Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Tania Macedo
Professora da Universidade de São Paulo (USP) e da UNESP-Campus de Assis
1
Todas as citações no corpo do texto referir-se-ão à edição do INALD de 1985.
a que se criem passagens não apenas de porvir, como também elaborem liames entre o
passado e o futuro, entre o individual e o coletivo.
Essa construção, todavia, não parte de uma visão onírica, mas sim de uma
consciência acordada, que apresenta os frutos de seu trabalho.
É assim que, sob o signo da precisão e da racionalidade, Antonio Jacinto – o
arquiteto de poemas – erige um discurso de recusa ao cárcere e à alienação, ao mesmo
tempo em que constrói nas malhas do poético a positividade de um cântico de amor e de
liberdade, como se pode ver no poema “Nas tarefas da construção do mundo”:
Desperto!
E tu Poesia, invades,
(pelas
ondas de sono refrego)
as idéias desarrumadas
- enroladas trovas –
Tu Poesia, ou talvez Nada.
Da cama,
são as estrelas perto! (p. 54)
Outras vozes
Alguém lhe acena e lhe estende amorosamente a mão. É a Poesia, a sua Amiga de
sempre. E o Homem, ergue-se, firme e resoluto. Lá longe, os seus poemas “Carta de
um contratato”, “Monangamba”, outros, estão nas fábricas, no musseque, no
coração do Povo. Os seus companheiros esperam-no! Resistir! Viver para regressar!
África presente (...) (p. 10)
Irmã
não se frustrou a vida
de breve interrompida
(...)
Voltarás
(exige em espera nossa saudade)
E surgirás
das fímbrias da memória
- alma aberta de contentamento –
se, como tu, nos vires
espargir pelo Mundo
tuas flores
de amor fraterno e puro. (p. 55)
Mas outras vozes poéticas também comparecem trilhando as veredas da poesia no
Tarrafal: Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, Manuel Bandeira, Ovídio Martins , citados
literalmente nos poemas, ou ainda a partir das sugestões de versos de outros companheiros
de fazer artístico, como Camões em “Apontamento para poema” (amor é fog´alma/põe
brilho/diamante nos teus/olhos/instante de febre-tacula/na tua/face trigueira), cujo famoso
soneto “Amor é fogo que arde sem se ver” é angolanizado por Jacinto.
Vale ressaltar, todavia, que a metalinguagem ou a citação de outros poetas não
atende a um mero exercício estético. Pelo contrário, encontramos a cada passo a expressão
de uma profunda crença no humano, de forma a que a Poesia acaba por ser a parceira que
ilumina os recantos escuros da cela, propiciando o brilho da esperança. Assim, verifica-se
que a todo instante o lírico e o político se solidarizam na elaboração de uma produção
liberta e libertadora – única forma possível de ser da poesia em nosso tempo – a qual
organiza a personalidade poética expressa nos poemas de Sobreviver em Tarrafal de
Santiago e do qual o poema “Ó dragões de fauces sangrentas” é exemplar:
Detecta-se aí uma tensão mantida (e não resolvida, o que seria impossível ao poeta
cativo) entre a atividade cruel e repressiva de aniquilamento e da memória e da palavra, e
uma confiança fundada a partir da voz acusatória que se ergue (“força viril do meu verso”).
Assim, o esperar não significa passividade, mas sim a certeza no devir, na
Olho-me
Serenamente
morri.
A dúvida
- Eh! Drama cruento!... –
Aqui permanece e sente.
A criança inocente?
(os mitos e mistérios a tiveram criança)
O poeta semeador de estrelas de esperança?
(uma mensagem o firmava)
O feito sonho de fraternidade?
(de lado a lado as mãos dadas)
O todo confiança destemida?
(nupérrimas núpcias)
O que cria Paz?
(aquém e além desta realidade)
(...)
Morri?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHAVES, Rita. Costa Andrade: poesia e história com empenho e arte.
ELIOT, T. S. Ensaios de doutrina crítica. Lisboa: Guimarães Editores, 1962.
NETO, Agostinho. Sagrada esperança. São Paulo: Ática, 1985.