Objetivo da fiança: tem por fim, primordialmente, assegurar a liberdade provisória do
indiciado ou réu, enquanto decorre o processo criminal, desde que preenchidas determinadas condições. Entregando valores seus ao Estado, estaria vinculado ao acompanhamento da instrução e interessado em se apresentar, em caso de condenação, para obter, de volta, o que depositou. Além disso, a fiança teria a finalidade de garantir o pagamento das custas e também da multa (se for aplicada). Atualmente, no entanto, o instituto da fiança ainda se encontra desmoralizado. Embora seus valores tenham sido revistos pela Lei 12.403/2011, por culpa exclusiva do constituinte, inseriu-se na Constituição Federal a proibição de fiança para determinados casos graves, como os crimes hediondos e assemelhados, dentre outros. Ora, tais delitos comportam liberdade provisória, sem fiança, gerando uma contradição sistêmica. Para o acusado por homicídio qualificado (delito hediondo), o juiz pode conceder liberdade provisória, sem arbitrar fiança; para o réu de homicídio simples (não hediondo), caberia liberdade provisória com fixação de fiança. Diante disso, o autor de infração penal mais grave não precisa recolher valor algum ao Estado para obter a liberdade provisória; o agente de crime mais leve fica condicionado a fazê-lo. Infelizmente, tal erro somente se pode corrigir com uma revisão constitucional. 8. Aperfeiçoamento do instituto da fiança: segundo cremos, todos os delitos deveriam ser afiançáveis. Os mais leves, como já ocorre atualmente, comportariam a fixação da fiança pela própria autoridade policial, enquanto os mais graves, somente pelo juiz. Mas, desde o homicídio qualificado até um mero furto simples deveriam ser objeto de fixação de fiança. Por ora, enquanto não se altera o texto constitucional, devem os juízes arbitrar fiança, sempre que possível, gerando essa cultura na sistemática processual penal, pois útil e razoável. 9. Fixação pela autoridade policial: somente pode ocorrer em infrações penais consideradas mais leves, como as punidas com penas privativas de liberdade máxima não superior a quatro anos. Aboliu-se, pela edição da Lei 12.403/2011, a distinção entre reclusão e detenção, para efeito de fiança, algo correto e proveitoso. Lembremos que o cálculo do máximo em abstrato previsto para o caso concreto (prisão em flagrante) deve envolver o concurso de crimes. Portanto, se o indiciado for detido por furto simples e receptação simples, em concurso material, não cabe a aplicação de fiança pela autoridade policial, pois o máximo abstrato da pena atinge oito anos de reclusão. Da mesma forma, insere-se eventual causa de diminuição da pena – utilizando a menor redução possível – para prever o máximo possível. No estelionato, a pena máxima é de cinco anos. O delegado não poderia arbitrar fiança. Porém, cuidando-se de tentativa de estelionato, diminuído um terço (mínimo possível) desse montante, passa-se a um valor abaixo de quatro anos, permitindo à autoridade policial fixar a fiança. Ainda assim, a autoridade policial deve conceder a fiança na fase do inquérito, pois, em juízo, é sempre atribuição do magistrado fixá-la (pode ser o tribunal, quando o processo estiver em grau de recurso, ou mesmo o relator, nos crimes de competência originária). Nos demais casos, o pedido deve ser dirigido ao juiz, como prevê o parágrafo único deste artigo. 10. Arbitramento pelo magistrado: requerida a fixação da fiança, por pleito do indiciado/réu ou do Ministério Público, o juiz tem o prazo de 48 horas para decidir. Ultrapassado tal período, configura-se constrangimento ilegal, passível de impetração de habeas corpus. Cuidando-se de direito à liberdade, o prazo deve ser fielmente respeitado. Por óbvio, se o magistrado indeferir a fiança, igualmente, cabe o questionamento pela via do habeas corpus. Art. 323. Não será concedida fiança: 11 I – nos crimes de racismo; 12 II – nos crimes de tortura, 13 tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, 14 terrorismo 15 e nos definidos como crimes hediondos; 16 III – nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; 17-18 IV – (Revogado); V – (Revogado). 11. Crimes inafiançáveis: há substancial diferença entre crimes inafiançáveis e situações que não comportam a concessão de fiança. A relação do art. 323 constitui a primeira hipótese. Não importando a pena, a necessariedade, a adequabilidade, a proporcionalidade, a razoabilidade, enfim, sem atenção a qualquer situação concreta, veda-se a fixação de fiança para os delitos de racismo, tortura, tráfico ilícito de drogas em geral, terrorismo, hediondos, bem como nos que forem cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. A relação do art. 324, por outro lado, não espelha um rol de infrações penais inafiançáveis, mas um quadro referente a situações incompatíveis com o instituto da fiança, pouco importando qual seja o crime. Diante disso, proíbe-se a concessão da fiança aos que a tiverem quebrado ou infringido as obrigações dos arts. 327 e 328 do CPP, anteriormente, sem motivo justificável, no mesmo processo, bem como nos casos de prisão civil ou militar. Finalmente, por óbvio, não cabe fiança, que é decorrência da liberdade provisória, quando presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva. Em suma, existem apenas seis especificações de crimes inafiançáveis (art. 323, CPP) e cinco situações de incompatibilidade com a fiança (art. 324, CPP). Leia-se, portanto, o seguinte, para ilustrar: o roubo é crime afiançável e jamais se tornará, como tipo penal incriminador, inafiançável, por força de uma situação peculiar; somente a lei pode torná-lo inafiançável. Por outro lado, havendo um caso concreto de roubo, visualizando- se os motivos autorizadores da prisão preventiva, torna-se uma situação incompatível com a fiança. Cuida-se, pois, de equívoco aventar a hipótese de um delito transformar-se em inafiançável por conta de um cenário fático adverso. 11-A. Vedação constitucional: as proibições reproduzidas neste artigo constituem frutos do texto do art. 5.º, incisos XLII, XLIII e XLIV, da Constituição Federal. Cuidou-se, na época da Assembleia Nacional Constituinte, de um equívoco nítido do legislador. Pretendendo mostrar-se rigoroso em face de tais crimes, proibiu a fiança. De nada adiantou, pois sempre foi concedida a liberdade provisória, sem fiança, mais benéfica ao acusado. Enfim, nada se pode fazer, a não ser aguardar futura reforma na Carta Magna, com prudência e bom-senso. 12. Racismo: são os delitos previstos na Lei 7.716/89. Em nossa visão, abrange-se, ainda, outros tipos penais, fora do contexto dessa lei, espelhando o racismo do mesmo modo, como é o caso da injúria discriminatória do art. 140, § 3.º, do Código Penal. 13. Tortura: são os crimes previstos na Lei 9.455/97. 14. Tráfico ilícito de drogas: estão previstos na Lei 11.343/2006. Há, também, referência a eles na Lei 8.072/90, considerando-os infrações penais equiparadas às hediondas. 15. Terrorismo: em nosso entendimento, está previsto no art. 20 da Lei 7.170/83. Porém, a maior parte da doutrina entende inexistir descrição típica suficiente em lei, constituindo lacuna a ser reparada pelo legislador. 16. Crimes hediondos: estão definidos no art. 1.º da Lei 8.072/90. 17. Crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático: estão previstos na Lei 7.170/83. 18. Proibição da fiança em leis especiais: assim o disposto pelo art. 31 da Lei 7.492/86, cuidando dos crimes contra o sistema financeiro, desde que punidos com reclusão: veda-se a concessão de fiança. O mesmo se tentou fazer por meio do art. 44 da Lei 11.343/2006, para o tráfico ilícito de drogas. E, no mesmo prisma, vedouse a liberdade provisória, com e sem fiança, no art. 21 da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). Em suma, de tempos em tempos, o legislador procura saciar-se na fonte da demagogia, pretendendo proibir a liberdade provisória, por meio de lei especial. O absurdo é evidente por dois motivos principais: a) a CF prevê o cabimento de liberdade provisória, nos termos da lei, significando devam existir tais requisitos – e não pura vedação padronizada; b) proibir a liberdade provisória para quem for preso em flagrante é consagrar o casuísmo. Considerando- se inexistir prisão preventiva obrigatória, quem desse o azar de ser preso em flagrante, ficaria preso, sem liberdade provisória; quem tivesse sorte, não sendo preso em flagrante, mesmo processado por idêntico crime, poderia ficar solto, durante a instrução. A tendência do STF é considerar inconstitucional a lei que proíba, simplesmente, a liberdade provisória, como fez com o art. 21 da Lei 10.826/2003 (e também os arts. 14 e 15, parágrafos únicos). O mesmo entendimento já atingiu a Lei de Drogas. A jurisprudência, em geral, busca exigir do magistrado fundamentação idônea para negar o benefício da liberdade provisória, em qualquer situação, o que nos parece correto. Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança: I – aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código; 19-20 II – em caso de prisão civil ou militar; 21 III – (Revogado); IV – quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312). 22 19. Situações incompatíveis com a fiança: ver a nota 11 ao art. 323. 19-A. Quebra da fiança: significa que o beneficiário da fiança deixou de respeitar as condições fixadas pelo juiz para aguardar em liberdade o seu julgamento. Por tal razão, teve a fiança considerada quebrada. Confirase o disposto nos arts. 327 (obrigação de comparecimento, perante a autoridade, todas as vezes que for convocado), 328 (proibição de mudança de residência, sem prévia permissão da autoridade, ou ausência por mais de oito dias do local da residência, sem comunicação), 341 (motivos de quebra, como, por exemplo, praticar outra infração penal dolosa, na vigência da fiança) e 350 (réu pobre, em gozo de liberdade provisória, sem fiança, deve seguir o disposto nos arts. 327 e 328). Eventualmente, pode demonstrar ter infringido qualquer das condições por motivo justificado, deixando o juiz de decretar a quebra da fiança. Verifique-se o disposto na jurisprudência: STJ: “A quebra de fiança, pela fuga do réu do distrito da culpa, é causa suficiente ao restabelecimento da prisão em flagrante” (RHC 9.203 – SP, 5.ª T., rel. Edson Vidigal, 23.11.1999, v.u., DJ 13.12.1999, p. 162). 20. Consequência da quebra: não pode ser obtida nova fiança, no mesmo processo. O acusado perde metade de seu valor, devendo o magistrado decidir se aplica outra medida cautelar (ou outras) ou, se presentes os requisitos do art. 312 do CPP, converte a prisão em flagrante em preventiva. 21. Modalidades de prisão incompatíveis com a fiança: a prisão civil, e a militar têm caráter totalmente diverso da prisão cautelar, justificadora da concessão de fiança. São medidas voltadas a pressionar alguém a cumprir uma obrigação (pagamento de alimentos, por exemplo) ou possuem o perfil de sanções imediatas e necessárias para impor a ordem, como é o caso das militares. Enfim, a concessão da fiança frustraria, integralmente, esse caráter de coerção, que elas envolvem. 22. Presença dos requisitos da preventiva: trata-se de situação lógica e plenamente compreensível. As hipóteses enumeradas no art. 312 do Código de Processo Penal devem nortear toda prisão cautelar, pois asseguram a ordem pública, a ordem econômica, a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal. Não teria sentido colocar alguém em liberdade, ainda que preste fiança, se a prisão preventiva deve ser decretada. Art. 325. O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites: 23 a) (Revogada); b) (Revogada); c) (Revogada). I – de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos; 24 II – de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos. 25 § 1.º Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser: 26 I – dispensada, na forma do art. 350 deste Código; 27 II – reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou 28 III – aumentada em até 1.000 (mil) vezes. 29 § 2.º (Revogado.): I – (Revogado); II – (Revogado); III – (Revogado). 23. Valores atualizados: a Lei 12.403/2011 cuidou de rever os valores previstos para a fiança, antes fixados em valores de referência já ultrapassados. Aeleição do salário mínimo (piso nacional – e não estadual) mantém os montantes em dia, não contribuindo para a sensível perda do poder aquisitivo da moeda, em especial, nos períodos de inflação. É fundamental a utilização dos novos padrões pelos magistrados, como forma de demonstrar a utilidade e viabilidade da fiança no sistema processual penal brasileiro. 24. Primeira faixa: para crimes cuja pena máxima cominada não for superior a quatro anos, logo, infrações consideradas mais leves (como furto simples, por exemplo), os valores partem de R$ 622,00 até atingir o montante de R$ 62.200,00. São quantias consideráveis e razoáveis, contando com o prudente critério do juiz para o arbitramento. 25. Segunda faixa: para delitos cuja pena máxima cominada for superior a quatro anos, portanto, infrações mais graves (como o homicídio simples, ilustrando), os valores partem de R$ 6.220,00 até atingir o montante de R$ 124.400,00. A proposta é estabelecer quantias mais elevadas para delitos mais sérios justamente para que o acusado desembolse maiores valores e chegue a comprometer o seu patrimônio, para auferir o benefício da liberdade provisória, de modo a se vincular ao processo, evitando-se a fuga. Não se trata de punir o réu ou indiciado em face de tais montantes, pois a fiança será devolvida, devidamente atualizada, desde que o interessado não se furte a cumprir a pena. Se for absolvido, a fiança retorna do mesmo modo. 26. Situação econômica do réu: é o principal critério – dentre outros, previstos pelo art. 326 – permitindo ao juiz (ou à autoridade policial, conforme o caso) fixar, corretamente, o valor devido da fiança. Assim, além de levar em consideração a gravidade da infração penal, cujos dados colherá nos incisos I e II deste artigo, no mais, precisa ponderar se o acusado é incapaz de pagar aqueles valores, mesmo quando fixados no mínimo. Desse modo, pode reduzir ainda mais, atingindo o máximo de dois terços – o que pode ser feito tanto pela autoridade policial, quanto pelo juiz. Se persistir a impossibilidade de pagamento, pode-se considerar o réu pobre, concedendo-lhe a liberdade provisória, sem fiança, o que somente fará o juiz. Por outro lado, acusados, financeiramente abonados, devem ter a fiança aumentada. Toma-se o valor máximo estabelecido para o crime, conforme os incisos I e II deste artigo, elevando-se até mil vezes mais. Tal medida deve ser tomada pelo magistrado, em razão das implicações decorrentes do não cumprimento. Trata-se de uma cautela, submetendo-se a questão ao devido processo legal. 27. Dispensa da fiança: o acusado pobre não deixará de obter a liberdade provisória, em razão dos elevados valores estabelecidos, em lei, para a fiança. Poderá receber o benefício do mesmo modo, sob outros compromissos e deveres, conforme previsto no art. 350. Por isso, não se deve criticar o instituto da fiança, sob o argumento de ser ele elitista, no trato com os réus em geral. 28. Redução do valor da fiança: pode a autoridade policial ou judiciária reduzir o quantum da fiança, em cada faixa, em até dois terços, não sendo necessário atingir tal montante. Somente para exemplificar, o menor valor da fiança seria de R$ 207,33. 29. Elevação do valor da fiança: em tese, o aumento da fiança, em até mil vezes, poderia ser graduado tanto pela autoridade policial quanto pela judiciária, mas entendemos deva ser atribuição exclusiva do juiz, em face das graves consequências advindas do não recolhimento. Por isso, mais adequado elaborar-se tal elevação sob o crivo do devido processo legal. Para a primeira faixa (inciso I), o máximo da fiança seria de R$ 62.200.000,00. Para a segunda (inciso II), atingiria R$ 124.400.000,00. Art. 326. Para determinar o valor da fiança, 30 a autoridade terá em consideração a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de sua periculosidade, bem como a importância provável das custas do processo, até final julgamento. 30. Critérios de determinação do valor da fiança: estabelece a lei cinco parâmetros: a) natureza da infração. O art. 325 encarregou-se, nos incisos I e II, de prever faixas de fixação da fiança, conforme a gravidade da infração penal, razão pela qual é desnecessário voltar a esse critério. Deve-se levar em consideração, para a subsunção da infração penal ao valor da fiança cabível, todas as circunstâncias legais de aumento ou diminuição da pena. Quanto às causas de diminuição, aplica-se o mínimo, sobre o máximo em abstrato previsto para o delito. Tratando-se de causas de aumento, coloca-se o máximo sobre o máximo em abstrato previsto para a infração penal; b) condições pessoais de fortuna. Trata-se do principal elemento, sob pena de tornar a fiança inútil ou despropositada. Deve-se analisar a situação econômica do beneficiário, para, então, estabelecer o valor justo a ser pago ou entregue; c) vida pregressa do acusado: são os seus antecedentes criminais. Assim, aquele que for reincidente ou tiver maus antecedentes deve ter um valor mais elevado de fiança a pagar, diante da reiteração na vida criminosa; d) periculosidade: trata-se de um elemento imponderável por si mesmo, constituindo a união da vida pregressa com a gravidade do crime, associado à personalidade do agente. Se for considerado perigoso, o valor da fiança deve ser mais elevado, dificultando-se a sua soltura; e) provável importância das custas. Como a lei mencionou somente custas, não se pode pensar na indenização pelo crime, nem na multa. Art. 327. A fiança tomada por termo obrigará o afiançado a comparecer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento. Quando o réu não comparecer, a fiança será havida como quebrada. 31 31. Termo de compromisso: a fiança importará na tomada de um termo de compromisso, quando o afiançado assume a obrigação de comparecer em juízo ou na polícia todas as vezes que for intimado a tanto, colaborando, então, para o correto desenvolvimento da instrução. Logicamente, caso não tenha ciência da prática do ato processual, não se pode considerar como injustificada a sua ausência. O mesmo se diga quando o ato processual a ser praticado prescinde da sua presença, como seria o caso da audiência para inquirição de testemunhas de antecedentes, arroladas pela própria defesa. Art. 328. O réu afiançado não poderá, sob pena de quebramento da fiança, mudar de residência, sem prévia permissão da autoridade processante, ou ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado. 32 32. Fácil localização: o afiançado deve manter-se em lugar de pronta e rápida localização pela autoridade. Assim, para que um ato processual ou procedimental se realize torna-se imperiosa a sua intimação, contando com a necessidade de uma eficaz localização. Se ele alterar sua residência, sem comunicar onde será encontrado, não haverá condições de se proceder à intimação, podendo prejudicar o andamento processual ou do inquérito. A ausência prolongada pode sinalizar uma possibilidade de fuga, o que é incompatível com o benefício auferido. Entretanto, cremos exageradas as condições deste artigo. O importante é saber onde encontrá-lo, sem necessidade de que obtenha permissão prévia para mudar de endereço ou, então, não poder ausentar-se para uma viagem qualquer, por mais de 8 dias, se nem procurado foi nesse período. Art. 329. Nos juízos criminais e delegacias de polícia, haverá um livro especial, com termos de abertura e de encerramento, numerado e rubricado em todas as suas folhas pela autoridade, destinado especialmente aos termos de fiança. O termo será lavrado pelo escrivão e assinado pela autoridade e por quem prestar a fiança, e dele extrairse-á certidão para juntar-se aos autos. 33 Parágrafo único. O réu e quem prestar a fiança serão pelo escrivão notificados das obrigações e da sanção previstas nos arts. 327 e 328, o que constará dos autos. 33-A 33. Existência de livros obrigatórios: trata-se de providência burocrática, nos dias de hoje. Bastaria a lavratura do termo, diretamente nos autos do inquérito ou do processo, sem maiores formalidades. Aliás, esses livros de registro de fiança são, costumeiramente, encontrados vazios, passando anos sem qualquer anotação, justamente pelo descrédito alcançado pela fiança, em virtude da concessão de liberdade provisória, independentemente de pagamento. Com a atualização proporcionada pela Lei 12.403/2011, quanto aos valores da fiança, é possível o incremento do instituto. 33-A. Exigência de termo explícito: as condições fixadas no termo, para o gozo da liberdade sob fiança, previstas nos arts. 327 e 328, devem ser explícitas e claras, especialmente no tocante à possibilidade de quebra da fiança e encarceramento do réu. Do contrário, redundaria em surpresa para o acusado o fato de, não comparecendo, por exemplo, à audiência, embora tenha sido intimado, ser preso, deixando de aguardar o julgamento em liberdade. Conferir: STJ: “O termo de fiança deve ser explícito quanto às condições previstas nos arts. 327 e 328 do CPP, mormente quanto à consequência do eventual encarceramento. É o que está dito, à semelhança das audiências admonitórias da suspensão condicional da pena, no parágrafo único do art. 329 do CPP. Resta, pois, sem efeito a declaração de quebra de fiança” (RHC 8.988 – SP, 5.ª T., rel. Felix Fischer, 04.11.1999, v.u., DJ 13.12.1999, p. 161). Art. 330. A fiança, que será sempre definitiva, 34 consistirá em depósito de dinheiro, 35 pedras, objetos ou metais preciosos, 36 títulos da dívida pública, federal, estadual ou municipal, ou em hipoteca 37 inscrita em primeiro lugar. 38 § 1.º A avaliação de imóvel, ou de pedras, objetos ou metais preciosos será feita imediatamente por perito nomeado pela autoridade. § 2.º Quando a fiança consistir em caução de títulos da dívida pública, o valor será determinado pela sua cotação em Bolsa, e, sendo nominativos, exigir-se-á prova de que se acham livres de ônus. 34. Fiança definitiva: significa que, quando prestada, para assegurar a liberdade provisória do indiciado ou do réu, não está mais sujeita ao procedimento verificatório, que se instaurava no passado. Houve época em que a fiança era provisória, isto é, para apressar o procedimento de soltura, depositava o interessado determinado valor, que poderia ser metal precioso, por exemplo, estando sujeito à verificação posterior sobre o seu real preço de mercado, além de se passar à análise das condições pessoais do beneficiário. Atualmente, a fiança é considerada definitiva, porque tudo isso é checado antecipadamente, concedendo-se a liberdade provisória sem verificação posterior. Mas, em determinados casos, o legislador permitiu o reforço de fiança, conforme se verá no art. 340. 35. Depósito em dinheiro: trata-se de qualquer moeda. Se for apresentada moeda estrangeira, faz-se a conversão, conforme o câmbio do dia, depositando-se o valor devido. Em contrário, sustentando que a lei quer referir-se à moeda nacional, razão pela qual, se for apresentada a estrangeira, deve ser equiparada a metal precioso, estão as posições de Luiz Otavio de Oliveira Rocha e Marco Antonio Garcia Baz (Fiança criminal e liberdade provisória, p. 110). 36. Pedras, objetos e metais preciosos: objetos dessa espécie (pedras preciosas, objetos de arte, metais como ouro, prata etc.) dependem de um exame mais acurado, pois, diferentemente do dinheiro, cujo valor é nítido, podem apresentar distorções. Apresentar ouro, como garantia, pode significar ser um metal de 14 quilates, cujo valor de mercado é bem diferente daquele que possui 18 quilates, por exemplo. Essa é a razão de se impor, nesse caso, a avaliação do perito, que pode ser um único, nomeado pela autoridade policial ou judiciária, conforme a situação. 37. Hipoteca: quaisquer dos bens hipotecáveis, relacionados pela legislação, podem ser oferecidos. Segundo dispõe o art. 1.473 do Código Civil, “podem ser objeto de hipoteca: I – os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles; II – o domínio direto; III – o domínio útil; IV – as estradas de ferro; V – os recursos naturais a que se refere o art. 1.230, independentemente do solo onde se acham; VI – os navios; VII – as aeronaves; VIII – o direito de uso especial para fins de moradia; IX – o direito real de uso e X – a propriedade superficiária”. 38. Inscrição em primeiro lugar: dispõe o art. 1.476 do Código Civil, que “o dono do imóvel hipotecado pode constituir outra hipoteca sobre ele, mediante novo título, em favor do mesmo ou de outro credor”. Na sequência, estipula o art. 1.477 que “salvo o caso de insolvência do devedor, o credor da segunda hipoteca, embora vencida, não poderá executar o imóvel antes de vencida a primeira. Parágrafo único. Não se considera insolvente o devedor por faltar ao pagamento das obrigações garantidas por hipotecas posteriores à primeira”. Por isso, a lei processual penal exige que a fiança se baseie na primeira hipoteca. Uma vez indicado o imóvel, será ele avaliado por um perito, nomeado pela autoridade policial ou judiciária. Aceito, proceder-se-á à sua especialização no Registro de Imóveis. Art. 331. O valor em que consistir a fiança será recolhido à repartição arrecadadora federal ou estadual, 39 ou entregue ao depositário público, 40 juntando-se aos autos os respectivos conhecimentos. Parágrafo único. Nos lugares em que o depósito não se puder fazer de pronto, 41 o valor será entregue ao escrivão ou pessoa abonada, a critério da autoridade, e dentro de 3 (três) dias dar- se-á ao valor o destino que lhe assina este artigo, o que tudo constará do termo de fiança. 42 39. Depósito em instituição financeira estadual ou federal: o valor correspondente à fiança deve ser recolhido, no Estado de São Paulo, havendo procedimento similar em outras Unidades da Federação, em conta judicial vinculada ao Juízo, computando-se juros e correção monetária. Os valores devem ser depositados em agência de banco estadual, existente no prédio do fórum, mas, em se tratando de crime da competência federal, normalmente segue para o Banco do Brasil S/A ou para a Caixa Econômica Federal. Se arbitrada pelo juiz, o cartório expede guia própria de recolhimento. Uma das vias será anexada aos autos, comprovando o pagamento, enquanto outra segue para a instituição financeira. Lança-se, imediatamente, o valor recolhido no Livro de Fiança, cuja existência no cartório e na delegacia é obrigatória, anotando-se o número da conta judicial ao qual está vinculado, para efeito de futuro levantamento. 40. Depositário público: é o destino das pedras, objetos e metais preciosos. 41. Impossibilidade de pronto depósito: é o que pode ocorrer nos finais de semana ou feriados, não se devendo prolongar a prisão do beneficiário da fiança por conta disso. Entrega-se, então, o valor ao escrivão da polícia ou do fórum – neste caso, como regra, quando a fiança é fixada em plantão judiciário – para que o depósito, em conta judicial, seja feito posteriormente. A menção a pessoa abonada tem por fim evitar que o encarregado de guardar o dinheiro, na falta do escrivão, por necessidade, termine por consumi-lo. 42. Inserção do valor da fiança na guia de recolhimento: tendo por fim facilitar a sua devolução e assegurar o conhecimento, pelas autoridades encarregadas da execução penal, registra-se na guia de recolhimento (peça inicial que abre o processo de execução criminal) o depósito judicial feito, no caso de pagamento de fiança. Há muitos casos em que se acolhe a compensação do valor depositado, como fiança, que deveria ter sido devolvido ao condenado, com o valor devido da multa. Art. 332. Em caso de prisão em flagrante, será competente para conceder a fiança a autoridade que presidir ao respectivo auto, 43 e, em caso de prisão por mandado, o juiz que o houver expedido, ou a autoridade judiciária ou policial a quem tiver sido requisitada a prisão. 44 43. Autoridade que presidiu o auto de prisão em flagrante: é a responsável pela concessão da fiança, desde que seja legalmente possível. Aautoridade policial somente não pode fazê-lo, quando se tratar de crime com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos. Entretanto, se quem presidir o auto for o juiz, certamente poderá ele cuidar disso, sempre que julgar apropriada a fixação de fiança. Tratando-se de parlamentar, havendo autorização legal para que lavre o auto de prisão em flagrante, quando nas dependências do Congresso, parece- nos viável que arbitre a fiança, quando possível. 44. Fixação da fiança quando há mandado de prisão expedido: determina o art. 285, parágrafo único, d, do Código de Processo Penal, que a autoridade judiciária, ao expedir o mandado de prisão, deve fazer inserir o “valor da fiança arbitrada, quando afiançável a infração”. Tal providência se deve para facilitar a soltura do indiciado ou réu. Assim, tão logo seja detido, pode providenciar o recolhimento da fiança, a fim de ser colocado em liberdade provisória. Entretanto, se houve omissão, sendo afiançável a infração, cabe estabelecer o seu valor o juiz ou a autoridade policial – esta, quando não se tratar de crimes como pena máxima superior a quatro anos – que houver de cumprir a ordem. Art. 333. Depois de prestada a fiança, que será concedida independentemente de audiência do Ministério Público, este terá vista do processo a fim de requerer o que julgar conveniente. 45 45. Fiança sem oitiva prévia do Ministério Público: para agilizar o procedimento de soltura, quando a infração é afiançável, descabe ouvir previamente o representante do Ministério Público, o que seria mesmo inviável, quando é a autoridade policial a estabelecer o valor da fiança. Assim, ainda que seja o valor fixado pelo juiz, não se ouve o promotor antecipadamente, por expressa determinação legal. Em seguida, abre-se vista para sua ciência, requerendo o membro da instituição o que julgar devido, como o reforço da garantia (art. 340), ou mesmo recorrendo contra a sua concessão (art. 581, V). Aceitando que a vista seja posterior à concessão: Mirabete (Código de Processo Penal interpretado, p. 443); Frederico Marques, citando Basileu Garcia (Elementos de direito processual penal, v. 4, p. 159); Tourinho Filho (Comentários ao Código de Processo Penal, v. 1, p. 575). Defendendo que o Ministério Público deve ser sempre ouvido antes: Luiz Otavio de Oliveira Rocha e Marco Antonio Garcia Baz (Fiança criminal e liberdade provisória, p. 107-108). Art. 334. A fiança poderá ser prestada, enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória. 46 46. Possibilidade de prestação a qualquer tempo: desde a prisão em flagrante, comportando a fixação da fiança ainda na fase investigatória, até o trânsito em julgado da sentença condenatória, que pode dar-se em primeiro ou segundo grau, admite-se que o acusado a preste, ou seja, deposite o valor fixado pelo magistrado. Na antiga sistemática, quando a prisão em flagrante subsistia, como cautelar, até o trânsito em julgado da decisão condenatória se fosse preciso, era viável que o juiz pudesse deferir e arbitrar a fiança a qualquer tempo. Isso não mais ocorre. O arbitramento da fiança somente é cabível no momento da avaliação do auto de prisão em flagrante. Se o magistrado optar pela conversão do flagrante em preventiva, futuramente, verificando não mais existirem os requisitos do art. 312 do CPP, deve simplesmente revogar a prisão cautelar – e não fixar fiança para justificar a liberdade do réu. Art. 335. Recusando ou retardando a autoridade policial a concessão da fiança, o preso, ou alguém por ele, poderá prestá-la, mediante simples petição, perante o juiz competente, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas. 47-47-A 47. Recusa ou demora da autoridade policial: o caminho indicado pela lei é apresentar uma petição ao juiz, que poderá conceder o benefício. Parece, segundo a redação do artigo, que o preso “pode prestá-la, por simples petição”, ou seja, independentemente da decisão judicial, ele apresentaria o valor da fiança e obteria a liberdade, o que não corresponde à realidade. Quer-se dizer que o preso não precisa aguardar, indefinidamente, a autoridade policial decidir a respeito, encaminhando seu desejo de prestar fiança, para obter a liberdade provisória, ao juiz. Não é preciso impetrar habeas corpus contra o delegado, bastando singelo pedido ao magistrado. Se este negar, agora sim, cabe a impetração de habeas corpus junto ao tribunal. A autoridade judiciária competente é a prevista na organização judiciária local. Havendo mais de uma, o correto é efetuar-se a distribuição imediata do inquérito, fruto do flagrante, justificador do pedido de fiança, para selecionar o magistrado competente. 47-A. Prazo de 48 horas: cuidando-se da liberdade individual, o juiz deve respeitar tal prazo para decidir, assim que receber os autos pertinentes. Ultrapassado o período, sem se pronunciar, configura-se constrangimento ilegal, dando ensejo à impetração de habeas corpus. Logicamente, caso decida indeferir o pleito, igualmente, cabe habeas corpus. Art. 336. O dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, se o réu for condenado. 48 Parágrafo único. Este dispositivo terá aplicação ainda no caso da prescrição depois da sentença condenatória (art. 110 do Código Penal). 49 48. Asseguramento do pagamento das custas, da indenização, da prestação pecuniária e da multa: pode-se utilizar o valor depositado da fiança – em dinheiro ou objetos de valor – para abater o montante das custas, da indenização do dano causado à vítima (se existente) e da multa (quando for fixada). Quanto à referida indenização, para que tal se dê, é preciso haja condenação formalizada pelo Judiciário, seja na própria demanda criminal (art. 387, IV, CPP), seja por meio da ação civil ex delicto. Não se admite, sem ter havido o devido processo legal em relação à reparação civil do dano, pretenda-se reservar parte da fiança para uma potencial indenização futura. 49. Ocorrência de prescrição da pretensão executória: extingue essa modalidade de prescrição apenas o direito do Estado de executar a sanção principal, imposta na sentença, pelo decurso de determinado lapso de tempo, mas não afeta os efeitos secundários da condenação. Dentre esses, a obtenção do valor das custas e o pagamento da indenização à vítima. Não se incluem, naturalmente, as penas de prestação pecuniária e multa, porque são sanções consideradas principais. Art. 337. Se a fiança for declarada sem efeito 50 ou passar em julgado sentença que houver absolvido 51 o acusado ou declarada extinta a ação penal, 52 o valor que a constituir, atualizado, 52-A será restituído sem desconto, salvo o disposto no parágrafo do art. 336 deste Código. 50. Fiança sem efeito: é o resultado da negativa ou omissão do indiciado ou réu em complementar o valor da fiança, reforçando-a, quando necessário. Torna-se a concessão sem efeito e o sujeito deve retornar ao cárcere. Para tanto, o juiz deve converter o flagrante em preventiva ou aplicar outras medidas cautelares alternativas. O valor que ele recolheu, no entanto, será integralmente restituído. 51. Sentença absolutória: é consequência natural da absolvição, com trânsito em julgado, a cessação dos motivos autorizadores da prisão provisória, razão pela qual a fiança não mais precisa subsistir. Devolve-se, sem qualquer desconto ao réu. 52. Extinção da punibilidade: se, por qualquer motivo, for extinta a punibilidade do acusado, atingindo a pretensão punitiva do Estado, não mais subsiste razão para a fiança, cujo valor será integralmente devolvido. Caso se trate da extinção da punibilidade envolvendo a pretensão executória, como já analisamos, as custas e a indenização podem ser retidas (ver a nota 49 ao art. 336, parágrafo único). 52-A. Atualização do valor: o valor da fiança, antes da edição da Lei 12.043/2011, poderia ser devolvido sem a atualização monetária, o que, em época inflacionária, representaria um autêntico confisco por parte do Estado, visto implicar montante ínfimo. Entretanto, em vários Estados, como ocorreu no caso de São Paulo, depositava-se o quantum da fiança em conta remunerada, tal como acontece com os depósitos judiciais em geral, motivo pelo qual o réu recebia tudo de volta atualizado. Agora, passa a ser norma válida para todos, independentemente da boa vontade do juiz da Comarca. Art. 338. A fiança 53 que se reconheça não ser cabível na espécie será cassada em qualquer fase do processo. 54 53. Fiança inidônea: é a denominação da fiança que não poderia ter sido concedida, seja porque a lei proíbe, seja porque os requisitos legais não foram corretamente preenchidos. 54. Cassação da fiança: ocorre quando a autoridade judiciária percebe ter sido incabível a sua fixação, seja porque o crime não comporta, seja porque a lei expressamente veda (como ocorre nos crimes hediondos), seja, ainda, porque o réu é reincidente em crime doloso (a certidão chegou atrasada, por exemplo) ou qualquer outro motivo a demonstrar ter sido indevida a concessão. Pode haver a cassação de ofício ou a requerimento do Ministério Público, não podendo a autoridade policial fazê-lo sozinha. Nessa hipótese, devolve-se o valor recolhido a quem a prestou, expedindo-se a ordem de prisão. Acassação pode ser feita, inclusive, em segundo grau, quando houver recurso do Ministério Público contra a sua irregular concessão. Lembremos que, cassada a fiança, para a mantença da prisão cautelar, deve o magistrado converter o flagrante em preventiva. Art. 339. Será também cassada a fiança quando reconhecida a existência de delito inafiançável, no caso de inovação na classificação do delito. 55 55. Inovação na classificação do delito: como já exposto na nota 54 ao artigo anterior, qualquer equívoco na concessão pode justificar a cassação. Este artigo cuida da hipótese de ter sido fixada a fiança, porque se acreditava (na polícia ou em juízo) tratar-se de infração afiançável, quando, depois de oferecida a denúncia ou mesmo um aditamento, nota-se que não era o caso. Exemplo disso: a autoridade policial, crendo tratar-se de assédio sexual (art. 216-A, CP) fixa fiança para quem foi preso em flagrante. Entretanto, o promotor o denuncia por estupro (art. 213, CP), recebendo o juiz a denúncia e entendendo ser, realmente, a classificação ideal: cabe a cassação da fiança, que foi indevidamente concedida, mesmo porque é vedada para esse tipo de delito, considerado hediondo. O valor será restituído a quem o recolheu. Art. 340. Será exigido o reforço da fiança: 56 I – quando a autoridade tomar, por engano, fiança insuficiente; II – quando houver depreciação material ou perecimento dos bens hipotecados ou caucionados, ou depreciação dos metais ou pedras preciosas; III – quando for inovada a classificação do delito. Parágrafo único. A fiança ficará sem efeito e o réu será recolhido à prisão, quando, na conformidade deste artigo, não for reforçada. 56-A 56. Reforço de fiança: o valor recolhido pode ser insuficiente, algo que somente se constata em verificação posterior à obtenção, pelo preso, da liberdade provisória. São as seguintes situações: a) quando o valor tomado for insuficiente, por ter havido engano da autoridade policial ou judiciária. Ex.: oferece-se um metal precioso, cujo valor de mercado está distante daquele apontado pela primeira avaliação. Outro exemplo: quando se enganar na faixa de fixação dos valores da fiança, cobrando a menos do que deveria (art. 325, I e II, CPP); b) depreciação material ou perecimento dos bens. Essa situação pode ocorrer de diversas formas. Se o preso forneceu metal precioso, mas seu valor, no mercado, despencou, por conta da existência de uma mutação econômico-financeira qualquer, deve haver o reforço. Pode existir, ainda, o perecimento de uma aeronave, que fora dada em hipoteca, devendo o réu repor a garantia; c) inovação da classificação do delito. É a situação que, embora alterada a classificação do crime, continua a ser permitida a fiança, só que em valor mais elevado (art. 325, I e II, CPP). Deve, então, o réu cuidar de repor o seu valor. Não o fazendo, será ela tornada sem efeito, restituindo-se o valor e expedindo-se o mandado de prisão. 56-A. Conversão em preventiva ou outra cautelar: a fiança estabelecida tinha por base a prisão em flagrante; tornada sem efeito, retorna-se à situação anterior, mas o flagrante precisa ser convertido em prisão preventiva, caso os requisitos do art. 312 do CPP estejam presentes. Outra hipótese é o estabelecimento de medida cautelar alternativa (art. 319, CPP), não sendo, por óbvio, a fiança. Art. 341. Julgar- se-á quebrada a fiança quando o acusado: 57 I – regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo; 58 II – deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo; 59 III – descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança; 60 IV – resistir injustificadamente a ordem judicial; 61 V – praticar nova infração penal dolosa. 62 57. Quebra da fiança: considera-se quebrada a fiança quando o beneficiário não cumpre as condições impostas para gozar da liberdade provisória. Além disso, há as hipóteses descritas nos incisos I a V deste artigo. Somem-se a estas as condições fixadas pelo art. 328 (mudança de endereço sem prévia autorização, ausência por mais de oito dias da residência, sem comunicação do paradeiro). O quebramento da fiança é, sempre, determinado pelo juiz, nunca pela autoridade policial. Outro aspecto merece destaque: a lei menciona que se julgará quebrada a fiança nos casos apontados pelos incisos I a V, dando a impressão de ser uma decisão judicial obrigatória e, praticamente, automática. Seria equívoco pensar desse modo, pois muitas dessas hipóteses dependem da análise e da interpretação do magistrado. Note-se o conteúdo das expressões motivo justo (inciso I); deliberadamente (inciso II); injustificadamente (inciso IV), todas vagas. Além disso, no tocante ao inciso III, o descumprimento da medida cautelar permite outras alternativas diversas da prisão. E a própria expressão infração penal (inciso V) é controversa (ver comentários na nota 62 infra). Trata-se, em nossa visão, de faculdade do juiz, conforme o caso concreto, julgar quebrada a fiança. 58. Não comparecimento quando intimado: o acompanhamento dos atos processuais constitui, basicamente, um direito do réu – e não um dever. Por isso, para que se possa intimá-lo a comparecer em juízo, torna-se preciso um bom motivo, como, por exemplo, para a realização de reconhecimento, em face de dúvida quanto à identidade do autor da infração penal. Pode- se exigir, igualmente, a sua presença para a qualificação ou identificação criminal. No mais, é mais adequado dar-lhe ciência dos atos do processo, sem demandar que compareça. Por outro lado, mesmo cientificado, pode haver justo motivo para não ir ao fórum, devendo o magistrado, antes de tomar qualquer medida restritiva, ouvir o acusado. 59. Ato de obstrução ao andamento do processo: a prática de ato deliberado para obstruir o trâmite processual, como regra, deve impulsionar à decretação da preventiva, por conveniência da instrução. Logo, é natural implique quebra da fiança e sua revogação. Algo contraditório surge em face da motivação para a fixação da fiança, como se vê do art. 319, VIII: evitar a obstrução do andamento do processo. Portanto, o juiz deve agir como visionário, imaginando arbitrar fiança para futura potencial obstrução ao andamento do feito, enquanto, ao mesmo tempo, se tal situação ocorrer, ele julga quebrada a fiança e determina a prisão do acusado. Parece-nos ilógico. Em suma, se o réu obstruir o processo, trata-se de situação autorizadora da preventiva. Se não o fizer, pouco interessa para o arbitramento de fiança. 60. Descumprimento de medida cautelar cumulativa: quando preso em flagrante, o juiz pode conceder liberdade provisória, com fiança, além de impor, cumulativamente, outra medida cautelar, dentre as previstas pelo art. 319 do CPP. Descumprir qualquer medida alternativa pode acarretar a decretação da preventiva (282, § 4.º, última parte, CPP). Eis o motivo pelo qual, como consequência natural, impõe-se a quebra da fiança. Entretanto, outra opção, para quem não cumpre medida cautelar, é a imposição de outra, mais severa, em substituição, ou a determinação de mais uma cautelar (art. 282, § 4.º, primeira parte, CPP). Ora, se o juiz optar pela substituição da medida cautelar, ou pela cumulação com outra, não nos parece deva julgar quebrada a fiança. Há a chance de cumprir o réu qualquer medida alternativa à prisão. 61. Resistência injustificada a ordem judicial: essa causa é das mais estranhas. Ela tem duplo sentido: serve de base para a fixação da fiança (art. 319, VIII, CPP) e também para julgá-la quebrada. Qual situação deve prevalecer se são idênticas? Reputemos a outro equívoco legislativo. De toda forma, torna-se difícil imaginar uma situação, durante o curso do processo, na qual se vislumbre uma ordem judicial dada ao réu e injustificadamente não cumprida. Com muito custo, pode-se pensar na cumulação da fiança com a medida cautelar de proibição de contato com determinada pessoa (seria uma ordem judicial?); se o réu descumprir a medida imposta, revoga-se a fiança. Mas se assim for, encaixa-se na alternativa do inciso III deste artigo. Enfim, outra lucubração desnecessária do legislador. 62. Prática de nova infração penal dolosa: em primeiro lugar, vale dar o devido sentido à expressão infração penal, que, tecnicamente, envolve tanto crime quanto contravenção penal. Não nos parece tenha o sentido de abranger a simples contravenção, afinal, se o delito culposo (mais grave) não se encaixa no perfil apto a provocar a quebra da fiança, muito menos poderia a infração de menor potencial ofensivo consistente em contravenção penal. Ademais, mencionou-se deva o crime (preferimos restringir o alcance) ser doloso tanto antes (o que deu origem à fiança) quanto depois (o cometido durante a vigência da fiança). Sob outro aspecto, o mero cometimento do delito tem potencial para a quebra da fiança, não se devendo aguardar decisão condenatória, com trânsito em julgado, pois seria demorado e inutilizaria o fundamento da fiança (permitir aguarde o acusado o julgamento em liberdade sem perturbar a ordem pública). Art. 342. Se vier a ser reformado o julgamento em que se declarou quebrada a fiança, esta subsistirá em todos os seus efeitos. 63 63. Restauração da fiança: uma vez quebrada, autoriza-se o recurso em sentido estrito (art. 581, V, CPP), podendo, naturalmente, o Tribunal dar-lhe provimento, restaurando-se, então, exatamente a fiança que fora suprimida. Pode o juiz, no juízo de retratação desse recurso, rever a decisão e restaurar a fiança. Lembre-se não haver efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito, de modo que, tendo sido a cassação um nítido constrangimento ilegal, cabe a impetração de habeas corpus. Art. 343. O quebramento injustificado da fiança 64 importará na perda de metade do seu valor, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva. 65-66 64. Quebramento injustificado: a reforma introduzida pela Lei 12.403/2011 inseriu o termo injustificado para qualificar a quebra da fiança. Entretanto, parece-nos despropositado, pois todo quebramento – para valer como tal – precisa calcar-se na ausência de motivo justo. Aliás, as hipóteses descritas nos incisos I a V do art. 341 demonstram a imprescindibilidade de se julgar quebrada a fiança em casos óbvios de necessidade. 65. Consequências da quebra da fiança: o acusado perde metade de seu valor, que será destinado aos cofres públicos, devendo o magistrado decidir se aplica outra medida cautelar (ou outras) ou, se presentes os requisitos do art. 312 do CPP, converte a prisão em flagrante em preventiva. 66. Decretação da preventiva: essa terminologia é equivocada. Após a prisão em flagrante, o juiz tem as seguintes opções: a) relaxá-la, pois ilegal; b) convertê-la em preventiva, pois presentes os requisitos do art. 312 do CPP; c) conceder liberdade provisória sem fiança; d) conceder liberdade provisória com fiança. Optando por esta última solução, suspende-se a força prisional do flagrante. Se houver a quebra da fiança, restaura-se este último, até que o magistrado decida pela fixação de medida cautelar alternativa ao cárcere ou pela preventiva. Entendendo cabível a prisão cautelar, converte o flagrante em preventiva. O termo decretação deve ser reservado a quem está em liberdade (não provisória) e terá a segregação cautelar aplicada. Art. 344. Entender-se-á perdido, na totalidade, o valor da fiança, se, condenado, o acusado não se apresentar para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta. 67 67. Perda da fiança: ocorre a perda total do valor recolhido, a título de fiança, caso o réu seja condenado, definitivamente, não se apresentando para cumprir a pena. É a sanção por não ter respeitado o compromisso, sustentado pela fiança, de se mostrar toda vez que for regularmente intimado. Ora, quando é condenado a qualquer pena, deve mostrar-se disposto a cumpri-la, apresentando-se, seja para a prisão (pena privativa de liberdade), seja para restritiva de direitos (prestação de serviços à comunidade, por exemplo). Anteriormente à edição da Lei 12.403/2011, a perda ocorria apenas quando deixasse de se mostrar para o cumprimento da pena privativa de liberdade; ampliou-se o cenário para as restritivas de direitos. Não envolve a multa, que é considerada simples dívida de valor, executável em Vara Cível, conforme jurisprudência dominante. Outra modificação diz respeito à introdução do termo definitivamente, significando o trânsito em julgado da decisão condenatória. Art. 345. No caso de perda da fiança, o seu valor, deduzidas as custas e mais encargos a que o acusado estiver obrigado, será recolhido ao fundo penitenciário, na forma da lei. 68 68. Descontos quando há perda total: abatem-se do valor da fiança as custas, a indenização do dano (quando existente e se houver decisão judicial fixando-a), a prestação pecuniária (se cabível) e a multa (se foi fixada). O restando segue para o Fundo Penitenciário. Se o Estado-membro tiver criado o Fundo Penitenciário Estadual, como acontece com São Paulo, somente para ilustrar, o montante segue ao cofre estadual, o que é justo, pois as prisões, em maioria, são estaduais. Não havendo, o valor será recolhido ao Fundo Penitenciário Nacional. Art. 346. No caso de quebramento de fiança, feitas as deduções previstas no art. 345 deste Código, o valor restante será recolhido ao fundo penitenciário, na forma da lei. 69 69. Encaminhamento do valor referente à quebra: quando houver quebramento da fiança, perdendo o preso metade do valor recolhido, deve esse montante ser encaminhado ao Fundo Penitenciário Nacional, conforme exposto na nota 68 ao artigo anterior. Art. 347. Não ocorrendo a hipótese do art. 345, o saldo será entregue a quem houver prestado a fiança, depois de deduzidos os encargos a que o réu estiver obrigado. 70 70. Restituição da fiança: quando o réu não infringir as condições – inexistindo quebra da fiança –, caso seja condenado, apresentando-se para cumprimento da pena, poderá levantar o valor recolhido, com a única ressalva de serem pagas as custas, a indenização à vítima (se fixada), a prestação pecuniária (se houver) e a multa (caso existente), da forma como já expusemos em notas anteriores. Art. 348. Nos casos em que a fiança tiver sido prestada por meio de hipoteca, a execução será promovida no juízo cível pelo órgão do Ministério Público. 71 71. Execução de hipoteca: não se faz no juízo criminal. Se a fiança for perdida ou quebrada, caso tenha sido a garantia oferecida na forma de hipoteca, cabe ao Ministério Público requerer a venda, em hasta pública, do bem ofertado, para garantir o ressarcimento das custas, da indenização da vítima, da prestação pecuniária, da multa, caso existam, bem como dos valores que serão destinados ao Fundo Penitenciário Nacional. Art. 349. Se a fiança consistir em pedras, objetos ou metais preciosos, o juiz determinará a venda por leiloeiro ou corretor. 72 72. Fiança em valores diversos do dinheiro: devem ser vendidos através de leiloeiros ou corretores, para assegurar o melhor valor de mercado aos bens, ressarcindo-se o Estado, quando houver custas e multa, bem como a vítima, em caso de indenização judicialmente estabelecida. No mais, aplicam-se as regras referentes à quebra ou perda da fiança. Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, 73 poderá concederlhe liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares, se for o caso. Parágrafo único. Se o beneficiado descumprir, sem motivo justo, qualquer das obrigações ou medidas impostas, aplicar-se-á o disposto no § 4.º do art. 282 deste Código. 73. Liberdade provisória, sem fiança: buscando não transformar a fiança num impedimento à liberdade individual, por conta exclusiva da capacidade econômica do acusado, estabelece-se a viabilidade da liberdade provisória sem fiança. Esta situação é a do indiciado ou réu pobre, que não pode arcar com o valor fixado sem prejuízo à sua manutenção ou de sua família. Não seria mesmo justo o rico ser beneficiado pela liberdade provisória e o pobre ficasse preso, unicamente por não dispor de recursos para custear a fiança. Estarão, nesse caso, sempre presentes as condições fixadas nos arts. 327 (comparecimento a todos os atos e termos do processo ou inquérito) e 328 (mudança de residência, sem prévia autorização ou ausência da residência por mais de oito dias, sem fornecer o paradeiro). O magistrado pode estabelecer medidas cautelares alternativas à prisão, algo razoável para o caso.