Cosson - 09 A 13

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LITERARIO teOria e pratica RILDO COSSON editoracontexto Copyright © 2006 Rildo (Carson Todos os direitos desta e “ igo reservad. Editora Contexto (Edito Tad ra Pinsky Ltda.) Capa e diagramacao Gustavo S. Vilas Boas Revisao Lilian Aquino Ruy Azevedo Dados Internacionais de Catalogacio na Publicasao (cir) (Camara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Cosson, Rildo Letramento literdrio : teoria e pritica / Rildo Cosson, — 2. ed., 68 reimpressao. — Sao Paulo : Contexto, 2016, Bibliografia. ISBN 978-85-7244-309-8 1, Leitura 2. Letramento 3. Literatura ~ Estudo e ensino 4, Literatura — Histéria e critica 5. Literatura e sociedade 6. Textos I. Titulo. Tae CDD-807 Indices para catélogo sistemético: 1. Leitura literdria: Ensino 807 2. Literatura: Escudo eensino 807 Introducéo A fabula do imperador chinés Um imperador da China voltou de uma longa e estafante batalha preocupado com o futuro de seu império. Estava velho e sabia que deveria pensar em um sucessor. Como tinha dezenas de filhos, nao sabia a quem escolher. Depois de consultar os deuses e seu coracao angustiado, escolheu o filho de sua esposa favorita najuventude, cuja meméria Ihe era cara. Todavia, percebeu que o jovem nao possuia os conhecimentos necessdrios para assumir um encargo tao pesado. Resolveucontratar um sdbio para ensinaras complexas matériasdaarte degovernar ao seu escolhido. Para que ele nao estudasse sozinho, designou como companheiro 0 filho de sua décima quinta concubina, uma mulher que recebera como presente de alguém da corte ja esquecido. E como 0s dois filhos do imperador nao poderiam ficar sem auxilio durante as aulas, designou um servo para acompanhé-los. Comoeraimperador, demandou que osdbio dos sabios do impérioseapresentasse Para realizara tarefa. Tratava-se, porém, de um homem bastante avancadoem anos, que alegou nao estar em condigées fisicas de realizar tao honrosa tarefa. Chamou o segundo sdbio mais renomado do império, mas novamente nao foi atendido. Este encareceua grandeza da missao, mas possuia muitas mulheres, muitos filhos, muitos alunos, morava distante e temia ser incapaz de despojar-se de todas as obrigagbes ue jé assumira para se dedicar inteiramente aos filhos do imperador. O imperador Tecebeuarecusacom relutancia, mas, como nao faltavam sabios renomados naChina, decidiu convocaro terceiro sabio mais admirado doimpério. Esse reagit do mesmo modo que os anteriores. Sentia-se engrandecido pela escolha, mas lamentava nao Poder atender o imperador por ter programado uma longa viagem ao interior do ™pério em busca de novos conhecimentos. 40 Letramento lterério: teorla e pratica recusas, 0 imperador reuni 0 tr8s sAbios e determing se a tarefa, todos seriam sumariamente executado, s iamer : no olharam para 0 sol, que jé havia ultrapassage alguns instantes e, finalmente, o mais sabi io Indignado com tai que, se um deles nao ace! antes do anoitecer. Os sabi nfabularam entre si por motivo da recusa. seu zénite. idiu exp! imperador 0 decidiu explicar ao impet ! _ — dis sbio— perguntastes por que nos recusai Meu senhor—disse osabio~ Pers! porqt a jo de nossa vida, uma vez que decidimos ser sabios eensinara isto quediantede vossa majestadenao possuimos nenhuma, mas sim da impo bilidade de realizacao da missao. —Como pode ser impossivel realiz: uma tarefa tao simples quanto educay trés jovens com todos os recursos a disposigao do mestre? — retrucou enfurecido atarefa que éarazi todos jo setratadevontade, v1 o imperador. Osdbio prostrou-se. Pediu mil perdées pela sua impostura. Louvoua grandeza impar do imperador. Por fim, respondeu que a tarefa era impossivel por causa dos alunos. Ante a surpresa do imperador, que sabia da satide e da inteligéncia dos trés jovens, 0 sébio explicou: —A tarefa é impossivel porque vosso filho favorito, aquele que ir sucedé-lo no comando do império, sabendo-se escolhido, acredita que ja nao precisa de mais nada para ser imperador além do desejo do seu pai. Jé seu irmao, aquele que é filho de uma concubina sem nome, sabendo-se preterido, acredita que em nada modificaré sua vida tal conhecimento, uma vez que sera sempre 0 esquecido. O servo, ao contrario de seus senhores, deseja muito aprender, porém nada sabe, e quem nada sabe, nada aprende. Em suma, meu imperial senhor, vés nos destes a missao de ensinar para as mais tem{veis inimigas de qualquer educador: a arrogancia, a indiferenga e a ignorancia. Separadas podemos combaté-las e vencé-las, juntas sao imbativeis. +e ee Como ossabiosdo imperador chinés, vivemosnasescolas umasituagaodificileom osalunos,os Professores de outras disciplinas, os dirigentes educacionaiseasociedade aoe mara lteratura Algunsacreditam quesetrata deumsaberdesnesssit fends ape umverniz burguésde um tempo pasado, quejid fia e abolido das escolas. Eles nao sabem, mas pensam que nao precisam apren Pee aay ee ° dominam tudo o que lhes interessa. Essa ee da disciplina Li a¢40 ao saber literério leva a literatura a ser tratada como aP™ ip) ingua Portuguesa, quer pela sobreposigao a simples Jeitura no fa : i _ indamental, quer pela redusdo da literatura historia literdria no ensino™ dion Introducso. 44 mesma arrogancia que reservaa disciplina Literatura no ensino médio uma tnicaaula por semana, considera a biblioteca um depésito de livros e assim por diante. Outros tém consciéncia de que desconhecem a disciplina, porém consideram)o esforgo para conhecer desproporcional aos seus beneficios. Sao os indiferentes, para quem leréuma atividade de prazer, mas 0 tinico valor que conseguem atribuir a literatura € 0 reforco das habilidades linguisticas. £ por isso que nao se importam se o ensino de literatura constitui-se em uma sequéncia enfadonha de autores, caracteristicas de estilos de época e figuras de linguagem, cujos nomes tao-somente devem ser decorados independentemente de qualquer contexto. Por fim, ha aqueles que desejam muito estudar literatura ou qualquer outra coisa. Todavia, seja por falta de referencias culturais ou pela maneira como a literatura lhes é retratada, ela se torna inacessivel, Para eles, a literatura é um mistério, cuja iniciagdo esta fora de seu alcance. Nao surpreende, portanto, que tomem a poesia como um amontoado de palavras dificeis etenham dificuldade em distinguir a ficcao de outros discursos de realidade. Epara enfrentar essas situagoes de arrogancia, indiferenga e desconhecimentoa respeito da literatura na escola que escrevemos este livro. Letramento literdrio: teoria eprdtica é uma proposta de ensino da leitura literdria na escola bésica. Resultado de variosanos deleitura, pesquisas, praticas de sala deaula minhase decolegas, de alunos edealunosdealunos, nao foiescrito para especialistas, mas sim para professores que desejam fazer do ensino da literatura uma pratica significativa para si e para seus alunos. Nao pretende, portanto, revolucionar o ensino deliteratura, nem. estabelecer marcos tedricos ou metodoldgicos. Ao contrario, ele se configura, por assim dizer, como uma reinvengao da roda. Poriisso, ecomo os débitos sao muitos, optamos por nao fazer referéncias bibliograficas extensas ao longo do texto. O leitor interessado encontraré na bibliografia os autores ¢ titulos que auxiliarao no aprofundamento dos tépicos aqui tratados. Escolhemos denominar a proposta de Jetramento literdrio’ para assinalar sua inser¢ado em uma concepsao maior de uso da escrita, uma concepgio que fosse além das praticas escolares usuais. De uso recente na lingua portuguesa, a palavra letramento tem suscitado algumas controvérsias. Tradugao do inglés literacy, 0 letramento, como explicita Magda Becker Soares em Letramento: um tema em trés géneros (1998), da visibilidade a um fendmeno que os altos indices de analfabetismo nao nos deixavam perceber. Trata-se néo da aquisicao da habilidade de ler e escrever, como concebemos usualmente a alfabetizagao, mas sim da apropriagao da escrita e das praticas sociais que estao a cla relacionadas. HA, portanto, varios niveis ¢ diferentes tipos de letramento, Em uma sociedade essencialmente letrada como a nossa, mesmo um analfabeto tem participagao, 4Q \etramento terério: tool — ainda que de modo precario, em algum ea de letramento, Do mesmo 5 e istic: e letram um individuo pode ter um grav sofisticado de ee rt em uma gr nhecimento superfi jalem outra, dependendo de suas necessiq; um conhe s edo que a sociedade Ihe oferece ou demanda. j rio, conforme concebemos, possui uma e O letramento litera! Ds aelaite figura especial. Pela propria condigao de existéncia da escrita literdria, que abordarem, oa ante, 0 processo de letramento que se faz via textos literdrios compreenge adiante, ss : nao apenas uma dimensio diferenciada ws dla escrita, mas também : sobretudo, uma forma de assegurar seu efetivo dominio, Dai sua importincia c ola, ou melhor, sua importancia em qualquer Drocesso) de letramento, oferecido pela escola, seja aquele que se encontra difuso na sociedade, Neste livro, vamos tratar do letramento literario no que se refere a Processo de escolarizagao da literatura. A proposta que subscrevemos aquise destria arena fortalecer e ampliar a educagao literdria que se oferece no ensino basico, Em outa palavras, ela busca formar uma comunidade de leitores que, como toda: comunidade, saiba reconhecer os lagos que unem seus membros no espago e no tempo. Uma comunidade que se constréina sala de aula, mas que vai além da escola, pois fornecea cada aluno e.ao conjunto deles uma maneira propria de ver e viver o mundo. 0, 2. ossuip Ades pessois » Sela aquele 4H HO Para tratar de nossa proposta de letramento literario, dividimos 0 livro em trés partes. Na primeira, apresentaremos algumas reflexdes sobre o lugar daliteraturaem nossa sociedadee por quelheatribuimosimportancia. Decerta maneira, procuraremos responder a uma indagacao basica de quem trabalha com leitura literdria, isto qual o valor da literatura e sua funcao social. Também buscaremos tornar um tanto mals nitidasas relag6es entre literatura e educacao. Como se sabe, essas. relagdessaoantigas mas vamos centrar nossa atengao em como se tem ensinado literatura no Brasil om consequéncias dessa tarefa na formacao dos leitores literdrios. O centro da discuss? sera didatiza¢ao ou escolarizacao da literatura, na tentativa de ccompreender coms deua passagem daliteraturacomo arte paraaliteraturacomo: disciplinaescolar-Ous questao importante é a crenca de que literatura nao se ensina, basta a simplesk ead das obras, como se faz ordinariamente fora da escola. Vamos, portato ands Ensino que passa, necessariamente, pela selecao de textos. Nesse a5 Le discutir os critérios utilizados para essa selecao, em que estéo presentes 0” 7 selegdes relacionadas ao cdnone literdrio e as caracteristicas do leitor-aluno, abordaremos 0 processo de leitura a luz das varias teorias da leitura rs esclarecer a concepao de leitura que fundamenta 0 caminho ase letramento literdrio na escola, a Introdugéo 43 Na segunda parte, abordaremos a proposta em seu aspecto mais aplicado, ou seja, vamos falar dos procedimentos que efetivam a proposta de letramento literario. Inicialmente, trataremos da necessidade de um método para se trabalhar a literatura na escola, compreendendo que todo proceso educativo precisa ser organizado para atingir seus objetivos. Depois, apresentaremos as atividades coordenadas de ensino e aprendizagem de leitura literéria na escola basica com o objetivo de construir comunidades de leitores. No fechamento dessa segunda parte, vamos tratar, brevemente, do processo de avaliagao dentro da perspectiva do letramento literario aqui proposta. Na terceira parte faremos uma reflexao sobre o desafio de se trabalhar com 0 diferente em uma escola que resiste a mudangas e também traremos propostas de oficinas para o professor adaptar em seu trabalho com o letramento literario. Um livro que envolveu tantos anos de elaboracao nao poderia ter chegado ao seu termo sem a ajuda de muitas pessoas. Quero, portanto, iniciar meus agradecimentos pelos alunos de meus alunos que experienciaram em sala de aula essa proposta de letramento literdrio. Foram os resultados alcangados nas salas de aula, em lugares tao diversos como os estados do Acre, do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais, que me animaram a colocar na forma de livro o que costumava discutir e analisar nas disciplinas de Metodologia do Ensino da Literatura e da Lingua Portuguesa nos cursos de Letras e Pedagogia. Gostaria de poder cité-los individualmente, pois minha divida comeleséenorme, mas naoteria paginas suficientes para tantos. Nao poderia deixarde citar, entretanto, osnomes de Rita Maffia Lopes e Marilia Furtado, alunas-professoras que gentilmente me forneceram farto material de suas atividades em sala de aula e alimentaram parte dos exemplos que se encontram reproduzidos neste livro. Também expresso minha gratidao aos meus colegas que compartilharam experiéncias e debateram comigo algumas das ideias aqui discutidas. Na Faculdade deLetras,agrade¢o o incentivo de Cintia Schwantes, Maria Amélia Idiart Lozano eEni Celidénio, Na Faculdade de Educagaio, agradecoa parceria de Graca Paulino, Marildes Marinho e Aracy Evangelista. De maneira muito especial, quero agradecer a trés colegas que, em prova deamizade econsideracio, prontificaram-sea ler os. originais eapontaram muitas questdesa serem resolvidas: Néa de Castro, Nivia Eslabaoe Ana Claudia Fidélis, Naturalmente, 0s erros que permaneceram sao resultados deminha teimosia, Por fim, diz-se que nao se agradece sentimentos intimos, mas nao Posso deixar de agradecer a paciéncia e a generosidade de minha esposa, que leu com os olhos do coragao todas as palavras deste livro.

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