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Para uma leitura e compreensão de “Os Maias”

1. O título
“Os Maias eram uma família antiga da Beira, sempre pouco numerosa, sem
linhas colaterais, sem parentelas – e agora reduzida a dois varões, o senhor da
casa, Afonso da Maia , um velho já, quase um antepassado, mais idosos do
que o século, e o seu neto Carlos que estudava medicina em Coimbra” (p.6)
Conta a história da família, através de três gerações, correspondentes a
momentos histórico-politico e culturais diferentes:
Afonso+ Maria Eduarda Runa – revoluções liberais/Romantismo;
Pedro+Maria Monforte – regeneração /Romantismo;
Carlos+Maria Eduarda – Regeneração/Ultrarromantismo.

A família de Os Maias:

Sebastião da “..viera também a herança de um último parente, Sebastião da Maia, que desde 1830
Maia viva em Nápoles, só, ocupando-se de numismática …(p.7)
“era um português antigo e fiel que se benzia ao nome de Robespierre, e
que, na sua apatia de fidalgo beato e doente, tinha só um sentimento vivo - o
Caetano horror, o ódio ao Jacobino, a quem atribuía todos os males, (…) Para extirpar
da Maia da nação o Jacobino, dera ele o seu amor ao Sr. infante D. Miguel, Messias
forte e Restaurador providencial...”(p.13)
Afonso da “jacobino”, apedrejara “as vidraças apagadas do senhor legado da Áustria”, “
Maia um Marat”, parte para Inglaterra, indignava-se perante “essa Lisboa
miguelista”, “desordenada como uma Tunes barbaresca”, perante “essa
plebe beata, surda e feroz…”; teve de partir para o exílio, em Inglaterra.
Pedro da Educado pelo P.e Vasquez que ensinara “as declinações latinas, “ sobretudo
a cartilha; “ficara pequenino e nervoso como Maria Eduarda Runa, tendo
Maia pouco da raça, da força dos Maias”. Era em tudo um fraco; dias e dias,
andava “mudo, murcho, amarelo”. Casa precipitadamente com Maria
Monforte a qual, apaixonando-se por Tancredo, foge do lar e, na fuga, leva
consigo a filha Maria Eduarda. Pedro suicida-se e é o suicídio que provoca a
partida de Afonso para Santa Olávia.
Pedro é, assim, a personagem central duma INTRIGA SECUNDÁRIA.
Carlos Irmão de Maria Eduarda, recebe o nome por influência da leitura de uma
novela “de que era heroi o último Stuart, o romanesco príncipe Carlos
da Maia Eduardo” (p.38). era da raça dos Maias: “Os mesmos olhos, olhos dos Maias,
o cabelo encaracolado…” (p.54). Educado ao ar livre, na Quinta de Santa
Olávia, foi seu preceptor Brown, inglês, segundo o principio “O primeiro dever
de um homem é viver”, não é recitar, é “saber factos, noções, coisas úteis,
coisas práticas” (p.63) opondo-se, desta forma, à educação de Eusebiozinho
e até do próprio pai. Com efeito, Carlos sabia inglês, Pedro e Eusebiozinho
sabiam latim; aquele é sadio, forte, Eusebiozinho é “molengão” e Pedro
“murcho e amarelo”. Carlos encarna os valores do realismo, uma vez que
foge às três condicionantes da vida de ambos: educação, meio,
hereditariedade (naturalismo); Eusebiozinho e Pedro definem o estado de
melancolia patológica dos Românticos.
Forma-se em medicina, em Coimbra. Viaja pela Europa. Será no fim dessa
viagem que se prepara a AÇÃO da qual se transformará em personagem
CENTRAL.

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2. O subtítulo “Episódios da vida romântica”
Constituem-se como “flagrantes” da vida portuguesa onde estão representados
os defeitos caracterizadores da sociedade da segunda metade do século XIX,
em múltiplos aspetos, através de figurantes:
Literatura Portuguesa – Alencar/Ega;
Talento não reconhecido – Cruges;
Oratória balofa – Rufino;
Administração Pública – Sousa Neto;
Política – Conde Gouvarinho;
Corrupção/decadência – Dâmaso;
Mulheres da alta sociedade – mulher portuguesa;
Diplomacia – Steinbroken, filho de Sousa Neto;
Jornalismo – Palma Cavalão, Neves;
Alta finança – Cohen;
Aristocracia inglesa – Craft.

3. A ação central e o subtítulo

Em 1875, Carlos, após ter-se formado em medicina, em Coimbra, vai


viver com o seu avô no Ramalhete, em Lisboa. Carlos tenta concretizar todos
os seus projetos profissionais, mas acaba por falhar todos os seus planos.
Entretanto, integra-se na elite da capital, frequentando espaços sociais
requintados, onde priva com importantes do Reino.
É no peristilo do Hotel Central, antes do jantar em honra do banqueiro
Cohen, que Carlos, em companhia de Craft, observa a chegada de Maria
Eduarda por quem se apaixona de imediato.
Tenta conhecê-la em várias ocasiões, mas acaba por se envolver com
ela.
É na Toca situada na Quinta dos Olivais, comprada a Craft que os dois
cometem involuntariamente incesto.
O amor de Carlos é tão forte que, mesmo depois de saber que são
irmãos, continua. A sua felicidade é destruída pelas revelações da carta de
Maria de Monforte.
Afonso morre de desgosto e arrependido, Carlos separa-se da amante e
parte para França. Só regressa a Portugal em 1887.

Relação entre a intriga principal e a intriga secundária

A intriga secundária é fundamental para o desenvolvimento da principal.


As consequências dos amores infelizes e trágicos de Pedro e Maria
Monforte separam os dois irmãos que crescem sem terem conhecimento da
verdade. Maria Eduarda desconhece a identidade do pai e pensa ter tido um
irmão que morreu em pequeno. Carlos acredita que a irmã está morta, assim
lhe dissera Afonso.

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A intriga principal alicerça-se nos acontecimentos desse passado
longínquo e no desconhecimento da verdade, apresentando-se como
consequência direta da intriga secundária.
Semelhanças entre a intriga secundária e a principal

O romance conta a história da família Maia aniquilada pelo destino


inexorável.

Pedro apaixona-se por Maria Carlos por Maria


Pedro casa com ela, contra vontade Carlos vive com ela, mas nada diz ao
de Afonso. avô por temer a sua oposição.
Pedro comete suicídio Carlos comete incesto.
Após a morte de Pedro, Vilaça afirma Depois de saber que Carlos continua
que Afonso não dura mais de um a cometer incesto, Afonso morre de
ano. desgosto.

4. A ação trágica

Protagonista – ser de condição superior, de ascendência nobre – Carlos e


Maria Eduarda
Tema da intriga – incesto (tema clássico)
Destino – agente da destruição (ao longo da obra são inúmeros as referências
à implacabilidade do destino)
Peripécia – encontro de Guimarães com Ega
Reconhecimento – revelações de Guimarães a Ega sobre a identidade de
Maria Eduarda/revelações fatídicas contidas na carta de Maria Monforte
Catástrofe – morte de Afonso / Partida de Maria Eduarda vestida de negro
para França / Viagem de Carlos – abandona Lisboa
Mensageiro – Guimarães
Presságios /indícios – Afonso vê Maria “…olhava para aquela sombrinha
escarlate …mancha de sangue…”
“…aludia a uma lenda…paredes fatais do Ramalhete…”
“…a escolha do nome para Carlos marcado pelo estigma da extinção de uma
família”
“...os três lírios brancos…”
“a semelhança dos nomes”
“na Toca, desmaiavam na trama os amores entre Vénus e Marte (irmãos)”
“ a cabeça degolada”

5. A linguagem simbólica

Ramalhete Nobreza rural, ligação da família à terra


Ramalhete Primeira descrição Segunda descrição Terceira descrição
Quintal Tristeza/decadência Alegria/ Morte/esquecimento
recuperação
Cedro/cipreste Amizade / Amizade / Alegria/ felicidade
incorruptibilidade incorruptibilidade
Cascatazinha Ausência de vida Amizade / Tristeza/
incorruptibilidade abandono/saudade

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Vénus Citereia Visão negativa da Visão positiva da Visão negativa da
mulher mulher mulher
Toca Alcova – relação incestuosa entre irmãos
Painel – sacrifício de Afonso devido à relação incestuosa dos netos

6. A importância das sensações


- Conferir dinamismo descritivo e vivacidade à narrativa;
- Tornar a descrição do real mais sugestiva, apelando ao uso dos sentidos;
- Recriar não só espaços e personagens, como também a ambiência que os
rodeia;
- Transportar o leitor para “dentro” da narrativa, através das emoções e dos
instintos;
- Expandir a perceção da obra literária.

As perceções sensoriais são transmitidas, muitas vezes, através de recursos


expressivos como a sinestesia, a comparação, a metáfora, o uso expressivo do
adjetivo e do advérbio. (in Mensagens11; pg247)

7. Espaços e seu valor simbólico


Santa Olávia (vida e regeneração);
Coimbra (juventude, formação, vida boémia e de convívio social);
Ramalhete (o Portugal velho – antes de 1875; as expectativas, projetos e
sucessos – 1875/1877; a catástrofe e a decadência da família- 1887);
Consultório do Carlos (os projetos, o entusiasmo passageiro, o diletantismo do
protagonista e da sua geração);
Toca (sensualidade e transgressão dos valores morais).

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