Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ISBN 978-65-00-53243-2
Vários autores.
Trabalhos apresentados no XIII Seminário de Ensino,
Pesquisa e Extensão em Ciências Humanas (SEPECH),
realizado na Universidade Estadual de Londrina, nos dias 27 a
30 de setembro de 2022.
Disponível em:
https://sites.google.com/uel.br/xiii-sepech/e-book?authuser=0
Inclui bibliografia.
CDU 3
Elaborada pela Bibliotecária Eliane M. S. Jovanovich – CRB 9/1250
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .......................................................................................... 09
O EO
(OU O DIABO NO HEAVY METAL): A GRANDE
COMUNHÃO DA MÚSICA INTERNACIONAL – A DE MAIOR
SUCESSO POPULAR E COMERCIAL – E, ABRASANTEMENTE,
LONGEVA E DE “PESO” ............................................................................ 140
Adriano Alves Fiore
Volume I
Apresentação
O XIII Seminário de Ensino, Pesquisa e Extensão em Ciências Humanas
(SEPECH) foi realizado na Universidade Estadual de Londrina, nos dias 27 a 30 de
setembro de 2021, tendo suas atividades sido desenvolvidas integralmente de modo
remoto, em virtude da Pandemia de COVID-19, que ainda assolava o país e o mundo.
Mostrou o empenho de todas as áreas envolvidas na manutenção das reflexões sobre
ensino, pesquisa e extensão, mesmo em um cenário que exigiu adaptações, criatividade
e resiliência. E consolidou nossa ênfase na esperança e nossa aposta na vida,
materializadas no movimento de transmissão, entre sujeitos e gerações, do
conhecimento e das práticas educacionais promovidos no espaço da UEL.
Durante o Evento, 15 Eixos Temáticos recepcionaram uma miríade de novas
ideias, de investigações em fase de consolidação, de pensamentos dispostos a encontrar
interlocutores. Tais Eixos reuniram os trabalhos acerca dos temas relacionados à
História, Filosofia, às Ciências Sociais e Letras, potencializando também as suas
interfaces e sua vocação interdisciplinar. Congregaram apresentações de estudantes de
graduação e pós-graduação, professores e professoras da educação básica, do ensino
superior e de escolas de idiomas, além de egressos da UEL. E ofereceram as bases para
os textos que compõem este livro, como forma de enfatizar a necessidade de que a
sociedade se aproprie do conhecimento produzido nas Universidades Públicas e de
que ele envolva sempre um processo democrático de compartilhamento de saberes.
Neste Primeiro Volume, em especial, estão concentradas as contribuições
decorrentes das exposições, discussões e revisões temáticas oriundas dos Eixos 1 a 5.
Vale observar que o primeiro desses Eixos, “Ensino e Aprendizagem e Educação
Científica em Ciências Humanas e Letras”, coordenado pela professora Ângela
Maria de Sousa Lima (SOC - UEL) e pelo professor Carlos Alberto Albertuni (FIL -
UEL), recepcionou trabalhos resultantes de projetos, pesquisas e reflexões, com
resultados parciais ou finais, que trataram de temas relacionados à interlocução entre
Educação e Ciências Humanas, com destaque para questões que se referem aos
processos de formação inicial e continuada de professores. Além disso, o Eixo 01
consistiu em um espaço para pesquisas que debatem diversas relações entre ensino e a
aprendizagem; ensino e pesquisa; educação para a ciência; formação de professores
pesquisadores; processos metodológicos e didáticos no interior das diversas disciplinas
da Educação Básica. Oferece-nos alguns dos textos presentes neste Livro, como forma
de tornar públicos esses debates de extrema relevância, sobretudo no cenário
contemporâneo.
-9-
tange a problemáticas de práticas sociais, questões literárias, formação docente, quer
na prática pedagógica. Tendo sido coordenado pelas professoras e pesquisadoras
Cláudia Cristina Ferreira (LEM - UEL), Carolina Favaretto Santos (MEPLEM - UEL)
e Marley Budny dos Santos Souza (PPGL - UEL), partiu da concepção segundo a qual
língua e cultura são indissociáveis, evidenciando uma relação em espelho, onde estão
entrelaçadas de tal forma que uma reflete a outra. Além disso, enfatizou a ideia segundo
a qual matizes culturais influenciam-nos e revelam identidades, uma vez que somos
seres perpassados por múltiplas vozes e questões ideológicas, aspectos linguístico-
culturais, comportamentais, tradições, pensamentos e ações que trazem em seu bojo
traços de uma herança socio-histórica e cultural que podem ser evidenciados no
discurso oral e escrito ou em produções artísticas (pintura, música, escultura, dança,
literatura).
Já o Eixo “Estudos sobre a Imagem e Expressões Artísticas” –
coordenado pelas professoras Ana Heloisa Molina (HIS - UEL), Andrea Cachel
(FIL - UEL), Daniela Vieira dos Santos (SOC - UEL) e pelo professor Rogério Ivano
(HIS - UEL) – acolheu pesquisas que se dedicaram aos múltiplos sentidos das imagens
na realidade social, bem como à maneira pela qual variadas expressões e manifestações
artísticas reelaboram os significados e os sentidos da vida coletiva e individual. A partir
de uma perspectiva que envolveu todas as áreas das Ciências Humanas e Letras, o Eixo
03 procurou fomentar discussões sobre os sentidos da imagem – na interface entre a
reprodução, a representação e o simulacro – e a sua articulação com a memória, com
a construção das identidades, assim como as suas possibilidades de crítica e subversão
sociais. Recepcionou reflexões sobre as expressões e manifestações artísticas, suas
formas, suportes, técnicas, e o impacto nas subjetividades, na formação de ideologias
e contextos, a fim de colocar em debate em que medida a complexa criação de
conteúdos expressos em forma de arte estabelece horizontes para o bem viver. Dele
decorrem artigos presentes neste Livro com foco nas múltiplas linguagens artísticas e
no reconhecimento da centralidade das expressões culturais, e em especial da
visualidade, na subjetividade humana.
Parte importante também das reflexões apresentadas neste Livro são
provenientes da discussão acerca da interface entre “Ciência, Tecnologia e
Sociedade”, promovidas pelo Eixo 04, que reuniu pesquisas que abordaram o
desenvolvimento científico e tecnológico e sua relação com as transformações sociais.
Constituiu-se em um espaço para trabalhos que transitaram pelas áreas e temas da
História da Ciência, comunicação e política, políticas públicas, dimensões culturais da
tecnologia, implicações da tecnologia sobre o mundo do trabalho e os reflexos da
tecnologia sobre as relações sociais contemporâneas. Coordenado pelos professores e
pesquisadores André Lopes Ferreira (HIS - UEL), Fernando Kulaitis (SOC - UEL) e
Marco Paccola (SOC - UEL), o Eixo 04, ademais, foi marcado por debates que
enfatizaram que tecnologia e ciência são elementos imprescindíveis para refletir e
entender as sociedades de massa que emergiram no séc. XX e que destacam que, num
mundo cada vez mais integrado, as esferas política, cultural, social e econômica estão
- 10 -
intimamente ligadas ao desenvolvimento técnico-científico em suas mais variadas
formas.
Também vale observar que o Eixo 05, coordenado pelas professoras Maria
Cristina Müller (FIL - UEL) e Raquel Kritsch (SOC - UEL) e pelo professor Fábio
Scherer (FIL - UEL), contempla-nos com textos fundamentais acerca das questões
vinculadas à justificação da unidade política e da fundamentação da ideia de cidadania
em face do reconhecimento do pluralismo de visões de mundo, da emancipação ética
e social e das condições de subalternidade e/ou vulnerabilidade. O eixo “Estudos
Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos” refletiu sobre problemáticas como a opressão,
a dominação, o sofrimento social e a condição de vulnerabilidade, que comprometem
severamente o exercício pleno da cidadania e dos direitos humanos. Propôs-se também
a construir uma reflexão crítica acerca da responsabilidade do ser humano para com o
mundo público que possa se contrapor ao reducionismo a que o ser humano foi
submetido nas sociedades de consumo, bem como lançar luzes sobre as razões da
invisibilidade das mulheres na produção do conhecimento científico em geral, e, em
particular, na filosofia. Buscou tratar, ainda, da fundamentação de princípios e normas
éticas, jurídicas e políticas, bem como indicar o alcance de suas reivindicações de
validade.
Esse trabalho dedicado das coordenadoras e coordenadores dos Eixos, além
do empenho de toda a sua equipe de monitoria e dos aprimoramentos provenientes
da interação entre pesquisadoras e pesquisadores e do diálogo com os ouvintes do
Evento, consolidado neste Livro, nos mostra a força do SEPECH-UEL. Nosso desejo
é que ele continue sendo sede de inspirações constantes para análises acerca da
indissociabilidade entre a pesquisa/ensino/extensão. Que ele possa sempre propiciar
o desenvolvimento dos alunos e alunas, nas diversas searas que compõem a área de
Ciências Humanas e Letras, permitindo que os assuntos debatidos no âmbito da UEL
exerçam impacto na sociedade. Esperamos que os seus frutos – dentre os quais este
Volume do Conexões Humanas: Reflexões do XIII SEPECH UEL – perpetuem-
se através das inspirações e aprimoramentos que possam ser gerados naqueles que se
abrirem para as análises propostas aqui.
- 11 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Resumo: A pesquisa apresentada neste artigo teve como objetivo investigar políticas
de capacitação linguística da Unespar na perspectiva da Teoria da Atividade e do
Interacionismo Sociodiscursivo. Essas políticas resultaram em atividades como a
criação de programas e projetos de capacitação linguística, identificadas, nesta
pesquisa, por meio da análise do Projeto de Desenvolvimento Institucional da
universidade (PDI, 2018-2022) e das abas dos programas constantes no website da
universidade. Além disso, as matrizes curriculares dos cursos de graduação foram
analisadas a fim de identificar disciplinas que envolviam capacitação linguística,
disciplinas estas filtradas por meio de palavras-chave delimitadas na pesquisa. Os
resultados nos trouxeram algumas conclusões, dentre elas, i. que a capacitação
linguística, identificada nos cursos de graduação, está vinculada majoritariamente aos
cursos de licenciatura que requerem diretamente essa capacitação no campo de
trabalho do formando; ii. que a maioria dos programas e projetos de capacitação
linguística dependem de fomento externo e influenciam, portanto, nas políticas de
capacitação linguística da instituição e, iii. que a internacionalização é compreendida de
modo embrionário na universidade ainda que contemplada no PDI institucional.
Introdução
- 13 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
capacitação linguística (PCL), uma vez que são consideradas requisitos para a interação
entre os participantes da internacionalização, seja “em casa” ou entre instituições
internacionais, segundo as políticas institucionalizadas pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Capes.
Nesse contexto, entre tantas divergências e polêmicas, a Universidade Estadual
do Paraná, Unespar, buscou implementar políticas de internacionalização ao lado de
suas políticas de capacitação linguística, o que é percebido em seu Plano de
Desenvolvimento Institucional mais recente: PDI 2018-2022 (UNESPAR, 2018). A
universidade foi credenciada pelo Decreto Estadual n. 9538, de 2013, e recredenciada
em 2018. Assim, a Unespar, como as demais IEs, está sujeita a órgãos da esfera estadual
e federal e avaliadores externos, como a Capes, os quais classificam a
internacionalização como critério de avaliação, corroborando as investigações
realizadas por Lima e Contel (2009).
Ao pensar nesse contexto, originou-se esta pesquisa3, tendo como objetivo
geral investigar as políticas de capacitação linguística da Unespar e suas implicações
para o processo de internacionalização da Instituição de Ensino Superior (IES). A
partir do objetivo geral, delimitamos os específicos, a saber: i. estudar o embasamento
teórico na perspectiva do Decolonialismo, da Teoria da Atividade e a elaboração de
conceitos sobre a internacionalização e capacitação linguística com base no
Interacionismo Sociodiscursivo; ii. identificar programas, projetos e disciplinas de
cursos de graduação que fazem parte das políticas de capacitação linguística no âmbito
da Unespar; e iii. apontar possíveis articulações entre as políticas de capacitação
linguística propostas pela IES e suas implicações no seu processo de
internacionalização.
Para tal, a perspectiva teórica da Decolonialidade, a Teoria da Atividade e o
Interacionismo Sociodiscursivo, doravante ISD, foram os referenciais teóricos
adotados. Para nós, há convergências entre elas e, serão apresentadas na parte da
Discussão da Análise e Apresentação de Resultados da Pesquisa. É interessante
destacar que as teorias adotadas se originaram a partir da necessidade de
desprendimento de uma epistemologia eurocêntrica produzindo, dessa forma,
(re)conhecimento da realidade brasileira como um país da América Latina, um país
com raiz colonialista. Assim, foi possível refletir sobre a internacionalização, as
políticas de internacionalização e de capacitação linguística da instituição, segundo o
ponto de vista dos países, considerados dependentes, latino-americanos.
O artigo está dividido em quatro partes, iniciando-se pela introdução, outrora
apresentada, sequenciada pela metodologia e pela discussão da análise dos dados e
resultados da pesquisa e, por fim, pelas considerações finais.
- 14 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
2. Metodologia
- 15 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
- 16 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
- 17 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
- 18 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
9%
91%
- 19 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
1000 884
800 564 549 554
527 479 492
600
400
200 104 35 19 69 29 81
12
0
Total de Disciplinas
A partir dos dados acima, podemos notar que os campi com mais e menos
disciplinas com capacitação linguística são, respectivamente, o campus de Apucarana
(104) e o campus de Curitiba I (12). Esse resultado é compreensível, se consideramos
que os dois campi localizados em Curitiba não ofertam nenhum curso de Letras ou
cursos que demandam capacitação linguística para a formação de seus profissionais,
enquanto os polos situados em Apucarana e União da Vitória, os que mais possuem
disciplinas relacionadas à capacitação linguística, ofertam tais cursos. No que concerne
aos cursos de Letras dos dois últimos campi mencionados, Apucarana oferta três, e
União da Vitória, dois – todos de licenciaturas. Ressalta-se que os outros campi não
mencionados (Campo Mourão, Paranaguá e Paranavaí) apresentam ao menos um
curso de Letras na sua grade. O curso de Letras, pela sua natureza, oferta um número
significativo de disciplinas relacionadas à capacitação de linguística, além da formação
docente, portanto é um resultado esperado tendo em vista as disciplinas ofertadas para
os cursos de Letras.
Observando o baixo percentual de disciplinas que estão relacionadas à
capacitação linguística na universidade, os programas e projetos voltados a essa
finalidade se tornam essenciais. Essas atividades são implementadas a partir de políticas
institucionais e, no caso da IEs, o PDI, é um dos documentos que auxilia na
compreensão de como elas são geradas, dentro da instituição. Como a análise do PDI
- 20 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
4 Este faz parte de um relatório de pesquisa não publicado, mas enviado a Pró-Reitoria de
Ensino de Graduação – PROGRAD para comprovar as atividades realizadas no Programa de
Iniciação Científica e Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação PIC-PIBITI
2019-2020.
- 21 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
- 22 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
- 23 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Considerações finais
- 24 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Referências
- 25 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
- 26 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
- 27 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Aliny Perrota 2
Poliana Rosa Riedlinger Soares3
Introdução
alinyp.silveira@uel.br
3 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (UEL).
poliana.soares@uel.br
- 28 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
- 29 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
- 30 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
fruição, evidenciando a condição estética desse tipo de leitura e de escrita, “para que a
função utilitária da literatura – da arte em geral – possa dar lugar à sua dimensão
humanizadora, transformadora e mobilizadora [...]”.
Ao considerarmos a modalidade para qual esta proposta é direcionada, o
gênero escolhido exerce grande relevância, uma vez que a falsa ideia de que na EJA as
propostas didáticas devem ser pautadas apenas ou com maior ênfase nos gêneros de
instruções e prescrições, como: receitas, bulas de remédios, instruções de uso, acaba
por deixar outros tão relevantes em um segundo plano, como no caso do poema, o
que não está desvinculado do próprio percurso educacional da modalidade. Conforme
Arroyo (2006, p. 221), “os lugares sociais a eles reservados — marginais, oprimidos,
excluídos, empregáveis, miseráveis... — têm condicionado o lugar reservado a sua
educação no conjunto das políticas oficiais”.
Essa questão pode ser problematizada ao lançarmos o olhar para a própria
BNCC (BRASIL, 2018), que não contempla a modalidade, sendo ausente orientações
específicas para EJA, o que acaba por refletir em várias práticas que envolvem a
modalidade, inclusive na ausência de propostas didáticas estruturadas que possam
favorecer o processo de ensino e aprendizagem.
Com a finalidade de elaborarmos a proposta teórica-metodológica,
apresentamos o poema escolhido com destaques em negrito para os elementos
temáticos levantados na sua materialidade textual. Essa seleção pauta-se na perspectiva
que Solé (1998) denomina de regras de seleção que permitem a identificação explícita
no texto; regras de omissão que tratam da eliminação de informação trivial do texto.
Como a temática se volta para o consumismo — a coisificação do homem, o ter diante
do ser, buscamos evidenciar as principais expressões vinculadas a elas:
- 31 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
- 32 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Desde a cabeça ao bico dos sapatos: são mensagens, letras falantes, gritos
visuais, ordens de uso, abuso, reincidência.
Homem-anúncio itinerante: estou na moda, ainda que a moda seja negar minha
identidade.
Demito-me de ser, antes era e me sabia: ser pensante, sentinte e solidário.
Agora sou anúncio, para anunciar, para vender: objeto pulsante.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso de ser não eu, não me convém o título
de homem: meu nome novo é coisa.
- 33 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Conforme Fuza e Menegassi (2018), são perguntas cujas respostas não estão
no texto, mas podem ser deduzidas a partir do texto, estabelecendo algum tipo de
inferência realizadas pelo leitor na sua relação como texto.
O que significa ser “escravo da matéria anunciada”?
- 34 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Textual: O título do texto é Eu, Etiqueta, porque ele vai dizendo sobre todas
as propagandas que estão grudadas nas calças, blusões, camisetas, meias, tênis que
usamos todos os dias. O eu lírico se diz um “homem-anúncio” porque carrega em suas
roupas e nos objetos do seu dia a dia, marcas e anúncios de produtos. Segundo o texto,
estar na moda significa andar com produtos de marcas e logotipos conhecidos, mesmo
que isso negue a nossa própria identidade. O eu lírico se define “antes” como um ser
único, pensante e capaz de expressar sentimentos para com o outros. O “agora”, o eu
lírico passou por um movimento de padronização e deixou de ter espírito crítico, sem
sentimentos, ficou igual a todo mundo, sem “gosto ou capacidade de escolher”. No
texto o autor pede que retifiquem o seu título de homem, pois ele perdeu a sua
identidade, a sua individualidade. Ele se tornou uma “coisa”, um humano que se
transformou em um produto, um simples objeto de mercado.
Inferencial: Ser um “escravo da matéria anunciada”, significa ser só mais um
consumidor e um produto usado pelo mercado.
Interpretativas: De acordo com a leitura do texto, é possível afirmar que o autor
faz uma crítica à sociedade consumista, pois diante do consumo e da publicidade, o
homem perde sua identidade, deixa de ser único e especial e se torna um outdoor
ambulante, sendo uma vitrine de marcas e produtos de uma sociedade consumista. No
meu cotidiano eu estou cercada de uma variedade muito grande de anúncios. Eles estão
veiculados aos meios de comunicação como televisão, rádio, jornais e também nas
redes sociais. Eles anunciam produtos a serem consumidos, como alimentação,
vestuário, eletrônicos, produtos de beleza entre tantos outros. Eu me considero
consumista. Na sociedade em que vivemos hoje, somos bombardeados por anúncios
e propagandas de produtos que nos “prometem” muitas coisas. A promessa de um
shampoo que dará mais brilho no cabelo, uma calça jeans que modela o corpo, um
tênis que melhora o desempenho do exercício etc. É quase impossível não se deixar
levar por esses apelos. Acredito que para nos tornar consumidores mais conscientes é
preciso ter um olhar mais crítico e não se deixar influenciar pelos apelos dos anúncios
e propagandas.
- 35 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Considerações Finais
- 36 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Referências
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br. Acesso em: 10 nov. 2020.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
- 37 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
- 38 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Resumo: Este texto é resultado da intersecção entre duas pesquisas que se debruçam
sobre o ensino de História, e cujo aprofundamento está sendo realizado no âmbito do
Doutorado em Educação na Universidade Estadual de Londrina. Desta maneira, nos
propomos a discutir de que maneira o ensino da história traumática (burdening history)
do Holocausto pode ser entendido através da educação patrimonial - mais
especificamente, através de museus voltados à tematica do Holocausto. Para isto, nos
pautamos nos escritos de von Borries (2011) sobre a história traumática, de Beiersdorf
(2015), que discute sobre o Museu do Holocausto de Curitiba, e de Ramos (2004)
acerca da importância de atividades preparatórias para visitar museus, tendo em vista
a construção do conhecimento histórico. A proposta consiste em abordar o acervo de
museus como mediadores de experiências. Portanto, buscamos indicar possibilidades
de análises de fontes em sala de aula com ênfase na temática do Holocausto, no ensino
de História e na educação patrimonial.
Introdução
taaivanessa@gmail.com
- 39 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Pensamos o ensino de História através do que afirma Peter Lee (2011), que
“não se escapa do passado”, pois “ele é construído a partir de conceitos que nós
empregamos para lidar com o dia a dia do mundo físico e social” (LEE, 2011, p. 20),
de modo que é imprescindível refletir sobre o ensino e a aprendizagem de História na
escola, já que não somos seres dissociados do tempo e do espaço em que estamos
inseridos. Circe Bittencourt (2008) também discorre sobre o tema, afirmando que
O ensino de História se destaca por mudanças marcantes em sua trajetória escolar que
a caracterizavam, até recentemente, como um estudo mnemônico sobre um passado
criado para sedimentar uma origem branca e cristã, apresentada por uma sucessão
cronológica de realizações de “grandes homens” para uma “nova” disciplina
- 40 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Desta maneira, ensinar História hoje vai muito além da leitura acrítica do livro
didático e da exposição incansável do professor, da mesma forma que os museus
devem ser tomados como parte deste ensino de História crítica, e é necessário que o
professor reflita em sala de aula sobre estas questões.
Além disso, em diálogo com a abordagem do ensino de História pelo viés
crítico, tendo em vista narrativas museais sobre a memória traumática do Holocausto,
a educação patrimonial contribui para com a alfabetização cultural dos indivíduos, pois
possibilita que estes façam leituras do mundo que os rodeia por meio de um processo
ativo de conhecimento, valorização e apropriação de heranças culturais (HORTA,
1999), como objetos, documentos escritos e orais, monumentos e fotografias.
Assim, por meio da educação patrimonial, os bens culturais podem ser
reconhecidos como mediadores do “universo sociocultural e da trajetória histórica-
temporal em que está inserido” (HORTA, 1999, p. 6). Nesse sentido, percebe-se a
necessidade de exercitar o ato de ler objetos, na mesma medida em que aprendemos a
ler palavras, pois há história na cultura material (RAMOS, 2004) e também em outros
testemunhos do passado, como depoimentos e imagens.
De outro modo, “estudar a história não significa aprender sobre o que
aconteceu e sim ampliar o conhecimento sobre nossa própria historicidade” (RAMOS,
2004, p. 24). Portanto os acervos de museus são indícios de traços culturais que nos
ajudam a compreender a relação entre o passado e o presente. Porém, os acervos
museais precisam ser interpretados com a ajuda de programas educativos como, por
exemplo, as visitas mediadas e iniciativas que aproximam os museus e as salas de aulas
(RAMOS, 2004), para que não sejam vistos como simples ilustrações do passado.
Nesse sentido, para assumir seu caráter educativo, os museus precisam ser
vistos como espaços onde o acervo é organizado a fim de compor argumentos críticos:
- 41 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
A repercussão nas redes sociais sobre uma peça de roupa do catálogo da marca
espanhola Zara obrigou a empresa a retirar o produto de suas lojas: um pijama infantil
listrado, com uma estrela de Davi amarela na altura do peito, no lado esquerdo. Para
muita gente, o pijama poderia ser associado ao uniforme que judeus eram obrigados a
usar em campos de concentração, antes de serem mortos, durante a Segunda Guerra
- 42 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
- 43 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Depois dos crimes contra a humanidade, culminando no Holocausto, que deu o século
XX sua assinatura histórica, tal otimismo tornou-se impossível. Só um humanismo
que pode enfrentar o desafio desses crimes e olhar em face do Holocausto é viável
para uma orientação voltada para o futuro de vida humana (RÜSEN, 2012, p. 41,
tradução nossa)
- 44 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Histórias que não podem ser esquecidas e que devem ser transmitidas às próximas
gerações. Foi com esse objetivo que nasceu o Museu do Holocausto de Curitiba.
Inaugurado oficialmente em novembro de 2011, recebe semanalmente cerca de 700
pessoas, entre adultos e alunos de escolas públicas e particulares, num espaço de 400
m². (MUSEU DO HOLOCAUSTO DE CURITIBA, 2014).
- 45 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Considerações finais
- 46 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Referências
BORRIES, Bodo von. Coping with burdening history. In. BJERG, H./ LENZ,
C./THORSTENSEN, E. (eds.). Historicizing the uses of the past. Scandinavian
Perspectives on History Culture. Historical Consciousness and Didactics of History
Related to World War II. Bielefeld: Transcript - Verlag für Kommunikation, Kultur
und soziale Praxis, 2011.
BORRIES, Bodo von. Learning and teaching about the Shoah: retrospect and
prospect. Holocaust Studies, v. 23, n. 3, p. 425-440, 2017.
- 47 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
LEE, Peter. Por que aprender História?. Educar em Revista, Curitiba, n. 42, p. 19-
42, out./dez. 2011. Editora UFPR.
UOL NOTÍCIAS. Zara recolhe pijama infantil que lembra uniforme de campos
de concentração, 2014; Disponível em: <
https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2014/08/27/zara-retira-
pijamas-infantis-de-catalogo-apos-criticas-sobre-alusao-a-holocausto.htm>. Acesso
em: 31 out. 2021.
- 48 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Jarson da Silva 1
Introdução
Com o manifesto da educação de 1932, do qual Dewey era uns dos precursores,
defendia pressupostos de que todo educador pode bem ser um filósofo e deve ter sua
filosofia de educação. Entretanto, considerando uma metodologia cientifica nesse
terreno, o educador deve estar tão interessado na determinação dos fins de educação
quanto também dos meios de realizá-los.
Devido às grandes transformações com resultados ainda não específicos,
surgem os questionamentos que discorre nesta pesquisa sobre a questão de ensinar.
Portanto, parece inevitável, a quem se dedica à educação institucionalizada, seja
pelo estudo, seja pela prática, perguntar-se sobre a legitimidade desse envolvimento.
- 49 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Afinal, é possível educar, de fato? Não estaria já configurado por uma estrutura
invariável, cujas modificações se dariam apenas na superfície, sendo que o fundamental
permaneceria inalterado, continuando a ser o que sempre foi? Esse dilema parece
constituir um primeiro núcleo do problema da educação e apenas uma resposta
positiva a ele pode restituir coerência para o nosso envolvimento com ela.
Porém, responder positivamente à pergunta sobre a possibilidade de educar,
ainda não resolve outro problema, talvez tão radical quanto aquele, que consiste agora
em responder a um outro questionamento, qual seja: como educar? E, por fim, uma
última questão: quando educamos, o que é visado no ato educativo (ou seja, o que
educar)? Estas três perguntas2: É possível educar? Como educar? O que educar? –
constituem o pano de fundo teórico (e existencial) da aproximação deste projeto ao
pensamento filosófico e educacional de John Dewey. Em suas obras Como pensamos,
Experiência e educação e Democracia e educação3 existem respostas contundentes aos
problemas contidos nessas perguntas.
2 Embora nem sempre claramente formuladas, estas perguntas estiveram presentes desde o
início da minha atividade profissional como professor das séries fundamentais.
3 Apesar de ser autor de uma obra vastíssima e tratar do problema da educação em outros
- 50 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
4 Algo claro, por exemplo, na recusa por parte de Dewey a uma tendência da educação em
1938, referida no Prefácio do livro, de reavivar e reviver “(...) princípios da Grécia antiga e da
idade média” (DEWEY, 2010, p. 14). No capítulo VII de Experiência educação, há um item
intitulado “A educação tradicional está enraizada no passado” (DEWEY, 2010, p. 79).
- 51 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
bem como com as outras que poderão segui-la. Isso evidencia uma compreensão
relacional das experiências, tanto físicas (idem, p. 154), quanto às relacionadas com as
lições ou estudos (Idem, p. 155), mas também e principalmente para o que nos
interessa, quanto à compreensão da conexão e inseparabilidade entre o pensamento e
as coisas, o pensamento e a experiência (p. 156).
Como fica claro no item 2 do capítulo 11 de Democracia e educação, intitulado
Reflexão e experiência, Dewey foca seu interesse em destacar, para além da dimensão ativa
e passiva da experiência (sentido 1), que não é cognitiva, a dimensão da continuidade
da experiência (sentido 2). O que garante a continuidade à experiência a ponto de
torná-la significativa, é o nível de engajamento do pensamento nela. Se, como ele
destaca, “Nenhuma experiência com sentido é possível sem alguns elementos de
pensamento” (DEWEY, 1979b, p. 158), interessa-lhe dar atenção a um segundo tipo
de relação entre experiência e pensamento em que, da ação do pensamento, resulta a
descoberta das conexões detalhadas das nossas atividades e do que acontece como
consequência delas. A sua quantidade aumenta de tal modo que o seu valor
proporcional se torna muito diferente. Assim, a qualidade da experiência muda. A
mudança é tão significativa que podemos classificar este tipo de experiência como
experiência reflexiva - isto é, reflexiva por excelência. O cultivo deliberado desta fase
do pensamento constitui o pensamento como uma experiência distinta. [...]
O pensamento é por isso equivalente a um captar explícito do elemento inteligente na
nossa experiência. Ele torna possível o agir com um fim em vista (Idem, Ibid.).
5 Na mesma passagem o autor afirma que, por consequência, “(...) o problema central de uma
educação baseada na experiência é selecionar o tipo de experiências presentes que continuem
a viver frutífera e criativamente nas experiências subsequentes” (DEWEY, 2010, p. 29).
6 Todo o capítulo VII de Experiência e Educação, intitulado A organização progressiva das matérias e
conteúdo curriculares, é uma perspicaz análise sobre as peculiaridades da experiência para quem
vive no século XX, razão pela qual Dewey (2010, p. 92) aborda o método científico, pois ele
“(...) é o único meio autêntico sob nosso comando para alcançar a importância das nossas
experiências diárias no mundo em que vivemos”.
- 52 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
7 A esse respeito, o autor afirma: “(...) a nova filosofia da educação está comprometida com
algum tipo de filosofia empírica e experimental” (DEWEY, 2010, p. 26).
8 Ou seja, o pensamento surge de “(...) uma situação diretamente experimentada que despertou
o ato de pensar” (DEWEY, 1979a, p. 104), indeterminada em seu início, e passa à uma situação
determinada.
- 53 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
- 54 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
- 55 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
constituição de humanos que não pensam, não foram gerados para o hábito de pensar
reflexivamente.
Anizio Teixeira faz um breve comentário da situação do ser humano
desumanizado e como poderia humanizá-lo novamente:
Não irei, mais uma vez, caracterizar a nossa civilização, a civilização dos nossos dias.
Basta lembrar que a chamam de "material", "científica" e "técnica", em indicações
explícita ou subentendida a "espiritual", "moral" e "humana". Acentuamos que o
homem está progredindo materialmente e se deteriorando espiritualmente, contribuindo
muito que isto se vem dando pelo abandono alarmante dos valores morais e humanos.
Tais valores "espirituais" são os desenvolvidos pela literatura, enquanto os valores
"materiais" à ciência se filiariam. Daí a revolta contra a ciência e a exaltação dos
estudos linguísticos e literários, como os verdadeiros estudos humanísticos. A ciência
"materializou" a vida humana. Salvar-nos-emos voltando aos estudos exclusivamente
literários que marcaram como culturas pré-científicas ... (TEIXEIRA, 1955, p. 1)
Referências
- 56 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
____. “Democracia como forma de vida: relações entre as ideias de John Dewey e
Paulo Freire”. In: Anais do IX ANPED Sul 2012. 2012.
(http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/viewF
ile/2984/938 / Consultado em: 17/08/2019).
- 57 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Considerações Iniciais
mail: heloisa.pereira@uel.br.
3 Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina – UEL, e-
mail: earlei@sercomtel.com.br.
- 58 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
naquele momento para Feuerbach não está sendo suficiente para resolver as questões
da filosofia e o que são relacionadas a ela.
Para ser necessário uma reforma, essa mudança tem que ser condizente com
aquele período presente, porém sabemos que quando é falado sobre mudanças se tem
dois pontos totalmente contrários, um deles o do conservadorismo que acredita que
sempre é necessário manter o existente, o atual, e quem do outro lado, acredita que
mudanças sempre devem ocorrer, já que a vida em sociedade vem mudando ao longo
do tempo e para isso é necessário deixar de ter, de possuir características que existiam
até aquele presente momento.
Sabemos que o ser humano age por assimilação do que é aprendido ou
induzido ao longo de sua vida, e é natural que mudanças tragam resistências e devem
ser questionadas sobre sua necessidade e importância.
Segundo Feuerbach, as mudanças de maior impacto que ocorreram ao longo
da história são as religiosas, por marcarem diferentes momentos da humanidade; para
o autor, o coração, que representa o imediato, o intuitivo no homem, é justamente a
essência da religião, e é necessária uma revolução, ou seja, uma mudança de concepção
tanto quando ele debateu sobre, tanto nos dias de hoje, já que perceberemos a grande
relação da religião daquele período com este que estamos vivendo atualmente. Segundo
ele:
- 59 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Isto é, da mesma forma que o medo da morte, e o que se tem após ela, é algo
da consciência humana, a religião também é, tendo-se que o desconhecido assombra
o humano, e a busca pelo mesmo também, sendo assim ambas as questões estão ligadas
através da consciência.
Feuerbach também caracteriza o chamado instinto de dependência, que é algo
do próprio ser humano, o qual coloca qualidades que ele não consegue ter em sua
plenitude a outro, portanto, que não ele, isto é, um “Eu de si para o outro” e disto
surge (Deus), um ser divino com devidas características inalcançáveis ao humano, mas
que nada mais é, segundo Feuerbach, a própria essência humana expressa de maneira
perfeita para um ser que tem a total razão, vontade e coração:
Apesar de Deus ser a própria essência humana, vista como um ser exterior e superior,
os religiosos mostram-se incapazes de perceber tal fato. Devido a isso, a religião se
torna o meio indireto para o ser humano conhecer a si mesmo, ainda de maneira
infantil, já que não reconhece aquilo que ele próprio possui (FEUERBACH, 2007, p.
45).
- 60 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
procuro, meu Deus, busco a vida feliz. Procurar-Vos-ei, para que a minha alma viva.
O meu corpo vive da minha alma e está vive de Vós” (AGOSTINHO, 1997, p. 185).
O cristianismo busca, portanto, alcançar a todos, independentemente de
questões econômicas, sempre defendendo a igualdade no paraíso, já que lá não há
distinção entre pobres e ricos, entre cor de pele, entre nacionalidade e origem. Para os
cristãos, somente Deus é capaz de propor a igualdade. Quando se fala do cristianismo
e dependência, de maneira resumida, é a busca constante da perfeição, superação de
limitação, e desenvolvimento das capacidades humanas, capacidades estas pensadas
para o indivíduo. Através dessa busca, consideramos que somos seres limitados e
finitos acreditando e buscando um ser ilimitado e infinito, Deus.
A nossa dependência em relação a objetos, animais ou seres transcendentes, é
uma forma de egoísmo, já que só adoramos e somos dependentes do que
consideramos ser útil para nós mesmos. Diante disto, surge a pergunta relacionada a
Deus, qual seria então sua importância se ele não for útil para nós.
Na psicologia temos um termo sobre o qual Freud discorre e chama de
projeção. Esse termo tem muita relação com o que Feuerbach argumenta sobre o
surgimento da religião e sua importância ao homem. Apesar de Deus ser a própria
essência humana, vista como um ser exterior e superior, os religiosos mostram-se
incapazes de perceber tal fato. Segundo Freud:
Em certa medida, com esse argumento de Freud, podemos entender por que a
tamanha dificuldade ao humano pensar e debater a respeito da religião, crenças e
desejos de si mesmo; segundo Freud, temos uma certa defesa para fazer esse
movimento, defesa essa criada por nós mesmos de certa forma inconsciente. Ele
também vê o homem como um ser egoísta, cheio de amor-próprio em busca de sua
felicidade, felicidade esta sempre individual, por mais que tenha outra pessoa
envolvida.
Feuerbach, de sua parte, apresenta que para o homem se libertar, deve haver
uma negação a Deus, e fazer isso pode significar deixar de possuir uma essência, ou
seja, negar a própria realidade e tudo que foi criado ao longo da vida de determinada
pessoa.
Feuerbach através de suas Preleções (1851), atestando a ideia da reforma, afirma
que:
- 61 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Para Feuerbach negar o ser religioso acaba sendo uma condição necessária,
para se fazer ciência na contemporaneidade, ao mesmo tempo ele considera a
importância da religião para o ser humano, para a vida em sociedade, e como uma
forma de evitar o individualismo e o egocentrismo, pontos ressaltados e comentados
em mais detalhes ao longo de sua principal obra, A Essência do cristianismo (1841).
Temos então a situação na qual ele vê como necessária uma reforma da
filosofia, filosofia esta que está ligada à teologia e à antropologia. Feuerbach vê que
existem extremos quando se discute e discorre sobre o tema religião, em certos
momentos da história há muitas pessoas que acreditam e seguem determinada religião
e crença, e em outros a negação absoluta disto, mas que não significa negar a existência
da religião, mas sim considerar outra.
Nesse cenário, pessoas chegaram a perder sua vida diante da discordância,
vinda de outra pessoa ou grupo de uma opinião divergente, questão essa que pode ser
sempre estendida, já que se trata de um tema do passado, presente e futuro, já que em
todo momento histórico gerações passaram e irão passar, a humanidade sempre se
deparou com esse tema e sempre irá se deparar uma vez que consiste na essência
humana, e, para haver uma reforma da filosofia, deve haver antes de tudo a busca pelo
debate por todos, seja no meio acadêmico, seja no ambiente social, para existir uma
melhor compreensão do que é a essência humana.
2. Perspectivas exegéticas
- 62 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
pelo que é projetado nele, ou seja, perante a um milagre o que se espera é uma mudança
no mundo sensível vindo através de uma ação divina/dele.
Temos o ponto do Milagre, que são acontecimentos vindos do divino e que,
portanto, desafiam as leis da física e da racionalidade. Logo se tem a impossibilidade
ou, sempre, a dificuldade de provar aceitar que um milagre é um milagre, pois como
prová-lo diante das impossibilidades, afinal qual seria a necessidade de operar milagres
em alguns e em outros não.
Por outro lado, a partir do momento que se tem a fé perante a possibilidade de
milagres, essa pessoa acredita que tudo pode e é possível para Deus e isso contempla
que Deus pode proporcionar tudo que o homem deseja ou necessita, e para Feuerbach
é justamente isso, a fé preenchendo nossos desejos, não passa de produto da
imaginação como forma de conforto. Surge daí o que seria o desejo para o humano,
se são relevantes e importantes, se aquilo agregaria na vida pessoal, como ser humano;
ou somente induziria o mesmo a querer mais e mais, sempre como um sinônimo de
acumulação, o que já entra em outro ponto, se devemos viver o melhor dessa vida
supondo que a forma que vivemos direciona uma outra vida melhor, tal vida com
Deus, mas esse caminho necessita determinados passos a seguir, ou essa vida é única
e ao fim dela se acaba a essência daquele indivíduo e portanto devemos seguir nosso
próprio movimento sem influência de um caminho correto por tal fé/religião.
Outro ponto ressaltado na obra é o de que uma vez o indivíduo negando a
Deus e voltando para si mesmo, cria-se o egocentrismo e o individualismo, o que
também é uma forma de desequilíbrio, já que o ser humano evolui da relação de quem
convive em sociedade, ou seja, tem-se em jogo as relações sociais.
Ao fim neste trabalho a autora traz a ideia de que deve haver um equilíbrio
entre Deus e Homem, de forma que o homem tenha paz em traçar seus próprios
caminhos, já que foi criado à semelhança de Deus, logo existe perfeição no homem e
não a necessidade de esperar um milagre e absorvendo de Deus o que ele tem para
ensinar, como o respeito e amor pelo próximo.
Tem-se agora o artigo: A concepção de religião para Feuerbach segundo
Robson Stigar.
Neste texto, o autor traz um resumo sobre os principais temas abordados por
Feuerbach ao longo de sua vida, principalmente sobre sua obra principal, A Essência do
cristianismo, na qual prega sobre a realidade dos seres humanos, colocando-os na
situação em que tal realidade é produto das circunstâncias e da educação.
Além disto, é comentado sobre Marx, que tem a visão de que a religião é fruto
das relações no mundo capitalista. Segundo ele, enquanto houver distinção entre
proprietários de meio de produção e não proprietários, a religião existirá fazendo-se
algo negativo, assim como a luta de classes informa a história, diferentemente do que
pensa realmente Feuerbach.
Feuerbach usa do pressuposto comentado anteriormente, como a necessidade
de negar a Deus para a libertação do ser humano, já que a religião joga a
responsabilidade para o futuro em um outro mundo, o céu, deixando de lutar contra
- 63 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
as injustiças atuais. Além disto o comentário de que o ser humano deve viver através
da realidade sensível (essência humana), a qual é movida pela razão, vontade e coração.
Já que a religião é um produto puramente humano em busca de satisfazer necessidades
até o momento não alcançadas, e ela aliena a partir do momento que o humano coloca
a Deus como realizador de desejos quando o próprio humano pode buscar e deve
buscar satisfazê-los, de forma a conseguir por conta própria através de sua
individualidade e vivência social.
E finalmente temos o escrito “Um Manifesto Antropológico” de Alice Aleixo.
Neste trabalho é discutida a problemática do ser humano referente à
consciência de si, em outras palavras, seria o autoconhecimento. Nele se tem uma
redução da religião em antropologia (ciência do homem no sentido stricto, que engloba
origens, evolução, desenvolvimentos físico, material e cultural, fisiologia, psicologia,
características raciais, costumes sociais, crenças etc.). É a racionalização colocada em
prática a fim de descrever a forma que o ser humano se comporta e como vê o mundo,
seja no mundo sensível, no âmbito dos sentidos, e a projeção que o mesmo faz além
desse mundo, ou seja, em outra realidade, ao longo deste trabalho; é possível se deparar
com a problemática que surge do tema, já que é intimamente ligado à antropologia,
sobre como é o ser, o eu, e como somos e agimos, seja pela racionalidade, seja pelo
coração, guiados pelo desejo e com o conflito interno em busca de satisfação própria
em relação ao outro e a si próprio.
Considerações Finais
- 64 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Referências
OTTO, Rudolf. O sagrado: aspectos irracionais na noção do divino e sua relação com
o racional. Tradução de Walter O. Schlupp. São Leopoldo: Sinodal, EST; Petrópolis:
Editora Vozes, 2007.
- 65 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Resumo: O presente texto tem por intenção demonstrar de maneira geral como o
psicólogo e epistemólogo Jean Piaget concebe a formação do conhecimento durante
o desenvolvimento cognitivo do indivíduo, tendo por base seu texto Epistemologia
Genética. Nesta obra, o autor apresenta a ideia de que o indivíduo, em seu processo
de desenvolvimento, atravessa uma sequência de etapas de aprendizagem diretamente
relacionadas a seu desenvolvimento biológico. O conhecimento é construído
progressivamente de modo que sua complexidade acompanha o desenvolvimento das
estruturas cognitivas e dos conhecimentos previamente adquiridos com o tempo. Em
seguida, apresentar-se-á uma breve ligação entre a epistemologia concebida por Piaget
e sua proposta pedagógica, tendo por ênfase a ideia da participação ativa do aluno no
processo de aprendizado. Tendo isso em vista, a concepção pedagógica defendida pelo
autor acompanha os estágios de aprendizado do indivíduo, adaptando seus conteúdos
e métodos didáticos às demandas de cada etapa da educação. Ao caracterizar o
pensamento piagetiano sobre a educação, faz-se uma aproximação de suas
considerações com a tendência liberal renovada progressivista de educação, bem como
as críticas realizadas à tendência liberal tradicional predominante nas escolas.
Introdução
- 66 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
A originalidade do estudo do pensamento infantil que Piaget realizou tem como base
o princípio metodológico segundo o qual a flexibilidade e a precisão da entrevista “em
profundidade”, que caracterizam o método clínico, devem modular-se mediante a
busca sistemática dos processos lógico-matemáticos subjacentes aos raciocínios
expressados; além disso, para realizar esse tipo de entrevista, é preciso referir-se às
diversas etapas de elaboração pelas quais passou o conceito que se examina no curso
de sua evolução histórica (MUNARI, 2010, p.14)
- 67 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
[...] o desenvolvimento da inteligência como devido, não a uma faculdade que já está
completada, mas à manifestação de uma série de estruturas que se impõem de dentro
à percepção e à inteligência, à medida das necessidades que o contato com o meio
provoca (PIAGET apud MUNARI, 2010, p.37).
[..] uma epistemologia naturalista sem ser positivista, que põe em evidência a atividade
do sujeito sem ser idealista, que se apoia também no objeto sem deixar de considerá-
lo como um limite (existente, portanto, independentemente de nós, mas jamais
completamente atingido) e que, sobretudo, vê no conhecimento uma elaboração
contínua (PIAGET, 1983, p.5).
A partir dessa base teórica, a Epistemologia Genética vai além das tradicionais
posições empiristas e apriorísticas-inatistas acerca do problema do conhecimento. A
também chamada psicogenética de Piaget considera o conhecimento como resultado
da interação simultânea entre um sujeito consciente e um objeto constituído, uma “[...]
dupla construção progressiva que depende a elaboração solidária do sujeito e dos
objetos” (PIAGET, 1983, p.6). Portanto, para a psicogenética não há um sujeito
distinto do objeto ou um objeto independente de um sujeito na origem ou no início
do processo de formação do conhecimento.
Desconsiderando como ponto de origem do conhecimento tanto o objeto,
enquanto fenômeno, quanto o sujeito a priori, a Epistemologia Genética identifica “a
própria ação em sua plasticidade” como sendo o “instrumento de troca inicial” entre
o interior e o exterior, anterior a percepção, que depende da “ação em seu conjunto”
(PIAGET, 1983, p.7). Com a indistinção inicial entre sujeito e objeto, Piaget aponta
para o “corpo próprio” como sendo o ponto de centração inconsciente das “ações
primitivas”. Esse momento do desenvolvimento do conhecimento é denominado
como nível sensório-motor do indivíduo.
- 68 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
- 69 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
- 70 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Não há dúvidas de que a ciência nos colocou há muito diante dessas convergências
surpreendentes entre a dedução matemática e a experiência, mas é impressionante
constatar que em níveis bem inferiores do das técnicas formalizantes e experimentais
uma inteligência ainda muito qualitativa e mal aberta ao cálculo chegue a
correspondências análogas entre essas tentativas de abstração e seus esforços de
observação embora pouco metódicos. E sobretudo instrutivo constatar que este
acordo é fruto de longas séries correlativas de construções novas e não
predeterminadas, partindo de um estado de confusão indiferenciada de onde aos
poucos se destacam as operações do sujeito e a causalidade do objeto. (PIAGET,
1983, p.30)
- 71 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
reforma do ensino intelectual muito mais radical que possam imaginar muitos dos
partidários da escola ativa. (PIAGET, 1975, p 62)
A partir dessa constatação, torna-se claro o motivo pelo qual Piaget afirma que
a educação deve fornecer ao aluno a “ação sobre os objetos e a experimentação”, pois,
as operações cognitivas passam por processos de assimilação do objeto e a elaboração
lógico-formal só se torna possível a partir da interiorização de experiências concretas.
Para exemplificar, Piaget cita o ensino de matemática no primeiro e segundo grau. De
acordo com ele, comumente o aprendizado de matemática se torna difícil ao aluno por
conta do método de ensino a que ele é submetido. O ensino tradicional de matemática
muitas das vezes aborda problemas abstratos, desvinculados da vida concreta, fazendo
com que o aluno não consiga resolvê-los, não por falta de inteligência pessoal, mas por
falta de relação com sua experiência e com seu interesse. O epistemólogo conclui que
[...] todo aluno normal é capaz de um bom raciocínio matemático desde que se apele
para a sua atividade e se consiga assim remover as inibições afetivas que lhe conferem
com bastante frequência um sentimento de inferioridade nas aulas que versam sobre
essa matéria. (PIAGET, 1975, p.65)
O objetivo da educação não é saber repetir ou conservar verdades acabadas, pois uma
verdade que é reproduzida não passa de uma semi-verdade: é aprender por si próprio
a conquista do verdadeiro, correndo o risco de despender tempo nisso e de passar por
todos os rodeios que uma atividade real pressupõe (PIAGET, 1975, p.69)
- 72 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Considerações Finais
- 73 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
Referências
- 74 -
Eixo 1
Ensino e Aprendizagem e Educação Científica em Ciências Humanas e Letras
_____. Para onde vai a educação? Tradução de Ivette Braga. 2.Ed. Rio de Janeiro:
Livraria José Olympo Editora/ UNESCO: 1975.
- 75 -
- 76 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
O VAZIO E A FALTA:
O OLHAR SENSÍVEL DE BARTHES E MICHAUX SOBRE O
JAPÃO
Resumo: A presente pesquisa tem como objetivo explorar a relação dos escritores franceses
Roland Barthes e Henri Michaux com o Japão. Para tanto, verificou-se na noção barthesiana
de vazio iluminado pelo próprio escritor em O Império dos signos (1970), e na ideia de falta
percebida em Michaux no texto “Um bárbaro no Japão”, pertencente a obra Um Bárbaro na
Ásia (1933), traços dessa experiência oriental. Com isso, ao visitar esse país asiático, eles
tiveram a oportunidade de extrair desse encontro elementos que alimentaram suas
perspectivas a respeito de um lugar ainda não conhecido, construindo, consequentemente,
um Japão pessoal.
O Império dos signos foi publicado em 1970, e foi fruto de três viagens feitas por Roland
Barthes ao Japão na década de 1960. O escritor francês experimentou o arquipélago asiático
pela primeira vez em 1966, e depois por mais duas vezes, especificamente, de acordo com
Laura T. Brandini em “A escritura barthesiana na página em branco japonesa” (2017), “[...]
de 5 de março a 5 de abril de 1967 e de 18 de dezembro de 1967 a 10 de janeiro de 1968
[...].” (BRANDINI, 2017, p. 165). Trata-se de uma obra que reúne reflexões sensíveis acerca
dos inúmeros fragmentos do cotidiano japonês colhidos pelo olhar barthesiano, além disso,
verifica-se em suas páginas a presença do que Barthes trata como o “vazio dos signos” nos
detalhes do dia-a-dia da capital japonesa, Tóquio. Lugar esse, onde, sem ao menos conhecer
a língua nativa, o escritor consegue estabelecer relação com essa cultura tão distante da sua
sem que sua escrita acabasse caindo em um oceano de estereótipos. Em relação a isso, o
escritor apresenta a seguinte afirmação: “Não olho amorosamente para uma essência oriental,
o Oriente me é indiferente.” (BARTHES, 2016, p. 8). Em outras palavras, ele não buscou
nas vozes da doxa um sentido para os signos que lhe chamaram a atenção, Barthes
simplesmente os ressignificou, dando-os sentidos oriundos de suas reflexões. Sendo assim,
o Japão de Barthes é um universo onde os signos são percebidos como vazios, vazios de
definição única e, por essa razão, abertos à variadas interpretações, principalmente, pelo
- 77 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
desconhecimento da língua local que acabou lhe proporcionando a criação de “pontes” que
o levassem à variadas significações.
E como respaldo para traçar um diálogo com a experiência barthesiana de vazio no
Japão, traz-se à luz a obra Um bárbaro na Ásia (1933) do também escritor francês Henri
Michaux, onde se identifica no capítulo denominado “Um bárbaro no Japão”, não a noção
de vazio, mas sim, uma consciência onde a falta se fez presente ao se referir a seus dias no
país asiático. Michaux teve a chance de caminhar por vários cantos do mundo. Já na época
de 1930, em uma sequência de viagens, de acordo com Marisa Martins Furquim Werneck,
no texto “Henri Michaux: Estrangeiro absoluto”, disponível no livro L’Étranger tel qu'il (s')écrit
(2014), o escritor percorre a Turquia, a Itália, o norte da África, a Alemanha, a Bulgária, a
Áustria, a cidade de Londres, de Madri, de Sevilha, do Marrocos e depois segue para Marselha
com o intuito de embarcar rumo ao extremo Oriente. Sobre tal decisão Werneck indica que:
No outono de 1931, não se sabe exatamente quando, nem como, Michaux embarca para a
Ásia. Durante oito meses, viaja pela Índia, China e Japão. Dessa viagem resultarão três
relatos. Em cada um deles, Michaux atribui, a si mesmo, o nome mais vil que um estrangeiro
pode receber: um bárbaro. (WERNECK, 2014, p. 70).
Dessa forma, como resultado das viagens aos Oriente, ele escreve o livro Um bárbaro
na Ásia, onde o Ceilão, atual Sri Lanka, a Malásia, a China e o Himalaia também foram
atingidos por seus relatos de viagem, obra essa que está construída de maneira cronológica,
diferentemente de O Império de Barthes, cuja escrita não denota a preocupação em apresentar
qualquer acontecimento de modo contínuo.
Com isso, o intuito desta análise foi verificar a forma com a qual Barthes e Michaux
se relacionaram com o Japão, observando, justamente, no vazio de Barthes e na falta de
Michaux, vestígio de duas vivências particulares que surgiram desse contato com o
estrangeiro. Por esse motivo, observou-se na obra O Império dos signos e do texto “Um bárbaro
no Japão”, sinais que apontassem a presença do vazio na fala de Barthes e a falta na de
Michaux, relacionando-os através dos estudos da Literatura Comparada, especificamente por
meio de uma de suas ramificações: imagologia. Este que tem o papel de verificar como a
cultura estrangeira é retratada dentro da literatura. De acordo com Álvaro Manuel Machado
e Daniel-Henri Pageaux no texto “Da Imagem ao Imaginário” publicado no livro Da
Literatura Comparada à Teoria da Literatura (1988) a imagologia trata dos estudos “[...] das
imagens do estrangeiro num determinado texto, numa literatura ou mesmo numa cultura,
[...] é um dos métodos de investigação mais antigos em Literatura Comparada [...]”.
(MACHADO; PAGEAUX, 1988, p. 55).
Então, ao tecer um texto com fios que se originam das vozes de Barthes e Michaux,
construiu-se uma perspectiva outra sobre um país cuja localidade e nuances culturais se
encontram tão longe das dos ocidentais, experimentando, dessa forma, um jeito diferente de
se pensar o Japão.
- 78 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Essa situação é exatamente aquela em que se opera [...] uma revirada das antigas leituras, uma
sacudida do sentido [...] sem que o objeto cesse jamais de ser significante, desejável. A
escritura é, em suma e à sua maneira, um satori: o satori (o acontecimento Zen) é um abalo
sísmico mais ou menos forte (nada solene) que faz vacilar o conhecimento, o sujeito: ele
opera um vazio de fala. (BARTHES, 2016, p. 10).
- 79 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
para se pensar o signo de um modo outro. No Japão, essa noção se verifica no fato dele não
ter buscado uma voz japonesa para respaldar os signos que lhe chamavam a sua atenção,
observando-os como flexíveis e abertos a várias outras significações. Em outras palavras, foi
o modo como Barthes encontrou para se relacionar com essa cultura, sem registrá-la em sua
crueza e ao mesmo tempo sem comprometer nenhuma realidade existente por meio de suas
interpretações. Conforme explica Rodrigo Fontanari em “A concepção de vazio em Roland
Barthes” (2018):
Ora, o termo vazio, tal qual o pensa Barthes, esse esvaziamento da linguagem não tangencia
nenhuma problemática metafísica. Não é o nada, como ele mesmo confessa ao mundo, numa
entrevista feita por Guy Scarpetta à revista Promesse, em 1971: “[...] o vazio não deve ser
concebido (figurado) sob a forma de uma ausência (de corpos, de coisas, de sentimentos, de
palavra, etc.: o nada) – aqui somos vítimas da física antiga [...]. O vazio é antes o novo, o
retorno do novo (que é o contrário da repetição)” (BARTHES, OC, III, 2002, p. 995 apud
FONTANARI, 2018, p. 44).
[...] a saudação, inclina-a até a curvatura, o achatamento, faz triunfar nela não o sentido, mas
o grafismo, e dá, a uma postura que lemos como excessiva, a própria discrição de um gesto
do qual todo significado está inconcebivelmente ausente. A Forma é Vazia, diz – e rediz a
frase budista. (BARTHES, 2016, p. 88)
De outro modo, ele indica que essa saudação é um signo que, nele mesmo, não se
encontra significados definidos, senão aqueles que o próprio sujeito insere em determinados
momentos. Pois esse gesto tanto pode representar um pedido de desculpas como um sinal
de cumprimento, para além disso, dependendo da intensidade da curvatura pode sinalizar
inúmeras outras significações. Sendo assim, quando Barthes escreve que a “Forma é Vazia”
- 80 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
referindo-se ao Budismo, ele quer expor que, é o indivíduo quem define o sentido de cada
estrutura, uma vez que a forma por si só não significa nada. Na tradição do Zen budista, há
uma explicação que se aproxima a esse vazio barthesiano, e que se caracteriza como a
vacuidade da forma. Conforme a explicação do monge Geshe Kelsang Gyatso em seu livro
Budismo Moderno, O caminho de compaixão e sabedoria (2010),
Vacuidade é o modo como as coisas realmente são. É o modo como as coisas existem, que
é oposto ao modo como elas aparecem. Acreditamos, naturalmente, que as coisas que vemos
ao nosso redor – como mesas, cadeiras e casas – são verdadeiramente existentes porque
acreditamos que elas existem exatamente do modo como aparecem. No entanto, o modo
como as coisas aparecem aos nossos sentidos é enganoso e completamente contraditório ao
modo como elas realmente existem [...]. Embora as coisas apareçam diretamente aos nossos
sentidos como sendo verdadeiramente existentes, ou inerentemente existentes, na realidade
todos os fenômenos carecem, ou são vazios, de existência verdadeira. (GYATSO, 2016, p.
102)
- 81 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
do que à “presença” para traçar suas considerações sobre os lugares que teve a oportunidade
de percorrer, alimentando-se, dessa maneira, de uma visão com base em comparações para
a construção de suas perspectivas. No trecho a seguir ele expressa esse fato ao declarar que:
“os bambus japoneses: tristes, esgotados, cinzentos e sem clorofila, ao Ceilão não
interessariam nem como caniços.” (MICHAUX, 1994, p. 151). Ou seja, os bambus japoneses
não se igualam ao que ele viu no Ceilão de tão insignificantes que são.
Ao trazer Michaux para mais próximo das experiências de Barthes, pode-se pensar
no que Barthes levanta sobre os gestos japoneses, como a saudação. Uma ação que busca ser
significante para inúmeros outros significados, não se definindo nela mesma de modo
isolado. No caso de Michaux o contentamento dos japoneses, por exemplo, é retratado da
seguinte maneira: “Um riso louco e superficial em que o olho desaparece, [...] o sorriso
japonês, que só mostra os dentes, a simpatia não passa. [...] [é] uma coragem particularmente
decorativa”. (MICHAUX, 1994, p. 152-153). Nessa visão, o escritor, diferentemente de
Barthes, não se permitiu mergulhar nos signos desses gestos e perceber que os japoneses,
nessa situação, pretendem significar um sorriso, e não, necessariamente, envolver essa ação
com toda a emoção esperada – o sorriso, como um signo, é demonstrado por meio de seus
traços, porém o seu sentido é dado por cada indivíduo que vive o instante no qual o ele é
desenhado. Consequentemente, o sorriso não é uma verdade ou uma mentira, é apenas um
signo como a prática de curvar o corpo para a efetivação de um cumprimento entre duas
pessoas, ou seja, não há o intuito de se parecer simpático, mas sim de significar um gesto de
simpatia. Aliás, a experiência de um sorriso regado de emoção Michaux vive no Nepal,
quando relata ter encontrado uma mocinha nepalesa que lhe oferece chocolates, segundo o
escritor: “aquele sorriso, nada desajeitado, tão claro, impressionou-me profundamente, e eu
a olhava tão encantado que ela mesma se emocionou.” (MICHAUX, 1994, p. 160). E segue
ao completar: “Oh, primeiro sorriso da raça amarela”. (MICHAUX, 1994, p. 160).
Em outro momento do livro, Michaux apresenta aspectos não muito amigáveis sobre
as pessoas do arquipélago visitado ao salientar que: “Os homens não têm brilho, dolorosos,
devastados e secos, servidores de X, Z cú da pátria-papai [...]. As mulheres, ares de servas
(servir, sempre), as jovens, belas criadinhas de quarto, [...] atarracadas, baixas, fortes”
(MICHAUX, 1994, p. 152). Por conseguinte, ele expressa, dessa forma, seu desânimo
completo não apenas com a natureza, mas, também com os japoneses, algo que,
curiosamente, não aconteceu na China, onde ao lembrar do seu encontro com os chineses
indica ter visto homens habilidosos, com dedos ágeis como os de violinistas, pessoas
modestas, com virtudes e muita sabedoria. Já as mulheres percebidas por ele na China, são
belas como a lua, pois são iluminadas como tal, e ao mesmo tempo de uma claridade discreta
sem agredir nenhum olhar – elas servem sem servilismo, mas com afeto, cuidado e graça.
(MICHAUX, 1994). E continua ao indicar que o
corpo admirável, o das mulheres chinesas, como o desenho de uma planta, jamais a pose
rasteira que a europeia adota com tanta facilidade, e as velhas e os velhos, caras muito
agradáveis, não extenuadas, mas atentas e despertas, um corpo que sempre cumpre seu
trabalho, e com as crianças uma ternura que encanta. (MICHAUX, 1994, p. 116)
- 82 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
O que se nota em Michaux é a falta que lhe fez essas imagens coletadas em outros
cantos da Ásia e não descobertas por ele em solo nipônico, não apenas em relação a natureza
que ele considera miserável, mas também em relação às pessoas, em tudo há o esboça da
falta. No caso de Barthes, ele percebe a individualidade presente nos japoneses, não
colocando esses corpos em comparação, ou inferiorizando-os. Ele se desligar do arquétipo
distorcido construído por estereótipos enraizados por discursos ocidentais a respeito dos
indivíduos daquele país que os definiam da seguinte forma: “[...] um ser miúdo, com óculos,
sem idade, vestido de modo correto e apagado, modesto empregado de um país gregário.”
(BARTHES, 2016, p. 126). Com isso, o escritor não enxerga os japoneses como “cú da
pátria” como indicou Michaux, nem sem brilho, beleza ou vida própria. Pois, conforme
Barthes:
os corpos: todos japoneses (e não: asiáticos), formando um corpo geral (mas não global,
como se acredita de longe), e no entanto uma vasta tribo de corpos diferentes, dos quais cada
um remete a uma classe, que foge, sem desordem, em direção a uma ordem interminável; em
uma palavra: abertos, no último momento, como um sistema lógico. O resultado – ou a
implicação – dessa dialética é o seguinte: o corpo japonês vai até o extremo de sua
individualidade [...]. (BARTHES, 2016, p. 131)
Assim, a individualidade no Japão, sob o ponto de vista barthesiano, não deve ser
entendida aos moldes ocidentais, pois é preciso adentrar nos poros desse corpo nipônico
para se perceber as maravilhas existentes em cada sujeito. De outro modo, a individualidade
está na discrição, na suavidade dos movimentos e não nos exageros físicos que separa uma
pessoa de outro. Nas palavras do escritor francês verifica-se que a individualidade
[...] não pode ser compreendida no sentido ocidental: ela é pura de toda histeria, não visa
fazer do indivíduo um corpo original, distinto dos outros corpos, tomado por aquela febre
promocional que atinge todo o Ocidente. A individualidade não é aqui fechamento, teatro,
superação, vitória; é simplesmente diferença, refratada, sem privilégios, de corpo a corpo. É
por isso que a beleza não é aí definida, à maneira ocidental, por uma singularidade inacessível
[...]. (BARTHES, 2016, p. 134)
E essa percepção nutrida por Barthes só se fez possível graças ao vazio dos signos,
um vazio criado como meio para se alcançar uma pluralidade de significações acerca do
desconhecido. Desse modo, ele pode analisar os traços da cultura experimentada por ele,
enxergando na porosidade dessas formas, significações distantes dos estereótipos já
disseminados e que prejudicam uma relação verdadeiramente pessoal em relação a qualquer
destino ou sujeito ainda não conhecido. São os detalhes que fazem de cada indivíduo um
mundo original, porém com fragmentos de uma multiplicidade de outros corpos reunidos
em um só, dando assim, sentidos plurais para cada mosaico de signos.
- 83 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Considerações finais
Referências
- 84 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
MICHAUX, Henri. “Um Bárbaro no Japão”. In: ______. Um Bárbaro na Ásia. Tradução
de Denise Moreno Pegorim. São Paulo: Nova Alexandria, 1994, p. 147- 162.
WERNECK, Marisa Martins Furquim. “Henri Michaux: Estrangeiro absoluto”. In: Ana
Clara Santos José Domingues de Almeida. (Orgs.). L’Étranger tel qu'il (s')écrit.
Faculdade de Letras Universidade do Porto. Porto: U. Porto, 2014. p. 67-82. Disponível
em: https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/12323.pdf. Acesso em: 16 out. 2021.
- 85 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Resumo: A narrativa das últimas décadas na América Latina coincide com o fim do
pós-modernismo e o início de um período estético peculiar, que se caracteriza, numa
de suas derivas, pela profusão de temas, novas linguagens e formas expressivas
inspiradas na relação com outras artes e suportes, prática denominada pelos críticos
como “literatura ampliada” ou “campo expandido das artes”. Nesse contexto, o
presente trabalho objetiva apresentar um breve panorama da narrativa latino-
americana atual, ao explorar algumas de suas tendências mais destacadas em textos
literários cujos procedimentos criativos centram-se na noção de "literatura ampliada",
conceito-chave para analisar esse tipo de narrativa. As reflexões de: Garramuño (2016),
Giordano (2019), Laddaga (2007), Ludmer (2010; 2019), Miranda (2019), Ranciere
(2009), entre outros autores, nutrem o estudo.
A narrativa das últimas décadas na América Latina coincide com o fim do pós-
modernismo e o início de um período estético peculiar, que se caracteriza, numa de
suas derivas, pela profusão de temas, novas linguagens e formas expressivas inspiradas
na relação com outras artes e suportes, prática denominada pelos críticos como
“literatura ampliada” ou “campo ampliado das artes”2, em referência ao termo que
Rosalind Krauss usa no ensaio “Sculpture in the Expanded Field” (1979), para analisar a
escultura contemporânea a partir das experiências do minimalismo americano dos anos
sessenta, momentos de ruptura em relação à tradição moderna, quando a escultura
cumpria uma função estética ligada aos valores de “autonomia” e “auto-
referencialidade”. A escultura em seu sentido ampliado neutralizaria as diferenças entre
arte, paisagem e arquitetura, produzindo híbridos inespecíficos. No universo literário,
o centro da questão estética que rodeia a produção atual se inscreve nos debates sobre
a pós-autonomia da arte contemporânea. No encalço dessa problemática, este estudo
objetiva apresentar um breve panorama da narrativa latino-americana ao explorar
2 Na América Latina, nos estudos de: Aria (2016); Garramuño (2014; 2015); Laddaga (2006;
2007); Ludmer (2007; 2010); Miranda (2019); Olmos (2011), entre outros autores.
- 86 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
3 Neste estudo, o conceito "campo ampliado das artes" é utilizado numa dupla visão: indicar
o acontecimento pelo qual a literatura insiste em sair além de si mesma, também, descrever o
deslocamento de certas práticas de escrita para fora da instituição literária.
4 “[…] toda la literatura [del presente] aspira a la condición del arte contemporáneo”.
5 “[…] exaltan la novedad radical de ciertos experimentos verbales para afirmar el fin o la
- 87 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
anteriores , nos quais a eficácia artística foi identificada com a representação de valores
transcendentais ou a intervenção imediata nos assuntos da comunidade, “o regime
estético seria caracterizado por sua composição heterogênea, até contraditória, por sua
lógica inclusiva em quanto aos conteúdos (a ideia de que todo pode se tornar matéria
artística) e os desequilíbrios inerentes à indeterminação formal” 6 (GIORDANO, 2019,
p.3). Ao apostar pelo fim do regime estético moderno, um setor da crítica literária
latino-americana atual, neutralizaria os efeitos de sua composição contraditória quando
esquece que, do ponto de vista desse regime, a literatura é autônoma e heterônoma
desde o início. “Desconhece, também, a heterogeneidade e a heterotemporalidade
desse suposto passado, precisa ignorá-las para se autorizar como porta-voz do
presente” (Ibid, p.4). A partir dessas considerações, vale perguntar se as
“transformações estéticas” da literatura latino-americana das últimas décadas do século
XX e inícios do XXI podem ser consideradas manifestações de um novo paradigma
estético? Ou são rupturas da tradição anterior? Ou são continuidades do paradigma
moderno ainda vigente? Ou formam parte do que Octavio Paz (1985) denominou
como “uma tradição feita de interrupções em que cada ruptura é um começo?
Em recente ensaio, Wander Melo Miranda (2019), em consonância com as
reflexões da chamada crítica “pós-autonomista”, considera às atuais práticas criativas
literárias como produto de um intrincado cruzamento de tendências e estilos no
diálogo da literatura com outras artes e linguagens, (“ficção experimental”), do qual
deriva um sentido político que alteraria a relação do leitor com a obra, responsável pela
emergência de relatos cruzados, textos híbridos em sua configuração e heterogêneos
quanto a seu lugar na ordem dos discursos:
- 88 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
7 [...] de una ética del procedimiento y de la forma [...] de un ejercicio de la distancia que opera
como un ‘antídoto contra la adherencia’ y una ‘crítica contra la adhesión’. El poder de la
literatura se apreciaría en el efecto indirecto de un deseo de sustracción que interrumpe los
procesos culturales de totalización y homogeneización.
8 “como un proceso afectivo, como el devenir de un cuerpo o de una sensibilidad según su
desprendimiento, siempre respondería, desde esta perspectiva, a las necesidades que tiene una
vida –el proceso impersonal que llamamos ‘vida’– de transformarse, de afirmarse como
potencia de variación”.
10 “En cualquier arte, un hallazgo técnico sería solo una de las formas que adopta la vida para
- 89 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Mas, como pode o que está fora do tempo próprio ser uma característica do
contemporâneo? Numa compreensão mais ampla da contemporaneidade, Agamben
(2009) a define não necessariamente como uma forma de ser, mas, uma tarefa que
compromete a tomada de decisões com respeito ao presente. Para se tornar
contemporâneo é preciso renunciar à banalidade dos significados atuais, simples ou
sofisticados, e se aventurar através de sombras, seguindo os sinais emitidos pelo
obscurecimento do presente, como se fossem mensagens cifradas. Contemporâneo é
aquele que rubrica o afundamento do convencional no ambíguo, testemunha a força
com que o indeterminado rompe os emblemas da época.
A partir das anteriores reflexões se podem traçar diversas linhas de exploração
(MONTAÑES, 2018), que levam a se perguntar, entre outras indagações, sobre como
operam as práticas artísticas do passado nos textos literários do presente? Que modelos
temporais podem se propor para o estudo da literatura atual? Perguntas centrais na
análise da relação da literatura da América Latina e a estética contemporânea, desde
um de seus vieses, o anacronismo.
Ao estabelecer conexões da literatura com outras práticas estéticas, Florencia
Garramuño vê algumas das práticas artísticas do presente em diálogo ativo com o
passado pela via do anacronismo, da reciclagem e da reorganização de materiais de
arquivo que permitem ativar “um poder de sobrevivência de intenso poder evocativo
e, simultaneamente, perturbador” (GARRAMUÑO, 2016, p. 59)13. São práticas
estéticas que ao incorporar objetos ou restos provenientes de tempos diversos exibem
propositalmente a sua obsolescência e/ou sobrevivência dando origem à
“sobrevivência do obsoleto”: “Se trata de objetos, imagens e discursos obsoletos
recuperados, recontextualizados, e utilizados para intervir com eles em novos
contextos estéticos nos quais essa marca obsoleta vem a ativar uma sobrevivência”
(GARRAMUÑO, 2016, p. 60)14. O procedimento da obsolescência permitiria
interrogar o presente desde a porosidade temporal, pois, de acordo com Didi-
Huberman (2005)15, não há história de um tempo que não seja, por sua vez, reescrita
- 90 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
de outras épocas com as quais se dedica a dialogar. Por isso mesmo, a obsolescência,
enquanto sobrevivência, pode ativar valores próprios do régime moderno das artes, ao
manter, via anacronismo, um intenso diálogo com a tradição.
Apesar da experiência anômala da sobrevivência, a coexistência de fatores
dissimiles expande os limites do literário pela incorporação de corpos impróprios,
estabelecendo uma conexão extratemporal e extraterritorial entre eles, onde o que é
ressignificado (o obsoleto) tem a potência de ser ou não ser, já que “a recordação
restitui possibilidade ao passado, tornando irrealizado o acontecido e realizado o que
não foi. A recordação não é nem o acontecido nem o não acontecido, mas o seu
potenciamento, o seu tornar-se de novo possível” (AGAMBEN, 2015, p. 46). Assim,
o estranhamento do presente como condição para a contemporaneidade supõe, como
já visto, a afirmação do anacrônico ou do “futuro do passado em outro tempo”
(BENJAMIN, 1985), temporalidade peculiar, condensada na atemporalidade do agora
que é sobrevivência e recordação de aquilo que não foi.
No universo da literatura da América Latina, o procedimento da sobrevivência
do obsoleto pode ser identificado nas obras de autores cujas práticas criativas operam
a partir da reorganização de materiais de arquivo provenientes de diferentes contextos,
que deliberadamente mostram sua obsolescência ao trabalhar com restos ou resíduos
de outras épocas para causar estranheza ou iluminar o presente. Cadernos, catálogos,
desenhos, relatos, reportagens, discursos, periódicos, fotografias antigas, entre outros,
intercalam a narração atual com sedimentos do passado, tal como ocorre em “Poema en
un bolsillo”, primeiro relato de “Traiciones de la memória” (2009) de Héctor Abad
Faciolince, onde um conjunto de cartas pessoais, ilustrações, citações, fotografias, e a
memória –símile do arquivo –, são recursos usados pelo autor para a reconstrução
detalhada e precisa acerca da origem de “Epitafio”, soneto encontrado no bolso do pai
quando foi assinado em 25 de agosto de 1987, fato narrado no final de um romance
anterior: El olvido que seremos (2006), cujo título corresponde ao primeiro verso do
referido poema. A investigação empreendida por Abad para descobrir a autoria desta
obra, se é um poema apócrifo ou se realmente pertence a Borges – já que foi acusado
de plágio _, o leva a criar uma “caderno de campo” com detalhadas anotações de
possíveis percursos, pistas, fontes bibliográficas e registros das viagens por várias
cidades de 11 países, além dos inúmeros documentos pessoais utilizados na pesquisa.
Desse modo, Héctor Abad exercita neste romance uma escrita plural – híbrido de
conto, ensaio, autobiografia – que inter-relaciona elementos literários com o rigor da
pesquisa acadêmica, apagando assim as fronteiras entre a realidade e a ficção, tal como
expressa no prólogo da obra: “Quando se sofre daquela forma tão peculiar da
brutalidade que é a má memória, o passado tem uma consistência quase tão irreal como
- 91 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Os títulos dos oito capítulos da primeira parte da obra, aludem alguns jornais
socialistas das primeiras décadas do século XX: Verba roja, Luz y vida, Autonomía y
solidaridad, El proletario, Nueva Era, Acción directa, El obrero gráfico, La voz del
mar. [...] são restos messiânicos de revoluções perdidas e desejos não realizados,
quando os trabalhadores proletários com consciência de classe ainda acreditavam na
revolução e se organizavam para lutar por seus direitos [...] A classe trabalhadora é
uma caracterização anacrônica, uma minoria fragmentada e minguante. A referência a
‘El despertar de los trabajadores (Iquique, 1911)’ - o título da primeira parte do
romance, que evoca o despertar coletivo dos trabalhadores chilenos do início do
século XX -, alude agora, ironicamente, ao regime de trabalho insone que para Marx
era inerente à estrutura vampírica do capital e que Jonathan Crary teorizou em 24/7,
um mundo imaginado como um shopping center 24 horas, previsível e
regulamentado, onde se realiza a ambição capitalista de absorver trabalho vivo sem
perguntar sobre o limite da força de trabalho” (RODRIGUEZ, 2019, p. 122)18.
16 “Cuando uno sufre de esa forma tan peculiar de la brutalidad que es la mala memoria, el
pasado tiene una consistencia casi tan irreal como el futuro […] nunca estoy completamente
seguro de si estoy rememorando o inventando”.
17 “[…] el pasado no tiene realidad sino como recuerdo presente”.
18 “Verba roja, Luz y vida, Autonomía y solidaridad, El proletario, Nueva Era, Acción directa,
El obrero gráfico, La voz del mar. […] son restos mesiánicos de revoluciones perdidas y deseos
sin cumplir, cuando los trabajadores proletarizados, con conciencia de clase, todavía creían en
la revolución y se organizaban para luchar por sus derechos [...] La clase obrera es una
caracterización anacrónica, una minoría fragmentada y menguante. La referencia a ‘El
despertar de los trabajadores (Iquique, 1911)’—el título de la primera parte de la novela, que
evoca el despertar colectivo de los obreros chilenos de principios de siglo XX—, alude ahora,
irónicamente, al régimen de trabajo insomne que para Marx era inherente a la estructura
vampírica del capital y que Jonathan Crary teorizó en 24/7, un mundo imaginado como un
centro comercial abierto las 24 horas, previsible y regulado, donde se realiza la ambición
capitalista de absorber trabajo vivo sin preguntar por el límite de la fuerza de trabajo”.
- 92 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
[...] em abalar a passividade das rotinas do trabalho escravo, das ofertas serializadas de
consumo, com o eco de protestos, rebeliões, insubordinações e revoluções que, ainda
que virtualmente, nunca cessam de interromper o monólogo do poder ou do dinheiro
com as fugas utópicas de imaginários agitados ou desintegrados19.
19“[...] en sacudir la pasividad de las rutinas de trabajo esclavo, de las ofertas serializadas de
consumo, con el eco de protestas, rebeliones, insubordinaciones y revoluciones que, aunque
sea virtualmente, nunca dejan de interrumpir el monólogo del poder o del dinero con las fugas
utópicas de imaginarios agitados o desintegrados”.
- 93 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
dentre as quais aparecem - como, por outro lado, em muitos outros livros de Bellatin
- alguns dos quais já foram narrados pelo mesmo autor em outros livros já
publicados20.
Referências
20 “Como una suerte de archivo de su obra pasada y por venir, el proyecto consiste en una
colección nunca completa y siempre en movimiento donde el proyecto trasciende —más que
concretarse en— su propia realización. En el libro publicado en Kassel, además, se consignan
los cien temas sobre los cuales tratarían estos libros, entre los que aparecen —como, por otro
lado, en muchos otros libros de Bellatin— algunos de los que ya fueron narrados por el mismo
autor en otros libros ya publicados”.
21 “The books will go on sale only if someone is interested in owning them; these books are
made available, not marketed; they are in a sort of gelatinous state of exchange. This gelatinous
state of exchange can be altered by Mario Bellatin, by a reader, or by circumstance”.
- 94 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
BELLATIN, Mario. The Hundred Thousand Books of Bellatin: 100 Notes, 100
Thoughts: Documenta Series 018 (100 Notes - 100 Thoughts/100 Notizen - 100
Gedanken). UK: Gestalten, 2012.
ELTIT, Diamela. Mano de obra. Santiago de Chile: Editorial Planeta, Seix Barral,
2002 (Col. Biblioteca Breve).
GIORDANO, Alberto. Alan Pauls y la ‘literatura expandida’. Orbis Tertius, 24, vol.
XXIV, nº 29, e110, mayo-octubre 2019, p.1-9. Disponível em:
<https://doi.org/10.24215/18517811e110>. Acesso: 23, nov, 2019.
- 95 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
LUDMER, Josefina. Aquí América Latina. Una especulación. Buenos Aires: Eterna
Cadencia, 2010.
PAZ, Octavio. Los hijos del limo. Vuelta. Colombia: Editorial Oveja Negra, 1985
(Col. Historia de la Literatura Latinoamericana).
- 96 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
PAULS, Alan. “En el cuarto de las herramientas”. In: PAULS, Alan. Trance. Un
glosario. Buenos Aires: Ampersand. 2018.
- 97 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Introdução
- 98 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
na qual diversas pessoas podem acessar as mesmas lâminas ao mesmo tempo e interagir
juntas.
Neste trabalho, apresentamos duas propostas de atividades com o uso desta
plataforma em diferentes níveis de ensino e aprendizagem de Língua Espanhola.
Primeiramente, convidamos o leitor a recordar a importância dos estudos culturais do
idioma e a conhecer um pouco sobre a ferramenta utilizada, para, então, verificar as
propostas e as contribuições deste recurso didático.
- 99 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Atividades desenvolvidas
Para a criação livre dos usuários deste recurso didático, estão à disposição a
caneta, o apagador, a opção de seleção com o mouse, a inclusão de notas auto adesivas
(em formato quadrado e cores variadas), a caixa de texto (para escritos em tamanhos
diversos), algumas sugestões de fundo para serem usadas em cada lâmina e a opção de
- 100 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
adicionar imagens do Google ou disponíveis nos arquivos do computador. Por ser uma
ferramenta que possibilita a criatividade, acreditamos que
Essas estratégias são essenciais para extrair a melhor interação dos alunos, ajudando-
os a adquirir e a compreender o conteúdo que foi discutido, em sala de aula
virtual, e assim socializar o grupo, propiciando uma interação e uma
construção colaborativa de conhecimentos da TIC em que se fundamenta no
desenvolvimento da e-atividade no ambiente virtual de aprendizagem interativo,
colaborativo e investigativo no processo do desenvolvimento do pensamento
crítico (MELO; SANTOS; FLORÊNCIO, 2021).
Proposta 1:
- 101 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
- 102 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
A atividade de “La siesta” foi uma das mais impactantes, porque é um costume
espanhol em que as pessoas descansam após o almoço. Em algumas cidades, a sesta
pode acontecer das 14:00 às 17:00 e, por esse motivo, o comércio local fecha, voltando
a funcionar após esse horário. Entretanto, por mais que para alguns esse costume cause
estranhamento, de forma bastante interessante a aluna centrou sua pesquisa nos
benefícios causados por esse descanso diário como, por exemplo, melhorar o ânimo e
evitar o período de sol mais forte do dia.
De acordo com os exemplos de atividades apresentados, verificamos que essa
proposta possibilitou um olhar ao mundo com base na cultura “estrangeira” (CASAL,
2003), pois aproximou os alunos da língua e cultura estudadas e promoveu o contraste
de tais aspectos com sua própria cultura. Ressaltamos, ainda, que a atividade os
motivou a pesquisar sobre o assunto, tendo em vista que muitos estudantes
disponibilizaram vídeos como materiais extras para aqueles que quisessem maiores
informações a respeito do tema, contribuindo para uma interação entre todos, tanto
nas apresentações, como na sala de aula virtual (Google Classroom) em que esses materiais
foram compartilhados.
Proposta 2:
- 103 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
- 104 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
modo, eles foram convidados a refletir sobre “qual é o tesouro da sua cidade?” para
que pudessem pesquisar sobre ele e criar um cartaz com imagem e informações que
lhes parecessem importantes.
Com o intuito de dar continuidade ao estudo dos aspectos culturais abordados
no texto sobre o Museu do Ouro na cidade de Bogotá, Colômbia, em aula síncrona, as
atividades solicitadas foram corrigidas e também foram discutidos alguns aspectos
referentes ao país como, por exemplo, a cultura do café e algumas lendas.
Em seguida, a fim de refletir sobre o tesouro de sua própria cidade, de compartilhar
conhecimento e de promover a socialização dos trabalhos elaborados pelos estudantes,
a professora projetou as atividades de cada aluno, enquanto eles explicavam em Língua
Espanhola o que haviam colocado como “tesouro” e o motivo de suas escolhas.
Portanto, a atividade se desenvolveu em tais momentos:
No primeiro exemplo desta atividade, uma das alunas destacou o Jardim Botânico da
cidade de Londrina como um tesouro, por ser um lugar dedicado “à preservação de
espécies importantes para a restauração de ecossistemas” e comentou alguns costumes
locais dos londrinenses: um lugar em que as pessoas frequentam para fazer
caminhadas, estar com a família em piqueniques, além de fazer ensaios fotográficos.
- 105 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Figura 6: Exemplo de atividade desenvolvida por alunos: Iglesia Cristo Rey de Gonzaga
Fonte: Atividade elaborada por estudante de Letras Espanhol – UEL, na disciplina
1LEM008.
- 106 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Considerações finais
Referências
- 107 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
FERREIRA, Cláudia Cristina. Abre alas que eu quero passar. Não só a festividades
se resume trabalhar (inter/trans)culturalidade: reflexões teóricas e propostas
pedagógicas. In: FERREIRA, Cláudia Cristina; MIRANDA, Caio Vitor Marques
(orgs.). (Re)Visões sobre o processo de ensino e aprendizagem de línguas
estrangeiras/adicionais: conjugação entre teoria e prática. Campinas, SP: Pontes
Editores, 2020. p. 13-55.
LLORET IVORRA, Eva María, et.al. ¡Nos vemos! Curso de español para jóvenes y
adultos. Madri: Difusión, 2011. Reimp. 2017.
MELO, André Luis Canuto Duarte; SANTOS, Givaldo Oliveira dos; FLORÊNCIO,
Patrícia Cavalcante de Sá. Perspectivas de ensino nos cursos técnicos: experiências de
professores nas aulas remotas mediadas por Jamboard. Revista Devir Educação,
Lavras-MG. Edição Especial, p.206-226, Set./2021. Disponível em:
<http://devireducacao.ded.ufla.br/index.php/DEVIR/article/view/412/226>.
Acesso em: 28 de outubro de 2021.
- 108 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Resumo: Este trabalho surgiu por meio das discussões levantadas no projeto de
pesquisa Iluminuras do insólito na literatura latino-americana dos séculos XIX e XX, da
Universidade Estadual de Londrina, que visa dialogar sobre o insólito à luz de
narrativas contísticas da literatura latino-americana dos séculos XIX e XX, bem como
as relações entre si, a partir do ponto de vista da literatura comparada e seus conceitos
operatórios. Diante do exposto, como se constata, Júlio Cortázar foi um dos escritores
latino-americanos que fez parte do boom latino-americano, movimento que deu destaque
a diversos escritores entre 1960 e 1970, e Roberto Beltrão representa a contística
contemporânea brasileira e regional (Recife), soma-se a presença de elementos
fantásticos em suas narrativas; logo, elencamos para este estudo os contos Carta a una
señorita en París (1951), e Tens fogo? (2010), respectivamente. Portanto, esta pesquisa tem
por objetivo analisar e refletir sobre os contos à luz do insólito ficcional e disseminar
narrativas insólitas de autores latino-americanos, a fim de ampliar o repertório literário
e cultural (DURÃO, 2002; FERREIRA, 2018, 2020a, 2020b, 2021). Para tanto,
apresentamos o arcabouço teórico que versa sobre o insólito ficcional (GARCIA,
2011; ROAS, 2014; TODOROV, 1975), já que ambos os contos são permeados por
características dessa vertente literária, bem como evidenciam matizes culturais e seus
desdobramentos que entrelaçam aspectos linguísticos, culturais e literários.
Introdução
mail: gabrieloliveira@uel.br
3 Professora Associada do Departamento LEM (UEL). E-mail: claucrisfer@sercomtel.com.br
- 109 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
aspecto, enquadra-se uma de suas vertentes que vem sendo estudada com maior
frequência ao longo dos anos, a literatura fantástica.
De acordo com Cortázar, o fantástico “é uma coisa muito simples, que pode
acontecer em plena realidade cotidiana [...]” (CORTÁZAR apud BERMEJO, 2002, p.
37). Portanto, entendemos e apoiamos a definição de Roas (2011, p. 117), sobre a
literatura fantástica. O autor a vê como “uma categoria que nos apresenta fenômenos,
situações, que supõem uma transgressão da nossa concepção do real, visto que se trata
de fenômenos impossíveis, inexplicáveis de acordo com essa concepção.”. Nas
palavras de Garcia (2011)
como gênero literário, o fantástico estaria restrito àquela ficção cuja explicação
buscada para o insólito fosse impossível, mantendo-se narrador, narratário,
personagens e leitor real em dúvida permanente, hesitantes diante das opções que se
lhe apresentam, sem o poder decidir até o final da narrativa.
- 110 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
- 111 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Mas Cumade não é sempre malvada. Pode ser amiga das pessoas,
se receber um agrado.
O conto Carta a una señorita en París foi publicada no livro Bestiario (1951). Assim
como sugere o título, esta história é narrada como se fosse feita a leitura de uma carta,
assim, narrada em primeira pessoa, tal carta, é dirigida a uma senhorita que está
passando um tempo na cidade de Paris, na França. A personagem deixa seu
apartamento em Buenos Aires sob os cuidados de alguém, um amigo ou amiga. Desde
então, o narrador passa a expor os acontecimentos por meio da carta que escreve a sua
amiga que está viajando. Diversas situações que não poderiam ser explicadas de
maneira racional sucedem, porém, são naturalizadas.
A carta é escrita em Buenos Aires, na rua Suipacha em um apartamento que,
aparentemente, tem uma visão colonial e não muito agradável aos olhos do narrador,
introduzindo o insólito ao citar uma foto do amigo morto. Nota-se, ainda, que
identificamos um contexto marcado topograficamente, o que traz à luz especificidades
- 112 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
da nação do autor Cortázar, relevando suas raízes e traços que marcam sua comunidade
linguístico-cultural, uma vez que essa rua é uma das mais conhecidas em Buenos Aires.
Andrée, yo no quería venirme a vivir a su departamento de la calle Suipacha.
[...]
Almohadones verdes; en este preciso sitio de la mesita el cenicero de cristal que parece
el corte de una pompa de jabón, y siempre un perfume, un sonido, un crecer de
plantas, una fotografía del amigo muerto, ritual de bandejas con té y tenacillas de
azúcar. (CORTÁZAR, 1951, p. 12. Grifos nossos.)
[...] yo que quería leerme todos sus Giraudoux, Andrée, y la historia argentina de
López que tiene usted en el anaquel más bajo
(CORTÁZAR, 1951, p. 15. Grifos nossos.)
- 113 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Mais adiante, o narrador retoma relata o dia em que iniciou a escrita da carta.
Ele descreve o dia como chuvoso, nublado e de ar melancólico, e justifica que começou
escrever a ela, por este motivo, mas principalmente pelos coelhinhos: “Le escribo por
eso, esta carta se la envío a causa de los conejitos, me parece justo enterarla; y porque
me gusta escribir cartas, y tal vez porque llueve” (CORTÁZAR, 1951, p. 13).
Para ele é nítido que a dona do apartamento deve saber o que está acontecendo
e como ele se sente diante de uma situação que pode não ser muito bem interpretada
por terceiros, então decidiu escrevê-la em um dia chuvoso, inquietante, que condizia
com a situação. Em seguida, o narrador explica como se deu os preparativos para a sua
mudança para o apartamento, e é então, que começa a desenrolar uma história
intrigante, o narrador sente vontade de vomitar coelhinhos: “Justo entre el primero y
segundo piso sentí que iba a vomitar un conejito. Nunca se lo había explicado antes,
no crea que por deslealtad, pero naturalmente uno no va a ponerse a explicarle a la
gente que de cuando en cuando vomita un conejito” (COTÁZAR, 1951, p. 13).
Enquanto explica sobre a situação em que se encontrava no elevador, o próprio
narrador reconhece que não é natural explicar que às vezes ele vomita coelhinhos.
Contudo, ocorre uma normalização, por parte dele, no que tange a essa ação visto que
ela acontece quando ele se encontra só. Comunica a Andrée que não está sendo desleal,
apenas ocultando algo, assim como muitas pequenas coisas que guarda quando
acontece em uma intimidade total.
Ainda que a questão seja inquietante para o leitor, aos olhos do narrador, retirar
coelhos de sua garganta é algo comum, naturalizado, possível. Apenas introduzindo os
dedos na boca, agarrando os coelhos pelas orelhas, é que ele os expelia. Eram coelhos
como qualquer outro, portanto continuava a sua vida assim como tantos que compram
coelhos em lojas. O que deixa o leitor reflexivo é que era sempre entre o primeiro e
segundo andar, como se houvesse algo específico ali, porém não revelado, paira-se um
mistério: “Entre el primero y el segundo piso, Andrée, como un anuncio de lo que
sería mi vida en su casa, supe que iba a vomitar un conejito.” (CORTÁZAR, 1951, p.
14).
Assim seria a vida no apartamento enquanto estivesse cuidando do recinto,
essa sensação de medo ou de que outros interpretassem a situação como estranha,
- 114 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
anormal. Mas o que também sabemos é que vomitar coelhos era um costume, um
hábito, aí está o insólito, a naturalização de tamanha situação. Após um mês ele dava
o coelho de presente, e assim o ciclo repetia depois de o animal ficar no trevo plantado
em sua varanda por um tempo. Mesmo na presença de animais tão normais, fofinhos,
peludos e que não faziam mal a ninguém, é perceptível na carta uma mudança de
atitude no que se refere aos bichos
- 115 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Basta ya, he escrito esto porque me importa probarle que no fui tan culpable en
el destrozo insalvable de su casa
Anoche di vuelta los libros del segundo estante; alcanzaban ya a ellos, parándose o
saltando, royeron los lomos para afiliarse los dientes- no por hambre, tienen todo el
trébol que les compro y almaceno en los cajones del escritorio. Rompieron las cortinas,
las telas de los sillones, el borde del autorretrato de Augusto Torres, llenaron de pelos
la alfombra y también gritaron, estuvieron en círculo bajo la luz de la lámpara, en
círculo y como adorándome, y de pronto gritaban, gritaban como yo no creo que
griten los conejos. (CORTÁZAR, 1951, p. 21. Grifos nossos.)
Porém, pelo sentimento que tem pela amiga, o narrador não lhe enviará a carta
e sim esperará que ela chegue de Paris, porque mesmo com problemas em Buenos
Aires, ele não queria atrapalhar a sua amiga que estava na França. Assim, a carta só será
entregue quando a amiga retornar de sua viagem: “Dejaré esta carta esperándola, sería
sórdido que el correo se la entregara alguna clara mañana de París” (CORTÁZAR,
1951, p. 22).
Como vimos, neste conto, a verossimilhança está no desencadeamento de
situações dadas a partir da mudança temporária do narrador-personagem, para casa de
sua amiga. Por meio de vômitos em que os produtos são coelhinhos, há a instauração
do insólito que é naturalizado pelo modo de narrar.
A descrição do cotidiano, feita pelo narrador em primeira pessoa, aparenta ser
banal, mas há aí uma ilusão da realidade, uma vez que seres humanos não vomitam
coelhinhos, de fato. É neste sentido que entendemos que o conto pode ser lido pelo
viés do insólito, segundo o que apregoa Roas (2014), uma vez que abarca o
sobrenatural como parte do cotidiano. Nas palavras de Roas, outra estratégia do
insólito é: “desnaturalizar o real e naturalizar o insólito, isto é, integrar o ordinário e o
extraordinário em uma única representação do mundo” (ROAS, 2014, p. 36).
Por sua vez, o conto “Tens fogo?”, foi publicado no livro Malassombramentos
(2010) junto a outros contos que possuem o Recife como cenário. O título da obra
que reúne as narrativas contísticas (Malassombramentos) antecipa o resgate de
personagens presentes, outrora, no imaginário coletivo, os quais assombravam a
comunidade de Recife e que Beltrão (2010) resgata, avivando ou relembrando o
folclore regional e, consequentemente, preservando/restaurando personagens
peculiares que tanto inspiram narrativas e povoam nosso imaginário, constituindo-se
parte da história e identidade de um povo. O relato em primeira pessoa do singular
(narrador personagem) é uma estratégia de narrativas insólitas para gerar maior efeito
de realidade, envolvendo o leitor e, assim, contar com sua credibilidade, além de tê-lo
como seu cúmplice nos acontecimentos.
Apresentando aspectos que fazem parte do universo insólito, o conto relata
uma situação macabra no bairro Recife, no início da ponte Maurício Nassau. O
personagem que deve atravessar o rio para chegar até a parada de ônibus se depara
com algumas situações estranhas e inexplicáveis que lhe causam arrepios. A narrativa
- 116 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Nisso veio em minha direção um sujeito esquisito. Fiquei logo desconfiado. Mesmo
assim, achei melhor não mudar de calçada para não dar bandeira. O cara estranho
mesmo, fazia um estilo boêmio antigo, usava paletó branco e um chapéu tipo
Panamá caído sobre os olhos, como que cobrindo o rosto. (BELTRÃO, 2010. p. 11.
Grifos nossos.).
- 117 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Atravessar uma ponte pela noite, em um local não muito agradável, talvez um
horário em que os “fantasmas” saiam para brincar, não seja o melhor sentimento.
Imagina então deparar-se com alguém do qual o rosto lhe provoca repulsa. O indivíduo
tido como malandro que lhe pede fogo, tinha a face em decomposição, desfigurada,
causando repugnância, aflição, pavor e incômodo.
Mas não dava. Olhei o cidadão para dizer que estava sem fogo mesmo e fiquei mudo
ao reparar o rosto dele. Dava nojo, entende? A cor da pele era estranha, meio
arroxeada, parecia até aqueles cadáveres usados nas aulas de anatomia – na época,
já estava estudando medicina. Deu uma agonia horrível. (BELTRÃO, 2010. p. 11.
Grifos nossos.).
Resolvi ir para casa, tava cansando, sem saco, com sono, sei lá. Catei uns trocados
no bolso e vi que estava quase liso. A grana não era suficiente (BELTRÃO, 2010, p.
11. Grifos nossos)
_ Ei, boy! Vai pra tua casa, que teu pai deve tá preocupado, visse? (BELTRÃO, 2010,
p. 12. Grifos nossos)
Após responder ao moço que levava em sua garganta cacos de vidro, ele tenta
sair o mais rápido possível, porém, recebe um pedido um tanto intrigante: fazer
- 118 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
4“O Boca-de-Ouro é um ser misterioso que, sob as vestes de boêmio, esconde um misto de
zumbi e demônio. Gilberto Freyre cita, no livro “Assombrações do Recife Velho”, que essa
visagem não era exclusiva do Recife, tendo também sido registrada em outras cidades do Brasil.
É uma assombração cujas primeiras aparições datam do início do século XX.” (BELTRÃO,
2010, p. 14)
- 119 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
nem mesmo a protagonista que ficou de cara com moço do chapéu Panamá, mas que
ao raiar o dia é tido como doido, ou tentam explicar racionalmente tal aparição de
homem. Portanto, neste conto, há nuances de horror, em que se descreve o medo do
protagonista. Cenas em que há o gozo no mal, dados pelas risadas do corpo putrificado
provocam esse efeito, mas também, matizes do fantástico, uma vez que não
conseguimos explicar tal acontecimento, desafiando assim, a razão.
Considerações Finais
- 120 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Referências
DURÃO, Adja Balbino de Amorim Barbieri Durão. Língua e cultura: uma relação
em espelho. Folha Nossa. Ano 2. n. 13. 2002/ Julho. p. 6-7.
FERREIRA, Cláudia Cristina. Nem preto no branco, nem oito ou oitenta: Matizes
Culturais e seus desdobramentos no ensino e na tradução. In: SILVA JÚNIOR,
Antonio Ferreira da. (Org.). Conversas sobre ensino de línguas durante a
pandemia. São Paulo: Pimenta Cultural, 2021. p. 361-377. Disponível em:
https://www.pimentacultural.com/_files/ugd/18b7cd_bb0d43b971f04f94b26c92ae
8b58a7a9.pdf acesso em: 11 dez. 2021. ISBN: 978-65-5939-260-5
FERREIRA, Cláudia Cristina. Abre alas que eu quero passar. Não só a festividades
se resume trabalhar (inter/trans)culturalidade: reflexões teóricas e propostas
pedagógicas In: (Re)Visões sobre o processo de ensino e aprendizagem de
línguas estrangeiras/adicionais: conjugação entre teoria e prática.1 ed.Campinas:
Pontes, 2020a, v.1, p. 13-56.
- 121 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
FERREIRA, Cláudia Cristina. Mais um abacaxi para descascar ou uma mão na roda?
Os culturemas no processo de ensino e aprendizagem de línguas
estrangeiras/adicionais In: FERREIRA, Cláudia Cristina. Vade mecum do ensino
das línguas estrangeiras/adicionais. 1 ed. Campinas: Pontes, 2018, v.1, p. 491-
524.
ROAS, David. Em torno a uma teoria sobre o medo e o fantástico. Trad. de Lara
D’Onofrio Longo. In: VOLOBUEF, Karin; WIMMER, Norma; ALVAREZ,
Roxana Guadalupe Herrera. Vertentes do fantástico na literatura. São Paulo:
Annablume; Fapesp: Unesp Pró-Reitoria de Pós-Graduação, 2012. p. 117-142.
- 122 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Resumo: Ao longo dos anos, a relação entre cinema e educação passou a ser tema de
alguns estudiosos, voltando suas pesquisas para a sétima arte, tendo em vista a
utilização educacional de filmes. O presente artigo tem por objetivo apresentar uma
proposta didática do momento inicial da criação cinematográfica: o roteiro, visando a
utilização desse texto efêmero para o ensino de Língua Portuguesa. O fundamento
teórico deste artigo está pautado na revisão dos seguintes autores: Duarte (2002);
Deleuze e Guattari (1995); Field (2001); Freire (1996), Verzola (2021), entre outros.
Abordaremos ainda o tema em prática, exemplificando seu uso voltado para o ensino
da Língua Portuguesa, destarte, apresentaremos a importância do aluno conhecer e
compreender um roteiro cinematográfico, peça importante para qualquer produção
audiovisual.
Introdução
- 123 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Tendo o professor como mediador deve propor leituras mais ambiciosas além do puro
lazer, fazendo a ponte entre a emoção e razão de forma mais exigente e crítico,
propondo relações de conteúdo/linguagem do filme com o conteúdo escolar. Este é
o desafio. (NAPOLITANO, 2003 p. 9)
- 124 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
3 Roteiro Cinematográfico
- 125 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
5 Proposta Didática
- 126 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Considerações Finais
- 127 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Referências
- 128 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs. São Paulo: Editora 34, 1995. v.
1.
LEMOV, Doug. Aula Nota 10: 49 técnicas para ser um professor campeão de
audiência. 2. ed. São Paulo: Da Boa Prosa, 2011
SABADIN, Celso. A História do Cinema para Quem Tem Pressa. 1. ed. Rio de
Janeiro: Valentina, 2018
- 129 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Introdução
- 130 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Metodologia
- 131 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
A análise do filme Morango e Chocolate, descrita neste artigo não se dispõe a dar
conta de todos os aspectos passíveis de serem analisados, mas limita-se a uma análise
parcial, em que se priorizam elementos culturais elucidados pelo filme. Incluímos
também na análise, alguns aspectos políticos de Cuba, bem como elementos narrativos
e linguísticos da trama.
É praticamente unânime entre os principais críticos de cinema que escreveram
sobre o filme Morango e Chocolate considerá-lo um dos principais filmes cubanos de
todos os tempos, e depois de quase 30 anos desde sua produção, ele continua sendo
bastante atual, daí o motivo de sua escolha para integrar os filmes do projeto “Cinema
ibero-americano: diálogos e reflexões em tempos de pandemia”, coordenado por uma
das autoras deste artigo.
- 132 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
3Alguns dos textos nos quais nos baseamos para análise estão disponíveis no Drive enviado
para os participantes do curso, que pode ser acesso no link:
https://drive.google.com/drive/folders/1WCsQJLV-
57DH3W329CFHVJ246GTya7MK?usp=sharing
- 133 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
(…) la crítica a la intolerancia que sería pues el objetivo de Fresa y chocolate pasa por
la confrontación de dos personajes que parecen, de buenas a primeras, totalmente
antagónicos (BALUTET, 2013, p.4).
- 134 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
A autora, ao tratar do tema, traz para seu texto um diálogo entre Diego e David
sobre homossexualidade e revolução:
A religião
- 135 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
A música
- 136 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
A literatura
Considerações finais
- 137 -
Eixo 2
Estudos Culturais em Ciências Humanas e Letras
Referências
BIZARRO, Rosa; BRAGA, Fátima. Da (s) cultura (s) de ensino ao ensino da (s)
cultura (s) na aula de Língua Estrangeira. 2014.
PAZ. Carlos. Fresa y chocolate: el lenguage. Revista Literatura e linguística, vol. 10,
1997.
- 138 -
- 139 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
O EO
(OU O DIABO NO HEAVY METAL): A
GRANDE COMUNHÃO DA MÚSICA
INTERNACIONAL – A DE MAIOR SUCESSO POPULAR E
COMERCIAL – E, ABRASANTEMENTE, LONGEVA E DE
“PESO
Resumo: Mito, Realidade e Ficção são partes de um todo, interagem-se e criam tudo
o que o ser humano é capaz de fazer. O chamado Mal é onipresente. Dispersa-se por
recantos e confins do mundo humano. Presente nas mais diferentes culturas e
civilizações. Diabo, este nome é tão temido que enciclopédias evitam mencioná-lo 2. A
despeito da “indiferença” a sua referência, a sua representação torna-se a “mascote”
querida e adotada pelo Heavy Metal, há, no mínimo, cinquenta anos. O que, sem dúvida,
tem contribuído para a força e popularidade desse gênero musical. Uma imagem pode
exercer influência muito além do que os olhos conseguem ver e a mente imaginar3.
Introdução
quando se menciona o termo “diabetes”, em seguida, pula-se para uma outra palavra qualquer,
depois de “diabo”!!!
3 “O essencial é inaudível aos ouvidos tanto quanto invisível aos olhos” – Antoine de Saint-
- 140 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
- 141 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
- 142 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Bem próxima à representação demoníaca animalesca, que vigora ainda nos dias
atuais do século XXI, a divindade antiga que mais lhe confere características marcantes
e transviadas é a de Pã: “[...] Cabeludo e com chifres, cheio de pelos, pernas de bode e
patas fendidas, rosto saturnino (referente ao chumbo) com barbicha e orelhas
animalescas, silvícola, barulhento e libertino, sempre a correr atrás das formosas ninfas,
Pã é a própria selvageria e loucura sexual”. Séculos a fio, a sua imagem encontra-se
associada à personificação do Mal até alcançar a forma predileta e oficial do Diabo,
“difundida no Mundo inteiro, principalmente, por obras de artistas e escritores
britânicos da época vitoriana, de 1837 ao ano de 1910” (FIORE, 2011, p. 113).
- 143 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
- 144 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
da seleção ergueram a precária dignidade, e que a seu turno está destinada a ser
superada e desaparecer. (William James DURANT apud OLIVEIRA, 2009, p. 09).
Homem (eu acrescento, Coelhinhos da Páscoa “essencialmente” humanos,
figuras 07 até a 15, e outras criações nossas) e Diabo confundem-se em um único ser,
separado e indiviso ao mesmo tempo. Um ser que tem a faculdade de pensar, de julgar
e de agir, mas que sempre se decide pela agressividade, violência e crueldade. Pela
crueldade que “coincide com a natureza humana”, em que “o sofrimento é o meio
para alcançar o prazer, único fim em um mundo iluminado pela luz violenta de uma
razão sem limites que povoa o mundo com seus pesadelos” (ECO, 2012, p. 269).
Oportunamente, creio ser útil agora acrescentar a última parte do superclássico literário
brasileiro Grande Sertão: veredas (1956):
Cerro. O senhor vê. Contei tudo. Agora estou aqui, quase barranqueiro. Para a velhice
vou, com ordem e trabalho. Sei de mim? Cumpro. O Rio de São Francisco – que, de
tão grande se comparece – parece é um pau grosso, em pé, enorme [...] Amável o
senhor me ouviu, minha ideia confirmou: que o Diabo não existe. Pois não? O senhor
é um homem soberano, circunspecto. Amigos somos. Nonada. O Diabo não há! É o
que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia. (ROSA, 2006, pp. 607-608).
4Preternaturais no sentido de querer dizer “mais além da natureza, servindo para anjos e
demônios” enquanto que o termo “sobrenatural” é somente utilizado para se referir a Deus,
consoante o doutor e jesuíta especialista em Demonologia e Exorcismo José Antonio Fortea.
- 145 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Figuras 07 até a 15: O “Coelhinho da Páscoa” agindo nas ruas de Orlando (Flórida, EUA),
em 2019, espancando, com gosto, um homeless e, em seguida, vangloriando-se perante câmeras
de celular. Fontes: <https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=9Q37SuTMRIQ>
<https://tenor.com/view/coelho-bravo-angry-mad-beat-up-bunny-costume-gif-16839227>,
<https://www.orlandoweekly.com/Blogs/archives/2019/04/22/the-easter-bunny-literally-
beat-someone-up-in-downtown-orlando-last-night>
- 146 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
5 De acordo com John Gordon Melton, Nosferatu advém do eslavo antigo “nosfur-atu”,
“palavra derivada do grego e ligada ao conceito de um portador de pragas”. É o título do filme
mais antigo de (1922) sobre o personagem meio Diabo e meio vampiro: Drácula, do escritor
irlandês Bram Stocker. O nome Drácula é substituído por Nosferatu porque não há um acordo
legal para a utilização do termo original entre a empresa alemã cinematográfica Prana-Film e a
família de Stocker (MELTON, 2008, p. 350).
6 “A tradição cristã tentou não recordar que Satanás, se havia sido um anjo, era então muito
- 147 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Meter medo nele produz um choque emotivo que leva a fazer agir e a fazer confessar”.
Em outros termos, a encenação satânica e a pastoral que a ela se reporta
desenvolvem a obediência religiosa, mas igualmente, o reconhecimento do
poder da Igreja e do Estado, cimentando a ordem social com o recurso a uma
moral rigorosa. (Grifos do autor. J. BASCHET apud MUCHEMBLED, 2002, pp.
34-35).
Satanás e/ou Lúcifer, pois, na tradição cristã, passa de Anjo belo e rebelde
(mesmo assim sendo o “inimigo” ou o autêntico “advogado do Diabo” desde o caso
de Jó, no Velho Testamento), na Idade Antiga, para uma criatura feiíssima e grotesca com
os traços lascivos e caprinos de Pã (engendrada e divulgada, especialmente, pelos
Padres da Igreja), que se estende por toda a Idade Média, amedrontando o estado de
espírito de todas as populações europeias, e ainda perpassando, inteiramente, os
séculos XVI, XVII e XVIII, quando se adentra na Era Mefistofélica, a que atinge o
ápice da sublimidade “moral” e respeitável do Diabo!!! É o tempo de John Milton e
seu Paraíso Perdido (1667), de Johann Wolfgang von Goethe e seu Fausto (1773-1774)
assim como do pintor fantástico William Blake (1757-1827), cujas obras: Christ Tempted
by Satan to Turn the Stones into Bread ou Cristo é tentado por Satanás a transformar pedras em
pão (1816-1818) “retrata o Diabo como um velho sábio em um estado deliberado de
ambiguidade moral: Cristo e Satã aparecem quase como dublês entrelaçados em uma
dança” e Marriage of Heaven and Hell “dá a Satanás o título de ‘símbolo da criatividade’”
(RUSSELL, 1986, pp. 180 e 181).
Na Literatura dos séculos XIX e XX, encontramos grandes escritores que
conferem ao Senhor Supremo do Mal posição de destaque (“protagonismo”) em suas
obras, como: Fiódor M. Dostoiévski com seu Os Irmãos Karamazov (1879-1880),
Giovanni Papini com seus contos O Trágico Cotidiano (1906), Mikhail A. Bulgákov com
seu O Mestre e Margarida, e Thomas Mann com seu Doutor Fausto (1947). É o que
Umberto Eco costuma denominar de “a terceira metamorfose do Diabo”, isto é, do
Diabo do Mundo Moderno; uma espécie de evolução imagética e simbólica do
Demônio-Mor: “ [...] Mefistófeles7 prenuncia uma terceira metamorfose do Diabo [...]
7Apesar da Era Mefistofélica alcançar o seu auge nos séculos XIX e XX, a origem do nome
Mefistófeles “foi inventado, no século XVI, em razão da figura diabólica do lendário Doutor
Fausto” alemão (RUSSELL, 1986, p. 11). Ao que tudo indica “a primeira história da vida de
Fausto foi publicada em Frankfurt, no ano de 1587, por Spiess” (FILHO, 1987, p. 196).
- 148 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
8Der Vampyr torna-se o maior sucesso musical de Marschner e influencia Richard Wagner em
“O Navio Fantasma ou O Holandês Voador (1840-1841).
- 149 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
- 150 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Figura 20: Bruxas e Lobos, desenho em aquarela de Alphonse Marie Neuville (1835-1885),
ilustração para A Danação de Fausto do compositor Hector Berlioz
Fonte: <https://www.meisterdrucke.pt/impressoes-artisticas-sofisticadas/Alphonse-Marie-
de-Neuville/639225/Bruxas-e-lobos,-ilustra%C3%A7%C3%A3o-para-a-
dana%C3%A7%C3%A3o-de-Fausto-por-Berlioz-(wc-no-papel).html>
Figura 21 : A capa de partitura de Le Petit Faust de Hervé
Fonte: <https://en.wikipedia.org/wiki/Le_petit_Faust>
- 151 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
diluir. ‘Ainda bem que a bala de canhão só o dividiu em dois’, diziam todos, ‘se o
cortasse em três quem sabe o que nos tocaria ver pela frente. (CALVINO, 1996, p.
89).
O megagênero Heavy Metal e o seu parente mais velho e mais próximo Hard
Rock vêm adotando imagens diabólicas em sua iconografia há, no mínimo, cinquenta
anos 9. As representações do supervilão universal Diabo – juntamente com a da Caveira
– têm se firmado como as suas grandes mascotes simbólicas. Em consequência, a
atração natural pelo misterioso, temerário e terrificante muito vem favorecendo a
propaganda e divulgação dos grupos da Música Pesada. O Heavy Metal torna-se, de
modo inconteste, o mais popular e o mais bem-sucedido, comercialmente, estilo de
Rock, alcançado altos índices de aceitação tanto em países considerados “pobres e de
Terceiro Mundo” quanto naqueles de melhor nível de educação e vida.
Figuras 22 e 23: Don’t Break the Oath (Holanda: Roadrunner, 1984) e Overkill (Reino Unido: Bronze,
1979) do grupo dinamarquês Mercyful Fate e do britânico Motörhead
Fonte: HM LPs (Japão: Omnibus Press, 1986, pp. 43 e 15)
Figura 24: Capa de The Tokyo Showdown – live in Japan 2000 (Alemanha: Nuclear Blast, 2001) do grupo
sueco de Melodic/Alternative/Death Metal: In Flames
Fonte: <https://www.metal-archives.com/albums/In_Flames/The_Tokyo_Showdown_-
_Live_in_Japan_2000/316>
9 Há, com certeza, aqui, uma herança histórica e “genética” que vem de longe, desde os
decênios de 1940 e 1950, quando o Blues e o Rock in Roll já sofrem com a discriminação da
mídia, que influencia a opinião públicas. Tais estilos de música são considerados inferiores e
são também demonizados.
10 Tem seu nome ou designação inspirada no título da obra filosófica fictícia: Vampyroteuthis
- 152 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Referências
CALVINO, Ítalo. O Visconde partido ao meio. São Paulo: Companha das Letras,
1996.
- 153 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
ECO, Umberto. História da beleza. Trad. Eliana Aguiar. 2. ed. Rio de Janeiro:
Record, 2012.
- 154 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2006.
TRÓPICO: enciclopédia ilustrada em cores. São Paulo: Martins, Volumes I-X, 1970.
- 155 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Beatriz Molari1
Lorena Ingred Moreira Pio2
Introdução
- 156 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
- 157 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
[...] sempre envolve tentativas de objetificar o grupo subordinado. Como sujeito, toda
pessoa tem o direito de definir suas próprias realidades, estabelecer sua própria
identidade, dar nome, a sua própria história. Como objeto, a realidade da pessoa é
definida por outras, sua identidade é criada por outros, sua história é nomeada apenas
de maneira que definem sua relação com pessoas consideradas sujeitos (COLLINS,
2019, p. 138).
- 158 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Em seu livro Olhares negros: raça e representação, bell hooks (2019) relata a reação
de seus colegas artistas e professores ao se depararem com uma fileira de chocolates
em formatos de seios em uma confeitaria de uma pequena cidade do meio-oeste dos
Estados Unidos. Para ela, as risadas demonstravam como os seus colegas não
enxergavam conexão entre as imagens racializadas expressas nos doces e o racismo,
que, assim como no passado, objetifica os corpos das mulheres negras na atualidade
(hooks, 2019). Por meio do relato, a teórica feminista chama a atenção para as imagens
sobre as mulheres negras construídas com base em ideias originárias de um aparato
racista que ainda circulam nas sociedades contemporâneas e que, muitas vezes, não são
problematizadas e combatidas.
Como vimos, além de hooks, Collins também se voltou para as imagens
restritivas sobre as mulheres negras. O conceito de imagens de controle elaborado pela
socióloga e teórica feminista problematiza as imagens sobre as mulheres negras
estadunidenses surgidas no período da escravização e que constituem uma dimensão
ideológica da opressão sobre elas (COLLINS, 2016, 2019). Com base na abordagem
do conceito realizada na seção anterior e considerando que a escravização integra a
história do Brasil, de modo que as consequências desse período ainda estão presentes
na sociedade brasileira, propomos discutir nesta seção os limites e as potencialidades
do conceito de imagens de controle para usos em estudos de imagens no Brasil.
Salientamos que se trata de uma abordagem teórica, que visa iniciar uma discussão
acerca de uma possibilidade de análise para estudos que se voltem para as imagens de
mulheres negras no contexto brasileiro.
Para Collins (2019), as imagens de controle integram uma dimensão ideológica
de opressão aplicada às estadunidenses negras na medida em que as ideologias racista
e sexista estão presentes na estrutura social da cultura estadunidense de forma
hegemônica, de modo que as ideias que as constituem são vistas como naturais. Tal
naturalização promove a associação de qualidades às mulheres negras estadunidenses
como forma de justificar a opressão (COLLINS, 2019). Winnie de Campos Bueno
(2019) salienta essa denotação do conceito, afirmando que as imagens de controle
constituem uma dimensão ideológica do racismo e do sexismo que, atuando de forma
interseccionada, colaboram na manutenção de padrões de violência históricos
perpetuados pelas relações de poder. Sabendo que o termo “opressão” se refere a “[...]
qualquer situação injusta em que, sistematicamente e por um longo período, um grupo
nega a outro grupo o acesso aos recursos da sociedade” (COLLINS, 2019, p. 33),
compreendemos que as imagens de controle são ferramentas empregadas por um
grupo que visa manter a subordinação das mulheres negras por meio da naturalização
de situações de injustiça social que, de alguma maneira, privilegiam o grupo que almeja
a perpetuação de tal cenário.
- 159 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
- 160 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Diante de tal potencialidade e para ser coerente com a afirmação acerca dos
limites de transposição do conceito em estudos de imagens de mulheres negras no
contexto brasileiro, precisamos abordar as situações de vida delas no Brasil. Lélia
Gonzalez (1982) ressalta que, para compreender melhor a situação da mulher negra e
do povo negro na sociedade brasileira, devemos retomar alguns fatos históricos, como
o período da escravização. Destaca a antropóloga que, oficialmente, o tráfico negreiro
teve início em 1550, mas antes mesmo já havia africanos trabalhando em plantações
de cana-de-açúcar no Brasil, de modo que, no final do século XVI, os escravos eram a
maioria da população (GONZALEZ, 1982).
O povo negro sempre articulou resistências contra as situações de exploração
vivenciadas no Brasil, exemplos disso eram os quilombos, formas de resistência
ordenada como organização social; e os movimentos urbanos armados, que buscavam
a tomada do poder (GONZALEZ, 1982). Nesse contexto, a mulher negra exercia a
“tarefa de doação de força moral para seu homem, seus filhos ou seus irmãos de
cativeiro” (GONZALEZ, 1982, p. 92). As escravas do eito, mulheres que atuavam nas
plantações, incitavam os seus companheiros para a fuga ou a revolta; as mucamas, por
sua vez, eram as responsáveis pelos trabalhos domésticos da casa grande e por cuidar
e amamentar as crianças brancas, e, após o ofício na casa grande, elas cuidavam de seus
filhos e filhas e davam assistência aos companheiros que retornavam do trabalho nas
plantações (GONZALEZ, 1982). Ainda por meio desse resgate histórico, Gonzalez
- 161 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
(1982) ressalta que as mucamas eram exploradas sexualmente pelos homens brancos,
fato que, apesar de ser uma violência, era motivo de ciúmes por parte das sinhás.
Os aspectos históricos abordados por Gonzalez (1982) expõem um passado
em que as mulheres negras possuíam posições específicas na sociedade brasileira.
Operacionalizando tais posições com o conceito de imagens de controle de Collins
(2019), visualizamos uma aproximação entre a mammy e o ofício de cuidado com os
afazeres domésticos desempenhado pela mucama. A mammy é a serviçal fiel e obediente
das famílias brancas. Segundo Collins (2019), essa imagem de controle, no passado,
justificava a exploração econômica das escravas domésticas e, na contemporaneidade,
objetiva legitimar a manutenção das mulheres negras na prestação de serviços
domésticos. Tal imagem de controle reitera opressões de gênero, de raça e de classe
das mulheres negras enquanto pessoa que ocupa a posição de serviçal para a família
branca.
O posicionamento das mulheres negras como prestadoras do trabalho
doméstico também foi visualizado por Gonzalez (1984). Para ela, a empregada
doméstica é a “mucama permitida” no cotidiano, momento em que a dimensão sexual
é ocultada, sendo retomada em situações como o Carnaval, em que as mulheres negras
são vistas pela imagem da mulata3 (GONZALEZ, 1994). No cotidiano, ressalta
Gonzalez (1994), as mulheres negras são concebidas como domésticas, independente
de realizarem ou não essa atividade, pois, a partir de um julgamento racista, classista e
sexista, ocorrem situações de discriminação, nas quais as mulheres negras são
impedidas de usarem elevadores principais ou são barradas por porteiros e seguranças
que presumem que a posição delas é de servidão.
Segundo Collins (2019), a imagem de controle da mammy objetiva ocultar tal
exploração, de modo que naturaliza o fato de que mulheres negras possuem ganhos
menores do que mulheres brancas, homens brancos e homens negros. Esse cenário
desigual é uma realidade do Brasil, pois, de acordo com o informativo do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que analisou a ocupação formal ou
informal em relação ao rendimento médio real habitual de pessoas ocupadas no Brasil
em 2018, as mulheres pretas ou pardas (47,8%) eram o grupo que mais exercia
ocupações informais, em relação às taxas de homens pretos ou pardos (46,9%),
mulheres brancas (34,7%) e homens brancos (34,4%) (IBGE, 2019). Em relação ao
rendimento médio, as pessoas brancas receberam R$2.796 em 2018; enquanto as
- 162 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
- 163 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Considerações finais
- 164 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Referências
- 165 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
GONZALEZ. Lélia. A mulher negra na sociedade brasileira. In: LUZ, Madel T. (Org.).
O lugar da mulher: estudos sobre a condição feminina na sociedade atual. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1982. p. 87-106.
- 166 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Introdução
- 167 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
calha de ser surpreendentemente difícil fazê-lo. Questões filosóficas muitas vezes têm
a forma de uma pergunta por alguma coisa que aparentemente não podemos deixar
de saber, mas que quando tentamos dizer o que é isso que todos já sabemos, nos
encontramos incapazes de dizer alguma coisa que nos satisfaça. Nos encontramos
envolvidos pela perplexidade.2
The condition of human perception I claim film reveals is our modern fate of live in
the world primarily by viewing it, taking views of it. As if something has increasingly
been happening to us over the past two or three centuries that has produced a sense
of distance from the world.3
2 CONANT, James. O mundo de um filme. Trad. Nykolas Fredrich Von Peters, in TECHIO,
Jônadas e WILLIGES, Flávio. Filosofia e Cinema: Uma Antologia. Editora UFPEL, Pelotas,
2019.
3 Cavell on Film, pp. 109-110
- 168 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
relação do fazer filosófico por meio dos filmes. Seria algo direcionado para o modo de
como os filmes desvelam para o ser humano condições anteriores a sua própria
percepção, sejam essas condições de ordem moral, estética, epistêmica, de linguagem
etc. Dito de outro modo, o cinema/os filmes apresenta-se para a Filosofia como um
âmbito aberto para experimentação da possibilidade de visualizar ideais e situações
onde, até então, só era possível por meio de experiências de pensamento ou reflexões
mais elaboradas.
Nossa hipótese, dita de maneira suscita nos parágrafos acima, é de que o
desenvolvimento do cinema e as diversas formas de se fazer um filme proporcionam
para um espectador um despertar para o maravilhamento inerente às questões
filosóficas presentes na nossa realidade. Esse acesso é dado de um modo
fundamentalmente audiovisual, apenas isso já reconstrói o fazer filosófico preso, até
aquele momento, a uma quase exclusividade da escrita. Abre-se então uma gama de
novas investigações de questões filosóficas oriundas desse novo meio de produção,
onde os sentidos humanos são mais cobrados como meios para percepção dessas
questões fundamentais. Experienciar por meio de um filme como situações e
problemas se apresentam em uma determinada situação passou a ser cada vez mais
frequente nas nossas idas ao cinema, ou no consumo das plataformas de streaming.
Tendo apresentado a discussão sobre a possibilidades de filmes fazerem
filosofia, e não esgotando um âmbito tão fecundo para debates, podemos passar, agora,
à investigação sobre a resposta de nossa primeira questão, a saber, há no filme ‘O som ao
redor’ o desenvolvimento de uma Filosofia cinematográfica?
O Filme e a Filosofia
- 169 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Como norte teórico temos a ideia de que os filmes seriam objetos abertos a
variadas perspectivas de sentido, e entendemos que esses sentidos podem ser ditos de
três modos distintos, a saber, o sentido da produção do filme, o sentido do objeto fílmico e, por
fim, o sentido do tempo. Acreditamos que há aqui uma similaridade com o que é
defendido por Conant no seu artigo “O mundo de um filme” (2019), onde haveria três
formas de registro ontológicos para falarmos de um filme, uma forma relacionada à
produção fílmica, aquilo que é mostrado no filme e aquilo que está presente no mundo do filme.
O sentido da produção do filme, encontrado no pensamento de Rossini, conecta-se
com o que Conant chama de forma relacionada à produção fílmica, pois há no background
de ambos a ideia de que aquilo que é feito anteriormente ao que vemos na tela garante
no espectador uma sensação mais profunda das questões abordadas no filme. Locais
onde o filme se passa, os atores escalados para representar os papéis, questões técnicas,
como as relações dos diretos de arte, fotografia, geral etc., impactam como será nossa
inserção naquele mundo a ser representado pela tela do cinema e o quão profunda será
nossa sensação do real com aquela obra. O sentido do objeto fílmico e o que é mostrado no
filme também possuem similaridades, pois em ambos há o direcionamento para aquilo
que existiria exclusivamente no mundo do filme, isto é, as técnicas de direção, recursos
audiovisuais, a montagem das cenas etc. Por fim, o que Rossini chama de sentido do
tempo, parece estar atrelado à concepção de Conant daquilo que está presente no mundo do
filme, o que seria fundamentalmente percebido apenas naquele mundo criado em tela
que vemos, elementos como a história do filme, o desenvolvimento dos personagens
e lugares, o enredo principal e adjacentes, a temporalidade, etc.
- 170 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
cena pelo uso de uma razão de aspecto, desenho de luz, enquadramento, lentes da
câmera, etc. Percebe-se também elementos inerentes ao próprio filme, tal qual os
carros que não possuem a mesma finalidade dentro das telas e fora delas, para tanto os
carros na cena em questão podem servir como artifício metafórico para denotar uma
passagem de tempo e/ou uma temporalidade frenética de uma Recife que ignora
relações afetivas que podem haver por suas ruas. Por fim, identificamos também a
continuidade da montagem de uma unidade estilística do filme como sendo algo que é
próprio do filme. Isto é, aquilo que o diretor mostra no começo de seu filme não está
ali sem nenhum propósito, mas sim serve para sintetizar um processo que será
desenvolvido no decorrer da trama e essa imagem citada volta como uma referência
simbólica no terceiro ato da obra.
- 171 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
notável reflexão é a ideia de divisão social dentro de Recife, mas não se limitando
apenas a essa capital.
Durante toda a trama elementos fílmicos são articulados para produzir no
espectador a sensação de como a divisão social é percebida de maneira díspar entre os
personagens em tela. No exemplo abaixo, a cena se constrói de modo a mostrar essa
presença, enquanto o casal está acordando em uma sala suja pelos restos de uma festa
ocorrida na noite anterior, a empregada com suas netas chega pelos fundos para
começar mais um dia de trabalho.
- 172 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Figura 4 - Contrastes
Cena do filme O Som ao Redor, Kleber Mendonça Filho, 2013
- 173 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
- 174 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
já foram expostas nesse artigo, que podemos tirar de uma leitura mais primária, ou
mais profunda, da obra, há, também, outras questões adjacentes e que são caras à
Filosofia. Não adentraremos na tarefa de enumerá-las, apenas deixaremos de
sobressalto questões como o consumo de bens culturais por uma classe social mais
rica e a marginalização da sexualidade dentro de nossa sociedade.
Entretanto, o diretor vai além em apresentar questões Filosóficas nos diálogos
proferidos pelos personagens ou por referências visuais a questões mais complexas,
acreditamos que cinematográfico filosófico tem seu expoente na forma que o filme é
feito, ou seja, na unidade estilística do filme. Sendo mais específico, acreditamos que o
fazer filosófico de O Som ao Redor está em deixar o espaço ser o protagonista da história,
onde o espaço fílmico acaba falando muito mais que os personagens.
Para sustentar essa ideia precisamos de alguns pressupostos teóricos da
Filosofia de Stanley Cavell,
- 175 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
- 176 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
cidade parece dialogar com a trama, onde o espaço público e privado, através de uma
problematização mais iconográfica da forma que uma cidade pode se alterar, ou pela
falta de uma concretude nítida da importância da dinâmica geográfica para criação de
um sentido próprio de um povo, o diretor parece saber que deixar a câmera ser a voz
dessa cidade sem palavras, sem meio para se comunicar, sem interlocutor, é a chave de
oferecer uma reflexão sobre as nossas relações simbólicas dentro de uma história social
presente ao nosso redor.
Conclusão
- 177 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Referências
_________. The World Viewed: Reflections on the Ontology of Film. New York:
The Viking Press, 1971.
ROTHMAN, William (ed.). Cavell On Film. New York: State University of New
York Press, 2005.
- 178 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
- 179 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
2 BENJAMIM, Walter. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, in: Obras
Escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987.
3 BARBOSA, Carlos A. S. História, Historiadores e Imagem: algumas notas introdutórias. In:
Ricardo Alexandre Ferreira; Raphael N. N. Sebrian; Ariel José Pires; Karina Anhezini. (Org.).
Leituras do Passado. 2ed.Campinas: Pontes Editores, 2009, v. , p. 15-16.
4 SOUSA, Jorge Pedro. Uma história crítica do fotojornalismo ocidental. Florianópolis: Letras
- 180 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
7 SOUSA, Jorge Pedro. Fotojornalismo: uma introdução à história, às técnicas e à linguagem da fotografia
na imprensa. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2002, p. 7-11.
8 BONI, Paulo César. O discurso fotográfico: a intencionalidade de comunicação no fotojornalismo. Tese
- 181 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
A união dos novos filmes e das novas lentes permite que o fotógrafo registre
o instantâneo, característica essencial para o desenvolvimento fotojornalismo. Após
todos esses avanços tecnológicos, a fotografia passa a ocupar lugar de privilégio nas
reportagens, trazendo imagens com pequenas legendas ou, até mesmo, sem texto14.
- 182 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Em seu livro História e Memória, Le Goff afirma que a fotografia está entre as
manifestações da memória coletiva mais marcantes que apareceram ao longo dos
tempos21. Ele ressalta o surgimento de dois fenômenos:
Mas nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros,
mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos, e com
objetos que só nós vimos. É porque, em realidade, nunca estamos sós. Não é
necessário que os outros homens estejam lá, que se distingam materialmente de nós:
porque temos sempre conosco e em nós uma quantidade de pessoas que não se
confundem.
- 183 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
temos os acontecimentos vividos em grupo, que o autor chama de “vividos por tabela”. Além
dos acontecimentos, segundo o autor, a memória é formada por pessoas/personagens, sejam
eles realmente encontrados ao longo da vida, aqueles que frequentaram indiretamente
os conhecidos, e aqueles que não fizeram parte do espaço-tempo da pessoa. Por fim,
além dos acontecimentos e personagens, temos os lugares. São os lugares da memória, os
lugares ligados a uma lembrança pessoal, os lugares de comemoração. Os lugares fora
do espaço-tempo da vida de uma pessoa podem ser relevantes para a memória
coletiva25.
Após termos contato com todos esses conceitos, não podemos negar que a
fotografia pode ser considerada um fenômeno que revolucionou a memória, como
bem disse Le Goff. Ela transformou a forma de ver e pensar o mundo. Segundo
Kossoy, após seu advento, “o homem passou a ter um conhecimento mais preciso e
amplo de outras realidades que lhe eram, até aquele momento, transmitidas unicamente
pela tradição escrita, verbal e pictórica”, além de possibilitar o autoconhecimento e
recordação, ampliação dos horizontes artísticos, documentação e denúncia26.
25 POLLACK, Michael. Memória e identidade social. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
v.5, n.10, p.200-212, 1992. p. 2-3.
26 KOSSOY, Boris. História e Memória. – 2. ed. rev. – São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p.26.
27 BONI, Paulo César. A fotografia a serviço da luta contra a ditadura militar no Brasil – Entrevista com
Evandro Teixeira. Discursos Fotográficos, Londrina, v.8, n.12, p.217-252, jan./jun. 2012.
28 Ibid., p. 243.
- 184 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
29 Ibid., p. 243-244.
30 TEIXEIRA, Evandro. Fotojornalismo. Rio de Janeiro: Editora JB, 1982.
31 Id., 2005.
32 MONTEIRO, Charles. História e Fotojornalismo: reflexões sobre o conceito e a pesquisa
- 185 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
imagens fotográficas com caráter mais autoral, um tipo de livro em que as imagens se
sobressaem ao conteúdo textual. Segundo Badger, o trabalho do fotógrafo somado ao
dos responsáveis pela produção, como editores, designers gráficos, contribuem para
construção de uma narrativa visual35. O fotógrafo passa a ser o “autor” e adquire
espaço para se expressar de forma mais subjetiva, não sendo apenas um método de
documentação, mas sim uma arte com estrutura e coerência.
Apesar de sua existência coincidir com o nascimento da própria fotografia, em
meados do século XIX, somente nos últimos anos é que o fotolivro passou a ser mais
prestigiado por instituições culturais, festivais e galerias onde servem como catálogo à
fotografia de arte. Ainda que seja considerado como um eficaz meio de apresentação,
comunicação e leitura de conjuntos fotográficos, de acordo com Fernández, o interesse
pelos fotolivros continua muito recente, o que resulta em poucos estudos que tentam
compreendê-lo ou que ressaltam sua relevância na história da comunicação e da arte36.
Em uma análise superficial do fotolivro Vou Viver, verifica-se que ele foi
produzido para servir de tributo ao poeta chileno Pablo Neruda. Rapidamente
percebe-se que o livro se destina não somente ao público brasileiro, como também a
outros públicos latino-americanos, já que se trata de uma obra bilingue. Todo o
conteúdo do mesmo possui uma versão traduzida para o espanhol. Temos também a
união dos registros fotográficos de Teixeira com a arte poética de Neruda, as imagens
e os poemas se mesclam por toda a publicação.
A obra reúne em suas páginas, aproximadamente, 67 (sessenta e sete)
fotografias que fazem parte do acervo pessoal de Teixeira, sendo 60 (sessenta) delas
correspondentes ao período da instauração do regime militar chileno. Constitui-se em
três capítulos: (I) A última viagem do velho homem do sul; (II) Os mortos da praça; e, (III) Quero
escurecer, dormir. Nas suas primeiras páginas, antes do primeiro capítulo, temos o poema
Ode ao Rio de Janeiro, de Neruda; em seguida temos um texto introdutório de Cesar
Maia, prefeito do Rio de Janeiro na época, onde declara a importância do livro. Para
Maia37, o fotolivro tem grande valor por unir a arte fotográfica de Evandro à arte
poética de Neruda, pois ambos, fotografias e poemas, são puros e brutos.
Após essa breve apresentação do fotolivro e do fotógrafo/autor da obra,
podemos trazer nosso objeto de pesquisa para o debate teórico entre a relação
memória, história e fotografia e levantar algumas hipóteses.
Comecemos falando sobre as fotografias destinadas inicialmente a estampar as
páginas do Jornal do Brasil e que, posteriormente, foram inseridas em um fotolivro.
Podemos afirmar que a linguagem das imagens sofre mudanças, elas passam de objetos
35 BADGER, Gerry. Por que fotolivros são importantes. Revista ZUM, n. 8, abril de 2015,
pág. 132 – 155.
36 FERNÁNDEZ. Op. cit.. 2011, p.10-11.
37 TEIXEIRA, Evandro. Vou Viver: Tributo ao Poeta Pablo Neruda. Editora: Textual, 2005,
p. 6-7.
- 186 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
- 187 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Considerações finais
- 188 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Referências
- 189 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
KOSSOY, Boris. História e Memória. – 2. ed. rev. – São Paulo: Ateliê Editorial,
2001.
- 190 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Resumo: Envelhecer e morrer. Uma sequência moderna das condições humanas que
nem sempre se mostram correlatas. Por vezes inalcançável, a velhice é um fenômeno
concebido de diversas maneiras, variando de acordo com a classe social, com a cultura
e com o período histórico. A morte, por sua vez, também possui suas variações, uma
vez que é percebida e ritualizada de diferentes formas, variando de acordo com a época
e com a organização social em que se apresenta. Valendo-se de duas produções
cinematográficas de Ingmar Bergman, O Sétimo Selo e Morangos Silvestres, ambas
produzidas em 1957, tornou-se possível compreender a relação dos homens com a
morte e com o envelhecimento. Em O Sétimo Selo, Bergman se volta para Idade Média,
onde retrata a morte como parte da vida, representando-a na figura de um homem,
portanto personificada, como também por meio de alegorias e simbolismos. Em
Morangos Silvestres, por sua vez, Bergman se volta para a contemporaneidade e retrata a
dificuldade do velho contemporâneo de lidar com seu próprio fim, ao passo que
enfrenta dilemas como o abandono e a solidão.
Introdução
- 191 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
2 Tomando como base o cenário brasileiro, é notável que o país possui maior concentração
de pessoas jovens, enquanto 14,6%, segundo dados do IBGE de 2019, correspondem a
população idosa com idade igual ou superior a 60 anos. Enquanto isso, países como o Japão,
que é marcado como líder por sua população majoritariamente velha, tem o número de idosos
correspondendo a 28% da população com idade igual ou superior a 65 anos. Sabe-se que,
mesmo o Brasil tendo sua população formada, em sua maioria, por pessoas pretas e pardas, os
estudos sobre a velhice desenvolvidos no país não costumam abordar a questão racial.
Contudo, os poucos estudos desenvolvidos nessa área apontam para uma população idosa do
Brasil ser formada majoritariamente por brancos. Essa problemática pode ser explicada por
vários fatores relacionados à condição em que a população negra se encontra desde o período
pós-escravocrata que, até hoje, não foi revertida, uma vez que a população negra integrou a
sociedade de classes no Brasil em situação de extrema vulnerabilidade, constituindo os
operários destituídos de capital e com poucas chances de ascensão social (FERNANDES,
1978).
- 192 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
- 193 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Figura 1: A solidão
Fonte: Morangos Silvestres (Tempo – 00:00:47) de Ingmar Bergman, produzido em 1957
figura 3: 00:04:41) de Ingmar Bergman, produzido em 1957, que apresenta o personagem Isak
Borg, em frente a dois relógios sem ponteiros, simulando que uma suspensão do tempo.
- 194 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
figura 8: 00:07:49 e figura 9: 00:08:15) de Ingmar Bergman, produzido em 1957, que apresenta
o personagem Isak Borg encarando a própria morte.
- 195 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Contudo, a decisão não foi à toa, já que Borg estava disposto a celebrar a vida até o
fim do dia e então inicia sua viagem ao lado de Marianne, esposa de seu filho Evald.
Ambos se dirigem com várias críticas, na qual Marianne acusa Isak de ser egoísta e
indiferente, acusações que, agora, parecem atingir o médico, de modo que ele
demonstra espanto e dor. Mais adiante, Isak e Marianne seguem para o bosque onde
o velho passou a infância, fazendo com que o médico, tomado pela nostalgia, se
permitisse mergulhar nas lembranças do passado.
A primeira recordação a que o velho é acometido é de sua prima e antiga
namorada, Sara, interpretada por Bibi Anderson, que lhe aparece jovem, enquanto Isak
se mantém velho. Mesmo impossibilitado de interagir com suas recordações, ele tenta,
ao ver Sara, que aparece colhendo morangos silvestres, quando é surpreendida por
Sigfrid, irmão de Isak, que a convence a beijá-lo, mesmo sabendo que ela e seu irmão
estão em um relacionamento. Sara se entrega a Sigfrid lamentando a traição que
provocara a Isak, a quem descreve como “sensível, gentil e inteligente”.
O velho é levado de volta ao presente por uma menina também chamada Sara,
interpretada também por Bibi Anderson, menina essa que mais tarde, junto aos seus
amigos, Anders e Viktor, passa a acompanhar Borg e Marianne durante a viagem.
Nesse cenário, por sua vez, Sara não lhe aparece resgatando-o do abandono ao qual o
teria lançado anteriormente, mas o levando a uma vivacidade de sentimentos, lhe
proporcionando um renascimento (KALIN, 2003).
Os momentos de introspecção que seguiram, foram marcados por sentimentos
de felicidade, como também por tristeza, como é observado na visita em que Borg faz
a mãe. Desde o início, a velha de 96 anos, demonstra como a sua existência não tem
mais sentido e como a vida está repleta de dor, provocando medo em Marianne.
Mexendo numa caixa cheia de lembranças, a velha pega um relógio que se mostra sem
ponteiros como o relógio do sonho de Isak. Assim, a visita a mãe revela a Borg uma
indiferença e frieza, diante da morte e também a solidão em que a velha se mostra
enquanto aguarda seu próprio fim. Essas condições também acometem o médico em
um segundo sonho onde ele encara novamente o abandono, depois a culpa, sua própria
indiferença e a solidão.
Borg acorda e se dá conta de que está vivo, mesmo não se sentindo assim, e
que não foi dado inteiramente ao abandono. Ao seu lado está Marianne, que relata
estar grávida e comenta sobre o sofrimento em que Evald, filho de Borg, se encontra
e decide que não irá abandonar o marido. Mais adiante, Isak Borg sonha, mais uma
vez, que está em stället, cercado por uma multidão de corvos sobrevoando o bosque e
morangos Silvestres derrubados da cesta da Sara, antigo amor de Isak. Sara aponta
como Isak está velho e que logo morrerá, ao contrário dela, que ainda era jovem e
ainda tinha o que viver.
Mais adiante, Borg é chamado por um homem mais tarde revelado como
Inspetor Alman, que o chama de professor, o pede para entrar e o leva a uma sala de
aula. O homem se senta na mesa de professor, pede a Isak que lhe entregue um livro
e depois o pede para identificar uma amostra da bactéria no microscópio. Ele olha e
- 196 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
diz que há algo de errado, o Inspetor diz o contrário e Isak insiste que não vê nada.
Em seguida o inspetor pede para que Isak leia o texto escrito na lousa e Isak lê em voz
alta mas diz não entender o que está escrito. O inspetor aponta que ali está escrito o
primeiro dever de um médico, ao qual o velho demonstra não recordar, e é acusado
de culpa pelo inspetor Alman.
No teste seguinte, Borg é designado para examinar uma paciente que ele, a
priori, tem como morta. Contudo, a paciente levanta a cabeça e ri de forma maléfica
para Isak, que recua assustado. O inspetor Alman o atesta como incompetente,
enquanto o acusa por ser indiferente e egoísta a partir da falecida esposa de Isa, Karin,
a quem confronta em seguida.
Ao saírem da casa, Isak e o inspetor encontram Karin junto a um homem,
rindo descontroladamente, como sorria a paciente morta que Isak teria examinado a
pouco. Mesmo que ainda estivesse sonhando, aquele encontro com Karin era uma
lembrança que Borg guardava há mais de 30 anos, em que sua esposa aparece lhe
traindo. Na lembrança, Karin relata que contará a Isak sobre sua traição e descreve a
indiferença com que Borg lidaria com o caso, a fazendo se sentir a única culpada pela
traição. Na sequência, Karin desaparece do sonho de Isak, enquanto o inspetor Alman
aponta para a solidão em que o médico se colocou.
Nesse sonho, foi possível perceber a sequência dos abandonos sofridos por
Isak Borg. O primeiro, ocasionado por Sara, que o torna frio e indiferente aos outros,
incluindo a sua esposa, Karin, fazendo com que o protagonista tomasse consciência
dos danos causados pelo seu modo de ser com os outros. Dessa forma, Bergman
constrói o sofrimento do homem não causado pela indiferença de Deus, mas pela
indiferença do próprio homem para com os outros. A recusa do homem de sentir amor
e permitir amar, de não pedir perdão nem perdoar, e se tornar um morto em vida.
Isak acorda ao lado de Marianne e percebe que está vivo e não está sozinho.
Borg comenta que se sente “morto, apesar de vivo” e Marianne o compara a Evald,
que também é marcado pela dor e pela indiferença provocadas pelo abandono dos
pais. Isak, ao saber do sofrimento em que o filho se encontra, entende como deve
confrontar sua frieza e demonstrar afeto ao filho.
Nas cenas finais, Borg finaliza sua viagem e recebe seu prêmio honorário, na
presença de Evald, Agda, Marianne e Sara, a jovem que conheceu durante a viagem,
além de seus amigos. Ele se aproxima de Agda, sua empregada, que lhe nega qualquer
intimidade. Depois, busca reconciliação com o filho, mesmo sendo perceptível que o
abandono sofrido pelos dois não permitia que a relação entre ambos fosse revertida.
Vale mencionar também a relação desenvolvida entre Isak e Sara, que, em poucas
horas, passou a considerá-lo como pai. Isak Borg agora parecia confrontar a
indiferença que o acometia há tempos, mesmo que todas as tentativas de se aproximar
dos outros o devolvesse à solidão.
O filme encerra com o último sonho: Isak está em stället, o lugar onde os
morangos silvestres não estão mais. Ele está disposto a encontrar consigo mesmo e
- 197 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
compreender os eventos que o levaram até ali, pois ainda há vida, ainda é tempo de
renascer.
- 198 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Depois disso, o cavaleiro Block e seu fiel escudeiro, Jons, vão a uma igreja. Lá,
Jons se depara com a morte representada a partir da pintura “A Dança da Morte.”,
que, na obra de Bergman, teria sido pintada por Albertus Pictor. Jons questiona o
7 Imagem presente no filme O Sétimo Selo (Tempo – figura 10: 00:05:24) de Ingmar Bergman,
produzido em 1957, apresentando o personagem Antonius Block disputando sua vida num
duelo de xadrez com a Morte.
8 “A morte joga xadrez” que foi pintada pelo medieval sueco Albertus Pictor (1450-1509),
- 199 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
motivo daquela pintura estar ali, já que aquela representação obviamente não faria
ninguém feliz. O diálogo entre o escudeiro e o pintor se intensifica quando ambos
refletem sobre a importância daquela representação, chegando à conclusão de que,
quando as pessoas se deparam com ela, elas refletem sobre seu fim, ficam aterrorizadas
e correm para “os braços do padre”.
Elias (1982) aponta que as mortes no medievo tendiam a ser mais dolorosas,
misturadas ao sentimento de culpa e do medo da punição pós-morte. Dessa forma, o
homem medieval era atormentado pela ideia de morrer na guerra, pela peste, pela fome,
e ainda pelo medo da eternidade no inferno gerado pela igreja, como observado a
seguir.
9Sequência de imagens presente no filme O Sétimo Selo (tempo: figura 12 – 00:17:25, figura
13 – 00:39:09 e figura 14 00:41:26) de Ingmar Bergman, produzido em 1957, que apresenta
como a morte é construída no imaginário coletivo.
- 200 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
dos homens, quando estes passam com seus incensários. O homem que outrora
caminhava de pé ao lado da capela, agora se ajoelha. Ao final, uma mulher se prostra
em prantos, todos se ajoelham e começam a clamar por misericórdia. Assim, um
homem, observando atentamente as pessoas a sua volta, exaltado, tomado por um
sentimento de angústia diante do que estava prestes a declamar, inicia um discurso
eloquente (O SÉTIMO SELO, 00:39:20):
“Deus está nos castigando! Silêncio! Todos nós padeceremos com a Morte Negra.
Você aí, parado como um bovino. E você sentado com toda essa autocomplacência.
Esta pode ser sua última hora! A Morte está atrás de todos vocês! Posso ver sua
sombra refletindo no sol! A foice está brilhando sobre suas cabeças! Qual de vocês
será o primeiro a morrer? [...] Você, mulher, que tem tanta vida dentro de si, será que
vai definhar antes do anoitecer? [...] Vocês não entendem, seus idiotas, que todos vão
morrer? Vocês estão condenados! Estão ouvindo? Todos vocês! Condenados!
Condenados!”
O discurso finaliza com um tenro clamor por piedade, ainda com grande
eloquência. Por fim, todos os presentes se reúnem e retomam a caminhada.
Já na segunda metade do filme, Block se encontra com Mia, uma artista que se
apresentava na praça antes do ritual, e seu filho, Mikhael, por quem logo se encanta.
Um tempo depois, o artista Jof, marido de Mia e pai de Mikhael, os encontra após fugir
de uma briga no bar, sujo e machucado, por quem Block logo é convidado para comer
morangos silvestres e tomar um pouco de leite. Block se oferece para levar o casal de
artistas até seu destino, que relutam de início, mas aceitam no final. Sentado na grama,
comendo morangos silvestres e tomando leite junto à Mia, ao escudeiro e ao Jof, que
toca seu ataúde, o cavaleiro é tomado pelas lembranças de sua esposa e goza daquele
momento de paz em meio a tanto sofrimento. Nesse momento, Block demonstra
entender o real sentido da vida. Dessa forma, reconhecendo a morte como inevitável,
é como se fosse possível tornar a vida o instante mais notável quando seu fim se mostra
iminente.
Após essa breve representação do viver, Bergman retorna às representações da
morte e dessa vez, quem teve a infelicidade de se encontrar com a Morte foi o artista
Skat. Vale frisar que Skat difere dos outros atores, sendo apresentado como um
homem perverso e egoísta. Nessa cena em especial, o artista discute com um ferreiro
após ter se envolvido com sua esposa. O ferreiro, por sua vez, ameaça matar Skat por
ter corrompido sua amada. O artista toma a frente e finge acabar com a própria vida
por vergonha. Quando todos se afastam, Skat comemora a “nova vida” que acabara
de ganhar e repousa numa árvore. A Morte aparece para ele com uma serra e começa
a cortar a árvore em que o artista está. O artista, desesperado, questiona-a:
Artista: Está cortando a minha árvore. Por que está cortando minha árvore? Poderia
pelo menos ter a educação de me dizer quem é?
Morte: Estou cortando a árvore, pois seu tempo acabou.
- 201 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
- 202 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
10
11
Como esperado, a Morte vence o jogo, mas opta por não matar Block naquele
momento, assegurando que, quando o encontrasse novamente, o mataria junto de seus
companheiros. Não demorou muito para que o cavaleiro se unisse novamente aos seus
companheiros, sendo eles, agora, o escudeiro e a sua acompanhante; o ferreiro e sua
esposa, Lisa. O cavaleiro e seus companheiros seguem para o que parece ser uma igreja
e lá encontram sua esposa, Karin, a quem não via há dez anos. Todos se reúnem em
volta da mesa para celebrar aquela ocasião. Block, agora, se mantém aflito lembrando
da promessa que a Morte havia feito a ele a pouco. A Morte surge, todos se levantam
e a encaram, cada um à sua maneira.
Karin, a esposa de Block encara a Morte com leve temor e se apresenta a ela.
Do mesmo modo, o ferreiro, ao lado de Lisa, apresenta a si e a sua esposa. A
acompanhante de Jons, a encara em silêncio, e se ajoelha diante dela com os olhos
lacrimejados. O cavaleiro, agora, se volta para a Morte com aflição e temor, buscando
reconciliação com Deus e clamando a Ele por misericórdia. Jons, por sua vez, se porta
com um leve temor, zombando da fé de Block. Contudo, com fé ou não, com temor
10 Alegoria “Dança Macabra”, criada pelo ilustrador alemão Michael Wolgemut em 1493, que
representa a universalidade da morte, remetendo a ideia de que a morte une a todos.
11 Imagem presente na cena final do filme O Sétimo Selo (Tempo: figura 16 – 01:35:40) de
Ingmar Bergman, produzido em 1957, que apresenta a Morte unindo a todos em sua dança.
- 203 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Considerações finais
Referências
- 204 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
GEERTZ, Clifford. A arte como sistema cultural. In: GEERTZ, Clifford. O saber
local: novos ensaios de antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1988.
O SÉTIMO Selo. Direção de Ingmar Bergman. Suécia: Allan Ekellund, 1957, 1 DVD,
91 min.
- 205 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Resumo: Este trabalho surge a partir da pesquisa para uma apresentação em formato
de live em que analisei quatro filmes brasileiros para um público maioritariamente
argentino. A live foi denominada Cine brasileño: mejorá tu portugués con pelis. O trabalho foi
veiculado na rede social Instagram em junho/2020, logo nos primeiros meses de
isolamento social devido à pandemia de Covid-19. A apresentação teve
aproximadamente 500 visualizações até a escrita deste resumo. Os filmes analisados:
“A hora da Estrela” (1985), “Anjos do Sol” (2006), “Estômago” (2007) e “Bacurau”
(2019). Quando pensamos em Argentina, sabe-se que há um peculiar imaginário acerca
de Brasil. Algo semelhante ocorre entre brasileiros quando tratamos do imaginário
acerca da país vizinho. Assim, neste trabalho, me proponho a tratar aspectos culturais
importantes apresentados nos filmes que, muitas vezes, vão além daqueles expostos
em grandes produções brasileiras ou, ainda, nas novelas que, como sabemos, são
largamente veiculadas em vários países, especialmente na fronteiriça Argentina.
A no Instagram
- 206 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Os filmes analisados
- 207 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
- (...)
Olímpico _ Deputado é doutor.
Macabéa _ Ih, é?
O _ Mas eu não tô dizendo? Se eu tô dizendo é porque é! Você não acredita?
(gritando)
M_ Acredito, acredito sim. Eu não quero te ofender.
(A hora da estrela, 48’39” – 48’53”)
- 208 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Jessé Souza inicia o primeiro capítulo de seu Ralé Brasileira, afirmando “Nós,
brasileiros, somos o povo da alegria, do calor humano, da hospitalidade e do sexo. Em
resumo: somos o povo da “emocionalidade” e da “espontaneidade” (...)” (2011, p. 29).
Escolhemos essa citação para o início de nossa apresentação acerca do filme Estômago,
filmado na cidade de Curitiba, Paraná, mas que poderia ser realizado em qualquer
grande cidade – ou capital – do país. Os elementos apontados por Souza como a
alegria, o calor humano, a hospitalidade e o sexo entram, em maior ou menor grau em
várias das análises destes filmes e com Estômago não é diferente. Kuczynski (2011)
observa que “é possível incluir a fotografia privilegiando o ato de cozinhar/ comer
com planos mais fechados e iluminados. É o que ocorre em uma das cenas iniciais, de
- 209 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
quando Raimundo Nonato descobre seu talento no boteco do seu Zulmiro”. Nesse
aspecto, a fotografia entra como um elemento muito importante nesta análise, dado
que as cores, muito vivas, fazem com que as cenas apresentem grande qualidade
imagética.
No argumento, temos Raimundo Nonato, jovem nordestino que se desloca de
ônibus de sua cidade para tentar a vida, assim como Macabéa, para uma cidade maior.
É outro nordestino que se encontra com os elementos tratados por Naxara (1998)
quando delineia as representações do brasileiro. A alegria, o calor humano, a
hospitalidade e o sexo permeiam o filme de Marcos Jorge, porém não necessariamente
nessa ordem. Aspectos culinários são muito relevantes na obra cinematográfica, dado
que Raimundo Nonato é preso e, no cárcere, se destaca por melhorar o aspecto e sabor
dos alimentos oferecidos aos detentos. Nesse sentido e por tal característica, Nonato
ascende na hierarquia do presídio, ganhando o respeito dos colegas de cela. Assim,
notamos a hospitalidade dos presos em receber Nonato. O sexo, porém, chega com a
prostituta Íria, por quem o protagonista se apaixona e acredita viver um
relacionamento.
Atores de destaque na obra de Marcos Jorge são: João Miguel, Fabiula
Nascimento, Babu Santana, Paulo Miklos, Jean Pierre Noher – alguns muito
conhecidos tanto do público brasileiro como estrangeiro, considerando que trabalham
em telenovelas: produtos de também de grande difusão da cultura e disseminação e
estereótipos nacionais.
- 210 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Questões culturais
Considerações finais
- 211 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
Referências
- 212 -
Eixo 3
Estudos sobre a Imagem e expressões artísticas
ANJOS do sol. Direção: Rudi Lagemann. Produção de ... Brasil: Downtown Filmes,
2006. 1 DVD.
BIZARRO, Rosa; BRAGA, Fátima. Da (s) cultura (s) de ensino ao ensino da (s)
cultura (s) na aula de Língua Estrangeira. 2014.
SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: como é e como vive. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2009.
- 213 -
- 214 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
Palavras-chave: League of Legends, papeis de gênero, gamers, jogos online, teoria feminista.
Introdução
- 215 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
- 216 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
autoidentificação dos usuários. Os dados acerca das escolhas dos usuários foram
coletados através do site Op.gg, que mapeia e registra os personagens escolhidos por
todos os jogadores de League of Legends em suas partidas ranqueadas. Tendo em vista
a maior exatidão possível quanto aos dados coletados, foram computados os cinco
personagens mais jogados por cada um dos 300 usuários, totalizando 1500 escolhas.
As mulheres e os
- 217 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
A filósofa norte-americana Judith Butler, por sua vez, trata as categorias sexo
e gênero de maneira diferente de Simone de Beauvoir. Para ela, não apenas a ideia de
gênero, mas também a própria definição de sexo, envolveria um discurso socialmente
construído. A categoria sexo seria, neste sentido, um discurso que remete a ordens
biológicas e tem como objetivo validar a opressão sobre as mulheres, ao passo que
gênero estaria na instância das performatividades, na ordem do social (BUTLER,
2010). Neste sentido, gênero em Butler seria, segundo Kurtz, uma “contínua estilização
do corpo que se cristaliza ao longo do tempo para produzir a aparência da substância,
ou seja, de uma maneira natural de ser” (KURTZ, 2019, p. 44). As performatividades
– e o gênero –, portanto, não seriam verdadeiramente uma escolha: é o que se espera
de um homem ou de uma mulher, um conjunto de atos que se repetem dentro de um
quadro regulatório rígido, como se houvesse, segundo Kurtz, uma espécie de “script”.
Sexo e gênero, neste sentido, são categorias diferentes e não neutras para estas autoras.
A autora brasileira movimenta, então, a obra de West e Zimmerman (1987),
autores que complementam as visões acerca de sexo e gênero propostas nas páginas
anteriores, reforçando que a relação entre processos biológicos e culturais é complexa.
Estes autores trazem três conceitos: sexo, categoria sexual e gênero. De acordo com
tabela adaptada pela autora (KURTZ, 2019), retirada da obra Gender & Society (1987),
sexo é determinado no nascimento pelas genitais, ou pelos cromossomos; categoria
sexual é “estabelecida a partir da aplicação de do critério sexo e [...] é sustentada no
dia-a-dia pela exibição de marcas de identificação socialmente requeridas”, é a
demonstração física externa do sexo; e gênero consiste na “atividade de gerenciar
condutas situadas sob concepções normativas em atitudes apropriadas para cada
categoria sexual e [...] emerge a partir de reinvindicações reforçadas no pertencimento
a alguma categoria sexual” (KURTZ, 2019, p.46).
Estaríamos, então, sempre sob alguma categoria sexual. O gênero, segundo
estes autores, vai além de uma demonstração identitária: é um fazer.
Fazendo gênero significa criar diferenças entre homens e mulheres que não são
naturais, nem de essência ou de natureza biológica. A partir do momento em
que essas diferenças são construídas, elas são utilizadas para reforçar a
“essência” do gênero (KURTZ, 2019, p. 47)
- 218 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
o que praticam ser. West e Zimmerman (1987) caracterizam gênero como “um
dispositivo ideológico poderoso, pois produz, reproduz e legitima as escolhas e limites
que estão pressupostas na categoria sexual” (KURTZ, 2019, p. 49). Classificar um
indivíduo como do sexo feminino ou masculino, portanto, pressupõe uma série de
premissas posteriores que incluem a classificação sexual e a atividade de fazer gênero
(KURTZ, 2019).
Dessa forma, a sociedade ocidental espera que os indivíduos aparentem ser da
categoria sexual correspondendo a seu sexo – feminino ou masculino – e façam gênero
também equivalente. Esta dicotomia é reforçada por diversas vias tradicionais, como
a Igreja, escolas, família, e, devido às mudanças culturais nos últimos anos, também
pelos games e sua comunidade. Além da divisão em duas categorias ser visível no mundo
material – do qual tratava Beauvoir –, ela também está fortemente presente na nova
esfera em ascensão, o mundo virtual, e, dentro dele, particularmente, no universo dos
game(r)s.
O mundo dos games considerado, por muito tempo, um local
fundamentalmente masculino e, assim sendo, esse foi o público ao qual o universo
virtual serviu e em torno do qual os games se desenvolveram. Por considerar o público
masculino como alvo de seu mercado, a indústria de jogos buscou agradar essa parcela
da população, o que implica na construção de um universo extremamente generificado:
os personagens masculinos são construídos como fortes, musculosos, cobertos com
armaduras e prontos para a batalha, enquanto as personagens femininas
frequentemente são representadas por figuras frágeis, dependentes e hipersexualizadas,
com poucas vestimentas, o que deixa seus corpos à mostra para objetificação pelo
público alvo. A construção das personagens femininas também as liga, segundo
Mungioli (2011), ao mito da maternidade, mantendo também no mundo virtual a ideia
de que a função da mulher seria cuidar de e proteger seus companheiros de partida.
Por ter sido até então considerado como entretenimento do público masculino,
a presença das mulheres como jogadoras as expõe a recorrentes episódios de misoginia
e assédio (MYERS, 2010). Até 2010, como afirma Myers em seu artigo para o site
Kotaku, questões relacionadas à presença e representação da mulher nos jogos online
eram praticamente inexistentes e, quando surgiam, eram combatidas ferozmente pelo
público até então foco dos jogos, o masculino; e os indivíduos que procuravam abordar
tais tópicos eram ameaçados mesmo fora da internet. Com o aumento da presença
feminina entre o público consumidor dos jogos e video games, a violência imposta às
mulheres, que já era um grande problema social trazido à tona por estudos
contemporâneos, tornou-se ainda mais visível e frequente também na nova esfera que
tem se desenvolvido ao longo do século XXI, a virtual.
A reiteração tanto dos papeis de gênero quanto da violência direcionada às
mulheres evidencia que o mundo virtual não é uma realidade descolada do mundo
material. Amanda Rodrigues (2016), em sua dissertação sobre territorialidades e gênero
em League of Legends, defende que estes dois mundos consistem em realidades
- 219 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
complementares, que são influenciadas uma pela outra. Para tratar a relação entre
material e virtual, a autora evoca Suely Fragoso (2015), segundo a qual
O ‘espaço material’ é aquele onde se encontram as coisas físicas: o corpo do jogador,
os aparelhos que ele utiliza para jogar, os objetos que estão à sua volta, etc. A
impressão de que esta categoria tem menos importância ou complexidade que as
anteriores é decorrente da vitalidade da herança cartesiana, que faz com que toda
atenção à materialidade pareça ingênua, reduzindo os existentes do mundo às
aparências e superficialidades. No entanto, dada a inseparabilidade entre o corpo e a
consciência, algumas das principais chaves para entender a experiência espacial dos
games se encontram no espaço material. (FRAGOSO, 2015, p 199, apud
RODRIGUES, 2016, p. 38).
- 220 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
- 221 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
- 222 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
Ainda que usem armaduras, como é o caso das poucas que ocupam a função
tanque, há ainda um forte apelo sexual devido a presença dos chamados boob plates,
“armaduras que, embora sejam aparentemente feitas com metais pesados, ainda assim
ressaltam os seios das personagens” (NASCIMENTO, 2016, p. 64), como é o caso de
Leona, Vi e Shyvana, por exemplo. Há, algumas campeãs que, assim como os tanques
e lutadores do sexo masculino, utilizam armaduras e escudos, sem serem sensualizadas,
e possuem porte físico mais robusto e atlético; Illaoi, Camille e Rell são exemplos de
campeãs que não apresentam apelo sexual.
Quando analisamos as diferenças visuais entre os campeões e campeãs que são
enquadrados na função suporte, que tem função de “cuidadores” de seus
companheiros, seja ela primária ou secundária, as discrepâncias também saltam aos
olhos. Entre os 33 personagens que podem exercer a função de suporte, 12 são do
sexo masculino e 21 do sexo feminino.
Quando se trata dos campeões suportes, mesmo aqueles que são suportes e
magos não tem um visual tão frágil quanto os personagens do sexo oposto. Neste
sentido, é possível que a construção das personagens, além de demonstrar sinais de
sexualização tanto de campeões quanto campeãs – mais fortemente nas últimas –,
também manifeste e propague alguns estereótipos de gênero envolvendo a fragilidade
e dependência das mulheres.
- 223 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
Mago, assassino, lutador, tanque, suporte e atirador, bem como junções entre
duas destas, são as funções dos personagens que os jogadores de League of Legends
podem escolher para controlar durante as partidas gerenciadas.
Nesta pesquisa, buscou-se mapear os personagens escolhidos pelos usuários
em partidas ranqueadas (que valem pontos de rank). Para chegar a estes perfis, foram
observadas transmissões na plataforma de streaming Twitch.tv, onde pode-se obter os
nomes/nicks dos streamers dentro do jogo. Foram observados entre 300 e 320 streamers
para obtenção de um extenso banco de dados.
Após a coleta de todos os perfis, foram selecionados, entre os coletados, os
primeiros 300 perfis válidos que possuíssem no mínimo 20 partidas ranqueadas
computadas pela plataforma OP.gg tendo em vista alcançar a maior exatidão dos dados
e estimativas realizadas. Dentre estes 300 perfis, 150 corresponderam a usuários que
se declaram homens e 150 perfis de usuárias que se declaram mulheres. Neste sentido,
não houve qualquer tipo de diferenciação relacionada à opção sexual ou identidade de
gênero (cis ou trans). A divisão entre homens e mulheres foi feita de acordo com a
autodeterminação dos/as streamers, definida em seus respectivos perfis, possibilitando
a análise das escolhas dos jogadores e jogadoras.
Selecionados os perfis, foram coletadas as cinco escolhas mais frequentes
destes 300 jogadores e jogadoras, totalizando 1500 escolhas de personagens a serem
analisadas. Estes 1500 dados, logicamente, foram distribuídos entre os 156
personagens disponíveis. Para tanto, foram confeccionadas duas novas tabela – na qual
estavam inclusos todos os campeões e campeãs em ordem alfabética e com cores
indicando o sexo definido2 –; estas tabelas foram alimentadas com a frequência de
escolha dos jogadores: a primeira com o personagem mais escolhido por cada um dos
300 jogadores, e a segunda com os cinco personagens mais escolhidos.
A análise dos 300 perfis possibilitou estimar quais são os campeões mais
escolhidos, aqueles que aparecem em primeiro lugar nos perfis computados na
plataforma OP.gg.
A tabela 1 contabiliza as escolhas das 150 jogadoras e dos 150 jogadores
analisados, que foram divididas de acordo com o personagem mais jogado (favorito)
por cada um e classificadas em personagem mulher (ou definida como pertencente ao
sexo feminino), homem (ou definido como pertencente ao sexo masculino) e Kindred
2 Os campeões definidos como homens foram destacados com a cor azul, e as campeãs
definidas como mulheres com a cor laranja.
- 224 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
(personagem que possui duas partes, uma pertencente ao sexo feminino – ovelha – e
outra ao masculino – lobo).
- 225 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
Uma diferença tão grande nas preferências entre jogadoras e jogadores descarta
também a possibilidade que as escolhas sejam feitas a partir de quais personagens
encontram-se mais fortes naquele momento do jogo, uma vez que a empresa
constantemente modifica os campeões tendo em vista a manutenção do
balanceamento entre as classes e funções dos personagens.
A mencionada variedade de escolhas – ou ausência dela – é vista também
quando analisamos a quantidade de vezes, entre os 1500 dados, que cada campeão
aparece como mais jogado. Entre os jogadores, como pode ser observado na tabela 3,
poucos foram os personagens que foram observados acima de 20 vezes. Além disso,
metade dos personagens mais jogados exercem as funções assassino e lutador. Há
apenas dois personagens que exercem funções de suporte entre os dez mais jogados
por jogadores, situação que se mostrará muito diferente ao analisarmos as escolhas das
jogadoras. Além disso, há tanto campeões do sexo masculino quanto feminino entre
as dez escolhas favoritas dos jogadores.
- 226 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
Considerações finais
- 227 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
Referências
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: fatos e mitos. 4. ed. São Paulo: Difusão
Européia do Livro, 1970.
- 228 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
MYERS, Maddy. The Cost Of Being A Woman Who Covers Video Games.
Kotaku, 2020. Disponível em: https://kotaku.com/the-cost-of-being-a-woman-who-
covers-video-games-1840793836. Acesso em: 01 de jan. de 2020.
- 229 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
Resumo: Pensar a relação entre ciência, tecnologia e inovação na interface com a vida
cotidiana da população ganha cada vez mais destaque no cenário brasileiro em especial
no que se refere às políticas públicas educacionais e de pesquisa. Adotando a
perspectiva teórica da Psicologia Social, este estudo tem por objetivo identificar as
ações governamentais voltadas à promoção e disseminação de práticas associadas à
produção de ciência, tecnologia e inovação, atentando para seus efeitos. Primeiro,
serão apresentadas leis e diretrizes que indicam concessões de créditos, fomentos e
reduções de alíquotas fiscais para criar um ambiente favorável à inovação no país. Na
sequência, ressaltam-se os efeitos dessas políticas no aumento do número de vagas
para cursos de graduação em instituições de ensino superior e institutos tecnológicos.
Em seguida, abordam-se os efeitos psicossociais dessa disseminação junto à
população, em especial no campo laboral. Ao final, sublinhamos a importância de
acompanhar as políticas educacionais de nosso país a fim de analisar criticamente seus
efeitos no cotidiano dos docentes, cientistas, estudantes e população em geral.
Introdução
- 230 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
- 231 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
- 232 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
- 233 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
- 234 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
legais como a “maneira correta de dispor as coisas para conduzi-las [...] a um objetivo
adequado” (p. 417). Nessa perspectiva em análise, busca-se “assegurar a
disponibilidade de meios materiais e humanos compatíveis com as necessidades e a
dinâmica dos processos de inovação” (BRASIL, 2002, p. 50).
Como mencionado, a perspectiva de governo da população, tal qual analisada
por Foucault (2019), busca administrar não apenas os recursos tangíveis, como a
estruturação geral da área científico-tecnológica, mas também inserir nesse cálculo “os
costumes, os hábitos, as formas de agir ou de pensar” (FOUCAULT, 2019, p. 415).
Tendo isso em vista, nota-se uma consistente imbricação entre o progresso de ciência,
tecnologia e inovação com o desenvolvimento econômico, industrial e social de nosso
país. O PNPG de 2011 a 2020 expressa tal posicionamento:
- 235 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
Considerações finais
Ao final desta investigação cabe salientar alguns pontos de conclusão que, por
sua vez, abrem para outros questionamentos. Em primeiro lugar, as intervenções
- 236 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
Referências
- 237 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
- 238 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
- 239 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
- 240 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
Introdução
- 241 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
- 242 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
A imprensa londrinense
- 243 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
- 244 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
A zona do meretrício
- 245 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
projetavam um sonho de uma vida boa e uma cidade próspera. No sentido de atribuir
uma explicação coerente sobre as práticas do lenocínio na cidade, o autor Antônio
Benatti (1997) apresenta duas hipóteses para as atividades sexuais, a primeira delas é
que havia homens em demasia na cidade, consequentemente uma baixa vida sexual
masculina, ou seja, faltavam mulheres na cidade tanto para o prazer sexual quanto para
a constituição de famílias e crescimento populacional; a segunda foi basicamente pela
falta de locais que proporcionassem lazer e uma vida noturna.
Pode ser compreendida em termos como a prostituição se instalou na cidade
rústica dos anos 30. Mas, atribuir o sentido de um local que gerencia somente a venda
de sexo destinada ao público masculino, torna-se um olhar extremamente machista e
limitado. O meretrício de Londrina era muito mais do que um local de prostitutas;
jogadores e da malandragem. Veremos a seguir o que a localidade proporcionava aos
cidadãos.
Junto com a modernização da cidade as casas de prostituição ganharam uma
nova roupagem, ou seja, com o crescimento econômico por conta do café os grandes
fazendeiros e empresários se divertiam na noite londrinense em casas luxuosas. Em
muitos casos fechavam boates em espaços particulares para as farras com as garotas.
A vida noturna cresceu junto com o sucesso do café, da mesma forma que era na zona
que apontava sobre a economia da região (BENATTI, 1997).
Além desses fatores que impulsionaram as diversões da noite londrinense,
haviam outros motivos que comprovam o sucesso da vida noturna no norte
paranaense. Um dos exemplos, segundo Arias Neto (2008, p. 119) “Parte do grande
movimento do aeroporto local – na época, o terceiro do Brasil – era composto por
aviões que transportavam prostitutas de luxo para aquelas casas[…]”. Ao chegar ao
aeroporto, os curiosos logo recepcionavam as garotas vindas de muitos cantos do
Brasil e do mundo, e já escolhiam ali mesmo a sua companhia para as festas noturnas.
Também na zona, haviam muitos outros grupos marginalizados pela sociedade.
Não era uma questão somente com as prostitutas, já mencionado anteriormente na
Vila Matos haviam todos os tipos de personagens: jogadores; malandros, mendigos e
vadios que são alguns exemplos de grupos que estavam presentes no espaço. Estavam
todos alocados no mesmo perímetro, como diz Rolim (1999, p.36) “[...]o objetivo era
de regular a vida cotidiana no espaço urbano, determinando os lugares a serem
ocupados e eliminando os aspectos indesejáveis”. A sociedade com tais práticas de
segregação visava submeter os populares para além dos limites da cidade ordenada,
que estava se construindo no centro da cidade.
A própria ocupação dessa região denunciava que não suportaria aquele excesso
de gente que chegou à cidade na década de 1950. Ali encontravam-se muitos indivíduos
sem oportunidade na cidade do “Eldorado”, no qual era vendida para outros locais
como uma terra do “Progresso”. De certo modo, o que provocou esse cenário do
meretrício era também a falta de oportunidade que os imigrantes se deparavam ao
chegar em Londrina. Portanto, para sobreviver no município alguma atividade deveria
- 246 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
ser desempenhada, mesmo que fosse viver de golpes ou furtos na área central, ou até
mesmo o trottoir6 pela urbe.
Pensar esse local para além dos adjetivos pejorativos dados a ele, nos move a
pensar como um espaço que visa uma perspectiva mais profunda e acolhedora com os
que viveram a boêmia em Londrina. A Vila Matos dentro de todos os seus atributos,
era um espaço de sociabilidade (BENATTI, 1997). Era nas boates e na vida noturna
da cidade que as pessoas se comunicavam, divertiam, trocavam experiências. Nesse
sentido, os próprios jornalistas compreendendo que a zona do meretrício era um local
movimentado, onde a vida social brilhava, partiam para a região para vivenciar, relatar,
e tripudiar os acontecimentos e situações na zona do amor.
O jornalismo boêmio
6 Termo utilizado para a prostituição de calçada, ou seja, nas ruas fora das casas e boates.
- 247 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
Desta maneira, o próprio Marinósio era um cantor que atuou na noite londrinense e
que inclusive teve um relacionamento com uma cafetina de uma grande boate da
cidade.
Nesse meio tempo, nas aventuras que a cidade proporcionava e
consequentemente forçava os sujeitos a se movimentar. O jornalista criou um jornal
no fim da década de 1940 chamado “O Combate”. A respeito desse assunto, Melhado
(2014, p.205) “[...]O Combate veiculava reportagens enérgicas nas quais defendia a
completa segregação das prostitutas, incitando as autoridades policiais a removerem as
‘mariposas’ das áreas centrais da cidade”. Fica evidente a ambiguidade/contradição do
jornalista que viveu e sentiu a vida noturna, e que por outro lado não sensibiliza com
quem exerce as atividades da noite e da diversão.
Além dessas perspectivas, temos um caso curioso de uma confusão ocorrida
na zona analisada pelo autor Tony Hara. A situação ocorreu por conta de uma prisão
arbitrária de um sujeito identificado como “Biquinha”, os populares que
acompanhavam a cena se revoltaram e ameaçavam os policiais com ripas e pedras.
Toda essa desordem ocasionou uma morte e dois feridos nessa conjuntura (HARA,
2000).
De acordo com tal ocorrido, um dos soldados relatou que os jornalistas Ciro
Ibirá e Dicesar Plaisant estiveram no acontecido e inflavam a população contra os
policiais. De certo que esse depoimento induz a pensar a ação dos jornalistas na
confusão.
Mesmo sendo acusado pelos policiais de agressão e de liderar a revolta popular,
Ciro Ibirá não cedeu e desmentiu a versão da polícia de que houve primeiro disparos
contra a patrulha. E mais, descreveu fisicamente o perfil de um dos soldados que abriu
fogo contra os populares. (HARA, 2000, p.47)
Nessa perspectiva identificamos uma ação diferente daquela realizada por
Marinósio, assim Ciro e Dicesar participam de uma ato em prol dos populares,
auxiliando e oferecendo suporte contra aqueles policiais que reprimiam as pessoas no
ambiente do meretrício.
Avaliar a perspectiva da zona, nos faz refletir também sobre outras formas de
lazer e diversão que havia na região. Além das casas eróticas, haviam restaurantes,
churrascarias e bares que eram constituintes da vida noturna londrinense. Dessa forma,
aponta Benatti (1997, p.113) “O bar Líder, na avenida Paraná, marcou época como um
dos palcos da vida boêmia da região”. Era um reduto dos boêmios da cidade, e também
servia como um ponto de recolher informações dos acontecimentos sociais.
Os marginalizados de Londrina estavam “restritos”7 à Vila Matos, lá se
encontravam os excluídos da cidade ou aqueles rejeitados pela ordem moral da
sociedade londrinense. Desse modo, os jornalistas conviviam com as margens da
cidade (considerada a região da boêmia) era naquele local que os profissionais da
- 248 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
imprensa circulavam e festejavam junto aos populares; prostitutas e malandros que ali
habitavam. Porém, antes da convivência havia um julgamento desses espaços
considerados imorais compartilhados nos jornais. Da mistura de corpos que havia no
meretrício, antes disso era um espaço social entre os sujeitos, que se tornou ao longo
do tempo objeto de estudo dos pesquisadores.
Viver na cidade era uma aventura naqueles tempos, tanto para os que
chegavam, tanto aos que já viviam em Londrina. De todo esse contexto da
modernização espacial inovando os locais da cidade, junto com os espaços decaídos,
se tornam uma relação complexa de análise. Segundo Hara (2000, p45) “A presença de
jornalistas nos cabarés e bares da zona do meretrício não constituía uma novidade ou
um desvio de regra”. Após a conclusão de sua rotina de trabalho, era na zona que se
divertiam e comemoravam com os companheiros. Os profissionais da imprensa viviam
na boêmia da cidade após o labor.
Em relação a isso, era nos periódicos que os jornalistas difamavam a região do
amor. Foi já no final da década de 1940 que as notícias moralistas ganharam força
contra a marginália (HARA, 2000). Ao fazer uma análise sobre a vida de Marinósio
Filho, afirma o pesquisador Melhado (2014, p.209) “Embora vivessem os prazeres da
zona do meretrício e mantivessem relações com a marginália local, os jornalistas-
boêmios escreviam seus textos, baseados em discursos professados por membros das
elites econômicas, políticas ou policiais[…]”. Dessa forma, os profissionais iam contra
as próprias atitudes tomadas no cotidiano tanto quanto comunicador, ou mesmo
sujeito social que perambulava e participava desses espaços sociais julgados por eles
próprios nos periódicos da cidade.
Nessa perspectiva da cidade de Londrina com intensas transformações vivendo
sua modernidade, assim Berman define a vida moderna (1986, p.15) “[…] é encontrar-
se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento,
autotransformação e transformação das coisas em redor […]”. Ao mesmo tempo
revela as contradições que os indivíduos estão expostos, em conviver com abundantes
alterações, e as repletas mudanças que aconteceram na sociedade.
O essencial da análise visa compreender o universo de inserção dos
profissionais na sociedade, participando tanto como sujeitos da história, como também
produtores de histórias e discursos. As fontes jornalísticas são em grande parte um
material privilegiado na história da cidade, tem grande presença em trabalhos
renomados utilizados por historiadores, sociólogos e pesquisadores de forma geral. Os
jornais fazem parte da representação do passado na cidade, desse modo uma análise
dos espaços sociais pode revelar os condicionamentos políticos dos jornalistas, ou seja,
os motivos e as lutas em que os profissionais enfrentavam, como também suas relações
de proximidade ou distanciamento com sujeitos de uma linha ideológica semelhante
ou não a sua.
As ambiguidades da vida moderna em conviver com as margens da cidade
londrinense revelam traços contraditórios aos que são representados nos jornais. O
local de convivência e relacionamento pessoal vivido pelos jornalistas é relevante para
- 249 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
Considerações Finais
Referências
DION, Sylvie. O “fait divers” como gênero narrativo. Letras (Santa Maria), v. 34,
p. 123-131, 2007.
- 250 -
Eixo 4
Ciência, Tecnologia e Sociedade
- 251 -
- 252 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 253 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Um homem parecido foi descrito por Ortega Y Gasset (2016, p. 173), antes da
Segunda Grande Guerra: um homem que possui um contentamento consigo próprio
e que o leva a se fechar para toda instância exterior, a não escutar, a não pôr em questão
suas opiniões e a não contar com os demais. Um homem que age, pois, como se só ele
e seus congêneres existissem no mundo. Um homem que intervém em tudo impondo
sua opinião vulgar, sem considerações, contemplações, trâmites nem reservas.
Em sua obra Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal, a filosofa
alemã aprofunda suas críticas em relação ao homem de massa, tido por ela como
incapaz de pensar criticamente, de julgar com alargamento3.
Ao ser enviada à Israel pela revista americana New Yorker, para cobrir o
julgamento de Adolf K. Eichmann – organizador da logística da deportação de judeus
para os campos de extermínio – percebeu, com surpresa, alguns traços de sua
personalidade. Eichmann era portador de uma fala permeada de clichês, parecia
animado com o próprio julgamento, era autovangloriador, esquecediço, distraído e
aparentemente incapaz (CORREIA, 2020).
Sobre ele, concluiu a filósofa “apesar de todos os esforços da promotoria, todo
mundo percebia que esse homem não era um monstro; mas era difícil não desconfiar
de que fosse um palhaço”. Terrível era a constatação de que “havia muitos como
Eichmann – não eram nem pervertidos, nem sádicos, mas assustadoramente normais”
(ARENDT, 2019, p. 67).
Ao examinar Eichmann, constatou, com segurança, que é possível a uma
pessoa absolutamente normal social e psiquicamente, perpetrar um mal ilimitado. Um
oportunista inconsequente e burocrata irrefletido, tornou possível que um evento
mundano se apresentasse como a falência dos padrões morais tradicionais (CORREIA,
2013, p.63).
3 Sobre o julgar de maneira ampliada, esclarece Arendt: “Quase não se falou dessa phronesis
através dos séculos, que em Aristóteles é a verdadeira virtude cardinal da coisa política. Só a
encontramos de novo em Kant, na explanação da razão saudável do homem como um bem
do juízo. Ele a chama de ‘maneira de pensar ampliada’ e a define expressamente como a
capacidade ‘[de] pensar no lugar de todos os outros’” (ARENDT, 2018a, pg. 111).
- 254 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 255 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 256 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Diante desse quadro que inicia com a perda da proteção da lei, passa pela destruição
da solidariedade e pelo aniquilamento da espontaneidade, e chega ao extermínio frio
e sistemático de corpos humanos, é possível compreender a passividade e a não
contestação dos internos dos campos de extermínio às atrocidades que sofriam; eles
haviam perdido a capacidade de ação, esta vinculada à espontaneidade. [...] A
espontaneidade é produto da individualidade; aniquilada a individualidade, aniquila-se
a espontaneidade – e a espontaneidade nada mais é do que a capacidade humana da
ação. À espontaneidade se ajunta a natalidade. É o nascimento que move os seres
humanos para a ação. [...] Ao exercer a atividade da ação, o ser humano cria um espaço
atemporal e aespacial, que chamamos de espaço da política. A política é, assim, o
espaço entre-os-homens, construído se houver a ação e discurso. Política e liberdade
se identificam, pois, sem espontaneidade para iniciar algo novo no mundo feito de
outros seres humanos igualmente aptos para agir, a ação não se efetiva. [...] Nos
Estados totalitários, a individualidade ou qualquer outra forma de distinção entre os
seres humanos é inadmissível. Isso porque ao se permitir a individualidade –
singularidade – permitir-se-ia a ação e com ela o poder político e era isso que o
movimento totalitário queria evitar (MÜLLER, 2012, p. 313-316).
- 257 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
A crise tem sido muitas vezes definida como uma quebra de tais regras e padrões, e
isso não porque nos tornamos de repente tão perversos que não reconhecemos mais
o que tempos anteriores acreditavam ser verdades eternas, mas, pelo contrário, porque
essas verdades tradicionais parecem não se aplicar mais. Como Tocqueville observou:
quando o passado deixa de lançar sua luz sobre o futuro, a mente do homem vagueia
na obscuridade. [...] Acho que ninguém expressou com mais precisão concreta o
impacto que esse colapso deve ter nas mentes e nos corações dos homens que vivem
nessas condições do que Churchill. Ele escreveu as seguintes palavras há mais de trinta
anos - antes de Auschwitz, Hiroshima, da bomba de hidrogênio, etc: “Quase nada
materialmente estabelecido que eu fui educado para acreditar que era permanente e
vital durou. Tudo que eu tinha certeza, ou fui ensinado a ter certeza, que era
impossível, aconteceu” (ARENDT, 2018b, pp. 1965-1966).4
4 Em tradução livre ao seguinte trecho: The crisis has often been defined as a breakdown of
such rules and standards, and this not because we have become all of a sudden so wicked as
no longer to recognize what former times have believed to be eternal verities, but, on the
contrary, because these traditional verities seem no longer to apply. As Tocqueville noted:
when the past ceases to throw its light upon the future, the mind of man wanders in obscurity.
[...] I think no one has expressed with more concrete precision the impact this breakdown
must have on the minds and hearts of men living under such conditions than Churchill. He
wrote the following words more than thirty years ago – before Auschwitz, Hiroshima, the
hydrogen bomb, etc.: “Scarcely anything materially established which I was brought up to
believe was permanent and vital has lasted. Everything I was sure, or was taught to be sure,
was impossible has happened”
5 Em tradução livre ao seguinte trecho: Moral truth, be it derived from philosophy or from
religion, resembles more the validity of agreements that the compelling validity of scientific
statements. These agreements determine the action of all when they have become mores,
morality customs with their own standards of conduct that finally become self-evident. We all
know how many centuries it took until men could say that all men are born equal, that this is
a self-evident truth. This, too, is in fact an agreement; Jefferson said we hold this to be true, and
he added the word self-evident in the hope of making an agreement – “we hold”- more
compelling.
- 258 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 259 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Referências
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Trad. Roberto Raposo. 13. ed. rev. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2020.
ARENDT, Hannah. O que é política? Org. Úrsula Ludz; Trad. Reinaldo Guarany;
Kurt Sontheimer. 12. ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2018a.
- 260 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
LEVI, Primo. É isto um homem? Trad. Luigi Del Re. Rio de Janeiro: Rocco, 1988.
- 261 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 262 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Introdução
- 263 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
que é, à sua pátria” (KANT, 1798 – 7:317-18)2. Essa notável descrição do povo alemão,
que o cerca de intelectualidade, contudo foi praticamente varrida no século XIX pela
onda nacionalista. Esse termo usado por Kant distingue-se do perfil de cosmopolita
viajante que não está apegado a lugar algum, ao contrário, está voltado a um cidadão
que reconhece outras culturas, respeita e se interessa por elas, agindo como membro
de uma comunidade global e inclusive não requer viajar por diversos outros países.
Neste sentido, eleger Kant o pai do cosmopolitismo poderia carregar uma dose
de ironia, se considerarmos o fato de que o filósofo passou toda a vida na pequena
cidade de Koenigsberg, no interior da Prússia, com singelos deslocamentos que não
ultrapassaram 200km de raio de sua residência. Como sua própria biografia ilustrou,
encontra uma perfeita compatibilidade do ideal cosmopolita com o fato de ter vivido
sempre em sua cidade natal, que contava com porto marítimo, universidade, escritórios
oficiais do governo e intenso fluxo de comércio internacional; o que proporcionava
uma grande exposição a vários idiomas e culturas (KANT, 1798 – 7:120-21).
Embora o conceito permeie entre pensadores de diferentes épocas, os registros
de sua contribuição e profundidade no tema superaram pensadores que o antecederam,
bem como servem de referência ainda hoje a qualquer pesquisador contemporâneo
que mergulhe no estudo das relações entre os povos. O cosmopolitismo tem sido
revivido nas últimas três décadas, especialmente pelo ressurgimento de um sentimento
nacionalista em muitas partes do mundo, bem como pelo globalismo que tem se
intensificado nesse período. Alguns autores contemporâneos, como Martha
Nussbaum, defendem a versão moral do cosmopolitismo, no entanto outros como
Thomas Pogge, David Held e Jürgen Habbermas afirmam que é claramente uma
questão política.
Esses autores frequentemente se voltam ao cosmopolitismo do século XVIII,
especialmente a Immanuel Kant e suas noções de igualdade moral entre todos os
humanos, a existência de um conjunto de direitos humanos e principalmente a urgência
em se estabelecer uma instituição política formando uma liga de nações. Todavia, a
complexidade do cosmopolitismo do século XVIII não foi completamente explorada.
Poucos acadêmicos têm examinado profundamente as diversas teorias cosmopolitas
dessa época para determinar quais são suas características e qual forma toma essa
ordem global.
O principal objetivo deste texto é mostrar que no final do século XVIII o
cosmopolitismo alemão não era uma única e abrangente ideia, mas ao invés disso era
composto de ao menos seis variedades diferentes: o cosmopolitismo moral (1) – em
que os humanos constituem uma única comunidade com obrigações morais diante de
todos os demais, independentemente de sua nacionalidade, idioma, religião, costumes,
2 As referências aos textos de Kant serão realizadas a partir da edição das obras completas,
segundo a Akademie-Ausgabe. As indicações a Kant são feitas por autor e data; seguidas da
paginação da academia de Berlim. Já as referências a outros autores serão realizadas por nome
do autor, ano de publicação da obra e página.
- 264 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
etc. –, a proposta de uma reforma política internacional (2) e também de ordem jurídica
(3), o cosmopolitismo cultural (4) – que destaca o valor de um pluralismo cultural
global –, o cosmopolitismo econômico (5) – que visa estabelecer um livre mercado
global onde todos os humanos possuem igualdade nas tratativas com parceiros
comerciais – e, finalmente, o cosmopolitismo “ romântico” ou humanitário (6) – como
um ideal de humanidade unida por fé e amor. Estes tipos de cosmopolitismo, têm sido
objeto de estudo de Pauline Kleingeld neste milênio e no final do século XIX por
Thomas J. Schlereth and Albert Mathiez, tendo este último se voltado apenas ao
cosmopolitismo francês. Outros nomes como Karen O’Brien desenvolveram estudos
grandiosos acerca de uma ideia de civilização europeia, contudo não discutem o
cosmopolitismo no sentido do termo trabalhado neste texto. Esta pesquisa destaca as
variantes mais exploradas na concepção kantiana de cosmopolitismo: o moral, o
político e o jurídico.
3 Inspirado por Sócrates, vale destacar a frase de Diógenes, quando foi questionado de onde
veio e respondeu: “Sou um cidadão do mundo [kosmopolitês]” (Diogenes Laertius VI 63), por
identificar-se não como um cidadão de Sínope, mas um cidadão do mundo.
- 265 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
combatia o nacionalismo local, mas não propunha reformas radicais nos cenários
políticos internacionais. Compartilhava a visão de Kant, de que os esforços
cosmopolitas deveriam se voltar a reformas e não a revoluções. A ideia central nos
direitos humanos cosmopolitas (cosmopolitismo moral) é que existem direitos e
deveres universais, sendo que estes não deveriam se limitar em escopo, ou seja, eles
deveriam ser aplicados a todos os seres humanos.
Se todos os humanos se qualificam como cidadãos da comunidade moral e a
respectiva natureza desta moralidade, são essas as questões que diferem os
cosmopolitas morais. Entretanto, concordam com a igualdade moral de todos os
humanos como objeto de interesse moral concomitante ao ideal de imparcialidade.
Veem nossas obrigações morais com extensão além das fronteiras de uma nação e não
comprometidas com um ideal político remodelando a ordem mundial.
Todavia, a expressão “cidadão do mundo” no sentido literal volta-se a uma
ordem política e jurídica do mundo todo. Visão, esta, que constitui os
cosmopolitismos: político e jurídico, que veremos a seguir.
Alguns filósofos do final do século XVIII incluíram ao seu cosmopolitismo
moral, uma teoria política que defende uma federação de estados, entre eles Immanuel
Kant, Johann Gottileb Fichte e Friedrich Schlegel. Com eles, a ideia uma federação
internacional cosmopolita surge em uma versão4 forte e outra mais suave. A defesa de
uma linha mais tênue é a de Kant, que defende a formação de uma liga de estados sem
poder coercivo. As mais fortes ficam com Fichte – estabelecer uma liga com autoridade
para se fazer cumprir a lei federal – e Schlegel – com o ideal romântico de uma
democracia não coerciva da república mundial das repúblicas.
Kant acrescenta ao seu cosmopolitismo moral, a teoria política cosmopolita.
Em 1784, na obra Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolita, acreditava em
uma visão cosmopolita de mundo composto por estados formando uma federação,
algo similar a uma comunidade civil de nações, submetidas a leis comuns e autoridade
que se fizesse cumprir às leis. Posteriormente, em À paz perpétua (1795), argumentava
ainda que os estados deveriam se submeter à lei comum, mas unindo-se a uma liga de
estados na promoção da paz. Com isso, foi criticado, sendo tido como inconsistente,
especialmente por negligenciar a possibilidade de um estado transferir somente parte
de sua soberania ao nível federal, ou seja, apenas a parte relativa às suas relações entre
si, mantendo a soberania nos assuntos internos. Tais críticas vinham principalmente
de Fichte e Schlegel, que assim como Kant se opunham a uma única nação-estado, em
que todos os indivíduos na terra estariam a ela submetidos.
Fichte alegava a necessidade de se estabelecer um estado de estados com
coerção e Schlegel a não coerciva república de repúblicas, mas em Fundamento do Direito
Natural (1796), Fichte abandona a ideia de estado de estados em favor da “liga” de
nações. Passa a afirmar que os estados não devem ser forçados a se juntar à federação,
contudo mantém-se a favor de poderes coercivos na “liga”. Para Fichte, se um estado
4 Referimo-nos aqui ao grau de coesão interna das federações dos estados exigidos nessa teoria.
- 266 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
viola um tratado ou se recusa a reconhecer outro estado da liga, esta é uma razão para
guerra. Por conseguinte, a liga deve manter uma posição de fazer cumprir a lei pela
guerra armada ou ter a opção de se armar quanto necessário.
O não hierárquico estado-nação de Schlegel, composto de repúblicas livres e
igualitárias, é o ideal da república de repúblicas e qualifica a versão do cosmopolitismo
federativo internacional. Esse não é o único tipo de cosmopolitismo político, outra
variante é a validade normativa de um particular conjunto de direitos humanos que,
em termos kantianos, chamamos de “direito cosmopolita”.
Kant foi provavelmente o primeiro a introduzir o direito cosmopolita, a
categoria de cosmopolitismo jurídico5 como uma categoria especial do direito público,
que teve destaque principalmente nos círculos kantianos até o início do século XIX.
Segundo Kant, o direito internacional trata das leis entre os estados, em
contraste ao direito cosmopolita, que regula a relação entre estados e indivíduos de
diferentes nações, na medida em que suas relações não são reguladas por tratados
legítimos entre tais estados. Em À paz perpétua, o cerne do cosmopolitismo jurídico
afirma que estados e indivíduos têm o direito de tentar estabelecer relações com outros
estados e seus cidadãos, mas não o direito de entrar em território estrangeiro. Estados
têm o direito de recusar visitantes, mas não violentamente e não resultando em suas
mortes. Para George Cavallar, o cosmopolitismo político convencionalmente defende
uma espécie de ordem global baseada em uma regulamentação jurídica internacional,
muitas vezes tomando partido de uma federação mundial ou um estado mundial.
O cosmopolitismo jurídico está relacionado ao comércio internacional de um
modo mais amplo, também ao cosmopolitismo econômico, e inclui qualquer forma de
comunicação, interação, troca ou negócios além das fronteiras. No século XVII, esse
cosmopolitismo econômico (ou comercial) indicava que o mercado econômico deveria
se tornar uma esfera global de livre comércio e seus principais expoentes foram Adam
Smith, junto a outros intelectuais do iluminismo escocês, destacando também o alemão
Dietrich Hermann Hegewisch. Todavia, recentemente o intercâmbio comercial
irrestrito por intervenções estatais foi atacado como um neoliberalismo e o
cosmopolitismo econômico clássico foi reformulado de um modo que inclui
elementos do cosmopolitismo moral e político.
Considerações finais
- 267 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
central a imparcialidade. Nela, há uma predisposição que nos leva a uma abertura em
relação aos outros e uma maior recepção à pluralidade.
Kant, sobretudo, defendia uma teoria moral cosmopolita, a qual levava o
cosmopolitismo a muitas direções. Além do aspecto moral do cosmopolitismo, como
uma atitude baseada na ação (não passiva), o filósofo desenvolveu as dimensões
política, econômica e cultural da cidadania mundial, bem como elaborou os
dispositivos necessários a uma instituição global, a fim de realizar uma genuína
“condição cosmopolita” (KLEINGELD, 2012, p.3), mesmo não sendo o único a
promovê-la em sua época.
Os diferentes tipos de cosmopolitismo não se excluem, em verdade estão inter-
relacionados. A complexidade do cosmopolitismo do século XVIII ainda não foi
completamente explorada. Durante os séculos XIX e XX houve um aumento
substancial do nacionalismo, todavia houve também ondas de cosmopolitismo que
levaram, por exemplo, à criação da Liga das Nações e das Nações Unidas, bem como
à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nas últimas décadas o cosmopolitismo
parece estar em ascensão novamente, a rica variedade de perspectivas cosmopolitas
que brotaram na Alemanha dois séculos atrás, merecem renovada atenção para ambos:
iluminar o contexto histórico do cosmopolitismo e apontar a diferentes formas que o
cosmopolitismo pode assumir.
Defensores e críticos do cosmopolitismo concordam com uma forma de
universalismo. É a visão que todos os humanos compartilham sobre certas
características que unem, ou deveriam uni-los em uma ordem global que transcende
fronteiras e garante sua designação de um cidadão do mundo.
Referências
CAVALLAR, Georg Kant and the Theory and Practice of International Right.
Cardiff: University of Wales Press, p. 113–32, 1999.
- 268 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução Valerio Rohden e Udo Baldur
Moosburger. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
- 269 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
NUSSBAUM, Martha C. Kant and Cosmopolitanism. In: James Bohman and Lutz-
Bachmann (Ed.). Perpetual Peace: Essays on Kant’s Cosmopolitan Ideal.
Cambridge, MA: MIT Press, p. 25-58, 1997.
- 270 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 271 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Arlei de Espíndola1
Resumo: O modo de fazer justiça a Ludwig Feuerbach está em ler seus próprios textos
e seguir as diretivas que ele apresenta, daí dever-se-á produzir um outro entendimento
acerca de sua obra, havendo de reconhecer seu mérito. Do contrário, está-se amarrado
a preconceitos, entendendo-o enquanto um autor menor, simples ponto de passagem
entre Hegel e Marx, retirando-o a possibilidade de trazer algo novo no sentido teórico,
ficando-se sem poder minimizar seu ateísmo; esse último, malgrado exista, é passível
de uma ponderação, pois distancia-se de algo que se revela absoluto, uma vez que o
desejo do filósofo é ver se afirmar o homem, reconhecendo o conjunto potencial de
sua humanidade.
Considerações Iniciais
- 272 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Nisto que concerne certos aspectos de seu pensamento, dos liames marxistas que o
sufocam, a fim de lhe restituir esta relativa independência que ele está no direito de
reclamar, tanto em relação a Marx que o segue, quanto de Hegel que o precede
(ARVON, 1964, p. 19-20. Trad. minha).
Por esta regra, ainda que seja difícil a condição de um leitor parcial, sem muito
ajudar, sem muito contribuir, vê-se as pesquisas atuais criando atribulações e conflitos.
- 273 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Essas trazem todo o turbilhão das leituras desordenadas, apesar de se encontrar uma
outra organização que introduz um processo mais lento e gradual, sem isolar o fascínio
das descobertas. Então, vale reforçar:
Para que o pensamento feuerbachiano recobre seu ordenamento verdadeiro, antes que
recorrer aos críticos de Marx, tratemos de acompanhá-lo em seus esforços múltiplos
em vistas de assegurar à filosofia de seu tempo um novo ponto de partida (ARVON,
1964, p. 19-20. Tradução minha).
- 274 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
2 Reza o Manifesto em 1848 definindo outra orientação: “A história de todas as sociedades que
já existem é a história de luta de classes” (MARX & ENGELS, 1999, p. 9) Bobbio parece
alimentar ponto de vista semelhante, trazendo-nos importante contribuição. Veja-se:
BOBBIO, N. Nem com Marx, nem contra Marx, p. 162-163.
3 Mondolfo. R. Estudos sobre Marx, cap. I. SP: Mestre Jou, 1967: “O pensamento de Feuerbach
não está apresentado no seu real e genuíno conteúdo e significado. Quem quer que a elas se
atenha, pode crer que a filosofia da práxis [...] é a antítese da posição de Feuerbach. Com isso
se reduz a possibilidade de compreender o processo de formação do pensamento de Marx e
se corre o risco de não entendê-lo exatamente em seus motivos inspiradores e quiçá em seu
significado essencial” (p. 15-16).
- 275 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 276 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 277 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
corporalidade, a orientação de uma luz que o move mostrando que o próprio Hegel, o
idealismo absoluto, a teologia, sobrevivem indicando qual é o problema eterno, não
resolvido, do ocidente, quando ganhamos esta face de divinos. Nisto pergunto-me
sobre a idolatria do homem, a mitificação do ser de carne e osso, contradição, é certo,
mas, como argumenta Artur Morão (2001), com a intenção de não ser, daí para frente.
5. Distingue-se julgar os limites deste pensamento, lendo-o a partir dos textos
mesmo de Feuerbach, e não pelos preconceitos que se criam no contato de quem o
considera já fora no estágio em que toda a cultura especulativa aparece, mesmo que
por bem pouco tempo, mantém-se sob a sua tutela. Incompreensível, é isso deixar de
ser assim da noite para o dia ali na sociedade. Mesmo que o seja o registro real,
concreto, não deve ser apagado. E quando ele parece se desfazer, o que se dá é a
abertura de um outro caminho, mais plausível, aliás, pois opta por não retroalimentar
a guerra e sim aponta para uma unidade humana saudável, apoiada no ato de alteridade,
de cuidado do outro no básico da vida para viver bem, na atenção ao mundo natural,
sem defender preconceitos, dogmatismos, superfluidades excessivas, mas aceitar que
o espaço público precisa da abertura para o diálogo, para estudar, aprender, projetar
sonhos, movendo-nos dia a dia, reconhecendo que se contradizer não assume um
caráter apenas negativo, mas dele, do conflito incidental, a vida também depende e
deve ser respeitada.
A chave para bem interpretar Feuerbach requer que se entenda que não o
interessa negar absolutamente a religião e que seu propósito não é se fazer um
materialista e ateu inveterado. Muito o importa ver afastar o elemento excessivo da
cultura religiosa falsificada no seu propósito, que perde em vida. Por isso é que pensa
uma reforma da filosofia que encontre seu impulso no agir que se move pela razão, e
a vontade, conectada ao coração, no seu fundamento, que é afetivo, caloroso, raiz
maior do humano que não se robotiza, como se dá na esfera presente de nossos
“imperativos”, feito espécie de ditames, de valores absolutos, assim como faz a própria
tradição que deseja ver negada no sentido do que vale, de nossa parte, todo o desprezo,
quando é carente da desprezível idolatria, mitificação barata, de transformação sagrada,
como se nós carecêssemos de nos conservarmos faltos de energia, de vida, de saúde.
Mesmo que estejamos ante a crítica, o desejo, marcado pelo elemento controverso,
aponta a condenação, mas sinaliza que religião se faz presente, marcando a diferença,
nunca deixando de faltar ao longo dos períodos históricos, das épocas vividas, dos
tempos passados, sendo o clamor que a forma nova da filosofia também possa carregar
seu selo de autenticidade, ligado ao coração, falando sempre vivamente, com a força
que lhe é própria, produzindo a diferença. Lembremos que sempre:
- 278 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Este humano aqui que se está para desenhar, mantendo este caráter plástico
que o informa em muito do seu contorno, e seu volume no interior que fica para nós,
ir esculpindo, pouco a pouco, desde que aceitemos esta noção e estejamos abertos, até
que a filosofia, nele mesmo, acaba esgotada da mesma forma, também sepultada, em
partes, não no todo, está ali para seguir-se, enterrando-se lá, debaixo do solo mesmo,
o velho, o tradicional, contanto que pusemos ou cultivemos, ali, onde ficou o que ficou,
uma espécie de método, para produzir vida deste homem feito de integralidade.
Nesta pista, o alerta deixado, seriam estas “Teses” e “Princípios”, com o eixo na
criação informada pelo elemento da sensibilidade emancipada, ativada. Aqui estando
por terminar, não sendo suficientes para essa reforma, para substituir aqueles grandes
edifícios conceituais, vale o olhar e a crítica, mas não longe desta seara sem apreço por
inércias e dogmatismos, e saberes standartizados, engessados, mas dispostos ao
exercício do encontro e do amor, ingredientes de vida trazendo surpresas e produzindo
felicidade.
Por isso o protesto feito por Feuerbach, notadamente, contra aqueles que só
sabiam lhe ver enquanto um ateu, ao que respondeu, já passado até o momento destas
escritas por executar, estando-se em 1846, tendo corrido tudo isso que ora foi descrito,
ciente de que sua prioridade era o homem, como é próprio de sua época que é mais
recente:
Quem não sabe dizer senão que não sou ateu não sabe nada de mim. A questão de se
Deus existe ou não, a contraposição entre teísmo e ateísmo pertence aos séculos XVII
e XVIII. Eu nego a Deus. Isto quer dizer em meu caso: eu nego a negação do homem.
Em vez de uma posição ilusória, fantástica, celestial do homem, que na vida real se
converte necessariamente em negação do homem, eu proponho a posição sensível,
real, e, portanto, necessariamente política e social do homem. A questão sobre o ser
ou não ser Deus é em meu caso unicamente a questão sobre o ser ou não ser do
homem (FEUERBACH apud ARRAYÁS, 1993, p. XXX)
Fica muito claro que Feuerbach prioriza, portanto, seu desejo de atender o
problema humano, livrando-o dos males da religião, mas gerados pela teologia e a
filosofia especulativa. Parece que, sem o querer, vem divinizar o humano, e termina
não fugindo daquela contradição de fazer do homem um Deus, de idolatrá-lo, sendo
que é isso que tratava de fugir, de deixar de fazer. E não estamos diante de algo que é
possível, pelo menos se pode vir e certificar com a avaliação daquilo que ele mesmo
produziu.
Considerações Finais
Espiritualizar-se, projetar mundos, sem cair nestas armadilhas não é tão simples
como poder-se-ia imaginar. Agora resolver o problema da teologia com a redução ou
inversão antropológica poderia significar um sinônimo de simplificação do problema
- 279 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
colocado, haja vista que este humano é construção permanente. A substância, a carga
potencial integral do humano, só pode ir se fazendo visto que este, por certo, é mais
do que um ser de carne osso, tendo deixado de ser conceito, de ser só um braço do
corpo, de ser só razão, etc. É verdade, para terminar, que:
O atrativo que hoje oferece a filosofia feuerbachiana deriva de que seu centro o
constitui ‘a fé e o amor pelo homem; não pelo homem de razão do Iluminismo e nem
sequer pelo espiritual do Romantismo idealista, senão pelo homem de carne e osso
que em sua mesma natureza tem o princípio de um íntimo desenvolvimento pelo
homem que tem seu equilíbrio dinâmico na infinita, não apagada sede de felicidade,
para a qual tende com toda a força de seu sentimento e de seu desejo. A liberação
deste homem dos muitos vínculos que o encadeiam é o problema central do
pensamento de Feuerbach, que por causa destes vínculos tem sofrido dolorosamente
(BANFI apud FEUERBACH, 1971, p. 7)
É nítido o fascínio que vem gerar o homem colocado no foco das atenções,
mas percebe-se que dedicar nossas fichas a atender seus anseios de realização, de
alcançar uma vida feliz, é diferente do que lidar com a complexidade, o mistério que
este em verdade significa. É claro que soma a presença do leitor que vem reforçar sua
exegese dizendo da centralização da escrita no homem produzindo esta fratura no
pensar contemporâneo, dando forma ao materialismo fazendo complexo este ateísmo
aí delineado porque o homem não se tornou mais familiar, e o conhecimento dele é
importante não resultando deste simples ato negativo, reprovador, do que está
estabelecido, colocado, na religião cristã, por exemplo, na filosofia especulativa, etc.
Voltarmos nossa atenção para o estudo da religião, finalmente, que é
antropologia e depois projetar a edificação de uma filosofia nova ou reformada ou,
quem sabe, estabelecer a reforma da filosofia que se faz necessária, envolvendo
misturar, aqui, ingredientes religiosos na presente formação. Ora, o que se tem, seja
enquanto diagnóstico, seja enquanto prognóstico, é toda uma variação, um conjunto,
de bens e de males conexos que se mostram. É certo então que Feuerbach não propõe
fazer nas suas investidas, de acordo com Tomasoni, uma “simples negação da religião,
mas mira também” recuperar sempre “os valores inscritos na religião” (TOMASONI,
2015, p. 22).
Ao penetrar no universo de estudos dos assuntos e posições do cristianismo,
no caso específico dos trabalhos em torno de A essência do cristianismo, que nada mais é
que o carro-chefe de Feuerbach, tanto mais “percebe que o homem”, vale dizer, “é
complexo e que não é adequadamente compreendido pela filosofia idealística”
(TOMASONI, 2015, p. 35). Nutrindo todo este desejo de fazer-se entender, o que se
conclui é que a leitura direta dos textos de Feuerbach, cria para nós outras e novas
demandas de trabalho, e centraliza o foco em outros temas, esgotando aquela ideia de
pobreza teórica sepultando, de vez, a noção de um Feuerbach preso entre Hegel e
Marx, ou fazendo-se simples ponto de passagens entre eles, justificando essa atenção
dispensada.
- 280 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Referências
BOBBIO, Norberto. Nem com Marx, nem contra Marx. Org. Carlos Violi. Trad.
Marco Aurélio Nogueira. SP: Editora UNESP, 2006.
- 281 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 282 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Introdução
- 283 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
trabalho infantil e o realizado por vítimas de tráfico humano como tipos de trabalho
que restringem as opções de vida da pessoa, impedindo qualquer possibilidade de
desenvolvimento humano, porquanto violam direitos humanos, remuneram de forma
injusta, destroem a dignidade humana, subtraem a liberdade, a autonomia e a segurança
(PNUD, 2015). O sintagma “trabalho forçado” é utilizado pelo relatório para apontar
uma das formas que prejudicam o desenvolvimento humano, cuja forma mais cruel
seria a escravidão e a servidão por dívida a relação laboral mais comum.
Com isso, toma-se por parâmetro o fato de que o contraponto do trabalho
escravo é o trabalho decente, fundamentado nos princípios relacionados a uma vida
mais justa e digna do trabalhador, na qual haja oportunidades para mulheres e homens
terem acesso ao trabalho digno, produtivo e realizado em condições de liberdade,
equidade, segurança e dignidade humanas, de acordo com os objetivos estratégicos da
OIT (a promoção dos direitos fundamentais no trabalho, o emprego, a proteção social
e o diálogo social).
Para fins do estudo, ampliou-se ao máximo o conceito de trabalho escravo,
compreendendo-o, consoante o exposto por Rezende e Rezende (2013), “trabalho
escravo” é aqui uma expressão usada em sentido lato para fazer referência a toda
relação de trabalho que implique em uma ou mais das seguintes situações:
a) trabalho para o qual o trabalhador não se tenha oferecido voluntariamente;
b) trabalhador vítima de sequestro e cárcere privado; c) trabalhador induzido a
deslocar-se até o local da realização do trabalho por falsas promessas; d) trabalhador
submetido à coação moral, psicológica e/ou física, como quando é forçado a
permanecer trabalhando por ameaças de morte ou punição física, ou por suposta dívida
com o empregador, o que configura servidão por dívida; e) trabalhador submetido a
condições degradantes, ou seja, que coloquem o trabalhador em risco da sua saúde
física e mental, retirando-lhe a dignidade de pessoa; e f) trabalhador submetido ao
trabalho exaustivo, seja pelo aumento da jornada além do permitido por lei, seja pela
estipulação de metas de difícil alcance e exercício de trabalho extenuante quando o
pagamento é feito pelo resultado.
Fundamentação do problema
- 284 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Metodologia
- 285 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 286 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Resultado e Discussão
- 287 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
dos trabalhadores, uma vez que “os empregados recebiam salários efetivamente, ainda
que houvesse algum atraso” (BRASIL, 2017, p. 2). Da mesma forma, não teria sido
constatada “situação absolutamente precária de moradia, tanto que, com relação aos
empregados que moram na sede da Usina, o Ministério Público do Trabalho se absteve
de pleitear a rescisão do contrato de trabalho, eis que era essencial à sua sobrevivência”
e “que os casos em que se constatou situação degradante, os trabalhadores dormiam
em barracas” (BRASIL, 2017, p. 2).
Esse entendimento foi confirmado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Na decisão do P5 consta que a conduta da reclamada que deixa de zelar pela saúde e
dignidade de seus empregados configura ato ilícito por omissão, e não trabalho em
condições análogas à de escravo, por submeter os empregados a trabalho degradante
quando os privou de locais adequados para a satisfação das necessidades fisiológicas
durante a jornada de trabalho (banheiros e refeitórios) e de transporte adequado, entre
outros.
Com isso, o TST endossou o entendimento dado pelo TRT, para quem “por
mais que se constate irregularidades e desrespeito à dignidade dos trabalhadores no
que se refere a condições de higiene, transporte e alimentação, são condições que não
se enquadram como extremamente degradantes, a ponto de se equiparar à moderna
escravidão” (BRASIL, 2017, p. 8, grifo nosso). Para sustentar seu entendimento, o
TRT se utilizou das delimitações próprias do trabalho forçado do Relatório Global da
OIT, do qual Suguimatsu (2009) extrai o seguinte:
Por essa citação se nota que o TRT adverte para a suposta distinção entre o
conceito penal para o trabalho análogo à condição de escravo e o conceito de trabalho
degradante. Neste não haveria “o atendimento às condições mínimas de proteção,
[para evidenciar], na menor das hipóteses, desprezo pela vida humana” (BRASIL,
2017, p. 9 - 10). O trabalho degradante
[...] pode ser compreendido como aquele em que não há o respeito mínimo às
obrigações decorrentes do contrato, não se confundindo com o trabalho análogo à
condição de escravo, que o pressupõe. Todo trabalho em que o ser humano é
- 288 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
desprezado nos valores mínimos de sua dignidade deve ser como tal considerado.
(BRASIL, 2017, p. 3)
Fazendo essa distinção, o TST afirma não ser possível caracterizar o caso citado
como de trabalho análogo à condição de escravo, nos termos do direito penal, mesmo
que evidenciado “o inadimplemento das obrigações mínimas do contrato, que atinge
de igual modo, o patrimônio imaterial do empregado” (BRASIL, 2017, p. 3).
No caso do P5, desde a primeira instância, ficou decidido que a denúncia
oferecida pelo MPT não se adequava ao trabalho análogo ao de escravo. Esta decisão
foi confirmada tanto pelo TRT da 9ª Região (perante o qual o MPT interpôs Recurso
de Revista e obteve negativa) quanto pelo TST (que analisou o Agravo de Instrumento
interposto pelo MPT e negou-lhe provimento, conforme o P5).
Pelo exposto no acórdão, para haver condição análoga à de escravo, não basta
o trabalhador estar submetido a trabalho degradante, ou seja, em condições que
minimizem a sua segurança e degradam a sua saúde física e mental (Rezende e Rezende,
2013), ele precisa estar submetido a trabalho extremamente degradante, isto é, “quando
não há qualquer condição de moradia, alimentação e higiene e, ainda, quando ocorram
atos de coercitividade ou alguma forma de dependência econômica” (BRASIL, 2017,
p. 8). Assim, não basta que o trabalhador tenha sua dignidade aviltada, ele precisa ter
sua dignidade violada em várias esferas conjuntamente. Reproduz o acórdão do TST,
afirmado pelo TRT:
Não há margem numa situação como essa para se considerar qualquer manifestação
espontânea desses trabalhadores; eles são vítimas de uma situação de exclusão
econômica e social que infelizmente ainda não foi corrigida por meio dos necessários
investimentos públicos e de programas de emprego e geração renda. (BRASIL, 2013,
p. 2)
- 289 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Um tipo aberto, como o do artigo 149 do Código Penal, passível de abarcar uma
infinidade de situações concretas para proteger e amparar o trabalhador reduzido à
condição análoga à de escravo e para punir o criminoso, ao invés de ter sua aplicação
ampliada e disseminada – no intuito de reconhecer como cidadãos todos os
trabalhadores deste Estado democrático de direito e de coibir as práticas criminosas
contra as pessoas e contra o próprio Estado –, vem sendo interpretado e aplicado de
forma restrita e mitigada. (REZENDE; REZENDE, 2013, p. 28)
No P43, o TST analisa e rejeita o Embargo de Declaração oposto pelos réus da ação
civil pública, que questionava o provimento dado ao Recurso de Revista interposto pelo MPT
quanto à configuração do trabalho em condição análoga à de escravo. Ou seja, o TST, em
face do Embargo, decidiu manter a decisão que reconheceu, como violação do artigo 149 do
Código Penal, a redução dos trabalhadores à condição análoga à de escravo, determinando que
o Ministério Público fosse comunicado para tomar as providências cabíveis.
Recorrendo-se apenas a esse acórdão não é possível saber em que se fundamenta o
mérito do caso para verificar de que modo a Corte construiu sua argumentação favorável à
tipificação do fato apresentado pelo MPT às normas legais, sendo, por isso, necessária a análise
do julgado de 10 de maio de 2017, aqui chamado de P43.1, sobre o qual houve o Embargo de
Declaração, rejeitado pelo TST no P43. Trata-se de acórdão que confirmou a condenação ao
pagamento de R$100 mil de indenização por dano moral coletivo da Fazenda São Pedro e de
seu proprietário, Raimundo Nonato Oliveira Lima, no processo de ação civil pública movida
pelo MPT do Maranhão por exploração de trabalho análogo ao de escravo.
O histórico do caso resume-se da seguinte forma: em primeira instância houve a
condenação ao pagamento da indenização por dano moral coletivo devido à exploração de
trabalho análogo ao de escravo. Esta decisão foi reformada em segunda instância, pelo TRT,
que considerou que não havia a configuração de trabalho escravo. Acionado pela via recursal,
o TST, por sua vez, confirmou a decisão de primeira instância.
- 290 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
O argumento utilizado pelo TRT para não configurar como trabalho escravo o caso
em questão foi o de que os trabalhadores não estavam enclausurados, razão pela qual o TRT afirmou:
“embora reconhecida a realização de trabalho em condições degradantes, não restou
demonstrado nos autos a redução dos representados à condição análoga à de escravo”
(BRASIL, 2017a, p. 2), já que “em nenhum momento, houve alusão a qualquer impedimento
à ampla liberdade de locomoção dos trabalhadores” (BRASIL, 2017a, p. 2), que atestasse que
“a liberdade de ir e vir é incompatível com a condição de trabalhador escravo” (BRASIL,
2017a, p. 2). Afirma o TRT:
[...] o descumprimento de leis trabalhistas por parte do empregador não deve ser
confundido com a prática de conduta tipificada, na lei, como crime de redução à
condição análoga à de escravo, nos termos pretendidos pelo autor, ainda mais quando
levamos em consideração que, em nenhum momento, houve alusão a qualquer
impedimento à ampla liberdade de locomoção dos trabalhadores, seja por meio de
coação física, psicológica, moral ou por dívida. Afinal, a liberdade de ir e vir é
incompatível com a condição de trabalhador escravo. (BRASIL, 2017a, p. 6)
- 291 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 292 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 293 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Considerações Finais
Na linha das decisões acima descritas, nenhuma das outras analisadas indica
influência direta ou indireta das recomendações do PNUD, o que desvalizada a
hipótese de poderem ser consideradas tipos normativos de comando de otimização.
Defende-se que a ausência desses princípios faz parte das barreiras enfrentadas no
combate ao trabalho escravo no Brasil e demonstram o desequilíbrio de forças entre
os interesses divergentes. Tomando o lado dos que buscam promover a abolição do
trabalho escravo, o estudo buscou propor um modo de argumentação jurídica que
venha a fomentar decisões judiciais que realmente coíbam o crime, primeiro, ao
reconhecer a prática criminosa e, segundo, ao arbitrar punição pecuniária significativa
aos escravizadores.
Destaca-se que a punição judicial se figura como um dos mecanismos de
combate ao trabalho escravo – e que poderiam constituir-se auxílio argumentativo as
recomendações do PNUD como comandos de otimização, que não têm ainda
funcionado enquanto tal nos processos de decisão condenatórios do trabalho escravo
atual. A punição judicial é apenas um dos mecanismos; ela não toca na raiz do
problema, e é insuficiente para erradicar o trabalho escravo no Brasil, mas é,
certamente, um instrumento de fortalecimento nesse combate.
Com isso, espera-se que este estudo venha a contribuir para pensar as novas
relações de interdependência entre o global e o local, não se limitando em
generalizações; colaborar com as reflexões que visam enfrentar as dificuldades de
superação do trabalho escravo no Brasil, com enfoque nas práticas do judiciário; e,
sobretudo, agregar ao espírito ainda maior de resistência no enfrentamento dos novos
desafios antepostos à classe trabalhadora no final desta década.
Referências
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (TST). (18 jun. 2013). Notícias do TST.
- 294 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
BRASIL. Código Civil, Lei 10.406/2002 (10 de janeiro de 2002). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.
REZENDE, Maria José de; REZENDE, Rita de Cássia. (abr. 2013). A erradicação
do trabalho escravo no Brasil atual. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília,
(10), 7-39.
- 295 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 296 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Resumo: O intuito deste trabalho foi o de analisar o duplo movimento dos setores de
direita que cercearam o governo de Jair Bolsonaro, que são o de associação e de
dissociação. As eleições presidenciais de 2018 no Brasil colocaram no poder central
“uma agenda politicamente autoritária, socialmente conservadora e economicamente
neoliberal” (DA SILVA E RODRIGUES, p. 87, 2021) que abrange diversas filiações
partidárias, apartidárias, militantes e militares de duas ideologias políticas centrais: a
neoliberal e a conservadora. O objetivo é investigar as circunstâncias históricas e
contextuais de formação da Nova Direita brasileira (Rocha, 2018), ao mesmo tempo
em que analiso conceitualmente as ideologias políticas desses grupos que a compõem.
Assim, pretende-se em conjunto buscar elementos analíticos próprios dos conflitos
que resultaram em rupturas de alianças, no sentido de elencar características da política
gerida por Bolsonaro diante dos e com os atores políticos que entra(ra)m e sae(íra)m
do seu governo.
Introdução
A eleição presidencial de 2018 acabou por eleger Jair Bolsonaro (sem partido),
então candidato do Partido Social Liberal (PSL), o qual contava com uma aliança de
liberais e conservadores, que é considerada a ala da extrema-direita. Essa ala é formada
por diversos setores da direita que conta(va)m primordialmente com olavistas2,
(ultra)liberais profissionais, militares, ativistas pró-mercado e fundamentalistas
religiosos.
No momento, estamos em 2021, durante o terceiro ano do mandato
presidencial e já contabilizamos 16 demissões das pastas de diversos ministérios3, sem
contar as transferências entre ministérios e outros cargos, como aqueles distribuídos
governo-bolsonaro-em-dois-anos-e-meio-de-governo.shtml
- 297 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 298 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
busquei analisar apenas os eventos ocorridos até o primeiro semestre desse ano, visto
que é impossível continuar abrangendo cada passo do que está ocorrendo na política
eufórica do governo atual.
É necessário, então, partir da explicação do que seria essa nova direita no poder
para buscar alternativas teóricas da ciência política para a explicação dos conflitos e
eventuais rupturas que se dão tão abrupta e ascendentemente no governo Bolsonaro,
exemplificado pelas saídas, discursos públicos e até troca de ataques pessoalizados em
redes sociais dos atores envolvidos. Sobre as alianças, lançamos questões centrais, como:
O que se entende por ideologias políticas? Quais as ideologias políticas dessas alianças?
Como foram formadas? O que leva essas ideologias a entrarem em choque e gerar
rupturas no campo político?
Pretendo utilizar análises da ciência política para adentrar no tópico de
ideologias políticas, urgindo a necessidade de explorar as ideologias de grupos políticos
que formam o amálgama do governo, a saber duas ideologias centrais: neoliberal e
conservadora, que podem explicar o panorama abrangente de defesas microideológicas
dos diversos grupos que as compõem. Portanto, não serão apreendidas todas as
ideologias que se firmam na sociedade civil, ou a autoidentificação ideológica
(Carreirão, 2007), o que levou os diferentes setores de classes a votar em Bolsonaro,
mas sim do espectro dessa nova direita em que os atores políticos atuam na sociedade
política por excelência, que detêm espaço na manutenção do Estado dado aos três
Poderes e ao Congresso Nacional.
As análises de Camila Rocha (2018) e de Wendy Brown (2006) são norteadoras
da pesquisa em si. Pensando, como fez Rocha, a nova direita e seu processo de
formação e diferenciação com a dita velha direita e seus aspectos ideológicos,
relaciona-se em entrelinhas com o estudo de ideologias políticas de Brown que
administram a esfera política dos Estados Unidos. Tento não esgotar os conceitos, mas
sim explorar similitudes que possam explicar, em primeiro lugar, a coalizão desses
setores de direita; e, em segundo lugar, a ruptura, assumindo que as ideologias entram
em choque no campo político.
- 299 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
(...) um estado forte e um estado que colocará sua força em uso (...) rejeitam a
vulgaridade da cultura de massa (...) aliam-se à religião e às cruzadas religiosas (...)
encorajam os valores familiares e o elogio às formas mais antigas de vida familiar (...)
veem na guerra e na preparação para a guerra a restauração da virtude privada e do
espírito público (...) clamam por um renascimento do patriotismo, um exército forte
e uma política externa expansionista. (Tradução minha)
- 300 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Para além disso, é preciso um Estado forte para desviar as políticas identitárias
do centro de pautas, como defendido por Bolsonaro contra o avanço de pautas e
movimentos feminista e LGBTQIA+ nos governos petistas. Reforça um compromisso
de agenda estabelecer uma homogeneidade do povo reforçando mutuamente a cultura
nacionalista e anulação de pluralidades. Para tanto, o logo de sua campanha é “O Brasil
acima de tudo. Deus acima de todos”.
Afirmo que o governo Bolsonaro é neoliberal e conservador, visto seu
intervencionismo em todas as esferas, tanto política quanto econômica. Esse elemento
perpassa pela pessoalidade autoritária que o presidente mantém com familiares e
próximos – seus filhos, amigos políticos e generais de sua confiança ocupando cargos
públicos. Pretendo então afirmar que o neoliberalismo não é meramente uma ideologia
política, pois, segundo Brown (2006), ele perpassa pelas relações econômicas, sociais,
culturais e políticas. Opera uma e através desta racionalidade política, no sentido
foucaultiano7, que é capaz de estruturar capilarmente todos os âmbitos das esferas
públicas e privadas fazendo se romper a barreira entre elas sob a lógica do mercado.
De acordo com Gago (2018. P. 15), o neoliberalismo se caracteriza, e principalmente
se diferencia do liberalismo, por ser:
(...) um regime de existência social e uma forma de autoridade política instalada pelas
ditaduras (...) que foi consolidado nas décadas seguintes a partir de grandes reformas
estruturais, conforme a lógica de ajuste das políticas globais.
na verdade, se refere pejorativamente a um projeto chamado Escola Sem Homofobia. Ver em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/12/politica/1539356381_052616.html
- 301 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
candidato com o slogan “união entre a ordem e o progresso”10. Guedes não à toa é
considerado por Rocha (2018) como o sujeito que selou o amálgama ultraliberal-
conservador do governo, visto que Guedes foi um dos fundadores do Instituto Mises
Brasil (IMB), em 2007, de caráter ultraliberal tanto na economia quanto na política.
A definição dada por Rocha a um dos setores que se aglutinaram nesse processo,
e o que mais resiste ainda atualmente em torno de Bolsonaro, caracterizando até ele
mesmo e sua família, é esse termo: liberal-conservador, ou, como bem conhecido, liberal
na economia e conservador nos costumes. Penso que esse termo pode ser racionalizado
na forma como Wendy Brown descreve as demandas interseccionalizadas entre as
ideologias neoliberal e neoconservadora. A nova direita brasileira (Rocha, 2018)
apresenta em si não somente a racionalidade neoliberal como modo de gerir a política e
a vida social dos cidadãos (Brown, 2006), como também um gerenciamento que vem
sendo recorrente às lideranças populistas em muitas partes do mundo. Da Silva e
Rodrigues (2021) nos oferecem a conceitualização de “populismo autoritário” de Stuart
Hall (1988, p. 90) que se encaixa com a visão dessas lideranças populistas da extrema-
direita globais:
- 302 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
/10/11/psl-e-o-partido-que-ganhou-maior-numero-de-votos-na-eleicao-para-a-camara-mdb-
e-o-que-mais-perdeu.ghtml
13 O termo se refere a estudos políticos sobre as experiências latino-americanas de governos
- 303 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 304 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 305 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
com suas bases e agentes políticos, como na formulação de políticas públicas, opondo-
se às pautas identitárias, estas criticadas veementemente pelo guru Olavo e seus
seguidores.
Na primeira década dos anos 2000, os setores de direita estavam espalhados
por diversas associações, think tanks, comunidades no Orkut e nos partidos. Não era
só Olavo que tecia críticas ao esquerdismo, como também diversas figuras que foram
se aglutinando com os eventos posteriores à eleição de Dilma Rousseff (PT), em 2010.
A oratória vinculava-se por um novo meio de comunicação que é objeto de estudo
para entender a formação dessa nova direita, que é a internet. As redes sociais são
configuradas como um espaço onde se formaram os já citados contra-públicos
(digitais), conceito de Warner (2002) resgatado por Rocha (2018) para definir
‘’identidades, interesses e discursos (compartilhados) tão conflitivos com o horizonte
cultural dominante’’ (p. 20). O horizonte dominante, segundo os sujeitos dessa nova
direita, seria os espaços hegemonicamente dominados pela esquerda, como as
universidades e os meios de comunicação burgueses mais influentes. Para tanto, as
redes sociais serviram e continuam servindo como espaço onde cada vez mais o
bolsonarismo – mas não somente – deflagra suas posições e pensamentos de maneira
disruptiva alçando a perfomatividade desejada para compartilhar seus anseios políticos.
Inicialmente foram ocupados majoritariamente por universitários e pelos profissionais
liberais da classe média, como foi o caso do Partido Líber, de ideologia ultraliberal,
criado como comunidade no Orkut.
Foi no pós-Junho de 2013, após uma onda de protestos de massa contra,
inicialmente, o aumento da tarifa de transportes movimentada pelo Movimento Passe
Livre (MPL) que aglutinou ampla mobilização contra o governo federal, inclusive. Esse
é um tema divisor de águas para as ciências sociais, mas que para a análise dessa nova
direita reflete muito as ações que uniram as divergentes forças e ideologias políticas em
prol de barrar a esquerda, mesmo que de maneira despolitizada. A união liberais-
conservadores com os ultraliberais foi uma das forças inéditas que surgiram do
momento posterior a essa onda. Envoltos aos temas antigos de anticorrupção e
antiesquerdismo, de um lado, e aos novos temas como as políticas econômicas do
governo Dilma mais o escândalo de corrupção do Petrolão, houve grande atuação de
líderes ultraliberais e conservadores, como o Líber e Marcello Reis16, nas redes sociais
para chamar o público para as mobilizações.
Contudo, foi somente em 2014, após a reeleição de Dilma Rousseff, que a
formação da nova direita seguiu rumos mais alinhados e conclusivos. A derrota da
candidata era dada como certa, mas visto que vencera, foi esse fator que foi decisivo que
uniu ultraliberais com conservadores e todos os setores que estavam envolvidos. Exemplo
disso foi a Campanha Pró-Impeachment que:
16 Reis quem deu origem à página Revoltados online, pela qual propagava o conservadorismo.
- 306 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
(...) pela primeira vez, os ultraliberais, os Revoltados Online, e outras figuras icônicas
da nova direita em formação, como Eduardo Bolsonaro, Lobão e Olavo de Carvalho,
se uniram em torno de pautas em comum. (ROCHA, p. 167, 2018)
Foi nessa linha que surgiram movimentos como o Vem pra Rua (2014) e o
Movimento Brasil Livre (2014) e até mesmo o Partido Novo, oficializado na
institucionalidade em 2015. Militantes começaram a se aglutinar sob a família
Bolsonaro devido aos tons mais agressivos que eram propagados por Jair e seus três
filhos em suas redes sociais contra o governo federal e a favor das manifestações que
estavam ocorrendo. A família Bolsonaro se tornou porta-voz dessa união antiesquerda
que estava próxima da política institucional como organização não mais
descentralizada como ocorria com a velha direita e sua relação com organizações civis
não-partidárias. A Nova Direita encontrou par com a política institucional, pois se via
como uma alternativa aos governos petistas e suas políticas reformistas e pouco
liberais.
As eleições de 2018 confirmaram essa insatisfação que estava inundando os
atores políticos que hoje ora buscam alternativa ao governo Bolsonaro ora esperam
que há tempo para que seus anseios sejam saciados pelo ex-capitão. Foram o evento
que consolidou a formação dessa Nova Direita, pois rompeu com o temor que tinham
os conservadores de serem considerados como defensores da ditadura civil-militar.
Para além disso, significou um novo ciclo político na visão de muitos analistas. Para
Moisés significou:
- 307 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
bolsonaro-decidiu-deixar-partido-e-criar-nova-legenda.ghtml
19 Jair Bolsonaro protagoniza, desde 2019, desentendimentos com Alexandre de Moraes e Luiz
Fux, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e
presidente do STF, respectivamente.
Ver em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4942083-supremo-reage-
a-escalada-autoritaria-de-bolsonaro.html
20 Ver em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2019/08/das-40-propostas-
enviadas-pelo-governo-bolsonaro-apenas-seis-foram-aprovadas-no-1o-semestre-
cjyutpzq001f101pnbe5k2w17.html
- 308 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
repetiu o erro de formar uma base minoritária, mas que vem, desde 2020, tentando
consertar (p. 25).
Sobre este ponto, alguns outros autores na literatura acadêmica chamam não
de presidencialismo de coalizão, mas sim de centralização21, com atuação pertinente e
crescente de militares e generais das Forças Armadas. Entretanto, apesar dessa
aproximação com as Forças, Bolsonaro teve que moderar seus discursos por um
período para poder se aproximar do Centrão, pois, segundo Amorim Neto (2006; apud
DERSCHNER, 2020) tanto partidos quanto o presidente de ideologias consideradas
extremistas encontram dificuldade para formar um gabinete presidencial com outros
partidos – chegando até mesmo a afetar a governabilidade. Extremistas podem ser
caracterizados, segundo Mudde (2019; apud DA SILVA; RODRIGUES, 2021, p. 88)
como rejeitando dois componentes: o democrático, como ‘’a regra da maioria traduzida
em processos eleitorais nos quais todos os cidadãos são considerados iguais’’; e o
componente liberal, como os “direitos humanos, proteção às minorias, separação de
poderes e demais elementos que compõem o rule of law”.
Diante das observações feitas ao longo da pesquisa, não podemos
desconsiderar que Bolsonaro se encontra numa posição ideológica de extrema-direita
de caráter conservador, pois é autoritário e populista. O conceito de autoritarismo é
emprestado de Mudde (2019, p. 69), resgatado por Da Silva e Rodrigues (2021), que
se define como “a crença em uma sociedade estritamente ordenada, na qual as
infrações à autoridade devem ser severamente punidas” (p. 89). A “nova política” de
Bolsonaro tem delineamentos autoritários como projeto, dos quais se repetem
discursos sobre temas centrais à questão de segurança pública de sua campanha, como:
corrupção, bandidagem, globalização, etc. – questão na qual estão representados os
interesses e privilégios da ala militar (DA SILVA; RODRIGUES, 2021). A
governamentalidade22 é guiada por um viés autoritário como modus operandi, em que
o Estado deve cooptar os sujeitos e empresas privadas, por exemplo, ao direito ao
armamento, alterando a função de sua responsabilidade e transferindo para indivíduos,
principalmente.
O segundo elemento, o intervencionismo econômico diz sobre o desgaste das
elites e grupos econômicos. A agenda ultraliberal de privatizações de empresas estatais
públicas e não-públicas de Guedes vem encontrando barreiras no Congresso, como a
Medida Provisória 902 da Casa da Moeda, por causa de seu cunho autoritário, de
mentalidade dos anos 70 – contexto da ditadura de Pinochet, pela qual Guedes tem
grande admiração. Para além, Da Silva e Rodrigues (2021) identificam o
intervencionismo nos projetos de Bolsonaro ainda enquanto ocupava a Câmara dos
- 309 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 310 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Conclusão
dobrou-no-governo-bolsonaro-25079165
27 Ver em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2019/01/20/interna_
politica,731785/divergencias-afetam-frente-de-apoio-a-bolsonaro.shtml
- 311 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
tradicao-transformacao-e-o-espirito-militar-uma-entrevista-com-celso-castro
- 312 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
um espaço de disputa de poder onde reina, por um lado, a governabilidade por meio
da coalizão majoritária de partidos políticos; e, por outro lado, a relação amigo-inimigo.
Mouffe (2019) estabelece a importância dos afetos na construção de indivíduos com
valores democráticos que respeitem as pluralidades existentes na sociedade civil. Com
base nisso, passo a posicionar os discursos compartilhados pela ala ideológica de
Bolsonaro como um modelo contrário ao incentivo de valores democráticos pelos
afetos e paixões. O sentimentalismo é característica dos discursos utilizados através da
simbologia da relação de inimizade que Bolsonaro e a ala conservadora joga como
regra (anti)democrática. Segundo Caixeta (2006), para Carl Smichtt, o político só se
constrói segundo a relação amigo-inimigo; o inimigo é um inimigo público,
representado como “aquilo que o caracteriza é uma possível confrontação com ele,
onde a própria questão da vida está sendo colocada” (p. 48). Bolsonaro se refere aos
seus adversários políticos como inimigos públicos, e não como adversários, que seriam
inimigos legítimos das políticas democráticas. Olhar com inimizade para adversários
pressupõe um estado de exceção, onde o antagonismo normativo não alcança, e,
portanto, a deflagração física pode ocorrer caso necessária para isto, parece ter as
Forças Armadas, e em especial o Exército, como seu braço de apoio.
Adiante, com o Executivo estremecido, Bolsonaro busca apoio na base popular
que o elegeu e na conciliação com partidos do Centrão. Com mentalidade autoritária,
segundo Moisés (2020), ele rejeitara as regras do jogo político brasileiro, tal qual a
formação de coalizões, para governar e trouxe de volta a instabilidade política entre
Executivo e os outros poderes, principalmente com o Legislativo. Hoje, já com o
discurso moderado, Bolsonaro afirma que “Tirando os partidos e centro e de esquerda,
sobrariam 150 deputados. Com 150, não vou a lugar nenhum. Então, a minha
aproximação com os partidos de centro é pela governabilidade.” (BOLSONARO,
2021)
Ainda que Bolsonaro esteja alterando seu modo de jogar o jogo político para
se adequar a velha política, ou seja, aos arranjos institucionais do sistema político
brasileiro que por si é hiperfragmentado e sempre mais próximo da instabilidade
política, os acontecimentos no decorrer de seu governo já mostraram que as ideologias
de cada núcleo sofrem mais choques do que aproximações, o que leva a refletir que
não conseguem formar um governo buscando conciliar-se uns com os outros. O fator
fundamental que levou a união já não é mais discutível, até que se prove contrário nas
eleições de 2022. Contudo, até lá, Bolsonaro vai buscar novos apoios, e a ideologia
conservadora há de prevalecer sobre as outras, visto que as elites econômicas estão
divididas quanto a isso. Longe de desgastar esse debate, portanto, concluo ressaltando
que a democracia liberal não escapou das práticas políticas autoritárias que definem os
atores políticos que operam no limite da constitucionalidade. Contesto a afirmação de
Mouffe (apud DA SILVA e RODRIGUES, p. 103, 2021) de que o projeto de
Bolsonaro põe em risco a democracia pluralista, pois um sistema de governo que abriga
em seu cerne uma Constituição pós-autoritária sem eliminar por completo as entranhas
- 313 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
da ditadura não pode ser considerado como pluralista por si. De Souza e Brasilino
(2015), em uma passagem, afirmam, citando Zaverucha (2008, p. 133):
Referências
- 314 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
MIGUEL, Luis Felipe [et al.]. O ódio como política: a reinvenção das direitas no
Brasil. Edição 1. São Paulo: Boitempo, 2018.
- 315 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
O’SULLIVAN, Noel. Conservatism. In: FREEDEN, Michael [et al.]. The Oxford
handbook of political ideologies. New York: OUP Oxford, 2013. P. 346-367.
OLIVEIRA, Bruna Silveira de; MAIA, Rousiley Celi Moreira. Redes Bolsonaristas:
ataque ao politicamente correto e conexões com o populismo autoritário.
Confluências: Revista interdisciplinar de sociologia e direito, Niterói, v. 22, n. 3,
p.83-114, dez/2020.
ROCHA, Camila. ’Menos Marx, Mais Mises’’: uma gênese da nova direita
brasileira (2006-2018). Orientador: Adrian Gurza Lavalle. Dissertação (Doutorado
em Ciência Política) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo. São Paulo. 2018.
- 316 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
SOUZA, Ana Clara Telles C.; BRASILINO, Gabriel Gama de O. Guerra às drogas e
militarização da segurança pública: da redemocratização às UPPs. Revista
Eletrônica de Ciência Política, Curitiba, vol. 6, n. 2, pp. 126-146, 2015.
- 317 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Introdução
1 Graduanda em Enfermagem pela UNIFIL (2021) e Filosofia pela UEL (2021). E-mail:
bianca.michels@uel.br.
2 Graduando em Direito pelas Faculdades Londrina (2021) e Filosofia pela UEL (2021). E-
mail: guilherme.assis@uel.br.
3 Bacharel em Direito pela UEL (2012) e graduando em Filosofia pela mesma instituição de
- 318 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 319 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 320 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 321 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
proteção de dados e normas isonômicas (SARLET, 2021, p. 13), as quais ainda podem
ser otimizadas pelas bases propedêuticas do Direito, conforme será analisado a seguir.
- 322 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Neste sentido, a Transformação Digital dos meios de produção deve ser uma
medida que beneficie a sociedade de uma forma coletiva e proporcional, através de
uma visão liberal-cooperativa, evitando-se o controle de mercado.
Por outro lado, esperar que essa postura cooperativa apareça espontaneamente
no seio social é uma relativa ingenuidade, considerando que desde o início da sociedade
este fato é algo que não se verificou, pela prevalência da postura de competição
intersubjetiva, conforme exposto alhures.
- 323 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
“As decisões privadas tomadas por essas empresas possuem reflexos diretos nas
possibilidades de realização de liberdades públicas. Tal realidade enseja duas
implicações relevantes para a jurisdição constitucional no que toca à proteção de
direitos relacionados à liberdade de expressão (2018, p. 12)”.
- 324 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 325 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
“Na ação comunicativa, os participantes não são orientados principalmente para seu
próprio sucesso; em vez disso, buscam seus fins individuais sob a condição de que
seus respectivos planos de ação possam ser harmonizados entre si com base em uma
definição compartilhada da situação” (1987, p. 367).
Habermas utiliza o conceito do agir comunicativo como base para sua teoria
do consenso, pois onde não existe a possibilidade de uma comunicação livre, em que
todos tenham condições para que possam se manifestar sempre que assim o desejarem,
não será possível a busca do consenso para a solução dos conflitos e discussões de
qualquer área do saber humano.
Salienta-se que o sigilo empresarial sobre como é realizado o tratamento de
dados, aliado à falta de conhecimento técnico da população perante os grandes grupos
econômicos que realizam esta exploração comercial é um problema de transparência a
ser enfrentado no contexto moderno.
Nesta linha, é indispensável a figura do Estado para esclarecer os pontos
obscuros do tratamento de dados, de forma acessível a toda a população, inclusive
através de medidas comissivas ou impondo estas obrigações de esclarecimento às
empresas que explorem este nicho de atividade, não só impondo proibições e sanções
aos grupos econômicos que realizam o tratamento de dados.
Isto porque o paradigma social contemporâneo que surgiu com o progresso de
Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) (SILVA, 2014, p. 72) e o impacto
social gerado pela Quarta Revolução Industrial influenciaram o Constitucionalismo
Digital sob consolidação legítima do Estado Democrático de Direito e proteção da
liberdade individual no ciberespaço, conferindo às empresas obrigações de
responsabilidades sociais que vão além das obrigações econômicas, contratuais ou
legais.
Os desafios ao paradigma do Constitucionalismo Humanista e Social,
despontados no Ocidente desde meados da década de 1970, conforme já salientado,
têm sido aprofundados ao longo do tempo, fazendo-se presentes em distintas
experiências históricas e nacionais, colocando o ser humano no centro do
ordenamento jurídico, através da primazia da dignidade humana de Rosseau-Kant, em
detrimento de uma exploração econômica arbitrária.
- 326 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
O contexto entre guerras demonstrou que o ser humano é capaz de optar pela
abstenção de sua capacidade de escolha, o que deu origem aos Estados Totalitários no
referido período, os quais em sua grande maioria foram eleitos democraticamente, em
um movimento de autofagia política.
Na visão de Ulrich Beck, no ambiente pós-moderno da sociedade do risco o
indivíduo busca um totalitarismo legítimo diante do perigo social, que em algumas
situações se mostra incomensurável (BECK, 2011, p. 97).
Cotidianamente, a sociedade assiste o progressivo endurecimento das leis
penais a cada crime bárbaro que impacta momentaneamente a população, continuando
este movimento de auto-supressão da liberdade. E esta disposição não é nova.
Dostoiévski, na obra “Os Irmãos Karamazov” (1879), já alertava para esta questão
existencial, sobre a busca pela segurança em detrimento da liberdade.
Entretanto, Beck traz um alento aos idealistas da liberdade. No ambiente pós-
moderno, a social-democracia europeia criou um ambiente de emancipação do
indivíduo, que fomentou a busca pela liberdade (BECK, 2011, p. 115).
Vale destacar, por outro lado, que a atual conjuntura social, da Quarta
Revolução Industrial levanta um questionamento sobre o totalitarismo digital imposto
em decorrência da personalização dos meios de produção.
Para garantir uma relativa segurança, os indivíduos utilizam inúmeros bancos
de dados e algoritmos de aplicativos informatizados, submetendo-se ao controle dos
grandes grupos econômicos.
Nesta linha, verifica-se que há uma substituição do controle exercido pelo
Estado em virtude daquele exercido pelos grandes grupos econômicos que agem em
monopólio para tratamento de dados pessoais.
Hordienamente, os algoritmos que realizam o tratamento de dados pessoais
voltados para o mercado tomam proporções exponenciais, ao que cabe a reflexão
sobre nossa autonomia em relação aos processos digitais de produção.
O grande problema reside no fato que os dirigentes do Estado são eleitos
democraticamente para orientar a Administração Pública na busca de soluções que
atendam ao interesse público, submetidos a um regime de responsabilização política,
civil, penal e social; enquanto que estes grandes grupos econômicos estão orientados
em direção de interesses privados.
Nesta linha, é imperioso que os benefícios trazidos pela Quarta Revolução
Industrial sejam divididos coletivamente, na perspectiva do empreendimento social
- 327 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Conclusões
Referências
- 328 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
SILVA, Rafael Pinto da. Definindo o Paradigma das TICs e seu diálogo com a
Divisão Global Digital. Revista Ibero-Americana De Ciência Da Informação,
6(1), pp. 68–85, 2014.
- 329 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Introdução
interior daquilo que ele chama de campo, onde os agentes se “digladiam”, com seus capitais
e habitus (cf. BOURDIEU, 1968; 1974; 1989); assim, abordamos as origens sociais e origens de
classe das professoras. De Elias, pautamo-nos pelo raciocínio segundo o qual
constrangimentos, exigências, necessidades e demandas sociais (de grupos/frações de classe)
são exercidas sobre o intelectual e sua produção, balizando sua autonomia e obras (cf. ELIAS,
1995; 2001). Já as questões referentes à construção dos recortes geracional (e histórico) foram
elaboradas a partir de noção de Mannheim (1979). Finalmente, a respeito de Weber, realizamos
- 330 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Nisso tudo, ele se insere no âmbito dos estudos da sociologia da cultura, mais
especificamente na chamada história intelectual ou sociologia da vida intelectual. E, tendo
sido pesquisadas mais de cinco dezenas de nomes importantes, de ambos os sexos,
chegamos aos nomes das principais professoras/pesquisadoras/intelectuais que
seriam analisadas: Gioconda Mussolini e Eunice Ribeiro Durham
(antropólogas); Paula Beiguelman e Maria do Carmo Campello de Souza
(cientistas políticas); Maria Isaura Pereira de Queiroz, Maria Sylvia de
Carvalho Franco e Eva Alterman Blay (sociólogas).
No geral, a pesquisa analisou disputas simbólicas – típicas de grupos
intelectuais e voltadas para a conquista da afirmação acadêmica – nas Cátedras do
Curso. Tais disputas seriam inerentes à busca de afirmação, poder e leg itimação,
por parte dos cientistas sociais em geral, e correspondem a clivagens que são
analisadas a partir das origens sociais dessas professoras e das relações de
sociabilidade em que elas se enredavam. Tais origens e relações teriam interferido
nas carreiras das professoras (ou seja, nas posições, cargos, títulos que
conquistavam, obras que produziam etc.).
Para tudo isso, foram “constituídas” gerações de professoras (cientistas
sociais), bem como grandes quadros sinópticos com os dados coletados. Idem para
um amplo estudo sobre o regime de Cátedras (o sistema organizativo dos cursos da
USP de então). E último, mas não único, a tudo isso foi juntada uma abordagem a
objetos e obras significativas das principais professoras analisadas, que se
relacionariam com as suas trajetórias de vida, trajetórias profissionais e intelectuais.
Em síntese, a pesquisa procura lançar luzes sobre as razões do tipo de
visibilidade das mulheres na produção do conhecimento científico, particularmente nas
ciências sociais. E, tendo passado mais de década da finalização do trabalho,
entendemos que ele vem a incorporar, de modo feliz, discussões de nossa época, tendo
em vista as lutas e conquistas das mulheres no interior de diversas áreas de atuação. O
que pôde ser constatado, com tal empreendimento de pesquisa, para além de discursos,
foram as condições gerais de mulheres intelectuais de um período – e condições estas
que poderiam ser entendidas como inseridas em “subalternidade”, “submissão”,
“vulnerabilidade”, “opressão”, “dominação masculina” etc., mas que foram analisadas
conforme específicos conceitos sociológicos de pesquisa e tendo sido levados em
conta o espírito do momento recortado (anos 1930-1960). Finalmente, para o intuito
do específico deste evento (o XIII SEPECH-UEL), preferimos apresentar um quadro
sintetizado de referida pesquisa, e expor, de modo principal, as conclusões do estudo.
- 331 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 332 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 333 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Eixos de análise: , de e de
- 334 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 335 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 336 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 337 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
professora pelos EUA. Eunice também foi ativa em discussões sobre política
científica e ensino na universidade, e membro importante de diversas entidades
acadêmicas nacionais. Também foi agraciada com muitas honrarias científicas e
acadêmicas.
Hoje é divorciada; casara-se, na década de 1960, com o antropólogo norte-
americano John Durham, com quem teve um filho; mas o matrimônio não teve
reflexo em sua vida profissional, pois pertence a geração em que relações de gênero
influenciam menos o desenrolar de carreiras femininas, diferentemente da anterior,
em que o matrimônio era quase divisora de águas para “atrapalhar” a profissão de
docente/pesquisador.
Outra integrante dessa geração é Maria do Carmo Campello de Souza
(1935-2006). Nascida em Pindamonhangaba (SP), pertencia a setores da classe
média, sendo o pai médico, vereador e ex-presidente da Câmara Municipal da
cidade, irmãos militares, advogados e a mãe, professora primária. A cientista
política tornou-se bacharel e licenciada em Ciências Sociais pela FFCL-USP em
1962. Fez “especialização” (título da época) em Política (1964), orientada por Paula
Beiguelman. No período do governo militar, esteve presa por alguns meses – no
ano de 1970. Após, voltou às atividades docentes, iniciando as pesquisas que
engendrariam seu doutoramento, orientado por Francisco Weffort. Iniciou as
atividades profissionais como professora em escola pública; foi pesquisadora
bolsista em diversos locais da USP; em 1965, iniciaria a docência, como instrutora,
na Cadeira de Política, até 1969. No início da década de 1970, seria auxiliar de
ensino, professora assistente-doutor e se aposentaria como professora-doutora, em
meados da década de 1980.
Foi casada, em primeiras núpcias, com o antropólogo John Manuel de
Souza em 1969; divorciada, uniu-se ao cientista político Bolívar Lamounier, na
década de 1970; posteriormente, a um matemático francês. Teve uma filha. E,
muito diferente do matrimônio significar um empecilho, o casamento
correspondeu-lhe a uma grande parceria intelectual nessa fase da carreira, ou a uma
grande interlocução teórica, que muito a auxiliou no desenvolvimento da Tese de
Doutorado. Bem humorada, sociável e querida por todos, era carinhosamente
chamada de “Carmute”. Suas convivências, formas de sociabilidade e redes de
relações sociais bem poderiam corresponder, em certa medida, às estratégias
tomadas por ela (por vezes, inconscientemente) para sua conquista do lugar ao sol.
A professora faleceu na capital paulista em 2006.
Continuando, temos Maria Sylvia de Carvalho Franco (1930), oriunda, pelo
lado materno, de tradicional família da elite paulista, e nascida em Araraquara (SP). Ela
obtém o bacharelado em Ciências Sociais pela FFCL-USP (1952); o doutorado (1964)
viria com o texto publicado em 1969 como Homens livres na ordem escravocrata (1997).
Participa como aluna, e depois, como pesquisadora e professora assistente, da Cadeira
de Sociologia I, integrando o grupo sob a orientação de Florestan Fernandes, nesses
anos 1950-1960. Após as reformas universitárias e o início da década de 1970, passa
- 338 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 339 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Considerações finais
- 340 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Referências
- 341 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 342 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
MICELI, Sergio (org.). História das Ciências Sociais no Brasil. São Paulo:
Vértice; Revista dos Tribunais, 2001, v. 1.
MICELI, Sergio (org.). História das Ciências Sociais no Brasil. São Paulo:
Sumaré; FAPESP, 1995, v. 2.
MICELI, Sérgio. Carne e osso da elite política brasileira pós-1930. In: FAUSTO,
Boris (org.). História geral da civilização brasileira – O Brasil republicano:
sociedade e política (1930-1964). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996, v. 3, t. 3,
p. 557-596.
- 343 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 344 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Introdução
abreviatura, seguida do número do volume e da página (ver nome completo das obras na
bibliografia). KANT, Immanuel. Akademieausgabe von Immanuel Kants Gesammelten Werken. Bände
und Verknüpfungen den Inhaltsverzeichnissen. Disponível em:
http://www.korpora.org/kant/verzeichnisse-gesamt.html.
- 345 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Pressupostos morais
Como afirma Klemme (2010, p. 40), a questão moral está no centro do projeto
pacificador kantiano sob o dever que temos em promover a paz perpétua, assim,
“temos o dever legal de promover a paz perpétua, e promoveremos melhor por meio
do que fazemos, para o que somos moralmente obrigados”. Nesse sentido,
compreender os pressupostos morais que fundamentam o projeto kantiano torna-se
imperioso, uma vez que o filósofo prescreve seus artigos preliminares e definitos sob
a batuta de tais conceitos.
Seguindo a ordem pré-estabelecida na introdução deste artigo, o homem como
fim terminal da criação será primeiro pressuposto moral a ser abordado. Para
compreender tal conceito cumpre fazer-se uma diferenciação entre fim último (Letzter
Zweck) e fim terminal (Endzweck) da natureza. Para tal, segue a explicação de Höffe:
Um fim último ocupa, numa hierarquia de fins, a posição suprema, o topo; o fim
último já é, portanto, algo supremo, um fim superlativo. Kant admite tacitamente que
tal fim superlativo pode perfeitamente existir na natureza enquanto natureza. Para um
fim terminal, porém, é preciso mais; um fim terminal é um “fim último mais x”,
portanto um superlativo que, estranhamente, de alguma maneira ainda intensifica o
caráter de superlativo. Para que um fim último também possa ser um fim terminal, é
preciso, como Kant explica antes, não se pode pensar a existência desse ser de outra
maneira do que como fim terminal (Höffe, 2009, p. 25-6).
- 346 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 347 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
O reino dos fins é o reino das pessoas ou dos seres, cuja ação tem como princípio a
liberdade, e só poderá ser instaurado na medida em que o agir de cada indivíduo se
paute pelas máximas do membro do reino dos fins cuja legislação vale universalmente
(1986, p. 252).
Nesse sentido, o ser humano tem o dever de sair de sua condição de natureza,
onde reina sua animalidade, para cada vez mais rumo à humanidade, onde se torna
capaz de estabelecer fins a si mesmo (MS AA06: 387). Nessa acepção, o constante
aprimoramento moral leva a espécie humana à concreção do estado civil, ambiente
este que atribui às relações interpessoais o princípio da dignidade humana. Nesse
sentido, alude o filósofo: “na espécie humana, deve ocorrer qualquer experiência que,
enquanto evento, indica uma constituição e aptidão suas para ser causa do progresso
para o melhor” (SF AA07: 084).
Enfim, é visível que todos pressupostos morais aqui elencados desencadeiam
uma necessária coalização com pressupostos jurídicos que fundamentam a vida em
- 348 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
sociedade. Além disso, agem de forma que um complementa o outro num emaranhado
de passos que levam a humanidade à paz perpétua.
Pressupostos jurídicos
Temos, pois, aqui um dever de índole peculiar, não dos homens para com homens,
mas do gênero humano para consigo mesmo. Toda a espécie de seres racionais está
objetivamente determinada, na ideia, a saber, ao fomento do bem supremo como bem
comunitário (RGV, AA06: 097).
- 349 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Todo Estado encerra três poderes dentro de si, isto é, a vontade unida geral consiste
de três pessoas (trias politica): o poder soberano (soberania) na pessoa do legislador; o
poder executivo na pessoa do governante (em consonância com a lei) e o poder
judiciário (para outorgar a cada um o que é seu de acordo com a lei) na pessoa do juiz
(potestas legislatória, rectoria et iudiciaria) (MS, AA 06: 313).
- 350 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
3Cumpre salientar que essa visão política do filósofo apenas refletia as ideias da época. Dessa
forma, não se deve ler tais trechos de forma espantada, apenas refletir os pensamentos nele
contidos.
- 351 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
no estado de natureza, nem guerra entre nós como Estados” (MS AA06: 354). Dessa
forma, tantos os pressupostos morais, quanto os jurídicos serão refletidos nessa seção
em conjunto, uma vez que seus conceitos se complementam no projeto de paz
kantiano.
A paz é uma tarefa trabalhada dentro da história do gênero humano que tem
como protagonista4 o próprio homem enquanto fim terminal da criação. Neste
progresso humano, o mecanismo da insociável sociabilidade age como coadjuvante na
busca da paz. Para isso, tanto as relações de antagonismo entre os indivíduos, quanto
a inclinação de sociabilidade em busca da manutenção das liberdades externas, fizeram
com que a espécie humana entrasse numa comunidade jurídica por meio de um
contrato social, procedimento denominado por Lima (2015, p. 42) como
“disciplinamento da insociabilidade”. Kant demonstra a importância de tal contrato na
seguinte analogia:
Só dentro da cerca que é a constituição civil é que essas mesmas inclinações produzem
o melhor resultado – tal como as arvores num bosque, justamente por cada qual
procurar tirar à outra o ar e o sol, se forçam a - 352 -ecla-los por cima de si mesmas e
assim conseguem um belo porte, ao passo que as que se encontram em liberdade e
entre si isoladas estendem caprichosamente os seus ramos e crescem deformadas,
tortas e retorcidas (IaG AA08: 022).
Ademais, tal antagonismo não opera apenas entre os indivíduos, se alastra para
as relações entre os Estados, uma vez que, por serem formados por seres humanos,
tendem a reproduzir o mesmo esquema. Dessa forma, a mesma insociável
sociabilidade que obrigou os homens a criar um Estado civil, atua novamente para
incentivar tais Estados a “sair do estado sem leis dos selvagens e ingressar numa liga
de povos, onde cada Estado, inclusive o mais pequeno, poderia aguardar a sua
segurança e seu direito” (IaG AA08: 024).
Dada a relação entre indivíduos num Estado civil e a consequente relação dos
Estados numa liga de povos, cumpre à história humana resguardar uma unidade,
regularidade e continuidade teleológica. Nesse caso, o homem, único fim terminal da
criação, capaz de decidir sobre a guerra e a paz, deve circunscrever a humanidade numa
relação cosmopolita, isto é, uma relação exterior e interdependente entre os Estados e
os cidadãos do mundo. Para Louden (2008, p. 521), a concepção cosmopolita, inserida
na natureza humana, tem como efeito a criação de “um mapa moral teleológico, um
guia prático pelo qual os seres humanos devem se orientar, tanto no passado quanto
no presente”.
- 352 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Conclusão
- 353 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
ordenada pelo reino dos fins. Nesse sentido, o homem como fim terminal da criação
tem como obrigação o constante aperfeiçoamento moral e jurídico, dando à luz o
conceito de progresso do gênero humano que, por sua vez age no campo moral e
jurídico, impulsionando a humanidade, através da insociável sociabilidade a adentrar
num ordenamento jurídico onde poderá se constituir um Estado civil cujo
desenvolvimento jurídico restará numa constituição republicana.
Tal constituição republicana terá como núcleo de valor a dignidade do homem
como fim em si mesmo, garantindo aos homens o direito de decidirem sobre a guerra
e paz, concretizando, assim, o papel do homem como fim terminal da criação. Além
disso, tal constituição elevará o papel dos cidadãos numa esfera de soberania que, em
harmonia com os outros poderes estatais, garantirão ao cidadão aquilo que lhe é
devido.
Sob tais preceitos, o mecanismo do progresso humano ainda continua a
transformar a sociedade. Nesse sentido, os Estados republicanos se unem numa liga
de povos que buscam garantir entre os entes estatais a consequente paz através do
regimento de conceitos morais e jurídicos amplamente compartilhados. Pior fim,
Estados e cidadãos se unem numa constituição recíproca do direito cosmopolita, onde
o indivíduo passa a ser cidadão do mundo e, os Estados passam a ser espaços de amplo
desenvolvimento moral e jurídico para o consequente reino dos fins.
Em suma, os pressupostos morais e jurídicos apresentados nesse artigo são os
caminhos pelos quais o homem busca a paz perpétua, uma vez que o amplo
aperfeiçoamento de ambos garante ao progresso do gênero humano ações e
instituições que consolidam cada vez mais o projeto pacificador.
Referências
ALTMAN, Matthew C. Kant and applied ethics: the uses and limits of Kant’s
practical philosophy. Nova Jersey: John Wiley & Sons, 2011.
HÖFFE, Otfried. O ser humano como fim terminal: Kant, Crítica da faculdade do
juízo, §§ 82-84. Studia Kantiana. N. 8, p. 20-38, 2009.
KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. (MS) AA06: 1797. Trad. Edson
Bini. Bauru: EDIPRO, 2003.
- 354 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
_______________. On the common saying: this may be true in theory, but it does
not hold in practice. In: Toward perpetual peace and other writings on politics,
peace, and history. (TP) AA08: 1793. Trans. David L. Colclasure. New Haven and
London: Yale University Press, 2006.
- 355 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 356 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Resumo: Kant afirma na Metafísica dos Costumes (1797) que a liberdade inata, ou seja,
“a independência em relação ao arbítrio coercitivo de um outro, na medida em que
possa coexistir com a liberdade de qualquer outro segundo uma lei universal” (MSRL,
AA 06: 237), é o único direito que cabe a todo homem em virtude de sua própria
humanidade. Partindo desse excerto, Otfried Höffe, em seu artigo Kant’s Innate Right as
a Rational Criterion for Human Rights (2010), dá início à interpretação corrente de que é
possível fundamentar os direitos humanos a partir da ideia kantiana de liberdade inata.
Nesse contexto, o presente trabalho busca investigar se de fato há, na própria letra de
Kant, a possibilidade de fundamentação dos direitos humanos, analisando as
ocorrências e a abrangência da ideia de liberdade inata nas obras de teor ético e político
deste filósofo, sobretudo em sua Metafísica dos Costumes.
Introdução
Georg Jellinek. Este autor distingue três tipos de reivindicações que um sujeito jurídico pode
fazer, concedendo-lhes a todos o estatuto de direitos humanos “nomeadamente direitos de
- 357 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
em vista que a definição do único direito inato é muito breve, para obter uma maior
compreensão de tal direito, Höffe recorre a passagens da Introdução à Metafísica dos
Costumes e a algumas definições analíticas da Doutrina da Virtude, partes que compõem
a Metafísica dos Costumes. Ainda na introdução de seu artigo, ele resume sua interpretação
acerca da filosofia prática kantiana através das seis etapas seguintes: (i) a distinção entre
o direito natural e direito positivo; (ii) uma discussão sobre o conceito moral de direito
e a lei moral do direito; (iii) uma defesa da autorização para o uso da força; (iv) uma
interpretação do trecho “em virtude de sua humanidade”; (v) uma conciliação das
quatro derivações com o único direito inato; e (vi) a conclusão com a apresentação de
dois “quase-direitos humanos”.
Höffe elucida como é fundamentado o direito positivo empreendendo uma
explicação da filosofia prática kantiana que aborda desde o conceito de “direito
natural” até a ideia de “humanidade”. Depois desse ponto, ele passa a explicar a ideia
de “humanidade” presente na definição do único direito inato. Höffe constata que a
ideia de “humanidade” não ocorre em todas as três introduções que existem na
Metafísica dos costumes, (ela só ocorre de modo sucinto e por duas vezes na Introdução à
Doutrina do Direito (HÖFFE, 2010, p. 84)). Por isso, o filósofo recorre à ideia de
humanidade da elaboração do Imperativo Categórico presente na Fundamentação da
Metafísica dos Costumes, o qual é definido como: “Age de tal maneira que uses a
humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e
simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio” (GMS, AA 04: 429).
Vale ressaltar que é justamente essa definição do Imperativo Categórico que Kant
utiliza para realizar a Divisão da Metafísica dos Costumes em geral que é ilustrada em uma
tabela esquematizada com a distinção entre deveres de virtude e os deveres jurídicos
(MSRL: AA 06: 239).4
liberdade pessoal (status negativus), direitos de participação democrática (status activus) e social e
direitos culturais (status positivus) - em todos os casos, fala-se de vários direitos humanos.
4Os deveres ligados ao direito são perfeitos por estabelecerem regras específicas, isto é,
objetivas, dirigidas à ação e produtoras de deveres jurídicos para nós mesmos, através do
“direito da humanidade em nossa própria pessoa”, ou para outrem, por meio dos “direitos dos
homens”. Já os deveres ligados à ética são imperfeitos porque possuem apenas máximas
subjetivas para a ação, cujos resultados visados são: o fim da humanidade em nós mesmos,
quando eu trato a humanidade em mim mesmo como um fim, ou o fim dos homens, quando
os demais são tratados como um fim (MSRL, AA:06, 240).
- 358 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
inato que pode ser facultado a todas as pessoas. Höffe chega a falar em “direitos das
pessoas” e de sua equivalência aos direitos humanos.
A problemática que se apresenta é a seguinte: apesar do Imperativo Categórico
ser aplicado às duas partes da Metafísica dos Costumes, é possível defender que ele o
é de modo distinto, afinal, ele deve seguir a dinâmica de funcionamento do âmbito no
qual ele será inserido.5 Como o próprio Höffe (2010, p. 74) comenta: “a Doutrina do
Direito trata apenas do jurídico, as leis da liberdade que se dirigem apenas às ações externas
e sua conformidade com a lei (MSRL, AA 06: 214). Elas incluem o direito inato”.
Podemos deduzir que a “humanidade” contida no “único direito inato a todo
homem em virtude de sua humanidade”, por encontrar-se no âmbito jurídico, deve ser
um conceito “obediente” às regras deste sistema. E para compreendê-la naquilo que
lhe cabe, temos que interpretá-la segundo a ideia dos deveres jurídicos. Ademais, como
Barbieri (2018, p.63) e Dall’Agnol (2015, p.345) resumiram didaticamente, no âmbito
jurídico devemos tratar a humanidade como se fosse um fim em si mesmo, isto é, temos
que agir apenas conforme o Imperativo Categórico.
Após a interpretação da ideia de humanidade, Höffe explica que há quatro
derivações analíticas da liberdade inata (igualdade, independência, integridade e
imprejudicabilidade inatas), bem como propõe harmonizar tais derivações com a ideia
de um único direito inato. É interessante notar que o autor toma de saída o único
direito inato e as suas derivações como direitos humanos, e ainda desloca o polo da
discussão sobre a possibilidade de uma fundamentação racional dos direitos humanos
para a discussão de uma possível pluralidade de direitos inatos que seriam compatíveis
entre si e, principalmente, fundamentariam uma noção ampla de Direitos Humanos
(Cf. HÖFFE, 2010, 87-90).
O contexto descrito acima, bem como as interpretações análogas em outras
obras filosóficas mais recentes,6 nos levou a investigar se de fato há, na própria letra
de Kant, a possibilidade de fundamentação dos direitos humanos. Para tal, propomos
analisar as ocorrências e a abrangência da ideia de liberdade inata nas obras de teor
ético e político deste filósofo, principalmente em sua Metafísica dos Costumes.
5De acordo com Kant, “a mera concordância ou discrepância, sem considerar o móbil da
mesma, denomina-se legalidade (conformidade à lei), mas aquela em que a ideia do dever pela
lei é ao mesmo tempo o móbil da ação se chama moralidade (eticidade) da mesma” (MRSL,
AA:06, 219). Podemos constatar, então, que a divisão entre deveres jurídicos e deveres de
virtude depende diretamente da relação que cada dever mantém com o móbil que atua no seu
cumprimento. Quando a legislação faz da ação um dever, e desse dever, simultaneamente, um
móbil, estamos diante de um dever de virtude, e, por conseguinte, no campo da Ética; por
outro lado, quando uma ação não inclui o móbil na lei, admitindo qualquer móbil desde que
externamente esteja de acordo com a norma, estamos diante de um dever jurídico, isto é, no
campo do Direito (MSRL, AA 06: 219).
6O livro de Direitos Humanos em Kant e Habermas (TONETTO, 2010) e o livro de Kant’s Political
- 359 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 360 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
familiar e sociedade doméstica. Isso fica mais evidente na §22 quando Kant fundamenta a
aquisição do “meu” e do “seu” exterior a nível doméstico afirmando que “esse tipo de
direito é o de posse de um objeto exterior como uma coisa e do uso do mesmo como
uma pessoa”. Para Kant, essa posse não é fundada em um fato arbitrário, nem em um
contrato, mas em uma lei que, por envolver a posse de uma pessoa, “tem de ser um
direito que está além de todo o direito real e pessoal”, denominado “direito da
humanidade em nossa própria pessoa” e que nos faculta a permissão natural de possuir
uma pessoa deste modo (MSRL, AA 06: 276). Kant afirma que essa lei permite três
tipos diferentes de posses, a depender do que foi adquirido: O Direito Conjugal, quando
o homem adquire uma mulher (§24); O Direito dos Pais, quando estes adquirem filhos
(§28); e O Direito do chefe de família, quando a família adquire criados (§30) (MSRL, AA
06: 277-284).
É interessante destacar que, embora o direito de adquirir, aparentemente, caiba
a diferentes sujeitos, uma vez que esse direito pertence ao homem, no direito conjugal,
aos pais, no direitos dos pais, e à família, no direito do chefe de família, Kant afirma no
Direito Pessoal de Caráter Real, ser esse direito “o que o varão tem de possuir a sua mulher,
os seus filhos e os seus servos domésticos”, os quais ele usa como pessoa, uma vez
que estes são dotados de dignidade, mas os possui como coisas que devem ser
restituídas em caso de fuga ou rapto (MSRL, AA 06: 277). Ademais, ao contrário da
definição de igualdade que acabara de postular, Kant diz no direito conjugal que “o
homem é a parte que manda e a mulher a parte que obedece” (MSRL, AA 06: 279). E
curiosamente, para ele, isso não anularia a igualdade natural entre o casal, pois estaria
fundado em uma suposta “superioridade natural da capacidade [por parte do homem]
de promover o interesse comum da casa” (MSRL, AA 06: 279). A mulher, assim,
deveria submeter-se a todas as decisões do homem, que a coage sem poder ser por ela
coagido. Portanto, a igualdade inata, entendida enquanto a capacidade de coação
recíproca entre os arbítrios, promove uma relação desigual entre os membros da
sociedade doméstica (inclusive no estado de natureza), porque nela somente o varão
adulto pode coagir sem ser coagido pelos outros membros. Por conseguinte, tal
igualdade não parece ser compatível com uma teoria dos direitos humanos, uma vez
que estes devem ser válidos em igual extensão para todos os seres humanos.
A independência inata é definida por Kant como “a capacidade de ser seu
próprio senhor”, ou “sui iuris” (MSRL, AA 06: 237). Como ocorre com a igualdade
inata, essa citação também é breve demais para tirarmos conclusões a respeito da sua
compatibilidade com direitos humanos. No entanto, pode-se usar a noção de
independência civil de Teoria e Práxis para analisar o conceito de “sui iuris”. Nessa obra,
Kant expõe os critérios cujo cumprimento dá direito a ser cidadão do Estado. O
primeiro critério é uma qualidade natural, a saber, não ser criança nem mulher,
enquanto o segundo restringe a cidadania aqueles que têm uma qualidade econômica
diferenciada: ser seu próprio senhor, “sui iuris” (TP, AA 08: 295). Podemos observar,
assim, que o conceito de cidadania adotado por Kant é extremamente excludente, pois
através da qualidade natural ele exclui de seu âmbito mais da metade de todos os seres
- 361 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Considerações finais
- 362 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Referências
HÖFFE, Otfried. Kant’s Innate Right as a Rational Criterion for Human Rights. In
Kant’s Metaphysics of Morals: A Critical Guide, ed. Lara Denis, 71-92.
Cambridge: Cambridge U. P., 2010.
- 363 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
_____. TP– Über den Gemeinspruch: das mag in der Theorie richtig sein, taugt aber
nicht für die Praxis (AA:08). Citamos a partir de: Sobre a expressão corrente: isto
pode ser correto em teoria mas nada vale na prática (tr.: Mourão, A). em: Artur
Mourão (org). A paz perpétua e outros opúsculos, Lisboa: ed. 70, 1995.
- 364 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 365 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 366 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
2. Sobre a Ética
- 367 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
foi Aristóteles, que procurou averiguar quais seriam os princípios orientadores do agir
humano e o que corresponderia a uma vida virtuosa. O autor entente de que a
finalidade da vida é a felicidade e que, para alcançá-la, é necessário trilhar um caminho
que vise o bem maior, por meio da prática e do exercício da ética.
Immanuel Kant, por seu turno, associou a ética a razão, de forma que este é o
fundamento primordial daquele. Sua teoria se afastou da visão existente à época de que
a divindade era o fundamento último da moralidade. O escritor assevera que a razão é
responsável por orientar as ações e governar a vontade humana. Assim, a autonomia
da razão é, para o filósofo, um princípio ético fundamental e a fonte de dever de ação,
fazendo com que o ser humano seja capaz de compreender e formular regras para si
mesmo.
Em que pese certas características e nuances das definições e fundamentos da
ética variem de autor para autor, certo é que a ética é compreendida, de maneira geral,
como a filosofia da moral, responsável por estudar e estabelecer as bases para o agir
correto do ser humano. Há divergências, entre os filósofos, acerca do exato significado
do ser e do agir de forma ética, pois cada pensador fundamenta a ética em uma virtude,
máxima ou princípio diferente.
Não obstante, tem-se que as ações e comportamentos humanos podem ser
considerados éticos quando implicam na prática daquilo que é considerado bom,
correto ou certo, apresentando condutas consideradas adequadas por uma
determinada sociedade. Dessa forma, o agir ético perpassa por questões como respeito,
empatia e cordialidade, relacionando-se ao comportamento socialmente aceito e
esperado em determinadas condições e circunstâncias de tempo, local, espaço, entre
outros.
A fim de entender aqueles que desviam da perspectiva ética proposta por Paul
Ricoeur (2019), qual seja, “visar à verdadeira vida com e para o outro em instituições
justas” (RICOEUR, 2019, p. 197), é necessário seguir um princípio moral Kantiano
citado por Schopenhauer em sua obra “Sobre a ética” (2012), o qual indica que não se
deve realizar uma valorização objetiva de um sujeito à luz de valores e dignidade, bem
como, não se deve considerar algum tipo de “maldade de sua vontade, nem a limitação
de seu entendimento e a incorreção de seus conceitos” (SCHOPENHAUER, 2012, p.
40 e 41). Isso porque para compreender uma ação é necessário verificar quais as dores
e/ou necessidades, medos do indivíduo analisado, até porque, pode-se prejudicar
outrem através de uma ação por essa ignorância, falta de propósito ou maldade e
mesmo assim haver uma culpa moral no autor da ação (BAUMAN, 2021, p. 31).
Contudo, é extremamente difícil conseguir elencar um fator ou grupo de
fatores como causa de um desvio. Dessa forma, buscar-se-á apresentar alguns dos
possíveis sintomas de que há um crescente aumento do redirecionamento das causas
- 368 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
que levam a uma ação, as quais estão sendo focadas cada vez mais no ser e menos nos
outros. Bauman (2021, p. 32), aponta como um grande problema para a ética é o alto
nível de divisão de tarefas, no sentido que, colocam-se muitos agentes para que os
impactos negativos sejam dissipados, ou seja, o número de pessoas envolvidas é tão
grande que é impossível identificar um culpado.
Aplicando o apontamento ao caso aqui trabalhado, pode-se realizar a seguinte
associação: os desvios sociais são em grupos grandes que se aglomeram e acabam
falsamente se eximindo da culpa de disseminação do vírus. Dessa forma, mesmo que
haja uma culpa parcial de alguns dos agentes, a mesma em nada irá influir no resultado
final já causado. O mesmo ocorre com o governo. Como exemplificação, analisa-se a
distribuição de culpas entre Governo Federal, Estadual e Municipal. Ministério da
Saúde, Regionais de Saúde e Secretarias da Saúde. No final, o povo está perdido.
Assim, de um lado tem-se pessoas que estão arriscando suas vidas e de seus
familiares para trazer sustento ao lar e de outro pessoas que, opcionalmente, escolhem
por se exporem e colocam em risco não só a si e sua família como todos ao seu redor,
como trabalhadores(as) domésticos(as) que se expõem ao risco de infecção sem
possuir qualquer outra opção (SENADO, 2021). Em síntese, todas as ações geram
consequências. Quando se fala em saúde pública, essas consequências são agudas.
Logo, a partir do sintoma, refletir-se-á possíveis desdobramentos que culmina na ética
narcísica. Para compreender o conceito é necessário entender o que é o narcisismo.
- 369 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
até mesmo de ninfas – o amor. Porém, uma dessas ninfas, Eco, foi desprezada por
Narciso e para se vingar solicitou ajuda da deusa Nêmeses. Essa fez com que aquele
se apaixonasse por sua imagem que era refletida em um rio. Logo, ele ficou deveras
encantado por si mesmo, tanto que definhou olhando para seu próprio rosto e foi
transformado pela deusa em uma flor, batizada com seu nome.
Na psicanálise, o termo narcisismo foi introduzido por Paul Nacke em 1899,
em sua obra “Estudos sobre perversões sexuais”, sendo utilizado para denominar o
estado em que o sujeito ama a si mesmo. Para Freud (2010), o narcisismo é abordado
como uma fase do desenvolvimento pessoal de cada indivíduo. No estágio de
narcisismo é possível observar uma transição do autoerotismo (prazer do sujeito com
seu próprio corpo) para o outro como ser destinado ao amor. Caso não ocorra essa
transição, dificilmente o sujeito irá desenvolver a habilidade do convívio com o
diferente, por tanto, com a sociedade.
De acordo com o Manual de diagnóstico de Doenças Mentais, quinta edição,
DSM-5 (DRAFT, 1990), o narcisismo é enquadrado como Transtorno de
Personalidade Narcisista (TPN)3, que consiste em um “padrão generalizado de
grandiosidade, necessidade de adulação e falta de empatia” (SKODOL, 2019). De
acordo com Skodol (2019), os pacientes que possuem tal transtorno possuem uma
estima além do normal de suas habilidades e, em geral, enaltecem suas realizações. O
sentimento é de superioridade ou de que se é especial, diferente dos outros, estando,
os pacientes, mais preocupados em serem admirados, prestigiados que com o outro,
inclusive explorando-o para conseguir chegar em seus objetivos, tendo como início
dos sintomas a fase adulta.
3Classificado pelo CID-10, Classificação Internacional de Doenças, em sua 10ª edição (NLM,
2011), sob o código F.60.8 (outros transtornos específicos da personalidade).
- 370 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
da ação, vez que, somente ao pensar etária o sujeito incorrendo em erro e, dependendo
do erro, seria punido pela eternidade. O medo e a vontade de poder pensar e agir
livremente explodiu com o humanismo. O místico passa a ser apenas uma muleta
metafísica e o homem passa a ser deus.
Boa parte das instituições e anseios criados pelo humanismo, principalmente
no que tange o direito, hoje não se mostram cumpridos. A igualdade está somente no
papel4. A fraternidade é escassa e a liberdade é o início do problema. O clero foi
substituído pelos legisladores. A moral deveria ser substituída por algo que todos os
seres humanos atribuíssem legitimidade, não resultantes de uma deidade. Mas a
deidade somente saiu do campo metafísico e se encontra no físico.
Dessa maneira, quando se observa a falta de empatia de pessoas que
voluntariamente descumprem medidas sanitárias em meio a surtos de infecção por um
vírus extremamente letal, questiona-se que, possivelmente, a estrutura de formação
moral da sociedade não logrou êxito total, logo, as justas instituições citadas
anteriormente como uma das finalidades da ética, são cada vez mais inatingíveis.
Considerando isso, os indícios da patologia relacionada ao Transtorno de
Personalidade Narcisista são cada vez mais observáveis, principalmente no que tange
a falta de empatia, palavra essa que tem origem do grego, que forma-se com a soma de
em, que significa dentro de, com pathos, que significa sofrimento, dor. Logo, empatia,
de acordo com David E. Zimerman significa ter o “poder de sentir-se dentro do outro
por meio de adequadas identificações projetivas e introjetivas” (ZIMERMAN, 2008,
p. 120)
Ademais, verificando os comportamentos sociais questionados, remetem a
formação do ego. Em analogia, as pessoas que não estão cumprindo o isolamento
social voluntariamente ao participar de festas clandestinas, aglomerações em bares e
restaurantes, dentre outros comportamentos, assemelham-se a um recém-nascido. Isso
porque, nesse não há ainda a formação da instância psíquica ego, bem como do
superego. Assim, tudo é id, ou seja, desejo, prazer puro. Com o tempo, surge o ego
arcaico, que acaba por expelir o que é desagradável ao desejo, vez que, ainda não há o
desenvolvimento do superego como instância moral. Dessa forma, cumprindo com
seu papel de evitar colapsos, o ego, em seu estágio primitivo, busca atender as
exigências do id, das vontades (ZIMERMAN, 2008, p.114).
Considerando que os códigos de condutas morais solidificados acabam por
tecer o que compreendemos como ética e que a moral pós-humanismo foi
desenvolvida a mercê do homem, é muito difícil cumprir com toda expectativa da
comunidade em geral. Por conta disso, códigos paralelos passam a se definir,
principalmente ao redor do sentimento oceânico, que consiste na “[...] participação do
4Atualmente, no Brasil, de acordo com Oxfam Brasil e outros (2021), a insegurança alimentar
atinge mais de 19 milhões de brasileiros. Além disso, 35 milhões de brasileiros não possuem
acesso a água potável, bem como cerca de 100 milhões não possuem acesso ao saneamento
básico (MARTINS, 2021). No Paraná há um defensor público para cada 84.816 pessoas
(PARIS, 2021).
- 371 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Conclusões
Referências
- 372 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
GAMEIRO, Nathália. Cientistas alertam que novas cepas da Covid-19 podem surgir.
Disponível em: https://agencia.fiocruz.br/cientistas-alertam-que-novas-cepas-da-
covid-19-podem-surgir. Publicado em: 02/05/2021. Acesso em: 20 nov. 2021.
NLM. Wells RHC, Bay-Nielsen H, Braun R, Israel RA, Laurenti R, Maguin P, Taylor
E. CID-10: classificação estatística internacional de doenças e problemas
relacionados à saude. 2011.
- 373 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
PARIS, L. Com um defensor para cada 84 mil pessoas, Paraná tem pior déficit do
país em defensoria pública estadual, diz associação. Disponível em:
https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2021/08/06/com-um-defensor-para-cada-
84-mil-pessoas-parana-tem-pior-deficit-do-pais-em-defensoria-publica-estadual-diz-
associacao.ghtml. Publicado em: 06/08/2021. Acesso em: 21 nov. 2021.
- 374 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Introdução
- 375 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 376 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
1. Objetivos
2. Justificativa
- 377 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
No século XX, aproximadamente nos anos de 1960 surgiu uma corrente revisionista
sobre a História da Guerra do Paraguai, na qual autores como León Pomer da
Argentina e o jornalista Julio José Chiavenato do Brasil, passaram a defender a tese de
que o Paraguai foi massacrado pelo Brasil, Argentina e Uruguai que se uniram devido
à influência do governo britânico, que temia a “independência econômica” do
Paraguai. (FERRER, 2004, p.23)
Por sua vez, essa corrente revisionista, por mais que tenha sua contribuição por
problematizar o tradicionalismo, ela não se sustenta nas questões de historicidade, fora
que a documentação utilizada em trabalhos desta tendência não se sustenta. Sendo
assim, chegamos no fim do século XX e início do XXI onde temos a inauguração de
uma nova corrente que busca em questões diversas, como os fatores geopolíticos,
sociais, para explicar o estopim da Guerra do Paraguai:
Outra tese mais atual sobre a Guerra do Paraguai se concretiza nas obras de Francisco
Fernando M. Doratioto, Ricardo Salles, Alfredo da Mota Menezes, Vitor Izeckson,
Marco Antônio Cunha, André Toral, Mauro César Silveira, dentre outros, que buscam
analisar o conflito internacional do Prata a partir de uma visão social e cultural,
baseado em pesquisas históricas, diferente dos tradicionalistas que ao analisarem essa
Guerra, se prendem muito às estratégias e táticas militares, além da ideia do início da
guerra centralizar-se na figura tirânica de Francisco Solano López. (FERRER, 2004,
p.29)
Dessa forma, este trabalho vem contribuir com essa atual corrente
historiográfica, visto que ela abre as portas para abordagens sociais e nosso recorte da
província do Paraná se torna possível; e além do mais, há uma escassez de trabalhos
historiográficos que tratam especificamente sobre este assunto, os artigos, teses e livros
que remetem ao tema, não tem ele como assunto central a especificidade paranaense
- 378 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
3. Metodologia
Nos três casos, entrevê-se o modelo da semiótica médica: a disciplina que permite
diagnosticar as doenças inacessíveis à observação direta na base de sintomas
superficiais, às vezes irrelevante aos olhos do leigo” (GINZBURG, 1989, p.151)
E faz analogia até com o homem caçador: “O caçador teria sido o primeiro a
‘narrar uma história’ porque era o único capaz de ler, nas pistas mudas (se não
imperceptíveis) deixadas pela presa, uma série coerente de eventos”. (GINZBURG,
1989, p.152)
Assim é formulado o paradigma indiciário, um método que busca analisar as
fontes documentais buscando seus pequenos vestígios e a compreensão histórica viria
a partir do entendimento desses pequenos pontos a serem encontrados no processo
da pesquisa histórica.
Este conceito será utilizado na presente pesquisa para analisar as fontes
anteriormente referidas, mais especificamente trabalhar os discursos dos redatores das
fontes primárias, buscaremos as particularidades em cada discurso presidencial, para
encontrar elementos que possam mudar totalmente a fala, o documento, fazendo com
que expressões digam cada vez mais sobre quem está explanando e quais são suas reais
pretensões.
Visto as perspectivas a serem alcançadas neste trabalho, para podermos pensar
a relação teórica do trabalho iremos usar “RÉMOND, René. Por uma história
política. 2ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003”, com seu conceito de História
Política, onde por conta de processos históricos e sociais, a própria noção de político
vai se alargar abarcando inúmeras esferas e influenciando os indivíduos:
- 379 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
interna do Estados lembraram que a política tinha incidência sobre o destino dos
povos e as de que o político tinha uma consistência própria e dispunha mesmo de uma
certa autonomia em relação aos outros componentes da realidade social… Outra coisa
atuou no mesmo sentido para reintegrar os fatos políticos ao campo de observação da
história: a ampliação do domínio da ação política com o aumento das atribuições do
Estado. (RÉMOND, 2003, p.23)
4. Discussões Realizadas
A partir daqui, irei discorrer sobre alguns pontos que até o presente momento
já foram trabalhados, acerca dos principais pontos da pesquisa. Quando pensamos na
hipótese central do trabalho, que se baseia na ideia de que o Paraná entrou na Guerra
do Paraguai por conta das questões políticas e econômicas que rodeavam a produção
da erva-mate paranaense, vemos que quando analisamos as fontes, fica evidente,
através do discurso, que o presidente André Augusto de Pádua Fleury, que foi decisivo
para o contexto pois ele que mobilizou as tropas da Guarda Nacional de sua província
rumo a guerra, está interessado no afrouxamento da concorrência com o Paraguai que
irá decair com a chegada do conflito:
“Essa concorrencia afrouxará com a guerra, que imos levar á Assumpção; mas, ainda
assim, é conveniente que aquelle excellente chá procure algures um consumidor mais
numeroso e garantidor de larga e generosa indemnisação” (FLEURY, 1865, p.50)
- 380 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 381 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Mesmo que eram homens pobres que faziam parte da Guarda Nacional, havia
pessoas abaixo deles segundo o discurso do presidente Vasconcellos, no caso os
homens da guarda policial que eram excluídos da milícia cidadã, proletários e
entendidos como o resto da população paranaense.
Pensando agora em seus feitos na Guerra do Paraguai, entende-se que essa
Guarda, inicialmente, ficou retida aos serviços de guarnição dentro do próprio Paraná,
porém em algumas ocasiões ela já se deslocavam, como na tentativa de defesa da
Província do Mato Grosso:
Em data de 27 do Abril de 1865 seguio desta Corte para Santos, com direcção a Mato
Grosso, o Corpo de artilharia do Amazonas, que em marcha reunio-se não só ao
Corpo de guarnição do Paraná, que desta Província havia marchado com o mesmo
destino, como ao de guarnição de S. Paulo, Companhia de Cavàllaria e Corpo de
Voluntários Policiaes da mesma Província, perfazendo ao todo 568 praças sob o
Commando do Coronel Manoel Pedro Drago (FERRAZ, 1866, p.34)
Não devo passar a outro assumpto, sem tributar á briosa guarda cívica do Paraná os
louvores á que tem direito por seus esforços no constante desempenho de todo o
serviço de guarnição e de policia, que desde o começo da guerra pesa sobre ella. Seria
injustiça si o não fizesse; é ella aqui, como em todas as províncias, credora da gratidão
nacional. (CARVALHO, 1870, p.25)
Considerações Finais
- 382 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
E por fim, foi levantado a discussão sobre a Guarda Nacional do Paraná, onde
vemos que ela tinha homens menos abastados socialmente e agrícolas cumprindo suas
funções e que durante a Guerra do Paraguai ela desenvolveu funções variadas.
Referências
CASTRO, Jeanne Berrance de. A milícia cidadã: a guarda nacional de 1831 a 1850.
São Paulo. Nacional. 1977.
- 383 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
RÉMOND, René. Por uma história política. 2ed. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2003.
- 384 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Resumo: Esta comunicação pretende mostrar, segundo Hannah Arendt, que nos
séculos XVII e XVIII era lento o desenvolvimento dos Estados-nações e o mesmo se
processava sob a tutela dos monarcas absolutos. Muitos judeus emergiram
individualmente do anonimato marginalizador para posições atraentes e quase sempre
influentes de judeus da corte, que financiavam os negócios do Estado e administravam
as transações financeiras dos seus soberanos. Poucos judeus eram atingidos com essas
modificações em geral e a grande maioria continuavam a viver dentro dos antigos
padrões do feudalismo. Assim, o objetivo do trabalho é analisar que após a Revolução
Francesa, que alterou radicalmente as condições políticas de todo o continente
europeu, surgiram Estados-Nações no sentido moderno, cujas transações comerciais
exigiam muito mais capital e crédito do que jamais dispuseram os judeus da corte.
Percebe-se então que as novas e maiores necessidades governamentais só poderiam
ser satisfeitas com a fortuna combinada dos grupos judeus mais ricos da Europa
ocidental e central. O que iniciará o processo de assimilação e do imperialismo no
continente europeu.
Em sua obra: Arendt, A guide for the perplexed, Karin A. Fry diz que o
antissemitismo e o Imperialismo decreveram os fatores que cristalizaram quando do
florescimento de uma atitude racista na Europa de começos do século XX. Para Fry -
e aqui estamos de acordo - Arendt está particularmente interessada em esboçar a
história dos elementos que tornaram possível a emergência da nova formação política
do totalitarismo:
- 385 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 386 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
“Assim, num século em que cada classe e cada segmento da população eram
dominados por interesses próprios, o interesse da nação como um todo era
supostamente garantido pela origem comum, que encontrou sua expressão
sentimental no nacionalismo”. (ARENDT, 1989, p.262)
- 387 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 388 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
e reis feudais antes do Estado nação também necessitavam de renda, e até mesmo de
crédito, mas apenas para fins específicos e operações temporárias. Esses monarcas
absolutos antes cuidavam de suas necessidades financeiras pelo velho método de
guerra e pilhagem, e em parte pelo sistema de monopólio de impostos, o que poderia
destruir seu poder, pois atingia as fortunas da nobreza e despertava hostilização por
parte da população.
Antes dos editos de emancipação, cada casa principesca e cada monarca da
Europa, já possuía um judeu da corte para administrar as finanças. Durante os séculos
XVII e XVIII, esses judeus eram sempre indivíduos isolados que mantinham conexão
intereuropeia e dispunham de fontes de crédito na Europa mas não constituíam
entidade financeira internacional. Os judeus individualmente e as primeiras pequenas
ricas comunidades judaicas dispunham de poder elevado que se permitiram abordar
com maior relevância não só as discussões sobre seus privilégios, mas também sobre
o direito de obtê-las, em contrapartida as autoridades dos Estados abordavam e se
referiam de maneira cuidadosa a importância dos serviços que os judeus prestavam ao
Estado.
Hannah Arendt nos aponta que até fins do século XVIII nenhuma das camadas
ou classes da sociedade tinha o desejo ou estava disposta a tornar-se classe governante,
ou seja, identificar-se com o governo como a nobreza havia feito durante o período
monárquico absolutista que perdurou nos séculos anteriores. Para ela, o fato de a
monarquia não ter conseguido encontrar uma classe que substituísse a aristocracia
dentro da sociedade levou ao rápido desenvolvimento do Estado nação e à presunção
de que este sistema estivesse acima de todas as classes, independente da sociedade e
com sua pluralidade de interesses particulares que a perfaziam. O sistema do Estado
nação aprofundou a brecha entre Estado e sociedade e a estrutura política da nação
repousava nesta brecha. Conclui Arendt que: sem essa brecha não seria nem necessário
nem possível incluir os judeus na história europeia em termos de igualdade.
(ARENDT, 1989)
O Estado, ao falhar na tentativa de ter uma das classes como representantes,
passou a se dedicar como poderosa empresa comercial. O crescimento dos negócios
estatais foi causado pelo conflito entre o Estado e as forças financeiramente poderosas
da burguesia, que preferiram dedicar-se ao investimento privado, e evitando a
intervenção no e do Estado.
Para Arendt, é neste momento um dos mais cruciais para o entendimento do
porque as comunidades judaicas e o judeus da corte são tão importantes para o
desfecho catastrófico de tudo que virá desta aliança. Ela nos aponta que:
- 389 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 390 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Como seu vestígio, entre os judeus permaneceu a inclinação por títulos aristocráticos
(especialmente na Áustria e na França) e, no tocante aos não judeus, uma espécie de
anti-semitismo liberal, que colocava judeus e nobreza num mesmo nível, por alegar
que ambos se aliavam financeiramente à burguesia em ascensão. Esses argumentos,
correntes na Prússia e na França, eram plausíveis antes da emancipação geral dos
judeus, pois os privilégios dos judeus da corte realmente se assemelhavam aos direitos
e às liberdades da nobreza; os judeus demonstravam o mesmo medo da aristocracia
de perder os privilégios, e usavam os mesmos argumentos contra a igualdade de todos.
(ARENDT, 1989, p.40)
- 391 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Referências
- 392 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Resumo: Pode-se afirmar que uma das principais contribuições do filósofo austríaco
Ludwig Wittgenstein seja a sua concepção do método filosófico enquanto a busca da
dissolução de problemas gerados pela linguagem, através do esclarecimento das
estruturas presentes na própria linguagem. Realiza-se uma representação perspícua, a
qual permite ao investigador desemaranhar os “problemas filosóficos”, segmentos de
nossa linguagem que são fontes de confusões conceituais. Partindo dessa concepção,
é possível readequar as diversas investigações da Filosofia de modo a nos fornecer
respostas verdadeiramente satisfatórias, inclusive nas questões referentes à Política.
Desse modo, o presente trabalho irá demonstrar como o conceito de “imagem”
(paradigma proto-teorético que constituiu a base de teorias filosóficas sofisticadas e de
juízos de agentes presentes na sociedade), presente na chamada “segunda fase” de
Wittgenstein, constitui um instrumento teórico importante para a compreensão da
formação do pensamento fascista na mente de agentes políticos, por nos permitir uma
representação perspícua do paradigma em que estas ideias se desenvolvem nos juízos
dos indivíduos, possibilitando, assim, sua verdadeira dissolução.
- 393 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 394 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
2000). Jogamos luz sobre os problemas que atormentam a nossa mente, entendendo
nossas formas de representação, nossos modos de ver as coisas (WITTGENSTEIN,
1996, p. 67) e, ao contrário de produzir novos conceitos que apenas complicariam o
emaranhado, simplesmente rearranjamos as peças ao nosso dispor, permitindo que o
problema se dissolva sozinho:
“Estes problemas [filosóficos] não são empíricos, mas são resolvidos por meio de um
exame do trabalho de nossa linguagem e de tal modo que seja reconhecido: contra o
impulso de mal compreendê-lo. Os problemas são resolvidos não pelo acúmulo de
novas experiências2, mas pela combinação do que já é há muito tempo conhecido”
(WITTGENSTEIN, 1996, p. 65)
Imagem de mundo e 3
inglesa, o termo “aspect” possui um sentido duplo: refere-se tanto às características exteriores
do objeto observado, quanto ao ponto-de-vista do sujeito observador; este último sentido é o
utilizado por Owen em seu texto. Desse modo, uma possível tradução para aspectival captivity
seria “aprisionamento do ponto-de-vista”. Por ser uma tradução inexata, preferimos manter o
termo em inglês ao longo do texto, com o intuito de preservar seu sentido original.
- 395 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
consciente” é uma tradução imprecisa, visto que perde a característica construtiva da original:
“become minded” refere-se à construção de nosso aparato mental a partir da aquisição da
linguagem, com toda a herança advinda dela.
- 396 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
140. We do not learn the practice of making empirical judgments by learning rules: we
are taught judgments and their conexion with other judgments. A totality of judgments
is made plausible to us.
141. When we first begin to believe anything, what we believe is not a single proposition,
it is a whole system of propositions. (Light dawns gradually over the whole.)
142. It is not single axioms that strike me as obvious, it is a system in which
consequences and premises give one another mutual support. (WITTGENSTEIN,
1969, p. 21)
147.The picture of the earth as a ball is a good picture, it proves itself everywhere, it is
also a simple picture - in short, we work with it without doubting it.
(WITTGENSTEIN, 1969, p. 22)
- 397 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
do trabalho de nossa linguagem e de tal modo que seja reconhecido: contra o impulso
de mal compreendê-lo” (WITTGENSTEIN, 1996, p. 65), como verificamos na
introdução. Em seguida, como é típico de seu método, expõem uma afirmação que
encapsula o problema discutido: “A linguagem (ou pensamento) é algo único”. O
problema não se encontra na afirmação em si - em nenhum momento ele discute se
ela é ou não verdadeira - mas sim no efeito que ela produz em nosso pensamento.
Trata-se de uma superstição, criada por nossas ilusões gramaticais. Quando estamos
presos à essa superstição, à essa imagem, incapazes de compreendê-la como tal,
acreditamos, com nossas investigações, “seguir sem cessar o curso da natureza, mas
andamos apenas ao longo da forma através da qual a contemplamos” (1996, p. 65). Tal
aprisionamento nos causa inquietações: quando a realidade entra em conflito com
nossa imagem de mundo, dizemos “Não é assim!”, “É preciso que seja assim!”, com
intuito de conformá-la às bases do nosso pensamento, ao nosso chão.
É possível encontrar na História da Filosofia exemplos de como a aspectival
captivity pode limitar nossos juízos, mesmo quando realizamos análises embasadas
empiricamente. Tomemos o exemplo de Aristóteles em A Política. Para o leitor
contemporâneo, o texto do Estagirita pode parecer, à princípio, extremamente
problemático: sua defesa da escravidão, da superioridade do homem sobre a mulher e
da extinção de qualquer heterogeneidade dentro da sociedade civil podem parecer
meras afirmações árbitrárias, representantes do interesse da elite aristocrática ateniense.
Porém, isso muda se lembrarmos que, além de uma obra crítica, A Política é também
uma obra descritiva. Descrito por ele próprio na Introdução do livro, o método
aristotélico consiste na análise criteriosa dos elementos decompostos do objeto de
estudo (ARISTÓTELES, 1991). Desse modo, quando ele afirma que os escravos,
assim como os animais, são seres que “não participam de forma alguma da felicidade
pública, nem vivem conforme suas próprias vontades” (1991, p.45), ele não está
partindo de um juízo de valor, mas sim de uma análise precisa dos elementos da
sociedade ao seu redor: na sociedade ateniense daquela época, essa era a condição do
escravo. Seu único erro é não enxergar que tal fato não corresponde à perfeição da
natureza. Aristóteles está preso na imagem de mundo de que a observação empírica
representa a verdade absoluta, a perfeição natural, e não apenas uma simples
observação.
Bobbio, em um de seus ensaios publicados em Jusnaturalismo e Positivismo Jurídico
(2016), intitulado Natureza e função da filosofia do direito, expõe como a concepção da
filosofia do direito enquanto filosofia aplicada foi prejudicial para o desenvolvimento
da disciplina. Em um de seus exemplos sobre os malefícios dessa transposição
impensada de soluções da filosofia para o direito, ele diz:
Não saberia dizer quanto mal fez a Kelsen ter “flertado” com o neokantismo no início
de seus estudos, o que o induziu a considerar o sollen (...) como uma categoria
transcendental de nosso conhecimento, e acabou por despertar-lhe algumas
- 398 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
dificuldades das quais permaneceu prisioneiro até as últimas obras (BOBBIO, 2016,
p. 59)
Vemos aqui, novamente, o quanto a aspectival captivity pode ser limitadora para
o desenvolvimento dos juízos de um agente. Segundo Owen, nesse tipo de coação
imaterial o indivíduo não consegue aferir o valor de sua imagem de mundo, porque
enxerga ela como a única existente, ou melhor, não tem consciência dela. Esse ponto
é fundamental: sob a aspectival captivity, o indivíduo não pensa que a única imagem
possível é aquela a qual ele está preso; ele, na verdade, falha em enxergar a possibilidade
da possibilidade de outras imagens, por isso entende sua imagem como a única forma
de enxergar o mundo e não consegue aferir o seu valor, a capacidade dela de guiar sua
autonomia.
Para nos acercarmos do tema principal da presente discussão - apesar de o
exemplo de Aristóteles já nos oferecer um pequeno vislumbre - iremos nos afastar um
pouco da filosofia e nos aproximarmos do cinema, para compreender como a aspectival
captivity pode limitar a autonomia política dos agentes em uma sociedade, levando-os
ao fascismo. Em Metropolis, filme alemão de 1927, dirigido por Fritz Lang,
acompanhamos uma cidade fictícia em um futuro distante, marcada por uma profunda
desigualdade social, com uma elite vivendo em arranha-céus luxuosos e uma classe
operária morando no subterrâneo. Numa mistura inovadora entre a estética
expressionista e a futurista, Lang apresenta como o indivíduo pode se ver tomado pelo
maquinário, tendo sua autonomia reduzida a mero apêndice de uma linha de produção
industrial – em uma das cenas mais famosas do filme, o personagem Freder se vê preso
nos controles de uma máquina gigantesca, em um ritmo vertiginoso que o leva à
exaustão física, sem nunca poder parar. Em Metropolis, a classe trabalhadora se encontra
completamente despida de sua autonomia, existindo apenas como meras engrenagens
da cidade. Porém, ela não é coagida fisicamente a esse estado: em nenhum momento
do filme aparecem forças estatais obrigando os trabalhadores a cumprirem sua rotina,
ou punindo os desviantes. Por que, então, eles seguem nessa rotina? Por que não se
libertam?
A fotografia do filme nos ajuda a entender essa questão. Na abertura do longa,
e em todo o seu percurso, estão presentes diversos planos da cidade: é demonstrada
toda a sua imponência e imensidão, com prédios cujo topo não conseguimos nem
enxergar, com seus limites estendendo-se além do alcance da nossa visão. A cidade é
o único horizonte em Metropolis, e isso tanto geograficamente quanto espiritualmente.
Para a classe trabalhadora, sua imagem de mundo, a paisagem sobre a qual pode
construir seus juízos e suas ações, está completamente ocupada pelos significados
políticos, econômicos e sociais daquela cidade; qualquer tentativa de mudança que não
ataque diretamente essa imagem de mundo está fadada ao fracasso, a apenas delinear
o quadro do objeto, sem nunca atingi-lo. Desse modo, quando uma revolta irrompe
na cidade, os trabalhadores, apesar de vitoriosos, conseguem apenas um acordo
- 399 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
- 400 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Séc. XIX, falecido na metade do Séc. XX, que também publicou, na mesma data, um
livro chamado Investigações Filosóficas, e que também se chama Ludwig Wittgenstein?
Não foi necessário apresentar nenhum documento oficial do Império Austro-Húngaro
para comprovar que estamos falando da mesma pessoa, tomamos esse fato como certo
ao iniciarmos esta discussão. Mesmo aqueles pontos que foram discutidos por extenso
neste texto, como o conceito de imagem de mundo, não passam de acordos tácitos
entre autor e leitor: em nenhum momento minha exposição sobre “imagens de
mundo” apresentou argumentos racionais suficientes para passar pelos três pontos de
validade de Habermas, mas isso não foi empecilho para a continuação racional desta
discussão. Aliás, esta foi a atitude mais razoável. A visão habermasiana de racionalidade
que identifica “razoabilidade” com “dar razões” é mero nonsense disfarçado (TULLY,
1989).
Wittgenstein apresenta pontos semelhantes nas Investigações:
211. “Seja como for que você o ensine a continuar a faixa decorativa, como pode ele
saber como fazê-lo por si próprio?” - Ora, como eu sei? - Se isto significa: “tenho
razões?”, então a resposta é: logo não terei mais razões. E agirei então sem razões
(1996, p. 95)
(...)
217. “Como posso seguir uma regra?” - Se isto não é uma pergunta pelas causa, é
então uma pergunta pela justificação para o fato de que eu ajo segundo a regra assim.
Se esgotei as justificações, então atingi a rocha dura e minha pá entortou. Estou então
inclinado a dizer: “é assim que eu ajo”.
(Lembre-se que, muitas vezes, exigimos elucidações não por causa do seu conteúdo,
mas sim por causa da sua forma. É uma exigência arquitetônica; a elucidação é uma
espécie de moldura aparente que nada contém). (1996, p. 96)
- 401 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
intacto, possibilitando que novos castelos de areia sejam construídos, mesmo que estes
tenham sido derrubados racionalmente.
- 402 -
Eixo 5
Estudos Éticos, Sociopolíticos e Jurídicos
Referências
MOORE, Matthew J.. Wittgenstein, value pluralism and politics. Philosophy &
Social Criticism, [S.L.], v. 36, n. 9, p. 1113-1136, 25 out. 2010. SAGE Publications.
http://dx.doi.org/10.1177/0191453710384354.
- 403 -