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O ativismo digital
alexsandro teixeira ribeiro

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Redes e ciberat ivismo: not as para uma análise do cent ro de mídia independent e
Eugenia Rigit ano

At ivismo social digit al: a inserção dos moviment os sociais de Manaus nas redes on-line
Maurília Gomes

AMBIENTALISMO.COM: a at uação do moviment o ambient alist a diant e as novas mídias digit ais – uma …
Rafael Sant os de Oliveira, Mariana Fenalt i Salla
O ativismo digital
Dênis de Moraes∗
2001

Índice bates de Porto Alegre sobre o chamado ci-


berativismo digital: “Com a tomda de cons-
1 Rede virtual e defesa da cidadania 1 ciência sobre a importância da Internet para
2 As ONGs e a comunicação on line 4 a difusão das reivindicações comunitárias,
3 A caminho da consciência planetária 10 não precisamos mais nos isolar no gueto da
contra-informação alternativa, e sim buscar
1 Rede virtual e defesa da novos modelos de trocas comunicacionais
cidadania e de produção de informações afins com a
idéia de se construir uma outra mundializa-
O Fórum Social Mundial, realizado em ja- ção.”1
neiro de 2001 em Porto Alegre, no Bra- As vozes que se somam no ciberespaço re-
sil, consagrou um fenômeno de comunicação presentam grupos identificados com causas
que vicejava na Internet: organizações não- e comprometimentos comuns, a partir da di-
governamentais e entidades civis dos quatro versidade de campos de interesse (educação,
quadrantes estão utilizando cada vez mais a saúde, direitos humanos e trabalhistas, cida-
rede mundial de computadores para divulgar dania, minorias e etnias, meio ambiente, eco-
suas reivindicações e desenvolver espaços de logia, desenvolvimento sustentável, defesa
interação e de mobilização pelos direitos da do consumidor, cooperativismo, habitação,
cidadania. Joëlle Palmieri, presidente da Pe- economia popular, reforma agrária, Aids, se-
nélopes, um coletivo feminista atuante na xualidade, crianças e adolescentes, religiões,
Web, resumiu o consenso alcançado nos de- combate à fome, emprego, comunicação e
∗ informação, arte e cultura), de metodologias
Doutor em Comunicação e Cultura pela Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro, professor do Pro- de atuação (movimentos autônomos ou re-
grama de Pós-Graduação em Comunicação, Imagem des), de horizontes estratégicos (curto, mé-
e Informação da Universidade Federal Fluminense dio e longo prazos) e de raios de abrangência
e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvi- (internacional, nacional, regional ou local).
mento Científico e Tecnológico, do Brasil. Publi-
cou, entre outros livros, Globalização, mídia e cul-
Essas variáveis, muitas vezes, entrelaçam-se,
tura contemporânea, org. (1997), O Planeta Mídia: fazendo convergir formas operativas e ativi-
tendências da comunicação na era global (1998) e dades.
O concreto e o virtual: mídia, cultura e tecnologia 1
Le Monde, 07.02.2001.
(2001).
2 Dênis de Moraes

Como pretendemos demonstrar neste es- balizada e instantaneidade de fluxos eletrôni-


tudo, a Internet vem dinamizar as lutas das cos, os agentes sociais devem interconectar-
entidades civis a favor da justiça social num se. Problemas, conflitos, negociações e en-
mundo que globaliza desigualdades de toda caminhamentos adquirem proporções impre-
ordem. Vale lembrar que, desde a segunda vistas, não raro planetárias, requerendo res-
metade da década de 1990, se registra um postas de igual amplitude. O que pressupõe
crescimento acentuado das ONGs em todo o articular reações e propostas numa veloci-
planeta. Na edição de 11-17 de dezembro de dade e numa dimensão compatíveis com as
1999 de The Economist, o pesquisador Wim sucessivas demandas.4
Dierckxsens calculou que existiam 26 mil or- Daí porque a organização em redes, dentro
ganizações com atuação internacional, con- e fora da Internet, se revela inovadora. Elas
tra apenas seis mil em 1990. O Fundo Mun- facilitam a intercomunicação de indivíduos
dial para a Natureza era a maior delas, com e agrupamentos heterogêneos que comparti-
mais de cinco milhões de filiados (dez vezes lham visões de mundo, sentimentos e dese-
mais do que em 1985). Segundo Dierckx- jos. Servem de estuários para a defesa de
sens, há milhões de ONGs nacionais pelos identidades culturais, a promoção de valo-
continentes. Somente nos Estados Unidos, res éticos e a democratização da esfera pú-
há mais dois milhões; na Índia, pelo menos blica.5 Ilse Scherer-Warren acentua que rede
um milhão.2 se torna um conceito propositivo, a partir
A maioria dessas entidades visa ao for- não mais da hierarquização do poder entre
talecimento da sociedade civil no processo os participantes, e sim de relações mais hori-
de universalização de valores e direitos de- 4
Consultar Peter Waterman. Globalization, social
mocráticos. Congregar interesses e necessi- movements and the new internationalisms. Londres:
dades concretas ou simbólicas, promovendo Mansell, 1999.
5
ações em prol da cidadania. Trata-se de des- Para uma análise detalhada da formação de redes
fechar batalhas contra a exclusão de gran- de entidades e movimentos sociais, ver Ilse Scherer-
Warren. Cidadania sem fronteiras: ações coletivas
des contingentes populacionais dos benefí-
na era da globalização. São Paulo: Hucitec, 1999.
cios do progresso; pela reapropriação so- Nas páginas 14 e 15, a autora apresenta a seguinte
cial da riqueza produzida pelo trabalho co- conceituação sobre movimentos sociais: “São formas
letivo; por políticas públicas que protejam o de ações coletivas reativas aos contextos histórico-
bem comum e garantam uma existência mais sociais nos quais estão inseridos. Essas reações po-
dem ocorrer sob a forma de: denúncia, protesto, ex-
digna ao conjunto da sociedade.3
plicitação de conflitos, oposições organizadas; coope-
As ONGs convenceram-se de que, em um ração, parcerias para resolução de problemas sociais,
mundo interdependente com economia glo- ações de solidariedade; e construção de uma utopia
2
de transformação, com a criação de projetos alterna-
Ver Wim Dierckxsens, “La construcción de alter- tivos e de proposta de mudança. Todavia, um mesmo
nativas a partir de Seattle: la politización progresiva movimento pode desenvolver simultaneamente as três
del proceso de mundialización”, Pasos, no 88, setem- dimensões — contestadora, solidarística e propositiva
bro de 2000. — de acordo com seu projeto civilizatório que inclui
3
Ler Clara Inés Charry e Miriam Calvillo. “Orga- oposições ao statu quo e orienta-se para a constru-
nizaciones civiles: nuevos sujetos sociales”, Razón y ção de identidades sociais rumo a uma sociedade me-
Palabra, no 18, ano 4, maio-julho de 2000. lhor.”.

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O ativismo digital 3

zontalizadas, abertas ao pluralismo político- ções de representação popular, absolutismo


cultural.6 Jésus Martín Barbero acrescenta do mercado e do lucro).
que as redes se distinguem como um “lugar A Internet veio dinamizar esforços de in-
de encontro” de múltiplas minorias e comu- tervenção dos movimentos sociais na cena
nidades marginalizadas ou de coletividades pública, graças à singularidade de dispo-
de pesquisa e de trabalho educativo e artís- nibilizar, em qualquer espaço-tempo, vari-
tico. “Nas grandes cidades, o uso de re- adas atividades e expressões de vida, sem
des eletrônicas está permitindo construir gru- submetê-las a hierarquias de juízos e idi-
pos que, virtuais em seu nascimento, acabam ossincrasias. No ciberespaço, as ONGs
se territorializando, passando da conexão ao credenciam-se a produzir manifestações em
encontro, e do encontro à ação”.7 diferentes momentos e locais determinados,
No curso dos anos 90, antes mesmo de sem contudo estarem presas a um lugar ou
a Internet alargar a teia planetária, grande tempo em particular. Nessa perspectiva,
parte das ONGs evoluiu para a constituição as ONGs virtuais compõem redes de orga-
de redes que engendrassem ações locais e nismos independentes ligados por aparatos
globais, particulares e universais, intraorga- tecnológicos, com o objetivo de repartirem
nizacionais (divisões e ramificações de uma competências, recursos, custos e espaços.
mesma entidade) e interorganizacionais (en- Com a migração para a Web, as entidades
tre diferentes ONGs). Uma série de fatores aderem à comunicação em tempo real, sem
contribuiu para isto: a exigência de intensi- centros fixos de enunciação. A cada nó,
ficar parcerias; o desenvolvimento tecnoló- incorporam-se novos usuários, os quais se
gico; a internacionalização de conflitos soci- convertem, potencialmente, em produtores e
ais e ambientais; a necessidade de amplifi- emissores de informações, em condições de
car a oposição ao neoliberalismo e seus efei- serem consumidas a todo instante.
tos nefastos (empobrecimento, desemprego, A Internet oferece novas ferramentas de
competição desenfreada, esvaziamento dos intervenção, como as campanhas virtuais, o
poderes públicos, desprestígio das institui- correio eletrônico, grupos de discussão, fó-
6
runs, salas de conversação, boletins, mani-
Ilse Scherer-Warren. “Redes e espaços virtuais
(para a pesquisa de ações coletivas na era da informa- festos on line, murais, anéis de sites e ár-
ção)”, Cadernos de Pesquisa do Programa de Pós- vores de links. É uma arena complementar
Graduação em Sociologia Política da Universidade de mobilização e politização, somando-se a
Federal de Santa Catarina, no 11, julho de 1997. Ver assembléias, passeatas, atos públicos e pan-
também Sonia Aguiar Lopes. A teia invisível: infor-
fletos. Um exemplo dessa junção de pos-
mação e contra-informação nas redes de ONGs e mo-
vimentos sociais. Tese de Doutorado em Comunica- sibilidades: algumas ONGs reproduzem em
ção. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. seus sites as matérias de seus jornais impres-
7
Jésus Martín Barbero. Comunicación y sos, às vezes com traduções em ou dois idi-
solidariedade en tiempos de globalización. omas. O veículo convencional continua vá-
Conferência no 1o Encontro Internacional
lido e necessário; o que se pretende é am-
de Comunicadores Católicos, disponível em
www.jmcommunications.com/spanish/barbero.html. pliar a circulação junto a entidades correla-
tas do mundo inteiro, a custo baixo – algo
impensável em qualquer outro veículo, pelas

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4 Dênis de Moraes

despesas astronômicas. O MST, por exem- mia para detonar campanhas, sejam elas de
plo, considera que a Internet proporciona à denúncia, de pressão, de conscientização ou
causa da reforma agrária “um amplo canal de arrecadação de fundos; abertura de fóruns
de comunicação com a sociedade”, mas nem cooperativos (listas de discussão, conferên-
por isso deixou de imprimir, mensalmente, cias on line, chats).
um milhão de exemplares de seu jornal Sem A homepage do MST (www.mst.org.br)
Terra. O periódico, com quatro páginas e registra objetivos, posicionamentos e comu-
em cores, começou a circular em outubro de nicados, com rapidez e economia de recur-
2000. É distribuído nos acampamentos pelo sos. Recebe de 300 a 400 visitas por dia.
país, onde a Internet ainda não chegou, e nos O coordenador do MST Neuri Rosseto ar-
meios sindicais, estudantis, políticos e inte- gumenta: “O fato de termos nossos canais
lectuais. possibilita uma maior credibilidade, uma vez
Esse modelo alternativo de expressão, que as notícias neles veiculadas estão sob a
apoiado em processos interativos, contribui ótica das próprias forças progressistas, sem
para reduzir a dependência aos meios tra- filtragem, censura ou deturpação dos fatos.
dicionais, com a sua crônica desconfiança Uma coisa é ler uma notícia sobre a polí-
dos movimentos comunitários. O mosaico tica de privatizações em um meio de difu-
comunicacional da Web reforça, assim, os são controlado ou influenciado pelo governo,
campos de resistência à concentração da mí- que tem todo o interesse em promovê-las.
dia, permitindo que idéias humanistas se ex- Outra é ler essa mesma notícia sob a ótica
primam no perímetro do espaço político des- de quem se opõe a tal política. Uma home-
territorializado. “Na Internet, até as peque- page feita pelas forças progressistas possi-
nas entidades têm oportunidade de divulgar bilita, e muito, a divulgação de seus pontos
suas atividades ao conhecimento de segmen- de vista. Os meios de comunicação massiva
tos mais amplos da sociedade. Apesar de funcionam como uma espécie de filtro en-
anárquica, a rede é muito mais democrática, tre o que deve ser noticiado, destacado, de-
pois deixa que todo mundo se expresse”, turpado ou ocultado. A Internet rompe com
opina a diretora do Greenpeace na Espanha, essa intermediação. Por isso, pode facilitar
María Peñuelas.8 que os agentes das notícias sejam os agentes
que fazem esse acontecimento chegar até o
conhecimento da sociedade.”9 O MST pre-
2 As ONGs e a comunicação on
tende interligar seus principais acampamen-
line tos, mas depende de recursos financeiros e
A maioria das ONGs procura usufruir das de conexões que dispensem linhas telefôni-
vantagens de curto, médio e longo prazos cas fixas (a solução talvez venha com o apri-
da comunicação virtual: barateamento dos moramento da tecnologia wireless, por celu-
custos; abrangência ilimitada; velocidade de lar, satélite ou rádio). O Movimento já con-
transmissão; ruptura com as diretivas ideo- seguiu apoios em 50 países; normalmente, os
lógicas e mercadológicas da mídia; autono- contatos são feitos por correio eletrônico.
9
8
María Peñuelas, citada por El País, 07.11.1999. Entrevista de Neuri Rosseto, 13.08.1998.

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O ativismo digital 5

A Central Única dos Trabalhadores zíamos isso por telefone, fax ou até mesmo
(www.cut.org.br) assinala em seu site que carta, quando tínhamos que falar com grupos
quer viabilizar uma “rede nacional de comu- de outros estados. Até algumas decisões são
nicação, potencializando recursos internos tomadas pela Internet".10 O Cedus usou e-
previamente levantados (boletins, revistas, mails para articular adesões em várias cida-
jornais, páginas na Internet, programas de des ao Dia Mundial de Luta contra a AIDS,
rádio e TV, jornalistas, dirigentes, forma- em 1o de dezembro de 1999. Com a cria-
dores de opinião etc.), que, com rapidez ção de sua homepage, passou a recebermen-
e eficácia, possam externar as políticas de sagens de adolescentes e jovens com dúvi-
nossa Central e suas ações na conjuntura, de das sobre sexualidade, doenças sexualmente
modo a influenciar a agenda nacional, inclu- transmissíveis e gravidez.
sive pautando na grande mídia o que a classe Cresce o número de ONGs que, atra-
trabalhadora entender como essencial”. Por vés da Web, captam recursos financeiros
meio da Internet, a CUT incrementa parce- para projetos assistenciais. E ainda existem
rias com entidades nacionais e estrangeiras. ONGs como Médicos sem Fronteiras, Ox-
A Central planeja um boletim eletrônico, a fam e Care que financiam projetos de coo-
ser distribuído aos sindicatos, e a construção peração executados por outras entidades ci-
de uma Intranet (rede interna) que assegure vis. Há dois tipos de contribuições: 1) o
acessos aos órgãos filiados. internauta entra na página, clica em um bo-
O Centro Feminista de Estudos e Assesso- tão e olha, por alguns segundos, os ban-
ria (www.cfemea.org.br), sediado em Brasí- ners dos anunciantes, os quais repassam ver-
lia, atua junto ao Poder Legislativo, de forma bas proporcionais à visitação; 2) através
suprapartidária, acompanhando e sugerindo de doações voluntárias. The Hunger Site
proposições que visem à regulamentação e (www.thehungersite.com), fundado em 1999
à ampliação dos direitos das mulheres e de nos Estados Unidos, destaca-se entre os pres-
relações de gênero eqüitativas e solidárias. tigiados por anunciantes. Trabalha em con-
Está na Internet desde 1998. Disponibiliza junto com o Programa Mundial da Alimen-
dados estatísticos e edita o jornal eletrônico tação, das Nações Unidas, em 82 países, par-
mensal Fêmea. Promove ainda o Fórum Ar- ticularmente na África. Desde que entrou no
ticulação de Mulheres Brasileiras, formado ar, repassou US$ 3,5 milhões à ONU.
por grupos feministas de 24 estados, cujos No Brasil, existem iniciativas
endereços, e-mails e homepages ali se en- similares, como o Click Fome
contram. (www.clickfome.com.br). O internauta
O correio eletrônico transformou-se em faz doações para dois programas da Ação
aliado fundamental das ONGs. “O e-mail da Cidadania contra a Fome e a Miséria e
mudou o modo de comunicação entre as pela Vida: a Bolsa Escola e o Natal sem
ONGs; a relação entre as instituições se tor- Fome. Idealizada pelo sociólogo Herbert
nou mais dinâmica”, avalia Roberto Pereira, 10
Roberto Pereira, citado por Elisa Travalloni,
diretor-geral do Centro de Educação Sexual “Exercício da cidadania cresce com a rede”, Jornal
(Cedus), completando: “É mais fácil orga- do Brasil, 15.12.1999.
nizar as passeatas e as reuniões. Antes, fa-

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6 Dênis de Moraes

de Souza, o saudoso Betinho, e atualmente mundial de computadores. “Não podemos


presidida pelo dramaturgo Alcione Araújo, prescindir do efeito imediato da Internet”,
a Ação da Cidadania trabalha com 400 salienta María Peñuelas. O Greenpeace
comunidades pobres. No Natal de 2000, mantém websites em 41 dos 45 países em
100 mil famílias receberam alimentos. Em que está presente, fóruns a respeito de
sua página (www.acaodacidadania.com.br), áreas prioritárias (clima, desarmamento,
é possível acompanhar a movimentação florestas, oceanos, tóxicos e engenharia
dos comitês espalhados pelo país, fóruns e genética). O Action Center divulga atos
enquetes. das seções regionais e instrui os internautas
A Internet tem sido de enorme valia nas a remeterem mensagens aos governos que
batalhas pela preservação do meio ambiente, falham na proteção à natureza.
desburocratizando o contato com órgãos de As ONGs que trabalham com Aids libe-
fiscalização e estimulando a atuação siste- ram pela Internet as últimas pesquisas ci-
mática. Em outubro de 2000, o Instituto entíficas sobre a doença, eventos, publi-
Socioambiental opôs-se à medida provisória cações especializadas e projetos de assis-
do presidente Fernando Henrique Cardoso tência a portadores do vírus HIV. A As-
que facilitava o processo de licenciamento sociação Brasileira Interdisciplinar de Aids
de produtos transgênicos. Pôs à disposição (www.abia.org.br), com sede no Rio de Ja-
de seus associados formulários on line para neiro, colhe resultados animadores nos in-
que enviassem protestos ao Palácio do Pla- tercâmbios com entidades do Brasil e do
nalto e aos Ministérios da Ciência e Tecno- exterior. “A Internet é um importante es-
logia, da Agricultura, da Saúde e do Meio paço para parcerias com outras ONGs, pois
Ambiente. Em poucas semanas, 38 entida- ajuda a difundir com rapidez as informa-
des civis aderiram ao movimento. O Instituto ções e os manifestos. Isso facilita o plane-
edita a revista eletrônica Parabólicas no Ar jamento de ações”, diz Cláudio Oliveira, as-
e facilita consultas on line à legislação am- sessor da ABIA, que em breve disponibili-
biental brasileira. Êxito parecido alcançou zará o acervo de seu centro de documenta-
a Rede de Proteção aos Animais Silvestres ção.11 Outro ponto a destacar é a utilização
(www.renctas.org.br). Conseguiu mil associ- de grupos de discussão e do correio eletrô-
ados, recebendo, com média de 100 e-mails nico para trocas de experiências entre os so-
por dia. As denúncias sobre o comércio ile- ropositivos. Claro que os recursos virtuais
gal de animais silvestres são encaminhadas, não substituem – nem devem substituir – reu-
após averiguação preliminar, à Polícia Fede- niões e os indispensáveis encontros pessoais;
ral e ao Minsitério do Meio Ambiente. proporcionam, sim, interações entre doentes
A Web chegou a ser vista com e especialistas. A Sociedade Viva Cazuza (
desconfiança pelo Greenpeace www.vivacazuza.org.br), fundada em 1990,
(www.greanpeace.org), conhecido por faz de sua homepage um lugar de consulta
sua aversão aos efeitos colaterais das tecno- 11
Cláudio de Oliveira, citado por Brasil Positivo,
logias. Hoje, crimes contra o meio ambiente, n 3, disponível em www.bristol.com.br/brasilpositi
o
em qualquer parte do globo terrestre, em vo/terc_edicao/miolo3.htm.
minutos ganham ressonância pela rede

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O ativismo digital 7

obrigatória àqueles que querem se inteirar para duas dezenas de instituições afins e uma
de seminários e eventos em prol de crianças lista de discussão com milhares de assinantes
portadoras do HIV. O fórum científico reúne (www.amnesty.org/news/emailnws.htm). O
estudos sobre tratamentos e recentes desco- correio eletrônico aproxima 80 mil voluntá-
bertas em pesquisas. rios de diferentes nações, treinados para so-
O campo dos direitos humanos também se correr e amparar vítimas de violências. Em
beneficiou com a Internet. Existem centrais 1998, 425 atendimentos foram prestados em
virtuais de denúncias, como as da Anistia In- 92 países pela serviço Urgent Actions, tendo
ternacional (www.amnesty.org), do Human sido solucionados 272 casos. A Urgent Acti-
Rights Watch (www.hrw.org) e da Ordem ons mobiliza advogados, médicos, assisten-
dos Advogados do Brasil (www.oab.org.br). tes sociais, psicólogos e outros profissionais,
Os denunciantes não precisam, necessaria- e subdivide-se por núcleos temáticos (pre-
mente, se identificar nos e-mails. Mas, se sos políticos, refugiados, mulheres, crianças
o fazem, o sigilo é assegurado. A Human e adolescentes, jovens etc).
Rights Watch treina ativistas interessados em Fundada em 1o de maio de 1995, em Na-
programas codificados, úteis para se escapar tal, Rio Grande do Norte, a Rede Telemática
ao monitoramento de dados por regimes au- de Direitos Humanos (www.dhnet.org.br) é o
toritários. "Em locais onde não é permitida braço virtual do Movimento Nacional de Di-
a divulgação de relatórios sobre violações de reitos Humanos. Informa endereços eletrô-
direitos humanos, a Internet tem sido vali- nicos de entidades, órgãos governamentais
osa para as organizações internacionais e lo- e igrejas que acolhem casos de desrespeito
cais", diz James Cavallaro, representante da aos direitos individuais. Há listas de discus-
Human Rights no Brasil.12 são sobre temas econômicos, sociais e cul-
A Anistia — uma das primeiras ONGs turais; fórum entre internautas e o ombuds-
a aderir à Web — objetiva com sua pá- man; cursos de cidadania à distância; textos
gina: a) mundializar as denúncias e acom- sobre a inserção dos movimentos sociais na
panhar investigações sobre desrespeitos aos Internet e a trajetória dos direitos humanos
direitos humanos; b) interconectar as se- no mundo; legislações, códigos de ética e de
ções regionais; c) agilizar comunicados so- conduta. A seção “Onda de Sonhos” arquiva
bre agressões e tomar as conseqüentes pro- escritos de Glauber Rocha, Karl Marx, Char-
vidências. Com um milhão de membros em lie Chaplin, Ernesto Che Guevara, Carlos
160 países, a Anistia dispõe de 50 websi- Marighela, Antônio Conselheiro e Antonin
tes. A homepage principal apresenta no- Artaud. A DHnet hospeda, gratuitamente,
tícias e campanhas contra tortura, pena de duas dezenas de sites afins, como os do Mo-
morte, prostituição infantil, prisões arbitrá- vimento Nacional de Direitos Humanos, o
rias, violências policiais, execuções e per- Conselho Estadual de Defesa do Homem e
seguições a dissidentes políticos. Há links do Cidadão, da Paraíba, o Centro de Estu-
12
dos, Documentação e Articulação da Cultura
James Cavallaro, citado por Roldão Arruda, “Ati-
vistas usam Internet para romper barreiras”, O Estado Negra e o Dossiê de Mortos e Desapareci-
de S. Paulo, 09.01. 2000. dos. Os pedidos de parceria com a DHnet

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8 Dênis de Moraes

são apreciados por um conselho de avalia- mento de que os métodos de luta precisam
ção. convergir. Não bastam as greves, as passe-
Reporters Sans Frontières (www.rsf.fr) atas e a imprensa sindical. Pode-se inundar
luta pela liberdade de imprensa. Com sede de e-mails as caixas postais dos patrões e de
em Paris, tem escritórios na Alemanha, Bél- organismos governamentais; denunciar, em
gica, Espanha, Grã-Bretanha, Itália, Suécia e tempo recorde, demissões e abusos, concla-
Suíça, e representações nos Estados Unidos, mando os consumidores a boicotarem deter-
Tailândia, Turquia e Costa do Marfim. Seu minados produtos; e convocar afiliados para
site, em três idiomas, é um roteiro confiável assembléias conjuntas, manifestações de rua
sobre agressões cometidas por governos au- e piquetes.
toritários contra jornalistas e órgãos de co- Em abril de 1999, os operários da com-
municação. O informativo diário baseia-se panhia petrolífera Elf valeram-se de alguns
em notícias transmitidas por 100 correspon- desses métodos durante greve na refinaria
dentes espalhados pelo mundo. São veicula- de Pau, na França, e ainda colocaram no ar
das denúncias e aceitas doações. Os usuários o site Elf-en-Résistance, por intermédio do
mandam e-mails de reprovação a autorida- qual mantiveram as demais unidades fabris e
des dos países que violam o direito à infor- a mídia informadas sobre o movimento. O
mação, encarceram jornalistas e suspendem episódio animou organismos sindicais fran-
periódicos independentes. Reporters Sans ceses a estreitarem seus vínculos virtuais.
Frontières inclui nestes casos Cuba, Etió- “A Internet nos permite uma comunicação
pia, Ruanda, Síria, Irã, China e Birmânia. muito mais eficaz com os sindicatos. Desde
Há dossiês sobre cada um deles, com fo- as negociações para a redução da jornada
tos e legendas de seus presidentes ou chefes de trabalho, a rede tem sido um instrumento
de governo, qualificados como “predadores para o debate das grandes questões trabalhis-
da liberdade de imprensa”. Desde abril de tas”, depõe o secretário-geral da Confedera-
2000, foram fechadas no Irã mais de 30 pu- ção Geral dos Trabalhadores, Noël Lechat.13
blicações reformistas. Existem dez jornalis- O porta-voz da Federação Internacional
tas presos naquele país. Segundo o relatório dos Sindicatos de Trabalhadores em Indús-
anual de Reporters Sans Frontières, disponí- trias Químicas (Icem), Iam Graham, diz que,
vel on line, o quadro atual da liberdade de ex- sem a Internet, teria sido impossível sen-
pressão entre os 189 países-membros da Or- sibilizar a opinião pública contra a decisão
ganização das Nações Unidas, é o seguinte: do conglomerado Bridgestone-Firestone de
em 96 deles, a situação é correta; em 65, di- substituir os 2.300 grevistas de suas usinas
fícil; e em 28, muito grave. nos Estados Unidos por trabalhadores avul-
Para tentar deter os malefícios da globali- sos, em julho de 1996. Graham declarou
zação econômica e do neoliberalismo, cen- ao jornal francês Libération que a queda-de-
trais e federações sindicais da Europa e dos braço com a direção da empresa só começou
Estados Unidos recorrem à Web para pres- 13
Noël Lechat, citado por Martine Bulard, “Syndi-
sionar empresas transnacionais e despertar cats virtuels. Grèves en réseau”, Le Monde Diploma-
a solidariedade aos trabalhadores. As ci- tique, dezembro de 2000.
bercampanhas sindicais partem do entendi-

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O ativismo digital 9

a surtir efeito quando os protestos abarrota- Tcheca, agências de notícias vinculadas a


ram as caixas postais de autoridades gover- ONGs de direitos humanos, como a Indepen-
namentais, de formadores de opinião, de mí- dent Media Center e a Direct Action Media
dias do mundo inteiro, do governo japonês, Network, montaram um QG em Praga. De
dos diretores da matriz e das filiais do grupo seus notebooks acoplados a modems, envia-
Bridgestone, dos bancos que lhe concediam vam, a um sem-número de instituições e veí-
créditos nos Estados Unidos e no Japão, culos independentes, textos relatando o que
de seus fornecedores e clientes. Os ende- se passava dentro e fora do encontro, com
reços eletrônicos, catalogados previamente ênfase nos protestos contra o FMI. “Com a
pela Icem, foram disponibilizados pela Fe- Internet estamos multiplicando a divulgação
deração no dia em que a empresa anunciou de mobilizações desse tipo. A ação direta
o afastamento dos grevistas. Graham aponta é uma experiência de poder. São as pes-
outro trunfo da Internet: “Se tivéssemos en- soas tomando a frente de suas vidas”, opina
viado faxes a todas as pessoas incluídas em Mark Lynas, 27 anos, editor do OneWorld
nossa lista, seriam necessárias de duas a três (www.oneworld.org), que congrega defenso-
horas, a um custo elevadíssimo. Um minuto res dos direitos coletivos.15 “A Web cria con-
foi o suficiente para convocarmos pela Web dições para uma conexão sem intermediários
as 150 organizações afiliadas à Icem a entra- com a audiência. Isso é liberdade de expres-
rem em nosso site e dispararem e-mails para são”, observa Jay Sand, da Direct Action.16
a relação de pessoas que havíamos selecio- A revolta de Praga inspirou-se na de Se-
nado. Em poucos minutos, as caixas pos- attle, cidade norte-americana que sediou,
tais estavam entupidas com as nossas men- em dezembro de 1999, a Rodada do Milê-
sagens. Os telejornais da noite e os jornais nio, promovida pela Organização Mundial
do dia seguinte, inclusive de países europeus do Comércio (OMC). Cinqüenta mil pes-
e do Japão, noticiaram com destaque o fato, soas encheram as ruas, no primeiro pro-
obrigando a empresa a vir a público se expli- testo expressivo contra o neoliberalismo. Os
car e, logo depois, rever a medida contra os movimentos civis provaram em Seattle que
trabalhadores.”14 não poderiam ser mais ignorados pelos ar-
Ao adotarem táticas de “guerrilha” virtual, tífices da governança global. A Web foi
os ciberativistas optam por modalidades de valiosa na preparação dos atos, através de
ação direta, com efeitos imediatos. Na co- correio eletrônico, boletins, listas de dis-
bertura da reunião anual do Fundo Mone- cussão e fóruns. "A troca de informações
tário Internacional e do Banco Mundial, de pelos computadores permitiu uma articula-
26 a 28 de setembro de 2000, na República ção inédita entre grupos com os mais dife-
14
rentes interesses e localizados em 140 paí-
Iam Graham, citado por Nicole Penicaut e
Emmanuele Peyret, “Travailleurs de tous les pays ses", diz Maria Luísa Mendonça, represen-
connectez-vous”, Libération, 25.04.1997. Para uma tante no Brasil da Global Exchange, uma das
apreciação sobre estratégias e táticas de ação virtual, 15
ler Harry Cleaver. Computer-linked: social move- Mark Lynas, citado pela agência Efe, 06.10.
ments and the global threat to capitalism, disponível 2000.
16
em www.anice.net.ar/infoysoc/home/index.html. Jay Sand, citado pela BBC, 14.04.2000.

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10 Dênis de Moraes

ONGs que coordenaram as manifestações. sociedade”.18 Significa realçar a sociedade


Nos dias dos protestos, Global Exchange civil como espaço político por excelência,
(www.globalexchange.org) e a agência de fazendo-a ressurgir do declínio imposto pela
notícias Indymedia (www.indymedia.org) hegemonia neoliberal, preferencialmente na
registraram 1,5 milhão de visitas. "As pes- trilha proposta por Benjamin R. Barber: “um
soas queriam saber o que era OMC, Rodada domínio cívico republicano e mediador entre
do Milênio, transgênicos, além de dar opi- o desmedido setor governamental e o metas-
niões e apoio", acrescenta Maria Luísa.17 tásico poder privado”.19
O quadro de expectativas e esperanças
aqui delineado não deve, entretanto, alimen-
3 A caminho da consciência
tar ilusões. Em primeiro lugar, porque a
planetária cibermilitância necessita aprofundar propos-
As formas dialógicas que irrompem no ci- tas de comunicação eletrônica e conciliá-
berespaço começam a pôr em xeque a reni- las com demandas do público-alvo. Em se-
tente metáfora do Big Brother, que por dé- gundo, porque nos deparamos com um fenô-
cadas dominou a teoria crítica no campo da meno ao mesmo tempo hiperveloz (devido
comunicação. A mídia sempre encarnou — e à expansão tecnológica) e lento (por conta
ainda encarna — aquela sinistra figura, dado de hábitos culturais e políticos nem sempre
o seu poder quase absoluto de privilegiar as fáceis de atualizar). Em terceiro, porque os
informações que julga relevantes. A supre- movimentos sociais não formam um todo co-
macia dos meios tradicionais persiste e pro- eso e harmônico. A heterogeneidade de ideá-
vavelmente persistirá, porém não há como rios, identidades, práticas e naturezas consti-
negar que inquietações sociais e resistências tutivas se reflete em usos e apropriações dis-
à lógica dominante se propagam pela Inter- tintos das engrenagens comunicacionais, aí
net, sem ingerência de governos e corpora- incluída as da Internet. Por mais que redes
ções empresariais ou militares. No cenário e coletivos virtuais aproximem e combinem
que parecia um manjar dos deuses para ra- linhas de intervenção, não caracterizam, na-
ciocínios lúgubres e derrotistas, percebemos turalmente, totalidades ou unicidades válidas
agora uma oxigenação. em qualquer situação.
Manuel Castells sublinha a importância Não se trata, por conseguinte, de transfor-
estratégica de “se utilizar o enorme poten- mar a Internet em apanágio de todas as virtu-
cial da Internet, por exemplo, para reviver des. Muito menos de sonhar com um Eldo-
a democracia, não enquanto substituição da rado digital, habilitado a suplantar o pode-
democracia representativa por meio do voto, rio das corporações. Seria tolice subestimar
e sim para organizar grupos de conversação, o predomínio dos megagrupos no atual ce-
plebiscitos indicativos e consultas sobre dis- 18
Manuel Castells, em entrevista a René Lefort, “El
tintos temas, disseminando informações na nuevo papel del ciudadano ante la revolución de Inter-
net”, Correio da Unesco, outubro de 1999.
17
Maria Luísa Mendonça, citada por Roldão Ar- 19
Benjamin R. Barber. Un lugar para todos: cómo
ruda, “Ativistas usam Internet para romper barreiras”, fortalecer la sociedad civil y la democracia. Barce-
O Estado de S. Paulo, 09.01.2000. lona: Paidós, 2000, p. 91.

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O ativismo digital 11

nário de transnacionalização e oligopoliza- práticas interativas e não submetidas aos me-


ção das indústrias de informação e entreteni- canismos de seleção e hierarquização da mí-
mento. No caso particular do Brasil, a maior dia.
parte das pessoas plugadas pertence às clas- Graças à plataforma digital, os chamados
ses A e B e se aglomera nas regiões Sudeste e à mobilização social ultrapassam barreiras
Sul. Dos mais de cinco mil municípios brasi- geográficas, atropelam fusos horários e des-
leiros, pouco mais de 300 estão conectados. conhecem grades de programação. Os in-
“É a tradição da concentração das riquezas tercâmbios tornam-se rápidos e acessíveis.
que se repete nas tecnologias digitais”, ob- O ciberativismo alicerça campanhas e aspi-
serva Carlos Alberto Afonso, um dos res- rações à distância, no compasso de causas
ponsáveis pela implantação da Internet no que se globalizam (combate à fome, defesa
país com o provedor Alternex e hoje diretor do desenvolvimento sustentável, preservação
de desenvolvimento da Rede de Informações do equilíbrio ambiental, direitos humanos,
do Terceiro Setor.20 Pesquisa recente reali- luta por um sistema de comunicação plura-
zada por Afonso para a Fundação Friedrich lista). As entidades civis valem-se da Inter-
Ebert aponta paradoxos. O Brasil está entre net enquanto canal público de comunicação,
os 15 países com maior parque de compu- livre de regulamentações e controles exter-
tadores instalados, embora mantenha cerca nos, para disseminar informações e análises
de 94% das cidades fora da Web. Apesar de que contribuam para o fortalecimento da ci-
dispor da maior infra-estrutura de telecomu- dadania e para o questionamento de hegemo-
nicações da América Latina, situa-se em pe- nias constituídas.
núltimo lugar, em número de usuários indivi- A mega-rede pode propiciar aos movi-
duais, computadores pessoais, linhas telefô- mentos sociais uma intervenção ágil em as-
nicas e servidores de Internet, entre as dez suntos específicos, acentuando-lhes a visi-
maiores economias do mundo. Outro dado bilidade pública. Sem falar na constituição
eloqüente: ocupamos um modesto quarto lu- de comunidades virtuais por aproximações
gar na América Latina na média ponderada temáticas, anseios e atitudes. Elas refor-
entre usuários e servidores, atrás de Uruguai, çam a sociabilidade política e praticam uma
Chile e Costa Rica. Portanto, há muito a fa- ética por interações, assentada em princípios
zer para universalizar as conexões e os usos de diálogo, de cooperação e de participa-
sociais da Web. ção. “Tanto a Internet quanto as ONGs têm
Ao ressaltar a emergência da cibermili- a tendência de formar comunidades, assim
tância, quisemos ressaltar: a) a diversidade como defender a liberdade é uma caracte-
de organizações e movimentos que desenvol- rística marcante dos dois sistemas", observa
vem na Internet novas formas de ação, gestão Sérgio Góes, diretor-executivo da Rits, ins-
e participação; b) as potencialidades que se tituição privada, autônoma e sem finalidade
entreabrem no âmbito virtual, fundadas em lucrativa, mantida com o apoio financeiro
20 de agências privadas e públicas.21 Na Web
Carlos Alberto Afonso, citado por Robinson Bor-
ges, “Realidade virtual em xeque”, Valor Econômico, desde a sua criação, em 1997, a Rits fornece
24.11. 2000. 21
Sérgio Góes, citado por Elisa Travalloni, “Exercí-

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12 Dênis de Moraes

a ONGs informativos, fóruns, base de dados, tar uma cultura de solidariedade social. As
serviços eletrônicos e apoio em tecnologias. redes de ONGs exercem função estratégica
Sérgio Góes ressalva que “falta muito para como plataformas de comunicação. No site
que as organizações conquistem um grande da Associação Brasileira de Organizações
espaço no mundo virtual."Para ele, a Inter- Não-Governamentais (Abong), há noticiário,
net demonstra enorme potencial para a mo- documentos e links para 250 filiadas pelo
bilização, mas não podemos deixar de levar país. Muitas delas participam dos fóruns on
em consideração que uma parcela pequena line da Abong, agrupadas por região. A pá-
da população brasileira tem acesso a ela". gina da Fase (www.fase.org.br) traduz bem
Tornar as páginas mais conhecidas dos in- a estratégia político-cultural-ideológica que
ternautas implica expandir alianças e inter- norteia a circularidade de informações por
câmbios; divulgar intensivamente os websi- afinidades eletivas. A Fase funciona como
tes junto a setores da sociedade civil, tanto pólo de articulação de 70 ONGs do Brasil e
por meios convencionais, quanto por bole- do exterior ligadas à defesa dos direitos hu-
tins e eventos eletrônicos; realizar conferên- manos, do meio ambiente, da reforma agrá-
cias e seminários sobre estratégias comuni- ria e da educação. As organizações contam
cacionais para a Internet; e aprimorar os pro- com uma base de dados comum, uma agenda
gramas de busca e as árvores de links. “A In- de eventos e links para entidades associadas.
ternet para nós é fundamental, mas há tantos Já foram promovidas conferências eletrôni-
sites que você pode navegar a vida inteira e cas sobre reforma agrária na América Latina
não saber que existe determinada página. O e agricultura familiar.23
difícil é dizer às pessoas onde estão a infor- Além de uma maior percepção pública dos
mação, a interação, a discussão, o debate”, sites, pelo menos três desafios terão ser en-
atesta o coordenador da Federação de Órgãos frentados pelos movimentos sociais na Inter-
para Assistência Social e Educacional, Luiz net: 1) a definição de estratégias de comuni-
Antônio Correia de Carvalho.22 cação que aproveitem plenamente as poten-
As redes devem funcionar como faróis que cialidades criativas e interativas das tecnolo-
iluminam as rotas até pontos de referência gias multimídias; 2) o aumento substancial
sobre determinadas questões. A Rits planeja do número de usuários, o que depende da su-
criar o Portal da Cidadania, com informa- peração de entraves econômico-financeiros
ções sobre um abrangente conjunto de enti- (custos de computadores, modems, linhas e
dades, evitando a dispersão por muitas pági- tarifas telefônicas, provedores de acesso); 3)
nas. Para aprofundar-se em algum tema, o uma melhor formação para os ciberativistas,
internauta será instruído a pesquisar nas ho- com simplificação de procedimentos infor-
mepages de instituições específicas. máticos, cursos e treinamentos. Quer di-
Providências como essa são decisivas para zer, as competências humanas permanecem
fazer sobressair as reivindicações e resga- essenciais numa era de acelerado progresso
23
cio da cidadania cresce com a rede”, Jornal do Brasil, Com sede no Rio de Janeiro, a Fase é patroci-
15.12.1999. nada por um consórcio de 12 agências internacionais
22
Entrevista de Luiz Antônio de Carva- da Holanda, da Grã-Bretanha e da Alemanha.
lho, 24.07.2000.

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O ativismo digital 13

técnico. Nesse sentido, não há por que dis- bre tecnologias de informação na atividade
cordar de Dominique Wolton — um crítico sindical, promovido pela Organização Inter-
da comunicação eletrônica — quando ele as- nacional do Trabalho, em Turim, Itália, e
sinala a importância de intermediários quali- acompanhou os estudos de estruturação de
ficados para instruir e capacitar a navegação redes eletrônicas junto à Secretaria Nacional
pelos imensos continentes de saberes, dados de Formação da CUT e à Confederação Na-
e conhecimentos da Web.24 Pensar o contrá- cional dos Metalúrgicos. Para potencializar
rio seria admitir, ingenuamente, que o ambi- sua inserção na Web e viabilizar uma Escola
ente high tech se sustenta por automatismos Sindical em rede, estabelecem outros passos,
ou fascínios. O aluvião informacional da In- como a disponibilização de uma homepage,
ternet não subsiste sem o discernimento crí- a formação de usuários prioritários e a elabo-
tico da inteligência humana que o concebeu ração de um projeto de educação à distância
e não cessa de renová-lo. Deixemos claro, para adultos.25
uma vez mais, que instruir e capacitar não se Cada vez mais, as organizações não-
confundem, na Internet, com doutrinar, con- governamentais – esses “embriões da socie-
trolar ou censurar. dade civil internacional, na feliz definição de
A experiência da Escola Sindical 7 de Ou- Ignacio Ramonet26 - necessitarão ampliar a
tubro, mantida pela Central Única dos Tra- interlocução com as comunidades e os pode-
balhadores, prova a importância de avalia- res públicos e aperfeiçoar as táticas de pres-
ções criteriosas e investimentos pontuais na são organizada contra o statu quo. O dife-
Web. A Escola iniciou o projeto de comu- rencial da Internet consiste em veicular li-
nicação on line em 1998, com conexão e e- vremente princípios, anseios e pleitos numa
mail. Depois de inteirar-se das peculiarida- escala nunca antes sonhada. A arena virtual
des do novo meio, chegou a uma certeza: insinua-se, pois, como âmbito de representa-
“Não valeria a pena criar nossa homepage, ção para contrapoderes cívicos germinarem
apenas dispor de um domínio, de um site, e na direção apontada por Félix Guattari:
parar por aí. É preciso haver interatividade; é “Precisamos fomentar com êxito uma nova
preciso que os parceiros e o público alvo da consciência planetária, que se apóie em
Escola acessem nosso site não apenas para nossa capacidade coletiva para a criação de
conhecer o que a Escola é, já fez ou fará; sistemas de valores que escapem aos pressu-
é preciso que seja algo dinâmico e útil, um postos morais, psicológicos e sociais do ca-
instrumento de formação e de comunicação. pitalismo, os quais se centram apenas no be-
E aí, reside um dos desafios: os dirigentes nefício econômico. A alegria de viver, a so-
e militantes dos movimentos sindical e po- lidariedade e a compaixão pelos outros são
pular, em geral, desconhecem as possibilida- sentimentos em vias de extinção e que devem
des e não sabem utilizar a Internet.” A 7 de ser protegidos, reavivados e impulsionados
Outubro participou, então, de um curso so- 25
Sobre a inserção da Escola Sindical 7 de Outubro
24
Ler Dominique Wolton. Internet et après: une na rede de comunicação eletrônica da CUT, consultar
théorie critique des nouveaus médias. Paris: Flam- www. escola7.org.br/plano/pg02cex03.html.
26
marion, 1999, p. 115 e 206. Ignacio Ramonet, “Pour changer le monde”, Ma-
nière de Voir, no 52, julho-agosto de 2000.

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14 Dênis de Moraes

em novas direções. Os valores éticos e esté-


ticos não nascem de imperativos nem de có-
digos transcendentais. Exigem uma partici-
pação existencial baseada em uma imanência
que se deve reconquistar continuamente.”27
Sem ignorar os obstáculos que se inter-
põem, penso que a Internet tende a firmar-
se como um dos meios de comunicação vi-
tais para a construção da cidadania mundial.
Digo um dos meios para reiterar que não en-
tendo o ciberespaço como uma esfera disso-
ciada dos embates sociais concretos. Como
cogitar de transformações radicais sem refe-
rências objetivas às tradições sociais? Volto
a dizer que percebo uma relação de confluên-
cia, de acréscimo e de sinergia entre o con-
creto e o virtual, resultante, de um lado, da
progressiva hibridação tecnológica e, de ou-
tro, do somatório de possibilidades que ne-
nhuma das partes, isoladamente, alcançaria.
Julgo perfeitamente viável combinar os ins-
trumentos de ação político-cultural que am-
bos fornecem, sem perder de vista que é no
território físico, socialmente reconhecido e
vivenciado, que se tece o imaginário do fu-
turo.

27
Félix Guattari, “Pour une refondation des prati-
ques sociales”, Le Monde Diplomatique, outubro de
1992. Ver ainda Denis Duclos. “Un projet civique
pour le nouveau siècle. Universelle exigence de plu-
ralité”, Le Monde Diplomatique, janeiro de 2000.

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