancia. Está esta aldeia
situada em lugar alto sobre o rio Solimoes, cia p a rte do
(I)
* ' B1acna
, c A m azonas escrevem P a r a u i n j . uEosta aldeia
iu U ro n n in -se UÜUUiS
i u u i a 10IL1UU-&C depois
coai d dc ISoíp ie ira , quo lie liojo h u m a P aro ch ia com a invocação de K ossa
oOiiuora do Ilo san o .
! '/ Teve nostariorm ente o nom e dc E ga com o predicado do v illa. U ltim a-
1110111,0 1,11 elt’vat' d ;i callicgoria de cidade com a d eno m inação dc Teffé.
(d) A ctualm ciite cham a-se N ogueira.
{N olas do E d i c t o r ).
537 —
sul defronto della está o ultimo b r a ç o do rio J a p u r á da p a r ­
lo do norte. S ald ad o d e P a r a g u a r y rio acima, em distancia
do setenta léguas, se enco n tra da p a r te do sul a aldeia de
I r o c o t ú b a , do Nossa S en h o ra de Guadeliipc (1), situada em
lu g a r alto, o lie a p rim e ira m issão dos índios Gambébas, a
que os Castelhanos c h a m ã o 0 m á g o a s ( 2 ) . São estes índios Gam­
b éb as de cabeça chata p o r m o d o de m itras, não p o r n a t u ­
reza, m as p o r arte, a p e r ta n d o as cabeças das crianças entre
d u a s taboas, o q u e fazem para so d is tin g u ire m dos mais í n ­
dios cm o r d e m aos P o rtu g u e z e s os n ã o fazerem escravos,
co n fu n d in d o -o s com o u tro s ín d io s c o n tra rio s e inimigos dos
P o rtu g u eze s.
Sendo todo o rio dos Soiimões povoado de cacoáes, aqui
em Trócótuba são muito maiores, e continuados na sua ex­
tensão. Acima desta aldeia huma legua da mesma parte do
sul desemboca o rio Xutay (3), can tes de Trócótuba entro esta
e o rio Teffé íica outro rio chamado Yuruá (á),ehum e outro
descem do sul para o norte; e sendo o rio Yuruá sem com -
paraçao menor que o Xutay, tem de largura oitocentas e
sessenta varas castelhanas, que lh’as medio Condamine. Hum
e outro rio descem das serras ao norte de Cusco em altura
de onze gráos do latitude austral, e trezentos c nove gráos
de latitude. 0 rio Xutay, além do cacáo, tem muita salsapar-
rilha, e abunda de muitas nações de índios. Este rio Xutay
se communica no sertão com o rio Yuruá, e por elle desceu
o General Pedro de Orsúa no anno de 1560, sahindo da
cidade de Cusco em demanda do descobrimento do rio das
Amazonas ; e no sertão entre estes clous rios foi a sua des­
graçada morte, como já tocámos no principio desta descrip-
ção, que com barbara aleivosia lhe deu Lopo de Aguirre,
soldado da sua comitiva. Daqui se infere que por este rio
Xutay será mais facil a communicação com a cidade de Cus­
co, e com o reino do Perú. Esta noticia traz o Padre Manoel
Rodrigues no livro segundo, capitulo quinto, e capitulo qua­
torze, e com alguma confusão o Sr. Berredo, livro primeiro
§ 87.
(1) Hoje cham a-se F on te-B o a.
(2) A m azonas e B aona, esc rev e m Oimúa c Oinagáas.
(3) B aona escreve Jntahy, e A m azonas, fíiulahy.
(4) Baona escreve Jumá, c A m azonas, Hiuruá.
[Notus do Edictor.)
, K>

Acima <Ie Xu lay vinte le g u as da parte, do n o r te do r i o d a s


Amazonas está a aldeia cie Matura (1), dedicada a S. Christo-
vão. a qnai está situada so b re o rio na boca de o u tro peque­
no, cham ado la m b e m Mat u r a . Acima desta aldeia de S.
tiliristovâo, qu atro le g u as da p arte do n o rte d e s e m b o c a o
rio içá que desce de oeste p a ra leste, e tem as s u as cab e­
ceiras nas s erras de Quito ao n o rd e s te : c h a m a - s e também
p o r ou tro n o m e P u tu m a y o . Nas m a rg e n s deste rio junto ás
cabeceiras tem os Religiosos Franciscanos cie Quito muitas
m issões de índios, ao n d e c h a m ã o os Su cu m b io s. Por rela­
ção destes Religiosos se sabe, q u e este rio içá ou Putumayo,
b e navegavel p o r espaço cie tres mezes até ao seu ultimo
po rto cham ado S. Diogo.
P o r este rio tem descido muitos Religiosos F ran ciscan o s
dos Sucumbios a c u r a r - s e n a aldeia de S. Christovão, por­
que não obstante estarem tão perto de Quito, que lhe fica
ao noroeste em menos distancia cie oitenta leguas, se lhes
faz mais facii descer pelo rio abaixo, que passar a Quito,
por causa das montanhas quem edeião de entre m eio. Tam­
bém por este rio tem descido muitos Castelhanos no tempo
das guerras de Inglaterra com aquella corôa, huns a passa­
rem pelo Pará á Europa, e outros a commercio ao Pará,
ainda que a maior communicação e descida dos Castelhanos
de Quito lie pelo no Nápo.
Da boca do rio Içá ou Putumayo até á aldeia de S. Pedro
dos Tucunas (á), que fica da parte do sul do dito rio, sãocinco-
enta leguas, e desta aldeia dos Tucunas á aldeia de S. Pau­
lo (3), que fica da parte do norte, são dez leguas de distancia.
He esta aldeia de S. Paulo a ultima dos Portuguezes, situa­
da em lugar alto junto a hum lago sobre o rio. Antes ti-
nhão os Reverendos Padres Carmelitas a aldeia de S. Pedro
dos Tucunas acima desta cinco leguas da parte do sul, e ha
(1) lie o lu g ar de Caslro de Avelans, que ainda co nserva o predicado de
p aroch ia com a m esm a invocação, m as com o nom e de M aturá.
(2) Os h ab itan te s desta aldeia, com o da de S . P aulo p assarã o p ara o p o n to
onde se acha hoje — Olivença, n a m argem d ireita do A m azonas. H e u m a
p arochia ”sob a invocação de S . P ed ro e S . P a u lo ; m as lie m ais co n h ecid a
por S . P au lo d e O livença.
(3) V eja-se a nota p re c e d e n te .— T an to esta aldeia com o a de S . P ed ro
dos T u cu n as forão fundadas pelos Je su íta s h espanh oes, e a estes tom adas
pelos P ortuguezes, o estavão p rim itiv am en te situ ad as acim a de n o ssas fron­
teiras aelu aes.
iNotas do EddU’i'.)
mui poucos annos que a mudarão os Reverendos Religiosos
do Carmo para o lugar onde está. Todas estas aldeias são
de índios Ca mb cisas, ou Omagoas.
Até aqui se estendem os domínios de que a coroa de Por­
tugal está de posse pacifica, e sempre esteve desde os pri­
meiros descobrim entos deste grande rio, feitos por Pedro
Teixeira, no anuo 1639, sem mais controversia entre a corôa
de Portugal e Castella, que buma leve differença que houve
nos annos de 1708 até 1710. Foi o caso, segundo nossas me­
m orias.
Entrárão os Missionários da Companhia de Jesus da pro­
vincia de Quito com maior zelo na conquista e reducção
da nação dos Cambebas, do que era conveniente; porque os
reduzio o seu zelo a entrarem nos domínios de Portugal, a
estabelecerem nelles aldeias, como com effeito se introdu­
zirão em tres ; a sab er: S. Paulo, S. Joaquim, e Santa Maria
Magdalena, todas da nação Cambéba. Com esta noticia
mandou E l-rei o Senhor D. João V, logo no principio do seu
reinado, no anno de 1708, ao Governador e Capitão General
do Estado, Christovão da Costa Freire, senhor de Panças,
para que mandasse notificar aos ditos Missionários, que se
retirassem para os domínios de seu soberano. Assim o exe­
cutou o dito Governador por meio do capitão Ignacio Corrêa
de Oliveira, que intimou a sua com m issão ao Padre João
Baptista Sana, Superior daquellas M issões, e aos Padres Mis­
sionários Pedro Bularte, André Escovo, e Mathias Lapso, todos
da Companhia de Jesus da provincia de Quito. Cederão
promptamente, e se retirarão os Padres á notificação do cabo
portuguez. Mas picado pelo esbulho, logo no anno seguinte
de 1709, mandou o Governador e presidente da audiência de
Quito huma tropa de Castelhanos em despique da evacuação
dos seus Missionários, e com effeito entrou pelos domínios
portuguezes; lançou fóra os tres Missionários portuguezes,
que erão Religiosos do Carmo calçados, queimou as aldeias,
e se recolheu a Quito com quatro Portuguezes prisioneiros,
entre os quaes era o mesmo capitão Ignacio Corrêa.
Irritado, como era justo, o senhor de Panças deste insulto,
no termo de treze dias, depois da sua noticia, pôz prompto
hum corpo de cento e trinta Portuguezes e mais de seiscentos
índios, que sahirão do Pará em 14- de Outubro cio mesm o
anno, commandados todos pelo Sargento-m ór José Antunes
da Fonseca, a tomar justa satisfação aos Castelhanos do seu
insupportavel attcntado, c com feliz successo chegou ao
lugar do seu destin o, recobrou as aldeias portuguczas, cas­
tigou o atrevimento dos castelhanos, e se recolheu com quinze
prisioneiros castelhanos, entro os quaes, foi o nosso Padre
João Baptista Sana, o qual depois passou do Pará a Lisboa,
e dahi com fervoroso espirito pretendeu as Missões da Pro­
vincia de Goa, aonde m ereceu o prêmio de seus gloriosos
e apostolicos trabalhos, e virtudes, de que era adornado ; e
para memoria desta acção, pozerão hum sino pequeno que
trouxerão, na torre do Collegio, que bem mostra no tinulo
do metal, que he Castelhano gritador:— e sem mais alteração
até ao presente se tem conservado a corôa de Portugal na
posso do rio das Amazonas até á dita aldeia de S. Paulo.
Este lie o facto que me pareceu referir.
No que toca ao direito das duas coroas lie improprio do
meu Instituto apura-lo, porém direi para satisfação do leitor
curioso, o que he certo e incerto nesta materia, segundo
varias memorias antigas. Certo he que os dominios de Por­
tugal se estendem ate á aldeia chamada do Ouro, da qual
Pedro Teixeira tomou posse pela corôa de Portugal aos 16
de Agosto de 1639, em hum sitio a que pôz por nom e a
Franciscana, o qual estava da parte do sul sobre o rio das
Amazonas, e defronte da parte do norte estavão as bocaynas
do rio do Ouro, e por razão deste, e pelos seus bons ares e
terras fructiferas, assim para plantas, como para pastos de
gados, lhe pareceu o sitio mais conveniente para huma bem
regulada povoação, por cuja causa tomou posse do dito sitio
e mais terras adjacentes dos rios, navegações e com m ercio
a elle pertencentes.
0 auto da posse se acha nos livros da Camara do Parti, e
o traz copiado Bernardo Pereira de Berredo nos seus A n n a c s
H istoricos, Livro N, § 710. O que porém lie incerto por cansa
dos tempos o mudanças dos nomes lie o lugar proprio, onde
estava a aldeia do Ouro, no tempo da posse de Pedro Tei­
xeira. Bernardo Pereira de Berredo nos seus A n n a cs H isto ­
ricos, Livro X, § 709, põe a aldeia do Ouro no rio Napo da
parte do sul, vinte léguas abaixo do rio Aguarico, chamado
do Ouro.
Mr. de la Condamine persuade-se, que a aldeia do Ouro,
em que Pedro Teixeira pôz os marcos, e tomou posse pela
corôa de Portugal, seja o lugar onde hoje está huma aldeia
de índios, administrada pelos Beverendos Religiosos do Car-
mo, chamada Paraguáry(I), dez leguas acima do rio Teffé, da
parte do sul, a qual tem defronte de si da parte do norte a
primeira boca do rio J a p u r á , que o saloio acadêmico suppõe
ser o rm do Ouro, que Pedro Teixeira refere no seu auto de
posse, Contento-me com referir estes dons autores, sem d e­
cidir nada na materia, por não ter outros fundamentos, ainda
que me faça alguma força o mappa, que havia de servir na
demarca oco dos dons domínios, que nPo communicou o nosso
Padre mathematico Ignacio Sammartoni, que he o que havia
dirigir a demarcação pelas confrontações do dito mappa, por
estar em ponto grande e me parecer exacto; sempre porém
me persuado, ainda que Poríuguez, que Bernardo Pereira es­
tendeu muito com o compasso pelo Napo dentro a jurisdiceão
e dominio de Portugal, que me parece ficarião satisfeitas huma
e outra corôa, se a boca do rio Napo fosse a divisão de ambos
os d om ínios; nem este meu dizer se oppõe ao que diz Mr. de
la Condamine, porque, ainda que determina o sitio de Pará-
guary, pouco antes diz, que por aquelles contornos, pouco
mais ou menos estava situada a aldeia do Ouro, e cem leguas
naquelles desertos e extensões de terras não fazem differença
de consideração, particularmente dizendo o auto de Pedro
Teixeira, que tomava posse pela corôa de Portugal do dito
sitio e mais terras adjacentes, rios, navegações e com -
m ercios.
Aos reys e seus ministros pertence a averiguação desta ma­
teria, _c a mim só incumbe o dizer, que o districto ultimo da
jurisdiceão de Portugal ao presente he a aldeia de S. Paulo,
situada nas m argens do rio das Amazonas da parte do nor­
te, sessenta leguas acima do rio Içá,ou Putumayo(2).E a juris-
dicção hespanhola se estende á aldeia chamada dos Pevas dez,
ou doze^leguas abaixo da boca do rio Napo. Dista esta ai­
ders de Santo Ignacio dos Pevas, ultima dos Castelhanos, da
de S. Paulo, primeira dos Portuguozes, cousa cie oitenta le -
g'uas_ pouco_ mais ou m enos, e entre estas duas aldeias se
terminão hoje os clous domínios poríuguez e castelhano.
Porém no principio do seu reinado mandou. El-rei Nosso
Senhor o Senhor D. José, que os Padres da Companhia fun­
dassem huma _ aldeia, que servisse de termo aos seus reaes
domínios, e foi a esta fundação o Padre Manoel dos Santos,
(1) IIc a m esm a aldeia que depois re u n io -s c á dc N o gu eira, como já sc disse
á pag. 53(3 nota (1).
(2) V eja-se a nola (3) a peg. 5 3 8 . (Nol.ns do idd.irh.ir.)
com o s ou co m p an h eiro o P aú ro Luiz G omes, que c o m im ­
m ensos trabalhos a fu n d árão m ais acima de S. P au lo em hum
hollo lu " a r c h a m a d o Javary (i), com h u m a s form osas e assea­
das casas da vivenda, de d o n d e os tirarão , estando p a r a d a r
principio á igreja da invocação de S. Xavier, p o r o r d e m do
Sen h o r General Francisco Xavier de Mendonça.
T e m -se ajustado hum tratado entre Portugal e Castella,no
qual se diz que cede Portugal a Castella a aldeia de S.C hristo-
vão, de que já falíamos, e as terras do rio das Amazonas
que medeião da parte do norte entre os rios Içá e Japurá. Se
assim o fôr, não havendo novos ajustes, ficarão sendo as
margens occidentaes da primeira boca do Japurá os limites
de Castella para o occidente, e os de Portugal para o oriente.
Maior difíicLildade acho eu, que se ha de experimentar nos
limites dos sertões, se não se dividirem pelas vertentes dos
rios de huma e outra parte, de sorte que toda a Guyana
se pôde dividir pelo sertão até o rio Negro inclusive, pelas
vertentes dos rios, ficando a Portugal as vertentes para o
sul, e a Castella e mais potências confinantes as vertentes
das aguas para o norte.
0 mesmo digo das vertentes cia parte do sul do rio das
Amazonas até o rio da Madeira, ficando as vertentes para
o norte, e o rio das Amazonas de P ortugal; e as vertentes
para o sul, e rio da Prata de Castella. Do Madeira para cima
lie mais controverso, por estarem os Castelhanos com povoa­
ções neste rio, e no Beny e outros; e só convindo em que
vinte léguas ao norte da povoação ou aldeia mais vizinha á
linha equinocial seja o limite dos dominios das duas Coroas,
que poderá ficar em dez gráos de latitude austral, me pare­
ce ficarão satisfeitas as razões e conveniências de ambas as
Coroas; particularmente attento a que Castella não tem com­
mercio, nem conveniência alguma nas ditas terras por Por­
tugal ser senhor da navegação de toclos estes rios.
O tempo futuro mostrará o que ajustão as duas Coroas,
e queira Nosso Senhor, que seja em boa paz, e com a rec-
tidão e justiça, que de ambas se deve esperar.
(1) Foi depois a villa de S . Jo sé do Javary, que já não ex iste, p assando os
h abitan tes em '3766 p ara o porto de T abatinga n a m argem esq u erd a do A m a­
zonas, por ser m elhor situ ad o .
(Nota do Edictor.)
CAPITULO XL
B R E V E R E L A Ç Ã O DO R IO D A S A M A ZO N A S, ESEUS COLLATERALS
DESDE OS U L T IM O S C O N F IN S D E P O R T U G A L A T É A S SU A S
C A B E C E IR A S .

Tenho acabado de descrever o theatro dos Missionários


da Companhia do dominio portuguez nas vastas e dilatadas
margens do grande rio das Amazonas, porém por não ficar
a descripção deste rio difficultosa direi com toda a brevidade
o mais que resta deste grande rio até o seu nascimento,
contentando-me com remetter o leitor que desejar mais
larga noticia, ao Padre Manoel Rodrigues no seu livro Ma-
ranon y Amazonas, a Mr. de la Condamine, e a Bernardo
Pereira de Berredo no seu livro Annaes Historicos, livro
decimo, aonde descreveu com largueza e individuação o
que diremos agora em compendio.
Da aldeia de S. Paulo á ultima dos Portuguezes, e á de
Santo Ignacio dos Pevas, primeira dos Castelhanos, são oi­
tenta léguas. He administrada esta e todas as mais aldeias
acima pelos Padres da Companhia da província de Quito.
Está esta aldeia dos Pevas situada sobre o rio das Amazo­
nas da parte do norte.
O nome de Pevas lhe deu huma nação de índios assim
chamados, de que se com põe, e de algumas outras nações
diversas. Subindo o rio Amazonas acima dez léguas topamos
á parte direita do norte o famoso rio Napo, que desemboca
no das Amazonas em altura de tres gráos c vinte e qua­
tro m inutos de latitude austral, e trezentos e hum gráos
e trinta m inutos de longitude. A sua boca tem de largo
cousa de mil e quinhentas varas.
Desce de oeste para leste com declinação para noroeste.
Nasce este rio das serras de Quito, e começa a ser nave-
gavel cinco léguas abaixo da cidade de Archidona, e este
he o mais ordinario embarcadouro para o commercio de
Quito com o rio das Amazonas.
De Archidona rio abaixo vinte e cinco léguas se augmen­
ta o rio Napo com o rio Coca, que desem boca no rio Napo
60
fla par lo do norte. E da boca dcste rio Coca até o rio Agun-
rico, ()?ie tambem desemboca no Napo da parte do norte,
s a o c m c oenta leguas.
E s t (3 io Aguarico se chamou tambem rio do Ouro, por
so a d i a r algum nas mãos dos índios que o habita vão. He
celebre este rio, assim pela morte que os índios de!le de-
rão a João de Palacios, como peias guerras que tiverão
com os Portuguezes na viagem de Pedro Teixeira.
Deixou este quarenta soldados c a maior parte dos ín ­
dios, quando subio para Quito, junto á boca deste rio, com-
mandados todos pelo Capitão Pedro da Costa Favella, que
se demorou neíle dez Inezes, c no decurso deste tempo
teve varios encontros com os índios, que castigou como
merecião.
Estes índios, c esta provincia se chama dos Encabellados,
por usarem de eabellos muito compridos. Aqui diz Bernardo
Pereira de Bcrredo, que poz Pedro Teixeira os m arcos de
Portugal, e quo aqui era a aldeia do Ouro, de que tomou
posso pela nossa Corôa, e que a boca do rio Aguarico he a
boca do rio do Ouro de que falia o auto. Da boca deste rio
Aguarico descendo o rio Napo abaixo se encontra da parte
do sul o rio Curary, pelo qual tambem se pode subir e des­
cer de Quilo.
Deste rio Curary até onde o Napo desemboca no das Ama­
zonas são oitenta léguas. He tão grande, e tão caudaloso o
rio Napo na sua boca, que o Padre Acunha na sua relação o
julgou pelo principal rio, e o chama verdadeiro rio das Ama­
zonas, fazendo a divisão que do Napo para cima se chamasse
Maranhao o braço do Napo, que julgou ser o rio das Ama­
zonas.
E deste engano tiverão e tomarão fundamento alguns
autores para affirmarem que havia dous r io s; hum cham a­
do Amazonas, outro chamado Maranhão- Este tambem com
alguma confusão leva o sabio annalista Bernardo Pereira de
Berredo nos seus Annaes Historicos do Maranhão.
Digo com alguma confusão, porque dizendo com o Padre
Samuel Fritz, que o rio Amazonas nasce na lagôa Laurico-
cha, junto á cidade de Guauúco, no Livro X, § 701, con­
tinua no § /0 5 a descrever o rio Napo, como se fora
o rio Amazonas, e no § 712 lhe faz entrar o rio Tan-
guragoa, ou Maranhão, como braço, seguindo nisto a
relação do Padre Acunha, que não soube concordar com
.‘>45

a opinião do Padre Fritz, que com razão a tinha per nut is


ajustada, e por conseguinte mais verdadeira, Hoje porém
lie sem duvida entre Portuguezes e Castelhanos, que o prin­
cipal rio das Amazonas recebe cm si o N apo, que lhe
fica sendo tributario apezar de toda a sua soberba.
Já disse que o rio das Amazonas desde a boca do rio Negro
até á boca do Napo se chama Solimões. Agora digo, que da
boca do Napo para cima se chama rio Maranhão, e assim
o nomeião sempre os Castelhanos.
Subindo este rio Maranhão ou Amazonas cincoenta léguas
acima está a aldeia de S. Joaquim, composta de índios Cam-
bébas, que fugirão para este lugar do rio Solimões no anno
de 1710, e lie aldeia populosa, e se compõe hoje de outras
nações além dos Gambébas, e fica situada da parte do sul
das Amazonas ou Maranhão.
Acima desta aldeia subindo á mão esquerda seis léguas,
ou da parte do sul, se encontra a boca do grande rio
Ucayalé, que desce do sul para o norte, e he navega vel por
mais de tres m ezes, e he tão grande, que duvida Conda-
niine se traz mais aguas que o das Amazonas, e se devia
este com mais direito ceder-lhe o nome de Amazonas (*).
Nasce de varias fontes das provincias de Tarma, Guanca-
belica, Guamanga e Cusco lie de crer que por este rio
Ucayalé se virá por tem pos a commerciar com mais com m o­
do para o Perú.
Acima do rio Ucayalé quinze léguas se encontra Iiuma
aldeia de índios chamados Yamiús, situada da parte do nor­
te, e acima deste, cinco léguas, topamos da mesma parte a
boca do rio Tigre, que desce das serras de Quito, menor
que os que tem os referido.
Da boca do rio Tigre setenta léguas acima, está a aldeia
chamada da Laguna, a mais povoada e celebre das Missões
dos Maynas. Aqui assistem de ordinário mais Religiosos da
Companhia, e he o assento e lugar proprio do Visitador des­
tas Missões. Está situada esta aldeia da Laguna, não sobre
o rio das Amazonas, mas sim sobre hum rio ou lago chamado
Guallága, que desemboca no das Amazonas da parte do sul,
e dista da boca do dito rio Guallága quatro ou cinco léguas.
(*) Dalbi h e tam bém desta opinião cm sua Geographia a pag. 9 2 6 , c com
fu n d a m en to . A este rio se dá tam b ém o nom e de velho Maranhão, assim como
se ch am a ao T u n g u rag o a ou A m azon as, novo Maranhão.
(Nota tio Edictor.)
Observou Mr. de la Condamine nesta aldeia da Laguna
cinco «ráos ® quatorze minutos de latitude austral,e duzentos
e noventa e nove de longitude, segundo a observação do
Padre Fritz.
Seguindo o rio das Amazonas ena distancia de vinte léguas da
Laguna, se encontra o celebre rio Pastaza da parte do norte,
que desemboca no das Amazonas por ires bocas, sendo a
principal de largura de mais de oitocentas varas. Por este
rio Pastaza desceu de Quito D. Pedro Maldonado para acom­
panhar a Mr. de la Condamine, e deu á luz huma relação da
sua viagem, e deste rio, c]ne nasce também das seira s de
Quito, na provincia de Macas.
‘ Da boca do rio Pastaza á do rio Moróna, que desce da
mesma parte do norte, e nasce das mesmas serras de Ma­
cas, são outras vinte léguas. He rio muito menor que o
Pasíaza. Deste rio Moróna á cidade de Borja são trinta léguas
de distancia, está situada sobre o rio Amazonas da parte do
norte, com poem -se os moradores da maior parte dos Índios
administrados pelos Religiosos da Companhia, e de alguns
poucos Hespanhóes e Mamalucos (isto lie, m ixtos de H espa-
nhóes e Índios), e com tudo isto he cabeça cie governo da
provincia dos Maynas. Está situada em altura de quatro
grãos e meio de latitude austral, e duzentos e noventa e seis
de longitude.
Teve principio a sua fundação pelos Padres Missionários
da Companhia, no anno de 1639. Acima de Borja logo está
o celebradissimo P o n g o, isto he, porta na lingua do Perii, e
lie hum canal apertado entre duas altissimas penhas, em que
se encerra todo o peso das aguas do rio Amazonas. Tem de
comprido duas léguas, e de largo, estando o rio na maior
altura, terá eincoenta varas castelhanas, e estando baixo não
excede trinta varas de largo, que neste aperto de aguas he
forçoso seja muito apressada, e mais que precipitada a sua
corrente com hum fundo a qualquer experienda im percep­
tível.
Deste Pongo para cima em distancia de meia legua está a
aldeia de S. Thiago de las Montanhas, antigamente cidade,
na boca do rio do nome do mesmo santo, que nascendo nas
vizinhanças da cidade cie Cuenca, busca a sua corrente as
partes do n o rte; repartindo ao mesmo tempo cias suas
aguas com a cidade cie Loxa, por hum braço que bem po­
deria dar a mão ao grande rio das Amazonas, a não estarem
as snas margens e terras vizinhas notavelmente infestadas
com o Gentio da nação dos Xibarros, que em tem pos ante­
riores forão do serviço dos Ilespanhóes, cujo jugo sacudi­
rão por não poderem aguentar o excessivo trabalho das
minas de ouro, vindo depois a fazerem-se tem idos, mais p e­
las emboscadas, que pelo valor de seus braços, que quanto
a peito descoberto, estão já os Castelhanos costumados a
sujeitar sem elhantes valentias. Terá de largo este rio tre­
zentas e sessenta varas, que muito antes que entre nas
Amazonas já conta seiscentas na sua maior largura.
Esta aldeia de S. Thiago, distará como tres léguas da
cidade de Borja, ficando entre buma e outra o celebrado
Pongo. De S. Thiago até o embarcadouro de Jaen de Bra­
cam oros, vão quasi oito léguas, situado junto de hum riacho,
a que os naturaes dão o nome de Chuchunga, e aqui he que
acaba de ser navegavel este unico, o maior e mais famoso
rio das Amazonas, depois de ter sabido do seu berço na
lagôa Lauricocha, e dado os primeiros passos sómente por
entre pedras e saltos invadeaveis, até por ultimo vom itar no
cabo do norte, pela sua monstruosa boca o immenso humor
de aguas, de que viveu sempre hydropica a sua grandeza.
Do embarcadouro para cirna, em espaço de vinte léguas,
está Jaen de Bracamoros com o nome de cidade, mas de
muito poucos m oradores, conservando ainda o titulo, mais
pela antiguidade, que pelo numero de seus habitantes. Nesta
cidade se reparte o rio em tres braços ou cabeceiras: o do
m eio, como maior no lugar e nom e he o celebre rio Mara­
nhão, o collateral da banda do sul, chama-se pelos naturaes
Ghachapoya: o da parte do norte Ghinchipe. Todos elles
muito copiosos de aguas, mas muito mais de penedias, que
os fazem invadeaveis pelas muitas cachoeiras; porque esta
regalia a reservou o Autor da Natureza para o rei de todos,
o nosso vastissimo Amazonas, todo elle vadeavel do seu prin­
cipio, isto é, de Bracamoros para baixo até o fim no cabo
do norte, e todo abundantíssimo no verão de peixes bois,
tão bons, como num erosos : servindo com suas aguas e cor­
rentes de estrada real e seguida para a extracçao do cacáo,
salsa, cravo grosso e fino, a que chamão canelino, drogas,
que tiradas de seus sertões avultão muito no com m ercio, e
fazem celebre, e com razão, grande a cidade de Belém do
Grão-Pará, por cujas margens e dos mais rios que nelle
desembocão, estão espalhadas tantas e tão populosas aldeias,
tantas o tão diversas n açõ es, e lium a g ran d e e dilatada con­
quista dos filhos o Missionários da Companhia de J e s u s, que
á força de im m ensos trab a lh o s e in d u s trio sa s fadigas a m a n ­
sarão’ a b a r b a r a fereza do tantos gentilismos, c o m m u n ic a n -
do-lhes as luzes da verdadeira crença, para c o n ta r a igreja
tão grande numero de filhos, e os Serenissimos Reis de Por­
tugal innumeraveis subditos á sua real Coroa, com o m ais
distinctameníe nos mostrará a segunda parte ou tomo desta
nossa Historia, pela qual poderá correr com m enos vagar e
menor receio o tosco da nossa penna, e o insulso do estylo,
visto deixarmos já aberta a estrada, por onde caminhárão
ligeiros os nossos fervorosos operarios ao descobrimento e
conquista espiritual do famoso rio das Amazonas, confessando
ingenuamente devermos as noticias de lodos estes rios ao
grande cuidado e indagação do nosso sempre louvável Padre
Bento da Fonseca, Procurador Geral em Côrte da Vice-Pro-
vincia do Maranhão.
Aqui dá fim esta nossa prolixa narração, porque chegám os
com ella ao fim, donde teve seu principio o celebrado rio,
de que tratamos, fiados nas noticias que delle nos derão, e
deixárão pessoas religiosas da Companhia e do Carmello,
assim modernos, que as notárão em seus diários, com o an­
tigos em seus manuscriptos, tendo entre todos o primeiro
lugar por professor o nosso Padre Samuel Fritz, e não pe­
quena a summa curiosidade do nosso Padre Christovão da
Cunha, como também do exacto geographo Matheus Scutero,
e de Mr. Carlos de la Condamine,que bem se dá a conhecer
pelo nome, como hum dos benemeritos membros da insigne
e sempre sabia Academia de Pariz. Se porém houver quem
com m elhores noticias, em alguma parte julgue e diga o
contrario, do que dizemos, fundado, ou em mais exactas ex­
periências, ou em mais bem calculadas averiguações, pro­
testo, não defender os ditos dos sugeitos graves a quem s ig o ;
porque todo nosso intento foi indagar a verdade para delia
a beber nas melhores fontes: referindo, como já disse, o
que os m esm os curiosos nos offerecêrão em suas viagens,
que, pelo que respeita ás distancias e situações, se podenão
facilmente enganar, por falta de instrumentos para assignar
hum rigoroso calculo, exceptuando o Sr. de la Conda mine,
que á excellenda daquelles, ajuntava o sublime da sua scien-
cia e rara comprehensão.
Se a algum dos nossos leitores parecer miúda e escusada
a particular narração, que íizem os deste grande rio, e s­
cu se-m e da censura, já que me não poupei ao trabalho;
porque, além de poderem servir para o futuro as noticias
destes rios e sertões, por não ficarem sepultadas com o
tempo, poderão também servir de refrescar as memorias a
quem os navegou, c de roteiro a quem algum dia os pre­
tender navegar; além de que, todo o m eu principal intento
foi descrever o lugar e campo aonde se obrarão tantas e tão
gloriosas acções dos fervorosos Missionários da Vice-Provin-
cia do Maranhão, nas innumeraveis redacções que fizerão,
e gentios que converterão á nossa fé, fundando também al­
deias peio famoso rio, e por todos os mais que nelle rendem
o tributo de suas aguas, que pôde a Companhia repartir
depois muitas das mesmas aldeias com as mais sagradas Re­
ligiões, como consta do Alvará de distribuição, que mandou
fazer á requerimento da mesma Companhia, o Senhor Rei
T). Pedro lí de boa m em oria: ajuntando aquellas fervorosas
familias ás já fundadas, muitas outras aldeias e conquistas
que fizerão; que para todos tem sido e será sem pre dilatada
esta fertilissima terra e copiosissima seára.
E se alguém me perguntar, porque mais no fim da pri­
meira, que no principio da segunda parte cia nossa Historia
offerecemos huma tão extensa relação ? Respondo, que para
pôr-nos expeditos para entrar logo a referir com menos
embaraço, o muito que tem os que dizer das conquistas
e entradas (em que não poucos perderão a vida) dos nossos
Missionários, primeiros descobridores no espiritual do vasto
Imperio do form osissim o rio das Amazonas, sujeitando-m e
em tudo, como obediente filho da Santa Igreja, a toclos os
decretos e determinações Pontifícias, não querendo que á
santidade de alguns insignes e veneráveis varões, que no­
m eam os, se dê mais credito que á pia e humana fé dos
nossos leitores.

FIM DA l . a P A R T E OU 1 .° TOM O.
nrOTA HO A IT 1 IO K .

Que foi o que pude salvar, com grande risco, do infeliz


naufragio que padeceu toda a Companhia de J e s u s ; porque
a Segunda Parte naufragou no confisco, que se fez em todos
os papeis, que os Ministros de Justiça íizerão no Collegio do
P ará; perecendo neile todos os materiaes e excellentes no­
ticias que tinha para a sua construcção; não faltando mais
que ajunta-los por sua ordem. F ia t v o lu n ta s D ei.
INDICE.

Ao P u b lic o .......................................................................... II
D e d ic a tó ria .......................................................................................... 1
T ro lo g o ................................................................................................ 5
LIVRO I. — Da Capitania do Maranhão.— Capitulo i . — D á-se
h u m a breve noticia d a cidade do M aranhão e seu presente estado. 11
C apitulo i i . - —P rim eiro descobrim ento do M aranhão e sua o rigem . 18
C apitulo i i i . — P edro Coelho de S ouza e M artim S oares M oreno te n -
tão por te rra o descobrim ento do M aranhão. M allogro da expedição. 23
C apitulo iv . — C ontinuação da m esm a m a te ria . M orte gloriosa do
venerável P ad re F rancisco P in to ..................................................... 34
C apitulo v i . — Breve noticia do pouco que podem os alca n ça r da
vida e v irtu d es do venerável P ad re F rancisco P in to ..................... 45
C apitulo v i i . — Povoão os F ran cezes a ilha do M aranhão. . . . 50
C apitulo v n i.- — C ontinuação da m esm a m a té r ia ................................ 54
C apitulo i x . — P rim eiro en con tro d as nossas arm as com os F ra n ­
cezes ............................................................................................... 58
C apitulo x . — Do que o b rárão os P o rtu g u ezes depois da sab ida dos
F ran cezes, e ,o m uito que trab alh arã o os n ossos p rim eiros M issio­
n ário s n a cof /ersão daquellas a lm a s................................................ 72
C apitulo x i . - D á - s e n oticia da traslad açã o dos ossos do v enerável
P a d re F ra r asco Pinto ; o que D eos obrou por su a in terc essão , c
do ro teiro que o servo do S en h o r g u ard av a n a red u cç ão dos gentios. 84-
C apitulo x i i . — C ontinuão os P a d re s M anoel G om es e Diogo N unes
com o m esm o fervor o louvável exercício dos seus M inistérios n a
ilh a do M aranhão, c u ltim a reso lução que tom arão á v ista dos
in ju sto s procedim entos de seu s j á am biciosos, e não m enos o rg u ­
lhosos m o r a d o r e s ..................................................... ..... 100
C apitulo x iii . — N oticias chronologicas do tem po cm que a C om ­
p anh ia e m ais R eligiões sag rad as en trarão no E stado do M aranhão. 1 08
LIVRO II. — Pm/nssos da Companhia no Maranhão. — C a p itu lo i.
— C hegão os P ad res L uiz F ig u eira e B enedicto Am odei ao M ara­
n hão , e do corno forão hospedados de seu s m oradores . . . . 122
Capitulo i i . - D o que obrárão n o M aranhão os P ad res Luiz F igueira
c Benedicto Am odci, c dos primeiros princípios da n ossa fundaçao
nesta cidade....................................................................................
C a p i t u l o i i i . - D o m ais que obrou o P ad re Luiz F ig u eira c seus
com panheiros no M aranhão, no feliz governo de seu p n m c n o Go­
vernador e C apitão-G eneral F rancisco Coelho dc C arvalho. . .
Capitulo i v .— E ntrad a dos H ollandczes na ilha do M aranhão, c do
que obrarão os nossos P o rtu g n ezes por este t e m p o .....................
Capitulo v . — D o que obrarão os nossos P ortu gn ezes na re sta u ­
ração do M aranhão do poder dos Hollandczes, anim ados dos R eli
giosos da C om panhia....................................................................
Capitulo v l — C ontinuação da m esm a m ateria................................
Capitulo v ii . — Varios acontecim entos c gloriosas acções dos nossos
restau rad o res ..............................................................................
Capitulo v i u . — Do m ais que obrarão os nossos P o rtu g u ezes até
concluírem a restau ração da liberdade..........................................
LIVRO III. — Entrada da Companhia de Jesus na Capitania do
Crão-Pará. — C a p it u l o i. — Breve noticia do seu d esco brim ento,
fundação c do seu p resen te estado ...............................................
Capitulo n . — Dá-se h u m a breve noticia das m ais C apitanias deste
E s t a d o .........................................................................................
Capitulo i i i . — E n tra no P a rá o P adre L uiz F ig u eira, p arte depois
p ara o Reino a b u scar operarios da C om panhia p ara esta tao
g rande seára, e volta para o M aranhão com h u m a g randiosa M issão.
C apitulo iv . — C o ntinu ão-se os varios successos do P a d re L uiz
F igu eira até á su a m o rte ...............................................................
Capitulo v . — S uccessos dos R eligiosos da C om panhia no P a ra e
M aranhão, do anno dc 1 6 4 4 até o anno de 1 6 4 8 ..........................
Capitulo v i . — M orte dos P a d re s F rancisco P ires e M anoel M oniz,
e do irm ão coadjuctor G aspar F ernand es..........................................
CAriTULO v ii .-— R esta b elec e'se a Com panhia no E stado do M aranhão
c P a rá , promovida com ard en te zelo e i*eal grandeza pelo piissim o
S en ho r D . João IV .........................................................................
C atitulo v i ii . — Fervorosa resolução do P adre A ntonio V ieira em
q u erer p assar ao M aranhão a restabelecer a nova M issão, m ortos
todos os M issionários, vencendo para isso as m aiores difficuldades
n a c u r t o .........................................................................................
C apitulo i x . — Chegão ao M aranhão com feliz viagem os nove R e­
ligiosos m andados pelo já nom eado S uperior de toda a M issão o
P ad re Antonio V i e i r a ....................................................................
C apitulo x . — Feliz viagem para a M issão do M aranhão do grando
P ad re Antonio V ieira; g ran d e em baraço que teve an tes da su a
partida, poderes e m ercês com que o despedio o piissim o o sem pre
augusto R ei o S enhor D. Joan IV,
1

rh)f)
LIVRO IV. — Do que sc sega io (Jo, entrada do Companhia no Pani,
e da do Padre Vieira no Maranhão. — Capitulo I. — Fundão
aqnella casa os P ad res S outo-M aior c G aspar F ragoso, e das c o n ­
veniências espiriUiaes que re su lta rã o ............................................... 203
Capitulo i i . — P ro seg iiem -se os trab alh o s dos nossos P ad re s na
sua prim itiva fundação n a cidade do P a r á ..................................... 314
Capitulo h l — C hega ao M aranhão o P ad re Antonio Vieira com
hum pequeno soecorro de M issionários. D á-se noticia do que
0G>0
obrarão depois da sua estada naquella cap ital................................
C apitulo i v . — Com m cltem os R everendos Conegos da B ahia, séde
v acan te, a direcção do governo espiritual aos nossos P ad re s do
M a ra n h ã o .— Motim popular por causa de dons V igários G eraes
que se querião introduzir, c da g rand e prudência e acerto com que
o P adre Vieira ultim am ente acudio à paz e quietação de todos. . 331
Capitulo v . — P rim eira torm enta e m otim popular no M aranhão por
cau sa da n ova lei sobre o inju sto cativeiro dos Índios. — P cricia
com que o P ad re Vieira socega os m ares, e se oppõe ao im peto
de tão precipitada co rrente no m aior perigo dos seu s subditos. . 338
Capitulo v i . — Cópia da resp o sta que derão os P ad re s, c dc como
u ltim am en te socegou tudo a g rand e prudência do P ad re Antonio
V ie ira ......................................................................................... ..... 347
C apitulo v ii . — N oticia su m m aria das leis reacs sobre o cativeiro
dos índios no E stado do M aranhão c P a rá ..................................... 3 57
LIVRO V. — De outras acções dos nossos Missionários no Estado do
Maranhão, e das do grande Pcidre Antonio Vieira até á sua par­
tida para o Pará. — Capitulo i . — Chegão á capital do M aranhão
m ais obreiros da C om panhia d a P rovincia do B razil, e do que o
P ad re V ieira obrou em serviço de Deos e bem das alm as. . . 375
C apitulo i i . — Do que obrarão os P ad res Antonio Ribeiro e T hom é
R ibeiro, na v isita das aldeias da ilh a do M aranhão..................... 391
C apitulo i i i . — M issão que os P ad res F rancisco VcIJoso e José Soa­
re s fizorão nos Índios G oajajáras no rio P inaré por m andado de seu
S u p erio r o P ad re Antonio V ieira. . . ..................................... 393
Capitulo iv . — C ontinuação da m esm a m a te ria................................ 4 03
C apitulo v . — Do que obrarão os nossos P a d re s n a C apitania do
P a rá no anno de l t í 5 3 .................................................................... 421
C apitulo v i . — Do m ais que se obrou na C apitania do P a rá depois
de chegados os dons P a d re s M anoel de Souza e Matheos Delgado. 420
LIVRO VI. — Pa entrada do Padre Antonio Vieira na Capitania do
Pará, do descobrimento espiritual do rio das Amazonas, e das
aldeias que nelle jundárão os Religiosos da Companhia de Jesus.
■— C apitulo i . — E n tra o P ad re Antonio Vieira na cidade d o P a rá
a dar principio a esta esp iritu al c o n q u is ta ..................................... 435
Capitulo i i . — In ten ta o P adre Antonio Vieira en tra r pelo rio das
A m azonas, m as não o consegue ; offereccm -lhe a en trad a do rio
T ocantins, que a c e ita .'— D á-sc noticia do dito rio , e do que resu l­
tou desta viagem ..................... , . .......................................... 447
t \

554
Capitulo hi. -— Continua a carta do Padre Antonio Vieira ás mesmas
Did
Tiotirias do rio c Missão do loc3,ntins. •
C.M’iTur.o IV. — Continuão as noticias da Missão e n o lo can ti . .
. *rr m
(Apitulo v. — Dos primeiros descobridores do n o Amazonas i se-
J n-nndo o mie referem as historias estranhas, e do seu descobri
m ento petos nossos P ortuguezes, conforme as nossas noticias mais
484 .
m odernas nos relatão...............................• ’
r »dttt' i o vi _ D escripção geographica do famoso rio das Amazo-
CiKZ com is m S V nelle fundarão os da Com panhia, e do s -
493
m aiores rios que nelle desembocão ate a fortaleza do G urupa. .
C a p itu lo v i l — Continua a descripção do rio das Amazonas e M is-
" sò ís da Com panhia desde o G urupá ate o n o Tapajóz. . • •
504
Capitulo viii. Continua a descripção do rio Amazonas, e Missões
da Companhia, desde o rio Tapajóz até o rio da M adeira. . . . 514
C a p itu lo IX, — Descripção do rio das Amazonas desde o rio da Ma-
' (leira até o rio Negro, e Missões da Companhia que neste houve. 525
: Capitulo x . — Continua a m esm a descripção até os últim os confins
532 '
do dominio de P o rtu g a l...............................................................
Capitulo x i . - B r e v e relação do rio das Amazonas e seus co llate­
r a l desde os últimos confins de Portugal até as suas cabeceiras. 543

Rio de Janeiro. — Typ. de Brito òc Draga, trav. do Ouvidor n. 17.

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