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Pretende-se, neste capítulo, encontrar resposta para as seguintes perguntas: Como se pode definir «currículo»?
0 que inclui? 0 que os distingue de outros conceitos e sistemas com ele relacionados?
Tentar-se-á uma resposta a estas questões, seguindo uma metodologia de aproximações e contrastes
sucessivos, não escondendo indefinições e pontos controversos, designadamente quanto ao problema da definição de
currículo.
Após uma digressão por diferentes acepções sobre currículo, esclarece-se a perspectiva presente neste
trabalho, relaciona-se o currículo com vários sistemas conexos, concluindo com a descrição das componentes
curriculares fundamentais.
0 termo «currículo» não possui um sentido unívoco; existe, antes uma diversidade de definições e de
conceitos em função das perspectivas que se adoptam (Schiro, 1979), o que vem a traduzir-se, por vezes, em alguma
imprecisão acerca da natureza e âmbito do currículo.
Importa, pois, proceder à análise de algumas acepções correntes e de concepções típicas, seleccionadas da
literatura especializada sobre o currículo, no sentido de identificar aspectos comuns na variedade de conceitos que têm
sido apresentados e, assim, ir precisando o entendimento acerca dos elementos caracterizadores do currículo e
delimitando as suas fronteiras.
Antes, porém, de passar à análise aprofundada de algumas definições recolhidas de entre a literatura
especializada sobre o assunto e que correspondem a «conceitos-tipo», valerá a pena registar, desde já, um comentário
sobre o significado desta concepção do currículo como conjunto de matérias de ensino sem prejuízo de, mais adiante,
se retomar o tema.
Esta concepção tem subjacente a ideia de que o currículo se caracteriza como um modo de transmitir de
geração em geração o conjunto acumulado do saber humano, sistematicamente organizado e tradicionalmente
consagrado em matérias ou disciplinas fundamentais. Por isso, defendem alguns que «o currículo deve constituir-se
inteiramente com o conhecimento que provém das disciplinas» (Phenix, 1962:57) e representa uma forma de iniciação
nos diferentes ramos do universo do saber e da cultura.
Numa outra interpretação deste conceito de currículo, acentua-se também - e talvez de modo mais pertinente -
que ele representa um conjunto de diferentes modos de pensar e investigar a realidade e experiência humana,
privilegiando-se, assim, o desenvolvimento de capacidades e processos intelectuais - significativamente representados
nessas disciplinas do saber não importando tanto as conclusões a que se chegou como os modos de gerar e validar tais
resultados (Phenix, 1962; Hirst a Peters, 1970; Schwab, 1975).
Passando, agora, à análise de concepções típicas, seleccionam-se quatro exemplos representativos de
definições de currículo e salientam-se elementos comuns e diferenciadores, especificando, ao mesmo tempo, a
perspective própria de cada uma dessas categorias ou de subcategorias que é possível descrever dentro destas.
de intenções ou propósitos explícitos quer decorram da própria organização e ingredientes da vida escolar na sua
multiplicidade.
A 3ª e 4ª definições acima apresentadas espelham um conceito de currículo que se contrapõe ao tipificado nos
primeiros exemplos. De facto, o currículo define-se, aqui, como o que se planeia ensinar, o que se pretende que os
alunos aprendam em vez de se descrever como experiência ou aprendizagem que realmente se proporciona (ou
acontece), sem cuidar da sua eventual relação com o que se previa antes da experiência havida.
Nos dois últimos exemplos, está-se perante uma noção de currículo entendido como plano e organização do
ensino-aprendizagem. No entanto, para lá desta característica comum, os dois tipos de definição apresentam
diferenças significativas. Assim, na 3ª definição, esse plano organizado de ensino-aprendizagem inclui
objectivos/conteúdos (o que se planeia ensinar) bem como métodos e meios de ensino (o como se planeia ensinar,
avultando aí a ordem ou sequência em que se vai ensinar). Na 4ª definição, porém, o currículo caracteriza-se como
plano de ensino-aprendizagem em termos de objectivos de ensino ou resultados de aprendizagem a alcançar,
excluindo (ou, pelo menos, subalternizando os processos e meios para conseguir tais resultados. Neste aspecto,
Johnson (1977:6) é incisivo quando refere que o currículo prescreve ou, no mínimo, prevê os resultados de
aprendizagem a atingir mas não deve prescrever os meios ou métodos através dos quais se possam vir a alcançar. O
mesmo autor clarifica a sua posição ao afirmar que do ponto de vista do plano curricular, não interessa o que os
alunos fazem na situação de ensino» mas o que «são capazes de fazer» como consequência do que realmente fazem
no processo efectivo de ensino.
Para além deste ponto nuclear, explicitado na 4ª definição, assinale-se a pertinência da expressão «série
estruturada de objectivos» aí contida. Na realidade, o currículo - enquanto plano de ensino-aprendizagem - surge
como um conjunto de objectivos organizados segundo uma estrutura e desenvolvidos de acordo com uma
sequência. Como teremos ocasião de salientar, a estruturação e o foco organizador do currículo (ou programa)
representam elementos cruciais para o seu entendimento adequado. Análoga ideia se revela, também, na 3ª definição,
ao descrever o currículo como «modelo de organização» que estrutura o programa de ensino-aprendizagem,
designadamente no «que, como e quando se ensina».
Em síntese, o quadro apresenta algumas componentes que se inc1uem, com maior ou menor frequência, no
conceito de currículo, sem que, no entanto, se adopte aí uma determinada sistematização de tais elementos.
Da digressão por algumas concepções típicas de currículo podem salientar-se duas dimensões prevalecentes
no entendimento sobre a sua natureza e âmbito:
a) o currículo como algo que se visa, como intenção ou objectivo;
b)o currículo como algo que se experiencia, como interacção e processo em curso.
Na primeira perspectiva, o currículo define-se como «plano», anterior à situação de ensino-aprendizagem e
assumindo sobre esta um carácter de exigência prescritiva; na segunda perspectiva, o currículo descreve-se como
interacção e experiência actual de aprendizagem, coincidindo com a situação efectiva de ensino, não parecendo haver
lugar à distinção entre plano anterior e o que se executa ou pode descrever.
Q problema em jogo, aqui, diz respeito à relação entre currículo - enquanto plano normativo - e processo de
ensino/aprendizagem na sua modalidade de expressão descritiva daquele; tal relação é decisiva para um entendimento
adequado da natureza e âmbito do currículo, como se verá mais à frente. Por agora, conclua-se com uma
caracterização de currículo, resultante da análise empreendida.
Teoria e Desenvolvimento Curricular Definição e Natureza do Currículo 4
As definições atrás discutidas salientam três conceitos de currículo como conjunto de:
a) objectivos ou resultados de aprendizagem a alcançar;
b) matérias ou conteúdos a ensinar;
c) experiências ou processos de aprendizagem.
Se se acentuar a dimensão de «plano», presente, sem dúvida, na noção de currículo, os três conceitos podem
integrar-se numa única concepção de currículo: plano estruturado de ensino-aprendizagem, englobando a
proposta de objectivos, conteúdos e processos.
Com efeito, planeiam-se e organizam-se actividades, experiências e situações de aprendizagem bem como
áreas de informação ou conhecimentos - social e educativamente valiosos - visando atingir fins educacionais e
objectivos de ensino que previamente foram determinados.
Tanner a Tanner (1975:45) reflectem idêntica preocupação ao conciliarem diferentes perspectivas sobre o
currículo na seguinte definição: Conjunto de experiências de aprendizagem planeadas bem como de resultados de
aprendizagem previamente definidos, formulando-se umas e outras mediante a reconstrução sistemática da
experiência e conhecimento humanos, sob os auspícios da escola e em ordem ao desenvolvimento permanente do
educando nas suas competências pessoais e sociais.»
Esta definição não só acentua a natureza do currículo como plano de aprendizagem a decorrer sob orientação
da escola, especificando objectivos, matérias e experiências como salienta igualmente que a formulação de tal plano -
nas suas componentes fundamentais - se realiza segundo um processo dinâmico de reconstrução da cultura humana
(não mera transmissão de um saber acumulado) e visando, em última instância, satisfazer necessidades de
desenvolvimento pessoal e social dos destinatários do currículo.
Acrescente-se, por fim, que o currículo enquanto plano ou programa estruturado se concretiza, geralmente,
num documento (ex. plano d de estudos ou programa escolar) ou «material» curricular, sendo pertinente o conceito de
currículo enquanto «objecto ou material de estudo» o que, neste aspecto leva a que os manuais escolares do professor
ou do aluno e os livros de um texto, por exemplo, possam ser considerados como uma tradução concreta de um plano
ou programa de ensino-aprendizagem.
professores e o que nele não figura. Esta é, porém, uma caracterização extrínseca; mais pertinente se afigura que tal
contraste exprima a diferença entre o que é formalmente planeado e organizado para promover aprendizagens
explicitamente definidas e aquelas actividades estruturadas - por exemplo, clubes escolares e desportos - (ou mesmo
não-estruturadas) que não se orientam por intenções explícitas de aprendizagem planificada e sistemática
As intenções de aprendizagem de tais actividades são, sobretudo, implícitas ou difusas, excepto as que se
afirmam como «complemento curricular» em que a intencionalidade formativa é clara, embora a sua organização
obedeça a critérios diferentes das actividades propriamente curriculares.
De qualquer modo, a distinção entre dimensões curriculares e não-curriculares - justificada, muitas vezes, pela
diferente concepção, organização e intenção que lhes preside - não deve prejudicar a unidade desejável do programa
educativo em que ambas se devem inserir. Acentuar em demasia a contraposição entre actividades curriculares e de
complemento educativo pode criar um sentido errado acerca do papel relevante de umas e outras na formação dos
alunos, no contexto de um mesmo projecto formativo. A síntese parece ser, aqui, mais importante que a antítese, pese
embora a diferença existente quanto à sua finalidade, estruturação e carácter de participação voluntária.
Um conceito amplo de currículo - que inclua matérias de estudo, actividades de complemento curricular, outras
experiências informais e até formas de organização do ensino e vida escolares mas que reconheça a distinção entre
todos estes aspectos - poderá preservar a unidade da acção educativa na escola e conduzir a um plano integrado de
actuação pedagógica
0 conceito de currículo oculto bem como as suas implicações merecem uma análise um pouco mais
pormenorizada.
Tal como acontece com o currículo formal («manifesto»), também o currículo «latente» pode ser descrito sob
dois pontos de vista. Do primeiro, definir-se-ia como o conjunto de práticas educativas e processos pedagógicos que
veiculam aprendizagens diferentes das explicitamente consignadas pelos objectivos do currículo formal e cujos efeitos
últimos, ainda em grande parte desconhecidos, apenas se indiciam. Do segundo ponto de vista, o currículo escondido
referir-se-ia aos efeitos educativos «não académicos» que a escola parece promover mas que não são explicitamente
visados pelo currículo formal; tais consequências têm que ver, dum modo geral, com a aquisição de valores,
socialização, manutenção da estrutura de classes sociais e fomento de atitudes de conformismo.
Em qualquer das perspectivas, o conceito de «currículo escondido» acentua resultados e processos do ensino
escolar que, não sendo explícitos nos planos curriculares e programas de ensino, constituem, no entanto, parte
integrante e efectiva da experiência do aluno na escola. Tal conceito cobre todo o conjunto de aprendizagens
«colaterais» (Dewey 1969; Tanner a Tanner, 1975) que, não sendo directamente visadas pelo currículo formal - nos
objectivos, conteúdos e processos de ensino propostos - parecem decorrer da própria organização pedagógica do ensino
e dos ingredientes constitutivos da vida e instituição escolares. Dir-se-ia que o currículo «escondido» é um sub-
produto ou resíduo do currículo «manifesto» ou, por outras palavras, que essas aprendizagens não resultam da intenção
deliberada e explícita de as induzir mas ocorrem como resultado subjacente ao modo como se organiza e
institucionaliza o processo de ensino-aprendizagem na escola.
Estas aprendizagens - normalmente respeitantes a atitudes, sentimentos e valores - não são objecto de
transmissão directa pelo currículo formal e, por isso, se dizem cair no âmbito do currículo latente. Como se indiciou
acima, este currículo implícito tem que ver, entre outros aspectos, com a estrutura sócio-organizacional da escola e do
ensino, com o sistema e clima de relações sociais na escola e na classe, com a natureza da interacção social professor-
alunos», padrões de autoridade e exercício de liberdade em situações formais de ensino, mecanismos e práticas de
avaliação ou promoção escolar, com incentivos, sanções e motivações no seio da escola (Saylor 1981).
Numa perspectiva similar, a distinção entre currículo explícito e implícito pode ser esclarecida, também, pela
complementaridade das duas grandes funções da escola: «instrução» e «socialização».
Ao «instruir», a escola não deixa de promover a «socialização» do aluno numa cultura ou modo de pensar e
agir de âmbito mais vasto (á sociedade) ou mais restrito (a comunidade escolar e, até, o grupo-turma).
Dreeben (1968) considerou o que se aprende na escola como função da estrutura social da sala de aula e do
exercício da autoridade por parte do professor. Mehan (1979) e Doyle (1986), entre outros, confirmaram a importância
dos processos e regras de interacção social subjacentes ao ensino em classe, como sendo uma forma de currículo
diferente. Kohlberg (1970) relacionou o currículo oculto com o papel do professor na transmissão de normas morais.
Noutra linha, de cariz mais sociológico, valorizam-se, sobretudo, efeitos do sistema curricular sobre a
socialização política dos educandos,, a aprendizagem de valores e normas sociais e o reforço de distinções de classe
social. Jackson (1968), no seu relato vivo do quotidiano em escolas primárias, põe em relevo o processo de
socialização, adaptação à vida com muitos outros na escola, de regras de conduta que é preciso respeitar, sob a
«autoridade» importante do professor.
Teoria e Desenvolvimento Curricular Definição e Natureza do Currículo 6
«Aprender a viver numa classe significa, em primeiro lugar, aprender a viver e a ser tratado como elemento de
uma multidão da mesma idade. Em segundo lugar, significa aprender a viver num mundo em que há uma autoridade
impessoal, em que alguém relativamente estranho à criança comanda e dá ordens» (Kohlberg, 1970:105).
Jackson (1968) traça vários outros aspectos característicos da vida escolar que considera caberem no conceito
de «currículo escondido»: a rotina e uniformidade da vida na sala de aula, a obrigatoriedade da presença na escola, a
atitude de conformidade com as expectativas do professor e da instituição sobre o aluno «bem comportado», a
avaliação «pública» e constante do aluno pelo professor e colegas.
Bloom (1976) também salienta que o processo de ensino escolar está de tal modo organizado que favorece esse
julgamento permanente e público, contribuindo para a auto-apreciação do aluno baseada na comparação com padrões
interiorizados por este, no contacto com os juízos de professores e colegas. A análise deste autor acentua práticas de
promoção, mecanismos de aprovação e desaprovação (dependentes do êxito na tarefa escolar), de competitividade pelas
notas, cuja importância é inegável em termos de sucesso escolar.
Tais práticas de promoção podem gerar estratégias de «sobrevivência escolar», de cariz negativo, para ganhar a
aprovação de professores e colegas e para «passar no exame», desvalorizando, por vezes, o «aprender para saber».
Estes e outros exemplos de «manifestações» do currículo «escondido» confirmam a ideia de Jenkins
(1985:1260), considerando aquele como «a amálgama de aprendizagens adaptativas que cada aluno tem de adquirir
para sobreviver culturalmente num meio hostil».
Quanto a características e implicações do conceito de currículo oculto, salienta-se a importância crescente deste
currículo no que concerne a efeitos educativos futuros, à necessidade de evitar contradições entre o currículo manifesto
e o latente e à relevância destes resultados de aprendizagem não directamente visados pelos planos e programas formais
de ensino.
Deve notar-se que o processo de assimilação das aprendizagens decorrentes do currículo latente é mais lento
mas, ao mesmo tempo, mais duradouro na influência que tem sobre a formação dos educandos. «Conquanto o aluno
possa aprender este currículo mais lentamente do que o outro, é possível que não seja capaz de esquecer tão facilmente
o que aprendeu como esquece as regras gramaticais e os pormenores históricos» (Bloom, 1976:146).
Como já foi referido, pode haver oposição entre intenções explícitas de aprendizagem e a aprendizagem
implícita. Assim, por exemplo, o currículo manifesto pode pretender estimular a criatividade, valorizar a capacidade
autónoma de exame crítico dos alunos; todavia, a forma de organização do ensino e o clima social em que decorre
propiciam comportamentos e atitudes de conformismo com o estabelecido. Os objectivos de participação activa e de
vivência democrática no processo de ensino podem entrar em contradição com as práticas pedagógicas efectivas quer
no modo como se organizam como no clima social que envolvem.
Uma implicação fundamental do que fica dito, e há que a destacar, é a de que a reforma do currículo formal
talvez não se possa operar sem uma intervenção decisiva no que Bernstein (1974) chamou a «ordem expressiva» da
escola (por contraste com «ordem instrumental») e que se traduz em normas de conduta, modos de pensar e agir ou em
valores éticos incorporados na própria vida e organização da escola.
Valerá a pena avançar na investigação deste «currículo não estudado», analisando as manifestações profundas,
as forças e os mecanismos subjacentes à organização do ensino formal nas escolas e que moldam as aprendizagens
«não académicas», tentando descrever essa «cultura expressiva» e explicitar o processo de adaptação do aluno ao
sistema social da escola.
De facto, o conceito de «currículo escondido» não deixa de revelar alguma imprecisão ao mesmo tempo que
parece indispensável, face à escassez de explicações mais seguras, para a compreensão do que ainda não é conhecido
acerca do processo de formação escolarizada (Wallance, 1977; 1985).
A própria designação «currículo escondido reconhece os limites da compreensão», bem como a sua
«imprecisão explica, em parte, a atracção por ele, pois estimula novas linhas de investigação e o refinamento de novas
metodologias» (Wallance, 1985:2177).
A unidade ou continuidade do currículo e do ensino, quando vista da perspectiva das investigações centradas na
implementação curricular, reflecte a discrepância possível entre currículo planeado (formal) e currículo praticado (real)
ou a distância entre a dimensão «normativa» e a «descritiva», que necessariamente o currículo apresenta. Acentua,
igualmente, o significado de que qualquer plano curricular se torna mais claro no modo como é posto em prática,
revelando-se importantes as diferentes «descrições» práticas do currículo proposto.
A análise da fase de implementação curricular no processo de desenvolvimento de um currículo coloca este
tema no seu contexto próprio.
De acordo com Taba (1962), a concepção e elaboração de um plano de ensino-aprendizagem para uma matéria
ou unidade didáctica constitui, sem dúvida, um tipo de tarefa maior de planeamento curricular e pode representar uma
oportunidade de tratar muitos problemas da elaboração de currículos de uma forma realista e «manejável».
Em consequência, o desenvolvimento experimental de unidades ou sequências de ensino pode ser um excelente
ponto de partida pare resolver os problemas de estruturação curricular e ensaiar novas modalidades de organização
curricular, consagrando um caminho indutivo-experimental que concebe e testa hipóteses de estrutura global de um
currículo. O caminho inverso, de pendor dedutivo-teórico - partindo da concepção do modelo global de organização
curricular para desenvolver, em seguida, segmentos curriculares e unidades de ensino - é a outra hipótese alternativa e,
sem dúvida, a mais frequente no planeamento curricular.
A morosidade, o rigor científico e o sentimento de insegurança no processo de planificação do currículo -
característicos da primeira via de desenvolvimento - contrastam com a celeridade e a aparente segurança da segunda via
de construção curricular.
A distinção e a unidade das duas perspectivas do planeamento curricular reforçam a ideia da continuidade que
importa manter entre o currículo e o ensino em situação, sem prejuízo das diferenças existentes entre um sistema e
outro.
Em teoria, são vários os modos de proporcionar alguma diferenciação curricular no ensino não superior;
mencionam-se, aqui, três maneiras típicas de o realizar:
a) existência de um núcleo reduzido de matérias ou programas fundamentais comuns, associado a uma gama
larga de matérias optativas;
b) existência de um núcleo comum de matérias bastante amplo, associado a uma percentagem diminuta de
opções programáticas;
c) existência de vias de formação ou programas alternativos em que, portanto, a especialização não só é
promovida como requerida, com ou sem possibilidade de transferência entre vias e programas.
A tendência actual vai no sentido de a especialização ser limitada, não prejudicando uma formação geral
comum e sendo aquela adiada para fases tardias do sistema educativo.
Outro vector de análise - o índice de funcionalidade da formação proposta - permite-nos situar os sistemas
curriculares relativamente ao grau de equilíbrio ou desequilíbrio entre a preparação cultural-científica e a vocacional ou
técnico-profissional, falando de currículos mais académico-científicos e currículos mais técnico-profissionais.
A questão aqui subjacente é a de considerar a predominância de um saber mais «académico» ou mais «
funcional», em termos de prosseguimento de estudos ou de inserção na vida activa.
A funcionalidade da formação vocacional ou técnica é mais visível e imediata, face ao ingresso na vida
profissional; tal não acontece com os currículos académico-científicos que não são norteados por uma funcionalidade
imediata da formação que propõem.
Esta análise de possíveis tipos maiores de currículos pretendeu tão-somente mostrar como o sistema educativo,
nas suas finalidades e estrutura geral, representa um quadro de referência necessário ao desenvolvimento curricular.
Considere-se, agora, a organização temporal do ensino: os currículos e programas de ensino são delineados,
tendo em conta o tempo global requerido para a sua execução bem como a duração das unidades temporais em que
aquele se pode decompor, para efeitos de estruturação e sequência do processo de ensino-aprendizagem.
Calendário escolar - anual, semestral ou trimestral - tempos lectivos semanais, períodos lectivos diários e
duração de aulas representam exemplos significativos da variável «tempo» enquanto factor de enquadramento do
desenvolvimento curricular, nas suas fases quer de planeamento quer de implementação.
A organização do horário lectivo afigura-se particularmente importante no que diz respeito à sua rigidez,
flexibilidade ou variabilidade total; por outras palavras, ou os tempos de ensino são previamente fixados e distribuídos
por diferentes áreas programáticas, não admitindo alterações, ou podem ser estabelecidos dentro de margens de
flexibilidade, consoante as decisões e situações concretas das escolas ou, eventualmente, a distribuição dos tempos
lectivos é totalmente aberta, variando em função das circunstâncias e da gestão do professor.
0 tempo total disponível para o plano ou programa de ensino (na sua globalidade ou por áreas disciplinares)
condiciona a sua extensão, latitude e profundidade. 0 fraccionamento desse todo em unidades temporais - ano,
semestre, trimestre, semanas e horas - condiciona a sua organização de modo mais rígido ou mais flexível e livre.
0 delineamento e a execução de um plano curricular não deixam de ser fortemente determinados pela
organização, distribuição e sequência dos tempos de ensino disponíveis.
De notar que o cruzamento das variáveis «espaço-tempo» disponíveis para o ensino determina a constituição
dos agrupamentos de alunos ou para fins de aprendizagem; dependendo das possibilidades organizativas que em
conjunto, espaço e tempo permitem, assim variam a natureza e dimensão dos grupos de ensino. A composição de
grupos de diferente natureza e dimensão visando diversos tipos de actividades didácticas representa um factor
«limitativo» dos planos e programas de ensino. Será, por exemplo, possível a constituição de grupos de ensino de
grande (100-120 alunos), média (25-40 alunos), ou pequena dimensão (8-15 alunos)? A diversa natureza e finalidade
educativa das actividades de ensino para aqueles grupos condicionarão, certamente, a elaboração e implementação dos
programas de ensino, por exemplo, em termos de equilíbrio ou predomínio de aquisição de informações (grupos
maiores), desenvolvimento e prática de aptidões médios e pequenos) e de clarificação de valores e atitudes (grupos
pequenos).
Relacionado com o agrupamento de alunos está a possibilidade de dispor de espaço e tempo para um ensino
individualizado, o que condiciona, designadamente, a oferta de diversificação curricular e programática para diferentes
alunos, quando as circunstâncias o exigem ou aconselham. Aqui se inserem, por exemplo, trabalhos laboratoriais,
sessões tutoriais, projectos e estudos individuais.
Um outro aspecto crucial, no que a grupos de ensino diz respeito, pode ser mencionado: a constituição fixa ou
variável de tais grupos, ao longo de um plano ou programa de ensino (ciclo, ano, semestre). A esta questão se associa
uma outra com implicações psicopedagógicas e sociais importantes - a homogeneidade ou heterogeneidade dos grupos
de ensino, quanto a capacidades e rendimento escolar.
0 pessoal docente disponível constitui outro grande factor de enquadramento do currículo. Com efeito, a sua
construção e implementação (ou requerem) a intervenção de professores qualificados e um determinado modo de
organização e funcionamento pedagógico-didácticos. A formação com que o professor se apresenta e o regime de
docência previsto ou possível definem os dois aspectos mais críticos deste factor condicionante do desenvolvimento
curricular.
Um determinado plano ou programa de ensino exige a qualificação do professor nas matérias a tipos de
experiências de aprendizagem nele propostos, sob pena de haver discrepâncias entre o professor «real» (o disponível) e
o «ideal» (o requerido pelo currículo). Se, por exemplo, a formação científica dos docentes se reporta a uma disciplina
especializada e o programa de ensino é concebido como multidisciplinar ou faz apelo a conhecimentos e metodologias
provenientes de várias disciplinas, pode afirmar-se que não existe adequação entre a natureza do plano de ensino e o
tipo de formação de que os professores dispõem. A situação inversa desta - regime de docência por disciplina e
existência de professores formados para a leccionação de áreas multi ou interdisciplinares - também não é adequada.
Numa outra situação semelhante, se um currículo se estrutura, de forma integrada, por áreas de aptidões ou
actividades (caso do 1º ciclo do ensino básico), o tipo de professor que postula é o de um «generalista» ou polivalente,
capaz de funcionar num regime de docência por «classe» e de assegurar a generalidade das áreas programáticas
previstas.
Outro aspecto da variável «regime de docência» diz respeito à possibilidade de o plano de estudos ser posto em
prática numa modalidade de ensino simultâneo por mais de um professor (team teaching) ou segundo formas mais
mitigadas de cooperação entre vários docentes, contrariamente ao modo tradicional de ensino - um professor por classe
ou turma. A natureza e organização de um currículo, que assente nessa hipótese, serão, naturalmente, diferentes de um
outro que, à partida, a exclua.
Teoria e Desenvolvimento Curricular Definição e Natureza do Currículo 13