Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
1
Desenvolvimento e aprendizagem
na etapa de 0 a 6 anos
1.1 Introdução | 20
criadas as condições para que haja mais e me- Como ocorre o processo de
lhores conexões nervosas que permitam uma desenvolvimento? Em que
resposta mais adaptada às necessidades crescen- consiste?
tes do indivíduo. A maturação está estritamente
ligada ao crescimento (que corresponderia ba- De zero a seis anos, ocorre um processo de
sicamente às mudanças quantitativas: alonga- complexidade do ser humano que não se repe-
mento dos ossos, aumento de peso corporal, etc.) tirá durante seu desenvolvimento. As crianças,
e, portanto, aos aspectos biológicos, físicos, evo- quando nascem, necessitam de cuidados míni-
lutivos das pessoas. Quando falamos de desen- mos e de atenção não muito complexa (comer
volvimento, referimo-nos explicitamente à for- e dormir certas horas e receber atenção às de-
mação progressiva das funções propriamente mandas a que o recém-nascido começa a fa-
humanas (linguagem, raciocínio, memória, zer). À medida que vão crescendo, aumenta a
atenção, estima). Trata-se do processo median- complexidade de suas demandas (choram por-
te o qual se põe em andamento as potencialida- que têm vontade ou mal-estar, ou não querem
des dos seres humanos. Consideramos que é um estar sozinhas, ou querem estar com uma ou-
processo interminável, no qual se produz uma tra pessoa, etc.) e também aumenta sua capa-
série de saltos qualitativos que levam de um es- cidade de resposta (começam a ter critérios pró-
tado de menos capacidade (mais dependência prios em alguns aspectos e, portanto, mediante
de outras pessoas, menos possibilidades de res- o uso de linguagem podem pedir o que que-
postas, etc.) para um de maior capacidade (mais rem). Também se tornam mais complexas as
autonomia, mais possibilidades de resolução de realidades em que vivem essas crianças: passam
problemas de diferentes tipos, mais capacidade do âmbito relacional reduzido ao estabeleci-
de criar, etc.). Finalmente, queremos destacar mento de relações com pessoas mais alheias e
as características do conceito de aprendizagem. desconhecidas, a ter necessidade de valer-se por
Mediante os processos de aprendizagem, incor- si mesmas, de garantir-se sem a presença cons-
poramos novos conhecimentos, valores, habili- tante das pessoas mais próximas. A complexi-
dades que são próprias da cultura e da socieda- dade é consubstancial ao processo de desenvol-
de em que vivemos. As aprendizagens que in- vimento dos seres humanos. Esse desenvolvi-
corporamos fazem-nos mudar de condutas, de mento é caracterizado pelo seu caráter único
maneiras de agir, de maneiras de responder, e com relação às outras espécies vivas: o ser hu-
são produto da educação que outros indivíduos, mano é o único ser vivo que pode planejar sua
da nossa sociedade, planejaram e organizaram, ação, pôr em andamento uma atividade psíqui-
ou melhor, do contato menos planificado, não ca que lhe permita realizar ações criadoras.
tão direto com as pessoas com quem nos relaci- Também é necessário destacar que a diversi-
onamos. dade é uma característica do ser humano, pois
A partir dessas definições, podemos expor todas as pessoas são diferentes em suas particu-
como entendemos que se desenvolvem os me- laridades físicas e psíquicas: cada uma recebe,
ninos e as meninas dessas idades e qual é o pa- por meio de herança, determinadas caracterís-
pel da escola na potencialização desse desen- ticas físicas e determinadas potencialidades, que
volvimento. se desenvolvem em um determinado ambiente.
Tudo isso exige-nos a necessidade de falar si-
multaneamente das características de unicida-
de e de diversidade do ser humano.
22 BASSEDAS, HUGUET & SOLÉ
todas as suas funções e usos, já que a lingua- exemplos mais típicos e conhecidos nas escolas
gem está regulada pela parte aberta do código é o fato de dizer que às crianças de quatro ou
genético. cinco anos não se pode ensinar os numerais,
Assim, constatamos que a herança recebida porque elas não têm a noção e o conceito de
dá-nos uma série de possibilidades e indica-nos número corretamente estabelecidos. Isso ilus-
em que momento aproximado estarão disponí- tra claramente a tendência em subordinar a
veis. O grau de aquisição e as características de aprendizagem ao desenvolvimento, no sentido
tal aquisição dependerão das inter-relações que de entender que primeiro se desenvolve uma
a criança faz em experimentações com as pes- série de capacidades cognitivas e depois se pode
soas de seu convívio. Podemos destacar que, no iniciar o ensino de conceitos que envolvam tais
decorrer do primeiro ano, os bebês têm a capa- capacidades. O fato de que a escola estabelece
cidade de começar a estabelecer fortes vínculos esse tipo de decisões está diretamente relacio-
com as pessoas que os cuidam. O fato de estabe- nado com o que a psicologia diz em relação a
lecerem ou não esses vínculos, que lhes propor- esses aspectos. Nesse sentido, destacamos que
cionam segurança ou que constituem vínculos algumas das abordagens fundamentais feitas
instáveis e inseguros, dependerá das caracterís- pela psicologia genética de Jean Piaget está, em
ticas das relações que o bebê vai tecendo duran- nosso ponto de vista, rigidamente aplicada na
te seu primeiro ano de vida. escola e, então, ocorrem comportamentos prá-
O desenvolvimento da espécie humana é, ticos educativos discutíveis como promotores de
portanto, o resultado de uma interação entre o uma boa aprendizagem.
programa de maturação (inscrito geneticamen- A perspectiva que Vygotsky (1984) abordou
te) e a estimulação social e pessoal que a crian- em relação à aprendizagem escolar é funda-
ça recebe das pessoas que a cuidam. Logo, en- mental para que se possa raciocinar e entender
tendemos que os aspectos psicológicos de desen- qual é a natureza da aprendizagem e do ensino
volvimento não estão predeterminados, mas que escolar e sobre que relações seria conveniente
são adquiridos mediante a interação com o meio estabelecer o desenvolvimento da criança. Se-
físico e social que envolve as crianças desde o gundo o psicólogo russo, para que possa haver
seu nascimento. desenvolvimento é necessário que se produza
uma série de aprendizagens, as quais, de certo
modo, são uma condição prévia. Assim, voltan-
Que relações podemos estabelecer do ao exemplo que apresentamos antes, é ne-
entre o desenvolvimento e a cessária uma série de aprendizagens em rela-
aprendizagem? ção a situações de contar, de lembrar, recordar
a seriação numérica, experienciar contatos com
Para entender as aquisições que os meninos coisas possíveis de contar e outras incontáveis,
e as meninas podem fazer no decorrer dos anos etc., para a criança poder chegar a conceituali-
da educação infantil, convém definir como con- zar a noção de um nome, como a inclusão de
sideramos o processo de aprendizagem das cri- todos os outros (o cinco incluiu o quatro, o três,
anças e, também, as relações que podemos des- o dois, o um), independentemente de questões
tacar entre a aprendizagem e o desenvolvimen- perspectivas (a disposição espacial dos objetos
to. não influencia a quantidade).
Nessas idades, sobretudo na fase da creche, A partir disso, entende-se que a maturação
considera-se, muitas vezes, que os meninos e as por si só não seria capaz de produzir as funções
meninas não podem aprender, se não tiverem psicológicas próprias dos seres humanos: é a
desenvolvido previamente algumas caracterís- aprendizagem na interação com outras pessoas
ticas consideradas imprescindíveis. Um dos que nos dá a possibilidade de avançar em nosso
24 BASSEDAS, HUGUET & SOLÉ
desenvolvimento psicológico. Esses processos de tudo o que a criança pequena sabe fazer com a
interação com outras pessoas permitem o esta- ajuda, a orientação e a colaboração de pessoas
belecimento das funções psicológicas superio- mais capazes é o que Vygotsky denomina nível
res. Assim, as crianças, começam a utilizar a de desenvolvimento potencial. Aquilo que a
linguagem como um veículo de comunicação, criança pequena já é capaz de fazer sozinha no
controle e regulação das ações das outras pes- mesmo momento pode ser considerado o nível
soas, e somente depois de tê-la utilizado intera- de desenvolvimento efetivo. Aquilo que a cri-
gindo com as outras pessoas é que a linguagem ança pequena sabe fazer com a ajuda de outras
converte-se em um instrumento idôneo para pessoas mais capazes e não sozinha, Vygotsky
planejar a ação, ou melhor, a linguagem trans- destaca que acontece porque algumas funções
forma-se em pensamento. não estão totalmente desenvolvidas, mas estão
Começamos, então, a delinear a importân- em desenvolvimento; portanto, a aprendizagem
cia fundamental que têm as pessoas mais ca- que a criança pequena faz, praticando esses as-
pazes da espécie no processo de desenvolvimen- pectos juntamente com uma pessoa mais ca-
to das crianças e, em nosso caso, as mães, os paz, é o que lhe permitirá chegar a desenvolver
pais, os professores de educação infantil e tam- algumas capacidades pessoais que poderá exer-
bém os meninos e as meninas mais velhos. A cer sozinha mais adiante.
criança pequena, quando atua juntamente com Nesses conceitos vygotskianos, encontramos
uma pessoa mais capaz, pode chegar a fazer uma definição satisfatória referente às relações
algumas coisas que não consegue fazer em um entre aprendizagem e desenvolvimento. Pode-
momento em que esteja sozinha. Assim, por mos destacar que a aprendizagem facilita e pro-
exemplo, um menino de um ano pode colocar move o desenvolvimento através da criação de
uma peça em cima da outra e fazer uma torre zonas de desenvolvimento potencial, as quais,
somente se a pessoa mais capaz do que ela segundo o que já mencionamos, podemos defi-
acompanhar sua mão. Ou, então, uma meni- nir como a “distância entre o nível atual de de-
na de dois anos poderá contar os dois pedaços senvolvimento, determinado pela capacidade de
de carne que tem para comer, se a pessoa mais resolver independentemente um problema, e o
capaz ajudar-lhe, contando com ela. Ou, ain- nível de desenvolvimento potencial, determina-
da, um menino de três anos poderá pôr a mesa, do através da resolução de um problema sob a
na escola, se sua professora disser como deve orientação de uma pessoa adulta ou com a co-
proceder. Também um menino de quatro anos laboração de um companheiro mais capaz”
poderá reconhecer o seu nome, quando vê a (Vygotsky, citado por Riviere, 1984). Atuando
professora escrevê-lo. Uma menina de cinco com outra pessoa na zona de desenvolvimento
anos poderá explicar um conto literário, se a próximo, a criança interioriza a ajuda propor-
professora, a mãe ou o pai derem a ela diferen- cionada, incorporando, assim, aos seus conhe-
tes pistas que a ajudem a ordenar os dados. As cimentos e às suas ações novas dimensões que
crianças poderão realizar todas essas atividades a farão mais funcional, mais complexa e mais
sozinhas, mais adiante, sem prescindir da aju- capaz de resolver problemas.
da de outra pessoa mais capaz ou de um adulto Finalmente, podemos destacar que, no pro-
para indicar os processos, como apresentado nos cesso de ajuda, de cuidado dedicado a uma cri-
exemplos anteriores. Nesses processos, as crian- ança pequena, os educadores e os pais atuam
ças pequenas interiorizam os objetivos, os pro- de uma maneira ou outra, conforme entendem
cedimentos e as regulações que vão comparti- implicitamente que seja seu papel no processo
lhando com a outra pessoa mais capaz, o que de estimulação dessa criança: para que ela de-
as tornam capazes de fazê-lo automaticamen- senvolva suas aptidões e até possa antecipar suas
te. A partir desses exemplos, podemos dizer que capacidades, a partir de um processo de obser-
APRENDER E ENSINAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL 25
vação constante dos aspectos que esteja incor- Como as crianças aprendem?
porando, para conseguir melhorar essas suas
capacidades. Nessa atuação conjunta, pais e Os meninos e as meninas aprendem com-
educadores ajudam a criança pequena em seu portamentos, destrezas, hábitos e conhecimen-
avanço pessoal. tos, de maneiras muito variadas. No decorrer
Todos esses aspectos estão integrados na con- da história da psicologia e da pedagogia, tem-
cepção construtivista do desenvolvimento e da se explicado, de diversas formas, a aprendiza-
aprendizagem (Coll, 1986, 1990) e, a partir des- gem nessa idade. Segundo Palacios (1991), po-
sa perspectiva, entendemos que o desenvolvi- demos considerar a existência de diversos ca-
mento não surge do nada, mas é uma constru- minhos, diferentes maneiras de aprender, cada
ção sobre a base de desenvolvimento que já exis- uma destacada por referentes teóricos variados:
te previamente, sendo uma construção que exi- a aprendizagem através da experiência com os
ge o envolvimento tanto do menino ou da me- objetos, a aprendizagem através da experiência
nina como daqueles que se inter-relacionam em determinadas situações, a aprendizagem
com ele ou ela, tratando-se de processos modu- através do prêmio e do castigo, a aprendizagem
lados pelo contexto cultural em que vivem. por imitação e a aprendizagem da formação de
É necessário destacar que, nos últimos anos, “andaimes” por parte da pessoa adulta ou ou-
tem havido entre os investigadores e estudiosos tra pessoa mais capaz.
da psicologia evolutiva e da educação, em nos-
so contexto cultural, o que poderíamos nomear A experiência com os objetos
de um certo “acordo construtivista”, já que seus
fundamentos teóricos sustentam várias explica- O processo de conhecimento das crianças
ções dadas sobre o desenvolvimento do ser hu- inicia sempre, desde pequenas, com uma ex-
mano. ploração dos objetos. Tal como destaca Piaget
(1969), a criança conhece quando atua sobre gem, haverá uma variação no tipo de atividade
os objetos, quando pratica ações sobre os obje- que a criança fará para conhecer o mundo: ela
tos. Quando um bebê de quatro meses conse- passará a fazer operações mentais não-visíveis,
gue segurar um objeto, aplica o que o investi- utilizando a linguagem como instrumento de
gador denomina esquema de ação, o qual po- pensamento. De qualquer modo, o contato com
deríamos definir como o que sabe fazer, naque- os objetos e a experiência que a criança tem atra-
le momento, com os objetos. Os esquemas de vés do jogo individual, em grupo ou com uma
ação do bebê de quatro meses, que representam pessoa adulta, são situações de aprendizagem
seu conhecimento do momento, são, pelo que básicas durante todo o período que poderíamos
vemos, uma força limitada: certamente o bebê considerar como etapa da educação infantil.
limita-se a segurar o objeto, puxá-lo, movê-lo, É por isso que necessitamos proporcionar
soltá-lo, observá-lo, etc. À medida que tenha situações de jogo, experiência e manipulação
experiências com os objetos, esses esquemas se- de objetos diversos, bem como a realização de
rão ampliados, diversificando-se e coordenan- experiências adequadas ao nível de compreen-
do-se até chegar a condutas que já poderíamos são dos meninos e das meninas dessa idade.
denominar condutas complexas diante das coi-
sas que são próprias das crianças de um ano e A experiência com as situações
meio: trata-se de uma verdadeira experimenta-
ção, na qual ela faz uma análise do objeto, age A criança pequena, além das experiências
sobre ele e tira conclusões sobre as suas carac- com os objetos, vive muitas experiências rela-
terísticas. Essa exploração e experimentação cionadas com as situações da vida cotidiana.
constantes que a criança faz sobre os objetos, Essas experiências também lhe permitem for-
no decorrer dos dois primeiros anos de vida, pro- mar esquemas que a ajudam a predizer e a an-
porcionam-lhe um conhecimento do mundo tecipar o que é natural que aconteça em deter-
que a envolve: as características dos objetos (os minada situação na qual esteja envolvida, a
que têm gosto, os que fazem ruído, os que a mãe imaginar o resultado de sua ação em uma de-
xinga quando toca, os que se movem, os que terminada cena, etc. Assim, tanto as situações
rolam...), as relações que podem ser estabeleci- como as rotinas da vida cotidiana (despertar-se
das entre os objetos e as situações (se movo isto, e vestir-se, tomar café matinal-merendar-almo-
posso ver o que está em cima; se peço água, con- çar-merendar-jantar, brincar no parque, ir de
seguirei que meu pai venha me ver, etc.). carro visitar a avó e o avô, etc.) ou, ainda, ou-
Por meio desses processos, que Piaget deno- tras situações mais esporádicas (ir a um restau-
mina assimilação (aplicação do mesmo esque- rante, andar de ônibus) servem para fazer uma
ma a diferentes objetos e situações) e acomo- representação de cenas que possuem uma lógi-
dação (pequenas mudanças que a criança in- ca, uma sucessão determinada e que sempre
troduz nos esquemas para adaptar-se a situa- estão presentes de uma maneira muito similar.
ções diferentes), a criança pequena da etapa Através de tais situações, a criança aprende a
sensório-motora faz uma aprendizagem do identificar os objetos que são previsíveis de en-
mundo que a envolve e aprende a resolver as contrarem-se em determinados lugares (é es-
situações com as quais convive, à medida que vai tranho encontrar uma escova de dentes na co-
colocando em prática esquemas cada vez mais zinha), a maneira como as coisas estão habitu-
complexos para indagar e intervir na realidade. almente situadas no espaço (as cadeiras encos-
No decorrer de toda a infância, a atividade tadas ou abaixo da mesa, os quadros na pare-
sobre os objetos será muito importante. Porém, de) e também a sucessão temporal de determi-
à medida que começa a estabelecer a capacida- nadas situações (primeiro tira-se as fraldas su-
de de comunicação através do uso de lingua- jas; depois, limpa-se o bumbum; depois se põe
APRENDER E ENSINAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL 27
para eles (o pai, a mãe, os educadores, os pro- motor, organiza os momentos de refeições e de
fessores, os companheiros, etc.) representam e vestir, etc. À medida que a criança fica mais ve-
são transformados em modelos daquilo que eles lha e começa a conhecer, através da repetição,
gostariam de ser. As crianças imitam as expres- algumas dessas seqüências, ela desempenha um
sões, a maneira de agir, as atitudes, os compor- papel mais ativo: participa, pronunciando al-
tamentos dessas pessoas. gum som ou movendo o corpo, indicando que
Igualmente, todos sabemos que a experiên- quer fazer o jogo motor, ou começa a segurar
cia também dará às crianças elementos para sozinha o garfo, tentando espetar a comida e
repeti-las. Essa imitação de situações transfor- levá-la à boca; e até ajuda a passar o braço,
ma-se em momentos de jogos simbólicos, em quando se veste nela o blusão. Nessas situações,
que elas poderão representar tanto as experiên- o adulto continua conduzindo, sendo o diretor
cias prazerosas, como as situações que lhes fi- da situação e o organizador da seqüência, mas
zeram sofrer de uma maneira ou de outra (os a criança também desempenha um papel ati-
primeiros dias de escola, o fato de ter que se sen- vo, receptivo, para participar e compartilhar com
tar no penico ou no vaso sanitário quando está a pessoa adulta alguns dos momentos da se-
aprendendo a controlar o esfíncter, etc.). qüência que lhes são mais acessíveis.
Assim, através da imitação, as crianças po- Os momentos em que o adulto permite que
dem aprender com as pessoas que para elas são a criança participe das situações ou a convida
modelos a controlar e a representar situações para participar, sabendo que será capaz de ob-
vividas, bem como vivê-las. ter sucesso com a sua atuação, servem para es-
timular o desenvolvimento do menino ou da
A aprendizagem por meio da criação de menina. Dessa forma, a pessoa adulta está atu-
andaimes e a aprendizagem ando na zona de desenvolvimento potencial da
compartilhada criança, oferecendo-lhe um contexto compar-
tilhado, no qual ela possa fazer coisas sozinha
A criança dessa idade recebe muitas influ- que lhe permitam avançar nas suas capacida-
ências das pessoas a rodeiam, tanto dos adultos des, partindo daquilo que já sabe. Ao mesmo
como de crianças maiores e, portanto, dos mais tempo, essas experiências que a criança desfru-
capazes que ela. As interações que se estabele- ta, sendo bem-sucedida nos seus intentos de fa-
cem nas situações da vida cotidiana entre a pes- zer determinadas coisas e vivendo a experiên-
soa adulta e a criança (comer, vestir) e nas si- cia emocional que faz parte da atuação con-
tuações que poderíamos denominar de situa- junta com uma pessoa com a qual mantém vín-
ções de aprendizagem propriamente ditas (de- culos afetivos, contribuem para a sua seguran-
senhar, recortar, olhar livros, cantar uma can- ça e auto-estima. Assim, o avanço tem lugar no
ção) têm algumas características definidas, nas desenvolvimento globalmente entendido e não
quais o adulto faz determinadas ações e a cri- somente em algumas de suas capacidades.
ança faz outras. Em geral, trata-se de uma Essa maneira de estar em interação, algu-
aprendizagem compartilhada, em que ambos mas vezes, é explicada (Bruner, 1985) através
têm um papel que se diversifica no decorrer da da metáfora do “andaime” que se utiliza na
interação. construção de edifícios. Um edifício não é cons-
Quando a criança é muito pequena, ou truído sobre o nada: os materiais utilizados po-
quando se trata de uma atividade para a qual dem apoiar-se em estruturas sólidas, já cons-
tem pouca experiência, o adulto ou a pessoa truídas anteriormente; são montados andaimes
mais capaz é que predomina na relação, ou seja, que permitem adaptar-se e subir até o ponto que
é a que assume mais: começa as canções, inicia já está construído; ao mesmo tempo, apoiados
e faz todos os gestos que fazem parte de um jogo nos andaimes, pode-se continuar levantando
APRENDER E ENSINAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL 29
por suas alçadas e, também, avançar no desen- no sentido de ajudar a provocar o desenvolvi-
volvimento da edificação. Quando a construção mento pessoal. Podemos dizer que são necessá-
acabar, os andaimes são todos retirados, mas o rias três condições para que isso seja possível
edifício não poderia ter sido construído sem o (Palacios, 1991). Em primeiro lugar, a criança
seu apoio. precisará ter adquirido um certo grau de matu-
Podemos encontrar um exemplo de todo esse ração que lhe sirva de base, a partir do qual
processo em uma situação muita habitual, poderá conseguir novos níveis de desenvolvi-
como naquela em que o pai está explicando um mento (é quase inútil gastar muita energia para
determinado conto* à sua filha de um ano e estimular uma criança de oito meses a cami-
meio. Tratando-se de contos populares, eles vêm nhar, quando ainda não conseguiu um nível
acompanhados de canções, muito simples, mas de maturação neurológica e muscular que lhe
bastante atrativas para as crianças pequenas, e permita fazê-lo). Em segundo lugar, para que
também por uma série de gestos que acompa- as interações promovam o desenvolvimento, é
nham a explicação. No primeiro momento em necessário que partam de onde está a criança
que o pai explica o conto, não atrai mais do (é preciso que se ajustem às suas necessidades)
que uma certa atenção de sua filha, o que não é para animá-la a dar pequenos passos que sig-
muito difícil de conseguir, já que a situação é o nifiquem aprendizagem e incorporação de coi-
suficientemente motivadora para a menina. Ela sas novas. As ajudas devem ser adequadas ao
dispõe, do ponto de vista de maturação neuro- nível de dificuldade que a criança pequena pode
lógica, das capacidades necessárias para conse- apresentar para fazer aquelas atividades: com
guir dispensar essa atenção. Neste momento, o menos competência, necessitará de mais aju-
adulto atua, adotando um papel de protagonis- da. Depois, à medida que a criança vai adqui-
ta. À medida que o pai tenha explicado o conto rindo mais competência, deve-se diminuir a
várias vezes, a menina começa a lembrar al- ajuda e aumentar as exigências, para avançar,
guns dos gestos ou alguma parte da canção. O desde uma prática muito orientada, até chegar-
pai convida-a a participar da narração, sempre se a uma ajuda mais indireta para ela conse-
parando, de momento em momento, e auxili- guir uma prática autônoma. Finalmente, é ne-
ando-a a fazer os gestos necessários. A ajuda que cessário que as situações de interação propostas
o pai lhe oferece é cada vez mais simples, até o aos meninos e às meninas sejam motivadoras e
ponto em que a menina é capaz de explicar que eles se sintam tranqüilos, confiantes e que,
partes do conto totalmente sozinha. O pai ani- no seu decorrer, estabeleça-se uma relação po-
ma a menina, sserve de modelo, reforça positi- sitiva e gratificante (em certo momento, a cri-
vamente o esforço feito de um jeito ou de outro; ança pode não dispensar a atenção necessária
e assim ela vai, aos poucos, aprendendo a re- para ouvir um conto infantil, porque tem fome,
produzir, totalmente sozinha, uma história com está preocupada por não estar enxergando a sua
seqüência temporal, gestos e canções que fazem mãe e não saber onde ela está, ou porque já é
parte do conto. um conto muito conhecido pelo qual já perdeu
Esse tipo de interação permite que a criança o interesse, uma vez que não apresenta mais
aprenda e avance em suas capacidades. Porém, novidades, etc.). Em outras palavras, podemos
não é qualquer tipo de interação que é válida, dizer que nessa situação há possibilidade de que
a criança faça uma aprendizagem significativa
(Ausebel, 1983), a qual é definida como um
*N. de T. Contos são materiais editados, geralmente, em
processo em que se pode fazer ligações entre uma
cartelas com figuração dos cenários e dos personagens, re-
presentando cenas dos contos literários infantis; um ma-
informação nova e algum aspecto já existente
terial com cores vivas, variadas e de boa consistência para na estrutura cognitiva. Ausebel define a apren-
a manipulação da criança. dizagem significativa contrapondo-a à repetiti-
30 BASSEDAS, HUGUET & SOLÉ
va e destaca que somente as aprendizagens sig- desenvolver interesses pela comunicação; tam-
nificativas permitem desenvolver as capacida- bém desenvolveu tais relações porque lhe foi
des cognitivas dos seres humanos. Na relação aguçado algum interesse para explicar, para ser
com os adultos, crê-se que existem muitas situ- entendida, ou melhor, para comunicar-se.
ações em que as crianças, no decorrer dos seus Aquilo que um menino ou uma menina sabe
seis primeiros anos de vida, possam fazer apren- fazer em determinado momento depende de
dizagens significativas. múltiplos fatores. Em termos gerais, podería-
Assim, vemos que uma relação positiva, mos dizer que as capacidades atuais de uma
construtiva entre as pessoas adultas e as crian- criança estão definidas pela interação entre a
ças, é um dos elementos imprescindíveis para a maturação psicofísica (crescimento, calendário
obtenção de novas aprendizagens estimulado- de maturação) e as possibilidades que lhe fo-
ras das capacidades que as crianças apresentam. ram oferecidas pelo contexto nesse momento (as
Convém levar em conta, além disso, que os di- relações com as pessoas, os objetos, as situações
ferentes caminhos que temos para aprender não educativas de que tem participado).
se desenvolvem isoladamente; no transcorrer das Tal como veremos mais adiante, em rela-
atividades cotidianas, as crianças interagem ção a cada uma das áreas de desenvolvimento,
com os adultos que lhes propõe diretrizes, as podemos verificar alguns “cortes” em determi-
quais serão ajustadas por elas; mostram-lhes nadas idades. Isso está apresentado como eta-
objetos concretos que exploram com diferentes pas ou estágios de desenvolvimento que re-
instrumentos; conhecem pautas e normas de presentam saltos qualitativos naquilo que o
condutas e estudam seus limites. Em síntese, são menino ou a menina têm possibilidade de fa-
situações globais que permitem pôr em prática zer antes ou depois desta mudança, a qual re-
e aprender estratégias diferentes para incremen- presenta a passagem para outra etapa. Uma
tar a aprendizagem e progredir no caminho para outra característica dos estágios é que são cu-
chegar a tornar-se um adulto. mulativos, no sentido de que, em termos gerais,
o primeiro estágio representa um domínio in-
ferior do indivíduo na resolução das situações
1.3 CARACTERÍSTICAS que enfrenta, em relação ao domínio que ca-
EVOLUTIVAS racteriza o segundo. Finalmente, podemos di-
zer que os estágios são universais (ao menos
A seguir, explicaremos qual é o processo ge- dentro de um contexto culturalmente determi-
ral de desenvolvimento das capacidades dos se- nado, a universalidade dos estágios de desen-
res humanos que permitem identificarmo-nos volvimento cognitivo é, atualmente, um tema
como membros dessa espécie e que também aju- controvertido), quer dizer, todos os seres huma-
dam a identificar o que é ou não habitual que nos passam pelos mesmos estágios, mesmo que
um menino ou uma menina de determinada não necessariamente na mesma idade. Apesar
idade saiba fazer ou dizer. Esse processo envol- da existência desses estágios, os momentos em
ve, inclusive, aquelas capacidades muito regu- que ocorrem os saltos qualitativos podem ser
ladas pela parte fechada do código genético, bastante diferentes, conforme as crianças e os
como na relação com as outras pessoas; o de- diversos grupos culturais. Esse dado faz que,
senvolvimento humano é social e culturalmente mais uma vez, destaquemos a importância do
mediado, tanto na sua sustentação quanto nos contexto no qual se desenvolvem as crianças.
meios que utilizamos para alcançá-lo (Rogoff, Os meios ricos em afeto e estimulação permi-
1993). Assim, uma criança é capaz de começar tem uma evolução mais rápida no desenvolvi-
a falar, porque estabeleceu uma série de rela- mento das capacidades do que outros contextos
ções com a pessoa que a cuida e que a ajudou a menos ricos em estímulos.
APRENDER E ENSINAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL 31
maturação muito importante, que será a base muito proveitosos para experimentar as carac-
de todo o desenvolvimento posterior. Esse desen- terísticas dos objetos e o resultado de suas ações
volvimento neuromotor baseia-se nas leis cefa- e, dessa maneira, evoluir em suas capacidades
locaudal e proximodistal, através das quais ocor- cognitivas. Mesmo assim, somente na segunda
re o processo de mielinização (recobrimento das metade do primeiro ano (aproximadamente aos
células e das ramificações nervosas de mielina oito meses) as mãos, e geralmente o seu corpo,
que facilita a efetivação de conexões nervosas). começam a ser úteis para representar situações
Ele inicia na cabeça e gradualmente vai pas- e comunicar-se: dar adeus com a mão, mover
sando para as partes distanciadas (os pés) e, as mãos como é feito em uma canção conheci-
também, começa nas partes mais próximas ao da para solicitar que ela seja cantada, mover o
eixo da coluna vertebral e vai para as zonas mais corpo para a pessoa que o segura entender que
distantes desse eixo (os dedos das mãos e dos quer soltar-se ou descer do colo, etc.
pés). Assim, o bebê nasce com seus reflexos (de No primeiro ano, o bebê utiliza as mãos para
sucção, de preensão, movimentos automáticos, explorar o mundo à sua volta e o seu corpo.
etc.) e com um sistema nervoso que está prepa- Constantemente, suas ações informam-lhe so-
rado para uma maturação constante, que per- bre o funcionamento dos objetos e das pessoas
mite passar desse movimento involuntário que que aí estão, o que o ajuda do ponto de vista da
representa os reflexos a um movimento consci- evolução de suas capacidades cognitivas. Pode
ente e voluntário que é a base do movimento coordenar as mãos e desassociar delas os
humano. A existência dos movimentos reflexos movimentos. Nessa evolução, intervêm a ma-
no momento do nascimento e o seu desapare- turação do sistema nervoso central, todo o cres-
cimento posterior (aproximadamente entre os cimento ósseo e muscular e também as experi-
dois e os quatro meses) indica-nos que a matu- ências afetivas que o bebê vive com as outras
ração do sistema nervoso central segue um ca- pessoas e os objetos à sua volta.
minho correto. O tônus muscular varia no decorrer do pri-
Outro aspecto importante que se desenvolve meiro ano, desde uma hipotonia total (pouca
durante o primeiro ano de vida é a possibilida- tensão muscular) até uma tensão ajustada à
de de usar as mãos para agarrar e explorar os situação. Isso nos faz lembrar que, durante o
objetos. Os recém-nascidos têm um reflexo de- primeiro mês, o recém-nascido está deitado o
nominado de preensão (grasping), mediante dia inteiro e não pode controlar a cabeça: se o
o qual fecham a mão quando um objeto toca seguramos pelas mãos, a cabeça pende para trás.
em sua palma. Esse reflexo vai desaparecendo As extremidades estão muito flexionadas. Aos
e, aos poucos, o bebê esforça-se tentando dirigir poucos, vai aumentando seu tônus muscular e,
sua mão até o lugar em que sua vista vê um graças à maturação do sistema nervoso, ao fi-
objeto interessante. Por volta dos cinco meses, nal dos três meses, pode segurar a cabeça quan-
agarra voluntariamente, com toda a mão, os do o levantamos. É nesse período que ele come-
objetos que se põem ao seu alcance e os explo- ça a querer levantar a cabeça, mas é difícil quan-
ra, colocando-os na boca, com as mãos. Aos do está deitado. Gradativamente, aumenta o
poucos, vai fazendo movimentos mais precisos, tônus do seu tronco e da cabeça e, por volta dos
utilizando a oposição entre os quatro dedos da cinco meses, já ajuda quando tentamos sentá-
mão e o dedo polegar para pegar um objeto. lo. É nesse período que procura mudar de pos-
Dessa maneira, adquire o que se denomina do- tura quando o deitamos. Aproximadamente aos
mínio da pinça fina, o qual é um avanço que sete ou oito meses, consegue permanecer senta-
lhe permitirá precisar mais seus gestos, conti- do sozinho, bem como mudar de postura; ini-
nuar com mais capacidade os jogos de dar e cia a possibilidade de locomoção (engatinha,
pegar, soltar e segurar, pôr e tirar, que lhe serão arrasta-se, etc.). Por volta dos dez meses, tem
APRENDER E ENSINAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL 33
interesse de agarrar-se aos objetos para conse- um conhecimento do seu próprio corpo e de suas
guir parar e apoiar-se e, até completar o pri- possibilidades. No final desta etapa, inicia-se
meiro ano, habitualmente o bebê começa a dar uma progressiva tomada de consciência do cor-
os primeiros passos com ou sem ajuda. Dessa po, uma interiorização que permitirá represen-
maneira, começa a conhecer, além das partes tá-lo com maior precisão e situá-lo no tempo e
do seu corpo, todo o espaço próximo que lhe no espaço de maneira mais precisa, que não se
oferece uma grande variedade de possíveis ex- acaba com a entrada na educação primária. Dos
periências. sete aos oito anos, pode-se dizer que há uma
interiorização total do corpo e, a partir disso, é
Do segundo ao sexto ano de vida preciso ajustar-se às habilidades motoras, edu-
cando as suas próprias capacidades expressivas
Ao final do primeiro ano de vida – ou em e ajustando as aptidões físicas básicas.
torno dele – obtém-se uma aquisição muito No decorrer dessa etapa da educação infan-
importante para o desenvolvimento posterior: a til, há um ajuste progressivo das habilidades
possibilidade de caminhar autonomamente. motrizes básicas. Em geral, há uma gradativa
Essa aquisição, do ponto de vista psicomotor, é independência (dissociação) motora, quer di-
básica para evoluir até o domínio e o conheci- zer, a capacidade de controlar em separado cada
mento das possibilidades do corpo. segmento motor; e uma coordenação motora,
O avanço no domínio do conhecimento do ou seja, a possibilidade de encadear movimen-
corpo e das suas possibilidades no espaço e no tos simples que se transformam em compostos
tempo são os elementos principais a partir dos e que vão sendo automatizados. Seguindo uma
quais analisaremos as capacidades dos meni- classificação dessas habilidades (Ruiz Pérez,
nos e das meninas nessa etapa, a qual delimi- 1987), podemos diferenciar entre as habilida-
tamos desde o segundo ano de vida (a criança des de locomoção e de deslocamento, as de não-
tem um ano de idade) até aos seis anos. Falare- locomoção e, portanto, de estabilidade e equi-
mos, pois, do desenvolvimento do esquema cor- líbrio e, finalmente, as de projeção-recepção e
poral (entendido como a representação que te- manipulação.
mos do nosso corpo, dos seus segmentos e de Dentre as habilidades de locomoção e de
suas próprias possibilidades e limitações de deslocamento, apresentamos habilidades bási-
movimento e de ação) e da orientação espaci- cas como: caminhar, correr, saltar, rodar, pu-
al e temporal. xar, baixar, levantar, etc. Em todas elas há uma
evolução no decorrer da educação infantil que
A construção do esquema corporal. No decor- se inicia com a falta de coordenação, com as
rer desses anos e, posteriormente, durante toda dificuldades para manter o equilíbrio, com a
a vida, as experiências relacionadas com o cor- rigidez de algumas partes do corpo, até chegar
po (representações cognitivas, experiência ver- a um certo automatismo adquirido aproxima-
bal, atividades motoras, sensações que o corpo damente aos dois ou três anos e, a partir daí, há
recebe) permitem que se vá construindo, pro- um progresso mais harmônico até os quatro
gressivamente, o esquema corporal próprio, ou cinco anos. As variações e as complicações
uma construção que é totalmente pessoal e que introduzidas em todas essas habilidades permi-
se elabora a partir das ações que a pessoa faz ou tem que, aos poucos, os diferentes meninos e
que recebe a partir do seu próprio corpo. meninas desenvolvam as suas próprias habili-
Podemos destacar que a principal conquis- dades.
ta da criança na etapa da educação infantil em As habilidades de locomoção, ou seja, as
relação ao seu esquema corporal é que, graças que desenvolvem capacidades de equilíbrio e de
ao movimento e às ações que realiza, chega a estabilidade, são todas aquelas que não reque-
34 BASSEDAS, HUGUET & SOLÉ
rem deslocamento do corpo no espaço; somen- mente, pode ser mais capaz de representar gra-
te um deslocamento em relação ao eixo corpo- ficamente.
ral. Alguns exemplos desse tipo de habilidades Aos seis anos, os meninos e as meninas nor-
são: balançar-se, inclinar-se, girar, dobrar-se, malmente já conhecem todas as partes exter-
agachar-se, etc. O domínio deste tipo de movi- nas que formam o seu corpo e começam a inte-
mento exige controle do tônus muscular e do ressar-se por algumas partes internas. Também
equilíbrio do corpo. No decorrer dos seis primei- é nessa etapa que descobrem a simetria imagi-
ros anos de vida, há um notável desenvolvimen- nária que divide o corpo em duas partes, deno-
to dessas habilidades que preparam o corpo para minadas parte direita e parte esquerda. Apren-
os trabalhos mais precisos, os quais surgirão em dem que algumas pessoas utilizam, preferenci-
etapas posteriores. almente, uma dessas partes. É bastante comum
Finalmente, as habilidades de projeção-re- que, ao final da etapa de educação infantil, já
cepção e manipulação são as que envolvem conheçam o nome de cada uma das duas par-
basicamente uma parte do corpo e representam tes do seu corpo, a direita e a esquerda; porém,
um esforço de coordenação relacionado entre a ainda será muito difícil para eles orientarem-se
percepção visual do movimento do objeto e o seguindo referência dessas partes em relação à
próprio movimento. Nesse item, podemos incluir outra pessoa, aspectos que serão mais especifi-
as habilidades com bola ou similares, através cados nos primeiros níveis do ensino fundamen-
das quais se pode fazer lançamentos e recep- tal.
ções de diversas maneiras (rolando, agarrando Algumas vezes, ocorrem situações de dúvi-
com uma ou com as duas mãos, etc.). Desse das, nas escolas de educação infantil, referentes
modo, e em um âmbito de manipulação mais a meninos e meninas que manifestam pouco
preciso, mais fino, podemos destacar as habili- desenvolvimento em seu processo de lateraliza-
dades visuomotoras, que experimentam um ção, sobretudo em relação às suas mãos: utili-
avanço muito importante nessa etapa; referimo- zam, aos três ou quatro anos, indistintamente
nos às habilidades de costurar, recortar, perfu- a mão esquerda ou a direita para realizar deter-
rar, repassar, pintar, enfileirar, etc. Todas elas minada atividade que requer habilidade manu-
evoluem, no decorrer dos anos, tornando-se al, como, por exemplo, recortar e pintar. É con-
mais precisas, com uma melhor coordenação e veniente que se proponha uma atividade espe-
uma dissociação dos movimentos envolvidos. cífica para observar em qual mão a criança tem
A prática de tais habilidades permite desen- mais força, mais precisão, mais habilidade, a
volver uma consciência mais ampla do corpo, partir daquela com a qual ela não aprendeu
a qual ajuda a construir progressivamente o ainda e ajudando-a a trabalhar de maneira mais
esquema corporal, por vezes importantíssimo na sistemática com a mão que estiver mais prepa-
construção da própria identidade. Um dos as- rada. Nos casos em que existir notadamente
pectos que estão presentes nessa construção é o ambidestrismo (a criança ser igualmente capaz
conhecimento das partes do corpo. O domínio com as duas mãos), é melhor estimular a utili-
da linguagem, por volta dos dois anos, é um zação da mão direita, já que muitas situações
elemento importante no conhecimento do cor- contextuais estão preparadas para que se aja
po, na medida em que a criança pode começar com a direita. Porém, atualmente, existe no
a dizer o nome de cada uma de suas partes. Aos mercado uma grande quantidade de material
poucos, os diferentes elementos desorganizados preparado para as pessoas canhotas (tesouras,
que o recém-nascido percebe em relação ao seu cadeiras com apoio para braço, etc.); é conve-
corpo integram-se em organizações globais ten- niente que a escola adquira esse material, para
do um nome, que pode ser utilizado em deter- facilitar a aprendizagem dos meninos e das
minadas situações e que a criança, progressiva- meninas canhotos. Para esses alunos, a profes-
APRENDER E ENSINAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL 35
sora deverá planejar atividades mais específicas trução de suas idéias sobre o tempo e o espaço,
para a aprendizagem da forma e dos enlaça- as quais continuam desenvolvendo no decorrer
mentos das letras e dos numerais, a fim de de- de suas vidas. Estamos referindo-nos a noções
senvolverem a habilidade de realizar tarefas de como: sobre, até aqui, perto, em seguida, de-
precisão. pressa, cedo, amanhã, depois, etc. A utilização
Um outro elemento que ajuda a desenvol- que nós, adultos, fizemos dessas noções é cons-
ver o esquema corporal é o exercício das apti- tante, e as crianças, aos poucos, vão relacionan-
dões básicas de resistência, força, flexibilidade, do uma série de ações e de fatos cotidianos que
agilidade e velocidade. O exercício dessas apti- vivenciam com tais conceitos. Mesmo assim, as
dões em um ambiente lúdico e não-competiti- ações motoras que as crianças pequenas fazem,
vo proporciona elementos que permitem cons- ao utilizarem materiais diversos, também lhes
truir uma representação ajustada às capacida- permite ajustar esses conceitos para uma com-
des da criança e estimular a descoberta de suas preensão na qual a linguagem é elemento fun-
próprias possibilidades e as do ambiente. damental.
Por último, é importante que não nos es- Algumas das noções de situação e direção
queçamos de um aspecto que está relacionado espacial que as crianças de dois a seis anos vão
com todo o trabalho do corpo e que é a base de entendendo e utilizando são: no alto/embaixo,
todas as aquisições posteriores. As experiências em frente/atrás, de um lado/de outro, direita/
que a criança vive em relação com seu corpo esquerda, em cima/embaixo, dentro/fora, até
dão-lhe a imagem que será um dos aspectos que aqui/até lá, até/desde, etc. Nessa etapa, o prin-
a ajudarão a delimitar uma determinada ma- cipal referente para a construção dessas noções
neira de ver-se a si mesma. Se suas experiências é o próprio corpo; somente mais tarde elas po-
ajudarem-na a ter uma percepção positiva de si derão relativizar, à medida que começarem a
mesma, ajustada, com possibilidades de supe- identificar-se em relação ao corpo de outras pes-
ração, como a aceitação dos próprios defeitos, a soas e ao meio em geral.
criança poderá ter uma boa auto-imagem e Se falamos do processo de orientação e or-
uma boa auto-estima, que lhe permitirão tam- ganização temporal, devemos fazer referência
bém ter confiança em suas possibilidades.Da à construção das noções de duração, de suces-
mesma maneira, marcarão as experiências que são, de ritmos. Elas são elaboradas durante toda
trouxeram à tona os aspectos contrários. Por a vida, e as pessoas incorporam-nas conforme
isso, todo o trabalho do corpo que os meninos e sua maneira de fazer os ritmos pessoais, que são
as meninas da etapa de educação infantil fa- o resultado de suas vivências em relação com o
zem na escola também será muito importante tempo. O passar do tempom e os ritmos estão
para configurar a maneira de ver-se, de ser e de presentes na vida dos meninos e das meninas
relacionar-se com outras pessoas. desde que nascem (horários para comer, horá-
rios para dormir...). Porém, o processo de cons-
A orientação no espaço e no tempo. Graças às trução das noções temporais desenvolvem-se à
experiências do corpo em movimento, a crian- medida que a criança toma consciência de que
ça vai vivenciando uma série de noções funda- esses ritmos vão surgindo externamente à sua
mentais nessa etapa de escolaridade. Os adultos vontade. Os meninos e as meninas incorporam
que rodeiam a criança, desde os primeiros anos, as noções temporais quando se exige que eles
utilizam uma série de conceitos básicos para sigam um ritmo, quando precisam esperar um
poderem comunicar-se, e a criança, aos pou- pouco até a hora de comer, quando precisam
cos, através de suas experiências, vai interiori- dormir em determinada hora, quando se pede
zando-os. Essa interiorização permite às meni- que ordenem uma história em sua sucessão ló-
nas e aos meninos pequenos iniciarem a cons- gica, ou quando são ajudados a relacionar que,
36 BASSEDAS, HUGUET & SOLÉ
em dois dias da semana, aos sábados e aos do- a linguagem; no segundo subestágio, aborda-
mingos, não virão à escola. remos o pensamento e a inteligência dos meni-
Durante a etapa da educação infantil, há um nos e das meninas de dois até aproximadamente
progresso em relação à orientação temporal, no o final da etapa da educação infantil.
sentido de que as crianças, aos poucos, incor-
poram essas noções e consigam utilizá-las cor- Do nascimento até um ano e meio ou
retamente. Algumas delas são: hoje/ontem/ dois anos
amanhã, agora/antes/depois, dia/noite e outras
formas sociais de tempo, como os dias da se- As crianças nascem preparadas com uma
mana. O menino e a menina dessa idade po- dotação genética determinada para fazerem
dem entender que há seguimentos e ciclos que parte da espécie humana. Porém, ao nascerem,
se repetem no decorrer do tempo e que esse fato os seres humanos precisam de uma dedicação
marca os ritmos que são necessários compre- muito grande dos adultos que fazem parte da
ender para orientar-se no tempo. O processo de espécie para conseguirem sobreviver e chegar a
construção dos conceitos temporais tem muito ser pessoas autônomas. O processo que leva os
a ver com as suas vivências no decorrer do dia seres humanos a não dependerem de outras
(a seqüência que a criança vive: o que faz antes pessoas é bastante longo, em comparação ao
de chegar à escola, na escola, no almoço, em processo de outras espécies mais próximas den-
casa, no banho, na janta, na hora de dormir) e tro da escala filogenética. Isso se deve ao fato de
a contínua utilização que as pessoas adultas fa- que podemos considerar toda a infância dos se-
zem dessas noções. Além disso, em suas própri- res humanos como uma etapa de desenvolvi-
as ações e nos seus movimentos, nas atividades mento das capacidades que os tornam indepen-
escolares, muitas vezes, estão envolvidas noções dentes. Entre as capacidades que se desenvol-
temporais: caminhar devagar, saltar seguindo vem no decorrer de muitos anos, podemos con-
o ritmo marcado por um tamborim, cantar to- siderar as capacidades cognitivas e de lingua-
dos juntos, ao mesmo tempo, uma canção, etc. gem. A possibilidade de comunicar-nos através
As noções temporais e espaciais são muito do uso da linguagem verbal e de possuir um
importantes na organização pessoal das crian- raciocínio lógico é próprio e exclusivo dos seres
ças pequenas e, também, para o desenvolvimen- humanos. O processo que conduz ao máximo
to de suas capacidades cognitivas. desenvolvimento dessas capacidades é longo e
inicia-se justamente no momento em que o re-
cém-nascido começa a ter vida própria.
As capacidades cognitivas A primeira etapa que destacamos durante os
primeiros seis anos de vida inicia com o nasci-
Neste item, vamos tratar das capacidades que mento e termina com o domínio da linguagem
a criança possui para compreender o mundo verbal, o que permitirá à criança ter acesso a
que a envolve e para poder atuar nele. Centra- todo um processo de utilização de símbolos para
mo-nos, então, nas capacidades cognitivas, ou comunicar-se. Essa aquisição é básica para todo
seja, de raciocínio e de pensamento, que estão o desenvolvimento posterior das capacidades de
estreitamente relacionadas com a capacidade de raciocínio.
utilização da linguagem verbal. Dividiremos O bebê nasce com algumas capacidades
toda essa etapa em dois subestágios, a fim de perceptivas (visão, audição, tato, gustação e
esclarecer nossa explicação. No primeiro, abor- olfato) bastante elaboradas, que são a base para
daremos a explicação das capacidades desde o o desenvolvimento posterior de todas as outras
nascimento da criança até começar a dominar capacidades e que lhe permite ter contato com
APRENDER E ENSINAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL 37
o mundo e com as pessoas que o rodeiam. Se- tão doce, entra pela minha boca, deixo de sen-
gundo informações de recentes pesquisas sobre tir mal-estar na barriga; às vezes, quando me
as capacidades perceptivas dos recém-nascidos, dói, choro e, então, alguém me dá o que que-
é importante observar, quanto à percepção vi- ro”.
sual, que os bebês vêem desde o momento em Até agora, explicamos que o conhecimento
que nascem; contudo, sua visão não é tão pre- das meninas e dos meninos pequenos é devido
cisa como a das pessoas adultas, o que vai sen- às suas percepções externas e internas. Também
do adquirido no decorrer dos primeiros meses. é preciso destacar que uma outra fonte de co-
Eles se interessam pelo que está à sua volta e, nhecimento do recém-nascido é a ação que ele
aos poucos, vão gravando as características dos mesmo pode ter sobre os objetos. Essas ações
objetos e dos rostos mais habituais. Comprovou- são básicas para que ele possa conhecer as ca-
se que os recém-nascidos interessam-se especi- racterísticas dos objetos que estão à sua volta,
almente por algumas partes do rosto humano, bem como a influência que ele mesmo pode ter
ou seja, por aquelas que podem ser mais ex- na relação com esses objetos. O interesse dos
pressivas: a boca e os olhos. O recém-nascido meninos e das meninas por explorar objetos, por
centra sua atenção nessas partes do rosto da tocar aqueles que vêem, ou por provocar o ruí-
mãe, enquanto come ou quando estabelece uma do que faz determinado objeto é um instrumen-
relação com o olhar. to constante de conhecimento e de compreen-
A percepção auditiva parece começar an- são do mundo que os envolve. Nesse aspecto,
tes do nascimento e, portanto, quando o bebê também é muito importante o papel do adulto,
nasce, já é capaz de perceber ruídos e sons em uma vez que ele dá a informação às crianças
sua volta. Ele se mostra especialmente interes- pequenas e que, muitas vezes, torna-se o mode-
sado pelos sons que têm a freqüência da voz lo do que eles podem fazer com as coisas.
humana e é capaz de identificar facilmente di- Tal como Piaget (1977) identifica, essa eta-
ferentes vozes. As percepções gustativa, tátil e pa da infância está presidida por uma inteli-
olfativa iniciam bem depois e, com o tempo, gência sensório-motora, pois a principal fon-
vão tornando-se mais precisas e discriminado- te de conhecimento está nas ações que o bebê
ras. faz, provocadas por algumas sensações interes-
Além dessas sensações provenientes de estí- santes de muitos pontos de vista ou por ações
mulos externos, sabemos que o recém-nascido que provoquem tais sensações. A maneira que a
defronta-se também com algumas sensações menina pequena tem para conhecer, distinguir,
internas que, às vezes, produzem-lhe bem-es- identificar, comparar e relacionar as coisas que
tar ou mal-estar. Essas sensações relacionam- a envolvem é a partir de suas ações; ela aprende
se, sobretudo, com o funcionamento do apare- a partir dessas ações. O bebê de quatro meses
lho digestivo (percepções introspectivas). aprende a estabelecer relações entre o chocalho
A informação dada ao recém-nascido pelos que tem na mão e o movimento para provocá-
seus sentidos permite-lhe diferenciar alguns lo; o bebê de seis a oito meses sabe aproximar-
cheiros de outros, alguns ruídos de outros, al- se do trenzinho que o agrada, esticando a corda
gumas visões de outras e relacionar algumas na qual está amarrado, etc. Através do contato
sensações externas com um bem-estar interno. com os objetos e as pessoas, a criança começa a
Se os recém-nascidos pudessem explicar suas relacionar meios e fins e, portanto, a estabele-
impressões dos primeiros meses, através da lin- cer progressivamente uma conduta intencional,
guagem que os adultos utilizam, certamente nos aplicando certas ações sobre os objetos com al-
diriam alguma coisa como: “Aos poucos, dou- guma finalidade determinada. Piaget destaca
me conta de que, quando aquela coisa líquida, que a criança pequena vai coordenando, repe-
38 BASSEDAS, HUGUET & SOLÉ
tindo, diversificando os esquemas da ação (con- que os formatos são de ação conjunta, como
junto de ações) sobre os objetos com o objetivo no exemplo citado, ou de atenção conjunta,
de conhecer a realidade. por exemplo, quando as duas pessoas olham e
Durante o primeiro ano de vida, as relações falam em relação ao mesmo objeto, como no
que se estabelecem entre o bebê e a pessoa que o telefone ou em um conto infantil. Há muitas
cuida estão cheias de situações de comunica- situações utilizadas durante a educação dos pe-
ção, nas quais trocam informações e estabele- quenos que são formatos mistos de atenção e de
cem alguns laços afetivos primordiais para o ação conjunta, como nas canções, nos jogos de
crescimento e o desenvolvimento de todas as colo, ao fazer caretas. No transcorrer dessas si-
capacidades. Desde o nascimento, são estabele- tuações e em muitas outras, os adultos, talvez
cidas interações entre o bebê e a outra pessoa, de maneira inconsciente, exigem da criança
as quais são básicas para desenvolver o substra- mais capacidade do que ela realmente tem; ou
to que permitirá adquirir as formas de repre- seja, falam, brincam, participam com a crian-
sentação que culminam na aquisição da lin- ça pequena como se ela pudesse entender e par-
guagem verbal, a melhor forma de comunica- ticipar plenamente de tudo o que o adulto cons-
ção entre os seres humanos. trói. Esse fenômeno de atribuição excessiva
Nas contínuas situações de cuidado ou de (Kaye, 1986) – que, no fundo, traduz uma vi-
jogo que ocorrem entre um adulto e um bebê, são otimista e algumas expectativas favoráveis
há momentos de comunicação que são muito nas suas possibilidades – atua como um motor
importantes para ajudar o bebê a avançar nos de desenvolvimento, à medida que o adulto au-
processos de representação cada vez mais com- menta as capacidades da criança pequena e
plexos. Referimo-nos ao que Bruner (1985) permite-lhe ir mais além. É preciso destacar que,
chama de formatos: situações rotineiras e re- nos casos de meninos e meninas que sofrem de
petidas que permitem que o adulto e a criança alguma dificuldade em seu desenvolvimento
pequena cooperem para fazer evoluir a lingua- (por deficiência física ou psíquica), esse fenô-
gem. Nessas situações, o adulto e a criança pe- meno fica alterado e exige que se realize um
quena fazem coisas conjuntamente que se trans- trabalho ainda mais complexo para ajudar
formam no contexto adequado para aprender igualmente a desenvolver as capacidades des-
sobre o funcionamento da linguagem (há um sas crianças.
intercâmbio entre o emissor e o receptor que Através do tempo, as situações de comuni-
participam da comunicação, há um tema com- cação são acompanhadas de muitos momentos
partilhado, atuam por turnos intercalando-se, em que a criança pequena aprende, pelo con-
etc.). Assim, por exemplo, quando se está ves- texto, que há um encadeamento de ruídos, pa-
tindo e arrumando uma menina de dez meses, lavras ou sinais que representam a chegada de
habitualmente há uma seqüência muito conhe- uma situação esperada. Assim, por exemplo,
cida de fatos e de linguagem que acompanha a muito antes que o recém-nascido saiba que se
ação: ao botar colônia, a mãe ou a professora aproxima o momento de comer, ao ver a ma-
abre a tampa, e a menina, que já se acostumou madeira, o ruído do liquidificador na prepara-
a segurá-la, pega-a e depois a devolve para que ção de sua fruta ou a colher, ele sabe que isso
seja novamente fechado o frasco; a mãe pen- significa que, em seguida, comerá seus cremes.
teia a menina... Nessa situação, ocorre um ri- Depois também começará a antecipar quando
tual de ação conjunta entre a mãe e a menina, alguém lhe põe o agasalho; isso significa sair
acompanhada de determinada linguagem per- para passear. O mesmo acontecerá quando al-
tinente a esta situação: “Você tem a tampa?”, guém pegar uma sacola com as pazinhas e o
“Dê-me a tampa”, “Agora vamos pentear...”, baldinho de brincar na areia do parque, etc.
“Como você está bonita!”, etc. Bruner destaca Todas essas situações, aos poucos, preparam-lhe