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The film and the film itself: the recursive expansion in which Tunga’s Ão
inhabits
André Arçari
PPGAV – EBA / Universidade Federal do Rio de Janeiro
Pedro Moreira
PPGArtes – EBA / Universidade Federal de Minas Gerais
CAPES
Resumo:
Este artigo tem como objetivo levantar características presentes no trabalho Ão (1981) do artista
Tunga, desvelando o que se encontra quando se deambula ao redor de seu túnel infinito. Pelo giro
“ad æternum” buscamos analisar como esta dobra tautológica da visualidade na matéria, presente
em Ão, pode encontrar seus pares em outras poéticas que se valem desse procedimento recursivo, de
uma expansão onde todas as portas nos levam paradoxalmente para dentro, de um lugar sem começo
nem fim, onde visualizamos a obra pela travessia na inesgotável circularidade da forma topológica
toroidal explorada pelo artista.
Abstract:
This article aims to raise characteristics present in the work Ão (1981) by the artist Tunga, revealing
what is found when wandering around its infinite tunnel. In an "ad aeternum" whirl we seek to analyze
how this tautological fold of visuality in matter, present in Ão, can find its peers in other poetics that
make use of this recursive procedure, of an expansion where all doors paradoxically take us inside, of
a place without beginning or end, where we visualize the work through the crossing in the
inexhaustible circularity of the toroidal topological form explored by the artist.
Keywords: Tunga; Ão; cinematism; cineinstallation; looping.
I. Ad infinitum
Eis então que cego para o mundo (como o universo quis Borges) Penone tinha o
exterior refletido em seu olho, vendo apenas para dentro, caminhando para a viagem interior
que parece-nos culminar na circularidade vil de Tunga e seu Ão. Aliás, Ão fala-se como se vê,
circularmente em dois movimentos com a boca. Abre-se, fecha-se; abre-se, fecha-se (e assim
sucessivamente, mas lembrando que a boca nunca cerra nem abre em sua totalidade). Ão (se
repetir não se finda). De retorno à Borges, precisamente em seu livro Ficções, temos uma
reunião de contos do qual destacamos A Biblioteca de Babel. Nesse escrito o argentino nos
apresenta um mundo infinito sem exterior possível, iniciando seu texto com o seguinte
parágrafo:
Caminham aqui duas coisas que podemos elencar em relação a poética de Tunga: o
gesto infinito do universo — a Biblioteca e seus habitantes, os imperfeitos bibliotecários — e
o medo do mesmo, aqui interpretado como o medo da balaustrada de baixa estatura. Se nesse
mundo cada galeria é igual a todas as outras galerias, as balaustradas se repetem ad æternum e
o medo do Mesmo é mesmo: o risco iminente de cair no abismo de profundeza abissal dessa
barra de proteção. O olhar direcionado para a cima ou para baixo da balaustrada tem em seu
conteúdo o gesto infinito da queda. “Morto, não faltarão mãos piedosas que me joguem pela
balaustrada; minha sepultura será o ar insondável; meu corpo cairá demoradamente e se
corromperá e dissolverá no vento gerado pela queda, que é infinita.” (BORGES, 1974, p. 465,
tradução nossa).
Sabemos que os anos de 1960-70 são períodos de grande valia para pensarmos no
gesto experimental marcado no cerne das proposições artísticas em âmbito global, e aqui, nos
parece, há algo marcadamente histórico nesse grifo fílmico circular que parece estar próximo
do Ão. No jogo visual de Paik, tanto o filme (imagem de matriz analógica) quanto o vídeo
(imagem de matriz digital) podem ser entendidos não como situações que se encerram na
imaterialidade da imagem em movimento, mas que se mantém latente na própria matéria em
que foram produzidos, enquanto em Borges, é a forma escrita que vibra como labirinto. Junto
a ela, o ensimesmamento de sua Babel escrita fundamentará a habitação de sua linguagem,
seu campo estético e visual.
Pensar o vídeo também seria pensar seu aparato. Para Dubois, esta problemática inicial
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Múltiplo produzido juntamente com Georges Maciunas para o Grupo Fluxus composto de uma pequena caixa
de plástico contendo um rolo de filme transparente que quando projetado revelava a luz e o som do próprio
projetor.
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A obra propõe um efeito recursivo usando uma câmera de monitoramento interno, uma tv e uma estátua de
Sidarta Gautama que continuamente se projetam um no outro.
de opostos devia ser reconsiderada para que o vídeo fosse assimilado como uma forma que
pensa:
Tais oposições que acompanharam o vídeo em sua fase inicial e perduraram por
décadas seguintes seriam então, de acordo com o autor, uma forma reducionista de entender
seus problemas constitutivos. Na atualidade, as formas da imagem em movimento estariam
mais próximas de um hibridismo, rompendo com as buscas ontológicas modernistas. Em seu
artigo O “estado-vídeo”: uma forma que pensa, o autor pontua como se dava esta “famosa
oposição que, desde o início, estrutura histórica e teoricamente o campo do vídeo” (DUBOIS,
2004, p. 100), a partir de um olhar direcionado em
uma divisão de tarefas e dos efeitos, dos valores e suas funções: a oposição
entre, de um lado, a imagem (e o domínio das “obras de uma única banda”,
como se diz, aquelas que precisam de apenas um monitor ou uma tela —
segundo se crê) e, de outro, o dispositivo (o domínio das “instalações”,
destas cenografias em geral cheias de telas, um tanto vastas e complexas,
que implicam o espectador em múltiplas relações – físicas, perceptivas,
ativas etc. — com configurações de espaço e de tempo que valem e
significam tanto ou mais por elas mesmas quanto pelas imagens que nela
aparecem). (DUBOIS, 2004, pp. 100-101).
Dubois é contrário esta visão divisionista (e nós também), pois colocaria trabalhos
single-channel fora do aberto de possibilidades que estariam quando pareados ao lado dos
dispositivos. Pensando a imagem em movimento expandida, cines e vídeoinstalações como as
de Tunga, Paik e de seus contemporâneos que usam um único canal de transmissão estariam
fora das possibilidades de refletir sobre o dispositivo? Mesmo quando não estão no centro das
atenções, o aparato comporia peça fundamental para o entendimento da imagem, seu
significado, sua forma, sua materialidade e o modo como se apresenta espacialmente.
Do ver expandido entre filme-vídeo podemos pensar também na hipótese escrita pelo
autor francês Philippe Alain-Michaud de que filme não se confunde com cinema. Em seu livro
Filme: por uma teoria expandida do cinema, Michaud contestará a forma histórica do
espetáculo ao qual o dispositivo cinematográfico veio a se estabelecer, tornando-se forma
hegemônica no decurso do século passado. Segundo o autor, tal modelo não configura sua
real extensão. Ela conta apenas parte de uma história onde o aparato da projeção desaparecerá
para dar vez a imagem. Sua materialidade precisou ser esquecida, por assim dizer, para dar
vez a imagem projetada, ao passo de que é justamente o aparato que a constitui como um
elemento de aparição. Nesse sentido, o pensamento de Michaud nos interessa pois ele
analisará como esse elemento desaparecido retornará para o jogo de cena imagético, e a noção
de filme enquanto dispositivo de espetáculo é reconfigurado enquanto forma do pensar.
Referências bibliográficas
BORGES, Jorge Luis. Obras Completas 1923-1972. Buenos Aires: Emecé Editores, 1974.
DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
LISPECTOR, Clarice. Água viva. Rio de Janeiro: Rocco Digital, 2019, n.p.
LONDON. Barbara. Video/Art: The First Fifty Years. Londres; Nova York: Phaidon Press,
2020.
MICHAUD, Philippe-Alain. Filme: Por Uma Teoria Expandida Do Cinema. Rio de
Janeiro: Contraponto, 2014.
RAMOS, Nuno. Verifique se o mesmo. São Paulo: Todavia, 2019.