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Teoria e Desenvolvimento Curricular Definição e Natureza do Currículo 1

CURRÍCULO: NATUREZA E ÂMBITO


António Carrilho Ribeiro, Desenvolvimento Curricular, Texto Editora, Lisboa, 1992

Pretende-se, neste capítulo, encontrar resposta para as seguintes perguntas: Como se pode definir «currículo»?
0 que inclui? 0 que os distingue de outros conceitos e sistemas com ele relacionados?
Tentar-se-á uma resposta a estas questões, seguindo uma metodologia de aproximações e contrastes
sucessivos, não escondendo indefinições e pontos controversos, designadamente quanto ao problema da definição de
currículo.
Após uma digressão por diferentes acepções sobre currículo, esclarece-se a perspectiva presente neste
trabalho, relaciona-se o currículo com vários sistemas conexos, concluindo com a descrição das componentes
curriculares fundamentais.
0 termo «currículo» não possui um sentido unívoco; existe, antes uma diversidade de definições e de
conceitos em função das perspectivas que se adoptam (Schiro, 1979), o que vem a traduzir-se, por vezes, em alguma
imprecisão acerca da natureza e âmbito do currículo.
Importa, pois, proceder à análise de algumas acepções correntes e de concepções típicas, seleccionadas da
literatura especializada sobre o currículo, no sentido de identificar aspectos comuns na variedade de conceitos que têm
sido apresentados e, assim, ir precisando o entendimento acerca dos elementos caracterizadores do currículo e
delimitando as suas fronteiras.

0 PROBLEMA DA DEFINIÇAO: ACEPÇÕES COMUNS E CONCEPÇÕES TÍPICAS


Entre as acepções mais comuns sobressai a que identifica currículo com o elenco e sequência de matérias
ou disciplinas propostas para todo o sistema escolar, um ciclo de estudos, um nível de escolaridade ou um curso,
visando a graduação dos alunos nesse sistema, ciclo, nível ou curso. O currículo confunde-se com «plano de estudos»,
consistindo este num conjunto estruturado de matérias de ensino com peso relativo diverso, o qual se traduz,
concretamente, na distribuição variada de tempos lectivos semanais ou de «unidades de crédito» a cada uma das
disciplinas que fazem parte de tal plano de estudos. Neste sentido se fala, por exemplo, do currículo do ensino
secundário, do 1º ciclo do ensino básico ou do curso de Economia.
Em termos simples, o currículo concretiza-se no horário de actividades lectivas que os alunos cumprem para
obtenção da respectiva graduação num ciclo de ensino ou curso.
Uma segunda acepção também vulgarizada, pelo menos em certos sistemas educativos, tenderia a identificar
currículo com programas de ensino num determinado nível ou área de estudo do sistema escolar. O currículo, assim
considerado, exprimir-se-ia numa listagem, esquema ou sumário de temas e tópicos - obedecendo a uma determinada
organização e sequência - por área disciplinar (ou disciplina), sendo, por vezes, acompanhado de orientações e
sugestões metodológicas para tratamento dos conteúdos programáticos seleccionados.
Neste sentido, se pode falar do currículo de Língua Portuguesa nos ensinos básico e secundário - equivalente
aos programas escolares de tal matéria no subsistema de ensino não superior - ou do currículo do 1º cicio do ensino
básico, correspondendo ao programa total das diferentes matérias nesse ciclo de estudos.
É certo que em Portugal, e também noutros países, se distingue entre currículo e programa de ensino,
fazendo-os corresponder a dois «produtos» diferenciados e, de algum modo, independentes: o primeiro, traduzido
numa designada «organização curricular» de disciplinas (o «esqueleto» de matérias contempladas), o segundo,
expresso na apresentação esquemática dos conteúdos programáticos e respectivas indicações didácticas. A
artificialidade da distinção ficará demonstrada, ao longo deste trabalho, na medida em que os programas escolares
concretizam o currículo e, sem a explicitação daqueles, este não apresenta transparência suficiente e conteúdo
significativo.
De acordo com esta última perspectiva, poder-se-ia considerar uma outra acepção comum que se traduziria na
junção equilibrada das duas anteriores, identificando o currículo com o conjunto estruturado de matérias e de
programas de ensino num determinado nível de escolaridade, ciclo ou domínio de estudos.
As acepções mais correntes - a que se fez referência - têm em comum o facto de caracterizarem o currículo
mais pelos aspectos «exteriores» ou visíveis do que pelos elementos intrínsecos e «substantivos» que o definem e
conferem significado àqueles.
Convém, pois, passar das questões mais periféricas para o centro problemático, de modo a melhor esclarecer a
natureza e âmbito do currículo e a encontrar um sentido mais pleno para as acepções comuns referidas.
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Antes, porém, de passar à análise aprofundada de algumas definições recolhidas de entre a literatura
especializada sobre o assunto e que correspondem a «conceitos-tipo», valerá a pena registar, desde já, um comentário
sobre o significado desta concepção do currículo como conjunto de matérias de ensino sem prejuízo de, mais adiante,
se retomar o tema.
Esta concepção tem subjacente a ideia de que o currículo se caracteriza como um modo de transmitir de
geração em geração o conjunto acumulado do saber humano, sistematicamente organizado e tradicionalmente
consagrado em matérias ou disciplinas fundamentais. Por isso, defendem alguns que «o currículo deve constituir-se
inteiramente com o conhecimento que provém das disciplinas» (Phenix, 1962:57) e representa uma forma de iniciação
nos diferentes ramos do universo do saber e da cultura.
Numa outra interpretação deste conceito de currículo, acentua-se também - e talvez de modo mais pertinente -
que ele representa um conjunto de diferentes modos de pensar e investigar a realidade e experiência humana,
privilegiando-se, assim, o desenvolvimento de capacidades e processos intelectuais - significativamente representados
nessas disciplinas do saber não importando tanto as conclusões a que se chegou como os modos de gerar e validar tais
resultados (Phenix, 1962; Hirst a Peters, 1970; Schwab, 1975).
Passando, agora, à análise de concepções típicas, seleccionam-se quatro exemplos representativos de
definições de currículo e salientam-se elementos comuns e diferenciadores, especificando, ao mesmo tempo, a
perspective própria de cada uma dessas categorias ou de subcategorias que é possível descrever dentro destas.

Atente-se nas seguintes definições:


1.ª definição: (Currículo define-se como) «o conjunto de todas as experiências que o aluno adquire, sob a
orientação da escola» (Foshay, 1969:275).
2.ª definição: «0 currículo engloba todas as experiências de aprendizagem proporcionadas pela escola»
(Saylor).
3.ª definição: «0 currículo é o modelo organizado do programa educacional da escola e descreve a matéria, o
método e a ordem do ensino o que, como e quando se ensina» (Phenix, 1958:57).
4.ª definição: «0 currículo é uma série estruturada de resultados de aprendizagem que se têm em vista. 0
currículo prescreve (ou, pelo menos, antecipa) os resultados do ensino; não prescreve os meios»
(Johnson).

A 1ª e 2ª definições apresentam um traço característico comum, ao descreverem o currículo como conjunto de


experiências educativas vividas pelos alunos, sob a tutela da escola.
Diferenciam-se, no entanto, pelo facto de a 2ª definição precisar que o currículo se refere a experiências
educativas e de aprendizagem proporcionadas e, de algum modo, organizadas pela escola e não a qualquer
experiência vivida pelo aluno, sob a jurisdição da escola. De facto, algumas experiências dos alunos na escola podem
não ser educativamente desejáveis e outras experiências educativas não são necessária e directamente organizadas
para proporcionar aprendizagens e formação aos estudantes.
Deve salientar-se que, em ambas as definições (1ª e 2ª ), se exprime uma associação fecunda entre «currículo»
e «experiências educativas ou de aprendizagem». A palavra-chave é, aqui «experiências» - por vezes, substituída por
«actividades» - o que corresponde ao sentido de aprendizagem como processo activo da parte do educando,
traduzindo-se em algo que realiza ou é capaz de realizar, que se concretiza numa experiência adquirida e que torna
possível outras aprendizagens.
0 currículo seria, assim, uma acumulação de experiências educativas ou o itinerário formativo do aluno
durante a sua passagem pela escola, ao mesmo tempo, o currículo seria o conjunto variado de mecanismos e meios
que possibilitam, no tempo de vida escolar, diversas e sucessivas experiências formativas.
A perspectiva comum às duas concepções tipificadas na 1ª e 2ª definições reside em acentuar a dimensão
real e actual do currículo, descrevendo-o em termos das experiências educativas e de aprendizagem do aluno, dentro
do princípio de que só se aprende aquilo que se experiencia; o currículo não se identifica tanto com a simples proposta
ou planificação do ensino-aprendizagem como com o conjunto de aprendizagens ou experiências formativas
realmente acontecidas.
Depreende-se de tal concepção abrangente de currículo que a distinção entre actividades curriculares e
actividades extra-curriculares perde sentido tal como se anula a diferença entre currículo formal e currículo informal,
ou mesmo, a que se pode estabelecer entre currículo «manifesto» e currículo «escondido». Retomar-se-á, mais
adiante, o esclarecimento de tais distinções; retenha-se, por agora, que a concepção do currículo como conjunto de
experiências educativas engloba todas as actividades de aprendizagem proporcionadas na escola, quer elas resultem
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de intenções ou propósitos explícitos quer decorram da própria organização e ingredientes da vida escolar na sua
multiplicidade.
A 3ª e 4ª definições acima apresentadas espelham um conceito de currículo que se contrapõe ao tipificado nos
primeiros exemplos. De facto, o currículo define-se, aqui, como o que se planeia ensinar, o que se pretende que os
alunos aprendam em vez de se descrever como experiência ou aprendizagem que realmente se proporciona (ou
acontece), sem cuidar da sua eventual relação com o que se previa antes da experiência havida.
Nos dois últimos exemplos, está-se perante uma noção de currículo entendido como plano e organização do
ensino-aprendizagem. No entanto, para lá desta característica comum, os dois tipos de definição apresentam
diferenças significativas. Assim, na 3ª definição, esse plano organizado de ensino-aprendizagem inclui
objectivos/conteúdos (o que se planeia ensinar) bem como métodos e meios de ensino (o como se planeia ensinar,
avultando aí a ordem ou sequência em que se vai ensinar). Na 4ª definição, porém, o currículo caracteriza-se como
plano de ensino-aprendizagem em termos de objectivos de ensino ou resultados de aprendizagem a alcançar,
excluindo (ou, pelo menos, subalternizando os processos e meios para conseguir tais resultados. Neste aspecto,
Johnson (1977:6) é incisivo quando refere que o currículo prescreve ou, no mínimo, prevê os resultados de
aprendizagem a atingir mas não deve prescrever os meios ou métodos através dos quais se possam vir a alcançar. O
mesmo autor clarifica a sua posição ao afirmar que do ponto de vista do plano curricular, não interessa o que os
alunos fazem na situação de ensino» mas o que «são capazes de fazer» como consequência do que realmente fazem
no processo efectivo de ensino.
Para além deste ponto nuclear, explicitado na 4ª definição, assinale-se a pertinência da expressão «série
estruturada de objectivos» aí contida. Na realidade, o currículo - enquanto plano de ensino-aprendizagem - surge
como um conjunto de objectivos organizados segundo uma estrutura e desenvolvidos de acordo com uma
sequência. Como teremos ocasião de salientar, a estruturação e o foco organizador do currículo (ou programa)
representam elementos cruciais para o seu entendimento adequado. Análoga ideia se revela, também, na 3ª definição,
ao descrever o currículo como «modelo de organização» que estrutura o programa de ensino-aprendizagem,
designadamente no «que, como e quando se ensina».
Em síntese, o quadro apresenta algumas componentes que se inc1uem, com maior ou menor frequência, no
conceito de currículo, sem que, no entanto, se adopte aí uma determinada sistematização de tais elementos.

O QUE SE ENTENDE POR CURRICULO

 Lista de disciplinas/matérias de ensino (e respectivos tempos lectivos atribuídos)


Com Mais  Lista e/ou esquema de conteúdos programáticos
Frequência  Sequência organizada de conteúdos de ensino (o que se ensina)
 Série de objectivos de ensino (para que se ensina)
 Manuais e materiais didácticos (para o professor e/ou aluno) (com que se ensina)
 Métodos e processos de ensino (como se ensina)
Com Menos  Conjunto de experiências/actividades na escola
Frequência
O que inclui, afinal, o currículo?
 Diferentes combinações das componentes anteriores ou, até, esse conjunto de
componentes

Da digressão por algumas concepções típicas de currículo podem salientar-se duas dimensões prevalecentes
no entendimento sobre a sua natureza e âmbito:
a) o currículo como algo que se visa, como intenção ou objectivo;
b)o currículo como algo que se experiencia, como interacção e processo em curso.
Na primeira perspectiva, o currículo define-se como «plano», anterior à situação de ensino-aprendizagem e
assumindo sobre esta um carácter de exigência prescritiva; na segunda perspectiva, o currículo descreve-se como
interacção e experiência actual de aprendizagem, coincidindo com a situação efectiva de ensino, não parecendo haver
lugar à distinção entre plano anterior e o que se executa ou pode descrever.
Q problema em jogo, aqui, diz respeito à relação entre currículo - enquanto plano normativo - e processo de
ensino/aprendizagem na sua modalidade de expressão descritiva daquele; tal relação é decisiva para um entendimento
adequado da natureza e âmbito do currículo, como se verá mais à frente. Por agora, conclua-se com uma
caracterização de currículo, resultante da análise empreendida.
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As definições atrás discutidas salientam três conceitos de currículo como conjunto de:
a) objectivos ou resultados de aprendizagem a alcançar;
b) matérias ou conteúdos a ensinar;
c) experiências ou processos de aprendizagem.
Se se acentuar a dimensão de «plano», presente, sem dúvida, na noção de currículo, os três conceitos podem
integrar-se numa única concepção de currículo: plano estruturado de ensino-aprendizagem, englobando a
proposta de objectivos, conteúdos e processos.
Com efeito, planeiam-se e organizam-se actividades, experiências e situações de aprendizagem bem como
áreas de informação ou conhecimentos - social e educativamente valiosos - visando atingir fins educacionais e
objectivos de ensino que previamente foram determinados.
Tanner a Tanner (1975:45) reflectem idêntica preocupação ao conciliarem diferentes perspectivas sobre o
currículo na seguinte definição: Conjunto de experiências de aprendizagem planeadas bem como de resultados de
aprendizagem previamente definidos, formulando-se umas e outras mediante a reconstrução sistemática da
experiência e conhecimento humanos, sob os auspícios da escola e em ordem ao desenvolvimento permanente do
educando nas suas competências pessoais e sociais.»
Esta definição não só acentua a natureza do currículo como plano de aprendizagem a decorrer sob orientação
da escola, especificando objectivos, matérias e experiências como salienta igualmente que a formulação de tal plano -
nas suas componentes fundamentais - se realiza segundo um processo dinâmico de reconstrução da cultura humana
(não mera transmissão de um saber acumulado) e visando, em última instância, satisfazer necessidades de
desenvolvimento pessoal e social dos destinatários do currículo.
Acrescente-se, por fim, que o currículo enquanto plano ou programa estruturado se concretiza, geralmente,
num documento (ex. plano d de estudos ou programa escolar) ou «material» curricular, sendo pertinente o conceito de
currículo enquanto «objecto ou material de estudo» o que, neste aspecto leva a que os manuais escolares do professor
ou do aluno e os livros de um texto, por exemplo, possam ser considerados como uma tradução concreta de um plano
ou programa de ensino-aprendizagem.

0 CURRÍCULO E OS SISTEMAS CONEXOS


Os problemas da natureza e fronteiras do currículo esclarecem-se melhor na relação deste com outros sistemas
conexos, designadamente o sistema educativo, o ensino em situação escolar, e as actividades designadas
«não-curriculares». Dentro deste último universo, avulta o sentido da relação entre actividades curriculares formais e
experiências de complemento curricular (ou extra-curriculares) bem como o da distinção entre currículo «manifesto» e
currículo «oculto».

Currículo Formal, Informal e Oculto


É frequente a contraposição entre actividades «curriculares» e «extracurriculares» ou de «complemento
curricular», entre currículo formalmente considerado e currículo informal. 0 contraste entre currículo «manifesto» e
«oculto» («escondido» ou «latente») também merece ser analisado, embora este se situe em nível um pouco diferente
daquela distinção.
Antes, porém, registe-se que não se fala aqui de um outro currículo possível - que alguns apelidam de «
paralelo» - o qual diz respeito a formas e conteúdos de educação e aprendizagem situados fora da escola, provenientes
de múltiplos contactos e influências - a família, a comunidade local, os colegas, os meios de comunicação social e
outras agências educativas sociais. Sem esquecer a tremenda importância desse currículo «paralelo», o sentido daquelas
distinções acima mencionadas restringe-se ao contexto escolar.
Numa concepção vasta, de acordo com a perspectiva já analisada, o currículo pode definir-se como um
conjunto de experiências educativas planeadas e organizadas pela escola ou, mesmo, de experiências vividas pelos
educandos sob a orientação directa da escola. Neste sentido, a oposição entre actividades curriculares e
extra-curriculares ou de complemento curricular tende a desaparecer, uma vez que umas e outras mais não representam
do que meios directos ou indirectos para a formação integral dos educandos, visando a sua realização pessoal e social.
Em rigor, também aqui se poderiam incluir aquelas experiências de aprendizagem - vividas pelos alunos - que não
decorrem directamente do programa de estudos proposto (em termos de objectivos, conteúdos e métodos) mas da
própria organização do ensino escolar e que constituem ingredientes necessários da vida na - instituição - escola. No
entanto, este conjunto de experiências - que o termo currículo escondido» exprime - merece ser tratado separadamente,
atendendo ao diferente e profundo significado que encerra.
Em termos simples, a distinção entre currículo formal e informal e, de algum modo, entre experiências
curriculares e extra-curriculares, poderia traduzi-se na diferença entre o que consta do horário lectivo de alunos e
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professores e o que nele não figura. Esta é, porém, uma caracterização extrínseca; mais pertinente se afigura que tal
contraste exprima a diferença entre o que é formalmente planeado e organizado para promover aprendizagens
explicitamente definidas e aquelas actividades estruturadas - por exemplo, clubes escolares e desportos - (ou mesmo
não-estruturadas) que não se orientam por intenções explícitas de aprendizagem planificada e sistemática
As intenções de aprendizagem de tais actividades são, sobretudo, implícitas ou difusas, excepto as que se
afirmam como «complemento curricular» em que a intencionalidade formativa é clara, embora a sua organização
obedeça a critérios diferentes das actividades propriamente curriculares.
De qualquer modo, a distinção entre dimensões curriculares e não-curriculares - justificada, muitas vezes, pela
diferente concepção, organização e intenção que lhes preside - não deve prejudicar a unidade desejável do programa
educativo em que ambas se devem inserir. Acentuar em demasia a contraposição entre actividades curriculares e de
complemento educativo pode criar um sentido errado acerca do papel relevante de umas e outras na formação dos
alunos, no contexto de um mesmo projecto formativo. A síntese parece ser, aqui, mais importante que a antítese, pese
embora a diferença existente quanto à sua finalidade, estruturação e carácter de participação voluntária.
Um conceito amplo de currículo - que inclua matérias de estudo, actividades de complemento curricular, outras
experiências informais e até formas de organização do ensino e vida escolares mas que reconheça a distinção entre
todos estes aspectos - poderá preservar a unidade da acção educativa na escola e conduzir a um plano integrado de
actuação pedagógica
0 conceito de currículo oculto bem como as suas implicações merecem uma análise um pouco mais
pormenorizada.
Tal como acontece com o currículo formal («manifesto»), também o currículo «latente» pode ser descrito sob
dois pontos de vista. Do primeiro, definir-se-ia como o conjunto de práticas educativas e processos pedagógicos que
veiculam aprendizagens diferentes das explicitamente consignadas pelos objectivos do currículo formal e cujos efeitos
últimos, ainda em grande parte desconhecidos, apenas se indiciam. Do segundo ponto de vista, o currículo escondido
referir-se-ia aos efeitos educativos «não académicos» que a escola parece promover mas que não são explicitamente
visados pelo currículo formal; tais consequências têm que ver, dum modo geral, com a aquisição de valores,
socialização, manutenção da estrutura de classes sociais e fomento de atitudes de conformismo.
Em qualquer das perspectivas, o conceito de «currículo escondido» acentua resultados e processos do ensino
escolar que, não sendo explícitos nos planos curriculares e programas de ensino, constituem, no entanto, parte
integrante e efectiva da experiência do aluno na escola. Tal conceito cobre todo o conjunto de aprendizagens
«colaterais» (Dewey 1969; Tanner a Tanner, 1975) que, não sendo directamente visadas pelo currículo formal - nos
objectivos, conteúdos e processos de ensino propostos - parecem decorrer da própria organização pedagógica do ensino
e dos ingredientes constitutivos da vida e instituição escolares. Dir-se-ia que o currículo «escondido» é um sub-
produto ou resíduo do currículo «manifesto» ou, por outras palavras, que essas aprendizagens não resultam da intenção
deliberada e explícita de as induzir mas ocorrem como resultado subjacente ao modo como se organiza e
institucionaliza o processo de ensino-aprendizagem na escola.
Estas aprendizagens - normalmente respeitantes a atitudes, sentimentos e valores - não são objecto de
transmissão directa pelo currículo formal e, por isso, se dizem cair no âmbito do currículo latente. Como se indiciou
acima, este currículo implícito tem que ver, entre outros aspectos, com a estrutura sócio-organizacional da escola e do
ensino, com o sistema e clima de relações sociais na escola e na classe, com a natureza da interacção social professor-
alunos», padrões de autoridade e exercício de liberdade em situações formais de ensino, mecanismos e práticas de
avaliação ou promoção escolar, com incentivos, sanções e motivações no seio da escola (Saylor 1981).
Numa perspectiva similar, a distinção entre currículo explícito e implícito pode ser esclarecida, também, pela
complementaridade das duas grandes funções da escola: «instrução» e «socialização».
Ao «instruir», a escola não deixa de promover a «socialização» do aluno numa cultura ou modo de pensar e
agir de âmbito mais vasto (á sociedade) ou mais restrito (a comunidade escolar e, até, o grupo-turma).
Dreeben (1968) considerou o que se aprende na escola como função da estrutura social da sala de aula e do
exercício da autoridade por parte do professor. Mehan (1979) e Doyle (1986), entre outros, confirmaram a importância
dos processos e regras de interacção social subjacentes ao ensino em classe, como sendo uma forma de currículo
diferente. Kohlberg (1970) relacionou o currículo oculto com o papel do professor na transmissão de normas morais.
Noutra linha, de cariz mais sociológico, valorizam-se, sobretudo, efeitos do sistema curricular sobre a
socialização política dos educandos,, a aprendizagem de valores e normas sociais e o reforço de distinções de classe
social. Jackson (1968), no seu relato vivo do quotidiano em escolas primárias, põe em relevo o processo de
socialização, adaptação à vida com muitos outros na escola, de regras de conduta que é preciso respeitar, sob a
«autoridade» importante do professor.
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«Aprender a viver numa classe significa, em primeiro lugar, aprender a viver e a ser tratado como elemento de
uma multidão da mesma idade. Em segundo lugar, significa aprender a viver num mundo em que há uma autoridade
impessoal, em que alguém relativamente estranho à criança comanda e dá ordens» (Kohlberg, 1970:105).
Jackson (1968) traça vários outros aspectos característicos da vida escolar que considera caberem no conceito
de «currículo escondido»: a rotina e uniformidade da vida na sala de aula, a obrigatoriedade da presença na escola, a
atitude de conformidade com as expectativas do professor e da instituição sobre o aluno «bem comportado», a
avaliação «pública» e constante do aluno pelo professor e colegas.
Bloom (1976) também salienta que o processo de ensino escolar está de tal modo organizado que favorece esse
julgamento permanente e público, contribuindo para a auto-apreciação do aluno baseada na comparação com padrões
interiorizados por este, no contacto com os juízos de professores e colegas. A análise deste autor acentua práticas de
promoção, mecanismos de aprovação e desaprovação (dependentes do êxito na tarefa escolar), de competitividade pelas
notas, cuja importância é inegável em termos de sucesso escolar.
Tais práticas de promoção podem gerar estratégias de «sobrevivência escolar», de cariz negativo, para ganhar a
aprovação de professores e colegas e para «passar no exame», desvalorizando, por vezes, o «aprender para saber».
Estes e outros exemplos de «manifestações» do currículo «escondido» confirmam a ideia de Jenkins
(1985:1260), considerando aquele como «a amálgama de aprendizagens adaptativas que cada aluno tem de adquirir
para sobreviver culturalmente num meio hostil».
Quanto a características e implicações do conceito de currículo oculto, salienta-se a importância crescente deste
currículo no que concerne a efeitos educativos futuros, à necessidade de evitar contradições entre o currículo manifesto
e o latente e à relevância destes resultados de aprendizagem não directamente visados pelos planos e programas formais
de ensino.
Deve notar-se que o processo de assimilação das aprendizagens decorrentes do currículo latente é mais lento
mas, ao mesmo tempo, mais duradouro na influência que tem sobre a formação dos educandos. «Conquanto o aluno
possa aprender este currículo mais lentamente do que o outro, é possível que não seja capaz de esquecer tão facilmente
o que aprendeu como esquece as regras gramaticais e os pormenores históricos» (Bloom, 1976:146).
Como já foi referido, pode haver oposição entre intenções explícitas de aprendizagem e a aprendizagem
implícita. Assim, por exemplo, o currículo manifesto pode pretender estimular a criatividade, valorizar a capacidade
autónoma de exame crítico dos alunos; todavia, a forma de organização do ensino e o clima social em que decorre
propiciam comportamentos e atitudes de conformismo com o estabelecido. Os objectivos de participação activa e de
vivência democrática no processo de ensino podem entrar em contradição com as práticas pedagógicas efectivas quer
no modo como se organizam como no clima social que envolvem.
Uma implicação fundamental do que fica dito, e há que a destacar, é a de que a reforma do currículo formal
talvez não se possa operar sem uma intervenção decisiva no que Bernstein (1974) chamou a «ordem expressiva» da
escola (por contraste com «ordem instrumental») e que se traduz em normas de conduta, modos de pensar e agir ou em
valores éticos incorporados na própria vida e organização da escola.
Valerá a pena avançar na investigação deste «currículo não estudado», analisando as manifestações profundas,
as forças e os mecanismos subjacentes à organização do ensino formal nas escolas e que moldam as aprendizagens
«não académicas», tentando descrever essa «cultura expressiva» e explicitar o processo de adaptação do aluno ao
sistema social da escola.
De facto, o conceito de «currículo escondido» não deixa de revelar alguma imprecisão ao mesmo tempo que
parece indispensável, face à escassez de explicações mais seguras, para a compreensão do que ainda não é conhecido
acerca do processo de formação escolarizada (Wallance, 1977; 1985).
A própria designação «currículo escondido reconhece os limites da compreensão», bem como a sua
«imprecisão explica, em parte, a atracção por ele, pois estimula novas linhas de investigação e o refinamento de novas
metodologias» (Wallance, 1985:2177).

Currículo e Processo de Ensino


0 exame da relação entre currículo formal e processo de ensino em situação escolar afigura-se extremamente
relevante para esclarecer a natureza e o âmbito do currículo.
Goodlad et al. (1979) distinguem, com pertinência, diferentes dimensões no currículo, colocando o problema da
relação entre elas (coincidência, separação ou continuidade):
a) o currículo formal identifica-se com o oficialmente aprovado pelas entidades responsáveis pelo sistema
educativo;
b) o currículo percepcionado designa aquele que os professores transmitem, de acordo com a sua interpretação
acerca do oficialmente definido;
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c) o currículo experienciado traduz o que os alunos recebem a aprendem, em resposta ao planeado e ao


transmitido;
d) por fim, o currículo observado (ou operacional) representa a perspectiva «externa» daqueles que o
descrevem tal como acontece na situação de ensino escolar, independentemente das perspectivas de entidades oficiais,
professores a alunos.
Os níveis de consideração do currículo b), c) e d) constituem visões diferentes acerca do currículo real, aquele
que se pode efectivamente descrever como o que se pratica nas escolas e nas salas de aula; por sua vez, este pretende
ser a tradução do currículo formal (ou oficial).
0 contraste entre as dimensões formal e real do currículo reflecte a distância entre uma «intenção declarada» e a
«realidade prática» por detrás dessa declaração oficial, entre o currículo afirmado e o praticado.
Esta distinção de quatro níveis de análise chama eloquentemente a atenção para o processo de sucessivas
interpretações (tenham elas o sentido de « clarificação» ou «deturpação») acerca de um plano de ensino-aprendizagem
proposto que vai sofrendo modificações, ajustamentos ou rejeições no seu percurso de concretização, alguns destes
provenientes de propósitos deliberados de intervenientes neste processo, outros decorrentes da falta de recursos ou da
existência de outras condições específicas determinantes. Existem, pois, relações complexas entre «o que o aluno
aprende, o que o professor ensina e o que o autor do currículo tinha em vista para ambos» (Goodlad et al., 1979).
0 facto de as várias dimensões de um currículo não coincidirem necessariamente pode, em princípio, conduzir a
duas posições principais: ou se acentua, com nitidez, a separação entre dois universos diferentes, o do currículo
definido como plano intencional - e o do processo e situação de ensino, enquanto meio e condição de realização
daquele ou se prefere salvaguardar, com pertinácia, a continuidade entre os dois campos referidos como sendo duas
faces da mesma realidade ou dois extremos de uma mesma linha cuja «tensão» importa manter.
Segundo alguns analistas do planeamento curricular – MacDonald, Popham, Baker (1970), Johnson (1977),
Posner e Rudnitsky há que manter o dualismo entre o currículo e o ensino, a descontinuidade entre «fins» e «meios»
educativos: a determinação de fins e objectivos de ensino pertence ao domínio curricular, ao passo que a selecção de
meios para alcançá-los representa uma decisão pedagógico-didáctica referente ao processo efectivo de ensino. Deste
ponto de vista, os fins são exteriores e anteriores aos meios, sendo o currículo um plano ou intenção para a acção
pedagógico-didáctica, separado desta mas comandando-a; o ensino em situação constitui o meio de realizar tal plano e
de preencher a «intenção» curricular.
Outros autores - Taba (1962), Tanner e Tanner (1975), Saylor et al. (1981) - não aceitam a separação dos dois
sistemas em confronto, preferindo manter a unidade do currículo e do processo de ensino. Com efeito, em educação, os
meios não são tão «estranhos» (ou exteriores) aos fins e a continuidade entre eles deve ser salvaguardada. A distinção
não é tão nítida e quase se esbate, sobretudo quando o currículo, entendido como plano de ensino-aprendizagem, tem de
considerar as condições de realização dos objectivos que propõe.
Taba (1962) considera prejudicial a distinção extrema entre currículo e processo de ensino, reconhecendo
embora que, neste, há aspectos que são mais do foro curricular e outros que são mais específicos do método e situação
de ensino-aprendizagem. As decisões sobre experiências de ensino-aprendizagem que se requerem para atingir
objectivos maiores de um currículo pertencem, obviamente, ao âmbito do planeamento curricular, designadamente
quando tais objectivos educacionais só podem ser cumpridos tendo em atenção a natureza e organização dessas
experiências de aprendizagem e não apenas a mera transmissão de conteúdos programáticos. É o caso, por exemplo, do
desenvolvimento de aptidões intelectuais mais complexas, atitudes ou valores; as indicações sobre o tipo de estratégias
e métodos de ensino-aprendizagem que favoreçam o seu desenvolvimento constituem decisões curriculares cruciais.
Em ordem a assinalar a necessária unidade e interdependía do currículo e do ensino efectivo, convirá referir
operações distintas mas relacionadas com ambos os sistemas, descrevendo, ao mesmo tempo, os produtos que resultam
de tais operações.
No quadro referido mostra-se que um currículo resulta da operação de planeamento curricular, representando
um ponto de partida para a operação seguinte - a planificação do ensino que se concretiza num programa de actividades
e experiências de ensino-aprendizagem a executar em conformidade com o plano curricular e a programação do ensino,
inicia-se o processo efectivo de ensino que há-de conduzir à aprendizagem real dos alunos; por fim, a operação de
avaliação do ensino, ao procurar evidencia da aprendizagem conseguida por aqueles, tentará relacionar os resultados
realmente obtidos com os inicialmente propostos no plano curricular, introduzindo, assim, um mecanismo de controlo
de todos os processos que se regem pela necessidade de conseguir a correspondência entre resultados visados e
alcançados. Deste modo, o feedback da última operação repercute-se sobre as restantes no sentido de rever, modificar
ou aperfeiçoar a sua execução dentro do princípio de garantir a continuidade entre currículo e ensino e a máxima
correspondência possível entre objectivos de ensino propostos e resultados reais de aprendizagem.
Teoria e Desenvolvimento Curricular Definição e Natureza do Currículo 8

CONTINUIDADE ENTRE CURRÍCULO E ENSINO


PROCESSOS PRODUTOS DESCRIÇÃO DOS PRODUTOS
Planeamento Curricular Currículo Experiências e resultados de aprendizagem que
se visam, seleccionados e organizados
Planificação/Programação Plano ou Programa de Ensino Actividades de ensino/aprendizagem
do Ensino seleccionadas, organizadas e com sequência temporal
Condução do Ensino Resultados reais de aprendizagem Atitudes, aptidões e conhecimentos adquiridos,
em consequência do processo de ensino
Avaliação do Ensino Evidência de aprendizagem conseguida Situações ou comportamentos indicadores de
aprendizagem conseguida

A unidade ou continuidade do currículo e do ensino, quando vista da perspectiva das investigações centradas na
implementação curricular, reflecte a discrepância possível entre currículo planeado (formal) e currículo praticado (real)
ou a distância entre a dimensão «normativa» e a «descritiva», que necessariamente o currículo apresenta. Acentua,
igualmente, o significado de que qualquer plano curricular se torna mais claro no modo como é posto em prática,
revelando-se importantes as diferentes «descrições» práticas do currículo proposto.
A análise da fase de implementação curricular no processo de desenvolvimento de um currículo coloca este
tema no seu contexto próprio.

Perspectivas Macro e Microcurriculares


A relação mais estreita que é possível estabelecer entre as operações de planeamento curricular e de
planificação do ensino permite distinguir níveis diferentes de «planos de ensino e aprendizagem» que tanto o currículo
como o programa de ensino representam.
Posta a questão de outra maneira, se o currículo consiste num plano de ensino, como é que se distingue de
outros planos de ensino, por exemplo, planos de sequências ou unidades didácticas e lições?
A análise desta questão leva-nos a introduzir a distinção entre uma perspectiva «macrocurricular» e uma
«microcurricular», dentro da preocupação de definir a natureza e o âmbito do currículo - a intenção que preside a este
capítulo. Atente-se nos exemplos referidos sobre o âmbito do currículo formal, apresentados na página seguinte.
Esses exemplos ordenam-se a partir duma perspectiva macrocurricular ampla para uma microcurricular restrita,
dizendo respeito a diferentes âmbitos de planos de ensino-aprendizagem. A dimensão macrocurricular contempla a
construção de currículos para o sistema de ensino não superior ou para um segmento desse sistema num nível ou área
de ensino delimitados; os níveis 1 a 4 representariam a perspectiva macrocurricular em contextos e âmbitos diversos. A
dimensão microcurricular refere-se à planificação de sequências e unidades de ensino previamente delimitadas,
podendo o plano de lição entender-se como a versão mais limitada de planeamento curricular.
Como se depreende, a distinção entre perspectivas macro e microcurriculares não constitui tanto uma diferença
de natureza como de âmbito de actuação. De facto, considerando categorias de elementos básicos de um currículo
(objectivos, conteúdos, métodos, avaliação e, eventualmente, outros), não existe uma diferença fundamental entre as
duas perspectivas, a não ser a que decorre da extensão do campo abrangido e da complexidade daí necessariamente
resultante. Uma excepção significativa, no entanto, tem de registar-se: a perspectiva microcurricular não contempla a
concepção e delineamento de um modelo de organização curricular global onde se integrariam as lições, unidades e
sequências de ensino-aprendizagem, o que não acontece, obviamente, com a dimensão macrocurricular.

ÃMBITO DO CURRÍCULO FORMAL


(Exemplos)
1. Sistema educativo: ex. currículo do ensino não superior
2. Nível educativo ou ciclo de estudos: ex. currículo do ensino básico currículo do 1º ciclo do ensino básico
3. Ano de escolaridade: ex. currículo do 6. ° ano de escolaridade (2º ano do 2º ciclo do ensino básico)
4. Disciplina (cruzamento dos campos 1, 2 e 3): ex: currículo de Língua Portuguesa do ensino não superior,
currículo de Matemática do 1. ° ciclo do ensino básico, currículo de Educação Visual do 5. ° ano de escolaridade (1º
ano do 2. ° ciclo do ensino básico)
5. Sequência de ensino (nos contextos de 1, 2, 3 e 4, abrangendo limites temporais e/ou temáticos diversos) ex:
sequência sobre o Período Medieval na disciplina de História de Portugal do 2º ano do 2.º ciclo do ensino básico
6. Unidade de ensino (desdobramento temporal e/ou temático de 5) ex: unidade sobre as classes sociais na
Idade Média, na disciplina de História de Portugal, do 2º ano do 2º ciclo do ensino básico
7. Lição ou aula: ex: lição sobre estatuto e função social do clero na idade Média, na disciplina de História de
Portugal, do 2º ano do 2ºciclo do ensino básico
Teoria e Desenvolvimento Curricular Definição e Natureza do Currículo 9

De acordo com Taba (1962), a concepção e elaboração de um plano de ensino-aprendizagem para uma matéria
ou unidade didáctica constitui, sem dúvida, um tipo de tarefa maior de planeamento curricular e pode representar uma
oportunidade de tratar muitos problemas da elaboração de currículos de uma forma realista e «manejável».
Em consequência, o desenvolvimento experimental de unidades ou sequências de ensino pode ser um excelente
ponto de partida pare resolver os problemas de estruturação curricular e ensaiar novas modalidades de organização
curricular, consagrando um caminho indutivo-experimental que concebe e testa hipóteses de estrutura global de um
currículo. O caminho inverso, de pendor dedutivo-teórico - partindo da concepção do modelo global de organização
curricular para desenvolver, em seguida, segmentos curriculares e unidades de ensino - é a outra hipótese alternativa e,
sem dúvida, a mais frequente no planeamento curricular.
A morosidade, o rigor científico e o sentimento de insegurança no processo de planificação do currículo -
característicos da primeira via de desenvolvimento - contrastam com a celeridade e a aparente segurança da segunda via
de construção curricular.
A distinção e a unidade das duas perspectivas do planeamento curricular reforçam a ideia da continuidade que
importa manter entre o currículo e o ensino em situação, sem prejuízo das diferenças existentes entre um sistema e
outro.

Currículo a Sistema Educativo


0 sentido da relação entre sistema educativo e currículo pode ser sintetizado nas três afirmações seguintes:
a) o currículo constitui um dos subsistemas do sistema educativo;
b) o sistema educativo surge como «quadro de referência» e «enquadramento» necessário do currículo;
c) o currículo representa a «substância» do sistema educativo.
A explicitação de cada uma destas afirmações exige que, em primeiro lugar, se parta de uma noção de sistema
educativo. Em termos simples, este caracteriza-se como um conjunto de estruturas, acções, métodos e meios através dos
quais se desenvolve o processo permanente e diversificado de formação dos membros da comunidade que institui esse
sistema. 0 sistema educativo formal organiza-se por níveis etários e segmentos educacionais que se caracterizam
segundo finalidades e tipos de educação a prosseguir, de acordo com as funções sociais da escola e as necessidades de
desenvolvimento pessoal e social dos educandos.

Subsistemas do Sistema Educativo


A primeira afirmação acima citada, pretende significar tão-somente que, no conjunto dos vários subsistemas do
sistema educativo formal, o currículo representa apenas um deles que, no entanto, constitui o seu âmago, como se verá.
Pode dizer-se que, em linhas gerais, no sistema escolar são de considerar os seguintes subsistemas maiores:
a) o curricular e pedagógico (referente a planos de estudos, programas de ensino, métodos, organização
pedagógica e avaliação do ensino-aprendizagem);
b) o dos recursos humanos, designadamente pessoal docente e demais agentes educativos (referente à sua
formação e regime de docência ou intervenção);
c) o dos recursos físicos (respeitante à rede, instalações e equipamento escolares);
d) o de administração, organização e gestão escolares;
e) o dos apoios e complementos educativos (designadamente orientação educacional, saúde, apoios sócio-
educativos complementares).

O Sistema Educativo como Quadro Referencial


A segunda afirmação acima enunciada, postula que o sistema educativo constitui o quadro de referência
indispensável à concepção e elaboração de currículos e programas, na medida em que fornece os princípios
orientadores de filosofia e política educativa, propõe as finalidades gerais da educação, apresenta a sua organização
geral e define as suas características estruturais ou as variáveis críticas do sistema. Entre essas variáveis críticas, é justo
mencionar a idade de ingresso no sistema, a estrutura e natureza da escolaridade básica obrigatória e dos níveis
subsequentes a essa escolaridade, o sistema de transição entre níveis educativos ou de progressão no sistema, os
patamares de saída do sistema, as modalidades de iniciação e formação profissional e os esquemas de retorno ao
sistema, no quadro da educação permanente.
A estrutura do sistema educativo, ao considerar diferentes níveis ou modalidades de educação e ao definir
princípios, linhas orientadoras e funções sociais da formação escolar, tem relação directa com a organização e
desenvolvimento do subsistema curricular.
Teoria e Desenvolvimento Curricular Definição e Natureza do Currículo 10

Tomando três vectores de análise - a selectividade, a homogeneidade e a funcionalidade da formação proposta -


poder-se-iam caracterizar tipos genéricos de sistemas curriculares, consoante o seu posicionamento ao longo de cada
um dos vectores considerados (Bell, 1973; D'Hainaut, 1980).
Tendo em atenção o índice de selectividade, poder-se-iam distinguir currículos ou planos de estudos que, numa
linha contínua, tenderiam a aproximar-se mais de um dos extremos - selectividade elevada ou não-selectividade.
Um currículo será selectivo, se for construído e implementado dentro do princípio de que nem todos a ele
podem ter acesso e/ou nem todos conseguem obter sucesso, quaisquer que sejam os factores concretos de selecção. 0
acesso pode estar ou não condicionado, ser mais ou menos limitado ou ser rigorosamente limitado. As condições de
sucesso têm que ver com o sistema de promoção ao longo do currículo - mais ou menos rigoroso - com a natureza e
grau de dificuldade do programa de ensino, com o seu ritmo de progressão e as condições ou meios de ajustamento e
diferentes situações de partida, quer no início quer durante a execução do programa.
Um currículo não-selectivo proporciona a todos oportunidades iguais de acesso e tende a garantir condições
semelhantes de sucesso para todos, mediante estratégias de discriminação positiva. Um currículo de tendência selectiva,
pelo contrário, promove ou mantém diferenças individuais de acesso e de sucesso, por força da sua própria organização
e da ausência de tratamento diferenciado, consoante diversas situações à partida.
Os indicadores de selectividade de um plano de estudos relacionam-se, pois, com condições de acesso à
aprendizagem proposta, regime de promoção e avaliação bem como meios de recuperação ou compensação educativas.
Um currículo de tendência selectiva pauta-se pelo princípio de ter de fazer selecção de alunos, para fins de
prosseguimento de estudos ou outros, ao passo que um currículo de tendência não selectiva pretende, sobretudo,
orientar e guiar os alunos para o sucesso na aprendizagem.
A caracterização de um currículo come selectivo ou não-selectivo depende, no fundo, da resposta à seguinte
pergunta: no final deste plano de estudos ou programa, são iguais as oportunidades de estudo, no futuro? Se forem
diferentes, estamos perante uma exigência selectiva do currículo. É certo que, em qualquer sistema educativo, haverá
sempre um momento para a selecção se fazer; a questão será saber se ela ocorre cedo demais ou bastante tarde nesse
sistema. Quanto mais cedo ocorre, mais cedo se diferenciam as oportunidades de prosseguir no sistema.
Tendo presente o outro vector - o índice de homogeneidade da formação proposta - os sistemas curriculares
situar-se-iam entre duas tendências extremas: currículos unificados (ou «generalistas») e currículos diferenciados (ou
«especializados»).
A homogeneidade ou heterogeneidade do sistema curricular tem que ver com a existência de programas
comuns ou diferenciados, de uma via de estudo única ou vias paralelas. Ao falar-se, também, de «generalidade» ou
«especialidade» do currículo não se está a falar de superficialidade ou profundidade dos programas de ensino; está-se
perante o problema de adoptar uma formação geral, comum e polivalente ou uma formação especializada, diferenciada
e orientada num determinado sentido.
De novo, a questão do momento ou nível do sistema educativo em que prevalece a formação geral - a mesma
via de estudos - e onde começa a especialização de vias formativas, se revela crítica: Até onde se deve propor um
currículo comum e unificado? Quando se deve introduzir a diferenciação curricular e programática para diferentes
alunos?
Desde logo, o ensino básico, pela sua própria natureza de suporte cultural a educativo comum, deve ser servido
por pianos de estudos e programas em que o índice de homogeneidade e de unificação seja bastante elevado. Em termos
práticos, um currículo «generalista» incluirá larga percentagem de matérias obrigatórias e uma margem reduzida de
matérias optativas.
Tal não significa, no entanto, que a diferenciação curricular não possa nem deva existir na educação básica,
pelo menos, no seu nível terminal. Essa diversificação curricular não altera a homogeneidade do currículo, porque os
alunos não seguem vias alternativas ou paralelas de estudos; as suas oportunidades futuras de formação diferenciada em
vias ou programas alternativos permanecem intactas.
No caso do ensino secundário, a especialização curricular e a heterogeneidade de programas ou vias será maior
e, até certo ponto, aconselhável. Mesmo aqui, no entanto, três alternativas maiores podem, em princípio, existir:
a) um currículo comum, excluindo currículos diferenciados;
b) vários currículos diferenciados mas permitindo sempre a transferência entre eles;
c) um currículo com formação comum e preparação diferenciada (neste último caso, sem possibilidade de
transferência de um programa para outro).
Qualquer currículo, em qualquer sistema educativo, admite, numa dada altura, um grau de especialização
curricular, embora já nem todos exijam ou favoreçam tal diferenciação e haja grande diversidade quanto ao momento
ou nível etário em que tal acontece.
Teoria e Desenvolvimento Curricular Definição e Natureza do Currículo 11

Em teoria, são vários os modos de proporcionar alguma diferenciação curricular no ensino não superior;
mencionam-se, aqui, três maneiras típicas de o realizar:
a) existência de um núcleo reduzido de matérias ou programas fundamentais comuns, associado a uma gama
larga de matérias optativas;
b) existência de um núcleo comum de matérias bastante amplo, associado a uma percentagem diminuta de
opções programáticas;
c) existência de vias de formação ou programas alternativos em que, portanto, a especialização não só é
promovida como requerida, com ou sem possibilidade de transferência entre vias e programas.
A tendência actual vai no sentido de a especialização ser limitada, não prejudicando uma formação geral
comum e sendo aquela adiada para fases tardias do sistema educativo.
Outro vector de análise - o índice de funcionalidade da formação proposta - permite-nos situar os sistemas
curriculares relativamente ao grau de equilíbrio ou desequilíbrio entre a preparação cultural-científica e a vocacional ou
técnico-profissional, falando de currículos mais académico-científicos e currículos mais técnico-profissionais.
A questão aqui subjacente é a de considerar a predominância de um saber mais «académico» ou mais «
funcional», em termos de prosseguimento de estudos ou de inserção na vida activa.
A funcionalidade da formação vocacional ou técnica é mais visível e imediata, face ao ingresso na vida
profissional; tal não acontece com os currículos académico-científicos que não são norteados por uma funcionalidade
imediata da formação que propõem.
Esta análise de possíveis tipos maiores de currículos pretendeu tão-somente mostrar como o sistema educativo,
nas suas finalidades e estrutura geral, representa um quadro de referência necessário ao desenvolvimento curricular.

Factores de Enquadramento Curricular


Ao mesmo tempo que o sistema educativo constitui o horizonte referencial do currículo, pela orientação que lhe
imprime, ele define, também factores que enquadram a sua elaboração e implementação. Esses factores referem-se,
principalmente, à organização do processo de aprendizagem nas escolas, designadamente quanto a espaços, tempos e
grupos de ensino bem como ao pessoal docente e seu regime de docência.
A estes factores condicionantes deve, ainda, acrescentar-se outra variável significativa: o modo de progressão
no sistema escolar
A organização espacial do ensino enquadra a elaboração e execução dos planos de estudos e programas pela
simples razão de que são constituídos para serem postos em prática num determinado tipo de instalações escolares, em
espaços de ensino específicos e pressupõem, também, uma dada disposição física dos equipamentos escolares.
Em termos de espaço de ensino, um currículo será, por exemplo diferente na sua concepção e condições de
implementação, consoante se limita, espacialmente, à sala de aula, a toda a escola ou à comunidade envolvente.
Desenhar um currículo, tendo como limite espacial de ensino a sala de aula e a organização física que permite (flexível
ou rígida), ou construir um plano e programa de ensino cujas fronteiras ultrapassam a realidade física da sala de aula -
tirando partido de todo o espaço escolar e até do espaço exterior da comunidade local - constituem, naturalmente, duas
tarefas diferentes: o currículo ou se limita ao que pode acontecer numa sala de aula ou conta com as potencialidades do
edifício escolar ou permite que o ensino-aprendizagem ocorra fora dos muros da escola, beneficiando do potencial da
comunidade envolvente.
A título de exemplo, refira-se a concepção de escola como «espaço aberto», ao nível do 1. ° ciclo do ensino
básico, a qual assenta numa organização de espaços educativos potenciadora da circulação de professores e alunos entre
espaços diferenciados e com recursos educativos próprios.
Em contraste, tome-se uma sala de aula tradicional com carteiras fixas, dispostas em fila - eliminando a
circulação dos alunos ou a formação de agrupamentos de ensino diferentes - com um professor situado, regra geral, em
frente dos alunos e num ponto mais elevado. Estas duas organizações espaciais de ensino revelam e geram diversas
situações de aprendizagem, diferentes concepções pedagógicas e potencialidades variadas no que concerne à
planificação e condução das actividades de ensino-aprendizagem.
A natureza dos espaços e equipamentos físicos condiciona, pois, o planeamento curricular e não vale a pena
invocar situações aberrantes, como seja, por exemplo, incluir programas e conteúdos de iniciação à informática, se não
existe espaço (ou equipamento) apropriado ou propor a aprendizagem de natação, se não for possível dispor de piscina
ou outro meio adequado.
Um plano curricular que inclua participação em actividades da comunidade, visitas a serviços e instituições ou
outras experiências que requeiram a participação da comunidade tem de dispor de espaços de aprendizagem fora dos
«muros» da escola.
Teoria e Desenvolvimento Curricular Definição e Natureza do Currículo 12

Considere-se, agora, a organização temporal do ensino: os currículos e programas de ensino são delineados,
tendo em conta o tempo global requerido para a sua execução bem como a duração das unidades temporais em que
aquele se pode decompor, para efeitos de estruturação e sequência do processo de ensino-aprendizagem.
Calendário escolar - anual, semestral ou trimestral - tempos lectivos semanais, períodos lectivos diários e
duração de aulas representam exemplos significativos da variável «tempo» enquanto factor de enquadramento do
desenvolvimento curricular, nas suas fases quer de planeamento quer de implementação.
A organização do horário lectivo afigura-se particularmente importante no que diz respeito à sua rigidez,
flexibilidade ou variabilidade total; por outras palavras, ou os tempos de ensino são previamente fixados e distribuídos
por diferentes áreas programáticas, não admitindo alterações, ou podem ser estabelecidos dentro de margens de
flexibilidade, consoante as decisões e situações concretas das escolas ou, eventualmente, a distribuição dos tempos
lectivos é totalmente aberta, variando em função das circunstâncias e da gestão do professor.
0 tempo total disponível para o plano ou programa de ensino (na sua globalidade ou por áreas disciplinares)
condiciona a sua extensão, latitude e profundidade. 0 fraccionamento desse todo em unidades temporais - ano,
semestre, trimestre, semanas e horas - condiciona a sua organização de modo mais rígido ou mais flexível e livre.
0 delineamento e a execução de um plano curricular não deixam de ser fortemente determinados pela
organização, distribuição e sequência dos tempos de ensino disponíveis.
De notar que o cruzamento das variáveis «espaço-tempo» disponíveis para o ensino determina a constituição
dos agrupamentos de alunos ou para fins de aprendizagem; dependendo das possibilidades organizativas que em
conjunto, espaço e tempo permitem, assim variam a natureza e dimensão dos grupos de ensino. A composição de
grupos de diferente natureza e dimensão visando diversos tipos de actividades didácticas representa um factor
«limitativo» dos planos e programas de ensino. Será, por exemplo, possível a constituição de grupos de ensino de
grande (100-120 alunos), média (25-40 alunos), ou pequena dimensão (8-15 alunos)? A diversa natureza e finalidade
educativa das actividades de ensino para aqueles grupos condicionarão, certamente, a elaboração e implementação dos
programas de ensino, por exemplo, em termos de equilíbrio ou predomínio de aquisição de informações (grupos
maiores), desenvolvimento e prática de aptidões médios e pequenos) e de clarificação de valores e atitudes (grupos
pequenos).
Relacionado com o agrupamento de alunos está a possibilidade de dispor de espaço e tempo para um ensino
individualizado, o que condiciona, designadamente, a oferta de diversificação curricular e programática para diferentes
alunos, quando as circunstâncias o exigem ou aconselham. Aqui se inserem, por exemplo, trabalhos laboratoriais,
sessões tutoriais, projectos e estudos individuais.
Um outro aspecto crucial, no que a grupos de ensino diz respeito, pode ser mencionado: a constituição fixa ou
variável de tais grupos, ao longo de um plano ou programa de ensino (ciclo, ano, semestre). A esta questão se associa
uma outra com implicações psicopedagógicas e sociais importantes - a homogeneidade ou heterogeneidade dos grupos
de ensino, quanto a capacidades e rendimento escolar.
0 pessoal docente disponível constitui outro grande factor de enquadramento do currículo. Com efeito, a sua
construção e implementação (ou requerem) a intervenção de professores qualificados e um determinado modo de
organização e funcionamento pedagógico-didácticos. A formação com que o professor se apresenta e o regime de
docência previsto ou possível definem os dois aspectos mais críticos deste factor condicionante do desenvolvimento
curricular.
Um determinado plano ou programa de ensino exige a qualificação do professor nas matérias a tipos de
experiências de aprendizagem nele propostos, sob pena de haver discrepâncias entre o professor «real» (o disponível) e
o «ideal» (o requerido pelo currículo). Se, por exemplo, a formação científica dos docentes se reporta a uma disciplina
especializada e o programa de ensino é concebido como multidisciplinar ou faz apelo a conhecimentos e metodologias
provenientes de várias disciplinas, pode afirmar-se que não existe adequação entre a natureza do plano de ensino e o
tipo de formação de que os professores dispõem. A situação inversa desta - regime de docência por disciplina e
existência de professores formados para a leccionação de áreas multi ou interdisciplinares - também não é adequada.
Numa outra situação semelhante, se um currículo se estrutura, de forma integrada, por áreas de aptidões ou
actividades (caso do 1º ciclo do ensino básico), o tipo de professor que postula é o de um «generalista» ou polivalente,
capaz de funcionar num regime de docência por «classe» e de assegurar a generalidade das áreas programáticas
previstas.
Outro aspecto da variável «regime de docência» diz respeito à possibilidade de o plano de estudos ser posto em
prática numa modalidade de ensino simultâneo por mais de um professor (team teaching) ou segundo formas mais
mitigadas de cooperação entre vários docentes, contrariamente ao modo tradicional de ensino - um professor por classe
ou turma. A natureza e organização de um currículo, que assente nessa hipótese, serão, naturalmente, diferentes de um
outro que, à partida, a exclua.
Teoria e Desenvolvimento Curricular Definição e Natureza do Currículo 13

Nesta linha de pensamento, refira-se o contraste entre um sistema de organização e funcionamento de


professores - baseado na indiferenciação da sua função docente - e um outro assente na diferenciação dessa função, isto
é, que postula diferentes especializações, por força da decomposição dos vários papéis que o exercício docente exige
tais como, por exemplo, o diagnóstico de necessidades, a tecnologia e recursos educativos, a recuperação ou
compensação educativas. Este sistema diferenciado exige que, no processo de ensino de uma escola, intervenham
diferentes professores consoante a sua especialização ou missão específica, podendo, no entanto, haver rotação de
papéis e funções entre os docentes, de modo a evitar a estratificação de níveis de carreira docente, pois cada um, por
sua vez, desempenha diferentes missões ou intervém no exercício docente de forma especializada.
É óbvio que, numa hipótese como esta - a diferenciação de papéis docentes e o seu desempenho por cada
professor em momentos diferentes - se têm de introduzir alterações significativas na elaboração dos planos e programas
de ensino e, sobretudo, ao nível da sua implementação no terreno.
0 modo de progressão do aluno no sistema escolar representa outro factor de enquadramento curricular a
merecer referência. Em princípio, três hipóteses de organização e progressão vertical no sistema são possíveis:
a) progressão por anos de escolaridade considerados como um todo indivisível;
b) progressão por unidades (disciplinas) independentes dentro do programa de cada ano escolar;
c) progressão contínua ao longo de segmentos maiores ou menores de currículo.
No primeiro caso, o sistema escolar organiza-se como sequência de anos de escolaridade estanques e o aluno
progride segundo esses degraus independentes, não podendo aceder ao degrau seguinte sem completar aquele em que
se encontra - ou «passa de ano» ou «não passa».
Na segunda modalidade, transita por unidades, habitualmente disciplinas, embora enquadradas em anos
escolares específicos. Assim, pode um aluno transitar do 5º para o 6º ano em História e Matemática mas permanecer no
5º de Inglês e de Ciências da Natureza, por exemplo.
No último caso, o aluno progride continuamente no sistema ou num nível de ensino (ou apenas numa fase ou
ciclo, numa modalidade mais limitada), sem estar sujeito a uma hierarquia de degraus estanques; a promoção do aluno
dentro do sistema ou ciclo de estudos é comandada pelos níveis de consecução de objectivos terminais (para o sistema
ou ciclo ou fase) permitindo, assim, progressos diferenciados e adaptados ao aluno – cada aluno começa os estudos, em
cada ano escolar, no ponto em que os deixou ano anterior.
Qualquer das hipóteses consideradas obedece a uma orientação pedagógica própria e, como tal, impõe limites
ao processo de desenvolvimento de planos de estudos e programas de ensino, designadamente no tocante à sua
estrutura, sistema de avaliação, organização e sequência do processo de ensino-aprendizagem.
Estes tipos de organização vertical explicam, de algum modo a situação que se viveu e vive no 1º ciclo do
ensino básico: o regime de transição por classes (anos) ou por duas fases distintas e o de progresso contínuo ao longo
de todo o ciclo, o qual se preconiza como tendência futura.
São sobejamente conhecidas as dificuldades, os avanços e retrocessos na adopção integral do sistema de fases
de aprendizagem; eles ilustram, por um lado, a falta de preparação ou desadaptação dos professores para interpretar e
conduzir o ensino-aprendizagem em novos moldes e, por outro lado, o deficiente delineamento dos planos e programas
de ensino, nomeadamente quanto à estrutura e sequência de objectivos/conteúdos e, ainda, às modalidades de avaliação
do progresso do aluno ao longo de cada ano, na fase ou no ciclo.
No 2º e 3º ciclos do ensino básico, o modo de progressão de ano para ano e de ciclo para ciclo define-se nos
termos da primeira hipótese acima referida - progresso por degraus estanques. Este regime não só não permite, dentro
de cada ciclo, alguma permeabilidade dos degraus que o com põem como se agrava, ao estabelecer que, no conjunto
das matérias que o programa integra, a transição é por ano, independentemente do aluno ter conseguido a aprovação em
algumas disciplinas, que terá de repetir no caso de o número de disciplinas aprovadas não ser considerado suficiente
para a transição ao ano seguinte. Esta modalidade não só pune o aluno como o desencoraja, não tornando atraente o
processo de ensino-aprendizagem; este sistema tem-se mantido por razões de conveniência organizativa e
administrativa, para não complicar a vida das escolas já de si bastante perturbada. Seria, no entanto, preferível e talvez
possível, adoptar um regime de transição por área ou matéria de ensino (não por ano), pelo menos dentro do mesmo
ciclo ou nível de estudos.

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