Você está na página 1de 51

Redescobrindo

A masculinidade e
A feminilidade
bíblicas
Apostila redigida por Pr. Tiago Abdalla T. Neto

0
O CONCEITO BÍBLICO DE MASCULINIDADE1

INTRODUÇÃO

 A tendência moderna é destacar a igualdade entre homem e mulher, minimizando o significado


de masculinidade e feminilidade.

 A conseqüência dessa ênfase moderna é confusão sobre o que significa ser homem e mulher.
Tal foco produz o oposto daquilo que pretende, pois, ao invés de gerar relacionamentos
harmoniosos e livres, as conseqüências acabam sendo mais divórcios, maior homossexualidade,
mais abuso sexual, maior inabilidade social e pessoas machucadas emocionalmente, desde que
se perde a identidade dada por Deus à humanidade na criação.

 Perguntas importantes que ficam sem uma resposta apropriada:

o Um menino pergunta ao seu pai: “Pai, o que significa ser um homem e não uma
mulher?”
o Como os pais devem educar as suas filhas a serem mulheres e seus filhos a serem
homens, se não sabem o que significa masculinidade e feminilidade? (Veja citação
abaixo).
o Se, conforme diz uma antiga propaganda, “o respeito não olha a raça, o sexo, a condição
social ...”, o modo como eu (homem) expresso respeito por um rapaz deve ser
semelhante à maneira como expresso respeito por uma moça?

 Paul Jewett, um feminista evangélico faz a seguinte afirmação no seu livro Man as male and
female:

A sexualidade permeia o ser individual de uma pessoa na sua maior profundidade; ela
condiciona cada faceta da vida pessoal. Como a própria pessoa está sempre consciente de si
mesma como um “Eu”, assim, esse “Eu” está sempre consciente de si como “si mesmo” ou “si
mesma”. Nosso autoconhecimento está indissoluvelmente ligado não apenas com nossa
existência humana, mas com nossa existência sexual. No nível humano não há “eu e tu” per se,
mas apenas o “Eu” que é homem ou mulher diante do “Tu” que também é homem ou mulher.
Pelo menos alguns, entre os teólogos contemporâneos, não estão certos se sabem o que significa
ser um homem em contraste com uma mulher, ou uma mulher em contraste com um homem. É
por compartilhar desta incerteza que o escritor limitou a questão ontológica neste estudo.
Toda atividade humana reflete uma distinção qualitativa que é sexual por natureza. Mas, em
minha opinião, tal observação não oferece qualquer indicação para o significado último daquela
distinção. Pode ser que nunca saberemos o que essa distinção em última análise signifique. Mas,
ao menos, isso parece claro: nós compreenderemos a diferença – o que significa ser criado
como homem e mulher – apenas quando aprendermos a viver como homem e mulher numa
verdadeira parceria de vida.

Jewett reconhece que “a sexualidade permeia o ser individual de alguém na sua maior
profundidade”, mas não é capaz de definir quem nós somos como homem e mulher! Sua proposta
é que nós descobriremos quem somos “como homem e mulher” ao experimentarmos uma
1
Estudo baseado no livro PIPER, John, GRUDEM, Wayne. Recovering biblical manhood and womanhood: a response to
evangelical feminism. Wheaton, IL: Crossway, 2006. p. 31-45.

1
“verdadeira parceria” como “homem e mulher”. O problema é que nunca saberemos o que
significa uma “verdadeira parceria” até que saibamos a natureza dos que estão envolvidos nessa
parceria. Uma verdadeira parceria deve levar em conta a realidade sexual “que condiciona cada
faceta da vida pessoal”. Se somos, realmente, ignorantes sobre o que masculinidade e
feminilidade significam, não temos autorização para prescrever a natureza com a qual uma
verdadeira parceria se assemelhará.

 Quando as Escrituras ensinam que homem e mulher cumprem diferentes papéis no relacionamento
um com o outro, sua fundamentação para esta diferenciação não se encontra em normas culturais
temporárias, mas em fatos permanentes da criação. Isso é percebido claramente em textos como 1
Coríntios 11.3-16; Efésios 5.21-33; 1 Timóteo 2.11-14. Na Bíblia, papéis diferentes para homens e
mulheres nunca são traçados a partir da queda do homem e da mulher, mas sim, a partir da vida no
Éden, quando o pecado ainda não havia deturpado nossos relacionamentos. Papéis diferentes foram
corrompidos, não criados, pela queda. Pois, foram criados por Deus.

UMA DEFINIÇÃO BÍBLICA DE MASCULINIDADE

A ESSÊNCIA DA MATURIDADE MASCULINA CONSISTE EM UM SENSO DE


RESPONSABILIDADE BENEVOLENTE PARA LIDERAR, PROVER E PROTEGER MULHERES,
DE MANEIRAS APROPRIADAS AOS DIFERENTES RELACIONAMENTOS DE UM HOMEM.

“A essência da... ”

Esta parte destaca que a definição não é exaustiva. Há mais características na masculinidade, mas, não
menos. Esta é a essência do que masculinidade significa na Bíblia.

“... maturidade masculina... ”

Um homem pode dizer: “Eu sou um homem e não sinto este senso de responsabilidade que você define
como característica da masculinidade”. Ele se sente forte, sexualmente competente, vigoroso e racional.
Mas, se não possui este senso de responsabilidade benevolente para com as mulheres de liderar, prover
e proteger, então, sua masculinidade é imatura, incompleta e, provavelmente, distorcida.

“Maturidade” implica que o senso de responsabilidade de um homem encontra-se em um processo de


lançar fora suas distorções e limitações pecaminosas, e encontrar sua verdadeira natureza como uma
forma de amor, não uma forma de auto-afirmação.

“... consiste em um senso... ”

A palavra “senso” indica que um homem não deve apenas ser responsável, como, também, perceber e
sentir que é responsável. Se ele não “percebe” ou “sente” sua responsabilidade, ele ainda não
amadureceu em sua masculinidade.

“Senso”, também, implica que um homem pode ser maduro em circunstâncias nas quais ele não tem a
possibilidade de se relacionar com qualquer mulher. Ele pode estar em combate ou num navio da
marinha em alto-mar, numa prisão ou, talvez, trabalhando numa petrolífera. Isso, também, se relaciona
com limitações físicas. Talvez, um homem seja paralítico ou aleijado. Sua esposa, provavelmente, será
a principal ganhadora de pão em tal circunstância. Provavelmente, será ela quem levantará à noite, para

2
investigar um barulho estranho na casa. Isto não é simples para um homem, mas se ele tem consciência
de sua responsabilidade benevolente debaixo de Deus, ele não perdeu sua masculinidade.

Tal consciência de responsabilidade se expressará no modo como ele vence a auto-comiseração e


proporciona liderança moral e espiritual para a sua família, toma a iniciativa de prover sua família com
o pão da vida e protege sua esposa e filhos dos principais inimigos de todos, Satanás e o pecado.

“... responsabilidade ...”

“Responsabilidade” destaca a masculinidade como um encargo dado por Deus para o bem de todas as
suas criaturas, não um direito para os homens exercerem sua própria auto-exaltação ou auto-satisfação.
Isso não é tanto uma prerrogativa quanto um chamado. Uma tarefa e obrigação. Como todos os
requerimentos de Deus, não é algo pesaroso ou oneroso (1 Jo 5.3). Todavia, é um fardo a se carregar, o
qual em Cristo se carrega levemente (Mt 11.30).

Tal palavra também traz consigo a idéia de que o homem é quem será chamado para prestar contas de
sua liderança, provisão e proteção em sua relação com uma mulher. Isto é ilustrado em Gênesis 3.9,
quando Deus diz primeiro a Adão: “Onde está você?”. Eva havia pecado primeiro, mas não é por ela
que Deus busca, primeiramente. Adão foi o primeiro a prestar contas a Deus pela vida moral de sua
família no jardim do Éden. Isso não significa que mulheres não possuam responsabilidades, mas que o
homem carrega uma responsabilidade exclusiva e primária.

“... benevolente... ”

A responsabilidade da masculinidade é para o bem das mulheres. Responsabilidade benevolente


implica em lançar fora todo autoritarismo auto-engrandecedor e desprezo condescendente (Lc 22.26);
significa deixar de lado qualquer ato que faça uma mulher madura sentir-se diminuída e não honrada e
valorizada (1 Pe 3.7). A responsabilidade masculina benevolente é expressão da Lei Áurea no
relacionamento homem-mulher (Mt 7.12).

“... para liderar ...”

O verbo “liderar” pode carregar diversos tipos de conotação. Para alguns, ele pode soar forte e
dominador, para outros, moderado e serviçal. Aqui, destacaremos o conceito bíblico de liderança
masculina em vários aspectos:
o A masculinidade madura expressa a si mesma não na exigência de ser servido, mas na
força para servir e se sacrificar pelo bem de uma mulher – Liderar não é ter uma postura
exigente, mas conduzir as coisas em direção ao objetivo. Depois de dizer que “o marido é o
cabeça da esposa como Cristo é o cabeça da igreja”, Paulo diz: “Maridos, amem as suas
esposas como Cristo amou a igreja e deu a si mesmo por ela, a fim de santificá-la”. Jesus
conduziu sua esposa à santidade e ao céu, no caminho do calvário. Ele parecia fraco, mas
era infinitamente forte, ao dizer não para o mundo. Desta forma os homens maduros devem
liderar.
o A masculinidade madura não reivindica a autoridade de Cristo sobre uma mulher, mas a
defende – A liderança não confere ao homem todos os direitos e autoridade que Cristo
possui (Ef 5.23). Um noivo não está preparando sua noiva para si mesmo, mas para outro,
isto é, Cristo. O marido não age apenas como Cristo, mas por Cristo.

3
o A masculinidade madura não presume superioridade, mas mobiliza as forças de outros -
Nenhum líder é infalível e nem é superior, em todos os aspectos, àqueles a quem lidera.
Portanto, um bom líder levará em conta as idéias de seus liderados, e poderá,
freqüentemente, adotar tais idéias como melhores que as suas. O propósito da liderança não
é demonstrar a superioridade do líder, mas extrair todas as forças de seu povo, de modo a
conduzi-los ao alvo desejado. Qualquer tipo de liderança que, em nome da semelhança com
a autoridade de Cristo, tende a produzir numa esposa imaturidade pessoal, fraqueza
espiritual ou insegurança, por meio de um controle excessivo, supervisão excessiva ou
dominação opressiva, tem compreendido mal a analogia de Efésios 5.
o A maturidade masculina não necessita iniciar cada ação, mas percebe a responsabilidade
em prover um padrão geral de iniciativa – A liderança de um marido dentro do lar não
indica que ele pensará e planejará tudo. Mas, ele deve tomar a responsabilidade, em geral,
de iniciar e conduzir o planejamento espiritual e moral para a vida familiar. Por exemplo, o
padrão de liderança não será bíblico quando a esposa, em geral, é quem toma a iniciativa em
orar nas refeições, liderar a família na preparação para o culto, aos domingos, reunir a
família para um tempo devocional, iniciar a discussão sobre que padrões morais serão
requeridos das crianças, deliberar acerca das prioridades financeiras, etc.
o A masculinidade madura aceita o peso da palavra final em discordâncias entre marido e
mulher, mas não presume usar isso em toda instância – Num bom casamento, a tomada de
decisões está focada sobre o marido, mas, não é unilateral. Ele buscará os insights de sua
esposa e, freqüentemente, adotará as suas idéias, por outro lado, sua dependência dos
conselhos da esposa não deveria chegar ao ponto da família perceber uma fraqueza de
indecisão por parte do líder do lar.
o A masculinidade madura expressa sua liderança em relações sexuais românticas por
comunicar uma aura de busca forte e meiga – A mistura docilidade com força é que torna a
qualidade da liderança masculina singular nas relações sexuais. Há uma aura de liderança
masculina que se ergue da mistura de poder e docilidade, impetuosidade e afeição, potência
e sensibilidade, virilidade e delicadeza. Isso encontra expressão na firmeza do abraço, na
força em tomá-la em seus braços, no suprimento do elogio verbal, etc.
o A masculinidade madura expressa a si mesma na família, ao tomar a iniciativa na
disciplina dos filhos, quando ambos os pais estão presentes e uma regra do lar é quebrada
– a responsabilidade de ensinar os filhos são de ambos os pais (Dt 6.4ss; Pv 1.8; 6.20; 31.1),
mas os maridos recebem uma responsabilidade maior neste aspecto e devem corresponder à
suas responsabilidades (Ef 6.3). As crianças precisam ver uma dinâmica entre mãe e pai que
ensina que o pai tem a responsabilidade de discipliná-las quando os dois estão presentes.
Poucas coisas ajudarão os filhos a entenderem o sentido da masculinidade responsável e
amorosa do que quando assistem quem as corrige quando o pai e a mãe estão juntos.
o A masculinidade madura é sensível às expressões culturais de masculinidade e se adapta a
elas (quando nenhum pecado está envolvido), de modo a comunicar a uma mulher que quer
se relacionar com ela, não de um modo agressivo ou pervertido, mas com maturidade e
dignidade – Isso significa que um homem deveria se vestir de modo que não seja nem
efeminado ou agressivo. Significa aprender modos e costumes. Quem fala pelo casal no
restaurante? Quem ajuda o outro a se sentar? Quem abre a porta? Quem fica em pé e quem
senta? Quem anda do lado da rua? Quem carrega a bolsa da mulher?
o Masculinidade madura reconhece que o chamado para liderar é um chamado ao
arrependimento, à humildade e a assumir o risco – Cada homem tem amplos motivos para a
contrição diante de Deus, seja pela nossa passividade ou nossa dominação, tanto pela

4
tendência de nos esquivarmos do nosso trabalho ou nos excedermos em nossa
responsabilidade. O chamado à liderança, portanto, é um chamado a nos humilharmos e
tomarmos a responsabilidade de sermos servos-líderes, de formas apropriadas a cada tipo
diferente de relacionamento com as mulheres.
A masculinidade é um chamado a assumir o risco de receber um ovo na cara; de orar como
nunca oramos antes; de sermos constantes na Palavra; de sermos mais dados ao
planejamento, mais intencionais, reflexivos e menos levados pelo ânimo do momento; de
sermos disciplinados e organizados em nossas vidas; e estarmos prontos para derramar as
nossas vidas da mesma forma que Cristo fez, se necessário.

“... para prover...”

O ponto central desta parte em que o homem deve sentir a responsabilidade de prover uma mulher, não
significa que a mulher não possa ajudar no suporte do sustento familiar ou da sociedade.
Historicamente, ela sempre tem feito isso pelo tanto que a vida doméstica requer de tarefas
extraordinárias de sua parte, exatamente na manutenção da vida familiar. É possível ser excessivamente
exigente ou excessivamente restritivo quanto ao papel da mulher no sustento da vida familiar.
Provérbios 31 retrata uma esposa com grande habilidade em negócios de interesse da família.

Agora, o senso de responsabilidade em prover pode ser visto no seguinte caso: quando não há nenhum
pão na mesa, o homem é quem deveria sentir a preocupação maior de fazer algo para consegui-lo. Um
homem sentirá sua masculinidade comprometida se, por preguiça, tolice ou falta de disciplina, ele se
tornar dependente, em grande medida, do salário de sua esposa. Isso está implícito em Gênesis 3, em
que as maldições atingem o homem e a mulher em suas esferas naturais de vida. O trabalho no campo
para ganhar o pão e o dar a luz filhos não são maldições. As maldições são as dificuldades que eles
enfrentariam para realizar suas tarefas, a partir daquele momento. Evidentemente, Deus tinha em
mente, desde o começo, que o homem teria a responsabilidade especial por sustentar a família mediante
o trabalho de ganhar o pão, enquanto a mulher sustentaria a família mediante a geração e criação de
filhos. Ambos são sustentadores de vida e essenciais.

A mesma verdade serve para um grupo social de homens e mulheres que não são casados. Um homem
maduro sente que é prioritariamente (não apenas) sua responsabilidade de se preocupar com a provisão
e a proteção.

“... para proteger...”

Um homem maduro percebe instintivamente que, como homem, é chamado a tomar a liderança na
proteção da mulher que está com ele (cf. 1 Pe 3.7; Jz 4). Suponha que um homem e uma mulher estão
andando na rua, quando um assaltante ameaça os dois com um revólver. A masculinidade madura sente
uma natural responsabilidade, dada por Deus, de dar um passo a frente e se colocar entre o assaltante e
a mulher. Ao fazê-lo, ele se torna o seu servo e se dispõe a sofrer pela segurança dela. Exigir da mulher
que ela assuma uma posição de protegê-lo seria uma distorção da verdadeira masculinidade.

5
Da mesma forma, qualquer esposa pensaria que algo está errado se, 50% das vezes, ela levanta da
cama, para ver o que é o barulho estranho do andar debaixo. Pertence à masculinidade aceitar o perigo
de proteger a mulher.

“... mulheres, de maneiras apropriadas aos diferentes relacionamentos de um homem”

A palavra “mulheres” destaca o fato de que a responsabilidade masculina não é apenas um reflexo do
relacionamento de casado, pois um homem não se torna homem quando se casa. Há diversas formas
honrosas e corretas de liderar, prover e proteger mulheres, desde o relacionamento íntimo no casamento
até mesmo diante de uma estranha na rua.

Dentro disso, é importante salientar que o modo pelo qual um marido irá liderar, prover e proteger sua
esposa será diferente de um relacionamento com outra mulher. Vários textos bíblicos exortam as
esposas a serem submissas “aos seus próprios maridos” (Ef 5.22; Tt 2.5; 1 Pe 3.1, 5), o que mostra que
o relacionamento entre marido e mulher de liderança e submissão terá contornos diferentes de um
relacionamento de liderança e submissão entre um homem e uma mulher, em geral.

Assim, no próprio ato de proteger a sua esposa e as suas colegas de trabalho, levará um homem a
construir cercas contra o desenvolvimento de qualquer intimidade com uma mulher que não seja sua
esposa. Por outro lado, esse homem pode exercer sua masculinidade no trabalho, abrindo a porta da
sala de reunião, oferecendo sua cadeira para uma mulher que esteja em pé ou falando de um modo
gentil. Em casa, ele demonstrará sua liderança forte e amorosa para com sua esposa, de forma
incomparavelmente mais íntima e profunda.

PERGUNTAS PARA APLICAÇÃO

 Como você percebe a tentativa do mundo ao nosso redor em deturpar as diferenças entre homem e
mulher?

 De que formas você vê as suas responsabilidades como homem, no dia-a-dia?

 De que modo você tem se relacionado com as mulheres? Buscando auto-afirmação ou o benefício
delas?

 Você consegue olhar para outras mulheres como seres-humanos criados à imagem de Deus ou
como joguetes que satisfazem sua imaginação?

 Pense em situações nas quais você pode expressar sua masculinidade de uma maneira que beneficie
e honre as mulheres.

 Em seu relacionamento como homem, em casa ou no trabalho, você tem tomado iniciativas práticas
na proteção ou na provisão, conforme a necessidade, das mulheres que o cercam?

 Quanto às mulheres:

6
o Como você tem contribuído para que os homens, em sua casa ou na igreja, exerçam com
excelência a responsabilidade que Deus lhes confiou?

o Você percebe áreas em que toma iniciativa que deveria ser dos homens? Há momentos em
que é demasiadamente exigente para com as responsabilidades dos homens que a cercam?

7
O CONCEITO BÍBLICO DE FEMINILIDADE2

INTRODUÇÃO

Um aspecto significativo da feminilidade é como uma mulher responde ao padrão de iniciativa


estabelecido por uma masculinidade madura. Muito do significado de feminilidade está claramente
implícito no que já estudamos sobre masculinidade, da mesma forma que os movimentos de uma
bailarina estariam implícitos, caso você descrevesse os movimentos da outra.

Todavia, é importante delinearmos o significado de feminilidade, a fim de extrairmos um quadro


balanceado e cativante da masculinidade e feminilidade bíblicas.

NA ESSÊNCIA DA FEMINILIDADE MADURA ESTÁ UMA DISPOSIÇÃO LIVRE DE


AFIRMAR, RECEBER E NUTRIR A FORÇA E LIDERANÇA DE HOMENS DIGNOS, DE
MANEIRAS APROPRIADAS AOS DIFERENTES RELACIONAMENTOS DE UMA MULHER.

“Na essência da... ”

Novamente, esta frase indica que a definição de feminilidade aqui não é exaustiva. Há mais aspectos
que circundam a feminilidade, mas não menos. Esta frase é o coração do que a verdadeira feminilidade
significa.

“... feminilidade madura... ”

A palavra madura implica que há distorções da feminilidade. Estereótipos falsos ou imaturos são,
algumas vezes, identificados como a essência da feminilidade. Ronda Chervin alista “traços femininos
positivos” e “traços femininos negativos” que as pessoas, geralmente relacionam com o conceito de
feminilidade. Alguns traços positivos são: responsiva, compassiva, perseverante, afetuosa, carinhosa,
sincera, educada, intuitiva, sábia, obediente, doce, expressiva, graciosa, delicada, fiel e pura. Traços
negativos: fraca, passiva, escrava, chorona, manipuladora, ingênua, mal-humorada, murmuradora e
maliciosa.

Por isso, é tão necessário que façamos distinções cuidadosas entre as distorções e o projeto original de
Deus. “Feminilidade madura” se não se refere ao que o pecado ou a opinião popular têm feito com a
feminilidade, mas ao que Deus planejou de melhor para ela.

“... é uma livre disposição... ”

O foco sobre a maturidade feminina está na disposição, antes que um conjunto de comportamentos ou
papéis, pois ela se expressará de modos diferentes, dependendo da situação, variando de
relacionamento para relacionamento e cultura para cultura.

Por exemplo, a forma de uma esposa demonstrar submissão ao seu marido, dependerá da qualidade da
liderança dele. A esposa deverá sempre ter uma disposição de se sujeitar à autoridade dele e uma
inclinação por seguir sua liderança. Mas, quando o marido exige dela uma submissão no mesmo nível
que a Cristo, uma esposa cristã se colocará ao lado de Cristo contra a vontade pecaminosa do marido.

2
Estudo baseado no livro PIPER, John, GRUDEM, Wayne. Recovering biblical manhood and womanhood: a response to
evangelical feminism. Wheaton, IL: Crossway, 2006. p. 45-52.

8
Uma mulher nunca seguirá a liderança do marido num roubo, numa bebedeira ou no desfrute de
pornografia.

Todavia, ela, ainda assim, pode demonstrar um espírito de submissão, mediante sua própria atitude de
não querer resistir à vontade do marido e ao desejar que ele abandone o pecado e a lidere de forma
santa.

Tal disposição da maturidade feminina é experimentada como liberdade, porque está de acordo com a
verdade do propósito de Deus na criação. Esta é a verdade que liberta (Jo 8.32). Há sensações de
independência irrestrita que não são liberdade verdadeira, porque elas negam a verdade e trazem
desgraça (exemplo do salto de pára-quedas).

Muitas mulheres, hoje, compreendem a liberdade com base nas sensações imediatas de licença irrestrita
ou independência. Mas, a verdadeira liberdade leva em conta a realidade e o propósito de Deus para a
criação, buscando se amoldar, tranquilamente, ao bom propósito de Deus. Mulheres sábias e maduras
não buscam a liberdade torcendo a realidade para se encaixar em seus desejos, mas procuram a
transformação pela renovação de seus desejos, fazendo estes se adequarem à perfeita vontade de Deus
(Rm 12.2). A maior liberdade se encontra em ser tão mudada pelo Espírito de Deus, de modo que você
pode fazer o que ama fazer, porque sabe que isso se conforma ao propósito de Deus e a conduz a uma
vida plena.

“... para afirmar, receber e nutrir a força e liderança de homens dignos... ”

A palavra “homens dignos” se relaciona com a maturidade masculina de liderar, proteger e prover. Isso
porque há liderança e força que são indignas do apoio de uma mulher. Uma mulher se deleita com a
masculinidade madura, como um homem se encanta com a feminilidade madura. Mas, quando um
homem não demonstra maturidade, a resposta de uma mulher madura não é abandonar sua
feminilidade. Sua feminilidade permanece intacta como um desejo de que as coisas sejam como Deus
tencionou que fossem. Porém, percebe que a expressão natural de sua feminilidade será limitada pela
imaturidade do homem que está diante dela.

“Afirmar” significa que mulheres maduras defendem o tipo de complementaridade homem-mulher


descrita nesta apostila. Podem haver ocasiões em que uma mulher não terá nenhuma interação com
homens, mas, mesmo assim, ser madura na sua feminilidade. Isso porque feminilidade é uma
disposição em afirmar a força e liderança de homens dignos, não apenas experimentá-las em primeira
mão.

“Receber” significa que uma feminilidade madura se sente feliz e alegre em aceitar a força e liderança
de homens dignos. Uma mulher madura fica feliz quando um homem respeitoso, cuidadoso e justo
oferece força sensível e provê um modelo de iniciativas apropriadas no seu relacionamento. Ela não
quer reverter os papéis. Ela se sente feliz quando ele não é passivo. Ela se sente valorizada, honrada e
liberta por sua força cuidadosa e liderança servil.

“Nutrir” indica que uma mulher madura sente a responsabilidade não apenas de receber, mas nutrir e
fortalecer os recursos da masculinidade. Ela deve ser companheira e assistente. Ela se envolve na ação
de força e toma parte no processo de liderança, como diz Gênesis 2.18, “uma auxiliadora adequada
para ele”.

9
Isto pode soar paradoxal: a mulher fortalece a força que recebe e refina e amplia a liderança que
procura. Mas, isso não é nem contraditório, nem ininteligível. Há forças e insights que a mulher traz
para o relacionamento que não são trazidos pelo homem, pois ela não é um mero recipiente na relação
com os homens. Mulheres maduras promovem a nutrição de forças e insights que fazem dos homens
mais fortes e sábios, e tornam o relacionamento mais rico.

Desta forma, é tolice um dos sexos orgulhar-se como superior ao outro. Homens e mulheres, conforme
Deus criou, são de igual valor e dignidade diante de Deus, mas diferentes em centenas de modos, a fim
de complementarem-se uns aos outros.

“... de modos apropriados aos diferentes relacionamentos de uma mulher”

A maturidade feminina não se expressará da mesma forma com qualquer homem. Uma mulher madura
que é casada, não estará aberta para receber o mesmo tipo de força e liderança de outros homens como
ela recebe de seu marido. Porém, ela afirmará, receberá e nutrirá a força e a liderança de homens, de
alguma forma, em todos os seus relacionamentos. Isso ela fará, até mesmo, nos momentos em que sua
função colocará homens subordinados a ela. Por exemplo, uma dona de casa cuidando do jardim de sua
casa, pode ser solicitada por um homem, que está dirigindo, a dar informações sobre como chegar num
determinado local perto de sua casa. Nesse caso ela precisa exercer um tipo de liderança. Ela possui um
conhecimento superior que o homem precisa e, portanto, ele se submete à orientação dela. E todos nós
sabemos que esta dona de casa pode dar a informação que aquele homem necessita, sem comprometer
a masculinidade ou feminilidade de ambos.

Portanto, não é contraditório falar de certos tipos de influência vindos de mulheres sobre os homens, de
modo a afirmar a responsabilidade dos homens para proverem um padrão de força e iniciativa. A
oração, por exemplo, é um meio usado por mulheres para que homens sejam conduzidos aonde Deus
deseja que estejam. A oração de mulheres exerce um poder muito maior neste mundo do que todos os
líderes políticos juntos. Tal influência pode ser vista quando consideramos o nível que o mundo é
moldado e guiado pelos efeitos causados por homens e mulheres cuja educação foi formada por suas
mães.

Todavia há papéis na sociedade, igreja e família que podem forçar as expressões apropriadas,
produtivas e saudáveis de feminilidade, a ponto de romper com os padrões estabelecidos por Deus. Em
lugar de tentar alistar que trabalhos na sociedade e igreja se adéquam às expressões de feminilidade e
masculinidade maduras, traçaremos aqui algumas diretrizes que nos ajudarão a perceber como
mulheres maduras podem apoiar a ordem criada por Deus de masculinidade e feminilidade.

Pessoal --------------------------------------- Impessoal


Diretivo ------------------------------------ Não-Diretivo

No grau em que a influência de uma mulher é pessoal e diretiva, geralmente, ofenderá um homem
piedoso, o senso de responsabilidade e liderança dado por Deus e, portanto, reverterá a ordem criada.

Uma mulher pode projetar o molde do tráfego das ruas de uma cidade e, assim, exercer um tipo de
influência sobre todos os motoristas masculinos. Mas sua influência será impessoal e, portanto, não é,
necessariamente, uma ofensa contra Deus. Da mesma forma, os desenhos e as especificações de uma
arquiteta guiará os procedimentos de um empreiteiro e dos pedreiros, mas isto pode ser tão impessoal
que a dinâmica feminina-masculina passa despercebida. Por outro lado, o relacionamento marido e

10
mulher, pastor e ovelha, é muito pessoal, o que tornaria a liderança feminina nesta esfera
completamente inapropriada e ofensiva.

Mas, a segunda linha pontilhada, também, qualifica a primeira. Algumas influências são bem diretivas,
outras não. Um exemplo de influência diretiva seria um sargento-instrutor, em que este constantemente
educa e dá ordens diretas aos seus subordinados. É difícil ver como uma mulher poderia exercer tal
função sem violar o senso de masculinidade deles ou o seu próprio senso de feminilidade.

Uma influência não-diretiva se dá por meio da petição e persuasão no lugar de ordens diretas. Um
exemplo claro disso é quando Abigail esposa de Nabal persuade Davi e não matar seu marido (1 Sm
25.23-35). Ela exerceu uma grande influência sobre Davi, a ponto de mudar o curso dos seus planos;
mas ela faz isso com espantoso recato, submissão e discrição. Assim, também, as mulheres são
chamadas a influenciar seus maridos, por meio de um espírito manso e humilde (1 Pe 3.4).

A observação de James Packer é importante:

...continua a convencer-me que o relacionamento homem-mulher é intrinsecamente irreversível. Por


isto quero dizer que, outras coisas sendo iguais, uma situação na qual uma chefa tem um secretário,
ou um casamento em que a mulher (como dizemos) veste as calças, colocará maior tensão sobre a
humanidade de ambas as partes do que o contrário. Isto é parte da realidade da criação, um fato
dado que nada poderá mudar.

Essa afirmação é tão verdadeira quanto em outras situações que invertem os papéis entre homens e
mulheres. O senso de liderança de um homem maduro não o permitirá prosperar muito debaixo da
liderança diretiva e pessoal de uma superior feminina.

PERGUNTAS PARA APLICAÇÃO

 Você, mulher, percebe em suas atitudes uma livre disposição de se submeter às ordens de quem está
acima de você? Ou constantemente contesta conselhos, orientações e ordens dadas por autoridades
em sua vida?

 Como você encara a relação homem-mulher na Bíblia? Opressiva? Exagerada? Ou como a forma
mais perfeita de se viver em comunidade?

 De que formas você têm afirmado a liderança dos homens ao seu redor?

 Como você recebe e nutre a liderança de homens? Há submissão de boa vontade por sua parte?
Você incentiva e é ativa na motivação do papel de liderança dos homens em sua igreja, casa e
trabalho?

 De modo prático, que áreas profissionais ou eclesiásticas forçam o relacionamento entre homem e
mulher criado por Deus?

 Como você, homem, tem exercido sua liderança? Ela promove alegria sobre as mulheres que você
lidera e elas têm oportunidade de participar junto com você dos processos de decisões?

11
A IGUALDADE MASCULINO-FEMININA
E A LIDERANÇA MASCULINA
GENESIS 1 - 33
INTRODUÇÃO

Por que devemos voltar para os três primeiros capítulos de Gênesis, se nossa preocupação é com a
masculinidade e a feminilidade nos dias de hoje? Porque o modo como compreendemos Genesis 1 – 3,
determinará todo o debate bíblico. Estes capítulos iniciais da Bíblia lançam o fundamento da
masculinidade e feminilidade bíblicas.

O propósito deste capítulo, portanto, é observar como a igualdade masculino-feminina e a liderança


masculina, apropriadamente definidas, foram instituídas por Deus em Gênesis 1 – 3.

A igualdade masculino-feminina pode ser definida da seguinte forma:

Homem e mulher são iguais no sentido de que eles são, igualmente, portadores da imagem de Deus.

A definição de liderança masculina é:

No relacionamento de dois seres humanos espiritualmente iguais, homem e mulher, o homem carrega
a responsabilidade primária de liderar o relacionamento numa direção que glorifique a Deus.

O modelo de liderança é o nosso Senhor, o Cabeça da Igreja, que deu a si mesmo por nós. Assim, a
liderança masculina é o oposto da dominação masculina. Por dominação masculina, entende-se a
afirmação da vontade do homem sobre a vontade da mulher, negligenciando sua igualdade espiritual,
seus direitos e seu valor. Essa distinção entre liderança masculina e dominação masculina é essencial
para a compreensão deste capítulo.

Os feministas argumentam que Deus criou homem e mulher iguais, no sentido de excluir a liderança
masculina. Foi a Queda que impôs à mulher a liderança do homem, mas a redenção em Cristo a liberta
da punição da submissão ao homem. Isso requer, então, uma análise: O que Deus tencionou para a
masculinidade e feminilidade na criação? O que Deus decretou como punição para nós na queda? Os
dois primeiros capítulos de Gênesis respondem à primeira questão, e o terceiro responde à segunda.

O QUE DEUS TENCIONOU NA CRIAÇÃO?

Genesis 1.26-28

26
Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele
domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a
terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra.
27
Criou Deus, pois, o homem à sua imagem,

3
Estudo baseado e adaptado de ORTLUND, Raymond C., Jr. “Male-female equality and male headship”. In: PIPER, John,
GRUDEM, Wayne. Recovering biblical manhood and womanhood: a response to evangelical feminism. Wheaton, IL:
Crossway, 2006. p. 95-112.

12
à imagem de Deus o criou;
homem e mulher os criou.

28
E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a;
dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra.

A criação do homem no versículo 26 surge como clímax do relato da criação no capítulo 1. Deus
parece quase pôr em risco a Sua glória singular, ao compartilhar sua imagem e governo com uma mera
criatura. Este verso mostra a glória do homem de três formas. Primeiro, Deus diz: “Façamos o
homem...”; ao passo que no verso 24 diz: “Produza a terra seres viventes...”. Pelo absoluto poder de
Sua palavra, Deus fez criaturas viventes aparecerem da terra, como se usasse um controle remoto. Na
criação do homem, todavia, o próprio Deus agiu diretamente e pessoalmente.

Em segundo lugar, o homem foi criado para portar a imagem ou semelhança de Deus. Observando a
Escritura como um todo, parece que a “imagem de Deus” é o reflexo pessoal na alma humana do
caráter justo de Deus (cf. Ef 4.24; Cl 3.10). Ser conforme a imagem de Deus é espelhar Sua santidade.
Outros compreendem este caráter de Deus num sentido mais geral, incluindo racionalidade humana,
consciência, criatividade, interação relacional e tudo o mais que nos torna homens. Qualquer que seja o
entendimento da imagem de Deus, o fato é que Deus compartilha isto apenas com o homem. O homem
é singular, encontrando sua identidade em cima, em Deus, não embaixo nos animais.

Por fim, o homem recebe um chamado especial de Deus, “tenha ele domínio...” (v. 26) ou “domine
sobre...” (v. 28). O homem é colocado entre Deus, acima, e os animais, abaixo, como governante
representativo de Deus sobre toda a criação.

O versículo 27 nos traz três afirmações importantes:

Criou Deus, pois, o homem à sua imagem,


à imagem de Deus o criou;
homem e mulher os criou.

1ª. O homem tem sua origem em Deus;

2ª. O homem porta a imagem de Deus;

3ª. O homem é visto como masculino e feminino – apenas aqui, em Gênesis 1, o autor faz referência à
sexualidade, mostrando que a sexualidade humana é mais digna e profunda do que a dos animais, e que
ambos os sexos portam a imagem de Deus: “à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”.

No versículo 28, Deus abençoa o homem e a mulher, igualmente, para a sua tarefa, e estabelece com
eles um relacionamento Eu-Tu, diferentemente de toda a criação: “Deus os abençoou e lhes disse”.

13
Gênesis 2.18-25

Há um paradoxo no relato da criação. Enquanto Gênesis 1 ensina a igualdade dos sexos como
portadores da imagem de Deus e vice-regentes sobre a terra, Gênesis 2 adiciona outra dimensão
complexa da masculinidade e da feminilidade bíblicas. O paradoxo é este: Deus criou homem e mulher,
igualmente, à sua imagem, mas Ele também fez do homem o cabeça e da mulher, a ajudadora.

O que emerge, claramente, de Gênesis 2 é que a igualdade masculino-feminina não se constitui numa
semelhança indiferenciada. Homem e mulher são iguais como seres espirituais criados à imagem de
Deus, o que provê base suficiente para o respeito mútuo. Mas o próprio fato de que Deus criou seres
humanos numa modalidade dual, adverte-nos contra uma equação inadequada dos dois sexos. Isto é
muito mais do que alguns feministas dizem ser “uma questão de mera anatomia”.

O texto de Gênesis 2.18-25 é essencial para compreendermos essa diferença entre homem e mulher,
apesar de sua igualdade como portadores da imagem de Deus. Vamos, então, situar o contexto.

Deus cria, primeiramente, o homem (2.7) e o coloca no jardim do Éden, para cuidar dele e cultivá-lo
(2.15). Deus entregou dois mandamentos ao homem. Primeiro, ele deveria comer livremente e desfrutar
de todas as árvores do jardim (2.16). Segundo, o homem não poderia comer da árvore do conhecimento
do bem e do mal, para que não morresse (2.17). Aqui, nós podemos ver tanto a abundante generosidade
de Deus quanto a responsabilidade do homem em viver dentro do amplo, mas não irrestrito, círculo de
sua existência ordenada pelo Senhor. Sair desse círculo de existência para buscar uma existência
autônoma, livre do Criador, seria a sua ruína.

O propósito de Deus no primeiro jardim do Éden, em Gênesis 2—3, era prover um “jardim de
delícias” (o sentido de 'Éden') como parte de sua aliança com a humanidade. Adão e Eva foram
colocados no jardim não somente para desfrutar dele, mas também para cuidá-lo como parte de seu
serviço a Deus (Gn 2.15). Em certo sentido, cultivar o jardim era um ato de adoração. Ao mesmo
tempo, toda a sua existência estava voltada para Deus. Esse é o motivo pelo qual eles podiam comer
da árvore da vida, mas não da árvore do conhecimento (Gn 2.17). Comer da última árvore
implicava substituir a dependência de Deus pela dependência de si mesmos e de seu próprio
conhecimento. (Grant Osborne)

Quando chegamos no versículo 18, somos surpreendidos por aquilo que lemos:

Disse mais o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe
seja idônea.

Em meio à toda a perfeição no jardim do Éden, e depois de Deus ver que tudo o que fizera era “muito
bom” (Gn 1.31), Ele, então, diz: “Há algo errado aqui. O homem não deve permanecer sozinho”. O
Criador aponta o dedo sobre uma deficiência no Paraíso; o homem precisava de uma “auxiliadora
adequada para ele”.

Mas, o Senhor não cria imediatamente a “auxiliadora adequada” do homem. Ele dá ordens para que o
homem desse nome aos animais que traz diante dele (2.19-20). Por que? Porque o homem ainda não
havia percebido o seu estado de solidão. Então, Deus move a solidão objetiva do homem para um
sentimento pessoal de solidão, concedendo a tarefa de dar nome aos animais. Ao servir a Deus, Adão
percebeu sua própria necessidade.

14
Isso porque a tarefa de dar nome aos animais requeria considerar cada animal inteligentemente, a fim
de dar nomes apropriados para cada um conforme sua natureza particular. A partir disso, Adão
percebeu que nenhuma criatura no jardim possuía a mesma natureza que a dele. Ele não descobriu
apenas sua superioridade singular sobre os animais, o que a própria tarefa de dar nome indicava, mas
percebeu, especialmente, sua própria solidão no mundo.

E, assim, Deus realizou a primeira operação cirúrgica da história (2.21-22). Imagine a cena: Quando o
último dos animais se retira com o seu novo nome, o homem sai com perplexidade e tristeza em seus
olhos. O Senhor, então, diz: “Filho, eu quero que você descanse. Por isso, feche seus olhos e durma”. O
homem cai num profundo sono e o Criador vai ao trabalho. Abre um dos lados do homem, remove uma
costela, fecha a abertura e faz a mulher. Ali, ela se encontra, perfeitamente deslumbrante e
singularmente adequada para as necessidades do homem. Então, Deus toca em Adão e diz: “Acorde,
filho! Eu tenho uma última criatura para você dar o nome. Eu quero saber o que você pensa dela”.
Finalmente, o Senhor leva Eva até Adão, que a recebe com um entusiástico alívio:

Esta, afinal, é osso dos meus ossos


e carne da minha carne;
chamar-se-á mulher (a]V>),
porquanto do homem (a'v) foi tomada.

O que este versículo expressa? A alegria do primeiro homem em receber o presente da primeira
mulher. “Pai, apenas esta criatura, de todas as outras, é a que vai ao encontro da minha necessidade por
companhia. Apenas ela é minha igual, minha própria carne. Eu me identifico com ela. Eu a chamarei
mulher (a]V>) porque foi formada do homem (a'v)”. O homem não vê a mulher como sua rival, nem
como uma ameaça devido à sua igualdade com ele, mas como a única capaz de completar seu desejo
interior por alguém que lhe correspondesse.

Após esta percepção do homem, o texto bíblico apresenta o casamento como instituição divina, parte
da criação original, antes da queda, definida para todos os tempos e culturas como parte da existência
humana primeira e perfeita (2.24).

Na notável frase “uma ajudadora adequada para ele” (2.18, 20), nós encontramos o paradoxo de
masculinidade e feminilidade. De um lado, somente a mulher de todas as criaturas, é correspondente ao
homem. Do outro lado, a mulher é a “ajudadora” do homem. Não foi o homem criado para ajudar a
mulher, mas, o reverso. Não é um fato notável a sugestão de que a masculinidade e feminilidade são
distintas e irreversíveis? Não faz sentido se nós entendermos que, embora homem e mulher devam
amar um ao outro como iguais, eles não amam um ao outro da mesma forma? O homem deve amar a
mulher, ao aceitar a responsabilidade primeira de fazer o seu relacionamento uma plataforma que
revela a glória de Deus, e a mulher deve amar o seu marido, dando o suporte a ele nessa tarefa divina.

Deus não criou homem e mulher sem distinções e suas simples masculinidade ou feminilidade
identificam seus papéis respectivos. Um homem, em virtude de sua masculinidade, é chamado a liderar
para Deus e uma mulher, em virtude de sua feminilidade, é chamada a ajudar para Deus.

O paradoxo de Gênesis 2 é, também, visto no fato de que a mulher foi feita a partir do homem (2.23 -
sua igualdade) e para o homem (2.18 – sua distinção) (cf. 1Co 11.7-9). Deus não fez Adão e Eva do
solo, ao mesmo tempo, e um para o outro, sem distinção. Nem fez a mulher, primeiro, e, então, o

15
homem da mulher e para a mulher. Ele poderia ter criado os dois de ambos os modos, mas não fez
isso, a fim deixar claro o significado de masculinidade e feminilidade.

Outra indicação do paradoxo é que Adão dá as boas vindas à Eva como sua igual (“carne da minha
carne e osso dos meus ossos”), ainda que ele, também, a nomeie (“ela deve ser chamada mulher”).
Quando Deus encarregou Adão com a responsabilidade de nomear as criaturas, estava confiando a ele o
exercício de seu domínio sobre a criação e a prerrogativa real do homem se estendeu à mulher, ao
nomeá-la, também. Ela é chamada de “mulher” (a]V>) por ser formada a partir do homem (a'v) e como
contraparte dele. Bruce Ware faz a seguinte observação:

... Deus, intencionalmente, tomou não mais pó, mas a costela de Adão como o material do qual ele
formaria a mulher. A teologia disto é clara. Como o próprio homem destaca em Gênesis 2.23, a
identidade dela é como osso dos seus ossos e carne da sua carne; ela é chamada mulher (a]V>)
porque ela foi tomada do homem (a'v). Na própria formação da mulher, devia ficar claro que sua
vida, sua constituição e sua natureza estavam enraizadas e derivavam da vida, constituição e
natureza do homem. (grifo próprio).4

Ao designar sua “mulher”, o homem interpreta a identidade dela em relação a si mesmo. A partir da sua
compreensão intuitiva de quem ela é, ele a interpreta como feminina, diferente de si mesmo, e, ao
mesmo tempo, sua contraparte e igual. De fato, ele vê nela sua própria carne e interpreta a mulher não
apenas para o seu próprio entendimento acerca de quem ela é, mas para o auto-entendimento dela
mesma. Deus não explicou para a mulher quem ela era em relação ao homem, ainda que Ele pudesse
ter feito isso. Ele permitiu a Adão definir a mulher de acordo com a própria liderança dele. O ato
soberano de Adão não somente desperta seu próprio senso de liderança, como, também, deixa claro
para Eva a liderança do homem. Ela encontra a sua própria identidade em relação a Adão, como sua
igual e ajudadora segundo a definição do homem.

Por fim, o último sinal do paradoxo é detectado no versículo 24. Porque apenas a mulher é a própria
carne do homem, a união de ambos no casamento é o relacionamento de “uma só carne”. Adão não
poderia ter se unido a uma criatura menor que ele, sem degradar a si mesmo. Mas, é o homem quem
deixa seus pais e encontra um novo lar com sua nova esposa, ao lado. Essa é a responsabilidade do
cabeça.

Assim, Gênesis 2 complementa Gênesis 1, ao mostrar que a comissão de Deus para a humanidade de
“dominar a terra” (1.26, 28), como macho e fêmea, se desenrola, praticamente, por meio do casamento.
E no casamento o homem é o cabeça do lar para Deus, enquanto a esposa o ajuda a cumprir seu
chamado divino.

“Mas”, alguém dirá, “a hierarquia no casamento não reduz a mulher a um status de uma escrava?”. De
modo algum. O fato de haver uma linha de autoridade de uma pessoa para outra, tanto na escravidão
como no casamento, ou entre as pessoas da Trindade, no Corpo de Cristo e no relacionamento pais e
filhos, isto não significa que todos estes relacionamentos são reduzidos à lógica da escravidão.
Feministas parecem raciocinar que, pelo fato de algum tipo de subordinação ser degradante, todas as
outras subordinações devem ser também, necessariamente, degradantes. Ao contrário, o que a liderança
bíblica requer e que a escravidão proíbe é que o cabeça respeite a sua ajudadora como uma pessoa
igualmente significativa, à imagem de Deus.

4
WARE, Bruce. “Male and female complementarity and the image of God”. In: GRUDEM, Wayne. Biblical foundations
for manhood and womanhood. Wheaton: Crossway, 2002. p. 83.

16
O QUE DEUS DECRETOU NA QUEDA?

De que forma a nossa queda em pecado afetou a original, perfeita e paradoxal ordem dos sexos dada
por Deus? O que Ele decretou como nossa punição?

Aqueles que negam a criação da liderança masculina em Gênesis 1-2, frequentemente, argumentam
que, em Gênesis 3, Deus impôs a liderança/dominação masculina sobre a mulher depois da queda.
Como corolário desta interpretação, eles continuam, argumentando que a redenção em Cristo reverte
este decreto e reafirma a completa igualdade da mulher com o homem. Todavia, temos visto até aqui
que Deus criou a liderança masculina (não a dominação masculina) na ordem da criação gloriosa e
anterior à queda. Visto que Paulo cita o engano da mulher na queda como fundamento para a liderança
masculina ser transportada do lar para a igreja, nós observaremos o que ocorreu em Gênesis 3.16-19.

Nos versículos de 1-5, Satanás, disfarçado na forma de uma serpente, leva Eva a uma reconsideração
de toda a sua vida:

1
Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selvagens que o SENHOR Deus tinha feito, disse à
mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?
2
Respondeu-lhe a mulher: Do fruto das árvores do jardim podemos comer, 3mas do fruto da árvore
que está no meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais.

Eva nem sequer sabia que havia um problema. Mas, a pergunta preconceituosa da serpente a perturbou.
A mulher explica a ordem dada por Deus a Adão de um modo que diminui a generosidade de Deus.
Simplesmente responde: “Do fruto das árvores do jardim podemos comer” - esquece que Deus havia
demonstrado sua graça e liberalidade com a expressão “de toda árvore do jardim comerás livremente”.
Dentro deste aspecto, Eva generaliza quais eram as árvores proibidas: “mas, do fruto da árvore que
está no meio do jardim ... dele não comereis”. Havia duas árvores no meio do jardim, apenas de uma
delas é que não podiam comer (cf. 2.9, 17). Ainda, ela menciona Deus somente na proibição e aumenta
a limitação dada por Ele ao casal: “mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus:
Dele não comereis, nem tocareis nele”. Por fim, diminui a percepção da gravidade das consequências:
“Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais” – enquanto Gênesis 2.17 diz: “porque
no dia em que dela comeres, certamente, morrerás”.

O jardim já não parece mais o mesmo para Eva, a árvore proibida está no seu centro e a limitação de
Deus dada a eles cresce em termos de importância.

Na continuação da narrativa, a serpente deixa transparecer suas más intenções, negando a afirmação
dada por Deus, e criando uma mentira grande e atrativa o suficiente para Eva reinterpretar toda a sua
vida e para redirecionar sua lealdade de Deus para si mesma:

4
Então, a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis. 5Porque Deus sabe que no dia em que
dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal.

Parafraseando a proposta da serpente:

17
“Eva, vou lhe fazer um favor. Eu odeio ser a única a revelar isso a você, mas você precisa saber. Deus
tem outro motivo, que não o amor, para esta restrição. A verdade é que Deus quer deter vocês e frustrar
seu potencial. Você não percebe que Deus possui este conhecimento do bem e do mal? Ele sabe o que
enriquece e o que arruína a vida. Ele sabe que este fruto dará a vocês dois o mesmo conhecimento,
então alcançarão o mesmo nível de conhecimento e controle que ele possui. Eva, isto pode parecer um
choque para você, mas Deus está prendendo vocês. Ele não é seu amigo, é seu rival”.

“Agora, Eva, você deve superá-lo, Eu sei que o jardim parece agradável o suficiente, mas essa é uma
manobra muito grande de Deus para manter vocês em seu lugar, porque Ele se sente ameaçado pelo
que podem se tornar. Esta árvore é a única chance de alcançar o seu potencial”.

A mentira da serpente dizia à mulher que a obediência é um salto suicida, a humildade é degradante e o
serviço é servidão. Ela começa a sentir o agravo de uma injustiça que, na realidade, não existia e se
sente impulsionada a buscar a independência do Criador.

A partir do versículo 6, Moisés descreve a decisão errada tomada pela mulher e que acarretou a
sequência trágica da queda. Nestes versículos, encontraremos a primeira reversão dos papéis de homem
e mulher.

6
Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar
entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, que estava com ela, e ele
comeu.

Perceba bem que o texto não diz: “tomou-lhe do fruto e comeu. O seu marido, que estava com ela,
também, tomou e comeu”. O que ocorre aqui é que Eva usurpa a liderança de Adão e o leva a pecar. E
Adão permanece passivo, permitindo o progresso do engano, sem qualquer intervenção, abandonando
sua responsabilidade como líder. Eva foi enganada; Adão abandonou a responsabilidade. Ambos
erraram e juntos lançaram a raça humana no pecado e morte.

Não é impressionante o fato de que a nossa queda se deu numa ocasião de reversão dos papéis de cada
sexo? Queremos repetir esta confusão para sempre?

Mas se Adão e Eva caíram juntos em pecado, por que Paulo culpa Adão pela nossa queda em Romanos
5.12-21? Por que ele não culpa Adão e Eva? Por que Deus pergunta apenas para Adão: “Onde você
está?” (Gn 3.9) e não chama os dois juntos para prestar contas? Porque Adão, como o líder designado
por Deus, tinha a responsabilidade primária de liderar o casal numa direção que glorificasse a Deus.

Isso, talvez, explique o porquê a serpente se dirige a Eva em vez de Adão. O chamado de Eva era para
auxiliar Adão como a segunda no comando do governo da criação. Mas Satanás golpeou a liderança de
Adão. Suas palavras produzem o efeito de convidar Eva a assumir a responsabilidade principal, no
momento da tentação: “Você decide. Você mostra o caminho. Não deveria ser você aquela que exerce a
liderança?”

Em 3.14-15, Deus amaldiçoa a Serpente, condenando-a à humilhação e à derrota final sob a semente
vitoriosa da mulher. Nossa única esperança como raça caída é a misericordiosa promessa de Deus de
derrotar nosso inimigo, o que Ele fará por meio da instrumentalidade humana.

No versículo 16, Deus decreta uma justa sentença contra a mulher:

18
E à mulher disse: Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores darás à
luz filhos; o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará.

O decreto de Deus possui dois aspectos. Primeiro, como mãe, a mulher sofrerá em relação aos seus
filhos. Ela continuará sendo capaz de concebê-los. Esta é a provisão misericordiosa de Deus pela qual
Ele levará a cabo a sua sentença de morte sobre a Serpente. Mas, agora, a mulher terá as suas dores na
geração de filhos multiplicadas. Esta é a severidade de Deus contra o seu pecado. O novo elemento na
sua experiência não é a geração de filhos, mas a multiplicação das dores ao gerá-los.

O segundo aspecto é que a mulher sofrerá no seu relacionamento com o marido. Ela experimentará um
conflito com ele, desejando dominá-lo, mas acabará sendo dominada pelo marido. Muito se tem
discutido sobre o significado de “o teu desejo será para o teu marido”. Alguns têm proposto que a
mulher sentirá uma atração sexual muito forte pelo marido, a ponto de estar disposta a sofrer as
consequências que esta relação lhe trará, isto é, as dores de parto. Outros dizem que ela terá um desejo
voluntário de ser completamente subserviente ao homem, como juízo de Deus pelo seu pecado.
Nenhuma dessas propostas lida de forma adequada com o texto hebraico e nem explica o porquê o
domínio do marido seria um juízo sobre a esposa, caso ela estivesse tão disposta assim de se submeter a
ele.

Quando lemos o contexto maior deste texto de Gênesis, percebemos que o texto de 4.7 nos ajuda a
entender melhor o sentido de 3.16. Vamos ver o que os dois textos dizem, literalmente, lado a lado:

Gênesis 3.16: “e para [contra] o teu marido o teu desejo e [mas] ele dominará sobre ti”.

Gênesis 4.7: “o pecado se coloca às portas e contra ti o seu desejo [do pecado], mas tu deves dominá-
lo”.

Os dois textos trazem idéias muito parecidas e nos ajudam a compreender melhor Gênesis 3.16. Em
Gênesis 4.7, Deus está falando para Caim que o desejo do pecado seria contra ele, isto é, o pecado
desejaria controlá-lo e levá-lo a pecar contra o seu irmão Abel. Mas caberia a Caim dominar o pecado e
não permitir que este tivesse controle sobre sua vida.

Da mesma forma, em Gênesis 3.16, Deus fala à mulher que o desejo dela seria contra o seu marido,
isto é, ela não se submeteria à liderança dele e desejaria assumir o controle sobre ele, mas o marido não
permitiria isso e dominaria sobre ela. O que fica patente no texto é que, como consequência da queda, a
mulher não assume mais o seu papel de forma voluntária e disposta no auxílio de seu marido, pelo
contrário, ela passa a ter o desejo de guiar sua própria vida e exercer a liderança sobre o marido. O
marido, por outro lado, ao invés de exercer uma liderança amorosa e altruísta, passa a controlar e
dominar sobre ela por meio do poder ou da força, como um senhor sobre seu servo, como o superior
sobre o inferior (o verbo hebraico tem esse sentido no AT; ver Gn 4.7; 24.2; 45.8 - governador; Jz
15.11; 1 Rs 4.21; Ne 9.37; Sl 8.5-6).

Depois de sua sentença contra Eva, Deus anuncia sua condenação sobre Adão (Gn 3.17-19):

19
E a Adão disse: Visto que atendeste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te ordenara não
comesses, maldita é a terra por tua causa; em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua
vida. Ela produzirá também cardos e abrolhos, e tu comerás a erva do campo. No suor do rosto
comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás.

Alguns pontos interessantes e importantes podem ser observados desta condenação de Adão.
Primeiramente, assim como ocorre com a gravidez de Eva, não é o trabalho em si que Deus atribui
como a punição de Adão, mas o sofrimento que ele teria ao trabalhar na terra e sua derrota final diante
dela. Depois de suar a testa para sobreviver, Adão seria, finalmente, engolido pela terra.

Além disso, ao condenar Adão, Deus não diz somente: “Visto que comeste da árvore que eu te
ordenara não comesses, maldita é a terra por tua causa”. Ele fala: “Visto que atendeste a voz de tua
mulher e comeste da árvore que eu te ordenara não comesses, maldita é a terra por tua causa”. Por que
Deus lhe diz isso? Porque Adão como o cabeça desta parceria e que recebera a ordem diretamente de
Deus, abandonou sua liderança e se submeteu à proposta de sua mulher.

Ainda, Deus diz apenas a Adão que ele morrerá por causa de seu pecado. Mas, Eva também, pecou. Por
que Ele faz isso? Porque assim como acontece com a cabeça, da mesma forma acontece com os outros
membros (cf. Rm 5.12ss).

Por estas terríveis e desesperançosas condenações que nossas vidas são moldadas, hoje. Debaixo destas
condições, nossa dor nos alerta para uma verdade: esta vida não é a nossa realização final. Nossas dores
e limitações nos apontam para Deus, para o eterno, para o transcendente, onde nossa realização se
concretiza. Há a esperança no descendente da mulher que pisou a cabeça da serpente e que possibilita
uma nova vida e relacionamentos novos em comunidade, em que homens lideram, amam e respeitam
suas esposas e as esposas se submetem aos seus maridos de modo voluntário e alegre (Ef 5.22-33).

20
O QUE SIGNIFICA “NÃO ENSINAR OU EXERCER AUTORIDADE SOBRE
HOMEM”?5
1 Timóteo 2.11-15
O Novo Testamento deixa claro que as mulheres cristãs, como os homens, receberam dons espirituais
(1 Co 12.7-11). As mulheres, como os homens, devem usar os seus dons para ministrar ao Corpo de
Cristo (1 Pe 4.10); seus ministérios são indispensáveis para a vida e crescimento da igreja (1 Co 12.12-
26). Há muitos exemplos no Novo Testamento de tais ministérios desenvolvidos por mulheres
talentosas e a Igreja precisa honrar estes múltiplos ministérios bem como encorajar as mulheres a
buscá-los.

Mas, o Novo Testamento coloca alguma restrição para o exercício do ministério feminino? Desde os
primeiros dias da igreja apostólica, a maioria dos cristãos entende que sim. Um dos motivos para isso é
o ensino que encontramos em 1 Timóteo 2.8-15:

8
Quero, portanto, que os homens orem em todo lugar, levantando mãos santas, sem ira e sem
animosidade. 9Da mesma sorte, que as mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom
senso, não com cabeleira frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, 10porém com boas
obras (como é próprio às mulheres que professam ser piedosas).
11 12
A mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão. E não permito que a mulher ensine, nem
13
exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio. Porque, primeiro, foi formado Adão,
14
depois, Eva. E Adão não foi iludido, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão. 15Todavia,
será preservada através de sua missão de mãe, se ela permanecer em fé, e amor, e santificação, com
bom senso.

A passagem acima parece nos dizer que as mulheres não devem ensinar ou exercer autoridade sobre
homens, por causa da ordem em que foram criados e devido ao modo pelo qual os dois caíram em
pecado. Mas muitos, hoje em dia, creem que esta passagem não trata do ministério feminino de nossa
época e se aplicava apenas à época de Paulo ou à situação específica que circunscrevia a epístola a
Timóteo. Será isso verdade? O texto de 1 Timóteo 2.8-15 não tem qualquer implicação eterna e
aplicação para os dias de hoje? Vamos analisar mais a fundo esta questão.

A POSTURA ADEQUADA DAS MULHERES CRISTÃS – 1 TIMÓTEO 2.8-11

A fim de compreendermos 1 Timóteo 2.11-15, nós precisamos voltar e iniciar com o verso 8, onde
Paulo requer “que os homens orem em todo lugar, levantando mãos santas, sem ira e sem
animosidade”. A expressão “em todo lugar” deve ser uma referência aos vários lugares (igrejas-casas)
em que os cristãos em Éfeso se reuniam para adorar. Com a palavra que traduzimos “da mesma forma”
(jj|wsautws) no começo do versículo 9, Paulo conecta o verso 8 com as exortações que faz no verso
seguinte. Assim como o apóstolo disse: “Quero ... que os homens orem”, a expressão “da mesma

5
Estudo baseado no texto de MOO, Douglas. “What does it mean not to teach or have authority over man?”. In: PIPER,
John, GRUDEM, Wayne. Recovering biblical manhood and womanhood: a response to evangelical feminism. Wheaton, IL:
Crossway, 2006. p. 179-193.

21
forma” liga o verbo “quero” com a exortação que ele dá no 9. Assim, poderíamos ler: “Quero ... que as
mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia...”.

A admoestação contra a ira e discussões durante o momento de oração, devia-se, muito provavelmente,
ao impacto do falso ensino na igreja de Éfeso, que trazia como resultados a divisão e a discórdia (cf. 1
Tm 1.4-6; 6.4-5). As exortações dos versos 9-10 para que as mulheres se vestissem de forma decente e
praticassem boas obras em lugar de penteados elaborados ou roupas ostentosas, também, deve ser uma
resposta ao veneno disseminado pelos falsos mestres. Pois, no mundo antigo, estes tipos de vestimentas
e estilo de cabelo implicavam na perda de moral de uma mulher e na independência que ela possuía em
relação ao seu marido. Um problema de natureza bem parecida foi enfrentado por Paulo na Primeira
Carta aos Coríntios, em que as mulheres buscavam, de forma implícita, certa independência de seus
maridos por meio de seu estilo de vestimenta ou cabelo (1 Co 11.2-16).

Após lembrar a Timóteo que as mulheres deveriam se vestir “com boas obras”, Paulo alerta para alguns
aspectos que expressariam estas “boas obras” da parte delas. Primeiro, deveriam aprender “em silêncio,
com toda a submissão” (v. 11). Aqui, encontramos uma distinção entre o cristianismo primitivo e o
judaísmo de sua época, pois o aprendizado doutrinário de mulheres não era encorajado pelos judeus.
Mas o ponto central de Paulo no verso 11 não é que as mulheres aprendam, mas sim o modo como elas
devem aprender. Primeiramente, elas necessitam fazer isso “em silêncio”. A idéia desta palavra pode
significar “silêncio” de forma absoluta (cf. At 22.2) ou “pacífico” e “tranquilo” (cf 2Ts 3.12). Uma
palavra com a mesma raiz é usada neste mesmo capítulo em 2.2: “para que vivamos vida tranqüila e
mansa, com toda piedade e respeito”. A admoestação, portanto, é para que as mulheres aprendessem
sem uma atitude de criticismo ou rivalidade diante dos líderes instituídos da igreja, mas com um
espírito pacífico e manso.

Juntamente com a mansidão, o texto recomenda às mulheres que aprendam “com toda a submissão”. O
vocábulo “submissão” se relaciona com a atitude apropriada que devemos ter diante daqueles que estão
acima de nós. A raiz desta palavra é aplicada aos cristãos em relação às autoridades civis (Tt 3.1) e aos
escravos diante de seus senhores (Tt 2.9). Várias vezes, ela e seu verbo correspondente descrevem a
resposta respeitosa de mulheres para com os seus maridos (Ef 5.24; Cl 3.18; Tt 2.5; 1 Pe 3.1, 5). Em
nosso texto, Paulo recomenda que as mulheres devam agir com uma postura adequada de respeito e
honra para com a liderança masculina de suas igrejas.

Diante do que analisamos até aqui, podemos supor que as mulheres em Éfeso estavam buscando
afirmar sua liberação de seus maridos (pela maneira de se vestirem) e de outros homens da liderança da
igreja, mediante críticas e manifestações verbais públicas contra eles.

PROIBIÇÕES ACERCA DO MINISTÉRIO FEMININO – 1 TIMÓTEO 2.12

“Toda a submissão” é um termo chave no final do verso 11 que funciona como uma dobradiça, ligando
a ordem positiva “a mulher aprenda em silêncio; com toda a submissão” e a proibição do verso 12 “não
permito que a mulher ensine ou tenha autoridade sobre homem”. O verso 12 mostra duas proibições a
serem acatadas pelas mulheres, a fim de que pudessem aprender “com toda a submissão”. Poderíamos
parafrasear o que Paulo quis dizer da seguinte forma: “A mulher aprenda ... com toda a submissão; e
‘toda submissão’ significa, também, que eu não permito que a mulher ensine ou exerça autoridade de
homem”.

22
A. A Palavra Permito

Alguns estudiosos afirmam que o fato de Paulo usar a palavra “permito” em lugar de um imperativo e
lançar mão do verbo no tempo presente, indica que sua prescrição era limitada e temporária. Mas, a
verdade é que nada definitivo pode ser concluído desta palavra. Sem dúvida alguma, Paulo via seu
próprio ensino como autoritativo para as igrejas a quem escrevia (cf. 1 Ts 2.13; 1 Co 14.37-38). E o uso
do verbo no tempo presente nos permite, no máximo, concluir que no momento de sua escrita o
apóstolo insistia nestas proibições. Agora, se suas proibições deveriam ser seguidas apenas na época
em que escreveu, isto é decidido pelo contexto e não pelo tempo verbal (cf. Rm 12.1: “Rogo-vos
(tempo presente), pois, irmãos ... que apresenteis os vossos corpos como sacrifício...”).

B. O Sentido de Ensine

Ao proibir as mulheres de ensinarem, o que, exatamente, Paulo estava proibindo? Tal restrição estava
relacionada a todo tipo de ensino ou ao ensino de homens?

O verbo ensinar (didaskw) e seus cognatos “instrução” (didach) e “mestre” (didaskalos) são usados
no Novo Testamento para denotar a transmissão cuidadosa da tradição sobre Jesus Cristo e a
proclamação autoritativa da vontade de Deus aos crentes, à luz desta tradição (1 Tm 4.11: “Ordene e
ensine estas coisas”; 2 Tm 2.2; At 2.42; Rm 12.7). Enquanto a palavra pode ser usada, mais
amplamente, para descrever o ministério geral de edificação, nas suas mais variadas formas (ensinar,
cantar, orar e ler as Escrituras – Cl 3.16), a atividade é, frequentemente, restrita a certos indivíduos que
possuem o dom do ensino (1 Co 12.28-30; Ef 4.11). Assim, nem todos os cristãos estão engajados no
ensino.

Nas Epístolas Pastorais, o ensino está vinculado ao sentido de instrução doutrinária autoritativa,
especialmente, pela preocupação de Paulo com a manutenção da doutrina saudável na igreja em que
Timóteo e Tito se encontravam. Uma das principais tarefas de Timóteo era ensinar (1Tm 4.11-16; 2Tm
4.2) e preparar outros para levarem adiante este ministério vital (2 Tm 2.2). Ainda que não restrito aos
presbíteros-supervisores, o ensino era um importante ministério desenvolvido por eles (1 Tm 3.2; 5.17;
Tt 1.9).

Alguns argumentam que o cânon substitui o mestre cristão do século I, como o centro de autoridade.
Todavia, o ensino de Paulo a Timóteo era o mesmo que temos hoje, em forma escrita e isto, portanto,
não altera a natureza do ensino cristão. Antes do Novo Testamento, os mestres cristãos primitivos,
também, possuíam tradições cristãs autoritativas sobre as quais baseavam os seus ministérios e a
implicação de passagens como 2 Timóteo 2.2, é que o ensino, conforme retratado pelo Novo
Testamento, continuaria a ser muito importante para a igreja. Sem dúvida, qualquer autoridade que o
mestre tem é derivada e inerente à verdade cristã que ele proclama e não na pessoa dele mesmo.
Todavia, a atividade de ensinar é autoritativa, pois, origina-se na autoridade de Deus e Sua Palavra.

À luz destas considerações, nós compreendemos que o ensino proibido às mulheres aqui, inclui o que
chamamos de pregação (cf. 2 Tm 4.2: “Prega a Palavra ... com todo o ensino [didach]”) e o ensino da
Bíblia e doutrina na igreja e seminários. Atividades como liderar estudos bíblicos, a priori, poderiam
ser incluídas, dependendo de como isso é feito. Outras atividades como testemunho evangelístico,
aconselhamentos, ensino de temas que não se relacionam com a Bíblia ou a doutrina, não se
enquadrariam na proibição de Paulo.

23
C. A Quem a mulher Não Deve Ensinar?

A construção da frase grega indica que o objeto indireto do verbo “ensinar” é o substantivo “homem”
(genitivo objetivo - andros).6 Tal construção grega é inquestionável e a única que se adéqua ao
contexto, no qual Paulo baseia as proibições do verso 12 sobre as diferenças criadas entre homem e
mulher (v. 13). A posição paulina nas Epístolas Pastorais, portanto, é consistente: ele permite mulheres
ensinarem outras mulheres (Tt 2.3-4), mas as proíbe de ensinarem a homens.

Quem seriam estes “homens”? A maioria dos comentaristas concorda que são “homens adultos”:

[...] ensinar, isto é, pregar de um modo oficial e, desse modo, exercer autoridade sobre o homem
pela proclamação da Palavra no culto público, dominá-lo, é algo impróprio para a mulher. Ela não
deve assumir o papel de mestre ... Não por meio da pregação a adultos (ver sobre o verso 12), mas é
por meio de dar à luz filhos, que uma mulher granjeia a real felicidade, a salvação, com ênfase no
aspecto positivo (Ver sobre 1 Tm 1.15). (Grifo próprio).7

A palavra “homem” aqui (anhr) se refere a homens adultos, não pessoas em geral. Veja a
ordem dada às “mulheres” no v. 9.8

Paulo fala, de modo apreciativo, sobre o fato de que o próprio Timóteo fora ensinado pelo reto
caminho por suas piedosas mãe e avó (2 Tm 1:5; 3:15). O apóstolo, também, escreve a Tito que as
mulheres mais velhas deveriam treinar as mais jovens (Tt 2.3, 4). As mulheres têm sempre
assumido a principal responsabilidade pelo ensino de crianças pequenas, tanto em casa quanto na
Escola Dominical. E o que poderíamos fazer sem elas!9

Dois importantes léxicos de grego admitem a possibilidade de que anhr signifique homem adulto em
contraste com garoto:

homem: 1. em contrate com mulher... especialmente marido... 2. homem em contraste com garoto...
3. usado com uma palavra indicando origem local ou nacional; 4. usado com adjetivo para enfatizar
a característica dominante de um homem ... 5. homem com especial ênfase na masculinidade ... 6.
equivalente a , alguém ... 7. a figura de um homem como referência a seres celestiais que se
assemelham a homens ... 8. de Jesus como o juiz do mundo (Bauer-Arndt-Gingrich-Danker Greek-
English Lexicon of the New Testament and other early Christian literature. Chicago: University of
Chicago, 1979. p. 66-67).

I. homem, oposto a mulher … II. homem, oposto a deus. III. homem, oposto a jovem, sem o
contexto determinar o sentido ... mas anhr sozinho sempre significa homem no vigor dos anos, esp.
guerreiro. IV. homem enfaticamente, realmente homem V. marido VI. usos especiais (Liddell-Scott
Greek-English Lexicon. 9 ed. Oxford: Clarendon, 1968. p. 138).

É significativo notar que, em momento algum, o apóstolo usa a palavra anhr como referência a crianças
ou adolescentes nas suas cartas, mas sim, a homens adultos. Nas Pastorais, vemos a palavra neos como

6
KÖSTENBERGER, Andreas J. “The Sintax of 1 Timothy 2:12: a rejoinder to Philip B. Payne”. In: Journal for Biblical
Manhood and Womanhood, v. XIV, no. 2. p. 37-40. Cf. o Uso do Genitivo Objetivo em PINTO, Carlos Osvaldo.
Fundamentos para a Exegese do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2002. p. 14.
7
HENDRIKSEN, William. 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito. São Paulo: Cultura Cristã, 2001. p. 140, 142.
8
NET BIBLE. Biblical Studies Foundation. Disponível em www.bible.org. Acessado em Setembro de 2008. tn.
(translators’ note) 11.
9
EARLE, Ralph. “1 and 2 Timothy”. In: GAEBELEIN, Frank E (ed.). The expositor’s Bible commentary. Grand Rapids,
MI: Zondervan, 1992. v. 11. p. 362.

24
uma indicação mais apropriada a adolescentes/jovens (cf. 1 Tm 5.1; Tt 2.6). Sendo que anhr pode
significar “homem no vigor dos anos” (Cf. Liddell-Scott, p. 138, citado acima), a proibição de que a
mulher “não ensine” deve abarcar desde jovens homens até idosos, mas, provavelmente, não crianças e
adolescentes.10

Alguns argumentam que a restrição do ensino da mulher se dá quanto aos seus próprios maridos. Mas
não há nenhum pronome possessivo ou artigo definido que indique ser esta a intenção de Paulo no
texto (Cf. Ef 5.22 e Cl 3.18). Não são apenas os maridos que devem levantar mãos santas em oração,
mas todos os homens, nem apenas as esposas que devem se vestir modestamente, mas todas as
mulheres (Veja o contexto em 1 Tm 2.8ss).

D. O Significado de Exercer Autoridade

O verbo grego ocorre apenas neste texto em todo o Novo Testamento. Alguns têm buscado propor o
significado para o verbo a partir de sua etimologia, mas esta é questionável e as palavras,
frequentemente, se afastam dos seus sentidos originais (e.g. “embarcar” – não se refere apenas à
entrada num barco). As ocorrências em manuscritos bizantinos, do período clássico, apontam para o
sentido de “ter completo poder ou autoridade sobre” (Scott-Liddel, 8 ed. p. 248). Não há um
significado negativo de “assenhorear” ou “dominar”.

De que modo tal exercício de autoridade está relacionado com a vida da igreja local? Dentro desta
esfera de autoridade, há a função dada a alguns cristãos de governarem ou dirigirem outros debaixo da
autoridade divina (1 Ts 5.12; Hb 13.17). Nas Pastorais, tal função é exercida pelos presbíteros/bispos (1
Tm 3.5; 5.17). Claramente, então, o texto de 1 Timóteo 2 exclui a mulher de ocupar a função ou
exercer uma liderança equivalente àquela dos pastores ou presbíteros de uma igreja local (que, em
muitas igrejas, são chamados de diáconos). Isso não impede mulheres de votarem e participarem de
reuniões de assembléias da igreja ou de exercerem atividades administrativas, mas sim de um exercício
de autoridade que inclui ensino e liderança sobre outros homens.

E. Ensinar e Exercer Autoridade são Duas ou Uma Atividade?

Tem sido argumentado que os dois verbos “ensinar” e “exercer autoridade” deveriam ser tomados
juntos, num relacionamento gramatical chamado hendíade, indicando a proibição de apenas uma
atividade: ensinar de um modo autoritativo. Isto não mudaria o sentido do primeiro verbo, desde que já
fora destacado que o ensino a que Paulo faz referência continha, em si mesmo, certo grau de
autoridade. Mas, eliminaria completamente a segunda proibição: “não exerça autoridade”.

A palavra que une os dois verbos, oude (“e não”, “nem ... nem”), geralmente, une dois termos
proximamente relacionados, ainda que não junte, com frequência, palavras que reafirmam a mesma
ideia ou que se interpretam mutuamente. Algumas vezes, ela une palavras opostas (Ver “gentio ou
judeu”, “escravo ou livre” em Gl 3.28; “onde não há lei não [oude] há transgressão” Rm 4.15; Cf. Rm
2.28; 8.7, 10; 9.7, 16; 11.21; 1 Co 2.6; 3.2; 4.3; 15.13, 16, 50; 2 Co 3.10; 7.12; Gl 1.1, 17; Fp 2.16; 1 Ts
2.3; 5.5; 2 Ts 3.8; 1 Tm 6.7, 16). Ainda que o “ensino”, no conceito paulino, seja autoritativo, nem todo
o exercício de autoridade é por meio do ensino, assim, o apóstolo trata as duas tarefas como distintas
quando aborda o trabalho dos presbíteros na igreja (cf. 3.2, 4-5; 5.17). Assim, em ambientes nos quais

10
Ver o texto de Mateus 14.21 que fornece um contraste interessante entre homens adultos e meninos: “E os que comeram
foram cerca de cinco mil homens (anhr), além mulheres (gynh) e crianças (paidion)”.

25
uma função exercerá autoridade espiritual direta sobre homens numa igreja local, tal posição deveria
ser, principalmente, ocupada por pessoas do sexo masculino.

A BASE DA INSTRUÇÃO: A CRIAÇÃO E A QUEDA – 1 TIMÓTEO 2.13-14

No verso 12, Paulo proíbe a mulher na igreja de Éfeso de ensinar homens e exercer autoridade sobre
eles. Mas há uma questão crucial que temos de lidar: esta proibição se aplica à Igreja de hoje?

Não podemos simplesmente dizer “sim”, sem um fundamento claro. O Novo Testamento contém
diversas prescrições que são direcionadas apenas para situações específicas e quando a situação muda,
a prescrição muda na sua forma ou perde a validade. Por exemplo, a ordem de Paulo aos coríntios para
que eles cumprimentassem uns aos outros com um beijo santo (1Co 16.20). Todos concordamos que tal
forma de cumprimento sofreu mudanças e um modo de aplicar tal mandamento, hoje, poderia ser
“apertem as mãos de todos ao seu redor como sinal de amor cristão”.

Por outro lado, apenas identificar uma situação específica que ocasionou determinada carta na Escritura
não é garantia de que o texto está limitado em sua aplicação àquela época. Quase a maioria dos textos
do Novo Testamento foi escrita para responder a circunstâncias específicas – corrigir falsos ensinos,
responder a questões específicas ou unir facções dentro da igreja – mas isso não significa que o texto se
aplique somente àquelas circunstâncias. Por exemplo, Paulo escreve a carta aos Gálatas para responder
a um grupo de judaizantes que ensinava a salvação por meio das obras. O apóstolo, então, desenvolve a
doutrina da justificação pela fé em sua epístola, mostrando que apenas a confiança em Cristo justifica
uma pessoa diante de Deus. A natureza específica das circunstâncias de seu escrito não limita a
aplicabilidade de seu ensino. Podemos dizer que as circunstâncias promovem o ensino, mas não o
limitam. Isto é muito importante para o nosso entendimento de 1 Timóteo 2.12. O fato de alguém
identificar circunstâncias locais ou temporárias que propiciaram a reposta de Paulo, quando escreveu
1Timóteo, não indica que seu ensino se aplica somente àquele momento. Portanto, a questão é:
podemos identificar circunstâncias que limitam o ensino de 1 Timóteo 2.12 apenas àquela igreja,
naquela época?

Muitos estudiosos têm argumentado que há razões para ver o ensino de Paulo limitado apenas à
situação de Éfeso. Diversas propostas de leitura do texto bíblico têm sido dadas e, por falta de espaço e
tempo, lidaremos com apenas duas delas. A mais proeminente era que o apóstolo estava tratando de
mulheres que haviam sucumbido ao falso ensino e espalhavam tal doutrina. A segunda diz que o
mandamento da epístola demonstra apenas uma preocupação com a cultura da época, em não causar
escândalo para as pessoas ao redor.

Os que advogam a primeira posição, dizem que a carta de 1 Timóteo como um todo é marcada pela
preocupação singular contra o falso ensino. Alguns chegam a defender a raiz de tal ensino numa
mitologia gnóstica que pregava a precedência de Eva sobre Adão. Mas, tal suposição vem sendo
amplamente rejeitada.11

A leitura dos que defendem a situação específica de Éfeso como limitadora para a doutrina paulina,
dizem que havia mulheres presas ao falso ensino que tentavam dominar sobre os líderes locais da igreja
e propagavam doutrinas falsas. Assim, a proibição era para que elas parassem de ensinar mentiras, até
que fossem melhor treinadas, para, então, poderem ensinar a doutrina verdadeira. A base para isso é
apresentada no verso 14, quando se fala que a mulher foi enganada pela serpente. Eva seria um tipo da

11
Ver GRUDEM, Wayne. Evangelical feminism and biblical truth. p. 282-287.

26
mulher de Éfeso que sucumbira à mentira de Satanás. Da mesma forma que Eva trouxe a ruína para o
primeiro casal humano, ao seguir Satanás e levar Adão a pecar, as efésias, seguidoras do falso ensino,
estavam levando homens a se desviarem e deturpando a verdade dentro da igreja de Cristo. Além disso,
1 Timóteo 5.15 afirma que havia mulheres que se desviaram da verdade, para seguir Satanás.

Tal interpretação parece ser bem coerente e exata. Todavia, ela não lida com o texto como um todo. Por
exemplo, os que propõem tal posição dão pouca atenção ao verso 13 ou dizem que ele é apenas uma
introdução para o versículo 14. Mas, a conjunção grega gar mostra que o apóstolo vê na criação a
primeira razão ou base para o seu argumento: “Pois, Adão foi formado primeiro, depois, Eva” (1 Tm
2.13). Para o apóstolo Paulo, a criação do homem antes da mulher indicava a sua função de liderança
sobre ela, algo que ele reforça em 1 Coríntios 11.8-9. O fato de Deus ter criado a mulher depois do
homem, faz da submissão uma posição inerente a ela em sua relação com o homem. Deste modo, a
ordem do verso 12 ganha validade e aplicabilidade eterna, pois sua base está na criação.

Além disso, não há evidência nas Pastorais ou em Éfeso de que mulheres estivessem propagando o
falso ensino. O que vemos são homens fazendo isso:

“mantendo fé e boa consciência, porquanto alguns, tendo rejeitado a boa consciência, vieram a
naufragar na fé. E dentre esses se contam Himeneu e Alexandre, os quais entreguei a Satanás, para
serem castigados, a fim de não mais blasfemarem.” (1 Tm 1.19-20).

“Além disso, a linguagem deles corrói como câncer; entre os quais se incluem Himeneu e Fileto. Estes
se desviaram da verdade, asseverando que a ressurreição já se realizou, e estão pervertendo a fé a
alguns.” (2 Tm 2.17-18).

“E que, dentre vós mesmos, se levantarão homens (aner) falando coisas pervertidas para arrastar os
discípulos atrás deles.” (At 20.30)

Se homens estavam propagando o falso ensino, por que Paulo proíbe apenas as mulheres de ensinarem?
As únicas referências às mulheres envolvidas com o falso ensino é a de que elas eram seguidoras dos
falsos mestres, não de que exerciam este papel (cf. 1Tm 5.15; 2Tm 3.6-7). Ainda, segundo a posição
exposta, as mulheres estão proibidas de ensinarem mentiras a homens, mas, isso significa que podem
fazê-lo em relação a outras mulheres? Pois, o texto proíbe a mulher de “ensinar ... nem exercer
autoridade sobre homem”.

A segunda proposta de que Paulo proíbe o ensino feminino na igreja, por este ser ofensivo à grande
maioria das pessoas em Éfeso, se fundamenta no fato de a preocupação em que o comportamento dos
cristãos não trouxesse má reputação para o evangelho diante da comunidade ao redor (cf. 1 Tm 6.1; Tt
2.5) e pelo fato dos falsos mestres propagarem uma postura antitradicional do papel da mulher. Mas,
então, a ordem no mesmo parágrafo, para que a mulheres se vestissem com modéstia e decência se
relacionava apenas com este momento, também, ou teria um princípio eterno? Como distinguir as
ordens temporais no mesmo texto? Além disso, Paulo não apresenta qualquer fundamento cultural para
a sua ordem (como faz em Tt 2.10), mas aponta suas razões para a criação e queda, como fundamentos
transcendentes para o comportamento feminino.

27
O PAPEL DA MULHER NUMA LUZ POSITIVA – 1 TIMÓTEO 2.15

O versículo 15 traz uma luz positiva para a orientação do papel feminino, conforme estabelecido por
Deus. Apesar de ele não afetar a interpretação dos versículos anteriores, ele faz parte do mesmo
parágrafo e lança alguma luz para a totalidade do texto.

Enquanto o versículo 14 retrata a queda da mulher em transgressão, o versículo 15 fala sobre as


circunstâncias nas quais ela desenvolve a sua salvação (cf. Fp 2.12), ao manter como prioridades os
seus papéis chaves que Paulo destaca, bem como toda a Escritura: ser fiel administradora de seu lar,
uma esposa ajudadora, que cria filhos para amarem e temerem a Deus (cf. 1 Tm 5.14; 2 Tm 1.5; 3.15;
Tt 2.3-5). Isso não significa que mulheres são salvas apenas quando geram filhos, mas há um destaque
sobre a função de mulher dentro do lar, em oposição ao falso ensino que promovia atitudes contrárias
ao papel feminino dentro da Bíblia (cf. 1 Tm 4.3; 5.13-15).

Deus prometeu às mulheres uma vida realizada no lar, acompanhada do andar com o Senhor, em
lugar de serem mestras ou líderes da igreja [...] Talvez, nós subestimamos a influência do lar e
superestimamos a influência do púlpito (cf. 2 Tm 1.5) ... Eu creio que Paulo estava, novamente,
assumindo uma situação comum (cf. vv. 11-12). A maioria das mulheres gera filhos e mesmo
aquelas que não são capazes de gerar filhos, podem gerar filhos espirituais e, deste modo, encontrar
grande realização (1.2; 5.10-11, 14).
Paulo balanceou o que as mulheres não deveriam fazer com aquilo que elas poderiam ... Nós
devemos ser cuidadosos para manter o equilíbrio na exposição deste tema, como Paulo fez.12

A chave à passagem, no entanto, é claramente Gn 3:16, com sua predição de que a maternidade é o
papel destacado para a mulher. Se ela ficar firme nisto ao invés de usurpar funções masculinas, e a
cumprir no espírito certo, obterá a salvação. É também provável que Paulo, ao ressaltar de tal
maneira a importância de dar à luz para as mulheres, está atirando uma flecha contra os falsos
mestres que tinham grande desprezo a respeito do sexo (1Tm 4.3), e cujos sucessores gnósticos
posteriores, segundo Irineu (Adv. Haer. i.24.2), declararam que “o casamento e o gerar dos filhos
são de Satanás”.
Em última análise, a salvação da mulher dependerá do seu estado espiritual, i.e., de sua fé em
Cristo, da sinceridade de seu amor para com seus colegas cristãos e da sua santificação, ou o grau
até o qual sua vida de casada é consagrada e não meramente carnal.13

12
CONSTABLE, Thomas. Notes on 1 Timothy. [s.l.]: 2007. Disponível em www.soniclight.com. Acessado em Julho de
2008.
13
KELLY, J.N.D. 1 e 2 Timóteo e Tito: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1983. p. 72-73.

28
CABEÇAS COBERTAS, PROFECIA E A TRINDADE
1 Coríntios 11.2-1614
Quando se discute o papel da mulher dentro da igreja, um dos textos mais controvertidos e que suscita
dúvidas sobre a sua aplicação é 1 Coríntios 11.2-16. As mulheres podiam profetizar na igreja? O que
significa o uso do véu no contexto do culto público? Era, de fato, um costume da época? Qual o sentido
da palavra “cabeça” que tantas vezes aparece no texto? De que forma a mulher é a “glória” do homem?
Por que era vergonhoso para homem, mas não para a mulher, ter a cabeça coberta? O uso do cabelo
comprido substituía o uso do véu, de acordo com o versículo 15?

As dificuldades contextuais naturais de uma passagem como essa poderiam levar algumas pessoas a
afirmar que a obscuridade do texto impede a formação de uma doutrina ou compreensão eclesiológica
sobre o papel do homem e da mulher no culto público e sobre a relação de autoridade e submissão entre
eles.

Ainda que o uso do véu pareça trivial para nós, atualmente, os princípios ensinados por Paulo neste
trecho de sua carta são muito importantes e permanecem relevantes para os dias atuais. Mesmo diante
das dificuldades naturais de um texto escrito há quase dois mil anos, é possível identificar o ensino
principal dele e refletir sobre sua aplicação para a igreja de nossos dias. Vamos iniciar o estudo com
algumas perguntas.

O QUE É O VÉU DA MULHER NESTA PASSAGEM?

A que tipo de costume Paulo estava se referindo, quando ordenou às mulheres para que colocassem
uma cobertura em suas cabeças? Há duas sugestões que melhor se enquadram na passagem: (1) o
costume ao qual Paulo recomenda é o uso de uma espécie de xale; ou (2) Paulo faz objeção ao uso do
cabelo longo e deslizante sobre as costas, querendo que as mulheres seguissem o costume de prender o
cabelo na parte de cima da cabeça.

Em favor da segunda proposta, existem os seguintes argumentos:

1. Não há nenhuma evidência de que existisse algum tipo de cobertura completa, familiar ao Islã,
corrente nos dias de Paulo.
2. A mesma palavra grega que descreve a prática das mulheres de Corinto em 11.5 de deixarem a
cabeça “descoberta” (akatakaluptos), é usada em Levítico 13.45 (LXX) acerca do cabelo do
leproso, que deveria ser deixado “solto”. O problema da mulher coríntia seria ter seus cabelos
soltos e deslizando sobre as costas.
3. A palavra apokaluptw de mesma raiz que o termo akatakaluptos é usada em Números 5.18
(LXX), quando a mulher adúltera deveria soltar seu cabelo.
4. As mulheres respeitáveis na época de Paulo não apareciam em público com os seus cabelos
longos e deslizando sobre as costas. Os seus cabelos eram presos sobre a cabeça num coque.

14
Estudo baseado no texto de SCHREINER, Thomas R. “Head coverings, prophecy and the Trinity”. In: PIPER, John,
GRUDEM, Wayne. Recovering biblical manhood and womanhood: a response to evangelical feminism. Wheaton, IL:
Crossway, 2006. p. 124-139.

29
Apesar desses argumentos em favor da segunda proposta, é mais provável que o apóstolo estivesse
fazendo referência a algum tipo de cobertura, como um xale.15 Tal possibilidade se encaixa bem com a
palavra “cobertura” (peribolaion) em 11.15 do que um véu todo fechado.

As evidências em favor desta posição são:

1. O verbo traduzido como “cobrir” (NVI), katakaluptw, ocorre três vezes nos versículos 6-7 e as
palavras cognatas nos versos 5 e 13. Elas são usadas, mais frequentemente, para se referir a
algum tipo de cobertura, como os anjos em Isaías 6.2 (LXX) que “cobriam” suas faces ou em
Gênesis 38.15 que menciona Tamar com sua face “coberta” (Gn 38.15 LXX). Desde que o
termo, quase universalmente, indica “cobrir” ou “esconder”, o texto deve fazer referência a
algum tipo de cobertura sobre a cabeça.
2. Filo (30 a.C. – 45 A.D.) usa as mesmas palavras que Paulo (akataluptw th kefalh) para falar
da mantilha que o sacerdote acabara de tirar da cabeça da mulher acusada de adultério (Special
Laws, 3:56,60). O termo akatakaluptos significa “descoberto(a)” em Interpretação Alegórica
II, 29 de Filo e em um escrito de Políbio (século II a.C.).
3. O termo “cabeça coberta” (kata kefalhs) de 1 Coríntios 11.4 é usado em Ester 6.12 (LXX)
para indicar a “cabeça coberta” de Hamã, talvez, com uma parte de sua roupa.
4. Uma expressão similar (kata ths kefalhs) em Plutarco (46-120 a.C.) (Aetia Romana et
Graeca 1.15), que declara que a cabeça está coberta com uma toga.

As evidências favorecem uma cobertura tipo xale, que as mulheres usavam, na antiguidade como sinal
da autoridade de seus maridos.

O SENTIDO DE CABEÇA NO VERSO 3

Igualitaristas têm argumentado que o sentido de “cabeça” neste texto de 1Coríntios 11.3, indica “fonte”
e não “autoridade”, como se Paulo estivesse falando da origem da mulher (cf. 11.8-9). O grande
problema de tal argumentação é que o termo “cabeça” é, geralmente, usado nas epístolas paulinas para
indicar “autoridade”, não fonte.

 Em Efésios 5.22ss., Paulo argumenta que o homem é o “cabeça” da mulher assim como Cristo é
o “Cabeça” da Igreja. A idéia de que “cabeça” significa “fonte” não se encaixa no contexto, mas
sim, “autoridade”, pois, tanto as mulheres como a igreja devem estar sujeitas a seus “cabeças”.

 Em Efésios 1.22 “cabeça” indica “autoridade”, pois diz que Deus colocou todas as coisas
debaixo dos pés de Cristo e que Ele, portanto, é o “cabeça” sobre todas as coisas.

 Em Colossenses 2.10, Cristo é o “cabeça” sobre todo “poder e autoridade”, pois estes foram
vencidos por Cristo na cruz e levados como espetáculo público numa marcha triunfal (2.15).

 Em Colossenses 1.18, Jesus é o “cabeça” da Igreja “para que em tudo tenha a supremacia”.

 Em Colossenses 2.19 e Efésios 4.15 podem significar tanto “fonte” quanto “autoridade” e,
portanto, não podem ser usados como textos decisivos para o significado em 1Coríntios 11.3.

15
Ver FEE, Gordon D. The First Epistle to the Corinthians. Grand Rapids: Eerdmans, 1987. p. 506-512.

30
A afirmação, então, de que o homem é o cabeça/autoridade da mulher como Cristo é o
cabeça/autoridade de todo homem e como Deus é o cabeça/autoridade de Cristo aponta para o fato de
que a diferença de funções no relacionamento homem-mulher emana da diferença de funções no
relacionamento Deus-Cristo. O foco não é que Cristo é essencialmente inferior ao Pai, mas sim, que
Ele, voluntariamente, se submete à autoridade do Pai numa subordinação funcional dentro da
Economia da Trindade (cf. Jo 4.34; 6.38; 1 Co 15.28).16

Provavelmente, Paulo adicionou a menção de que Deus é o cabeça de Cristo, depois de afirmar que o
homem é o cabeça da mulher, para ensinar que tal autoridade não implica inferioridade da mulher.
Alguns coríntios poderiam pensar que o fato do homem ser “cabeça” da mulher implicava inferioridade
desta ou superioridade daquele. Mas, assim como o Deus Pai não é maior do que Cristo, da mesma
forma, o homem não é superior à mulher (cf. 11.11-12; Gl 3.28).

DESONRANDO A CABEÇA? – vv. 4-6

Nos versos 4-6, Paulo faz objeção ao uso do véu por parte dos homens ao mesmo tempo em que exorta
as mulheres a usá-lo. Para o homem, vestir o véu traria vergonha sobre si, pois, estaria retratando a si
mesmo como uma mulher (v. 4). Da mesma forma, se as mulheres deixassem de usá-lo, estariam se
vestindo como homens, o que lhes seria vergonhoso (v. 5a). A falha em cobrir a cabeça com véu seria,
para a mulher daquela época, o equivalente a andar publicamente com seus cabelos cortados ou
rapados, o que as assemelharia a um homem e traria vergonha (v. 5b-6). O mesmo ocorreria com o
homem que colocasse um véu sobre sua cabeça, pois seria como se tivesse cabelos compridos, algo
próprio da mulher daqueles dias (cf. v. 14).

O que o apóstolo quer comunicar é que a ausência de véu por parte das mulheres confundiria os sexos e
seus papéis dentro do culto público, dando a vergonhosa impressão de que as mulheres estavam se
comportando como homens. Elas tinham liberdade de participar do culto público, desde que suas
atitudes suportassem e honrassem a autoridade masculina na igreja local.

O que seria “desonrar a cabeça”? O contexto admite duas possibilidades e parece que Paulo as tinha em
mente. Primeiramente, desonrar a cabeça tanto para o homem quanto para a mulher poderia indicar
uma desonra a si mesmos, pois (1) há exemplo no Novo Testamento deste sentido, como Atos 18.6:
“que o seu sangue caia sobre as suas próprias cabeças”; (2) os versos 14 e 15 falam que o uso do cabelo
comprido ou falta dele era uma desonra para o próprio homem ou a própria mulher; (3) existe uma
relação próxima entre cobrir a cabeça física e envergonhar a própria cabeça.

Outro sentido que, provavelmente, também, estava no texto é que Paulo se referia à cabeça enquanto
“autoridade”. Isto é provável, pois (1) o versículo 3 acabara de afirmar que o homem é o “cabeça” da
mulher e Cristo o “cabeça” do homem; (2) no verso 7, Paulo diz que a mulher é a “glória” do homem,
isto significa que ela deveria trazer honra ao homem e o oposto disto seria envergonhá-lo.

16
A subordinação de função é reconhecida pela teologia evangélica em sua história. Calvino afirma: “Nem me desagrada
realmente a definição de Tertuliano, contanto que seja tomada nos moldes adequados, de que ‘há em Deus certa distribuição
ou economia, a trindade de pessoas, que nada altera da unidade da essência’” (Ver Institutas XIII.6). Ainda: “Entretanto não
ambiguamente ensina a suma da doutrina que estamos a defender, isto é, visto ser Deus uno e único, no entanto, por
dispensação ou economia, existe sua Palavra; um só e único é Deus na unidade da substância, e não obstante, pelo mistério
da dispensação, a unidade se dispõe em uma trindade; são três não em estado, mas em grau; não em substância, mas em
forma; não em poder, mas em ordem. É verdade que ele confessa admitir o Filho como segundo em relação ao Pai, todavia
não o entende como outro senão em função da distinção pessoal.” (Institutas XIII.28).

31
ONDE AS MULHERES PROFETIZAVAM E O QUE ISTO SIGNIFICA?

É interessante observar que o contexto no qual Paulo dava liberdade às mulheres para profetizarem era
o culto público. Não há como pensar que se trata das mulheres profetizando em suas vidas particulares
por várias razões. A sequência do texto de 1 Coríntios 11 corrobora o fato de que o apóstolo pensava no
culto público, pois, em seguida, ele fala sobre a Ceia do Senhor (11.17-34), o uso dos dons no contexto
comunitário e a devida ordem no culto público (12.1 – 14.40). Além disso, o dom de profecia fora dado
para a edificação comunitária (1Co 14.1-5, 29-33a).

O que significa, então, a manifestação da profecia feminina dentro da igreja? A conceituação bíblica
permite uma diferenciação entre “profetizar” e “ensinar”. A profecia constitui uma revelação
espontânea (1 Co 14.29-33a), enquanto o ensino é uma exposição da revelação recebida (2 Tm 2.2; cf.
1 Tm 4.11, 13-16). Uma analogia veterotestamentária relevante é que os profetas anunciavam ao povo a
revelação de Deus, mas eram os sacerdotes que davam ao povo a instrução autoritativa baseada na
tradição revelada (cf. Lv 10.11; Dt 21.5; Ml 2.6-7). No Antigo Testamento, as mulheres podiam ser
profetas, mas jamais sacerdotisas. A profecia, assim, é um dom diferente do ensino, e quando mulheres
funcionavam como profetas deveriam ter uma atitude que suportasse a liderança masculina.

Além disso, no Novo Testamento, o fato de alguém profetizar num culto público não indicava que sua
palavra fosse autoritativa. Paulo exorta a igreja a selecionar e julgar as declarações proféticas (1Ts
5.20-21; 1Co 14.29-33). Nem todas as palavras proferidas no culto por “profetas” eram boas e
deveriam ser avaliadas. As profecias eram, então, impressões ou compreensões espontâneas que
poderiam vir ou não da parte de Deus. O próprio apóstolo João provê critérios para se avaliar uma
profecia (cf. 1Jo 4.1-3). O ensino é tratado de um modo diferente. Aqueles que ensinavam a igreja,
como no caso de Timóteo e Tito, deviam ser honrados como autoridade na vida da igreja local e seu
ensino acatado como autoritativo (cf. 1Tm 4.11-13; Tt 2.15). Os presbíteros que ensinavam na igreja
local tinham a autoridade para refutar os que se opunham à falsa doutrina (Tt 1.9)

Por que esta discussão é relevante para nós? Porque ela provê uma evidência maior, especialmente no
que diz respeito ao Novo Testamento, de que o exercício da profecia não é tão autoritativa quanto o do
dom de ensino. Ensino envolve uma exposição sustentada e ordenada pela revelação divina já dada, ao
passo que a profecia ocorre quando alguém tem uma revelação espontânea, em que o todo ou a parte
pode ou não provir do Senhor. Desta forma, o fato de a mulher pronunciar profecias na igreja não
implica, logicamente, que ela possa ensinar, desde que os dois dons são diferentes.

A MULHER COMO A GLÓRIA DO HOMEM – vv. 7-10

Os versos 7-10 apresentam os motivos pelos quais as mulheres de Corinto deveriam usar o véu em
sinal de submissão. “O homem não deve cobrir a cabeça, visto que ele é imagem e glória de Deus; mas
a mulher é a glória do homem” (1 Co 11.7). Os versículos 8-9 explicam as razões e o sentido em que a
mulher é a glória do homem. Primeiramente, Paulo diz que a mulher é a glória do homem porque “o
homem não se originou da mulher, mas a mulher do homem” (v. 8). Há, certamente, uma alusão a
Genesis 2.21-23, em que a mulher é feita a partir da costela de Adão e desde que a mulher fora feita do
homem, ela deve ser a sua glória, honrando-o. A honra como o sentido de glória é apoiada pelos versos
14 e 15 que dizem que o cabelo comprido da mulher é sua “glória”, ao passo que o mesmo cabelo
comprido para o homem é uma “desonra”. Assim, o contraste de glória é desonra, o que nos leva a
concluir que honra é um sinônimo para glória no texto de 1Coríntios 11.

32
O versículo 9 dá a outra razão pela qual a mulher é a glória do homem: ela fora “criada por causa do
homem”. Uma vez mais, tem-se Gênesis 2 em mente, quando o texto nos informa que Deus criou a
mulher para acompanhar e ajudar o homem (vv. 18, 20). E, se a mulher fora criada por causa do
homem, para ajudá-lo nas tarefas que Deus lhe concedeu, então, ela deve honrá-lo por meio deste sinal
de autoridade em sua cabeça.

Se o homem é o ponto culminante da criação, ele exibe a glória de Deus como nenhuma outra coisa
o faz. Por causa desta alta dignidade, Paulo acha certo que não haja sinal de subordinação sobre o
homem quando ele presta culto. A mulher tem o lugar que lhe é próprio, mas não é o lugar do
homem. Ela se mantém para com o homem em tal relação como nenhuma outra coisa, e assim ela é
chamada glória do homem. Esta expressão ao mesmo tempo lhe assegura um alto lugar no esquema
das coisas e afiança que não se trata do lugar do homem.17

A outra razão pela qual a mulher deve usar um sinal de submissão se dá “por causa dos anjos” (v. 10).
Quem são estes anjos? Thomas Schreiner propõe que são anjos bons que auxiliam na adoração e
desejam ver a ordem da criação mantida. Outros comentaristas ratificam esta posição, fazendo menção
a Efésios 3.10, as autoridades angelicais que testemunham da vida da igreja e são sensíveis à resistência
à ordem criada.18

A INTERDEPEDNÊNCIA ENTRE HOMEM E MULHER – vv. 11-12

Após defender a autoridade masculina no culto público, sem negar a participação da mulher, agora, ele
esclarece um ponto que poderia ser mal interpretado pelos coríntios. Homem e mulher desfrutam de
interdependência mútua no Senhor (v. 11). O homem é a fonte da mulher, mas, todos os homens depois
de Adão são gerados por mulheres, portanto, há uma profunda relação de mutualidade entre homens e
mulheres no Corpo de Cristo e nenhum gênero tem o direito de se vangloriar sobre o outro, pois ambos
são completamente dependentes de Deus (v. 12). Diferença de função não implica em maior valor ou
superioridade, pois, em Cristo “não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem
homem nem mulher; porque todos vocês são um em Cristo Jesus” (Gl 3.28).

A CONCLUSÃO DO ARGUMENTO – vv. 13-16

Por fim, o apóstolo apela aos próprios coríntios, a fim de que avaliem o que é apropriado, sabendo que
a “própria natureza” das coisas confirmava o seu argumento. O termo “natureza” (physis) dentro da
teologia paulina aponta para o senso instintivo e natural de certo e errado que Deus plantou em nós (cf.
Rm 2.14), especialmente em relação à sexualidade. Tal senso do que é apropriado tem sido implantado
no ser humano desde a criação. Romanos 1.26-27 é um paralelo iluminador, pois, fala sobre mulheres e
homens que trocaram a sua sexualidade natural, por outra contrária à natureza, violando a ordem criada
e o instinto natural dado por Deus aos seres humanos.

O ensino da natureza, então, corresponde às percepções físicas e psicológicas naturais da


masculinidade e feminilidade que são manifestas em cada cultura em particular. Assim, o instinto
natural masculino se retrai de fazer qualquer coisa que a sua cultura classifica como feminina, da
mesma forma, as mulheres, em seu instinto natural, se recusam a se vestir de uma forma que pareça

17
MORRIS, Leon. 1 Coríntios: introdução e comentário. 2 ed. São Paulo: Vida Nova, 1983. p. 123.
18
NET BIBLE. Biblical Studies Foundation. 1 Corinthians 11. Disponível em www.bible.org. Acessado em Setembro de
2008. (Versão eletrônica). s.n. 10; MORRIS, Leon. Op. cit. p. 124. CONSTABLE, Thomas. Notes on 1 Corinthians. [s.l.]:
2007. Disponível em www.soniclight.com . p. 116. CALVIN, John. Commentary on First Epistle to the Corinthians.
Albany: Ages, 1998. p. 304.

33
masculina. Com certeza, o que é apropriado para a vestimenta ou estilo de cabelos de um homem ou
uma mulher variará de cultura para cultura.

A função, portanto, dos versos 13-15 é mostrar que o uso de uma cobertura na cabeça por uma mulher
estava de acordo com o senso feminino dado por Deus de que homem e mulher são diferentes.
Profetizar ou orar na igreja sem tal símbolo de autoridade seria o mesmo que negar a distinção de
papéis dada por Deus desde a criação. Mas, se algumas coríntias insistissem em tal prática, deveriam
estar conscientes de que esta era uma prática contrária à apostolicidade e universalidade da igreja de
Cristo (v. 16).

34
AS MULHERES E O DIACONATO:
UMA PERSPECTIVA BÍBLICA E HISTÓRICA

INTRODUÇÃO

Um artigo escrito por um líder batista norte-americano afirma que a temática sobre o diaconato
feminino tem exibido um conflito considerável dentro dos quatro séculos de história da denominação.
Ele observa que “notáveis batistas têm interpretado de maneiras radicalmente diferentes as potenciais
contribuições das mulheres em funções diaconais”.19

Nos primeiros séculos da história da igreja cristã, tornaram-se comuns as ordens de diaconisas,
especialmente no Oriente, em que as tradições sociais impunham um acesso limitado às mulheres,
requerendo a criação de um grupo de mulheres que auxiliassem o trabalho pastoral no trato com os
membros do sexo feminino. A renovação de um movimento semelhante, depois de sua quase extinção
no século XII, deu-se no começo do século XIX, na igreja Luterana, cujo objetivo era o cuidado com os
pobres, doentes, os órfãos, as esposas de presidiários e os doentes mentais. 20

Este capítulo da apostila, portanto, visa tratar de questões relacionadas ao ministério feminino dentro da
igreja local, especialmente, na função do diaconato. Existe base bíblica para esta função? Quais são os
textos que lidam com a questão? De que forma podem ser entendidos? As diaconisas exercem uma
posição de liderança dentro da igreja? Ao longo do capítulo, buscaremos uma resposta bíblica para
essas perguntas.

COMPREENDENDO O DIACONATO

Definir exatamente o trabalho do diácono dentro da igreja local é uma tarefa difícil, desde que o
qualificativo dos que exerciam esta função (diákonos), bem como a ação (diakonew) ou a função em si
(diakonia) são termos bem amplos em todo o Novo Testamento. Essas três palavras podem se referir a
um tipo de ministério dentro da igreja, seja apostólico (At 1.17, 25) ou da pregação da Palavra (At 6.4),
ou à tarefa dos governadores públicos (Rm 13.4), ao cuidado com as necessidades físicas (At 11.29), ao
serviço no preparo de uma refeição (Lc 10.40), até mesmo ao serviço dos anjos em nosso favor (Hb
1.14). O próprio Jesus se apresenta como alguém que veio para “servir” (diakonew) e a igreja exerce o
diaconato, ao servir uns aos outro (Ef 4.12; 1 Pe 4.10), e seus membros são, portanto, diáconos de
Cristo (2 Co 3.3; 1 Tm 4.6). Em todas estas referências anteriores, nenhuma diz respeito ao cargo dos
diáconos na igreja e representam os sentidos mais comuns da palavra no Novo Testamento. 21 Há muito
poucas referências ao ofício em si (Fp 1.1; 1 Tm 3.8-13; talvez Rm 16.1). K. Hess afirma o seguinte:

O trabalho de um diácono finalmente desenvolveu-se em cargo especial, cujos inícios podem ser
achados já no NT (Fp 1.1; 1 Tm 3.8-13). No decurso da história da igreja, o cargo desenvolveu uma
forma padronizada, embora o NT não deixe clara a sua forma exata. Nem sequer era claramente
universal na igreja. Originalmente, todas as diversas funções exercidas na igreja podiam ser

19
DEWESEE, Charles W. “Baptist Women deacons and deaconesses: key developments and trends, 1609-2005”. In:
BAPTIST HISTORY AND HERITAGE, Sumer-Fall, 2005, p. 65
20
WEINRICH, William. “Women in the History of the Church: learned and holy, but not pastors”. In: PIPER, John,
GRUDEM, Wayne. Recovering biblical manhood and womanhood: a response to evangelical feminism. Wheaton, IL:
Crossway, 2006. p. 264-265.
21
DEVER, Mark. Definição de diácono. Disponível em www.monergismo.com. Acessado em 06.11.2008.

35
chamadas “serviços” ou ministérios (1Co 12.5). Logo, vários detentores de cargos (apóstolos,
profeta, etc., cf. Ef 4.11-12) eram servos, diakonoi, da igreja (cf. 1Co 3.5; Cl 1.25). No sentido mais
especializado, porém, o conceito foi estreitado para o cuidado material da igreja, que era
intimamente ligado com o cargo do bispo (e.g. 1Tm 3.1-7; 8-13; 1Clem. 42.1-2; Inácio, Mag. 2.1;
6.1; Trall 2.1). Quer dizer, portanto, que para o “servo” sempre havia uma tarefa para o espírito e o
corpo expressada por seu papel no culto público, no cuidado pelos pobres e na administração. O
serviço a Deus e o serviço aos pobres eram, afinal das contas, uma unidade, conforme dava a
entender o ágape, a refeição em comum.22

Pelas qualidades descritas no texto de 1Timóteo 3.8-11, é possível inferir algumas funções dos
diáconos na igreja local. Provavelmente, tinham alguma responsabilidade no cuidado das finanças da
igreja, já que não poderiam ser “cobiçosos de sórdida ganância” (v. 8); deviam ajudar na administração
da igreja, pois, precisavam governar bem a própria casa (v. 12); e no versículo 11 é dito que suas
esposas ou diaconisas não deveriam ser caluniadoras, mas confiáveis, indicando, possivelmente, o
envolvimento dos diáconos com visitação e aconselhamento dentro da igreja local.23

Atos 6.1-7 parece apontar para o início deste ofício. As palavras do pastor Mark Dever sobre o texto
auxiliam na definição da função:
Deveríamos ser cuidadosos ao manter uma distinção entre o ministério dos diáconos e o ministério
dos presbíteros. Num sentido, tanto presbíteros quanto diáconos estão envolvidos na “diaconia”.
Mas esse serviço toma duas formas muito diferentes. É nos primeiros setes versículos de Atos 6 que
encontramos a passagem crucial onde a diaconia é dividida entre a diaconia tradicional (servir à
mesa, serviço físico), e o tipo de “diaconia” da Palavra à qual os apóstolos (e, mais tarde, os
presbíteros) foram chamados. Os diáconos descritos em Atos 6 são muito parecidos com os
cooperadores da igreja, pelo menos no sentido administrativo. Eles tinham que cuidar das
necessidades físicas da igreja. Estabelecer um grupo com este ministério particular é importante
porque uma falha em fazê-lo pode resultar nesses dois tipos de diaconia – da Palavra (presbíteros) e
da mesa (diáconos) – serem confundidos um com o outro, e assim esquecidos. As igrejas não
deveriam negligenciar nem a pregação da Palavra, nem o cuidado prático pelos membros que
ajudam a encorajar a unidade e cuidam dos nossos deveres de amar uns aos outros. Esses dois
aspectos da vida e ministério da igreja são importantes.24
William Hendriksen destaca o papel social que os diáconos tiveram no começo da igreja: “À luz de
Atos 6 ... os diáconos foram eleitos porque os presbíteros não tinham tempo e energia para tomar sobre
si o encargo dos pobres e necessitados, além da realização de sua outra obra”.25 Calvino via o
ministério diaconal dividido entres aqueles que administravam as ofertas da igreja e os que cuidavam
dos pobres (cf. Rm 12.8).26

Por fim, uma outra preocupação da diaconia deve ser a manutenção da unidade da igreja:

Se considerarmos a passagem [de Atos 6] de maneira abstrata, podemos indagar: ao cuidar dessas
viúvas, o que os diáconos estavam realmente fazendo? Estavam se empenhando por tornar mais
justa a distribuição de alimentos entre as viúvas. Isso é verdade, mas por que é importante? Porque
esta negligência física estava causando ruptura espiritual no corpo. É assim que começa a

22
HESS, K. “Servir, diácono, adoração”. In: COENEN, Lothar, BROWN, Colin. Dicionário internacional de teologia do
Novo Testamento. 2ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v. 2. p. 2345.
23
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova. p. 770; RYRIE, Charle C. Teologia Básica. São Paulo:
Mundo Cristão. p. 486.
24
DEVER, Mark. Op. cit.
25
HENDRIKSEN, William. 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito. São Paulo: Cultura Cristã, 2001. p. 165.
26
VIAL, Marc. John Calvin: an introduction to his theological thought. Genebra: Labor et Fides, 2009. p. 126.

36
passagem: “Ora, naqueles dias, multiplicando-se o número dos discípulos, houve murmuração dos
helenistas contra os hebreus, porque as viúvas deles estavam sendo esquecidas na distribuição
diária” (At 6.1). Um grupo de cristãos estava começando a reclamar do outro grupo. Parece que foi
isso que atraiu a atenção dos apóstolos. Eles não estavam apenas tentando corrigir o problema que
havia no ministério de benevolência da igreja. Estavam tentando impedir que a unidade da igreja
fosse rompida e prejudicada, de uma maneira especialmente perigosa – as linhas de separação
tradicionais e culturais. Os diáconos foram designados para acabar com a desunião da igreja.27

1 TIMÓTEO 3.11: O CENTRO DA DISCUSSÃO

Diante das observações acima, fica claro que a função dos diáconos é, especialmente, voltada para o
cuidado das necessidades físicas da igreja, distinguindo-se daquela dos presbíteros que focalizava o
cuidado doutrinário e a supervisão espiritual dos seus membros.28 Essa distinção é importante para a
discussão do diaconato feminino, pois, ainda que mulheres pudessem ser diaconisas, certamente, não
poderiam ser presbíteras ou bispas (cf. 1 Tm 2.9-15; 3.1-2). Como observou Thomas R. Schreiner:

Com respeito às mulheres diáconisas, não precisamos tomar uma firme decisão, pois, ainda que as
mulheres atuassem como diáconos, isto não refuta a nossa tese com respeito ao governo masculino
na igreja (1 Tm 3.1-7; Tt 1.5-9). Duas qualidades requeridas dos presbíteros – ser apto para ensinar
(1 Tm 3.2) e governo da igreja (1 Tm 3.5) – não são parte da responsabilidade dos diáconos (cf.
1Tm 5.17; Tt 1.9; At 20.17, 28ss.). A tarefa do diácono consistia, principalmente, em serviço
prático às necessidades da congregação.29

Susan Hunt, também, oferece o seguinte comentário:

Qualquer que seja o sentido apropriado de gynh, a aplicação mais abrangente é o envolvimento das
mulheres em ministérios de cuidado. Este texto destaca o conceito de que o nosso design de
ajudadoras nos equipa para ministérios de compaixão e desafia o ministério feminino no preparo de
mulheres para estarem “profundamente envolvidas no trabalho diaconal”.30

O texto central para o estudo do diaconato feminino se encontra em 1 Timóteo 3.11. É impossível
compreender este versículo, sem ler o contexto no qual ele se encontra:

8
Semelhantemente, quanto a diáconos, é necessário que sejam respeitáveis, de uma só palavra, não
inclinados a muito vinho, não cobiçosos de sórdida ganância, 9conservando o mistério da fé com a
10
consciência limpa. Também sejam estes primeiramente experimentados; e, se mostrarem
irrepreensíveis, exerçam o diaconato.
11
Da mesma sorte, quanto a mulheres, é necessário que sejam elas respeitáveis, não maldizentes,
temperantes e fiéis em tudo.

27
DEVER, Mark. Refletindo a glória de Deus na Igreja. São José dos Campos: Fiel, 2008. p. 25-26.
28
EARLE, Ralph. “1 and 2 Timothy”. In: GAEBELEIN, Frank E (ed.). The expositor’s Bible commentary. Grand Rapids,
MI: Zondervan, 1992. v. 11. p. 367.
29
SCHREINER, Thomas. “The ministries of women in the context of male leadership”. In: PIPER, John, GRUDEM,
Wayne. Recovering biblical manhood and womanhood: a response to evangelical feminism. Wheaton, IL: Crossway, 2006.
p. 220.
30
DUNCAN III, J. Ligon, HUNT, Susan. Women’s ministry in the local church. Wheaton, IL: Crossway, 2006. p. 84.

37
12 13
O diácono seja marido de uma só mulher e governe bem seus filhos e a própria casa. Pois os que
desempenharem bem o diaconato alcançam para si mesmos justa preeminência e muita intrepidez na
fé em Cristo Jesus.

A discussão do tema gira em torno do significado de “mulheres” no texto. Especialmente, porque o


termo grego usado, gynh, indicava “mulheres” num sentido amplo ou estritamente “esposas”. Sobre
quem o apóstolo Paulo estava falando? As interpretações comuns da palavra são:

a. Mulheres dos diáconos;


b. Diaconisas no mesmo nível que diáconos;
c. Ajudantes dos diáconos;
d. Mulheres em geral.

A última possibilidade vem sendo grandemente descartada, pois, parece claro que “Paulo não pode,
numa passagem que se ocupa de grupos especiais, estar inserindo uma referência às mulheres da
congregação em geral”.31

Muitos estudiosos têm defendido a primeira possibilidade, inclusive João Calvino, que afirma: “Ele
indica as esposas tanto dos diáconos quanto dos bispos, pois, elas deveriam auxiliar os seus maridos em
seu ofício; o que não pode acontecer sem que seu comportamento se distinga das outras [mulheres]”.32
Ralph Earle complementa: “Paulo fala acerca das qualificações dos diáconos nos vv. 8-10 e,
novamente, em 12, 13. Seria, natural, portanto, assumir que ele está tratando acerca de suas esposas no
v. 11”.33

A argumentação em favor do entendimento do termo como “esposas” segue os seguintes pontos:

 A qualificação “marido de uma só mulher” em 1 Timóteo 3.12, naturalmente, excluiria


mulheres.
 Desde que o sujeito nos versos 8-10 e 12-13 são os diáconos masculinos, seria estranho mudar
bruscamente para diáconos femininos como sujeito no meio da discussão, sem dar uma
indicação explícita de tal mudança por alguma frase como “as mulheres que servem como
diáconos, de mesma forma, devem ser respeitáveis...”.
 Um requerimento para as esposas dos diáconos seria apropriado neste contexto, desde que Paulo
vê a posição e conduta de família do homem como uma qualificação essencial para o ofício da
igreja (cf. 1 Tm 3.2, 4-5, 12).
 A palavra “de mesma forma” (|wsautos), no verso 11, pode ser um mandamento de Paulo para
que as esposas tenham as mesmas virtudes que os diáconos, sem necessariamente compartilhar
do mesmo ofício (cf. 1 Tm 5.25; Tt 2.2-3).

Esta é uma das possibilidades de entendimento do texto. Mas, não é a única. William Hendriksen
rebate:

“A sintaxe mostra claramente que essas mulheres não são as ‘esposas dos diáconos’...: ‘o bispo
deve ser .... Igualmente os diáconos [devem ser] ... Semelhantemente, as mulheres [devem ser]’.

31
KELLY, J.N.D. 1 e 2 Timóteo e Tito: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1983. p. 84.
32
CALVIN, John. Commentary on the First Epistle to Timothy. Albany: AGES, 1998. p. 69.
33
EARLE, Ralph. Op cit. p. 368.

38
Um e o mesmo verbo coordena os três: bispo, diáconos e mulheres. Daí essas mulheres são vistas
aqui como a prestar serviço especial na igreja, como fazem os presbíteros e os diáconos”.34

A sequência lógica e a sintaxe de 1 Timóteo 3 parecem favorecer a compreensão de que tais mulheres
do verso 11 não eram simplesmente “esposas” dos diáconos, mas diaconisas em algum sentido, tendo o
mesmo cargo ou sendo auxiliares no serviço diaconal. A favor desta perspectiva deve ser observado
que:

 Paulo introduz as mulheres no verso 11 da mesma forma como introduziu os diáconos homens
no verso 8, usando o advérbio |wsautws (“os diáconos do mesmo modo ... as mulheres do
mesmo modo”) e descreveu as qualidades requeridas de ambos, como fizera com os presbíteros
(cf. 1 Tm 3.2ss).35
 Se o apóstolo estivesse fazendo referência às esposas “dos diáconos”, ele, provavelmente,
deixaria isso claro, acrescentando um substantivo ou pronome no caso genitivo (possessivo)
como “as esposas deles” (autwn) ou “esposas dos diáconos” (diakonwn). Ao deixar a palavra
“mulheres” (gunaikas) sem nenhum modificador, há um apontamento para mulheres em geral
que participavam deste ministério.36
 As qualidades das mulheres do verso 11 parecem se assemelhar com aquelas descritas dos
diáconos em toda a seção (“dignas”, “não caluniadoras”, “sóbrias”, “confiáveis”).
 Caso Paulo fizesse referência aqui somente às esposas dos diáconos, por que ele não fez o
mesmo com as esposas dos bispos que ocupavam uma posição de liderança maior e o rigor,
portanto, deveria ser igual ou maior? A única explicação plausível é que ele via a possibilidade
de mulheres exercerem o diaconato, mas não o episcopado, por isso, as menciona dentro do
parágrafo sobre os diáconos. Neste caso, não seriam esposas, mas mulheres em geral que
ocupavam tal função.37

O artigo de Hermann H. Beyer no The theological dictionary of the New Testament reconhece que “não
há concordância se 1Timóteo 3.11 se refere às esposas dos diáconos ou às diaconisas”. Porém, “é
indisputável que uma ordem de diaconisas rapidamente surgiu na Igreja”.38

Quanto à posição que essas mulheres ocupavam no diaconato, Hendriksen parece ter razão ao observar:
“A explicação mais simples do modo como Paulo, sem haver ainda terminado a exposição dos
requisitos para o ofício de diácono, interpõe umas poucas observações sobre as mulheres, é que ele as
considera assistentes dos diáconos, socorrendo os pobres e necessitados ... Essas mulheres prestam um
serviço auxiliar, desenvolvendo ministérios para os quais as mulheres se acham melhor adaptadas.”39 A
própria ênfase no diaconato masculino na seção, iniciando e fechando o parágrafo, além de enfatizar a
qualidade de “marido de uma só mulher” nos sugere que estas mulheres, diaconisas, tinham um papel

34
HENDRIKSEN, William. Op. cit. p. 168.
35
UTLEY, R. J. D. (2000). Paul's Fourth Missionary Journey: I Timothy, Titus, II Timothy. Study Guide Commentary
Series . Marshall: Bible Lessons International. p. 47; SCHREINER, Thomas. “The ministries of women in the context of
male leadership”. In: PIPER, John, GRUDEM, Wayne. Op. cit. p. 214;
36
HOUSE, H. Wayne. “The Ministry of Women in the Apostolic and Postapostolic Periods”. In: Bibliotheca Sacra, v.145.
n. 580, October-December, 1988. p. 390; BROWN, R. E., FITZMYER, J. A., MURPHY, R. E. The Jerome Biblical
commentary. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1996. v. 2. p. 354.
37
CONSTABLE, Thomas. Notes on 1 Timothy. [s.l.]: 2007. Disponível em www.soniclight.com. Acessado em Julho de
2008. p. 42.
38
BEYER, Hermann H. “”. KITTEL, G., BROMILEY, G. W., FRIEDRICH , G ( Eds.). The theological
dictionary of the New Testament. (electronic ed.). Grand Rapids: Eerdmans. v. 2. p. 93.
39
HENDRIKSEN, William. Op. cit. p. 169.

39
de apoio e complemento no ministério diaconal, mas não eram os oficiais principais que lideravam o
grupo. R. J. Utley oferece um comentário que auxilia no esclarecimento da questão:

Diaconisas são mencionadas em Romanos 16.140 e, possivelmente, em Filipenses 4.3. As


qualificações para estas servas femininas são similares às dos líderes masculinos. Elas deveriam ser
auxiliares dos diáconos em situações onde um diácono homem seria inapropriado (cuidado com
mulheres doentes, auxiliando a preparar mulheres antes e depois do batismo, visitas regulares a
mulheres mais velhas, etc.). A partir dos escritos dos Pais da Igreja, sabemos que o ofício de
diaconisa desenvolveu-se bem rapidamente e foi usado por todos os séculos iniciais da história da
igreja ... diáconos são designados para serem servos e, portanto, mulheres teriam um papel
adequado.41

A leitura natural do texto, portanto, que segue o fluxo da argumentação de Paulo é concluir que as
“mulheres” às quais o texto se refere são as “diaconisas” que participavam e apoiavam o ministério
diaconal da igreja no século I.

UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA DO DIACONATO FEMININO42

O diaconato feminino como afirmado acima, não fora apenas uma realidade do primeiro século, mas
algo permanente durante os anos iniciais da igreja cristã que voltou a ser resgatado, mais à frente, no
século XIX.

Nos Períodos Patrístico e Medieval percebemos o seguinte esboço:

 Há um grupo distinto de viúvas que se dedicavam à intercessão e oração, que, às vezes, eram
listadas junto com os bispos, presbíteros e diáconos das igrejas, o que nos mostra a sua honra.43

 Ainda que a oração fosse o papel primário dessas viúvas, elas também se dedicavam às boas
obras, que consistia na prática da hospitalidade, em produzir roupas de lã para os que passavam
dificuldade, visitavam e oravam pelos doentes. O texto de Ordem da Igreja Apostólica (Egito,
século IV) evidencia isso: “Duas delas dedicam a si mesmas à oração por aqueles que passam
por dificuldade e estão prontas para revelação ... outra está preparada para servir, atendendo
aquelas mulheres que estão doentes”.

 O cristianismo oriental (Síria, Pérsia, etc.) que enfrentou maiores limitações de acesso social à
mulher, precisou criar um ministério diaconal feminino para a evangelização e cuidado delas. O
primeiro dever da diaconisa era auxiliar os bispos nos batismos de mulheres, ungindo o corpo
delas e se certificando de que sua nudez não viria a aparecer. Além disso, elas eram
responsáveis por ensinar essas mulheres recém-convertidas acerca do cristianismo, visitar
senhoras cristãs de lares pagãos, dar banho nas mulheres enfermas e ministrar àquelas que
estavam em necessidade.

40
Nota do autor: Há discussão se este texto é uma referência ao diaconato ou ao serviço em geral. Ver a discussão em
HOUSE, H. Wayne. Op. cit.. p. 388-390.
41
UTLEY, R. J. D. (2000). Op. cit. p. 47.
42
Adaptado de WEINRICH, William. “Women in the History of the Church: learned and holy, but not pastors”. In: PIPER,
John, GRUDEM, Wayne. Recovering biblical manhood and womanhood: a response to evangelical feminism. Wheaton, IL:
Crossway, 2006. p. 263-266.
43
Tradição Apostólica de Hipólito (c.a. 210 A.D.) e Didaskalia Apostolorum (Siria, 230).

40
 Um documento sírio, conhecido como Constituições Apostólicas, adiciona como
responsabilidade das diaconisas cuidar da seção feminina da igreja, impedindo que homens
entrassem, e serviam como mediadoras entre o clero e as mulheres da congregação. Elas, ainda,
levavam a comunhão às grávidas que não podiam sair de casa.

 A importância da diaconisa era perceptível por ser a mesma designada para este serviço, mas
não sabemos se chegava a ser ordenada como membro do clero. Em outras regiões em que a
separação dos sexos não era tão estrita, como no ocidente, ela possuía esse título de honra como
responsável por supervisionar um convento. Os conventos, geralmente, ficavam em locais
isolados, e a responsabilidade da diaconisa era administrar o convento, orientar as obras de
caridade, distribuir a comunhão entre às feiras e ler os livros bíblicos durante a adoração
comunitária.

 O ideal de vida de oração e caridade, desenvolvido pelas diaconisas da Igreja Oriental, acabou
por encontrar o seu fim por volta do século XII e só teve seu reavivamento dentro do
movimento protestante no século XIX. Tal movimento chegou a ser considerado “o maior
evento na vida das mulheres na Igreja desde a reforma” (Kathleen Bliss).

Período Moderno:

 O reavivamento do movimento diaconal se deu na Igreja Luterana da Alemanha, perto do ano


de 1830, no qual foi criado um modelo de diaconisas que prestavam assistência, lideradas pelo
pastor Theodore Fliedner. O seu foco era o cuidado dos pobres, órfãos, mulheres presas e os
doentes mentais. A partir deste movimento várias escolas e hospitais foram criados e o modelo
de Kaiserweth (local em que o trabalho se iniciou) se expandiu por todo o mundo.

 Um tipo de diaconia feminina surgiu no movimento anglicano em 1862, com um treinamento


mais teológico e pastoral. A inspiração deste movimento veio com Elizabeth Ferard que, com
outras seis mulheres, fundou o London Deaconess Institution. Diferente do movimento alemão,
as diaconisas anglicanas eram responsáveis diante dos bispos das dioceses em que trabalhavam
e seu envolvimento era paroquial e escolar.

CONCLUSÃO

Depois de uma análise exegética do texto de 1 Timóteo 3 e um esboço do panorama do envolvimento


feminino com a diaconia da igreja na história, é importante ressaltar o importante papel de mulheres
que se envolvem com o serviço social e cuidado da igreja bem como no auxílio do ministério pastoral
por meio da orientação de mulheres mais novas na fé. A diaconia feminina terá sempre uma ênfase no
aspecto social e cuidado material da comunidade, contribuindo com os dons concedidos por Deus, a
fim de gerar unidade na edificação do Corpo de Cristo local.

41
HOMEM E MULHER NA SOCIEDADE:
UMA REFLEXÃO SOBRE SEUS PAPÉIS
INTRODUÇÃO

Quando refletimos sobre o papel de homem e mulher dentro da estrutura maior da sociedade em que
vivemos, precisamos reconhecer que não temos mandamentos claros sobre os tipos de funções que
ambos devem ou não ocupar dentre as milhares de funções e profissões com sua infinidade de
estruturas administrativas existentes. Como Grudem e Piper afirmaram: “Enquanto nós nos movemos
para fora da igreja e do lar e seguimos adiante, nós saímos daquilo que é totalmente claro e explícito
para o que é ambíguo e inferencial. Assim, nossa ênfase se distancia cada vez mais dos papéis
específicos recomendados (como as indicações feitas nas Escrituras) e focalizamos sobre a realização
da personalidade feminina e masculina através de dimensões mais subjetivas de relacionamento como
comportamento, conduta, atitudes, cortesia, iniciativa e numerosas expectativas pronunciadas ou
não”.44

Porém, a falta de diretrizes específicas não nos isenta de perceber os princípios que regem os
relacionamentos humanos e requerem aplicação adequada sobre os papéis de homem e mulher numa
sociedade.

Se os nossos papéis estão enraizados no modo como Deus nos criou como homem e mulher, então,
estas diferenças moldam a maneira como nós vivemos em todo o lugar e em todo o tempo. [...]
masculinidade e feminilidade não são meras construções sociais. Elas estão enraizadas no plano de
Deus para a criação e têm como alvo moldar a cultura, não simplesmente serem moldadas por ela.45

Como observou Stephen Clark, esta percepção nos leva a uma pergunta fundamental: De que forma os
cristãos devem aplicar os princípios bíblicos sobre masculinidade e feminilidade em ambientes cujo
modus operandi é completamente distinto daquele encontrado nas Escrituras?46 O presente capítulo tem
como alvo lidar com esta questão importante acerca das funções do homem e da mulher cristãos na
sociedade pós-industrial e secularizada como a nossa. Para isso, estudaremos o processo de
transformação da sociedade ocidental, primeiramente, com a chamada revolução social e, depois, com
o movimento feminista que veio em decorrência da mudança anterior.

A SOCIEDADE TECNOLÓGICA: O NOVO AMBIENTE SOCIAL47

No século XVIII uma mudança significativa ocorreu na civilização européia, começando na Inglaterra,
na década de 1780, e que modelou a forma dos próprios homens encararem a vida. A revolução
industrial não foi apenas uma transformação tecnológica, ela também foi uma revolução social. Tal
contorno marcou a transição entre aquilo que sociólogos e historiadores chamam de sociedade

44
PIPER, John, GRUDEM, Wayne. “An overview of central concerns”. In: __________________. Recovering biblical
manhood and womanhood: a response to evangelical feminism. Wheaton, IL: Crossway, 2006. p. 80. (Versão eletrônica).
45
PIPER, John. “Why a woman shouldn’t run for Vice President, but wise people may still vote for her”. Artigo disponível
em www.desiringgod.org. Acessado em 16 de Junho de 2011.
46
CLARK, Stephen B. “Gudelines for a modern Christian approach to men’s and women’s roles”. In: _____________. Man
and woman in Christ. Capítulo disponível em http://www.cbmw.org/Online-Books/Man-and-Woman-in-Christ/Guidelines-
for-a-Modern-Christian-Approach-to-Men-s-and-Women-s-Roles. Acessado em 16 de Junho de 2011.
47
Grande parte desta seção foi adaptada de CLARK, Stephen B. “The new social enviroment : technological society”. In:
______________. Op cit. Disponível em http://www.cbmw.org/Online-Books/Man-and-Woman-in-Christ/The-New-Social-
Environment-Technological-Society. Acessado em 16 de Junho de 2011.

42
tradicional e sociedade tecnológica. As mudanças significativas podem ser observadas na forma das
instituições políticas, sistemas econômicos, estratificação social e vida familiar.

De forma geral, os agrupamentos sociais podem ser divididos nos três principais tipos: (1) sociedade
primitiva (os agrupamentos pré-históricos); (2) a sociedade tradicional (a sociedade típica do período
do Novo Testamento e que predominou até o século XVIII na Europa Ocidental); (3) e a sociedade
tecnológica. A percepção das distinções entre a sociedade tecnológica e a tradicional é importante
porque marcam a diferença entre o mundo do Novo Testamento e aquele em que nós vivemos.

“A sociedade do judaísmo palestino no século primeiro difere em muitos aspectos da sociedade do


império romano deste mesmo período e da sociedade européia ocidental do século XIV, e todas elas
são, também, diferentes da sociedade chinesa do século XVIII”.48 Quando falamos de sociedade
tradicional, portanto, estamos nos referindo a um amplo espectro de comunidades em várias épocas que
possuem elevado grau de diversidade, mas ao mesmo tempo, manifestam características em comum.
Da mesma forma, seria um erro olharmos para o mundo moderno como uma coleção de sociedades
tecnológicas, desde que há uma existência contemporânea dos três tipos de sociedades, porém, com um
predomínio claro do ambiente pós-industrial. Até mesmo aquelas comunidades que são consideradas
primitivas ou tradicionais, estão sendo lançadas no processo do avanço tecnológico global e da
conseqüente mudança social. Como exemplo, é possível passar por uma tenda de beduínos no deserto e
encontrar uma antena parabólica estendida sobre o teto destas tendas.

Quando a sociedade humana se move da sociedade tradicional para a tecnológica, um princípio básico
muda na organização de sua estrutura. A organização se move de um padrão no qual o relacionamento
é a consideração mais fundamental para outra em que a realização funcional ocupa este espaço. Uma
transformação completa ocorre e remodela toda a vida humana. A vida familiar deixa de ser
consaguínea e passa a ser conjugal. O governo não é mais pessoal, mas sim, burocrático. A unidade
fundamental deixa de ser a família e passa a ser o indivíduo. A eficiência substitui a posição e a honra.
A tradição como fonte de autoridade abre espaço para o racionalismo utilitarista. Ainda que tais fatores
ocorram de modo independente um do outro, há uma mútua interação. Desta forma, é útil estudar a
diferença entre a as duas sociedades, analisando o princípio relacional e funcional de cada estrutura.

Quando um grupo de seres humanos está altamente interessado em completar uma tarefa, eles tendem a
organizar as suas atividades e interrelações conforme o princípio funcional. As suas interações são
moldadas de forma a alcançar uma maximização da produção e atingir outros objetivos. Esta
abordagem funcional é comum numa situação em que o trabalho ocorre em diferente local e hora
daqueles em que a pessoa “vive”. O escritório ou a fábrica são separados do lar. Assim, os
trabalhadores vão ao local de trabalho por uma quantidade de horas, realizar certas tarefas. O principal
critério que organiza essa atividade no sistema funcional é a eficiência no cumprimento de tarefas.
Portanto, o princípio funcional é orientado primariamente para a produção, empreendimento e
performance.

A alternativa ao princípio funcional de estrutura é o princípio relacional. Este tem sido o princípio
predominante moldando a organização da maior parte das culturas por toda a história humana. O
principal remanescente deste tipo de agrupamento relacional na sociedade tecnológica é a família, mas
pode ser achado também nas vizinhanças, comunidades religiosas e outras comunidades do tipo. As
pessoas se unem em seus relacionamentos a fim de viverem juntas e não pela realização de uma tarefa
ou produção de um produto. Por exemplo, a família frequentemente demonstra muita devoção para um

48
Id. Ibid.

43
membro dela, ainda que o mesmo seja inválido ou de alguma forma incapaz de oferecer uma
contribuição funcional para ela. Se questionados acerca de tal lealdade, responderão: “ele é meu pai”,
ou “ela é minha filha” ou “ele é meu irmão”. Suas respostas consistem de uma simples afirmação do
tipo de relacionamento pessoal que há entre eles. Questões como a contribuição funcional ou eficiência
nas tarefas, não são primárias na determinação da estrutura e vida deste grupo.

Na verdade, outro critério que não a efetividade é usado em sociedades relacionais, isto é, o “valor do
relacionamento” em lugar da “eficiência na tarefa”. O objetivo primário é fortalecer os relacionamentos
e as pessoas que fazem parte deles. As considerações sobre tarefas não são ignoradas, mas ocupam um
papel secundário diante da solidariedade nas relações pessoais e bem estar dos indivíduos dos
agrupamentos.

Há algumas outras importantes diferenças entre grupos estruturados conforme princípios funcionais ou
relacionais. Primeiro, grupos funcionais tendem a ser caracterizados por certo tipo de impersonalidade
quando contrastados com os relacionais. Situações funcionais são estruturadas de um modo que as faz
serem independentes das pessoas. Isto, geralmente, como elemento institucional ou burocrático do
grupo. Uma organização (fábrica, empresa, governo) que é criada é apoiada e suportada por pessoas,
mas tais pessoas são substituíveis. Elas assumem a posição segundo a competência que possuem para o
trabalho. Os cargos têm um conjunto de responsabilidades e funções definidas de acordo com certas
regras da estrutura administrativa. Todas as pessoas da organização poderiam morrer simultaneamente
e seriam substituídos por pessoas de conhecimento e habilidades semelhantes e, se os documentos
necessários forem deixados, a organização pode continuar no futuro da mesma forma que caminhou no
passado. Ela é, portanto, independente das pessoas que trabalham e vivem dentro dela.

Um grupo relacional opera de acordo com princípios diferentes. O trabalho e a vida dependem em
grande medida das pessoas em particular que estão dentro do grupo. O pai da família não é substituível.
Se ele morre, outro homem pode casar com a viúva e cuidar de seus filhos, mas dificilmente, ele será
considerado mais do que “como um pai” para os filhos. A loja de uma família será repassada para um
filho, ainda que o mesmo não seja tão competente, antes que para alguém que passou num teste. É o
relacionamento pessoal que conta, não a habilidade em si.

O agrupamento funcional é impessoal na medida em que se preocupa com as pessoas apenas pelo que
elas contribuem para a realização de uma tarefa. Cada indivíduo trabalha conforme a descrição da sua
tarefa e de procedimentos e as características do indivíduo são irrelevantes, a não ser que estas
características fortaleçam ou enfraqueçam a performance de seu trabalho. A vida familiar, os interesses
pessoais e os sentimentos não encontram espaço num ambiente direcionado para o trabalho. A
tendência, então, é separar a vida pública da privada. A vida privada ocorre fora do ambiente impessoal
de trabalho.

Já, por outro lado, a estrutura social sobre um princípio relacional, leva à integração da consideração
pela pessoa e à consideração pela tarefa, com as considerações pessoais predominando. O filho pode
ser mais competente que o pai na gerência do negócio da família, porém, ele mesmo não ser tornará o
chefe do pai. A natureza das suas relações pessoais precede as considerações estritas de competência
numa tarefa. Não há nada como a vida privada. A vida de um membro do grupo é de preocupação de
todos os outros.

44
Outra diferença importante entre grupos funcionais e relacionais é que as sociedades funcionais
movem-se para a especialização e padronização, enquanto a vida nos grupos relacionais é mais
holística e variada. As tarefas e papéis que um indivíduo desempenha num agrupamento funcional
geralmente serão altamente especializados, pois há a tendência de se particularizar mais e mais dentro
de cada atividade. A forma extrema de especialização industrial é vista nas linhas de produção, em que
cada trabalhador realiza um tipo de operação. As especialidades dentro do governo levam à criação de
uma multidão de departamentos destinados a cuidar de áreas cada vez mais específicas. Ao mesmo
tempo, existe uma inclinação para a padronização, fazendo tudo uniformemente. Os mesmos trabalhos
são desenvolvidos por pessoas com qualificações correspondentes a eles e os mesmos métodos são
usados. Até as ferramentas e equipamentos são idênticos. Consequentemente, os indivíduos são vistos
conforme as habilidades que eles possuem. Assim, o interesse principal de um grupo funcional pelo ser
humano são suas capacidades e sua competência para realizar uma determinada tarefa efetivamente.

Já nas sociedades relacionais, um homem pode ser pai, fazendeiro, guerreiro e juiz. Um governador
desenvolve todas as funções de governo, ainda que tenha subordinados cuidando de áreas menores de
seu reino. O princípio relacional permite uma variedade maior de agrupamento para agrupamento. Por
exemplo, na Idade Média havia um grande nível de variações locais em termos de ferramentas,
equipamentos, trabalhos e metodologia. Nesse tipo de sociedade, pessoas não são vistas como
indivíduos ou portadores de certas habilidades, mas vistos como membros de um grupo particular. Um
homem não é visto como João o advogado ou o engenheiro, mas como Jesus filho de José, da vila de
Nazaré.

A última distinção: os dois tipos de sociedade diferem um do outro no modo como encaram as
mudanças. Grupos funcionais costumam priorizar a inovação e flexibilidade, ao passo que grupos
relacionais priorizam a estabilidade. Se algo pode ser feito melhor, a dinâmica funcional caminha na
direção da mudança para que aquilo seja melhor realizado, pelo menos se o custo não for tão alto. Este
princípio encontra expressão proeminente na moderna sociedade tecnológica que expõe seus membros
a uma constante experiência de mudança. Em contrapartida, o princípio relacional caminha para a
constância. Relacionamentos familiares são considerados permanentes. Ninguém pode se divorciar de
seus filhos e o divórcio dentro do casamento é um desastre, não o ideal. As sociedades relacionais
valorizam a consistência nos relacionamentos pessoais. Quando membros de família ou amigos
próximos alteram constantemente seus valores ou seus padrões de reação, o grupo social se enfraquece.

Por fim, não se pode delinear um contraste tão claro e forte entre os dois tipos de sociedades. Os
princípios relacionais e funcionais são “tipos puros”, jamais incorporados completamente em um
grupo. Famílias e amigos podem empregar princípios funcionais, assim como empresas adotam certas
características relacionais. Cada princípio possui sua lógica própria e produz efeitos distintos quando
aplicados a uma estrutura social particular. A compreensão da diferença entre ambas nos ajudará a
entender melhor a natureza da sociedade moderna e seus efeitos sobre o relacionamento homem-
mulher.

A SOCIEDADE TECNOLÓGICA E O NOVO MODELO FAMILIAR

O advento da Revolução Francesa, em 1789, trouxe uma reconfiguração da sociedade, que deixou de
ser formada por grupos relacionais como unidade básica da sociedade e passou a ser composta por uma
massa de indivíduos agregados. Historicamente, este processo foi determinado pelo conceito do estado
absoluto e dos direitos do homem (i.e. do indivíduo). Jacques Ellul, um destacado sociólogo e teólogo
francês, descreve bem esta mudança:

45
A própria estrutura da sociedade fundamentada em grupos naturais era um obstáculo [para o
desenvolvimento da sociedade tecnológica]. As famílias estavam intimamente organizadas. As
associações e os grupos formados por interesses coletivos (por exemplo, a universidade, o
parlamento, as confrarias e os hospitais) eram distintos e independentes. O indivíduo encontrava o
sustento, patronado, segurança e as satisfações morais e intelectuais em agrupamentos que eram
fortes o suficiente para corresponder às suas necessidades, mas limitadas o suficiente para não
deixá-lo se sentir submerso ou perdido ... Estes obstáculos desapareceram no tempo da Revolução
Francesa, em 1789 ... uma campanha sistemática foi promovida contra todo tipo de grupos naturais,
sob a guisa da defesa dos direitos pessoais do indivíduo ... Havia movimentos contra as ordens
religiosas e contra os privilégios do Parlamento, das universidades e dos hospitais. Não deveria
haver qualquer liberdade de grupos, apenas de indivíduos. Da mesma forma, existiam esforços para
enfraquecer a família, pois a legislação revolucionária promoveu sua desintegração. Ela havia sido
abalada pela filosofia e os entusiasmos do século XVIII. As leis revolucionárias governando sobre o
divórcio, herança e a autoridade paternal foram desastrosas para a unidade familiar e seu efeitos
foram permanentes, a despeito dos recuos temporários. A sociedade já estava atomizada e seria
ainda mais. O indivíduo permaneceu a única unidade sociológica ... apenas o estado sobrou [como
agrupamento de indivíduos].49

Duas maiores mudanças sobrevieram à família na sociedade tecnológica. A primeira mudança


envolveu o gradual enfraquecimento dos laços de parentesco e o tipo de grupos de apoio de vizinhança.
Na sociedade tradicional, a família consiste mais do que a unidade nuclear de marido, esposa e filhos;
ela abarca um numeroso grupo de pessoas e inclui várias unidades conjugais ligadas por alguma
estrutura baseada na descendência comum. Este conjunto amplo de relacionamentos familiares existe
independente se o grupo vive no mesmo prédio. A família maior tinha várias funções importantes. Por
exemplo, ela proveria ajuda a uma unidade familiar em momentos de necessidade especial e, muitas
vezes, funcionaria como unidade de operação econômica. Os membros dela compartilhavam da
prosperidade uns dos outros, garantindo, assim, segurança e bem-estar social.

Tal mudança afetou o relacionamento entre a unidade conjugal e a rede de parentes e vizinhos de vila.
Os laços de parentesco começaram a se enfraquecer e a comunidade familiar se tornou menor. Houve
uma gradual transferência das funções do relacionamento consanguíneo para as instituições sociais
maiores com mais recursos à sua disposição. O agrupamento conjugal de marido, esposa e filhos
assumiu uma nova existência independente e se tornou a maior e exclusiva unidade familiar.

A segunda grande transformação se deu na perda das funções familiares, transferidas para as
instituições de massa. A vida econômica acontece dentro de instituições econômicas distintas
(comércio, fábricas e escritórios), separada do lar das pessoas. Hospitais, clínicas e médicos cuidam dos
doentes e a grande maioria das pessoas nasce e morre em instituições médicas, fora de sua casa. Idosos
enfermos são cuidados por asilos ou casas de repouso especializadas, não mais vivendo no ambiente
familiar com seus parentes mais jovens e recebendo suporte material e emocional deles. Crianças e
adolescentes não mais recebem sua educação básica e técnica de seus pais, irmãos mais velhos, avós,
etc. A educação é confiada às escolas e dentro de tal ambiente as crianças recebem sua formação.

A família manteve apenas a função de reproduzir e treinar a criança em sua fase inicial, além de
conferir suporte pessoal e emocional mútuo. Como a sociedade atribui mais e mais responsabilidades
aos grupos especializados para propósitos específicos e a vida de um indivíduo se torna repartida pelos

49
ELLUL, Jacques. Technological Society. New York: Knopf, 1973. p. 50-51.

46
diferentes grupos e instituições, a família tecnológica perde muitas de suas funções que possuía na
sociedade tradicional.

Consequências para a Família Moderna

O Relacionamento Pais e Filhos. Uma das consequências que a sociedade tecnológica trouxe para a
família foi o enfraquecimento do relacionamento entre pais e filhos. Como as funções familiares são
atenuadas e o suporte emocional torna-se a base para o relacionamento familiar, o laço entre pais e
filhos fica mais frágil. Norman Ryder observa:

Os vínculos entre pais e filhos, diferentes daqueles entre marido e esposa, são forjados durante um
longo e íntimo processo de interação, necessários para a socialização de uma criança. A despeito
deste fundamento sólido, é incerto que estes vínculos sobreviverão na transição da infância para a
idade adulta, porque seus suportes estruturais, característicos da sociedade tradicional, têm
grandemente desaparecido. No passado, os pais controlavam o acesso à terra e proviam a maior
parte do treinamento para o futuro trabalho da criança, mas agora a terra já não é mais a base
principal de produção e o treinamento técnico é obtido fora da família. A mudança de controle das
recompensas e punições da família para a sociedade enfraqueceu a autoridade tradicional dos pais
sobre a criança. Honra, respeito e gratidão têm sido diluídos pela intromissão na estrutura da família
de ideologias externas como os direitos e liberdade do indivíduo.

Portanto, os pais na sociedade tecnológica se tornam menos importantes para os seus filhos em todas as
áreas, exceto na ligação emocional. O rompimento dos suportes estruturais coloca excessiva pressão
sobre os laços emocionais, e em muitos casos o laço é muito instável para agüentar a pressão. A
autoridade do pai na família se torna questionada e as relações entre pais e filhos se tornam frágeis e
instáveis.

O Papel do Homem. O papel familiar do homem é reduzido em seu escopo e muitos dos incentivos
tradicionais para assumir sua função são eliminados. Isso ocorre, primeiramente, pela separação entre o
local de trabalho e seu lar, desde que ele gasta grande proporção de seu tempo fora de casa e em
atividades que excluem os outros membros da família (como os filhos jovens), sendo mais difícil para
ele exercer uma autoridade consistente sobre o lar e criar os filhos. Além disso, as demandas de um
ambiente de trabalho funcionalizado levam muitos homens a usarem seu tempo fora do trabalho como
um período de escape emocional do que como uma oportunidade para cumprir suas demandas como
marido e pai. O papel masculino tradicional na família parece ser uma difícil tarefa doméstica extra, já
que não está mais integrada ao dia-a-dia de produção da vida de um homem.

O Papel da Mulher. As mudanças na vida familiar que ocorrem na sociedade tecnológica enfraquecem
seriamente o papel da mulher na família. A mulher de hoje que assume as funções tradicionais de
esposa, mãe e administradora doméstica se torna crescentemente isolada e dependente. A diminuição
dos laços familiares mais amplos não mais a coloca no meio de um vivo e atrativo conjunto de
relacionamentos pessoais. Ela assim se torna isolada da vida econômica, política e social e cresce em
dependência emocional e financeira de seu marido. O seu papel tradicional lhe parece retraído e
insignificante, sendo motivada a assumir papéis fora de casa. “O sistema de educação ... equipa a
jovem mulher com capacidades e interesses nos papéis separados da família. Se suas aspirações são
frustradas, ela experimenta o descontentamento. Se as aspirações são concretizadas, ela experimenta a
culpa”.

47
O papel tradicional da mulher, também, é atenuado pelas tendências que separam a mulher de sua
unidade familiar. As mulheres na sociedade tradicional estavam sempre ligadas aos homens e à vida
familiar, já que seu papel era primeiramente interno na vida doméstica. Todavia, as mudanças na
sociedade tecnológica têm alterado essa condição. Mais e mais mulheres estão separadas dos homens e
das famílias, e nem sempre por sua própria escolha. Em muitos setores da sociedade ocidental é
presumido que as mulheres, como os homens, se tornarão independentes da família conjugal paterna.
Às vezes, várias delas passam boa parte de sua vida adulta sozinhas, devido à morte do marido,
divórcio ou por nunca terem se casado. Na sociedade tradicional, mulheres viúvas e solteiras se
tornavam automaticamente parte de um grupo familiar. No contexto tecnológico, ser solteira ou viúva
significa muitas vezes viver por si mesma. Em tais circunstâncias é praticamente impossível para uma
mulher cumprir o papel tradicional feminino.

A função da mulher como tradicionalmente definida é assim enfraquecida pelas mudanças na vida
familiar que ocorrem na sociedade tecnológica. O papel da mulher dentro da família começa a perder
muito da sua substância. Como o mundo de trabalho parece ser a única opção, muitas mulheres entram
nele. As crianças são entregues às várias instituições e substitutos, como creches, escolinhas e
programas de televisão. Os relacionamentos entre homens e mulheres ocorrem principalmente em
ambientes estritamente funcionais, ou em grupos espontâneos e informais de amigos. As forças da
sociedade tecnológica militam contra agrupamentos estruturados de acordo com o princípio relacional.

REFLETINDO SOBRE OS PAPÉIS DE HOMEM E MULHER NA SOCIEDADE ATUAL

Quando estudamos o modelo de papéis para homens e mulheres estabelecido por Deus nas Escrituras e
o confrontamos com o modelo de pensamento em nossa sociedade tecnológica, logo surge uma
questão: Como os cristãos devem aplicar os princípios bíblicos no relacionamento com uma cultura que
opera sob uma ideologia diferente? Tentaremos responder a ela a partir de algumas diretrizes abaixo,
mas sabendo que as mesmas estão sujeitas à reflexão crítica a partir das Escrituras.

Os cristãos devem aplicar o ensino das Escrituras sobre os papéis de homem e mulher em situações
cristãs fora da comunidade eclesial, na medida em que tais aplicações sejam úteis e práticas.

A maior parte dos cristãos se encontra em contextos que incluem outros cristãos, mas que não são
comunidades cristãs. Isso se aplica a famílias cristãs que estão inseridas dentro de uma comunidade que
não é cristã ou a relacionamentos empresariais e de trabalho social entre cristãos. O ensino bíblico
deveria ser aplicado rigidamente nestas situações ou descartado como irrelevante devido à nova
circunstância social? Como um cristão deveria se relacionar com outros irmãos nestes contextos que se
recusam a aceitar o ensino bíblico?

Três princípios são úteis aqui. Primeiro, os cristãos devem reconhecer o grande valor e a importância
de uma completa abordagem cristã aos papéis de homem e mulher. Esta abordagem está fundamentada
em verdades acerca da natureza humana e dos relacionamentos humanos e elas são perenes, mesmo
quando a sociedade ao nosso redor as ignora ou se esquece delas. Quanto mais uma abordagem cristã
for preservada, melhor será. Além disso, o ensino não é simplesmente uma questão de sabedoria
humana, mas também um padrão derivado da Escritura e da tradição cristã. Isso é uma questão de
obediência ao Senhor e quanto maior for nossa fidelidade, mais desejaremos moldar a nossa vida diária
conforme o ensino de Deus.

48
O segundo princípio pode ser emprestado da declaração de Jesus sobre o sábado, em Marcos 2.27: “os
papéis de homem e mulher foram feitos para as pessoas e não as pessoas para os papéis de homem e
mulher”. Cristãos devem buscar fidelidade ao Senhor, mas tal fidelidade deve produzir vida e não
trancá-los numa forma rígida e ineficiente. O modelo cristão de funções masculinas e femininas é um
ideal de vida que deve ser implementado tanto quanto possível, mas não é lei para todos os contextos
de vida, exceto para aqueles em que a Escritura menciona claramente, isto é, a família e a igreja.
Devemos aplicar esse modelo de forma construtiva e sensível, sabendo que determinadas
circunstâncias podem torná-lo impraticáveis ou ineficientes.

Terceiro, quanto mais a situação é formada por relacionamentos pessoais antes que por
relacionamentos funcionais, mais o ensino bíblico deve ser aplicado. Um juízo saudável é
especialmente necessário na aplicação dos papéis bíblicos em ambientes funcionais cujos trabalhadores
são cristãos e organizados para propósitos cristãos. Com freqüência, cristãos iniciam algum tipo de
negócio moderno com finalidades cristãs, ou hospitais ou algum tipo de serviço social que opera sobre
uma base cristã, mas conforme os padrões e procedimentos profissionais atuais. Aqui há a necessidade
de avaliar tanto a competência funcional como a possibilidade de desenvolver um relacionamento entre
os trabalhadores que opere de acordo com os papéis bíblicos. Algumas posições gerenciais talvez se
assemelhem ao papel de um presbítero e poderiam ser confiadas a homens por razões pastorais além do
critério da competência funcional. Outras se assemelhariam à função de uma diaconisa e poderiam da
mesma forma ser confiada a mulheres. Uma organização cristã funcional pode não aplicar todo o
ensino bíblico sobre papéis de homem e mulher, mas vários elementos deste ensino poderão ser usados
com grande sucesso.

Em ambientes não cristãos, os cristãos devem aceitar os costumes e ordens predominantes até o ponto
em que não firam de forma direta as Escrituras e não são obrigados a pressionar para que os papéis
de homens e mulheres sejam aceitos.

O ideal escriturístico da distinção de funções masculinas e femininas leva em conta as realidades


básicas humanas e, portanto, isso é aplicável a todas as pessoas, não somente aos cristãos. Todavia,
para o seu próprio prejuízo, a sociedade moderna secular tende a rejeitar este ideal divino. A fim de
responder adequadamente a esta situação, os cristãos devem compreender que são um grupo de
estrangeiros residentes na sociedade moderna. Consequentemente, os discípulos de Cristo não estão em
posição de obrigar as pessoas à sua volta a aceitarem o ensino bíblico sobre masculinidade e
feminilidade, ainda que ele represente a melhor abordagem antropológica disponível.

Os cristãos primitivos se submeteram aos princípios do governo romano de sua época até o ponto em
que eles não feriam os mandamentos divinos. Do mesmo modo, os cristãos da sociedade tecnológica
podem aceitar certos princípios governantes, ainda que estes estejam aquém do ideal. Isso se aplica
especialmente a agrupamentos funcionais não-cristãos. Por exemplo, um crente deveria se sentir livre
para participar de um comitê secular, conforme as regras dele, sem exigir que um homem o presida.

Há duas principais razões para esta relativa flexibilidade com agrupamentos funcionais não-cristãos.
Primeiro, há questões de importância maior que podem estar em jogo. Por exemplo, um comitê
governamental pode enfrentar uma situação na qual o mandamento do amor está sendo violado e
manobras de poder político são usadas a fim de desviar dinheiro público. Com questões tão importantes
como esta, os cristãos não deveriam brigar para que um homem lidere o comitê quando mandamentos
maiores estão sendo violados. Em segundo lugar, o Novo Testamento não é tão claro até que ponto os
papéis de homem e mulher precisam ser aplicados a ambientes funcionais. O seu ensino se relaciona

49
especialmente a ambientes comunais e pessoais, como igreja e família. Portanto, é necessário entender
que a sociedade moderna é diferente de uma comunidade cristã.

Dois princípios gerais podem guiar cristãos na tentativa de aplicar o ensino bíblico em uma moderna
sociedade não-cristã. Primeiro, os cristãos devem se submeter aos papéis de homens e mulheres em
contextos não-cristãos até o ponto eles não sejam levados a quebrar os mandamentos divinos,
entendendo que tal modelo não é o ideal. Os cristãos poderiam se submeter a um currículo escolar em
que as funções de homem e mulher não são claramente distinguidos, mas jamais aceitariam a defesa da
imoralidade sexual ou de um prática em que homens se vestissem como mulheres e mulheres como
homens.

Em segundo lugar, os cristãos não são obrigados a pressionar a adoção por parte de sociedade de uma
visão cristã dos papéis de homens e mulheres. Isso não significa que eles deveriam evitar falar sobre as
funções adequadas para cada sexo em momentos apropriados ou que deveriam evitar a tentativa de
desenvolver uma abordagem cristã para as políticas públicas no que se refere à distinção de papéis.
Apenas significa que os cristãos não têm o dever de propagar uma visão particular por causa do seu
compromisso com Cristo. O evangelho é prioritário e ele vai além e está acima da restauração dos
papéis de homem e mulher, pois tem a ver, antes de tudo, com a salvação e restauração do
relacionamento da humanidade com Deus. Portanto, é mais sábio manter o foco em Cristo e,
consequentemente, compartilharmos da vida plena que o evangelho traz afetando inclusive a relação
homem-mulher.

Toda tentativa de aplicar o ensino bíblico sobre os papéis de homem e mulher, dentro ou fora da
comunidade cristã, deveria levar em conta aspectos culturais.

Os cristãos deveriam buscar extrair suas expressões culturais nas diferenciações do relacionamento
entre homem e mulher a partir da sociedade que as cerca. Isso significa que a comunidade de Cristo
deveria usar os costumes culturais em áreas como roupas, estilos de cabelo e expressões de respeito que
manifestem a distinção de papéis e a moral cristã, sem que necessariamente sejam fora de moda e
inapropriadas. Pense em áreas como cumprimentos, saia ou calça jeans, cabelo grande ou curto, etc.

Uma segunda área em que a adaptação cultural é possível está em elementos secundários da estrutura
social. Por exemplo, a divisão habitual de trabalho entre homem e mulher difere de região para região.
Algumas tarefas designadas a homens num determinado local podem ser realizadas por mulheres em
outros lugares. O mesmo se aplica a abordagens de namoro, casamento e sistemas de clã que variam de
cultura para cultura. Ainda que a adaptação em tais questões sociais não seja aceitável se passar de um
determinado ponto, há uma considerável latitude dentro da qual os papéis cristãos podem operar.

50

Você também pode gostar