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Bonaldo, Frederico
ISBN:
1. Filosofia
CDD 100
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SINOPSE
Nesta aula, abordaremos a ética da explicação do comportamento humano de
David Hume. Hume desenvolveu a estrutura da psicologia humana, a fim de explicar
a dinâmica da psicologia da ação e o papel que a razão e as emoções desempenham
nesse processo. Ética de segunda pessoa, a moral humeana destaca a participação
imprescindível do outro na qualificação das ações em morais e imorais.
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Ao final desta aula, espera-se que você compreenda: o que era o empirismo e
como se diferenciava do racionalismo; o que é a ética da segunda pessoa; o papel do
outro na ética humana; a estrutura da psicologia humana; a dinâmica da psicologia
da ação; o que move o ser humano; como alguém pode analisar suas ações.
Introdução
Antes de iniciarmos o conteúdo desta aula, gostaria de relembrar as cinco
grandes correntes que serão trabalhadas até o final do curso:
1) A Ética das Virtudes;
2) A Ética do Dever;
3) A Ética da Coordenação Social;
4) A Ética da descrição do Comportamento Humano;
5) A Ética da Utilidade ou Utilitarismo.
Chegamos, portanto, à quarta corrente, a Ética da descrição do
comportamento humano, a ética de David Hume.
O empirismo e o racionalismo
David Hume era um filósofo escocês, que nasceu em 1711 e faleceu em 1776.
Ele foi o expoente máximo de uma escola de filosofia chamada empirismo. A filosofia
moderna tem duas escolas, paralelas no tempo. Uma delas é o racionalismo, que tem
início com René Descartes. A outra, o empirismo.
O empirismo teve início com Francis Bacon, que viveu entre 1564 e 1626. A
essa escola de pensamento também pertenciam Thomas Hobbes, John Locke,
George Berkeley e, é claro, David Hume. Este é o suprassumo do empirismo, sendo
o mais radical de todos seus adeptos.
Posteriormente, Immanuel Kant buscou conciliar as duas linhas filosóficas, o
racionalismo e o empirismo. A filosofia de Kant, conhecida como filosofia
transcendental, acaba tendo uma série na própria Alemanha, a qual estava na época
do romantismo literário, artístico, recebendo muitas influências, e terminam por fundar
a última linha filosófica da Idade Moderna, que se chama idealismo. O idealismo
alemão tem como principais representantes o Johann Gottlieb Fichte (1762-1814),
Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (1775-1854) e o Georg Wilhelm Friedrich
Hegel (1770-1831). Hegel declarou terminada a filosofia por já haver dito tudo que
tinha que ser dito. Posteriormente, há as reações ao Hegel como Kierkegaard e à
idade moderna como um todo, caso do Nietzsche. Usufruindo de muito sucesso até
hoje, Nietzsche esmigalhou a filosofia moderna.
O empirismo, portanto, é a corrente na qual se insere o David Hume, que faz
essa ética como explicação ou como descrição do comportamento humano. O
empirismo se opunha, de certo modo, ao racionalismo contemporâneo a ele. O
racionalismo de Spinoza, de Descartes, Malebranche e de Leibniz. O empirismo tinha
uma maior preocupação com a teoria do conhecimento humano e com a filosofia
social sobre o Estado do que com questões metafísicas, sendo estas o alvo de
preocupação maior dos racionalistas. Outra diferença significativa entre essas duas
escolas é que o empirismo adotava como método de investigação, de pesquisa, a
experiência sensorial, a experiência sensível, ao passo que o racionalismo adotava o
chamado apriorismo matemático, ou seja, a concepção de que os seres humanos
nascem com ideias inatas prévias à experiência sensível, sensorial. Para os
empiristas, o ser humano nasce como uma mesa vazia, ou seja, quando um indivíduo
humano nasce, sua mente não tem nenhuma ideia. É com a experiência sensível que
estas vão sendo adquiridas. Assim, a priori não tem nada, só a posteriori que o ser
humano começa a ter ideias.
1
“Tratado da Natureza Humana” é considerado pelos especialistas a principal obra do filósofo empirista escocês
David Hume. O livro, publicado em 1739-1740, foi escrito inicialmente na Inglaterra e posteriormente na França.
A obra é composta de três volumes, os quais foram publicados entre 1739 e 1740.
Pouco mais de dez anos depois, em 1751, Hume lançou outro livro chamado “An
enquiry concerning the principles of morals”, em tradução “Uma investigação sobre o
princípio da moral2”, em que procura explicar, com maior didática, o que já havia
proposto no “Tratado da natureza humana”. Portanto, o que abordaremos acerca da
ética da descrição do comportamento humano de David Hume está contido em ambos
livros.
Nessas duas obras, Hume realiza um giro na filosofia moral, um giro nos
estudos filosóficos sobre a ética. Ele abandona o paradigma do “eu penso” de
Descartes para, a partir desse abandono, desenvolver uma ética com base no “nós
agimos”. O “eu penso” pode pensar muitas coisas falsas, muitas coisas que não
correspondem à realidade, diria o Hume. Ao passo que, ao adotar o “nós agimos”,
estamos falando de algo concreto, algo que é empírico, que o indivíduo vê acontecer.
As pessoas agem. Eu ajo e os outros agem. As pessoas tomam decisões e realizam
ações em seguida. Então, o Hume tenta descrever a ação humana, explicá-la até
onde consegue com esse método empírico, pois ele nunca vai partir para nada
metafísico, para nada além da matéria, além da physis, e não vai usar, nessa
descrição, as categorias de bem e mal.
O teste do sensorial
Hume afirma que categorias de bem e mal, de certo e errado, são ideias que
temos na cabeça. Para saber se uma ideia que temos na cabeça existe na realidade,
precisamos nos perguntar: alguma vez os meus sentidos externos, a visão, o olfato,
a audição, sentiram essas ideias? Alguma vez eu pude olhar, cheirar, ouvir, degustar,
tocar, bem ou mal? Não? Então eu devo descartar essas ideias. Depois, por questões
de convenção, o Hume acaba usando essas palavras, bem e mal, virtude e vício, mas
sempre associadas a experiências sensíveis, sempre sobre o crivo da experiência
sensorial.
2
Segundo o autor, o homem é um ser racional que tenta fundamentar todas as suas atividades na razão, entre
elas a busca do conhecimento e do aprimoramento moral.
Para o David Hume, o lugar da nossa consciência, do nosso conhecimento de
nós mesmos, do conhecimento do que nos cerca e das nossas certezas, não é o
nosso pensamento. O lugar da nossa consciência e das nossas certezas é a nossa
prática. É a nossa prática, porque está ligada à nossa experiência sensível. Não a
outro tipo de conhecimento se não o conhecimento sensível. Não há o conhecimento
propriamente abstrato, intelectual. O conhecimento intelectual existe, porém é frágil,
é precário. O conhecimento sensível que passa pelo tato, pela visão, pelo olfato, pela
audição, esse sim é claro, é seguro. É o contrário do racionalismo. Descartes afirma
que o conhecimento intelectual é que não enganoso, ao passo que o conhecimento
sensível é enganoso. Então, há essa diferença basilar entre as duas linhas filosóficas
da modernidade.
A ética, em Hume, vai se tornar uma ciência explicativa e descritiva do
comportamento humano e não vai recorrer em nenhum momento à metafísica, porque
o empirismo julga impossível que haja alguma realidade que não seja material, física,
além da física, e muito menos à religião, porque a religião trata de Deus, dos anjos,
eventualmente, a depender da religião, dos santos, da alma. Realidades imateriais.
De acordo com o critério do empirismo, se não podemos ter certeza desses
elementos, porque os nossos sentidos nunca os perceberam, temos descartar essas
ideias, pois são enganosas.
Vícios e virtudes
A partir do ponto de vista moral do espectador, segundo Hume, conseguimos
avaliar quais condutas nossas são aprováveis ou reprováveis, mas não só nossas
próprias condutas como também as condutas alheias, as condutas dos outros. É
possível transpor esse juízo para o comportamento das outras pessoas. O critério
dessa avaliação, quais ações são aprováveis ou reprováveis, é empiricista também,
é sensorial. É o sentimento de satisfação ou de insatisfação que se experimenta ao
observar as condutas. As condutas aprováveis, ou seja, aquelas que me geram um
sentimento de satisfação, Hume dá o nome de virtudes, porque era um termo usado
há muito tempo no âmbito da ética, da filosofia moral. As condutas reprováveis,
aqueles que fazem com que se experimente um sentimento de insatisfação são os
vícios, que também é uma nomenclatura que já era usado havia muito tempo na
época do Hume. Então, as virtudes são as condutas aprováveis que geram um
sentimento de satisfação.
A obrigação moral
Em um trecho que veremos a seguir, constante em “Tratado da Natureza
Humana”, Hume tenta explicar o que é uma obrigação moral. Muitas vezes,
declaramos que temos obrigação moral de adotar certa conduta. Hume vai contra
essa nossa intuição ao afirmar:
“Toda moral depende dos nossos sentimentos e quando uma ação, ou até
mesmo uma qualidade da mente, nos agrada de certo modo, dizemos que é virtuosa.
Por outro lado, quando experimentamos um desprazer de tipo análogo, quando
descuramos ou não realizamos uma ação determinada, dizemos que temos a
obrigação de realizá-la.”. Em resumo, a obrigação moral, para o Hume, é o nome que
damos ao incômodo que sentimos quando não fazemos determinadas ações. Essa
sensação incômoda se chama obrigação moral. Ou seja, a obrigação moral é só
negativa. Ela é só incômoda.
Muitas vezes, sentimo-nos impelidos por obrigações morais, por dívidas
morais para com os outros, com alegria, sabendo que vamos retribuir a alguém algo
bom que nos fez. Claro que, muitas vezes, sentimos isso de forma negativa. Mas,
para o Hume, é só negativa.
Pergunta: também já está na palavra, a obrigação de ter de fazer isso, não é algo
deliberado?
A palavra obrigação vem do obligatio, no latim, que significa uma ligação
que tenho com alguém. E por causa dessa ligação, eu tenho de manter um
relacionamento com essa pessoa. Mas isso não é algo que venha de fora, é algo que
o indivíduo percebe. Vem de dentro do indivíduo. É justamente uma palavra cujo
significado foi sendo deturpado. Ouvimos falar de obrigação, de dever, e temos uma
concepção, uma impressão negativa em relação a essas palavras, como se fosse
algo não espontâneo, que fosse algo não prazeroso, não gratificante. Outras palavras
sofreram o mesmo processo. A palavra prudência. Hoje, quando aconselhamos uma
pessoa a ser prudente, estamos, na verdade, dizendo para que seja cautelosa, seja
precavida. No entanto, a prudência vai muito além disso. Faz parte da prudência ser
uma pessoa sagaz. Uma pessoa sagaz é aquela que sabe decidir de maneira
acertada e com rapidez. Então, a precaução, a cautela, faz parte da prudência, mas
junto com a sagacidade. Uma pessoa prudente é uma pessoa que pensa antes de
agir, mas age rápido e pensa rápido, portanto. O prudente não é aquela pessoa que
anda sempre indecisa. O amor e a ideia de amor também. Hoje, o amor acaba quando
acaba o sentimento. O sentimento de satisfação de estar ao lado de uma pessoa
terminou porque eu já me acostumei, os defeitos da pessoa me incomodam, etc.,
então dá-se por terminado o amor. Aí as pessoas se separam. O sentimento de
satisfação, de gratificação de estar ao lado de alguém, pode acabar, e normalmente
acaba, porque todas as pessoas são iguais, ou seja, não são grande coisa. Todos
nós sabemos que não somos o suprassumo, e não existe ninguém que seja. O
sentimento de gratificação, por viver ao lado de alguém, acaba mesmo. O amor é a
decisão livre de continuar ao lado daquela pessoa mesmo após o fim do sentimento
de gratificação. Esse é o conceito originário de amor. É doação. É doar-se. É entregar-
se a alguém, mesmo após o sentimento acabar. Inclusive, esse ato de doação, após
o fim do sentimento de gratificação, é que pode trazer de volta o sentimento. Existe
um místico do século de ouro espanhol, João da Cruz (1542 - 1591), que afirmava
“onde não há amor, ponha amor e tirarás amor”. Ou seja, quando sentires a paixão
que costuma acompanhar o amor, continua amando, continua entregando-te e aí, a
paixão que acompanha o ato de entregar-se, voltará.
3
Um imperativo categórico é um mandamento absoluto, que não tem exceção.
4
Um imperativo hipotético é aquele que admite exceção. Os imperativos hipotéticos só são válidos dentro de
certas circunstâncias, dada uma certa hipótese.
3) As virtudes e os vícios são amplamente concebidos como Hume os
pensou. Desejos que se concretizam em condutas aprováveis ou
reprováveis pelos observadores. Deste modo, as virtudes podem entrar
em conflitos irresolúveis, porque os observadores podem divergir a
respeito de sua aprovação.
É lógico que podem entrar. Pensemos em um caso concreto: qual o limite do
humor? Podemos pensar nesses casos que envolvem artistas ou comediantes e
outras pessoas que são atingidas pelas piadas que fazem. Tem-se, por um lado, o
direito à liberdade de expressão humorística e, por outro, o direito à honra, o direito à
vida privada, etc.. Tanto um como outro são considerados pela nossa sensibilidade
atual como algo virtuoso. No entanto, entram em conflito, muitas vezes.
4) A justiça entendida como imparcialidade pode ser incompatível com
outras virtudes que Hume considerava necessárias, como a fidelidade
a pessoas e a compromissos assumidos [continua]
A justiça entendida como imparcialidade é própria das tradições éticas
kantiana, utilitarista e dos replicadores de Hobbes nos dias de hoje, os neo
contratualistas, como John Rawls e Jürgen Habermas. A justiça como imparcialidade
tem que aceitar aquilo que foi convencionado socialmente. Mas, se obedecermos
aquilo que foi convencionado socialmente, muitas vezes, deixaremos de ser fiéis a
algumas pessoas ou a alguns compromissos assumidos. Se positivado e
convencionado socialmente que se pode cometer eutanásia a pedido de qualquer um,
como acontece em alguns países, o médico que fez o juramento hipocrático de
preservar a vida sempre, e seguir a lei, aplicando a eutanásia em uma pessoa que a
está pedindo, vai estar contrariando esse juramento hipocrático que é um
compromisso que ele assumiu. Apenas para dar um exemplo.
[continuação] De todo modo, na atualidade, procura-se estabelecer uma justiça
baseada em convenções sociais fragmentadas, estabelecidas por várias grupos de
cidadãos comuns, e não por aquelas poucas pessoas que participam dos pactos e
discursos que pretendem valer para a sociedade como um todo. É o que se chama
de multiculturalismo ou de pluralismo ético.
Há muitas culturas morais hoje, múltiplas, e as éticas, as morais, são plurais.
Não existe mais uma ética singular que todos aceitam. Como se tivesse havido
alguma vez na história. Sempre há uma ética predominante. A ética predominante
hoje, ao meu modo de ver, é a de garantir que exista a paz e cada um possa usar um
pouco da sua liberdade obedecendo às regras socialmente instituídas. A ética
imperante nos dias de hoje é a ética tipicamente hobbesiana. O multiculturalismo é
inevitável e o pluralismo ético também, porque tudo depende do sentimento, tudo
depende das paixões, tudo depende do agrado e do desagrado, que é a base do
Hume.
Eu forneço um contraexemplo. Lógico, isso é pequeno, mas, de qualquer
maneira, pode fazer com que pensemos. Eu tenho um amigo professor de filosofia,
muito competente, foi dar uma palestra para estudantes de medicina da Universidade
Federal de Minas Gerais, há anos. Nessa palestra, ele mencionou o Jérôme Lejeune,
que foi um médico geneticista francês, responsável por descobrir a causa
cromossômica da Síndrome de Down. Lejeune era contrário ao aborto e esse meu
amigo mencionou isso e prosseguiu com a palestra. Ao final da aula, uma das
ouvintes era uma estudante de medicina indígena, tinha saído de uma tribo e tinha
ido cursar medicina na federal de Minas. Essa estudante expôs que o que ele havia
dito sobre o Jérôme Lejeune a havia tocado, não pela questão propriamente do
aborto, mas pela questão do infanticídio. Ele perguntou a ela por quê. Ela afirmou: o
senhor pode perceber que eu sou indígena. Eu fui criada em uma tribo. Eu ia para
escola, mas eu vivia segundo os costumes da minha tribo. Dentre estes costumes,
está o costume do infanticídio. Se uma criança nasce defeituosa, essa criança é
morta. Esse meu amigo questionou por que isso acontece, qual a gênese dessa
prática, por que a criança defeituosa é morta? Essa estudante respondeu que essas
crianças são mortas porque, antigamente, como as tribos eram nômades, estavam
sempre mudando de lugar, tendo que transpor obstáculos naturais para isso, etc.. A
pessoa que tivesse defeitos físicos sofreria muito nessas mudanças. Então, por uma
motivação de piedade para com essa criança, esta era morta ao nascer. Esse meu
amigo disse que era compreensível que este gesto era motivado pela piedade, não
pela crueldade. Ele indagou: você me disse que a sua tribo era nômade? E a
estudante respondeu com uma confirmação, partilhando que há muitas décadas sua
tribo deixou de ser nômade. Meu amigo perguntou: e se fosse disser para eles, você
relembrar para os chefes da tribo, que as circunstâncias mudaram e que vocês
poderiam abandonar o infanticídio dos defeituosos, pois há maneira de cuidar dessas
crianças e tal? A estudante afirmou: eu nunca tinha pensado nisso professor. E, de
fato, temos assembleias periódicas na tribo, e eu acho que essa ideia vai ser aceita,
até porque como eu estou fazendo medicina, eles me olham com outros olhos.
Eu não sei qual o desfecho dessa história, mas eu a acho interessante porque
costumamos afirmar que os índios têm uma moral completamente diferente da nossa,
mas não é tão diferente assim. Por razões de misericórdia e de piedade, podemos
não matar as crianças defeituosas. Por outro lado, eles, por razão de piedade e de
misericórdia, matam essas crianças defeituosas. Quer dizer, podemos chegar a um
entendimento. Pode haver uma tradução de uma prática moral de uma certa tradição
para outra, e vice-versa. Essa ideia da incomunicabilidade absoluta entre as éticas
plurais, as morais plurais, talvez não seja muito verdadeira.
PERGUNTAS
1) Você mencionou que Hume descarta as idéias de bem e mal porque elas são
intangíveis, são contra o empirismo, pois você vivencia o bem e o mal, mas
não consegue tocar neles. Eu estava lendo um texto que falava justamente
sobre como os seres humanos, hoje em dia e sempre, foram regidos pelo
nosso corpo, uma vez que temos hormônios e estes regem as nossas ações,
que são basicamente nossas paixões. E que não podemos falar o que é bem
ou mal. Bem ou mal é como denominamos algo que sentimos dentro de nós
mesmos. Então, não é algo real. O que pode ser bem para mim pode não ser
bem para o outro.
Eu te respondo com aquilo que eu aprendi da ética clássica, de Aristóteles e
Tomás de Aquino. De fato, isso acontece, as nossas paixões e sentimentos são o
princípio da nossa vida moral. Por isso que uma ética que não leve em conta os
sentimentos, as paixões, os impulsos, não é uma ética verdadeira, pois não está
dando conta da realidade. No entanto, uma vez que nós aceitamos que a nossa
inteligência é capaz de conhecer, cada vez mais, a verdade sobre nós mesmos e
sobre as coisas fora de nós, e, consequentemente, saber o que é verdade e o que é
falso nessas coisas, que do ponto de vista da ética se chama bem ou mal, o
verdadeiro é o bem, o falso é o mal, isso pode ser o critério para direcionar as paixões
para um lado ou para o outro. Para fazer uma imagem gráfica: o ser humano seria
uma carroça puxada por cavalos potentes, puro sangue, com um cocheiro segurando
as rédeas. Esses cavalos puro sangue vão fazer com que a carroça ande são as
nossas paixões. E o cocheiro, com as rédeas, é a nossa razão. Vamos supor que
tenha um arado atrás para sulcar o campo para, depois, fazer plantio. Se tem os
cavalos puro sangue, poderosos e fortes, puxando a carroça e, consequentemente, o
arado, vai sulcando a terra na direção que o cocheiro vai dando, está-se potenciando
as paixões, não as está suprimindo. Você está direcionando-as.
Nessa metáfora, os juízos morais são a consideração do que é bom e do que
é mau aqui e agora.
Comentário: achei também muito interessante o que Hume falou sobre os ateus e
pagãos em relação aos cristãos, porque hoje muitas pessoas realmente só cumprem
o que está na bíblia por medo da punição.
Nas religiões, existem as punições, assim como na vida civil. As sanções do
código penal são todas punitivas. As punições servem, não como origem do bem e
do mal, mas para garantir que se faça o bem e se evite o mal. É uma garantia, mas
isso não anula a liberdade humana, nem para fazer o bem nem para fazer o mal.
Pensemos o código penal: no art. 121, está escrito que matar alguém é punido com
6 a 20 anos de reclusão. O fato de existir a possibilidade de o indivíduo ser preso se
matar alguém, que não seja por legítima defesa, não faz com que, necessariamente,
um indivíduo deixe de matar livremente as pessoas, ainda que exista essa sanção.
Na religião, analogamente, vale a mesma coisa. Existe a sanção do inferno. Existe a
sanção da tristeza nessa vida, se você vive uma vida de pecado. Agora, não é porque
existem essas sanções previstas, que o indivíduo necessariamente vai ver bem por
medo a essas sanções, a essas punições. Pode ser que o indivíduo as viva porque
está convencido de que aquelas práticas realmente te fazem feliz. Podemos fazer o
bem livremente e de maneira positiva, ainda que exista uma sanção para quem não
o faça.