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10 © FENOmENo Urpano Cidades enquanto representagio do univergo pelo homem ¢ mediaglo na integracéo do homem nesse univetso,? ou as do autores que buscam outras “variaveis” para secvit' de fio con dutor no estudo da cidade. + Todos esses estudiosos, entretanto, aceitem ou no 0 ur bano como categoria explicativa basica, esto de acordo quanto @ sua enorme importincia, mormente ma época atual. Isso Porque, mesmo no caso desses iiltimos, a cidade sempre € Sonsiderada como © locus de convergéncia das grandes cor- Tentes ¢ interesses econdmicos, politicos ¢ ideolégicos. Ese anteriormente & Revolugio Industrial tal se dava’sobretudo somo instrumento do poder social por exceléncia que ainds fesidia no campo © que imprimia profundamente sua marca sobre @ propria cidade, com a Revolucio Industrial desloca-se efetivamente o centro real do poder, o que inverte a tendéncia basics, fazendo com que o “modo de vida urbano” —e mais ainda 0 “metropolitano” — tevado pela técnica moderna, pelos melos de comunicagio ¢ de transporte, va tendendo a per- meat cada vez mais todos os niveis da vida social nos mais Femotos rincées do globo. Assim, mesmo aqueles que no aceitam a primazia explicativa do urbano como tal concordam om a importincia da categoria inclusiva de sociedade urbana industrial, em que © “industrial” permite ao “urbano” atus- lizar todas as ‘suas virtualidades, em oposigo & sociedade agréria tradicional, em que ocorre’o inverso. Para o estudo da Cidade isso implica que se abandone a caracterizagio “abstrata" do urbano © que, descendo mais ao concreto e ao histérico, acsita-se, como ponto de partida, uma distingao basica entre cidades inseridas em sistemas. pré-industeiais ‘e industiais, © fem todas. as suas vatiantes organizacionais. * For fim, quercmos alertar_o leitor para o fato de que ©s artigos estdo apresentados em ordem cronol6gica, 0 io deixa, como todo ctitério, de ser até certo ponto arbi tério, Outra solugio possfvel,'e que pode ser adotada pelo Ieitor em termos de leitura, seria comegar pelos dois clissicas guropeus (Simmel ¢ Webcr), pasando depois pelos norte: americanos (Park e Wirth) ‘© terminando com Chombart de Lauvie, autor contemporineo. O leitor menos familiarizado Com as Ciéncias Sociais pode preferir, no entanto, seguir o caminho inverso. Orkvio GuitHerme VeLno ict, YSiggU*t0Gourhan, André, Le Gest et la Parole, Bd. Albin Michel, 1965, cap. XIII, “Les symboles de la. sociSlé” +, et Sjoberg, Gideon, The Preindustrial City; Past and Present ‘The Free Press, Glencoe, illinois, 1960, esp. "introduction, A METROPOLE E A VIDA MENTAL * Geors SimMeL Tradugio de Séxcio Marques bos Reis 8 problemas mais graves da vida moderna derivam da reivindicagéo que faz 0 individuo de preservar a autonomia ¢ individuatidade de sua existéncia cm face das esmagadoras forgas sociais, da heranga histrica, da cultura externa e da técnica de vida. A luta que o homem primitivo tem de travar com a matureza pela sua existéncia fisica alcanga sob esta forma moderna sua transformacao mais recente. O século XVIII conclamou o homem a que se libertasse de todas as dependéncias histéricas quanto ao Estado e a religido, & moral € A economia. A natureza do homem, originalmente boa € comum a todos, devia desenvolver-se sem pei com maior liberdade, o século XVIII exigiu a especializagio funcional do homem’e ‘seu trabalho; essa especializaczo torna ‘um individuo incotapardvel a outro e cada um deles indis- pensével ua medida mais alta possivel. Entretanto, esta mesma especializago toma cada homem proporcionalmente mais de- pendente deforma direta das atividades suplementares de todos 5 outros. Nietzsche vé o pleno desenvolvimento do individuo condicionado pela mais impiedosa luta de individuos; 0 socia- lismo acredita na supressio de toda competigéo pela mesma azo. Seja como for, em todas estas posicoes, a mesma moti- vaca basica esté agindo: a pessoa resiste a ser nivelada ¢ uniformizada por um mecanismo sociotecnolégico. Uma inves- tigacdo que penetre no significado intimo da vida especifica- * “Traduzido de "The Metropolis and Mental Life”, The Sociology of Georg Simmel, tradurido e editado por Kurt H. Wollf —~ The Free Press, Glencoe, iMlinois, 1980. Copyrieh © by The Universiy of Chicago Press. Publicado pels primeira ver em) 1903, 2 © FeN6weNo Unwano mente moderna ¢ seus produtos, que penetre na alma do corpo cultural, por assim dizer, deve buscar resolver a equacio que estrituras como a metrdpole dispiem entre os contetidos indi- Vidual © superindividual da vida. Tal investigagio. deve res- ponder & pergunta de como a personalidade se acomoda nos ajustamentos &s forgas externas, Esta serd minha tarefa de hoje. A base psicol6; iduali- dade consiste ni que resulta da alteracéo brusca e ininterrupta entre estimulos’exte- lores ¢ interiores. © homem € uma criatura que procede diferenciacoes. Sua mente € estimulada pela diferenga entre « impressio de um dado momento e a que a precedeu, Impres ses duradouras, impressdes que diferem apenas. ligsiramente uma da outra, impresses que assumem um curso regular © habitual e exibem contrastes regulares e habituais — todas essas formas de impressio gastam, por assim dizer, menos consciéncia do que a répida convergéncia de imagens em mu- danca, 2 descontinuidade agude contida na apreensio com uma linica vista de olhos ¢ o inesperade de impressSes sGbitas Tais so as condigdes_psicoWgicas que a metrépole cria. Com cada atravessar de Tui, como o ritmo e a muliplicidade da vida econémica, ocupacional ¢ social, a cidade faz um con- taste profundo com a vida de cidade pequena ¢ a vida rural Ro que sc refere aos fundamentes sensoriais da vida psiquica. A metrépole extrai do homem, enquanto criatura que. procede 8 discriminacoes, uma quantidade de conscigncia diferente da que a vida rural extrai. Nesta, 0 ritmo da vida € do conjunto sensorial de imagens mentais fui mais lentamente, de modo mais habitual ¢ mais uniforme. E precisamente nesta conexio que © carter sofisticado da vida psiquica metropolitana se ozna compreensivel — enquanto oresicio A vida de pequena cidade, que descansa mais sobre relacionamentos profunda- mente. sentidos © emocionais, stes cltimos sé enrafzam nas camadas mais inconscientes do psiquismo e crescem sem grande dificuldade 20 ritmo constante da aquisicéo ininterrupta de habitos. O intelecto, entretanto, se situa nas camadas trans- Parentes, conscientes, mais altas’ do psiquismo; ¢ a mais adap- tavel de ‘nossas forsas interiores, Para acomodat-se i mudanca € 20 contraste de fendmenos, o intelecto nio exige qualquer choue ou transtorno interior; a0 passo que € somente através de twis transtornos que a mente mais conservadora se poderia scomodar ao ritmo metropolitano de acontecimentos. Assim, 0 tipo metropolitano de homem — que, maturalmente, existe em mil variantes individuais — desenvolve um érpio_que_o_pro- ‘A METROPOLE E A VIDA MENTAL 13 lege das correntes ¢ discrepincias ameacadoras de. sua ambi- entagao externa, as quais, do contrario, © desencaizariam, Ele reage com a eabesa, ao invés de com’ coragao. Nisto, uma conscientizacdo crescente vai assumindo a pretrogativa do. psi- quico. A vida metropolitana, assim, implica uma conscigncia elevada ¢ uma predominancia da inteligéncia no homem metro- politano. A reaco aos fenémenos metropolitanos € transferida Aguele Srgiio que é menos sensivel © bastante afastado da zona mais profunda da personalidade. A intelectualidade, assim, se destina a preservar a vida subjetiva contra poder avassalador da vida metropolitana. E a intelectualidade se ramifica em muitas diregSes © se integra com numerosos fendmenos Aiscretos. A metsépole sempre foi a sede da economia monetiria, Nela, multiplicidade e concentragio da troca econdmica dio uma importancia aos meios de troca que 1 fragilidade do co- mércio rural néo teria petmitido. A economia monetitia ¢ 0 dominio do intelecto esto intrinseeamente vinculados. Eles Partitham uma atitude que vé como prosaico o lidar com homens e coisas; e, nesta atitude, uma justiga formal freqiien- temente se combina com uma dureza desprovida de consi ragio. A pessoa intelectualmente sofisticada é indiferente a toda a individualidade genuina, porque dela resultam relacio- namentos ¢ reagdes que nfo podem ser exaurides com ope- rages légicas, Da mesma mancira, a individualidade dos fend- menos nio € comensurével com’ o principio pecuniirio. O dinheiro se refere unicamente ao que € comum a tudo: cle pergunta ‘pelo valor: de troca, reduz toda qualidade © indivi- dualidade & questao: quanto? Todas as relagdes emocionais, {intimas entre pessoas sfio fundadas em sua individvalidade, ao| ppasso que, nas relagdes racionais, trabalha-se com o homem como com umn nimero, como um elemento que é em si mesmo indiferente. Apenas a realizacio objetiva, mensurdvel, é de interesse, Assim, o homem mctropolitano negocia cou seus fomecedores e clientes, seus empregados doméstices © fre- llentemente até com pessoas com quem é obrigado a ter inter cimbio social. Estes aspectos da intelectualidade contrastam com a natureza do pequeno circulo, em que o inevitivel conhe- Cimento da individualidade produz, da mesma forma inevi tavelmente, um tom mais célido de comportamento, um com- portamento que vai além de um mero balaneeamento objetivo de servigos © rettibuigio. Na esfera da psicologia econémica do pequeno grupo, é importante que, sob condigaes primitivas, a producio sirva ao cliente que solicita a mercadorie, de modo que 0 produtor © © consumidor se conhegam. A metrépole 14 © FenéeNno URBANO moderna, entretanto, é provida quase que inteiramente pela produce para o mercado, isto é, para compradores inteira- mente desconhecidos, que nunca entram pessoalmente no* ‘campo de visio propriamemte dito do produtor. Através dessa anonimidade, os interesses de cada parte adquirem um caréter impiedosamente prosaico; € 0s egoismos econdmicos intelec- tuslmente caleulistas de ambas as partes ndo precisam temer ‘qualquer falha devida aos imponderaveis das relagdes pessozis. A economia do dinheiro domina 2 metrépole; cla desalojou a tltimas sobrevivéncias da producio doméstica e a toca direta de mercadorias; ela reduz diariamente a quantidade de trabalho solicitado pelos clientes. A atitude que poderfamos chamar prosaicista est obviamente tao intimamente inter-re~ Jacionada com a economia do dinheiro, que 6 dominante na ‘metrépole, que ninguém pode dizer se fot a mentalidade inte- lectualistica que primeiro promoveu 2 economia do dinheiro ou se esta iltima determinou a primeira. A maneira metropo- liana de vida € certamente o solo mais fértil para esta reci- procidade, ponto que documentarel pela mera citago do que {foi dito, por um dos mais eminentes historiadores constitucionais ingleses: 20 longo de todo o curso da histdria ingiesa, Londres nunca funciono como o coracao da Inglaterra, mas iregiien- temente como seu intelecto e sempre como sua bolsa de di- heiro! Em certos tragos aparentemente insignificantes, que se si- tam sobre a superficie da vida, as mesmas correntes psiquicas se unificam caracteristicamente. A mente moderna se torou mais ¢ mais calculista. A exatidéo calculista da vida pratica, que a economia do dinheiro criou, corresponde ao ideal da ciéacia natural: transformar © mundo num problema aritmé- tico, dispor todas as partes do mundo por meio de férmulas ‘mateméticas. Somente a economia do dinheiro chegou a encher (05 dias de tantas pessoas com pesar, calcular, com determi- nnagSes numéricas, com uma redugio de valores qualitativos a ‘quantitativos. Através da natureza calculativa do dinheiro, uma nova preciso, uma certeza na definicio de identidades e di- ferencas, uma auséncia da ambigiidade nos acordos © com- binagées surgiram nas relagdes de elementos vitais — tal como externamente esta precisdo foi efetuada pela difuséo universal dos relégios de bolso. Entretanto, as condigdes da vide metro- politana so simultancamente causa ¢ efeito dessa. caracteris tica, Os relacionamentos e afazeres do metropolitano tipico sao habitualmente tio variados © complexos que, sem 2 mais estrita pontualidade nos compromissos ¢ servigos, toda a estrutura se romperia ¢ cairia num caos inextrincdvel. Acima de tudo, A METROPOLE = 4 VIDA MENTAL 15 esta necessidade & criada pela agregaco de tantas pessoas com interesses to diferenciados, que “devem integrar suas relagbes ¢ atividades em um organismo altamente complexo. Se todos os relatérios de Berlim se pusesscm a funcionar em sentidos diferentes, ainda que apenas por uma hora, toda a vida eco- némica ¢ as comunicagoes da cidade ficariam transtomadas por longo tempo. Acresce a isto um fator que aparentemente niio é mais do que externo: as longes distancias. fariam com que toda a espera e 0s compromissos rompidos resultassem numa perda de tempo de consegiiéncias altamente nocivas. Assim, a técnica da vids metropolitana € inimagindvel sem a mais pontual integraglo de todas as atividades e relagies mituas em um calendirio estdvel e impessoal. Aqui, nova- mente, as conclusoes gerais de toda a presente tarefa’ de re- flexdo se tornam ébvias, a saber, que, de cada ponto da super ficie da existéncia — por mais inimamente vinculados que esicjam a superficie — pode-se deixar cair um fio de prumo para o interior das profundezas do psiquismo, de tal modo que todas as exterioridades mais banais da vida esto, em diltima anilise, ligadas as decisdes concernentes 20 significado e estilo de vida. Pontualidadc, caicuiabilidade, exatidio,-sio introdu- Zidas & forca na vida pela.complexidade ¢ extensio da exis téncia_metropolitana © nfo estio apenas muito intimamente ligadas 4 sua economia do dinheiro ¢ carater intelectualistico. Tais tragos também devem colorir o conteiido da vida ¢ favo- ecer a exclusfio daqucles tragos ¢ impulsos irracionais, instin~ tivos, soberanos que visam determinar 0 modo de vida de dentro, 20 invés de receber a forma de vida geral e precisa- mente esquematizada de fora. Muito embora tipos. soberanos de personalidade, caracterizados pelos impulsos irracionais, néo sejam absolutamente impossiveis na_grande cidade, eles’ sio, nao obstante, opostos & vida tipica da grande cidade. © 6dic apaixonado de homens como Ruskin e Nietzsche pela metré- pole € compreensivel nestes termos. Suas naturezas descobriram © valor da vida a s6s na existéncia fora de esquemas, que nio pode ser definida com precisio para todos igualmente, Da mesma fonte desse édio & metr6pole brotou o édio que tinkam & economia do dinheiro c ao intelectualismo da existéncia moderna, Os mesmos fatores que assim redundaram na exatidéo ¢ preciso minuciosa da forma de vida redundaram tembém em Juma estrutura da mais alta impessoalidade; por outro lado, promoveram uma subjetividade altamente pessoal. Nao ha tal- ‘vex fenémeno psiquico que tenha sido t2o incondicionalmente reservado & metropole quanto a atitude blasé, A atitude blasé i6 © FeNomeno URBANO resulta em primeiro lugar dos estimulos contrastantes que, em répidas mudaneas ¢ compressdo concentrada, sio imposios 20s netvos, Disto também parece originalmente jorrar a intensifi- cagio da intelectualidade metropolitana. Portanto, as pessoas estpidas, que nao tém cxisténcia intelectual, no séo exata- mente blasé. Uma vida em perseguigio desregrada ao prazer toma uma pessoa blasé porque agita os nervos até seu ponto de mais forte reatividade por um tempo tio longo que cles finalmente cessam completamente de reagis. Da mesma forma, através da rapidez ¢ contraditoriedade de suas mudancas, im- presses menos ofensivas forcam reagSes tio violentas, esti- Fando os nervos tao brutalmente em uma ¢ outra direca0, que suas iltimas reservas s40 gastas; €, se a pessoa permanece Ro mesmo meio, cles nao dispoem de tempo para recuperar a forca. Surge assim a incapacidade de reagir a novas sensa- es com a cnergia apropriada. Isto constitui aquela atitude blasé que, na verdade, toda crianga metropolitana demonstra quando comparada com criangas de meios mais trangiilos € Menos sujeitos a mudangas. Essa fonte fisiolégica da atitude blasé metropolitana é accescida de outra fonte que flui da economia do dinheiro. A esséncia ‘da. atitude blasé.consiste no embotamento do poder de discriminar. Isto nao significa que os objetos nfo sejam percebidos, como & 0 caso dos débeis mentais, mas antes que © significado e valores diferenciais das coisas, ¢ dai as coisas, sto experimentados como destituidos de substancia, Elas aparecem & pessoa blasé num tom uniformemente plano e fosco; objeto algum merece prefeiéncia sobre outro, Esse es- tado de nimo € 0 fiel reflexo subjetivo da economia do dinheiro completamente interiorizada. Sendo 0 equivalente a todas as ‘miiltiplas coisas de uma mesma forma, o dinheiro torna-se 0 mais assustador dos niveladores. Pois expressa todas as dife- Fengas qualitativas das coisas em termos de ‘“quanto?”. O di- abciro, com toda sua auséocia de cor ¢ indifereuga, tormase © denominador comum de todos os valores; arranca’irrepara~ velmente a esséncia das coisas, sua individualidade, seu valor especitico e sua incomparabilidade. Todas as coisas flutuam com igual gravidade especifica na corrente constanteménte em movimento do dinheiro. Todas as coisas jazem no mesmo nivel € diferem umas das outras apenas quanto ao tamanho da rca ue cobrem. No caso individual, esta coloragao, ou antes des- coloragao, das coisas através de sua equivaléncia em dinheiro pode ser diminuta ao ponto da imperceptibilidade. Entretanto, através das relagdes das riquezas com os objetos a screm obti dos em woca de dinheiro, talvez mesmo através do carter ‘A MErRGPoLe E A ViDA MENTAL 7 total que a mentalidade do piblico contemporfineo em toda parte imprime a tais objetos, a avaliago exclusivamente pe- Cuniiria de objetos se tornou bastante cbnsiderivel. As grandes Cidades, principais sedes do intercambio monetario, acentuam 2 capacidade que as coisas tm de poderem ser’ adquiridas muito mais notavelmente do que 2s localidades menores. E por isso que as grandes cidades também constituem a local zagao (genuina) da atitude blasé. Com a atitude blasé a con- centractio de homens ¢ coisas estimula o sistema nervoso do individuo até sev mais alto ponto de realizacio, de modo que ele atinge seu apice. Através da mera intensifiengo quantita- tiva dos mesmos fatores condicionantes, essa realizagio € trans- formada em seu conirario e aparece sob a adaptagio peculiar da_atitude blasé, Nesse fen6meno, 03 nervos encontram na recusa a rcagir a seus estimulos a ultima possibilidade de aco- modai-se a0 conteddo € & forma da vida metropolitana. A autopreservagio de certas pessonalidades 6 comprada a0 prego da desvalorizagio de todo 0 mundo objetivo, uma desvalori- vaso que, no final, arrasta inevitavelmente ‘a personalidade da propria pessoa para uma sensacio de igual inutilidade. Na medida em que o individuo-submetido 2 esta forma de existéncia tem de chegar a termos com eln inteiramente por si mesmo, sua autopreservado ém face da cidade grande exige dele um comportamento de natureza social nio menos negativo, Essa atituce mental dos metropolitanos um para com © outro, podemos chamar, a partir de um ponto de vista for- mal, de’ reserva. Se houvesse, em resposta 20s contintos con- tates externos com intimeras pessoas, tantas reagées interiores quanto as da cidade peguena, onde se conhece quase todo mundo que se encontra e onde se tem uma relagio positiva com quase todos, a pessoa ficaria completamente atomizada intemnamente © chegaria a_um estado psiquico inimagindvel. Em parte esse fato psicoléeico, em parte o direito 2 desconfiar que os homens tém em face dos elementos superficiais da vida_metropolitana, tornam necessiria nossa reserva. Como resultado dessa reserva, frealientemente nem sequer conece- imos de vista aqueles que foram nossos vizinhos durante anos. E € esta reserva que, aos olhos da gente da cidade pequena, ros faz parecer frios © desalmados. Na verdade, se ¢ que nfo estou enganado, o aspecto interior dessa resecva exterior € no apenas a indiferenca, mas, mais freqiientemente do aue nos damos conta, & uma leve aversio, uma estranheza e repulsio mituas, que redundarao em Gdio'e Tuia no momento de um contato mais proximo, ainda que este tenha sido provocado. Toda a organizacdo interior de uma vida comunicativa tio 18 © Fexémeno Ursano extensiva repousa sobre uma hiccarquia extremamente variada de simpatias, indifereatas © aversdes de naturcza tanto a mais breve quanto a mais permanente. A esfeca de indiferenca nesta hhierarquia néo ¢ tdo grande quanto poderia parecer superti- cialmente, Nossa atividade psiquica ainda reage a quase toda impressdo de outra pessoa com uma seusagao de alguma forma distinta. O carter inconsciente, fluido © mutivel desse impressdo parece resultar em um estado de ind:ferenga, Na verdade, tal indiferenca seria exatamente tao antinatural quanto a difusio de uma sugestéo mmitua indiscriminada seria’ insu- portivel. A antipatia nos protege de ambos esses perigos tip'cos da met6pole, a indiferenga © a sugestibilidade indiseriminada. ‘Uma antipatia Tatente € o estigio preparatorio do antagon'smo ritico efetuam as distancias e aversGes sem as quais esse modo de vida ndo poderia absolutamente ser mantido, A ex- tensio © composigio desse estilo de vida, o ritmo de. sua aparigo € desaparicao, as formas em que é salisfeito tudo isso, com os motives unificadores no sentido mais estrcito, formam todo inseparivel do estilo metropolitana de vida. © que apaiece no estilo metropolitano de vida dirctamente somo dissociagao na realidade € apenas uma de suas formas clementares de socializacio. Essa reserva, com seu tom exagerado de aversio oculta, aparece, por seu tumo, sob a forma ou a capa de um fenb- meno mais geral da meudpole: confere a0 individu uma qualidade ¢ quantidade de liberdade pessoal que no tem qual- quer analogia sob outras condigées. A metrépole volta a uma das maiores tendéncias de desenvolvimento da vida social como tal, a uma das poucas tendénc'as para as quais pode ser dese coberta uma f6rmula aproximadamenie universal, A primeira fase das formagoes sociais encontradas nas estruturas socials h’sidricas bem como contemporineas é a seguinte: um cireulo relativamente pequeno firmemente fechado contra cicculos vi Zinhos, estranbos ou sob qualquer forma antayonfsticos. Entre" tanto, ‘esse circulo é cerradamente- cocrente © s6 permite 2 Sous membros individuais um campo estreito para o desenvol- vimento de qualidades proprias ¢ movimentos livres, respon- saveis. Grupos politicos ¢ de parentesco, associacées partdi- rias e religiosas comesam dessa forma. A autopreservactio de associagbes muito jovens requer o estabelecimento de limites estrites ¢ uma unidade centrfpete. Portanto, no podem per- mitir @ Eberdade individual © desenvolvimento interior ¢ exte- rior proprios. Desse estéigio, o desenvolvimento social procede simultaneamente em duas diregdes diferentes, ainda que cor- respondentes, A medida que 0 grupo ctesce — numericamente, ‘A METROPOLE & 4 Vina MENTAL 19 espacialmente, em significado ¢ contesido de vida — na mesma medida, a unidade aireta, interna, do grupo se altousa e a Higidez da demarcagao original contra os outros é amaciada através das relagées e conexdes miitues. Ao mesmo tempo, 0 individuo gana liberdade de movimento, multo para além' da primeira delimitagao ciumenta. O individuo também adquire uma individualidade especifica para a qual a divisio de tra- balho no gripo aumentado dé tanto ocasido quamo necessi Gade. O Estado e 0 cristianismo, corporacaes e partidos poli ticos © intimezos outros grupos’ se desenvolveram de acordo com essa f6rmula, por mais que, naturalmente, as condigdes © forcas especiais dos respectivos grupos tenham modificade 0 esquema geral. Tal esquema me parece distintamente reco. ahecivel tumbém na evolucao da individualidade no intesior da vida wana. A vida de cidade pequena na Amtiguidade ¢ na Tdade Méd‘a erigiu bazteiras contra o movimento ¢ as TelagSes do individuo no sentido do exterior ¢ contra a independencia individual € a diferenciagio no interior do ser individual, Essas barreiras eram tais que, diante delas, o homem moderno no poderia respirar, Mesmo hoje em dia, um homem metropol- fano que & colocado em uma cidade pequena semte uma res tricdo semelhante, ao menos, em qualidade, Quanto menor ® cifculo que forma fosso meio © quanto mais restritas aquelas relucBes com 65 outros que dissolvem os limites do individual, tanto mais ansiosamente o cirewlo guarda as realizacdes, a conduta de vida © a perspectiva do individuo ¢ tanto mais Prontamente uma especializagdo quantitativa e qualitativa rom- eria a estrutura de todo © pequeno cicculo. A antiga polis, neste respeito, parece ter tido 0 proprio cardter de uma cidade pequena. A constante ameaca a sta exis- ‘éncia em maos de inimigos de perto © Jonge teve como re- sultado uma estrita coeréncia quanto aos aspectos politicos © militares, uma supervisio do cidadio pelo cidadao, um chime do todo’ contra o individual, cuja vida particular era supt mida a um tal grau que ele’ sé podia compensar isto aginds como um déspota em seu proprio dominio doméstico, A tre- menda agitaglo ¢ excitamento, 0 colorido nico da vida ate~ niense, podem ser talvez compreendides em termos do fato de que um povo de personalidades incomparaveimente indivi- uatizadas lutava contra a pressio constante, interna © exter na, de uma cidade pequena desindividualizante, Isto produziu Juma atmosfera tensa, em que os individuos mais fracos eram suprimidos © aqueles de naturezas mais fortes eram incitados 4 por-se & prova da mancira mais apsixonada. £ precisamente Por isso que floresceu em Atenas o que deve ser chamado, | i 20 © Fenomeno Unnano sem ser exatamente definide, de “o cacéter humano geral” no desenvolvimento intexectual‘de nossa espécic. Pois sustenta- mos a validade tanto faiual quanto historica da seguinte co- nexio: 0s conteddos © formas de vida mais extensivos © mais gerais esto intimamente ligados aos mais individuais. Eles tm um estégio preparatéci0 em comum, isto é, enconiram seu im'migo nas formagdes e agrupamentos estrcitos, a ma- rutengio dos quais coloca a ambos em um estado de’ defensi- Ya contra a expansio e a generalidade que jazem fora © a in-

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