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A lei de Deus no mundo moderno

A relevância contínua da Lei do Antigo


Testamento

Kenneth L. Gentry, Jr.


©1993, de Kenneth L. Gentry, Jr.
Título do original: God’s Law in the Modern World: The Continuing Relevance of Old
Testament Law
edição publicada pelo
Institute for Christian Economics
(Tyler, TX, EUA)

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por

Editora Monergismo
Caixa Postal 2416
Brasília, DF, Brasil ─ CEP 70.842-970

Sítio: www.editoramonergismo.com.br

1ª edição, 2008

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto


Revisão: Lucas Grassi Freire
Capa: Raniere Maciel Menezes

PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS,


SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.

Todas as citações bíblicas foram extraídas da


versão Almeida Corrigida e Fiel
salvo indicação em contrário.
Sumário
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA
PREFÁCIO
CAPÍTULO UM: Introdução
Meu antigo dispensacionalismo
Minha conversão à ética teonomista
Meu desapontamento com objeções
A PCA e a ética teonomista
O que é teonomia?
CAPÍTULO DOIS: A essência da Lei de Deus
A natureza da Lei
O propósito da Lei
CAPÍTULO TRÊS: O Senhor Jesus Cristo e a Lei de Deus
Cristo afirmou expressamente a Lei
Cristo ensinou enfaticamente a relevância da Lei
Cristo endossou a função civil da Lei
Cristo guardou perfeitamente a Lei
Cristo nos salvou em termos da Lei
CAPÍTULO QUATRO: O Novo Testamento e a Lei de Deus
O Novo Testamento confirma expressamente a Lei
Os mestres no Novo Testamento usam a Lei no ensino
A conduta cristã é baseada na obediência à Lei
A pregação do Evangelho depende da Lei de Deus
CAPÍTULO CINCO: Supostas passagens negativas
Uma análise das passagens
CAPÍTULO SEIS: O escopo mundial da Lei de Deus
A ética teonômica e as nações
CAPÍTULO SETE: Os benefícios práticos da ética teonomista
Benefícios bíblicos
Benefícios públicos
Benefícios pessoais
Conclusão
Sobre o autor
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA

“Mas isso é o que o Velho Testamento dizia! Vivemos nos tempos do Novo
Testamento!” – Essa é a reclamação de muitos cristãos diante de qualquer
sugestão que deveríamos nos conformar a algum requerimento da lei de
Deus, dizia o dr. Greg L. Bahnsen em 1985, no prefácio ao seu excelente
livro By This Standard.[1] O cenário ainda é o mesmo, senão pior.
É irônico que, embora a correta afirmação que “a Bíblia é a nossa
regra de fé e prática” tenha se tornado quase um jargão no meio evangélico,
essas mesmas pessoas negam a aplicação dessa verdade nos diversos
contextos da experiência humana. Pensam que os conselhos de Deus são
eficazes, oportunos e dignos de atenção apenas no que concerne à igreja e, no
máximo, à vida privada do cristão, enquanto que nas demais áreas devemos
seguir o “senso comum”. Mas se a Palavra de Deus não tem autoridade
universal, como podemos julgar algo, seja o que for, como certo ou errado?
Qual padrão escolheremos para emitir juízo?
Com efeito, infelizmente, só uma pequena minoria de cristãos aceita
as implicações totalizantes da doutrina de que Deus é o Senhor de todas as
coisas. Alguns dirão que a razão autônoma consegue lidar com a ética de
maneira satisfatória. Mais ainda, dirão que a razão autônoma é capaz de obter
conhecimento completo nas ciências especiais. Dirão que a razão autônoma é
capaz de prover um padrão estético adequado. Todavia, essa separação entre
o mundo da razão e o mundo da religião, ou a distinção entre “natureza” e
“graça” foi quebrada com a formulação do pensamento reformado ao longo
do tempo. Não há neutralidade religiosa no raciocínio. Não existe razão
autônoma. As pessoas podem se submeter ao senhorio de Cristo sobre todas
as coisas ou podem rejeitá-lo parcial ou completamente. Em todo caso, trata-
se de uma escolha que reflete uma relação pessoal com Deus. Uma relação de
obediência ou de desobediência.
Sendo esse o caso, cabe ao cristão buscar a obediência a Cristo em
cada área de sua vida. Uma cosmovisão cristã não é resultado mecânico de
uma vida convertida. Deve ser buscada ativamente, como parte do processo
de santificação. Seguindo a prática histórica e o pensamento de Calvino, a
experiência dos primeiros puritanos que se instalaram no Novo Mundo e a
formulação teológica de outros pensadores reformados, o Rev. Dr. Kenneth
Gentry apresenta, aqui, de uma maneira concisa, um resumo do ensino
reformado sobre a relevância da Lei de Deus para os tempos atuais. Ao invés
de discutir todas essas influências, no entanto, Gentry focaliza a discussão na
unidade da Palavra de Deus à luz da história redentiva. O resultado não é o
cristianismo prático covarde que tem prevalecido, segundo o qual a igreja
nada tem a fazer a respeito dos “assuntos ordinários” da vida. Pelo contrário,
a idéia emergente deste esforço didático é um convite à prática da missão
cristã de colocar em ação a doutrina de que Deus é o Senhor de todas as
coisas, inclusive das coisas do dia-a-dia.
Agradecemos ao Rev. Dr. Kenneth Gentry que, sabendo da
importância da Lei de Deus para a nossa sociedade brasileira, permitiu a
tradução e publicação deste livro em nosso idioma. Concordamos com J.
Gresham Machen, quando disse que “uma nova e mais poderosa proclamação
da lei de Deus é talvez a maior necessidade dos nossos dias”. Que esse livro
seja o passo inicial para que isso se concretize no nosso país.

Felipe Sabino de Araújo Neto


Lucas Grassi Freire
PREFÁCIO

Aqueles que promovem a aplicabilidade da Lei de Deus no mundo moderno


são freqüentemente descartados sem serem ouvidos. Duas considerações
pragmáticas tendem a dominar as discussões teológicas sobre a Lei.
De um lado, a defesa da Lei representa um chamado a um
comprometimento radical com a Palavra de Deus em cada área da vida, e isso
está fora de ritmo com o fundamentalismo e o evangelicalismo moderno.
Teologicamente, o fundamentalismo tende a ser tanto pietista (focando-se na
vida pessoal interior e no andar privado do cristão) e escapista (afastando-se
de uma consideração das grandes questões sociais). Por outro lado, o neo-
evangelicalismo tende a ser caprichoso (sendo atraído, lentamente, para a
trilha cultural humanista secular) e ambivalente (muito pronto a
“reinterpretar” a Escritura quando ela é contrária à “ciência” contemporânea).
Aqueles que promovem a Lei de Deus no discurso ético moderno
estão chamando os cristãos a considerar as grandes questões da vida para o
desenrolar histórico, bem como para as questões pessoais do andar cristão
diário. Mas a doutrina dos fundamentalistas de uma vinda de Cristo a
qualquer momento desencoraja tal visão a longo alcance: “Por que polir o
casco de um navio que está afundando?” Proponentes da Lei de Deus
chamam o cristão a considerar não somente as implicações da fé cristã para
as grandes questões de uma cultura cristã, mas também para agir sobre essa
consideração a partir de uma perspectiva bíblica. Mas isso é muito antiquado
e ingênuo para o neo-evangélico. Defensores de uma ética baseada na bíblia
exigem um profundo estudo bíblico e ação comprometida e determinada. E
tudo isso numa era de acomodação.
Além disso, visto que os defensores da Lei de Deus lançam um
clangor de trombeta ao comprometimento cristão em tudo da vida, aqueles
cristãos que não adotam tal ética, naturalmente temem a mesma. Isso porque
quando qualquer posição está à sua direita, então você está à esquerda dela.
Isso é uma fonte constante de embaraço tanto para o fundamentalismo
escapista quanto para o Cristianismo evangélico atual, ambos dos quais
preferem não aparecer na esquerda. No Cristianismo moderno, as grandes
questões culturais simplesmente não são tratadas a partir de uma perspectiva
rigorosamente baseada na Bíblia. Assim, os defensores da Lei de Deus são
marginalizados sem que haja reflexão cuidadosa. Os escritos populares de
Hal Lindsey e Dave Hunt são ilustrações clássicas de tal pietismo impetuoso.
[2] E mesmo a reposta do Seminário Teológico de Westminster ao uso
moderno da Lei de Deus não lida com as questões de maneira adequada.[3]
O propósito deste pequeno livro é introduzir brevemente ao leitor, de
uma forma não-técnica, à justificativa para o uso moderno da Lei de Deus na
ética. A ética que é rigorosamente baseada na Lei de Deus é conhecida como
ética teonomista. Por causa da natureza algumas vezes complicada do debate,
muitos cristãos comprometidos que estão sinceramente interessados em ouvir
a justificativa apresentada a partir da Escritura sentem a falta de material para
avaliar.
Argumentos mais completos e técnicos para a aplicabilidade geral das
jurisprudências do Antigo Testamento para hoje podem ser encontrados em
Theonomy in Christian Ethics e By This Standard, ambos de Greg L.
Bahnsen.[4] Aplicações específicas de várias jurisprudências do Antigo
Testamento podem ser encontradas em Tools of Dominion[5] de Gary North e
nos dois volumes de Institutes of Biblical Law, de R. J. Rushdoony.[6]
Espera-se que esse estudo introdutório da justificativa para a ética
teonomista possa ajudar aqueles que não têm sido capazes de analisar obras
mais acadêmicas sobre o assunto.
Gostaria de agradecer a Gary DeMar por sua inestimável ajuda
técnica na produção deste manuscrito. Seu labor cristão é grandemente
apreciado.
CAPÍTULO UM: Introdução

Alguns evangélicos relutam em adotar ensinos controversos, mesmo aqueles


que possam ser demonstrados biblicamente. Algumas vezes é útil ver como
outros chegaram a abraçar uma posição considerada controversa. Assim,
gostaria de apresentar um breve testemunho da minha jornada rumo à ética
teonomista.
Meu antigo dispensacionalismo
De 1966 até 1975 fui um dispensacionalista,[7] tendo sido atraído ao
movimento porque este se orgulhava em ser uma perspectiva bíblica
consistente que poderia explicar os tempos. Fui salvo pela graça do Senhor
Jesus Cristo num acampamento para jovens dispensacionalistas, freqüentava
uma igreja dispensacionalista, formei-me numa faculdade dispensacionalista
(Tennessee Temple University), e freqüentei um seminário dispensacionalista
(Grace Theological Seminary) por dois anos.
Em muitos aspectos foi uma grande benção ser um dispensacionalista,
e todavia muito frustrante também. Era ótimo ser capaz de localizar a razão
para os problemas da sociedade moderna: a condição pecaminosa do homem
diante de Deus. Era frustrante que como um cristão eu não esperava ter
qualquer solução bíblica para aqueles problemas. E isso a despeito de ser
ensinado que a Terra é do Senhor, e que o evangelho é o poder de Deus para
a salvação.
Enquanto estudando no Grace Theological Seminary, duas influências
convergentes fizeram-me rejeitar o dispensacionalismo. A primeira foi minha
pesquisa para escrever um ensaio sobre a controvérsia do senhorio.[8] Isso
levou à minha descoberta da importância da entronização na passagem de
Atos 2, o que abalou o meu dispensacionalismo em seu próprio fundamento.
A segunda foi a descoberta quase no mesmo período do livro Prophecy and
the Church, de O. T. Allis. Essa obra fulminou o restante do meu
dispensacionalismo, que já estava em colapso.[9] Vários amigos (Rev. Alan
McCall e Barry Bostrom) e eu, não somente abandonamos o
dispensacionalismo, mas nos transferimos do Grace Theological Seminary
para o Reformed Theological Seminary em Jackson, Mississippi. Até então
tínhamos sido Calvinistas parciais; agora havíamos nos tornado mais
plenamente Reformados e, por conseguinte, não-dispensacionalistas.
Minha conversão à ética teonomista
No Reformed Seminary fiz duas matérias que inicialmente pareciam
extravagância implausível e equivocada. Eram “História e Escatologia” (no
qual foi apresentada a escatologia pós-milenista) e “Ética Cristã Teísta” (no
qual foi apresentada a ética teonomista). Os dois cursos foram ensinados pelo
dr. Greg L. Bahnsen.
Com respeito à questão escatológica, embora não fosse mais um
dispensacionalista, tinha assumido que J. Dwight Pentecost, Hal Lindsey e
outros dispensacionalistas estavam corretos em declarar que “o pós-
milenismo não encontra nenhum defensor ou advogado nas presentes
discussões quiliastas dentro do mundo teológico.”[10] Eu não estava ciente
que na própria época em que o livro de Pentecost foi publicado (1958), havia
pelo menos quatro obras notáveis em defesa do pós-milenismo – uma delas
sendo endossada pelo famoso e ortodoxo erudito O. T. Allis, que é citado
com freqüência no livro de Pentecost. Esses livros eram Matthew Twenty-
Four (1948) e Revelation Twenty (1955), de J. Marcellus Kik, Israel and the
New Covenant (introdução de O. T. Allis, 1954), de Roderick Campbell e
The Millenium (1957), de Loraine Boettner.[11]
Ainda mais absurda para mim do que a idéia da vitória do evangelho
na história era a aplicabilidade da lei do Antigo Testamento às culturas
modernas. Sempre pensei que a frase “não estamos debaixo da lei, mas
debaixo da graça” ensinava que não temos obrigações de obedecer aos
padrões éticos de Deus. “Isso é o Antigo Testamento!” era uma forma fácil
(porém falaciosa) de rejeitar a Lei Mosaica, a qual Deus chama com
freqüência de “Minha Lei”.[12] Infelizmente, as idéias dispensacionalistas
ainda limitavam minha perspectiva teológica.
Continuei em oposição firme ao professor Bahnsen por quase metade
de cada um dos cursos mencionados. Você poderia dizer que “recalcitrei
contra os aguilhões”. Mas nos dois cursos eu eventualmente cedi à força
bruta da exegese bíblica e análise teológica consistente. Entrei nesses cursos
sendo um amilenista anti-teonomista; sai dali como um pós-milenista
teonomista.
Minha teologia Reformada foi se tornando completa. Tal como os
teólogos de Westminster, eu passei a poder citar as jurisprudências do Antigo
Testamento juntamente com as passagens do Novo Testamento, para
conseguir discernimento divino na resolução de questões morais. Poderia me
voltar também à esperança profética do Antigo e Novo Testamento para um
entendimento apropriado do tema escatológico da vitória do evangelho.
Resumindo, eu poderia aplicar toda a Escritura ao todo da vida na confiante
expectativa de toda a glória sendo de Cristo em Seu mundo.
Meu desapontamento com objeções
Há muitas críticas injustas e equivocadas da ética teonomista, baseadas em
acusações estranhas passadas adiante como críticas válidas. Um crítico
recentemente me escreveu: “Sobre o assunto da lei, o reconstrucionismo[13]
enfiou as suas duas pernas num barril de concreto que se seca rapidamente…
A lista de criminosos esperando execução é longa: homossexuais, Batistas,
trapaceiros e aqueles que catam lenha no Dia do Senhor!”[14] Ele não
oferece nenhuma documentação para essa acusação.
O dispensacionalista H. Wayne House escreve: “Nada é mais odioso
na sociedade teocrática que questionar abertamente a lei-ordem. Portanto, as
instituições legítimas devem reagir com ‘destruição’ ou outro castigo
apropriado àqueles com quem estão em guerra.”[15] O que é interessante
sobre essa afirmação é que ela foi baseada numa declaração onde R. J.
Rushdoony diz que qualquer ordem civil deve impor sanções contra ações
criminosas, tais como traição. House pula para a conclusão injustificada que a
mera incredulidade em Cristo ou a aderência ao dispensacionalismo, num
governo teocrático, seria considerado traiçoeiro.
As distorções extremas no debate com o Reconstrucionismo são
terrivelmente frustrantes. Um proeminente jornalista me perguntou uma vez
se eu deixaria a Igreja Presbiteriana na América em busca de um ambiente
mais teonômico. Minha resposta foi e continua sendo não! Minha
denominação crê na Bíblia, é Presbiteriana, Reformada em sua confissão e
padrões constitucionais – e isso é o que fornece a base para o meu ministério
pastoral e para as minhas visões reconstrucionistas.
A PCA e a ética teonomista
Na verdade, a PCA considerou a teonomia em poucas ocasiões e sempre a
permitiu. “A Assembléia Geral afirma que nenhuma visão particular da
aplicação da lei judicial para hoje deve tornar-se base para ortodoxia ou
exclusão por heresia.”[16] A posição da PCA tem uma tolerância tão clara
pela teonomia que a Assembléia Geral repreendeu um presbitério por
delongar a ordenação de um homem pelo único motivo de esse homem
aceitar a teonomia.[17] Em outra ocasião, ela julgou um caso em favor de um
teonomista particular, cuja ordenação foi erroneamente negada, somente com
base na sua simpatia pelo teonomismo. [18]
Mais tarde outra situação surgiu, na qual a Assembléia Geral foi
questionada sobre a aplicabilidade contemporânea de Deuteronômio 13. A
resposta do comitê em estudar a questão inclinava-se para a posição não-
teonomista. Mas isso foi acompanhado por uma declaração qualificatória,
proibindo um uso impróprio do relatório pelo presbitério. “Visto que há
diferenças de opinião com respeito à aplicação e ‘unidade geral’ das várias
sanções penais, essa declaração não deveria ser usada pelos tribunais da
Igreja para obrigar a consciência de presbíteros na PCA.” [19]
Uma das refutações mais incomuns à ética teonomista vem de
Meredith G. Kline. Num artigo surpreendentemente franco, ele mostra-se
contrário à Confissão de Westminster, lamentando que “a teonomia é na
verdade um reavivamento de certos ensinos contidos na Confissão de Fé de
Westminster… tribunais eclesiásticos que agem com base na Confissão de Fé
de Westminster terão problemas, portanto, se quiserem colocar a aberração de
Calcedônia [i.e., teonomista] sob seu escrutínio judicial.” [20] Esse ensaio foi
cuidadosamente respondido por Greg L. Bahnsen. [21]
O que é teonomia?
Antes de examinar o caso bíblico para a ética teonomista, asseguremo-nos de
ter definido claramente a questão.

O SIGNIFICADO DO TERMO
“Teonomia” é derivado de uma combinação de duas palavras gregas: theos
(“Deus”) e nomos (“lei”). Significa simplesmente “a Lei de Deus”. Falando
de maneira ampla, o termo descreve a posição ética cristã que sustenta que a
Palavra de Deus determina o que é certo e errado, e não o direito natural.
Mais estritamente, teonomia é geralmente entendida como apontando a
justiça e a praticidade do código civil mosaico para a aplicação moderna.

DISTINTIVOS DO PENSAMENTO TEONOMISTA


Resumindo, as diferenças da ética teonomista são pelo menos seis. A
teonomia sustenta que a Lei do Antigo Testamento (freqüentemente chamada
de “A Lei Mosaica”, mas certamente mais ampla que o código da Lei
Mosaica) é:
1. Obrigatória (isto é, somos obrigados a obedecê-la para a nossa
santificação); e
2. Relevante (em que tudo que o nosso Senhor faz é governado
por sua sabedoria e conhecimento absolutos, tornando assim
Sua Palavra prática para todos os tempos e aplicável a todas
as situações),
3. Quando apropriadamente interpretada (levando em conta o
pleno significado, propósito e situação da intenção original
das várias leis individualmente consideradas), e
4. Apropriadamente aplicada (o fluxo da história redentiva deve
ser levado em conta e os preceitos e princípios do Novo
Testamento devem receber sua plena significância[22]).
5. Assim, os detalhes da Lei são essenciais para guardar a Lei
(eles formam uma parte essencial da Lei, como partes do
todo), e
6. Devem ser observados igualmente pelo homem nos níveis
pessoal, social e civil da existência humana.
Isso, em resumo, é a ética teonomista à qual subscrevo como um
cristão evangélico e Reformado. Passemos agora para uma consideração da
justificativa para a ética teonomista.
CAPÍTULO DOIS: A essência da Lei de Deus

A Escritura define a natureza da Lei de Deus de uma forma que sugere mui
fortemente sua validade contínua hoje. Isso pode ser visto a partir de vários
ângulos.
A natureza da Lei
1. A Lei representa a presença de Deus. Singular à Lei de Deus é que ela foi
pessoalmente escrita pelo dedo de Deus. “E deu a Moisés (quando acabou de
falar com ele no monte Sinai) as duas tábuas do testemunho, tábuas de pedra,
escritas pelo dedo de Deus” (Ex. 31:18; veja também Ex. 32:16; Dt. 4:13;
9:10; 10:4). A origem extraordinária da Lei, tal como a da alma de Adão (Gn.
2:7), sugere seu caráter sagrado.
2. A Lei reside no próprio cerne da nova aliança. Sobre o novo pacto,
como registrado em Jeremias 31:31-33, lemos:
Eis que dias vêm, diz o SENHOR, em que farei uma aliança nova
com a casa de Israel e com a casa de Judá. Não conforme a
aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão,
para os tirar da terra do Egito; porque eles invalidaram a minha
aliança apesar de eu os haver desposado, diz o SENHOR. Mas esta
é a aliança que farei com a casa de Israel depois daqueles dias,
diz o SENHOR: Porei a minha lei [23] no seu interior, e a
escreverei no seu coração; e eu serei o seu Deus e eles serão o
meu povo. (Ênfase adicionada)
O novo pacto foi executado com a instituição da Ceia do Senhor, um
pouco antes da crucificação de Cristo.[24] Vivemos hoje sob a nova
dispensação pactual da redenção e somos lembrados disso todas as vezes que
participamos da Ceia do Senhor.
3. A Lei reflete o caráter de Deus. Quando analisamos as
representações bíblicas do caráter da Lei de Deus, logo descobrimos que as
mesmas atribuições morais aplicadas a ela são também usadas em referência
ao próprio ser de Deus. Deus é bom (Marcos 10:18; Sl. 143:10; a Lei é boa
(Dt. 12:28; Sl. 119:68; Rm. 7:12, 16). Deus é santo (Is. 6:3; Ap. 15:4); a Lei é
santa (Nm. 15:40; Rm. 7:12). Deus é perfeito (2Sm. 22:31; Sl. 18:30; Mt.
5:48); a Lei é perfeita (Sl. 19:7; Tiago 1:25). Deus é espiritual (João 4:24); a
Lei é espiritual (Rm. 7:14). Deus é reto (Dt. 32:4; Esdras 9:15; Sl. 116:5); a
Lei é reta (Dt. 4:8; Sl. 19:7; Rm. 2:26; 8:4). Deus é justo (Dt. 32:4; Sl. 25:8,
10; Is. 45:21); a Lei é justa (Pv. 28:4, 5; Zc. 7:9-12; Rm. 7:12).
O propósito da Lei
Quando lemos do propósito da Lei na Escritura, não há nada que pareça
torná-la inapropriada para os nossos dias. Na verdade, há tudo para
recomendá-la aos cristãos modernos.
1. A Lei define o pecado. O que o cristão é chamado a restringir e
resistir no mundo é o pecado. A lei é essencial para a nossa luta contra o mal,
visto que ela define o que é pecado. “Qualquer que comete pecado, também
comete iniqüidade; porque o pecado é iniqüidade” (1 João 3:4). “Porque até à
lei estava o pecado no mundo, mas o pecado não é imputado, não havendo
lei” (Rm. 5:13). “Mas eu não conheci o pecado senão pela lei; porque eu não
conheceria a concupiscência, se a lei não dissesse: Não cobiçarás” (Rm.
7:7b). Outras referências falam de “iniqüidade” como repreensível e digna do
julgamento de Deus.[25]
2. A Lei convence do pecado. Com a pregação da Lei segue a
convicção de pecado, visto que a Lei expressamente proíbe e julga o pecado.
Apontando o pecado, a Lei mexe com o coração, trazendo um conhecimento
das conseqüências mortais do comportamento iníquo.
Que diremos pois? É a lei pecado? De modo nenhum. Mas eu
não conheci o pecado senão pela lei; porque eu não conheceria a
concupiscência, se a lei não dissesse: Não cobiçarás… E eu,
nalgum tempo, vivia sem lei, mas, vindo o mandamento, reviveu
o pecado, e eu morri. Porque o pecado, tomando ocasião pelo
mandamento, me enganou, e por ele me matou. (Rm. 7:7, 9, 11;
cf. Tiago 2:9)

3. A Lei condena a transgressão. A Lei também carrega com ela a


penalidade de sua infração, mostrando claramente as conseqüências
destrutivas da conduta iníqua. “Porque a lei opera a ira. Porque onde não há
lei também não há transgressão” (Rm. 4:15). “Porque qualquer que guardar
toda a lei, e tropeçar em um só ponto, tornou-se culpado de todos” (Tiago
2:10). “Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da
maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanecer em
todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las” (Gl. 3:10; veja
também Dt. 11:26, 28).
4. A Lei conduz as pessoas a Cristo. No fato da Lei julgar
severamente o pecado, deixando os homens expostos à ira de Deus; e no fato
da Lei não poder salvar, ela os conduz a Cristo. “E o mandamento que era
para vida, achei eu que me era para morte” (Rm. 7:10). “De maneira que a lei
nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos
justificados” (Gl. 3:24). A ética teonômica não sustenta que a observação da
Lei alguma vez conseguiu ou conseguirá méritos para a salvação de alguém.
Na verdade, ela faz com que eles se desesperem com a sua justiça própria, de
forma que possam buscar a justiça em outro: Cristo o Senhor.
5. A Lei restringe o mal. Quando a Lei é propriamente entendida e sua
infração temida, ela tende a exercer um poder repressor sobre as almas dos
homens. Quando enaltecida na esfera pública, ela reduz a atividade criminosa
mediante ameaça de punição. Por exemplo, quando “não matarás” é apoiado
pela sanção “quem ferir alguém, de modo que este morra, certamente será
morto” (Ex. 21:12), o preço do crime se torna proibitivo.
É assim que Deus designou que seja.
Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela usa
legitimamente; sabendo isto, que a lei não é feita para o justo,
mas para os injustos e obstinados, para os ímpios e pecadores,
para os profanos e irreligiosos, para os parricidas e matricidas,
para os homicidas, para os devassos, para os sodomitas, para os
roubadores de homens, para os mentirosos, para os perjuros, e
para o que for contrário à sã doutrina, conforme o evangelho da
glória de Deus bem-aventurado, que me foi confiado. (1Tm. 1:8-
11; cp. Sl. 119:11)

6. A Lei guia a santificação. A Lei não tem o poder de santificar; isso


é o ministério do Espírito Santo à medida que Ele age no evangelho. Mas a
Lei apresenta o padrão de comportamento justo ordenado por Deus e,
portanto, fornece uma norma objetiva para o cristão cheio do Espírito, de
forma que possa conhecer o que Deus espera dele.
Porquanto o que era impossível à lei, visto como estava enferma
pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne
do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne; para que a
justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a
carne, mas segundo o Espírito. (Rm. 8:3-4)
“Para os que estão sem lei, como se [eu] estivesse sem lei (não
estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para ganhar os
que estão sem lei” (1Co. 9:21; veja também Lv. 20:8; Sl. 119:105; Pv. 6:23) .
CAPÍTULO TRÊS: O Senhor Jesus Cristo e a Lei de
Deus

O personagem central da profecia e do evangelho é o Senhor Jesus Cristo. Há


vários aspectos nos quais podemos ver que Ele quis que Seu povo da nova
aliança guardasse a Lei de Deus. De forma alguma minou a validade da Lei
quando veio ao mundo. Na verdade, Ele a confirmou.
Cristo afirmou expressamente a Lei
Essa verdade é claramente ensinada em Mateus 5:16-20 (RA).
[16] Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para
que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que
está nos céus. [17] Não penseis que vim revogar a Lei ou os
Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. [18] Porque
em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i
ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra. [19]
Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos
menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo
no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse
será considerado grande no reino dos céus. [20] Porque vos digo
que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e
fariseus, jamais entrareis no reino dos céus.
Nas páginas seguintes, apresentarei um comentário breve e contínuo
sobre pontos da passagem acima de importância exegética para a posição
teonômica.[26] O leitor é instado a manter sua Bíblia aberta na passagem
para fazer consultas à medida que essas considerações exegéticas forem
fornecidas.
Imediatamente após urgir Seus ouvintes a obras que glorifiquem a
Deus, Cristo diz: “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas” (v. 17).
Ele começa definindo o caráter daquelas obras em termos da Lei de Deus. A
frase “não penseis” é um verbo aoristo ingressivo que significa, “nem
comecem a pensar”. Cristo não queria que o pensamento que Ele estava para
mencionar sequer passasse pela mente dos Seus ouvintes. Ele não queria ser
mal-entendido à medida que corrigia as distorções e abusos da Lei que
encontrava durante o Seu ministério.
Quando diz, “não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas” (v.
17), ele usa uma palavra grega que significa “desmantelar, ab-rogar, descartar
completamente”. Ao invés de permitir que Seus ouvintes sequer comecem a
pensar isso, Ele diz: “não vim ab-rogar, mas cumprir” (v. 17, ARC).[27] A
conjunção “mas” aqui é a adversativa forte (grego: alla).[28] Ela fornece um
contraste vigoroso, como em Mateus 10:34, que faz paralelo exato a Mateus
5:17 em forma e estrutura. Lemos em Mateus 10:34: “Não penseis que vim
trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada”. Observe o forte contraste
entre “paz” e “espada”. Da mesma forma, em Mateus 5:17 Jesus contrasta
destruir a Lei com cumpri-la; as idéias são justapostas como opostos.
A palavra “cumprir” (v. 17), que o Senhor usa aqui, não pode implicar
“viver e completá-la, de forma que se dá um fim a ela”, ou algo similar. Visto
que a palavra é contrastada com “revogar”, seria errado interpretá-la como
“cumprir e acabar com ela”. A ab-rogação da Lei é a própria coisa que Cristo
nega: “Cumprir” aqui pode significar uma de duas coisas.
(1) Pode significar “confirmar, estabelecer”. Romanos 3:31 (que usa
um verbo diferente) diz: “Anulamos, pois, a lei pela fé? Não, de maneira
nenhuma! Antes, confirmamos a lei”. Confirmação da Lei é certamente um
conceito do Novo Testamento, de acordo com Paulo. (2) Ou pode significar
“encher até a medida completa”. Isso indicaria restaurá-la ao seu verdadeiro
significado, em oposição às distorções farisaicas.
Mateus 5:20 no contexto aqui sugere fortemente a última
interpretação (embora não exclua a primeira – na verdade, implica a mesma):
“Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas
e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus” (cp. Mt. 15:3-9; 23:23). Os
escribas e fariseus tinham redefinido a Lei de tal forma, em termos do seu
próprio sistema de pensamento, que haviam–na quase esvaziado do seu
verdadeiro significado. Cristo veio para restaurar a Lei à sua intenção original
e divina.
A palavra “porque” (v. 18) introduz uma explicação do versículo 17.
O que segue a palavra dá justificação ao que precede.
Quando Cristo diz “em verdade” (v. 18), Ele enfatiza a importância da
declaração seguinte. O Senhor freqüentemente usa essa palavra para atrair a
atenção dos Seus ouvintes a uma observação importante que Ele está a ponto
de fazer. Esta observação segue: “Porque em verdade vos digo: até que o céu
e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se
cumpra” (Mt. 5:18). A referência “o céu e a terra” (v. 18) indica uma
comparação entre a estabilidade da Lei e aquela do mundo (cp. Eclesiastes
1:4). A Lei não pode ser anulada até que o céu e a terra passem (e mesmo
então “até” aqui não requer que ela passará naquele tempo).
A frase “um jota ou um til” (v. 18, RC) faz referência à menor letra
hebraica (o yoadh, ou “jota”) e ao sinal ornamental sobre as letras (“til”).
Cristo está preocupado em mostrar que a Lei de Deus é em sua totalidade
protegida pela autoridade de Deus. Sua repetição de “um” antes de “jota”,
bem como antes de “til” (v. 18), é importante. No pensamento hebraico, a
repetição é comumente usada para fortalecer a ênfase.
“Até que tudo se cumpra” (v. 18) pode ser literalmente traduzido:
“Até que todas as coisas sejam realizadas”. Assim, essa declaração faz
paralelo a “até que o céu e a terra passem”. Em outras palavras, nem a menor
letra ou sinal da lei passará antes de a história terminar.[29]
Ele então retorna e reforça o que acabou de declarar: “Aquele, pois,
que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar
aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que
os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus”.
“Menores” (v. 19) repete a ênfase dos aspectos pequenos da Lei, para mostrar
sua significância obrigatória. Se as menores coisas são tão importantes,
quanto mais os aspectos maiores da Lei?
Aquele que vai contra o Seu ensino nesse respeito é considerado
“mínimo no reino dos céus” (v. 19). Isso fala do status da pessoa no reino que
Cristo estabeleceu sobre a Terra.[30] Envolve a era pós-Antigo Testamento e
pós-João o Batista (Marcos 11:13ss.; Lucas 16:16ss.), com a qual tantas
parábolas suas lidam (e.g., Mt. 13).
Seguindo essa forte declaração da validade da Lei, Cristo repreende as
distorções dos escribas da Lei por sua adesão à interpretação oral, e não
porque prestavam uma obediência fiel à lei escrita (Mt. 5:21ss.) Observe duas
coisas: (1) Os contrastes traçados são entre o que “está escrito” e o que “foi
dito aos antigos” (pelos rabinos). Quando o Senhor refere-se à Lei de Deus
em seu verdadeiro sentido, sem distorções, Ele sempre diz: “Está escrito”
(e.g., Mt. 4:4, 6, 7, 10). (2) Ele tinha acabado de fazer uma forte declaração
quanto à validade contínua da Lei. Consistência exige que Mateus 5:21ss. não
permita um entendimento do Seu ensino.
Cristo ensinou enfaticamente a relevância da Lei
O Senhor repreende os fariseus, por exemplo, não por eles guardarem a
obrigação pequena (dízimo) da Lei, mas por fazerem isso enquanto
ignorando os preceitos mais importantes da Lei. “Ai de vós, escribas e
fariseus, hipócritas, porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e
tendes negligenciado os preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a
misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas!”
(Mt. 23:23). Por meio de suas tradições, eles invalidavam a Lei de Deus
(Marcos 7:1-13).
Jesus ensina que a Lei é a Regra de Ouro do serviço a Deus e aos
homens. “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o
vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas” (Mt. 7:12).
Ele ensina que o amor é definido pela lei. O judeu intérprete da lei lhe
perguntou:
“Mestre, qual é o grande mandamento na Lei?” Respondeu-lhe
Jesus: “‘Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de
toda a tua alma e de todo o teu entendimento.’ Este é o grande e
primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é:
‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo.’ Destes dois
mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas.” (Mt. 22:36-
40)
Amor não é sentimento ou ação indescritível. É ação obediente
definida pelas restrições da Lei ordenada por Deus.
Cristo endossou a função civil da Lei
Até mesmo uma das leis mais mal-entendidas e mal-usadas hoje contra a
visão teonômica é endossada por Cristo. Essa é a lei que exige pena de morte
para crimes incorrigíveis. Mesmo os pais de uma pessoa perigosa devem
entregá-lo para as autoridades civis, para que receba a pena de morte.
Ele, porém, respondendo, disse-lhes: “Por que transgredis vós,
também, o mandamento de Deus pela vossa tradição? Porque
Deus ordenou, dizendo: ‘Honra a teu pai e a tua mãe’; e: ‘Quem
maldisser ao pai ou à mãe, certamente morrerá’. Mas vós dizeis:
‘Qualquer que disser ao pai ou à mãe: “É oferta ao Senhor o que
poderias aproveitar de mim;” esse não precisa honrar nem a seu
pai nem a sua mãe’, e assim invalidastes, pela vossa tradição, o
mandamento de Deus.” (Mt. 15:3-6, ACF)[31]
Cristo censura os fariseus por esquivarem-se dessa lei. (Lembre de
Sua advertência em Mt. 5:19-20! Nossa justiça deve exceder aquela dos
escribas e fariseus.)
Essa lei tem a ver com um filho velho o suficiente para ser uma
ameaça à comunidade por meio de atividade criminosa. Ele é descrito alhures
como comilão e beberrão, um filho contumaz e rebelde que não ouve ou
obedece aos seus pais (Dt. 21:18-20) e é uma ameaça física para eles (Ex.
21:15). Esse não é um garoto de 10 anos que recusa ir para o banheiro. O
filho em questão se tornou um inimigo e uma maldição para os seus pais.
Seja o que possamos pensar inicialmente dessa lei, devemos lembrar
que ela foi ordenada pelo Senhor Deus. Isso deveria evitar a zombaria dos
cristãos para com a mesma, fazendo-os parar a fim de considerar sua
verdadeira importância.
Cristo guardou perfeitamente a Lei
A Escritura ensina que Jesus veio para guardar a lei. “Então, eu disse: eis
aqui estou, no rolo do livro está escrito a meu respeito; agrada-me fazer a tua
vontade, ó Deus meu; dentro do meu coração, está a tua lei” (Sl. 40:7-8). De
fato, Ele nasceu sob a Lei (Gl. 4:4). Assim, Ele guardou a Lei em detalhe na
Sua vida pessoal (Mt. 8:4; 17:24; Marcos 11:16-17).
Por causa da natureza do pecado como transgressão da Lei,[32] Cristo
não tinha pecado porque guardou a Lei completamente. Assim, ele pôde
dizer: “Quem dentre vós me convence de pecado?” (João 8:46; cp. 1 João
3:4; João 15:10). Esse sendo o caso, Ele é o nosso perfeito exemplo de
guardar a Lei.
Aquele que diz: Eu o conheço e não guarda os seus
mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade. Aquele,
entretanto, que guarda a sua palavra, nele, verdadeiramente, tem
sido aperfeiçoado o amor de Deus. Nisto sabemos que estamos
nele: aquele que diz que permanece nele, esse deve também
andar assim como ele andou. (1 João 2:4-6)
Seguir a Cristo e guardar os Seus mandamentos são sinônimos, de
acordo com João.
Cristo nos salvou em termos da Lei
O Senhor morreu em termos da Lei por nós. Ele veio “para resgatar os que
estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl. 4:5; cp.
Cl. 2:14; Hb. 9:22). De fato, Sua morte enfatizou eternamente a necessidade e
a validade da Lei. A Lei não poderia ser posta de lado, nem mesmo para
poupar a Cristo. “Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por
todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas
as coisas?” (Rm. 8:32; cp. Hb. 9:22-26). A fé, então, confirma a validade da
Lei (Rm. 3:31). Se a Lei não poderia ser desprezada nem mesmo para poupar
ao Filho de Deus, como podemos supor que ela será posta de lado para a era
do Novo Pacto? Ela é o padrão da justiça de Deus, sendo que a sua infração
traz condenação. A Cruz é um testemunho eterno à justiça e contínua
validade da Lei de Deus.
CAPÍTULO QUATRO: O Novo Testamento e a Lei de
Deus

A unidade da Escritura pressupõe a continuidade da Lei de Deus. A Palavra


de Deus nos revela uma ética contínua e justa: “A Escritura não pode ser
anulada” (João 10:35b). “Toda a Escritura é divinamente inspirada, e
proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça;
para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a
boa obra” (2Tm. 3:16-17). O manual do viver santo para o cristão é “toda a
Escritura”.
Toda a Escritura, não apenas o Novo Testamento, foi dada para que o
cristão pudesse ser “perfeito” e “perfeitamente instruído para toda a boa
obra”. Interessantemente, 2 Timóteo é o último livro escrito por Paulo e
provavelmente o último livro escrito no Novo Testamento.[33]
O Novo Testamento confirma expressamente a Lei
Uma das virtudes mais notáveis do cristão é a fé. Ela é o instrumento da
justificação ordenado por Deus. Freqüentemente se pensa que a provisão
graciosa de Deus da salvação sobre a base da graça, e por meio da fé, anula a
Lei de Deus para hoje. Todavia, Paulo, o grande Apóstolo da Fé, nos diz que
a fé confirma a Lei. “Anulamos, pois, a lei pela fé? De maneira nenhuma,
antes estabelecemos a lei” (Rm. 3:31).
Paulo, que é conhecido no Novo Testamento como o apóstolo aos
gentios e aos incircuncisos (Rm. 15:16; Gl. 2:9; Ef. 3:8) sustentava, contudo,
a Lei Mosaica “Judaica” como um ideal ético para o povo de Deus. Quando
escreveu à igreja em Roma, ele escreveu a uma igreja gentia (Rm. 1:13;
15:12; 16:4). “E assim a lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom…
Porque bem sabemos que a lei é espiritual” (Rm. 7:12, 14). E isso foi na era
da nova aliança!
Os mestres no Novo Testamento usam a Lei no ensino
1. Cristo baseou Seu ensino sobre a Lei. Cristo não hesitou em basear Seu
ensino solidamente sobre a Escritura do Antigo Testamento, incluindo as
obrigações morais da Lei. “E ele lhe disse: Que está escrito na lei? Como
lês?” (Lucas 10:26). Deveríamos lembrar-nos de Mateus 7:12 também:
“Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho
também vós, porque esta é a lei e os profetas” (veja também Mt. 12:5; 19:4;
Lucas 10:26; 16:17, 29-30; João 8:17).
2. Mesmo jurisprudências específicas são citadas como diretrizes
obrigatórias. Os apóstolos não temiam citar as jurisprudências do Antigo
Testamento, a despeito dos abusos dos judaizantes (veja Atos 15; Gl. 2). Em
1 Timóteo 5:18 Paulo cita Deuteronômio 25:4 para confirmar uma obrigação
sobre a igreja. “Os presbíteros que governam bem sejam estimados por
dignos de duplicada honra, principalmente os que trabalham na palavra e na
doutrina; porque diz a Escritura: Não ligarás a boca ao boi que debulha. E:
Digno é o obreiro do seu salário” (1Tm. 5:17-18; cp. também 2Co. 6:14 e Dt.
22:10; Rm. 10:6-8 e Dt. 30:11-13; Atos 23:1-5 e Ex. 22:28; Lv. 19:15; Dt.
25:2).
A conduta cristã é baseada na obediência à Lei
1. O amor é definido pela Lei. Seguindo o exemplo de Cristo já observado
acima, os apóstolos definem o amor em termos da lei. E o amor é a maior de
todas as virtudes cristãs. “O amor não faz mal ao próximo. De sorte que o
cumprimento da lei é o amor” (Rm. 13:10; veja também Mt. 22:36-40; Gl.
5:14).
2. Guardar os mandamentos de Deus é importante. Paulo ensina
claramente a importância de “guardar os mandamentos de Deus”, quando
escreve: “A circuncisão é nada e a incircuncisão nada é, mas, sim, a
observância dos mandamentos de Deus” (1Co. 7:19). Esse é o motivo de ele
escrever num capítulo mais adiante: “As vossas mulheres estejam caladas nas
igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas, como
também ordena a lei” (1Co. 14:34). João concorda com Paulo: “E nisto
sabemos que o conhecemos: se guardarmos os seus mandamentos. Aquele
que diz: Eu conheço-o, e não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e
nele não está a verdade” (1 João 2:3-4; cf. 5:3).
A pregação do Evangelho depende da Lei de Deus
A Lei convence do pecado, como mostramos antes (1 João 3:4; Mt. 19:16-24;
João 7:19; Atos 7:53; Tiago 2:9). Sem a convicção do pecado, não há como
se voltar para o Salvador em arrependimento para salvação. Sem o chamado
ao arrependimento não há pregação do evangelho de Jesus Cristo.
Além disso, o julgamento dos pecadores por Deus será baseado na
Lei. “E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim,
vós que praticais a iniqüidade” (Mt. 7:23; cf. 13:41; Rm. 2:12-15; Tiago
2:10-12). Os homens serão julgados sobre a base de um padrão objetivo: a
Lei de Deus. Tal julgamento determinará o grau de castigo que a pessoa
receberá no inferno (cp. Lucas 12:47; Ap. 20:12).
CAPÍTULO CINCO: Supostas passagens negativas

A despeito de haver um caso tão forte a favor da ética teonômica na


Escritura, certas passagens são freqüentemente apresentadas como evidência
contrária. Essas passagens negativas devem ser revisadas à luz de três fatores:
1. O fundamento da ética teonômica é bem estabelecido biblicamente
(e.g., Mt. 5:17-19; Rm. 3:31). Há muita evidência positiva disponível a favor
da Lei de Deus. A Escritura não se contradiz. Qualquer contradição aparente
deve ser interpretada à luz da infalibilidade da Escritura.
2. Muito do pano de fundo histórico do Novo Testamento é a luta do
Cristianismo com o orgulho judeu. “É porventura Deus somente dos judeus?
E não o é também dos gentios? Também dos gentios, certamente” (Rm.
3:29).[34] Esse debate pode ser mal interpretado como contra a Lei de Deus,
se não for mantido na perspectiva apropriada. Estamos tão longe do debate
judaico-cristão hoje que podemos negligenciar sua importância na igreja
primitiva.
3. O pano de fundo histórico em outros exemplos é claramente o
legalismo: “… sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei,
mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para
sermos justificados pela fé em Cristo, e não pelas obras da lei; porquanto
pelas obras da lei nenhuma carne será justificada” (Gl. 2:16).[35] Nenhum
entendimento apropriado da Lei de Deus pode ser legalista. Isto é, ao
contrário do que o legalismo ensina, nenhum entendimento verdadeiramente
evangélico da função da Lei de Deus pode permitir a observância da Lei
como uma base para a salvação.
Uma análise das passagens
Passagens que parecem negar o uso teonômico da Lei de Deus hoje tendem a
cair em quatro classes:
• Classe 1: Aquelas que renunciam a Lei como um meio de
justificação (veja acima).
• Classe 2: Passagens enfatizando a natureza mortífera do
pecado na forma como este se relaciona com a Lei.
• Classe 3: Aquelas pertencentes aos aspectos cerimoniais
temporários da Lei.
• Classe 4: Passagens que simplesmente são interpretadas
de uma forma errônea.

ROMANOS 6:14
Romanos 6:14 é a passagem “anti-teonômica” mais famosa. “Porque o
pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas
debaixo da graça.” Essa é uma passagem Classe 4. Observe duas coisas:
1. Paulo não está se referindo à Lei Mosaica, mas à lei-princípio para
a salvação, isto é, ao legalismo. A Lei de Deus não é uma inimiga da graça de
Deus, pois a Lei de Deus endossa a graça de Deus.[36]
2. A frase “debaixo da lei” significa ser um escravo do legalismo. De
acordo com o contexto, devemos ser “escravos da justiça”, pois estamos
“debaixo da graça”.
Não sabeis vós que a quem vos apresentardes por servos para
lhe obedecer, sois servos daquele a quem obedeceis, ou do
pecado para a morte, ou da obediência para a justiça? Mas
graças a Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes de
coração à forma de doutrina a que fostes entregues. E, libertados
do pecado, fostes feitos servos da justiça. (Rm. 6:16-18)

ROMANOS 7:4
Romanos 7:4 é uma passagem Classe 2. “Assim, meus irmãos, também vós
estais mortos para a lei pelo corpo de Cristo, para que sejais de outro, daquele
que ressuscitou dentre os mortos, a fim de que demos fruto para Deus”.
Para entender corretamente esse versículo, deveríamos observar que é
o crente quem morreu, não a Lei. Essa é uma diferença muito grande! A Lei
requer perfeição e nos afasta de Deus, quando falhamos por causa das suas
justas demandas. Mas em Cristo, morremos para a Lei como um condenador.
Não morremos para o que Paulo, na mesma epístola, diz que a fé estabelece
(Rm. 3:31), a santificação requer (Rm. 7:12, 14) e o Espírito Santo estimula
(Rm. 8:3-4).

ROMANOS 10:4
Romanos 10:4 é claramente uma passagem Classe 1. “Porque o fim da lei é
Cristo para justiça de todo aquele que crê.”. Aqui Paulo simplesmente diz,
contrário ao judaísmo farisaico, que Cristo é o fim da Lei para a justiça, ou
justificação diante de Deus. Ninguém pode ser justificado diante de Deus
aderindo à Lei de Deus, não importa quão meticulosamente.

2 CORÍNTIOS 3
2 Coríntios 3 é uma passagem Classe 4. A Lei é considerada em seu sentido
letal, pois os homens a quebram. Deus “nos fez também capazes de ser
ministros de um novo testamento, não da letra, mas do espírito; porque a letra
mata e o espírito vivifica” (2Co. 3:6-8).
Paulo observa que o novo pacto ultrapassa o velho pacto em glória,
pois tem o poder de vivificar e transmitir vida.
E, se o ministério da morte, gravado com letras em pedras, veio
em glória, de maneira que os filhos de Israel não podiam fitar os
olhos na face de Moisés, por causa da glória do seu rosto, a qual
era transitória, como não será de maior glória o ministério do
Espírito? Porque, se o ministério da condenação foi glorioso,
muito mais excederá em glória o ministério da justiça. (2Co.
3:7b-9)
Foi a glória da ordem do velho pacto que desapareceu, não a Lei:
Porque, se o que era transitório foi para glória, muito mais é em
glória o que permanece. Tendo, pois, tal esperança, usamos de
muita ousadia no falar. E não somos como Moisés, que punha
um véu sobre a sua face, para que os filhos de Israel não
olhassem firmemente para o fim daquilo que era transitório.
(2Co. 3:11-13)

GÁLATAS
Em Gálatas temos passagens que podem ser designadas Classe 1 e Classe 3.
Os gálatas estavam tentando guardar os aspectos cerimoniais da Lei na
esperança de ganhar a justificação diante de Deus (Gl. 5:1-4; 2:19, 21; 3:11).
Mas Cristo nos libertou da maldição que a quebra da Lei demanda. “Cristo
nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está
escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro” (Gl. 3:13). A Lei
mesma não é uma “maldição”, mas contém uma maldição para aqueles que a
quebram.

JOÃO 1:17
João 1:17 é uma passagem Classe 4. “Porque a lei foi dada por Moisés; a
graça e a verdade vieram por Jesus Cristo.” O contraste aqui não é entre Lei e
graça ou verdade, mas entre Moisés e Cristo em seus papéis na proclamação
da revelação divina: A Lei veio por intermédio de Moisés (ela não era dele).
A graça e a verdade foram de fato cumpridas em Cristo (eram dele). Assim, a
lei manifesta indiretamente a Deus como um reflexo, enquanto Cristo
manifesta diretamente a Deus como a “exata representação” (João 1:14, 18;
Hb. 1:3).

LUCAS 16:16
Lucas 16:16 é uma passagem Classe 4. “A lei e os profetas duraram até João;
desde então é anunciado o reino de Deus, e todo o homem emprega força
para entrar nele.” Ela ensina meramente que a era da Lei e os profetas
levaram historicamente à vinda de Cristo. Nada aqui é anti-teonômico.

A LEI CERIMONIAL
A lei cerimonial é freqüentemente apresentada para minar uma exposição
apropriada de Mateus 5:17-19, como apresentada num capítulo anterior.
Contudo, devemos reconhecer, em primeiro lugar, que a Lei de Deus reflete
dois tipos de verdade: moral e restaurativa. Isto é, a Lei reflete a justiça santa
de Deus e Sua salvação graciosa. A lei cerimonial, intencionalmente, nunca
pretendeu ser um fim em si mesmo. Ela sempre apontou profética e
tipicamente para o Redentor vindouro. Ela prenunciou as verdades eternas da
obra de Cristo e estava destinada a ser substituída.
De sorte que, se a perfeição fosse pelo sacerdócio levítico
(porque sob ele o povo recebeu a lei), que necessidade havia
logo de que outro sacerdote se levantasse, segundo a ordem de
Melquisedeque, e não fosse chamado segundo a ordem de Arão?
Porque, mudando-se o sacerdócio, necessariamente se faz
também mudança da lei. (Hb. 7:11, 12)
Em segundo lugar, a vinda de Cristo confirmou o significado
essencial das cerimônias e validou eternamente seu ensino. Cristo é a
realidade da qual elas eram apenas a sombra.
Em terceiro lugar, temos as cerimônias observadas para nós em
Cristo. Ele não destruiu seu significado, mas transformou a forma como elas
devem ser observadas. Ele é o nosso sacrifício (1Co. 5:7; 1Pe. 1:19; João
1:29). Algumas vezes podemos achar difícil determinar que leis são
cerimoniais e quais não são, mas isso não destrói o princípio da ética
teonômica.
CAPÍTULO SEIS: O escopo mundial da Lei de Deus
É frequentemente argumentado que a Lei Mosaica foi expressamente
designada para uso somente no Israel do Antigo Pacto. Sua relevância era
exclusivamente para a nação especial redimida nos tempos pré-cristãos.
Os dispensacionalistas costumam usar esse argumento com muito
vigor: “As estipulações do Sinai não foram para as nações em geral, mas a
um povo debaixo da graça… Visto que as nações ao redor do Sinai não foram
chamadas a adotar o Pacto Mosaico, parece evidente que as nações pagãs não
seriam julgadas pela lei de Moisés.”[37]
A ética teonômica e as nações

O que segue é apenas uma lista de poucas respostas a esse tipo de objeção:
1. A objeção dispensacionalista confunde mandamentos morais com
forma pactual. Os mandamentos morais são distinguíveis do sistema pactual
no qual eles são encontrados. Por exemplo, tanto no Novo como no Antigo
Pacto, somos ordenados a amar nosso pai e mãe (cp. Dt. 5:16 e Ef. 6:2). Isso
não significa que o Antigo Pacto e o Novo Pacto são o mesmo!
A forma do Antigo Pacto, que incluía o sistema sacrificial e outros
requerimentos cerimoniais, e foi estabelecido somente com Israel, possuía
vários requerimentos morais divinamente ordenados, que são mandamentos
da parte de Deus perpetuamente obrigatórios. Os requerimentos morais
imutáveis podem ser distinguidos da muldura histórico-redentiva nos quais
eles são encontrados. Os mandamentos morais (justiça definida) são
distinguíveis das distintas leis cerimoniais (redenção explicada), como é
evidente no próprio Antigo Testamento. Deus contrasta a lei moral e
cerimonial, quando Ele diz: “Porque eu quero a misericórdia, e não o
sacrifício; e o conhecimento de Deus, mais do que os holocaustos” (Oséias
6:6).
Em outros lugares testemunhamos a mesma coisa. “Porém Samuel
disse: ‘Tem porventura o SENHOR tanto prazer em holocaustos e sacrifícios,
como em que se obedeça à palavra do SENHOR? Eis que o obedecer é melhor
do que o sacrificar; e o atender melhor é do que a gordura de carneiros’ ” (1
Samuel 15:22). Davi escreveu:
Livra-me dos crimes de sangue, ó Deus, Deus da minha
salvação, e a minha língua louvará altamente a tua justiça. Abre,
Senhor, os meus lábios, e a minha boca entoará o teu louvor.
Pois não desejas sacrifícios, senão eu os daria; tu não te deleitas
em holocaustos. Os sacrifícios para Deus são o espírito
quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não
desprezarás, ó Deus. (Sl. 51:14-17)[38]

2. A Lei de Deus foi de fato designada como um modelo para as


nações.
Guardai-os pois, e cumpri-os, porque isso será a vossa sabedoria
e o vosso entendimento perante os olhos dos povos, que ouvirão
todos estes estatutos, e dirão: Este grande povo é nação sábia e
entendida. Pois, que nação há tão grande, que tenha deuses tão
chegados como o SENHOR nosso Deus, todas as vezes que o
invocamos? E que nação há tão grande, que tenha estatutos e
juízos tão justos como toda esta lei que hoje ponho perante vós?
(Dt. 4:6-8)
Isso é indicado em outros lugares, também, incluindo 1 Reis 10:1, 8-
9; Isaías 24:5; 51:4; Salmos 2:9ss.; 47:1-2; 94:10-12; 97:1-2; 119:46, 118-
119; Provérbios 16:12, Eclesiastes 12:13. Deus não tem um padrão de justiça
duplo (cf. Dt. 25:13-16; Lv. 19:35-37).

3. As nações ao redor de Israel foram freqüentemente julgadas por


quebrar os padrões morais de Deus, mas nunca por violar a forma pactual
Mosaica. Israel é advertido, enquanto preparando-se para entrar na Terra:
Com nenhuma destas coisas vos contamineis; porque com todas
estas coisas se contaminaram as nações que eu expulso de diante
de vós. Por isso a terra está contaminada; e eu visito a sua
iniqüidade, e a terra vomita os seus moradores. Porém vós
guardareis os meus estatutos e os meus juízos, e nenhuma destas
abominações fareis, nem o natural, nem o estrangeiro que
peregrina entre vós; porque todas estas abominações fizeram os
homens desta terra, que nela estavam antes de vós; e a terra foi
contaminada. (Lv. 18:24-27)[39]
A mesma verdade pode ser vista logo nos dias de Abraão, no
julgamento de Sodoma e Gomorra (Gn. 19:15; cp. 2Pe. 2:9).

4. A Igreja e o Estado estavam separados na era do Antigo


Testamento. Os dispensacionalistas acusam os teonomistas de promover a
“fusão da Igreja e do Estado”[40] ou unir as duas instituições.[41] Tal
incorporação, eles argumentam, era apropriada para o lugar particular de
Israel na história redentiva, mas não para as nações fora de Israel. O que eles
falham em perceber é que os teonomistas não argumentam a favor de tal
união da Igreja e do Estado. Nem havia semelhante união em Israel. Embora
houvesse uma relação íntima entre a Igreja e o Estado, elas permaneciam
instituições separadas. Havia uma distinção entre o governador civil, Moisés,
e o sumo-sacerdote, Aarão; entre os ofícios de rei e sacerdote; entre o templo
e o palácio (1 Samuel 13:11; 2 Crônicas 19:5-11; 26:16-21). Argumentar a
favor da Lei normativa de Deus hoje não é negar a validade dessas distinções.
5. Pessoas de todas as nações estão sob a obrigação de obedecer à
Lei de Deus hoje. Os escritos de Paulo são bem claros nesse respeito: “… os
quais, conhecendo a justiça de Deus (que são dignos de morte os que tais
coisas praticam), não somente as fazem, mas também consentem aos que as
fazem” (Rm. 1:32). Aqui Paulo não está limitando o julgamento de Deus a
um único pecado, mas ele fala do complexo da pecaminosidade descrito nos
versículos anteriores.[42] Uns poucos versículos adiante, ele escreve:
Porque todos os que sem lei pecaram, sem lei também
perecerão; e todos os que sob a lei pecaram, pela lei serão
julgados. Porque os que ouvem a lei não são justos diante de
Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados. Porque,
quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as
coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei;
os quais mostram a obra da lei escrita em seus corações,
testificando juntamente a sua consciência, e os seus
pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os. (Rm. 2:12-
15)
Uma declaração mais clara de Paulo é encontrada em Romanos 3:19:
“Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o
diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável
diante de Deus” (cf. 12:19-13:10; 1Tm. 1:8).
Tudo isso é esperado à luz da vinda do Messias, que ensinará às
nações a Lei de Deus.
E acontecerá nos últimos dias que se firmará o monte da casa do
SENHOR no cume dos montes, e se elevará por cima dos outeiros;
e concorrerão a ele todas as nações. E irão muitos povos, e
dirão: Vinde, subamos ao monte do SENHOR, à casa do Deus de
Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, e andemos nas suas
veredas; porque de Sião sairá a lei, e de Jerusalém a palavra do
SENHOR. (Is. 2:2-3)
Assim, como observado anteriormente, a Lei de Deus em nossa era
deve ser considerada como “justa” (Rm. 7:12; Hb. 2:2) e “boa” (Rm. 7:12;
1Tm. 1:8).
CAPÍTULO SETE: Os benefícios práticos da ética
teonomista

Para ilustrar a praticidade da Lei de Deus (que foi apresentada como uma
obrigação moral até aqui), listarei brevemente uns poucos benefícios
fundamentados na ética teonomista.
Benefícios bíblicos
Um dos benefícios mais imediatos da teonomia é que somos deixados com
uma Palavra de Deus intacta. A ética teonomista não aborda a Escritura com
a pressuposição que certas partes do Antigo Testamento devem ser colocadas
de lado, exceto quando repetidas no Novo Testamento. Antes, somente uma
palavra da parte de Deus na própria Escritura tem a permissão de anular
qualquer porção da Escritura.
Por exemplo, o Livro de Hebreus coloca de lado o sistema sacrificial,
seu propósito de apontar para Cristo tendo sido consumado. Para o adepto da
ética teonomista, a Bíblia é deixada intacta como uma Palavra unificada da
parte de Deus, que tem relevância para todas as épocas.
Benefícios públicos

BENEFÍCIOS GERAIS
1. Na abordagem cristã auto-consciente à ética social, uma Lei imutável
torna-se a base da ordem social, e não os caprichos volúveis dos legisladores,
o humor da sociedade, ou a mania dos revolucionários. A Lei de Deus é
imutavelmente justa. “Tudo o que eu te ordeno, observarás para fazer; nada
lhe acrescentarás nem diminuirás” (Dt. 12:32).[43]
Toda lei é necessariamente religiosa, pois toda lei é uma expressão de
moralidade. E a moralidade está baseada em idéias de fundamento e valor.
Pela sua própria natureza, fundamentos e valores são conceitos religiosos. A
religião cristã, sendo a verdade (como demonstrada por uma apologética
apropriada), fornece uma inerrante e autoritativa Palavra de justiça imutável
como o padrão de moralidade social.
2. A prosperidade nacional abunda somente em termos da justiça
definida por Deus, pois vivemos em um universo moral (Pv. 15:3). “A justiça
exalta os povos, mas o pecado é a vergonha das nações” (Pv. 14:34). Deus é
soberano em Sua administração providencial das questões do mundo.
Conseqüentemente, os profetas podem descrever poeticamente as nuvens
como a poeira dos Seus pés (Na. 1:3-6). Jó pode falar de Deus como
dirigindo o relâmpago (Jó 37:3). Ele controla até mesmo o número de cabelos
em nossas cabeças e a vida e morte dos pardais (Mt. 10:29-30). De fato, ele
“faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade” (Ef. 1:11). A história
tem significado e propósito por Seu envolvimento pessoal. Ele ordenou que,
culturalmente, a obediência à Lei determine os destinos naturais no longo
prazo (Dt. 28).

BENEFÍCIOS SOCIAIS
Muitos benefícios sociais florescem de uma abordagem teonomista da lei e
ordem. Aqui estão uns poucos exemplos.

1. Ela obriga o governo a manter uma política monetária justa.


Na tua bolsa não terás pesos diversos, um grande e um pequeno.
Na tua casa não terás dois tipos de efa, um grande e um
pequeno. Peso inteiro e justo terás; efa inteiro e justo terás; para
que se prolonguem os teus dias na terra que te dará o SENHOR teu
Deus. (Dt. 25:13-15[44])
Com isso, a Lei de Deus proíbe três fenômenos monetários
contemporâneos que têm contribuído fortemente para a posição
economicamente precária das nações modernas: papel moeda, prática de
reserva fracionária e gastos deficitários.

2. Ela fornece uma base moral para escolher funcionários do governo.


“Tomai-vos homens sábios e entendidos, experimentados entre
as vossas tribos, para que os ponha por chefes sobre vós.”…
Tomei, pois, os chefes de vossas tribos, homens sábios e
experimentados, e os tenho posto por cabeças sobre vós, por
capitães de milhares, e por capitães de cem, e por capitães de
cinqüenta, e por capitães de dez, e por governadores das vossas
tribos. … “Não discriminareis as pessoas em juízo; ouvireis
assim o pequeno como o grande; não temereis a face de
ninguém, porque o juízo é de Deus; porém a causa que vos for
difícil fareis vir a mim, e eu a ouvirei”. (Dt. 1:13, 15, 17)

3. Ela proíbe uma cobrança de imposto indevida ou abusiva dos ricos.


“O rico não dará mais, e o pobre não dará menos da metade do siclo, quando
derem a oferta alçada ao SENHOR, para fazer expiação por vossas almas” (Ex.
30:15). O Comunismo pune o rico – e o pobre também, como a antiga União
Soviética demonstrou tão claramente. A Lei de Deus protege os direitos de
ricos e pobres.

4. Ela exige a abolição do sistema de prisão e estabelece um sistema


de restituição justa.
“Se alguém furtar boi ou ovelha, e o degolar ou vender, por um
boi pagará cinco bois, e pela ovelha quatro ovelhas. Se o ladrão
for achado roubando, e for ferido, e morrer, o que o feriu não
será culpado do sangue. Se o sol houver saído sobre ele, o
agressor será culpado do sangue; o ladrão fará restituição total; e
se não tiver com que pagar, será vendido por seu furto.[45] Se o
furto for achado vivo na sua mão, seja boi, ou jumento, ou
ovelha, pagará o dobro.” (Ex. 22:1-4[46])
Um sistema de restituição justa eliminaria o pagamento de impostos
para sustentar criminosos, livraria a sociedade de um lugar de criação e
treinamento para criminosos e reembolsaria as vítimas dos crimes de forma
justa.

5. A abordagem teonomista também proíbe a soltura, perdão e


liberdade condicional de assassinos, pois exige a execução destes.
Mas, havendo alguém que odeia a seu próximo, e lhe arma
ciladas, e se levanta contra ele, e o fere mortalmente, e se acolhe
a alguma destas cidades, então os anciãos da sua cidade
mandarão buscá-lo; e dali o tirarão, e o entregarão na mão do
vingador do sangue, para que morra. O teu olho não o perdoará;
antes tirarás o sangue inocente de Israel, para que bem te suceda.
(Dt. 19:11-13)

6. Ela proíbe a poluição industrial que destrói o valor de propriedade.


“Se irromper um fogo, e pegar nos espinhos, e queimar a meda de trigo, ou a
seara, ou o campo, aquele que acendeu o fogo totalmente pagará o queimado”
(Ex. 22:6).

7. Ela pune os maliciosos e praticantes de frivolidades.


Quando se levantar testemunha falsa contra alguém, para
testificar contra ele acerca de transgressão, então aqueles dois
homens, que tiverem a demanda, se apresentarão perante o
SENHOR, diante dos sacerdotes e dos juízes que houver naqueles
dias. E os juízes inquirirão bem; e eis que, sendo a testemunha
falsa, que testificou falsamente contra seu irmão, far-lhe-eis
como cuidou fazer a seu irmão; e assim tirarás o mal do meio de
ti. Para que os que ficarem o ouçam e temam, e nunca mais
tornem a fazer tal mal no meio de ti. O teu olho não perdoará;
vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé
por pé. (Dt. 19:16-21)
8. Ela proíbe o direito ao aborto.
Se alguns homens pelejarem, e um ferir uma mulher grávida, e
for causa de que aborte, porém não havendo outro dano,
certamente será multado, conforme o que lhe impuser o marido
da mulher, e julgarem os juízes. Mas se houver morte, então
darás vida por vida. (Ex. 21:22-23)
Aborto não é apenas um pecado, mas um crime, e de fato, um crime
capital.[47]
Benefícios pessoais

1. A Lei de Deus delineia o comportamento moral específico, eliminando da


conduta moral qualquer conjectura. “Lâmpada para os meus pés é tua
palavra, e luz para o meu caminho” (Sl. 119:105). O cristão não deveria ser
alguém que tateia nas trevas, mas uma pessoa que anda na luz (1 João 1:7).
2. Ela nos obriga a tratar com respeito mesmo o nosso inimigo
pessoal: “Se encontrares o boi do teu inimigo, ou o seu jumento, desgarrado,
sem falta lho reconduzirás. Se vires o jumento, daquele que te odeia, caído
debaixo da sua carga, deixarás pois de ajudá-lo? Certamente o ajudarás a
levantá-lo” (Ex. 23:4-5). A vingança pessoal é reduzida e a estabilidade
elevada quando a lei de Deus é mantida em alta consideração.
3. Ela nos obriga a amar o nosso próximo como a nós mesmos. “Não
te vingarás nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu
próximo como a ti mesmo. Eu sou o SENHOR” (Lv. 19:18).
4. Ela nos obriga a prover segurança para hóspedes em nossa
propriedade. “Quando edificares uma casa nova, farás um parapeito, no
eirado, para que não ponhas culpa de sangue na tua casa, se alguém de algum
modo cair dela” (Dt. 22:8; veja também Ex. 21:33-34).
5. Ela nos obriga a indenizar aqueles a quem prejudicamos:
E se dois homens pelejarem, ferindo-se um ao outro com pedra
ou com o punho, e este não morrer, mas cair na cama, se ele
tornar a levantar-se e andar fora, sobre o seu bordão, então
aquele que o feriu será absolvido; somente lhe pagará o tempo
que perdera e o fará curar totalmente. (Ex. 21:18-19)
6. Ela nos proíbe de emprestar dinheiro com juros a uma pessoa
necessitada.
Se emprestares dinheiro ao meu povo, ao pobre que está contigo,
não te haverás com ele como um usurário; não lhe imporeis
usura. Se tomares em penhor a roupa do teu próximo, lho
restituirás antes do por do sol, porque aquela é a sua cobertura, e
o vestido da sua pele; em que se deitaria? Será pois que, quando
clamar a mim, eu o ouvirei, porque sou misericordioso. (Ex.
22:25-27)
Conclusão

A despeito da muita confusão por parte dos detratores da ética teonomista, a


abordagem teonomista à conduta moral não é uma tentativa de oferecer um
plano para a justificação pelas obras. Teonomia simplesmente ensina que a
Palavra de Deus é o supremo padrão pelo qual as pessoas serão julgadas. Ter
um padrão revelado e objetivo remove qualquer especulação sobre como
deve ser o viver justo.
A teonomia tampouco envolve uma tentativa de impor o Cristianismo
a um país mediante puro poder político, judicial ou militar. Embora a Lei de
Deus apresente o padrão para tudo da vida (não apenas a esfera pessoal da
existência humana), a implementação a longo prazo da Lei de Deus deve
seguir, não preceder, o reavivamento cristão massivo. Então uma nação de
pessoas judicialmente justas buscará um governo judicialmente justo, de
acordo com o padrão da justiça de Deus, não do homem caído e pecaminoso.
O cristão deveria entender que a única alternativa à Lei de Deus é a lei
do homem. Não existe neutralidade. Jesus disse: “quem não é comigo é
contra mim” (Lucas 11.23a), e “nenhum servo pode servir dois senhores;
porque, ou há de odiar um e amar o outro, ou se há de chegar a um e
desprezar o outro” (Lucas 16.13a). Em nenhum lugar a Bíblia cancela a Lei
de Deus, mas em todo lugar a afirma. Deveríamos esperar que a Lei de Deus
continue na era do Novo Testamento, a menos que haja uma palavra da parte
de Deus na Escritura que a anule, quer por preceito ou prática. Se a Lei de
Deus é ou não agradável aos nossos sentimentos pessoais ou ao nosso
ambiente contemporâneo não é o assunto para o cristão. O que vem ao caso é
se ela é o padrão obrigatório e contínuo da justiça de Deus.
O Cristianismo desencadeou a maior prosperidade, estabilidade e
liberdade conhecida na história. Na extensão em que a visão cristã é também
a visão bíblica (contrário ao liberalismo, que tenta separar os dois[48]),
podemos esperar as bênçãos objetivas de Deus sobre esse povo cujo Deus é o
Senhor, como evidenciado em sua lei.
O Cristianismo da Bíblia fornece uma visão de mundo que abrange
toda a vida. O verdadeiro Cristianismo tem uma palavra de autoridade da
parte de Deus para tudo da vida.
Guardai-os pois, e cumpri-os, porque isso será a vossa sabedoria
e o vosso entendimento perante os olhos dos povos, que ouvirão
todos estes estatutos, e dirão: Este grande povo é nação sábia e
entendida. Pois, que nação há tão grande, que tenha deuses tão
chegados como o SENHOR nosso Deus, todas as vezes que o
invocamos? E que nação há tão grande, que tenha estatutos e
juízos tão justos como toda esta lei que hoje ponho perante vós?
(Dt 4.6-8)
E assim a lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom. (Rm
7.12)
Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela usa
legitimamente; sabendo isto, que a lei não é feita para o justo,
mas para os injustos e obstinados, para os ímpios e pecadores,
para os profanos e irreligiosos, para os parricidas e matricidas,
para os homicidas, para os devassos, para os sodomitas, para os
roubadores de homens, para os mentirosos, para os perjuros, e
para o que for contrário à sã doutrina, conforme o evangelho da
glória de Deus bem-aventurado, que me foi confiado. (1Tm 1.8-
11)
Sobre o autor

O rev. Kenneth L. Gentry Jr. graduou-se na Tennessee Temple University


(B.A., cum laude), e recebeu o título de mestre em teologia pelo Reformed
Theological Seminary, e de mestre e doutor em teologia pelo Whitefield
Theological Seminary. Ele é ministro ordenado da Reformed Presbyterian
Church General Assembly, e pastoreia atualmente a Living Hope
Presbyterian Church, em Greer (Carolina do Sul, EUA), além de autor e
editor de vários livros, dentre eles Teu é o Reino e Pós-milenarismo para
leigos (publicados pela Editora Monergismo). Casado desde 1971, ele e a
esposa têm três filhos e muitos netos.

[1] Greg L. Bahnsen, By This Standard (Tyler, Tex.: Institute for Christian Economics,
1985).
[2] Hal Lindsey, The Road to Holocaust (New York: Bantam, 1989), e Dave Hunt,
Whatever Happened to Heaven? (Portland, Oreg.: Harvest, 1989). Veja a análise desses
livros em conjunção com outra obra, em Kenneth L. Gentry, Jr., e Greg L. Bahnsen, House
Divided: The Break-up of Dispensational Theology (Tyler, Tex.: Institute for Christian
Economics, 1989).
[3] William S. Barker e W. Robert Godfrey, Theonomy: A Reformed Critique (Grand
Rapids: Zondervan, 1990). Para críticas, veja Gary North, Westminster’s Confession: The
abandonment of Van Til’s Legacy (Tyler, Tex.: Institute for Christian Economics, 1991),
Greg L. Bahnsen, No Other Standard: Theonomy and Its Critics (Tyler, Tex.: Institute for
Christian Economics, 1991), e Gary North, ed., Theonomy: An Informed Response (Tyler,
Tex.: Institute for Christian Economics, 1991).
[4] Greg L. Bahnsen, Theonomy in Christian Ethics, 2d ed. (Phillipsburg, N.J.:
Presbyterian and Reformed, 1984) e By This Standard (Tyler, Tex.: Institute for Christian
Economics, 1985).
[5] Gary Noth, Tools of Dominion: The Case Laws of Exodus (Tyler, Tex.: Institute for
Christian Economics, 1990).
[6] R. J. Rushdoony, Institutes of Biblical Law (Nutley, N.J.: Craig, 1973; reimpresso pela
Presbyterian and Reformed) e Law and Society: Volume 2 of the Institutes of Biblical Law
(Vallecito, Calif.: Ross House, 1982).
[7] Dispensacionalista é a pessoa que crê no dispensacionalismo, o qual o Dr. J. G. Vos
definiu como “aquele falso sistema de interpretação da Bíblia representado pelos escritos
de J. N. Darby e a Bíblia de Estudo Scofield, que divide a história da humanidade em sete
períodos distintos de ‘dispensações’, e afirma que em cada período Deus lida com a raça
humana sobre a base de algum princípio específico. O dispensacionalismo nega a
identidade espiritual de Israel e a Igreja, e tende a colocar a ‘graça’ e a ‘lei’ como
princípios mutuamente exclusivos.” (Nota do tradutor).
[8] Agora publicado como Lord of the Saved: Getting to the Heart of the Lordship Debate
(Phillipsburg, N.J.: Presbyterian and Reformed, 1992).
[9] Para um estudo da questão escatológica pós-milenista contra o pano de fundo do
dispensacionalismo, veja: Greg L. Bahnsen e Kenneth L. Gentry, Jr., House Divided: The
Break-up of Dispensational Theology (Tyler, Tex.: Institute for Christian Economics,
1989), caps. 9-16.
[10] J. Dwight Pentecost, Things to Come (Grand Rapids: Zondervan, 1958), p. 387; veja
também Hal Lindsey, The Late Great Planet Earth (Grand Rapids: Zondervan, 1971), p.
176.
[11] Os dois títulos por Kik foram combinados num único volume, An Eschatology of
Victory (Phillipsburg, N. J.: Presbyterian and Reformed, 1971). Para uma informação mais
detalhada sobre essa questão histórica específica e a justificativa bíblica para o pós-
milenismo, veja meu livro He Shall Have Dominion: A Postmillennial Eschatology (Tyler,
Tex.: Institute for Christian Economics, 1992).
[12] House e Ice dizem enfaticamente que devemos diferenciar “a lei de Deus” da “lei de
Moisés”. H. Wayne House e Thomas D. Ice, Dominion Theology: Blessing Or Curse?
(Portland, Oreg;: Multnomah, 1988). p. 100. Contudo, quando lemos as Escrituras do
Antigo Testamento, descobrimos que Deus mostra um zelo especial e inflexível em manter
que a Lei dada por meio de Moisés é a Sua Lei. A Lei de Moisés é identificada
continuamente com a Lei de Jeová: e.g., Dt. 30:10; Js. 24:26; 2 Reis 10:31; 17:13; 21:8;
1Cr. 22:12; 2Cr. 6:16; 31:21; Esdras 7:6, 12, 14, 21; Ne. 8:8, 18; 9:3; 10:28,29; Sl. 78:1;
81:4; 89:30; 119:34, 77, 92, 97, 109, 174; Is. 1:10; Jr. 6:19; 9:13; 16:11; 26:4; 31:33;
44:10; 22:26; Dn. 6:5; Os. 4:6; 8:1.
[13] Um “Reconstrucionista” é aquele que sustentam a aplicabilidade da Lei de Deus à
sociedade e governo modernos, enquanto mantendo ao mesmo tempo a esperança pós-
milenistas que as promessas do Cristianismo ganharão o mundo para Cristo através do
evangelho, que é “o poder de Deus para a salvação”.
[14] Erroll Hulse, “Reconstructionism, Restorationism or Puritanism”, em Reformation
Today, nº 116 (Julho/Agosto 1990:25).
[15] House and Ice, Dominion Theology, p. 77.
[16] Minutes of the Seventh General Assembly of the Presbyterian Church in America
(1979), p. 195 (“Report on Theonomy”).
[17] Minutes of the Ninth General Assembly of the Presbyterian Church in America
(1979), p. 145, seção 7 (“Review and Control of Presbyteries Report”).
[18] Minutes of the Tenth General Assembly of the Presbyterian Church in America
(1979), pp. 107ss. (“Lee, et al. v. Gulf Coast Presbytery”). A antipatia de alguns para com a
teonomia é observada nessa decisão: “É o julgamento da Comissão que o [Presbítero
Docente] Donald C. Graham ajudou a agravar o problema da dissensão sobre ‘teonomia’ ao
circular materiais que continham linguagem intemperada a certos membros do Presbitério
de Gulf Coast” (p. 108).
[19] Minutes of the Eleventh General Assembly of the Presbyterian Church in America
(1979), p. 97 (“Advice of the Sub-Committee on Judicial Business”).
[20] Meredith G. Kline, “Comments on an Old-New Error: A Review Article”, em
Westminster Theological Journal 41 (Outono de 1978): 173.
[21] Greg L. Bahnsen, “M. G. Kline on Theonomic Politics: An Evaluation of His Reply”,
The Journal of Christian Reconstruction 6 (winter 1979-80): 195ss.
[22] A ética teonomista sustenta que o Novo Testamento é a revelação conclusiva de Deus
para o homem. Se o Novo Testamento rejeita ou anula uma lei particular da Lei de Deus,
quer por preceito ou exemplo, então essa lei não é mais obrigatória nesta era. Mas
mantemos que é somente Deus falando na Escritura que tem a autoridade para fazer isso.
[23] Veja nota 5 na introdução.
[24] Mt. 26:28; Mc. 14:24; Lucas 22:20; 1Co. 11:25; 2Co. 3:7ss.; Hb. 8:6ss.
[25] Mt. 7:23; 13:41; 23:28; 24:12; Atos 8:23; Rm. 3:20; 6:19; 1Co. 13:6. Tito 2:14; Hb.
1:9; Tiago 3:6. O termo traduzido como “iniqüidade” significa literalmente “sem lei” no
grego: a (“não”) e nomos (“lei”).
[26] Considerações mais detalhadas das passagens podem ser encontradas em Greg L.
Bahnsen, Theonomy in Christian Ethics, 2d ed. (Phillipsburg, N.J.: Presbyterian and
Reformed, 1984).
[27] A versão do autor diz: “Não vim destruir, mas cumprir”. (N. do T.)
[28] Não aparece na RA, mas na RC, ACF e NVI sim. (N. do T.).
[29] Veja o capítulo 5 para uma discussão da lei cerimonial e sacrificial. Essas são leis
proféticas que prefiguram a vinda de Cristo e simbolizam a redenção. Por essa razão, não
mais são válidas para os cristãos da era do novo pacto.
[30] Mt. 3:2; 4:17; 10:7; 11:11-12.
[31] A versão do autor é mais clara: “Qualquer que disser ao pai ou à mãe, ‘O que
poderias aproveitar de mim foi dedicado ao templo’ – está livre de honrar a seu pai ou
mãe” (N. do T.)
[32] Veja a apresentação anterior mais acima.
[33] Contrário à opinião popular, Apocalipse não foi o último livro escrito. Veja Kenneth
L. Gentry, Jr., Before Jerusalem Fell: Dating the Book of Revelation (Tyler, Tex.: Institute
for Christian Economics, 1989).
[34] Veja também 1:13; 2:17-20, 28-29; 9:31; 10:3.
[35] Cp. Gl. 2:21-3:3, 10, 11; 5:4.
[36] Ex. 32:13; 33:13; Jr. 3:12; 1 Reis 8:46, 48-53; Hb. 1:1ss.
[37] H. Wayne House and Thomas D. Ice, Dominion Theology: Blessing or Curse?
(Portland, Oreg.: Multnomah, 1988), pp. 128, 129.
[38] Ver também Pv. 21:3; Is. 1:10-17.
[39] Ver também Dt. 7:5-6, 16, 25; 12:1-4; 19:29-32; Amós 1:6 (Ex. 21:16; Dt. 24:7);
Naum 3:4 (Ex. 22:18; Lv. 19:21); Habacuque 2:6 (Ex. 22:25-27; Dt. 24:6, 10-13);
Habacuque 2:12 (cp. Mq. 3:10)
[40] House and Ice, Dominion Theology, p. 95.
[41] Ibid., p. 339.
[42] Para uma discussão mais completa de Rm. 1:32, veja Kenneth L. Gentry, “Civil
Sanctions in the New Testament,” Gary North, ed., Theonomy: An Informed Response
(Tyler, Tex.: Institute for Christian Economics, 1991).
[43] Ver também Sl. 119:44, 137, 142, 144.
[44] Ver também Pv. 11:1; Is. 1:22.
[45] Esse trabalho forçado forçaria o ladrão a literalmente pagar por seu crime.
[46] Ver também vv. 7-9.
[47] Kenneth L. Gentry, Jr., The Christian Case Against Abortion, 2d ed. (Memphis,
Tenn.: Footstool, 1989), pp. 62-68.
[48] Em sua defesa do relatório especial da PCUSA sobre a sexualidade humana em 1991,
John Carey, diretor do comitê que escreveu o relatório, comentou: “A ética bíblica e a ética
cristã para a igreja hoje não são a mesma coisa” (Randy Frame, “Sexuality Report Draws
Fire”, Christianity Today, 29 de abril de 1991, p. 37).

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