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TÍTULO: Q-DANÇA: RELATOS E PROPOSIÇÕES PARA ARTE-EDUCAÇÃO

AUTORES: Astrid Baecker Avila – astridavila@ufpr.br; Elisa Abrão –


vermelha007@bol.com.br; Flávia Costa – fly.crazy@mtv.com.br; Hellen Jaqueline
Marques – www.nelleh@bol.com.br; Isabela Cristina de Oliveira Homem –
izabizu@hotmail.com; Luciana Kroll – lukroll@ig.com.br; Leonardo Lins -
leo_sinis@lycos.com; Karine Rodigheri - karine_ro@hotmail.com; Robson Marques
Machado - robsonmarques_machado@hotmail.com; Yara De Barros Sá -
www.yaratletics@hotmail.com.
INSTITUIÇÃO: UFPR
ÁREA TEMÁTICA: Cultura

Neste artigo apresentamos parte de nossas experiências concretas em dança e da


reflexão crítica acerca da mesma como expressão cultural, o que resultou em uma
construção teórica sintetizando em algumas proposta de arte-educação. Nos contrapomos
ao uso mercadológico da dança incentivado pela industria cultural, pois se reduz a simples
repetição do movimento, sem levar em consideração o ser humano crítico que é capaz de
transformar e criar. Busca-se então estratégias didáticas que permitem dar uma forma
espontânea ao movimento - através da improvisação - e, ao mesmo tempo aprender técnicas
já existentes de movimentação. Desenvolvemos aulas de dança sobre os patins, dança de
rua, danças de salão, dança contemporânea e dança acrobática. Objetivamos propiciar um
espaço de vivência da dança nos quais os/as alunos/alunas possa ter diferentes perspectivas
da realidade. Conhecer diferentes estilos de dança, reconhecendo como forma de expressão
e comunicação. Aprender, criar e recriar encenações temáticas. Utilizar diferentes fontes de
pesquisa, formas de linguagem e recursos didáticos e materiais através de problematizações
que resultem num processo de criação coreográfica. Estabelecer diferentes vínculos com a
comunidade, envolvendo o público em geral, através de apresentações, estudos, discussões,
pesquisas. Buscar através do projeto estabelecer interfaces com outros projetos da UFPR e
com outras áreas de conhecimento aprofundando as pesquisas temáticas. Divulgar o projeto
através de apresentação dos relatórios acadêmicos e das coreografias. O projeto
desenvolve-se através de reuniões semanais de planejamento e avaliação, encontros
quinzenais do grupo de estudo sobre a temática escolhida para coreografia - onde
organizamos encontros e seminário que permitam chamarmos pesquisadores de outras áreas
do conhecimento para enriquecer nossa produção acadêmica, como também proporcionar
trocas com outros projetos de temáticas afins, principalmente da área de música, artes
plásticas e cênicas - e duas aulas semanais onde o próprio grupo faz aulas de dança. Cada
aluno/a do projeto coordena um grupo de dança que também trabalha em torno da temática
central, que este ano tratará do tema trabalho. Consideramos de fundamental importância a
democratização do acesso aos bens culturais, no nosso caso, a dança. Fazendo a
comunidade entrar no espaço universitário como os projetos de extensão ocuparem os
espaços da própria comunidade e das escolas. Finalizaremos o projeto com um espaço de
apreciação em dança, socializando as produções dos grupos envolvidos no projeto que
estabelece com o público uma forma de linguagem através da arte ampliando as referências
para a apreciação crítica.

O projeto de extensão Q-Dança do departamento de Educação Física tem como proposta


deselitizar as práticas corporais artísticas de dança e patinação, possibilitando vivências
corporais para a comunidade da área próxima a universidade, alunos/as das escolas públicas
e moradores dos bairros. Neste artigo nos preocuparemos em detalhar os fundamentos do
projeto e como isso se expressa nas práticas em dança nos sub-grupos. O projeto
desenvolve-se através: a) de reuniões semanais de planejamento e avaliação, dividimos a
reunião em dois momentos, o primeiro onde lemos e discutimos textos de referência para o
projeto, e o segundo em que lemos os relatos das aulas, avaliamos conjuntamente e
apresentamos o planejamento para a semana seguinte. b) encontros quinzenais do grupo de
estudo sobre a temática escolhida para coreografia - onde organizamos encontros e
seminário que permitam chamarmos pesquisadores de outras áreas do conhecimento para
enriquecer nossa produção acadêmica, como também proporcionar trocas com outros
projetos de temáticas afins, principalmente da área de música, artes plásticas e cênicas. c)
duas aulas semanais onde o próprio grupo faz aulas de dança (onde trabalha-se os mais
variados estilos) e na criação da própria coreografia. d) Cada aluno/a do projeto coordena
um sub-grupo de dança que também articula-se a temática central. e) realização de oficinas
que integram todos os sub-grupos, para experimentarmos diferentes modalidades de dança
e acompanhar a produção de cada um. Além das práticas corporais, nestes encontros,
discutimos com eles/as a temática do espetáculo final. f) A finalização do projeto ocorrerá
numa Mostra, no teatro da reitoria, enquanto um espaço de apreciação em dança,
socializando as produções dos sub-grupos envolvidos no projeto que estabelece com o
público uma comunicação através da arte ampliando as referências para a apreciação crítica
da realidade em que vivem.
Em nossa sociedade existem várias técnicas construídas historicamente, tanto das
danças quanto da patinação. Neste trabalho os/as alunos/as recebem tal conhecimento e a
partir dele podem criar e recriar novas técnicas de movimento ampliando suas
possibilidades de expressão corporal, consequentemente as formas de linguagem.
A dança possibilita aos seres humanos conhecerem-se a si mesmo, quando
trabalhada a partir da ação e reflexão. Outra dimensão importante é a descoberta da
realidade, para tal trabalhamos contextualizando com temáticas que permitam compreender
a realidade social. É através do viés artístico que pretendemos com a dança desnudar o
próprio ser humano que a pratica, bem como, a realidade que o cerca. Através do olhar da
arte podemos apresentar, subverter ou recriar a realidade social, permitindo que não ocorra
a simples conformação aos padrões impostos, mas o questionamento dos mesmos.

“A arte é testemunha de outro princípio de realidade que não o da submissão à


produtividade; ao desempemho do mundo competitivo do trabalho e da renúncia ao
prazer. Trata-se de um princípio que reconcilia o homem com a natureza exterior,
interior e com a história” (MATOS, 1993, pg71)

Utilizamos as técnicas de improvisação como uma das formas de alcançar os


objetivos educacionais e construir as composições coreográficas. A técnica de
improvisação é um processo criativo que em nosso projeto de extensão é vislumbrada como
um conteúdo a ser ensinado. Este conteúdo possibilita a todos dançarem pois não padroniza
os movimentos, pois estes são criados ou recriados a partir das possibilidades de cada um.

“Imaginação e criatividade são, então, pontos fundamentais em um projeto de


educação que tenha como objetivo a formação de pessoas que não apenas aprendam
os conhecimentos elaborados pela humanidade como verdades absolutas e
imutáveis, porém que saibam refletir e que se sintam capazes de interferir sobre esse
conhecimento, reelaborando-os.” (Fiamoncini, saraiva pg 98)
Através da improvisação podemos recuperar a dimensão sensível do ser humano,
esquecida hoje em nossa sociedade e nos currículos escolares. Essa preocupação com o ser
humano que sente, pensa e age é que nos remete pensar a formação humana para a
autonomia dos sujeitos, onde o trabalho da improvisação encontra-se "intimamente
articulado com (...), a criatividade (grifo do original), porque nela são exigidos,
especialmente a espontaneidade, a flexibilidade do agir e a fantasia. O improvisador (o
praticante) aprende formas de movimento através de sua experimentação e vivências,
podendo desenvolver assim, iniciativa própria e independência." (SOARES et al, 1998, p.
45)
Pode-se perceber que o ensino da dança tem sido tratado hegemonicamente de
forma desportivizada, onde basta o repasse da técnica e no final, os/as alunos/as
aprenderem a coreografia feita pelo/a professor/a. Avaliamos que esta super valorização da
técnica esta relacionada a influência da indústria cultural, que por sua vez está pautada em
uma certa concepção de ciência (positivista), que massificam uma compreensão de dança
através da mídia. Infelizmente hoje em nossa sociedade a grande maioria das pessoas não
apresentam atitudes críticas diante das informações transmitidas pela industria cultural, e
com isto acabam por serem induzidas em todos os setores de suas vidas. “Os meios de
comunicação de massa são o oposto da obra de pensamento que é a obra cultural - ela leva
a pensar, a ver, a refletir. As imagens publicitárias, televisivas e outras, em seu acúmulo
acrítico, nos impede de imaginar” (MATOS, 1993, pg71).
No cotidiano das academias de ginástica e dança é comum as aulas reproduzirem
passos feitos por grupos lançados pela mídia e também a repetição pura de técnicas como
cultura erudita no exemplo das tradicionais aulas de Balé Clássico. A técnica é um
elemento importante nas aulas de dança mas não deve ser considerado um fim em si
mesmo. Acreditamos que fazer este conhecimento chegar no/a aluno/a é dever do/a
professor/a comprometido com a formação do indivíduo, pois possibilita um conhecimento
histórico e oferece bases concretas para o aluno criar e recriar novas técnicas para
expressar-se. Caso contrário o processo de criação coreográfica torna-se um processo
individual do/a professor/a, restando aos/as alunos/as a repetição desses passos em
diferentes seqüências e formações. Assim é a visão de mundo do/a professor/a e sua forma
de expressão que definem a linguagem corporal para ser reproduzida pelo grupo de
alunos/as.
As composições coreográficas derivam de estudos sobre uma determinada temática.
Para que os alunos possam criar e apreender formas de representar uma certa mensagem, se
faz necessário estabelecer várias abordagens sobre o tema, como por exemplo, textos,
poesia, obras de arte, músicas... Para o ano de 2002, definimos que o tema será "trabalho".
A escolha da temática central deste ano foi realizada dentro do grupo de estudos do projeto
Q-Dança no qual participam os acadêmicos bolsistas e voluntários. O tema foi discutido
com os/as alunos/as envolvidos nos sub-grupos do projeto, para ver qual a significação
deste tema para eles. Ou melhor, a temática poderia ser modificada, caso não encontrasse
respaldo com os/as alunos/as envolvidos. A introdução do tema se deu de forma ampla,
possibilitando que o coletivo definisse como iria aborda-lo, qual o recorte da temática
central que cada sub-grupo faria.
A metodologia utilizada na aula, parte da abordagem crítico-emancipatória de
Elenor Kunz, é subdividida em três partes: a experimentação, a criação e a ressignificação
dos conteúdos de dança. A experimentação é a parte da aula na qual o/a aluno/a vivencia
movimentos de forma intuitiva, a criação ocorre relacionada com a temática definida. Na
ressignificação ou representação ocorre uma síntese dos movimentos vivenciados na
experimentação e na criação. Este processo ocorre a partir das impressões exteriores e
interiores de cada um, socializando com a criação de uma linguagem comum. Essa proposta
desdobra-se diferenciadamente em cada sub-grupo que apresentaremos a seguir.
Sub-grupo Dança Acrobática: As aulas acontecem duas vezes por semana com
adolescentes de 10 à 15 anos, a proposta orienta-se a partir das técnicas de dança, técnicas
de ginástica rítmica e olímpica e técnicas de improvisação. Cada aula tem um momento
onde aprimora a técnica, com os educativos dos acrobáticos e outro momento para
recriação de movimentos através da improvisação. Neste sub-grupo a temática escolhida
para coreografia é o "trabalho infantil", onde pretende-se retratar a situação das crianças
que trabalham em semáforos, corte de cana e outros, utilizando materiais oficiais das
ginásticas e outros criados pelo próprio grupo.
Sub-grupo Dança de Salão: este desenvolve-se em três grupos com características
de trabalho peculiares. Apesar da técnica utilizada ser a mesma, as necessidades de cada
turma direcionam o planejamento e a escolha das modalidades (estilos musicais). Um dos
grupos é composto por alunos/as de uma turma do curso de piscicologia. Como os/as
mesmos/as já se conhecem, as vivências se dão com maior facilidade, pois o grupo
encontra-se integrado. Nestas aulas foram incluídos mais elementos de expressão corporal e
dança contemporânea, possibilitando expandir a técnica improvisando, criando e recriando.
Em um segundo grupo, formado de casais que já faziam aula de dança de salão, tratamos
dos estilos de dança. Desafiamos a criação de passos que ainda não existem na técnica e a
reflexão sobre as relações que se estabelecem através do contato nas danças de salão. Com
o último grupo o trabalho acontece de forma individualizada, sendo possível preocupar-se
com as dificuldades de cada aluno/a, isso deve-se ao fato do número reduzido de alunos/as.
Sub-grupo Roda Pé e Expressão: realiza práticas de dança sobre patins. Para
desevolver o tema trabalho estamos discutindo as conseqüências da revolução industrial
fazendo um resgate sobre este recorte temático. Da escravidão à "liberdade", do trabalho
artesão ao trabalho mecânico, do trabalho ao desemprego, da "liberdade" à "escravidão",
são passagens presentes nas discussões e no processo coreográfico do grupo.
O interessante é observar que muitas vezes os alunos executam movimentos por
acaso e o próprio realizador do movimento ou algum espectador identifica a ação com a
temática da coreografia, fazendo do processo coreográfico algo coletivo e natural. Como
exemplo disso temos os sons que produzimos com os nossos patins e que foram
relacionados com os sons das máquinas resultando no recorte temático escolhido.
Sub-grupo Break: apresentamos o grupo Flying Boys que no início das atividades
com o projeto, trabalhavam somente com a dança (break), mas que partindo de um maior
interesse e envolvimento com outros elementos da cultura Hip Hop, deu-se início a uma
nova forma de se expressar, que se utiliza também da grafitagem e da discotecagem. A
primeira coreografia do grupo foi entitulada "Sem Controle", cujo tema é a construção de
seres humanos em laboratório e que são controlados por seus criadores. Com isso surge
uma pergunta: será que sempre estarão sob controle? No trabalho coreográfico eles buscam
responder a pergunta em forma de dança.
Sub-grupo Dança Contemporânea: trabalho é realizado com crianças da
ASSOMA (Associação dos meninos e meninas de Curitiba), instituição essa que trabalha
com crianças em risco social e também no Projeto PETI (Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil), uma proposta da prefeitura de Curitiba de retirar as crianças e jovens da
rua diminuindo assim o contato delas com as drogas e a violência. Buscamos no trabalho
com a dança a desmistificação de mitos, preconceitos e principalmente, opressões
sentidas/sofridas nos corpos das crianças. As dificuldades estão no medo de se expor
perante os outros, na exposição das marcas da violência de seus corpos também refletidas
na agressividade de seus comportamentos, no sentimento de rejeição e a exclusão social da
qual são vítimas, e da repressão a qual são submetidas. Dessa forma, procedemos nas aulas
de forma a contextualizar a prática, levanto elementos que nos aproximem das crianças
como as acrobacias e o break, possibilitando nossa aceitação e participação delas nas
atividades.

A MOSTRA COMO ESPAÇO DE APRECIAÇÃO EM DANÇA:


Temos a preocupação da dança estar relacionada com a vida dos integrantes dos
sub-grupos e com o público espectador da nossa arte.
“A expressão é essencial tanto para quem dança quanto para quem assiste, pois, se a
dança é um modo de existir, cada um pode realizar ou entender um movimento
diferente dos outros e através dele exteriorizar seus sentimentos na busca da
individualidade, da sua comprenssão”(FIAMONCINI, 1999, pg 381)

Acreditamos que a compreensão da arte ocorre por meio da relação do tema


coreográfico ao cotidiano das pessoas em nossa sociedade. A linguagem corporal deve
pretender-se a compreensão, sem perder suas características específicas de expressão. O
projeto possui um espaço de finalização dos processos com os sub-grupos, onde ocorre o
processo de apreciação em dança. A influência da Indústria Cultural esta novamente
presente no público na sua grande maioria, que acaba por acostumar-se a gostar da dança
que venha apresentar o que esta presente na mídia e não possibilitando novas formas de
compreensão da arte, da vida, da realidade. Essa proposta se realiza na Mostra de Dança,
que será realizada no Teatro da Reitoria, no dia nove de dezembro deste ano. Neste espaço
de apreciação de dança todas as coreografias estarão contextualizadas no tema trabalho.
Existe a preocupação na formação dos espectadores como dos bailarinos que pela nossa
forma de trabalho não estarão somente fazendo seqüência de passos e sim exteriorizando
seus entendimentos sobre o tema por meio da linguagem corporal. Estas apresentações
também têm por finalidade possibilitar a população um espaço de apreciação artística
gratuito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
OLIVEIRA, M.A.T., Educação Física escolar: formação ou pseudoformação?, In: Educar,
Editora da UFPR, Curitiba 2000.
FIAMONCINI, L., Dança: Esportivizada ou Expressiva? Uma análise sobre a influência
da industria cultural. In: Revista Brasileira de Ciências do Esporte 21(1), Ijuí: Ed. UNIJUÍ,
1999.
FIAMONCINI, L. e SARAIVA, M. C., Dança na Escola: a criação e a co-educação em
pauta. In: KUNZ, E. (org.) Didática da Educação Física 1. Ijuí: Ed. UNIJUÏ, 1998.
SOARES, A., ANDRADE, C.G., SOUZA, E.C. & KUNZ, M.C.S. Improvisação &
Dança: conteúdos para a dança na educação física. Florianópolis: Imprensa
Universitária/UFSC, 1998.
MATOS, C.F.,Conclusão: indústria cultural versus imaginação estética. In: A escola de
Frankfurt luzes e sombras do iluminismo,São Paulo: Ed.MODERNA, 1993.

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