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Nesse sentido, o afrofuturismo nos leva a conceber outras formas de temporalidade, em que o
futuro se apresenta como a dimensão fundamentalmente política do tempo. A partir da elaboração de
projetos de futuro, isto é, do desenvolvimento de perspectivas de acesso a espaços sociais alternativos,
aspectos de múltiplas epistemologias e temporalidades são articulados, em um processo de hibridação
cultural característico da Diáspora Africana.
Esses contrastes podem ser percebidos através da esfera estética. As obras de arte que
selecionamos apresentam influências tanto de uma epistemologia de viés científico, inspirada pela
modernidade, quanto de uma epistemologia decolonial, que adentra a narrativa da modernidade
criticamente, carregando saberes ancestrais constantemente reelaborados por meio da hibridação. A
partir do afrofuturismo imagens de futuro podem sobrescrever o passado, e imagens do passado
podem modificar um futuro idealizado, a exemplo das operações simbólicas que podemos perceber em
nomes como do grupo musical “Senzala Hi-Tech”, ou do título “O caçador cibernético da rua 13”, do
livro de Fábio Kabral. O espaço histórico da senzala permeado por “alta tecnologia” e a relação
estabelecida entre a atividade da caça e aparatos técnicos e digitais representam a formulação de novas
tecnologias ancestrais.
Entretanto, tais obras de arte viriam a ser amarradas pelo conceito de afrofuturismo apenas na
década de 1990, através do texto “Black to the future” (1994), do crítico cultural Mark Dery, em que o
termo “afrofuturismo” surge pela primeira vez. Através da realização de entrevistas com os escritores
Samuel Delany, Greg Tate e Tricia Rose, o autor aborda os movimentos culturais da Diáspora
Africana e propõe o afrofuturismo como uma interpretação ampla, capaz de considerar essas
manifestações estéticas em conjunto. Desde então, dilemas fundamentais se estabeleceram no interior
do movimento, sobretudo considerando que Mark Dery é um homem branco, e que, para muitos
artistas afrofuturistas, a autoria negra é um dos critérios fundamentais para qualificar obras, sujeitos e
o próprio movimento como afrofuturista. Nesse sentido, surgiram, ao longo dos anos, denominações
alternativas para o mesmo conjunto de fenômenos, como afropessimismo e africanofuturismo 1,
indicando a existência de uma disputa constante pelo domínio estético e político do movimento.
1 De acordo com Fábio Kabral, a situação instável do movimento afrofuturista em seus desenvolvimentos atuais
implica transformações constantes e dissensos, de modo que a disputa terminológica ou linguística alimenta o
avanço de discussões cruciais para o afrofuturismo, nesse caso, tangendo a pauta do antiessencialismo. Em
artigo, Fábio Kabral discute algumas das distinções e aproximações entre afrofuturismo e africanofuturismo:
https://fabiokabral.wordpress.com/2020/03/03/afrofuturismo-vs-africanfuturism/.
Bibliografia
DERY, Mark. De volta para o Afruturo: entrevistas com Samuel Delany, Greg Tate e
Tricia Rose. In: AMORIM, Tomaz (Org.). Ponto Virgulina #1: Afrofuturismo, 2020.
ESHUN, Kodwo. Mais considerações sobre afrofuturismo. In: FREITAS, Kênia (Org).
Afrofuturismo: cinema e música em uma diáspora intergaláctica. São Paulo: 2015.
Referências digitais