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[...]
— Quero saber como foi tudo, filha. — Mamãe tentava soar animada,
mas era claro que estava contendo um bocejo.
— Mãe, podemos falar amanhã, a senhora acabou de chegar do
plantão e deve estar exausta.
Não era preciso muito para notar isso. As olheiras em seu rosto
denunciavam. Mamãe tinha os olhos pretos, o mesmo tom dos cabelos
cacheados e tão espessos quanto os meus.
— Nada no mundo é mais importante que saber como foi o dia da
minha filha. — Sorriu. — Seu pai me contou o que vocês conversaram, mas
tenho certeza de que deixou um monte de detalhes de fora. Você sabe como
ele é péssimo repassando informações.
— Ei, eu ouvi isso — meu pai gritou de algum lugar ao fundo.
Ri balançando a cabeça.
Eu os amava. Meus pais eram, sem dúvida, os melhores do mundo. E
fizeram muitos sacrifícios por mim. Para que eu pudesse realizar meus
sonhos. Iria recompensá-los. Era meu sonho.
— Foi... normal. Fui às aulas e depois procurar um lugar para
trabalhar.
— Leigh, você sabe que não precisa fazer isso. Seu pai e eu podemos
muito bem arcar com seus custos.
— Mãe, vocês precisam de um pouco de descanso também. Sei lá,
passar o final de semana em uma pousada romântica, fazer coisas de casal. —
Dei de ombros. — Trabalhar um pouco não vai me atrapalhar.
Meus pais tinham medo que eu acabasse me prejudicando nos estudos
por ter que me bancar meu alojamento, livros e alimentação.
— Promete que se for demais pra conciliar, você vai falar com a
gente? — pediu, com uma expressão preocupada no rosto.
— Prometo, mãe.
— Mas é bom saber que seu pai e eu ainda vamos mandar um
dinheiro para você todo mês. — Rolei os olhos. Não existia ninguém, no
universo inteiro, mais insistente que minha mãe. — Agora me conta, já fez
amigos? E os gatinhos?
Fiz uma careta para sua animação.
— Foi só o primeiro dia, mãe.
— O primeiro dia de um dos ciclos mais importantes em as vida,
querida. Você precisa fazer coisas de jovens. Fazer amigos, namorar, essas
coisas, sabe?
— Ei, eu tenho amigos! — Defendi-me.
— E eu amo que você e o Abi sejam tão unidos, mas agora que vocês
não moram mais na mesma cidade, você precisa de mais amigos, meu amor.
Uma rede de apoio — suspirou, cansada. — Às vezes me sinto culpada por
você ter se tornado uma pessoa tão fechada. Ter tirado você da cidade que
conhecia, de seus amigos, do James. Isso não te fez bem.
Trinquei os dentes tentando reprimir o tremor que se apoderou do
meu corpo.
— Eu conheci uma pessoa, tá? — falei, rapidamente, mudando o
assunto. Seria o melhor a se fazer.
— Um garoto? — seus olhos brilharam de animação.
— Não, mãe. Uma garota.
— Ai, meu Deus, você se apaixonou por ela?
Uma das coisas que eu mais amava em meus pais era o fato deles não
serem como os pais de muitas pessoas que eu conheço que tinham
preconceito com as coisas. Os pais do Ab demoraram muito para aceitarem
aquilo que de maneira alguma devia precisar de uma validação. Ab era uma
pessoa com direito de amar outra pessoa. Simples assim.
— Mãe! Uma amiga! — falei, rindo. — A Madison é legal, mas
parece muito com a Cher, sabe? De As patricinhas de Berverly Hills.
— Melhor ainda. Uma garota completamente diferente de você.
Tenho certeza de que será uma amizade promissora.
— Foi basicamente o que ela disse. — Sorri, ao lembrar-me da forma
como a garota me abordou. — Ela disse que seriamos melhores amigas. Que
sentia isso.
— Isso é ótimo, meu amor. — Mamãe estava mesmo feliz. Quando
nos mudamos, eu passei a sair cada vez menos de casa, e eu acho que ela
acreditava que ter que deixar o James para trás havia me tornado uma pessoa
menos sociável, quando, na verdade, ir embora foi a melhor coisa que ela
podia ter feito por mim. — E os garotos? Algum jogador gostosão chamou
sua atenção? Toda garota devia ter a chance de sair com um. Eles são uma
experiência incrível, sabe?
Pela expressão em seu rosto eu tinha certeza a que tipo de experiência
ela estava se referindo.
— Mãe? — brinquei, fingindo estar revoltada com o rumo daquela
conversa.
Minha mãe teve aquela conversa comigo quando eu tinha doze anos.
A cada palavra que saía de sua boca, era como se uma luz se acendesse em
minha mente. Foi assim que eu soube que tudo aquilo, toda aquela
brincadeira inocente, não era tão inocente assim.
Ouvi quando papai falou alguma coisa, e mamãe respondeu dizendo
que não tinha nada mesmo para reclamar sobre as experiências que eles
tinham juntos e que lhe provaria isso mais tarde.
Nada pior do que ouvir seus pais programando uma transa. Que nojo!
Minha mãe era minha melhor amiga. A pessoa em quem eu mais
confiava no mundo inteiro e ela sabia – quase tudo – a meu respeito. Ela
achava, inclusive, que eu não era mais virgem. Menti que havia perdido a
virgindade como a maioria das meninas da minha sala, no baile de formatura,
mas, na verdade, passei a noite inteira jogando vídeo game com o Ab em um
quarto de hotel.
— Ai, meu Deus, vou cortar meus pulsos — brinquei, vendo-a girar o
rosto em outra direção e soltar um beijo estalado, sem dúvida, para meu pai.
— Nenhum jogador mesmo? — sussurrou, depois de voltar sua
atenção para mim e garantir que papai não podia nos ouvir.
Pior que ouvir sobre a vida sexual dos dois, com certeza, deveria ser,
papai, me ouvir falar sobre a minha vida sexual.
— Não, mamãe. O único garoto que me dirigiu a palavra hoje, além
de um dos caras que pegou meu currículo em uma lanchonete aqui perto, e é
gay — completei antes que o brilho em seus olhos se tornassem palavras —
foi um escroto, sabe? Super grosso e desnecessário. Enfim, eu espero que não
nos falemos tão cedo.
— Bem, e eu espero que você encontre um jogador maravilhoso. Um
quarterback, talvez.
Sorri, balançando a cabeça em negativa.
— E sua colega de quarto? Gostou dela? — movi o aparelho celular
de forma que ela pudesse ver o lado completamente vazio do quarto.
— Ela ainda não chegou. Pode chegar mais tarde por algum problema
com o voo, ou sei lá.
— Estou torcendo para que ela não seja uma dessas garotas como
você que só pensam em estudar. Morar com uma garota que tenha a vida
social agitada vai te fazer bem.
Fiz uma careta. Discordava completamente.
Eu precisava de paz. Uma colega nerd que, como eu, não tivesse
nenhum traquejo social, seria o paraíso.
A aula de Saúde Mental ministrada pelo senhor Rogers era uma das
minhas preferidas, não havia dúvidas quanto a isso. Começar a manhã com a
aula dele era uma das melhores coisas do meu dia.
Além de ser um tema que eu gostava bastante, muito do que ele
falava, eu conseguia aplicar em minha própria vida. Então, era exatamente
por isso que eu quase nem piscava enquanto ele explicava sobre qualquer
assunto, por mais bobo que pudesse parecer.
Hoje, ele falava sobre a Saúde Mental dos adolescentes.
— A adolescência é um período importante para o desenvolvimento e
manutenção de hábitos sociais e emocionais importantes para o bem-estar
mental. Alguém pode me dizer elementos importantes para que isso ocorra?
— Perguntou para a classe.
Ergui a mão, juntamente com metade da classe. Tínhamos lido, ainda
ontem, um artigo sobre o tema e tudo estava fresco em minha mente. O
professor apontou para alguém atrás de mim e virei o corpo para ver quem
era.
— Ter a quantidade necessária de horas de sono, realizar atividades
físicas regularmente, esforços cognitivos para lidar com situações de dano,
resolução de problemas e habilidades interpessoais, administração de
emoções. E, além de tudo isso, é fundamental também que o adolescente
entre em um ambiente de apoio familiar, escolar e na comunidade em geral.
Basicamente, os cuidados que não tiveram comigo.
— Muito bem, senhorita... — o professor olhou o nome da garota do
papel — Haidy.
Ela era uma das alunas mais aplicadas no curso e eu tinha certeza de
que trabalharia com algo relacionado ao cuidado com a mente.
— Vários são os fatores que podem ser decisivos na saúde mental dos
adolescentes — continuou. — Quanto mais expostos aos fatores de risco,
maior impacto isso causará na saúde mental dos adolescentes. Entre alguns
desses fatores que contribuem para o estresse durante esse momento da vida,
estão o desejo de uma maior autonomia, pressão para se conformar com
pares, exploração da identidade sexual e maior acesso e uso de tecnologias
e...
O professor parou, erguendo o olhar em direção à porta.
— Desculpe, senhor Rogers, mas me perdi enquanto tentava encontrar
a sua sala — uma voz masculina falou vinda de trás de todos nós.
Virei o rosto para encarar a figura que atrapalhava a aula. No instante
em que meus olhos focaram em seu rosto, o sangue parou de circular pelo
meu corpo. Meu coração parou de bater. Eu senti que podia morrer ali
mesmo.
As lembranças vieram com força em minha mente.
Uma câmera.
Um sorriso quase idêntico ao que ele exibia enquanto os olhos
brilhavam em direção ao professor.
O cheiro de naftalina.
Um porão.
Eu, assustada, enquanto o homem dava ordens à criança que
caminhava em minha direção.
Meu estômago embrulhou.
Tudo escureceu ao meu redor.
Eu não conseguia respirar.
Precisava sair dali.
— Você não vai vomitar, não é? — uma voz perguntou perto de mim.
Voltei os olhos marejados em sua direção. O garoto ao meu lado tinha
uma expressão de preocupação, puxando as penas para o mais distante
possível de mim.
Sentindo o ar diminuir, a respiração falhar, catei minhas coisas da
cadeira jogando-as de qualquer forma dentro da minha bolsa, levantando-me
apressadamente em direção á saída sem ao menos pensar em mais nada.
— Senhorita Westerwood?
Meu corpo estremeceu.
Eu não conseguia respirar.
— Senhorita Westerwood? — a voz do professor voltou a soar em
meus ouvidos, mas dessa vez não como repreensão, como se estivesse
preocupado. — A senhorita está bem? — perguntou, quando virei-me em sua
direção.
Medo.
Raiva.
Frustração.
Coração acelerado.
Mãos suando.
Corpo gelado.
— Eu preciso... eu preciso...
Não conseguia pensar, ou falar mais nada.
Minha mente não obedecia.
As sensações vinham todas juntas em minha mente e eu me sentia em
um furacão de sentimentos.
— Tudo bem, pode ir — falou em seguida.
Ainda que ele não tivesse liberado. Mesmo que me houvesse proibido
de sair daquela sala, eu não aguentaria nem mais um segundo.
Eu preferia morrer a isso.
Passei pela porta sentindo o ar fresco bater em meu rosto suado.
Talvez não tenha sido ele.
Talvez tenha sido alguém parecido.
Muito parecido.
Por favor, Deus, que não seja ele.
Por favor, Deus, que não seja ele.
Por favor, Deus, que não seja ele.
Minha mente não parava de repetir o mantra, como se a cada vez que
o pedido se repetisse ele se tornasse mais perto de ser concedido.
Minhas pernas travaram por alguns segundos enquanto minha cabeça
processava uma informação. Ele havia dito que se perdeu procurando a sala.
Tinha uma mochila nas costas e usava uma das jaquetas de nossa
universidade.
Meu coração bateu ainda mais rápido no peito.
Não podia ser verdade.
Não podia ser ele.
Ele veio para ficar?
Ele estudaria aqui?
Eu seria obrigada a vê-lo em todas as aulas?
Senti como se pudesse desmaiar a qualquer momento.
Há anos eu não me sentia daquela forma.
Pequena.
Confusa.
Aterrorizada.
Não. Aquilo tinha que ser um pesadelo.
Eu precisava acordar.
Capítulo 13
— Ei, Leigh, você não vai para aula hoje? — Chiara perguntou,
sentando-se ao meu lado e acariciando minha perna.
Desde que cheguei, ontem, permaneci trancada no quarto do
dormitório, com medo de sair daqui e perceber que era real.
Que ele estava mesmo ali.
Balancei a cabeça em negativa. Não que ela conseguisse ver meu
rosto. Estava completamente coberta, dos pés a cabeça. Não queria que
ninguém me visse. Não queria ver ninguém.
Não podia acreditar nisso.
Ele. Estava. Aqui.
Ele estava aqui.
Chiara havia esquecido um livro no quarto e retornou para buscá-lo
no exato momento em que eu chegava com os olhos inchados de tanto chorar.
Ela ficou preocupadíssima, mas eu a fiz prometer que não contaria nada a
ninguém. Nem a Mad. Não queria conversa. Não podia contar o que
aconteceu.
Para me ajudar, ela havia enviado uma mensagem para Ania avisando
que eu estava doente e não poderia ir trabalhar. Ontem, depois que retornou
da aula, ao perceber que eu não havia melhorado, chamou a Mad que largou
tudo que tinha para fazer e ficou aqui, deitada na cama comigo, consolando
meu choro silencioso e até dormiu conosco, espremida entre mim e a parede.
Havia saído há pouco tempo para buscar café.
— Tem certeza de que não quer me contar o que aconteceu? — A voz
carregava preocupação. Balancei a cabeça em negativa outra vez. — Estou
preocupada, Leigh. Ignorou sua mãe ontem e, coitada, se demorar mais um
pouco, ela virá aqui mesmo se certificar de que está tudo bem.
Não respondi.
Chiara suspirou audivelmente e, em seguida, alguém bateu à porta e
Chiara levantou-se para abri-la. Mad havia retornado falante e animada, como
se quisesse que aquela animação reverberasse em mim. As duas sussurraram
por alguns instantes ainda distantes de mim, em seguida os saltos de Madison
açoitaram o chão do quarto fazendo um som abafado até que ela estivesse
sentada onde instantes antes Chiara se encontrava.
Ela não falou nada, o que eu imaginava ser um enorme esforço.
Sabia também que as meninas queriam me ouvir, me ajudar, mas eu
não podia falar sobre aquilo. Para ninguém.
— Eu já sei que você não quer conversar agora, mas olha só, você
sabe que pode contar conosco, para o que precisar. Chiara e eu estamos aqui,
ao seu lado, para qualquer circunstância, tudo bem?
Meus olhos se encheram de lágrimas com suas palavras e meu
coração aqueceu-se. Era bom saber que eu tinha pessoas que se preocupavam
comigo mesmo. Que elas estariam ao meu lado se eu precisasse.
Eu queria contar.
Mas será que alguém acreditaria em mim?
Em minha inocência?
Ainda conseguia ver aquela câmera apontada em minha direção.
Ainda podia vê-lo caminhando em minha direção. Seus passos firmes. A
forma como o Romeu se declarava apaixonado pela Julietta com um brilho
nos olhos. O ponto vermelho da câmera, no sorriso do nosso cinegrafista.
Ainda podia sentir as sensações.
Os cheiros.
Os sorrisos.
O que chamavam de ensaios.
Tudo que eu só queria esquecer.
As palavras chegaram à ponta da minha língua e eu quis cuspi-las,
mas não conseguia. Tinha medo. Vergonha.
Horror.
— Você não é do tipo que falta aula, tem certeza de que não quer se
arrumar? Ainda consegue pegar o primeiro tempo. — Balancei a cabeça em
negativa. Não queria nada além de ficar aqui. Protegida. Longe dele. — Tudo
bem, então. Vou dizer que você está doente. Mas quando eu voltar, é bom
que esteja disposta a, pelo menos, tomar um banho. Não quero ser insensível,
mas você está meio fedendo.
Um leve sorriso brotou em meus lábios enquanto ela dava um aperto
em minha panturrilha.
Mad ficou mais algum tempo em silêncio.
A sensação de que eu estava caindo em um poço sem fundo era
horrível. Meu coração doía.
— Eu comprei algumas coisinhas para você comer, tudo bem? Vou
deixar aqui em cima de sua mesinha. Você não come nada desde ontem,
então, por favor, tenta beliscar nem que seja um pouquinho, tá? — A forma
carinhosa e protetora com a qual falava, fez meus olhos se encherem de
lágrimas mais uma vez. — Volto assim que as aulas acabarem, e quero esse
prato vazio. Mas se você precisar de qualquer coisa é só mandar mensagem,
tudo bem?
Balancei a cabeça em afirmativa.
Minha amiga suspirou, levantando-se. Mas, ai invés de se afastar,
chegou mais perto da minha cabeça plantando um beijo sobre o lençol.
— Ei. — Chamei quando estavam prestes a sair. — Obrigada, às
duas.
— É pra isso que servem as amigas. Para os bons e maus momentos
— falou. — Mesmo que você esteja cheirando a queijo podre nesses
momentos ruins.
Ri, ouvindo a porta ser fechada.
Eu devia ser uma péssima amiga por não compartilhar as coisas que
aconteciam comigo. Mas, ainda assim, tinha as amigas mais compreensivas
do mundo.
Sem ânimo, descobri o rosto sentando-me na cama e dobrando as
pernas. O cheiro de café fez minha barriga roncar. Ergui a mão pegando o
copo com a logo do Starbucks. Sorri quando li a inscrição no copo “Você não
está sozinha”, dei um gole no líquido amargo soltando um gemido de
satisfação. Equilibrei o copo entre minhas pernas e peguei a pequena caixa
fechada que também estava sobre a mesinha. Madison era exagerada e havia
uma infinidade de coisas. Donuts, brownies, algumas fatias de bolo e cookies
de chocolate.
Podia parecer bobagem ficar emocionada com o gesto, mas eu havia
permitido apenas o Ab em minha vida, não estava acostumada a ter pessoas
assim com quem contar, aquilo era um alento para o coração.
Dei uma mordida no donuts, pegando meu aparelho celular e
procurando em seguida o número da única pessoa com quem eu podia falar
sobre o assunto. A única pessoa em quem eu confiei.
“Ele apareceu aqui na faculdade. Na minha sala.”
Enviei. Minhas mãos tremiam de nervoso. O aparelho vibrou em
seguida, e com certeza era a resposta dele.
“Ele? O James?”
Minha garganta ardeu ao ler o nome em minha tela. Fechei os olhos
respirando fundo alguns instantes e sentindo meu coração bater mais forte.
“Sim.”
“Como você está?” perguntou, logo em seguida.
“Eu não sei... quer dizer, com medo, assustada. Com raiva! O que ele
veio fazer aqui? Tudo estava indo tão bem.”
Fui sincera pela primeira vez. Eu precisava que alguém soubesse, de
verdade, tudo que se passava em minha cabeça. Estava com medo do que
podia acontecer. Eu odiava me sentir dessa forma, perdida. Confusa. Como
anos atrás.
“Ele sabe que é você?”
“Acho que sim.” respondi.
“Você acha que ele sabia que você estuda aí?” Quis saber.
“Eu não sei. Assim que eu o vi, surtei. Não conseguia respirar,
pensar. Não conseguia nada. Só peguei minhas coisas e saí correndo.”
Ele levou alguns segundos digitando.
“Calma. Ele pode não a ter reconhecido. Talvez, ele nem mesmo se
lembre de você.”
Balancei a cabeça em negativa. Não sabia se era bom. Se eu ficasse e
descobrisse que ele se lembrava de mim? Se eu ficasse e ele quisesse se
vingar?
“Eu não quero mais ficar aqui.”
Enviei a mensagem antes que eu perdesse a coragem.
“Não se atreva. Nem pense nisso, Leighton. Você lutou a vida inteira
para conquistar esse sonho e não será por causa desse idiota que vai botar
tudo a perder. Você vai continuar ai, onde é o seu lugar. Vai fazer todas as
coisas com as quais sonhou.”
Meus olhos se encheram de lágrimas.
“Não sei se consigo. Estou com medo.” Confessei.
“Você tem pessoas aí, Leigh. Gente que se importa com você. Você
pode se abrir com elas, falar a verdade. Elas iriam te ajudar, tenho certeza.
Você também pode contar aos seus pais, Leigh.”
Balancei a cabeça em negativa, mesmo sabendo que ele não podia me
ver.
“Não. Não quero envolver mais ninguém nisso. Não quero que as
pessoas saibam. Eu só quero que ele vá embora. Que mantenha distância de
mim, como tem sido ao longo de todos esses anos. E eu não quero que meus
pais descubram. Eu tenho tanta vergonha.”
“Eu não sei o que fazer”
Enviei em seguida.
“Você já evoluiu tanto desde que tudo aconteceu, não vale a pena
deixá-lo dominar seu presente e seu futuro. Fica calma, nós vamos pensar
em alguma coisa juntos. Eu tenho certeza.”
Bloqueei a tela do meu celular, passando a mão pelo rosto exasperada.
Como as coisas foram de tudo perfeito para eu prefiro cortar os pulsos a
continuar nesse lugar?
Joguei meu corpo na cama novamente. Ergui o braço, cheirando-o e
sentindo o fedor do cê-cê. Precisava de um banho urgentemente.
Escolhi uma roupa confortável, agarrei uma toalha e encarei meu
reflexo abatido no espelho por alguns instantes.
Ab estava certo, eu havia lutado tanto para realizar esse sonho. Para
estar aqui. Não era justo que eu abrisse mão de tudo pelo que lutei por causa
de alguém que só fazia mal aos outros. Ele que não devia estar aqui. Ele que
devia se envergonhar e ter medo que eu, mais uma vez, conte a verdade sobre
a sua família.
Ele!
Mas, então, porque eu sentia como se tivesse que fugir? Como se
tivesse que recomeçar a vida em outro lugar?
Como se fosse eu quem estivesse errada.
Soltei o ar com força, tirando a roupa e entrando no chuveiro. Deixei
que a água entrasse por meus cabelos como uma massagem gostosa na
cabeça. Deixei que a água fizesse com que meu corpo relaxasse por alguns
instantes.
Demorou um pouco para que eu voltasse ao quarto enrolada na toalha
e com o cabelo preso em um coque alto. Dei uma nova mordida no donut,
enquanto procurava o celular na cama.
Mad havia mandado mensagem em um grupo que criou para
conversar comigo e Chiara, perguntando como eu estava me sentindo e se já
tinha comido alguma coisa. Agradeci pela preocupação e enviei uma foto do
que havia comido.
Em seguida, percebi que Ab havia me mandado uma nova mensagem
também.
“Tive uma ideia. Acho que pode te ajudar a mantê-lo longe de você.”
Um pingo de esperança nasceu em meu coração. Eu queria manter os
pés no chão.
“Qual?” Quis saber, tentando conter a animação.
“E se você arrumasse um namorado? Alguém que pudesse assustá-
lo.”
Simplesmente não conseguia acreditar no que estava lendo. Ab estava
ficando mesmo maluco se achava que essa ideia maluca daria certo.
“Ah, claro. Vou ali procurar nos classificados um namorado de dois
metros, que goste minimamente de mim e que não tenha interesse em
transar.”
Recebi um emoji de riso e dedo do meio em resposta.
“Não precisa ser um namorado de verdade, você pode pagar alguém
para fingir que está saindo com você, as pessoas fazem isso. Ou sei lá, você é
inteligente. Algum atleta pode precisar de aulas extras e você pode trocar
pelo corpinho sarado sendo exibido como o amor da sua vida.”
“Você deve ter batido a cabeça em algum lugar, Ab. É claro que isso
não ia dar certo, mesmo que eu estivesse disposta a tentar.”
Enviei a mensagem irritada.
Sabia que não devia manter nenhum tipo de esperança.
O mais inteligente a ser feito seria mesmo tentar uma transferência ou
algo assim. Eu tinha boas notas, Yale, Brown e Harvard haviam me aceitado
também. Talvez eu conseguisse alguma forma de contornar essa situação.
“É sério. Você está aí já tem algumas semanas, com certeza deve ter
algum cara disposto a te ajudar. Sei lá. É uma ideia só para que você não se
sinta exposta nesse primeiro momento. Pode ser que ele te ignore. Mas, pelo
menos, você teria um apoio, pense nele como um guarda-costas ou algo
assim. É isso, ou você abrir mão do seu sonho. O que não é justo.”
Ele estava certo.
Soltei o ar com força, jogando o corpo na cama mais uma vez.
Eu realmente não queria abrir mão da minha vida. Eu fui aceita aqui,
na universidade dos meus sonhos. Eu tinha amigas. Eu tinha um sonho. Não
queria voltar à estaca zero. Não queria recomeçar. Seria injusto.
E se a ideia do Ab funcionasse mesmo?
O problema era que, ainda que isso fizesse sentido, não tinha ninguém
que poderia topar essa ideia maluca.
Eu havia feito amigas, não amigos.
— Você está muito atrasado — reclamei assim que ele, por fim,
apareceu em frente ao dormitório.
Tínhamos combinado – e com isso quero dizer que ele foi meio que
coagido – que iríamos juntos hoje. Era uma forma de tentar fazer com que as
pessoas, e eu mesma nesse caso, conseguíssemos acreditar nessa mentira.
A ideia, claro, foi do Ab. Ele havia se autointitulado como tutor de
relacionamentos de mentira.
— Não pode ter tudo. Já tem o namorado, pontualidade é pedir
demais. — O tom entediado não me passou despercebido.
Bufei.
Deus, eu fui uma boa menina a vida inteira, por qual motivo eu não
merecia um bom namorado de mentira?
— Nós não vamos transar — as palavras escapuliram da minha boca e
eu nunca quis tanto morder a língua.
Ele bem que podia ficar momentaneamente surdo. A culpa disso,
claro, era da Mad que encheu minha cabeça de bobagens e nem mesmo
depois que eu havia implorado para que ela fosse comigo e Andrew para a
universidade ela cedeu, decidindo que eu devia passar por esse momento
sozinha, ao lado do cara que roubou meu coração, tipo a Bella Swan quando
entrou com o Edward Cullen pela primeira vez na escola. Se ela soubesse que
nós dois estamos muito mais para Lara Jean e Peter Kavinsky...
— Em geral, eu dou bom dia antes de pedir um boquete ou sugerir
que a gente comece a tirar as roupas, sabe? — pela primeira vez a expressão
dura quase vacilou por alguns segundos em seu rosto. Ele fazia uma quase
careta engraçada.
— Eu estou falando sério, Andrew. Não vou transar com você — fui
categórica.
— Não que eu queira transar com você, mas de acordo com as suas
regras, é proibido beijar, não pode transar... Namorar você é como namorar
uma freira. Daqui a pouco vai me pedir pra rezar um terço também. — Ele
rolou os olhos de forma dramática.
— Levando em conta a quantidade de pecados que deve ter nas suas
costas, não seria uma má ideia.
— Pode não parecer, mas sou um cara de fé, sabe? Adoro me ajoelhar
quando estou com uma garota. — A forma como suas sobrancelhas se
ergueram deixaram claro exatamente o que ele queria dizer.
Bufei. Só ele mesmo para conseguir achar algum teor sexual em um
assunto que envolvia coisas sagradas.
— Você não tem o menor respeito por nada?
— Claro que tenho. Sexo é uma coisa sagrada. O próprio Deus
mandou que povoassem a Terra. Ou seja, ele queria que a gente fizesse sexo.
— Deu de ombros.
— Desisto de você.
Vi quando seus lábios se ergueram um pouco formando um quase
sorriso. O que me fez quase rir também.
— Só pra constar, você não pode transar com mais ninguém também
— falei. Ele, imediatamente, parou de andar.
— Nem fodendo que você vai me castrar. Não vou ficar sem comer
ninguém por causa de um namoro falso. — Soltou o ar pelo nariz em uma
risada irritada.
— Olha só, um pouco de abstinência vai fazer bem para você. Usa
esse tempo para se concentrar nos estudos, ou algo assim.
— Não. Vai. Rolar. Você quer se comportar como uma freira? Sem
problema. — Deu de ombros como se não ligasse, e isso me incomodou um
pouco. O que era estranho já que eu não queria transar com ele. — Mas eu
não vou mesmo parar de transar só porque estou sendo obrigado a fingir que
estou namorado uma puritana.
Rolei os olhos. Idiota.
— Você sabia que de acordo com estudos, se alguém abre mão da
vida sexual, ainda assim, pode permanecer completamente saudável —
respondi, sorrindo indiferentemente.
Andrew murmurou alguma coisa incompreensível.
— E você descobriu isso lendo o manual das mulheres que fizeram
voto de castidade? — Senti meu corpo inteiro esquentar de vergonha. — Eu
não vou ficar sem transar. Esquece isso! — afirmou.
— Ótimo, faz sexo com a sua mão, então. Não vou ficar com fama de
corna pela faculdade, tá? — Era verdade. Eu já tinha beijado. Mas ainda era
virgem e nunca tinha tido um namorado oficial. Conhecia muitas garotas que
ficaram com trauma depois de uma traição e, ainda que fosse um namorado
falso, não queria isso pra mim. As pessoas achariam que eu não tinha sido
suficiente para ele. — Você é meu primeiro namorado, ainda que falso. Não
quero esse trauma na minha vida.
Ao meu lado, ainda parado, ele fez uma expressão pensativa.
— Você nunca namorou antes? — apertou um pouco os olhos em
minha direção.
Eu e minha boca enorme.
— Meu foco sempre foi estudar e ser alguém na vida. Garotos não
eram e continuam não sendo prioridade.
Eu tinha certeza de que ele iria rir de mim.
— Então você é virgem? — Os nervos do corpo pareceram se contrair
e os ombros ficaram tensos. — A garotinha do papai viveu protegida demais?
Já sei! Eu sou então a realização de suas fantasias que não pode viver no
colegial?
— Sou virgem porque eu escolhi. E quando terminarmos essa farsa,
ainda serei virgem. — Fui o mais clara possível. — Eu sei que isso pode
afetar o seu ego, já que você acha que todo mundo quer abrir as... você sabe,
pernas pra você, mas eu não tenho o menor interesse.
Notei quando um pequeno sorriso surgiu em seu rosto, como se
achasse graça que eu tivesse dito a frase em voz alta.
Quero que minha primeira vez seja especial.
Senti-me uma boba confessando isso em voz alta.
— Acredite, Afrodite. Eu não vou deflorar você. Vou deixar esse
trabalho chato para o cara com quem você planeja casar e ter filhos. Eu gosto
de mulheres que sabem o que fazer para dar prazer na cama. Não curto as
inexperientes. — Franzi o cenho com o termo que ele havia escolhido.
Deflorar, sério? — Mas, se o problema é as pessoas acharem que você está
sendo traída, lá no casarão tem um monte de garotas que venderiam um rim
pra transar comigo, e não teria como isso chegar aos ouvidos de ninguém da
universidade. Dá pra transar e ainda fingir ser o cara que você está me
chantageando a ser.
Bufei.
Eu não estava me guardando para o casamento. Só precisava confiar
no cara com quem transaria. Queria ter certeza de que no dia seguinte não
encontraria vídeos de sexo rolando por aí. Eu morreria de vergonha. Meus
pais morreriam de vergonha de mim. Também não queria um príncipe
encantado. Só alguém com quem eu quisesse lembrar-me de ter
compartilhando esse momento.
Cruzei os braços na frente do corpo e ele olhou por alguns bons
instantes para meus peitos. Como se tivesse ideias a respeito do que fazer
com eles. Constrangida, descruzei.
— Tá — concordei, mesmo sentindo uma pontada no peito. — Você
pode transar com garotas de fora da universidade, desde que isso não chegue
aos ouvidos de ninguém.
Ele pareceu bem aliviado.
Babaca.
— Não que eu precisasse do seu aval, mas meu amigo agradece —
ergueu os lábios em forma de um sorriso falso voltando a caminhar.
— Espero que você transe tanto que ele caia. — Olhei para sua calça,
engolindo em seco em seguida.
Havia uma protuberância considerável em sua roupa. Acho que falar
sobre sexo o fez imaginar coisas...
— Eu não preciso só do pau pra fazer uma garota gozar, sabe? Ainda
poderia satisfazê-las muito bem usando minha língua por exemplo.
Meu corpo ficou tenso e, mesmo contra minha vontade, precisei
friccionar um pouco minhas pernas com a imagem dele usando a língua em
minhas pernas abertas sobre uma mesa.
— Pelo menos alguém que não fosse você se beneficiaria disso. —
Ergui o rosto caminhando um pouco mais rápido. Para meu azar, o idiota
tinha pernas compridas e me alcançou menos de três segundos depois.
Ficamos em silêncio por alguns instantes. Eu, irritada. Eu devia ter
seguido minha intuição de que isso daria errado. Ele, parecendo achar graça
de tudo isso.
— E então, como faremos isso? — pegou um maço de cigarros no
bolso tirando um e enfiando na boca.
— Pode esquecer isso — retirei o cigarro dos seus lábios.
Ele revirou os olhos.
— Você não deve ser virgem por escolha própria. Sem dúvida os
caras da sua cidade devem ter desistido de você quando perceberam a porra
da garota chata que você é!
— Então, se um cara decide que não quer transar, tudo bem. Mas uma
garota, ela só não é boa o bastante para os caras?
— Se um homem não quer transar, ele é um otário. Todo homem quer
transar, sempre. Logo, o problema não estava neles. Acredite em mim.
Trinquei os dentes, irritada.
Machista, idiota, irritante, metido. Eu podia aumentar a lista, mas não
era a hora. Eu precisava disso.
— Você pode pensar no meu gesto como alguém que cuida da sua
saúde. — Coloquei o cigarro no bolso da minha jaqueta.
— Não preciso que ninguém cuide de mim.
O tom gélido outra vez. Ele devia ser um daqueles babacas machões
que acreditam não precisar de ninguém. Não reclamei novamente quando ele
pegou outro cigarro pondo-o nos lábios, acendendo-o.
Andrew não falou nada, eu preferi me manter em silêncio também.
Caminhamos, lado a lado, por alguns minutos assim, sem trocarmos uma
única palavra.
— Olha só, se não é o casal do ano. — Malcon, o amigo do Andrew
foi se aproximando.
Eu poderia dizer que a quantidade de pessoas olhando em nossa
direção agora tinha sido por sem querer ele ter feito um alarde ao nos ver,
mas o sorriso enorme em seu rosto mostrava que ele realmente queria atrair a
maior quantidade de olhares para nós.
— E aqui está a deusa que conseguiu essa inacreditável façanha. —
Antes que eu pudesse reagir, ele segurou minha mão, fazendo-me girar. —
Posso ver porque escolheu a gata, meu amigo. Com todo respeito, Leigthon,
você é uma gostosa.
Encolhi-me levemente com vergonha. Embora ele não tenha feito isso
de uma forma escrota, não gostava de atrair atenção.
— Obrigada, eu acho? — dei um sorriso tímido em sua direção.
— Agora me conta um segredo. — Passou a mão por meu ombro,
fazendo-me andar ao seu lado, deixando Andrew para trás. — O que você fez
para enfeitiçar o bonitão ai? Te garanto que acreditava, até ontem, que era
mais fácil as estrelas caírem do céu do que ouvir Andrew e namorada em uma
mesma frase.
Eu sorri para ele.
— A Madison me ensinou uma coisa importante: — ganhei a atenção
dele com a menção à minha amiga. — Uma garota nunca conta seus
segredos.
Especialmente quando o segredo inclui uma chantagem.
— Gosto dela. — Olhou por cima do meu ombro e falando
diretamente com o amigo.
Ele murmurou algo como pode ficar para você, me fazendo trincar os
dentes com raiva em sua direção.
Andrew precisava colaborar mesmo para que isso desse certo.
Mais uma vez, ele fez aquela expressão de pouco caso para mim.
Eu o detestava.
— Quando você cansar do coração de gelo, aposto que podíamos nos
dar bem. — Malcon piscou para mim em uma forma de camaradagem.
Andrew murmurou alguma coisa incompreensível, mas se aproximou
um pouco roçando nossos dedos levemente. O amigo parecia prestar bem
atenção na forma como reagíamos um ao outro. E, pelo esforço do Andrew,
eu tinha certeza de que nem uma criança de três anos acreditaria que
estávamos juntos.
Soltei o ar com força. Ele não estava se esforçando.
As pessoas olhavam para nós parecendo querer entender o motivo de
estarmos juntos. Se eu nos visse andando pelo campus agora, podia
facilmente dizer que eu namorava o Malcon, não o idiota ao meu lado.
Uma garota que caminhava em nossa direção acenou para Andrew
que retribuiu o gesto. Semicerrei os olhos em sua direção.
— O quê? Ela falou comigo, você quer que eu a ignore? — ergueu a
mão como se tentasse se defender.
— Briguinhas por ciúmes... Que sexy! Mas acho que tem alguma
coisa mais interessante para mim ali. — Malcon olhou fixamente para a
bunda de uma das garotas que estava em pé em uma rodinha com as amigas.
— Vocês têm uma noite divertida garantida e eu preciso guerrear para
conquistar a minha. — Piscou em minha direção. — Espero que almoce
conosco, Leighton, vamos adorar te conhecer melhor.
— Foi bom te ver, Malcon — respondi, com um sorriso, vendo-o ir
embora. — O que foi isso? — questionei, cruzando os braços, irritada e
voltando-me para o idiota do meu namorado de mentira.
— O quê? — franziu o cenho.
— Isso tudo! Você está agindo como o babaca que é! — reclamei. —
Eu preciso que você finja ser meu namorado. Tem que fazer isso direito. —
Minha voz soou exasperada.
— Você disse que queria um namorado, não um com empenho. Tinha
que ler melhor as letrinhas pequenas do contrato, gata. — Sorriu, irritante.
Expirei, tentando manter a calma. As pessoas seguiam olhando para
nós com muito interesse, como se duvidassem que essa história iria para a
frente. Sinceramente, estava começando a pensar o mesmo.
— Se você não queria fazer parte disso, não devia ter aceitado minha
oferta — cuspi as palavras encarando-o nos olhos e sentindo meu coração
bater forte de raiva.
— Oferta? — riu. — Você me chantageou. E levando em conta isso
estou sendo o melhor e mais compreensivo namorado falso do mundo —
falou, irritado, chegando mais perto de mim.
— Não me importo se ser obrigado a me namorar fere seu ego, sua
masculinidade ou tira toda a diversão que seu amigo aí de baixo devia ter,
mas faça as coisas direito, Andrew. Eu tenho o seu segredo, lembra? As
pessoas precisam acreditar nessa porcaria de namoro. E se você quer saber,
eu também não estou feliz. Se isso fosse de verdade, você seria o último cara
com quem eu pensaria em namorar.
— Você quer que eu faça as coisas direito? — perguntou, dando um
passo em minha direção com uma expressão austera.
— Sim, ou eu...
Antes que tivesse condições de entender o que estava acontecendo,
seus lábios estavam contra os meus em um beijo furioso e intenso.
A língua não esperou para encontrar morada em minha boca. A
minha, em contrapartida, parecia saber o caminho correto até a sua boca.
Não havia gentileza naquele beijo. Era algo mais exigente. Duro. Cru.
Meu corpo formigou por completo e eu pensei que ficaria sem ar.
Seu braço me rodeou com força, prendendo-me contra seu corpo. O
que foi bom. Eu tinha certeza que cairia no chão.
O beijo foi se tornando mais intenso a cada segundo que passava. A
cada movimento que ele fazia com a cabeça.
Eu devia tê-lo empurrado.
Mas, no fundo, eu estava entorpecida e queria aproveitar o momento
também.
E, tão rápido como havia começado, o beijo acabou.
Andrew se afastou com um olhar presunçoso no rosto.
Olhei ao redor para as pessoas que soltavam pequenos risos, como se
esperassem que o espetáculo se tornasse maior.
— Pronto. Se você quer que eu faça as coisas direito, vai ser do meu
jeito, Afrodite. Vai precisar quebrar as suas preciosas regras, e ainda vai pedir
mais. — sorriu, falando baixinho. — Preciso ir pra minha sala. Estou
atrasado. Você pode ser minha namorada de mentira, mas eu tenho um futuro
de verdade para construir — falou dando-me as costas.
Sentia meu corpo tremer de raiva enquanto por dentro, torcia para que
aquele filho da mãe tropeçasse e caísse de cara do chão. Já tinha aberto mão
de muitas coisas em minha vida. Não abriria mão das minhas regras por
causa de um idiota como ele.
Por mais que ele beijasse bem e fizesse com que meu corpo
respondesse de uma forma intensa. O que tornava tudo ainda pior.
Madison estava certa, Andrew era um babaca que só pensava em
transar com todas as garotas que encontrava. Por mais que precisasse dele,
não seria mais uma em sua lista. Eu tinha minhas regras, e iria cumpri-las.
Capítulo 17
— Você não pode fumar aqui — Leighton falou assim que chegou à
mesa onde eu havia sentado. Estava com o bloquinho na mão e a expressão
de quem não estava com a menor paciência.
Para a sorte dela, eu também estava sem disposição para ela.
— Claro que você viria com suas regras.
— As regras não são minhas. São do estabelecimento.
Declarou, erguendo a sobrancelha e mantendo o olhar reprovador
sobre o cigarro. Bufei, soltando a fumaça em sua direção e pondo os pés na
cadeira vazia à minha frente, encarando-a como forma de desafio.
— Eu tenho certeza de que se você transasse não estaria tão mal-
humorada. — Dei um sorriso frio em sua direção.
— Olha só, você transa e não me parece estar com o humor melhor
que o meu. — Devolveu o sorriso. Ela era decididamente a pessoa mais
irritante que eu conhecia. Mais irritante que a Oly, e, até pouco tempo atrás
eu podia garantir que achar alguém pior que minha irmã era uma tarefa
impossível. — Você não apareceu hoje. — Cruzou os braços à frente do
corpo como se cobrasse uma satisfação minha.
Meus olhos imediatamente recaíram sobre seu corpo.
Eu odiava quando ela fazia isso destacando ainda mais os peitos. Eles
davam a impressão de que saltariam pela blusa. E pior, pareciam acenar para
mim, pedindo para que tivessem a atenção que mereciam.
Trinquei os dentes, mudando a direção do meu olhar.
— Achei que tivesse deixado claro que você não me faria de
brinquedo.
Leighton se abaixou um pouco sobre o tampo da mesa.
— Nós temos um combinado.
— Você tem um trunfo — apontei. — Uma porção de fritas e chá
gelado.
Leighton fechou os olhos soltando o ar demoradamente como se
quisesse se acalmar.
— Apaga o cigarro, Andrew — pediu.
— Me obrigue. — Ergui a sobrancelha em sua direção.
Ela abriu a boca para falar algo, mas parou me encarando. Dessa vez
não como se estivesse brava ou algo do tipo, como se realmente prestasse
atenção em meu rosto.
— Você lutou ontem? — perguntou baixo, como se manter o meu
segredo também fosse importante para ela.
Para ela. A garota que estava me chantageando.
— Isso não é da sua conta — retruquei, movimentando meu corpo
completamente incomodado com a sua pergunta.
— Andrew, você está... — parou, franzindo o cenho, como se não
soubesse o que queria saber — bem?
— Como eu disse, isso não é da sua conta.
— Você pode não acreditar, mas eu...
— Você está certa. Eu não acredito — falei, levantando-me. — Sabe
de uma coisa, cuida da sua vida.
Ela olhou em volta notando que as pessoas ao nosso redor prestavam
atenção na cena. Os olhos assumindo um brilho de quem estava prestes a
chorar.
— Por favor, fala baixo — pediu, com a voz falha, movimentando um
pouco a mão como se pedisse para que eu baixasse o tom e dando um passo
em minha direção.
— Não preciso de ninguém perguntando nada sobre mim ou achando
que pode me controlar, Leighton. — Aumentei ainda mais o tom. Seus olhos
se encheram de lágrimas, como se estivesse de fato decepcionada com minha
atitude. — Continua aí com essa sua cara de boa moça, fingindo que precisa
desse trabalho só para torrar em roupas de grife. O quê? A mamãe cortou seu
cartão porque não passou em Harvard? Tem gente no mundo com problemas
maiores que o seu.
Ela piscou, confusa. Eu passei por ela e nossos ombros se esbarraram.
Senti quando seu corpo cambaleou, mas não me importei.
Caminhei em passos firmes até a porta.
Sabia que os olhares de todos estavam em minha direção. Não olhei
para trás. Não olhei para ela. Saí, tendo a certeza de que agora, sem dúvida,
ela não ia mais querer saber de mim. E não me restavam dúvidas de que
Leighton não contaria sobre a nossa professora para ninguém.
Eu precisava bater em algo.
A noite ontem foi insana. O casarão nunca estava tão cheio e a grana
que eu ganhei daria para pagar minha mensalidade e os custos extras por,
pelo menos, três meses.
Costumava gostar que Malcon me acompanhasse. Mas não ontem.
Não depois daquele beijo. Depois de perceber que aquela garota maldita tinha
mesmo um plano. De sentir alguma coisa me incomodando por saber que
aquele beijo foi apenas um teatro para outro cara. Que eu estava sendo usado.
Fechei as mãos em punho, nervoso.
Eu já havia sido usado antes. As garotas caiam aos montes em minha
cama e disputavam a minha atenção para se tornarem, de alguma forma,
conhecidas. Para poder dizer que eram boas o bastante para serem escolhidas
por mim. Nós dois tínhamos benefícios, nesses casos. Mas eu não aceitaria
ser usado por ela. Não aceitaria que ela fizesse com que eu acabasse sendo o
cara passado para trás.
Isso não.
Uma chuva de assobios e palmas começou quando passei pela porta
da sala de musculação da universidade pegando-me desprevenido.
Era aqui que todos os jogadores, de todos os times, malhavam.
Exatamente por isso os atletas da universidade eram muito unidos. Apesar
das brigas que rolavam ocasionalmente, eles faziam as atividades físicas
juntos, o que também nos dava um tempo para fazer o que sabíamos melhor,
falar de bundas e peitos.
A sala foi liberada para uso apenas ontem. Algumas mudanças
estavam sendo feitas a pedido dos treinadores que queriam modernizar alguns
aparelhos.
Embora eu não fosse atleta universitário, uma das primeiras coisas
que Benjamin pediu ao seu treinador, foi que eu tivesse livre acesso, como os
demais jogadores, pois havia sido uma espécie de técnico para ele por toda
vida.
— É assim que vocês querem vencer os jogos? — perguntei, com a
expressão séria, vendo meus colegas que, ao invés de malhar, estavam
agrupados fofocando.
— Isso nós faremos com facilidade, mas não é todo dia que vemos o
novo bom garoto da Walker. — Benjamin devolveu, levantando-se. — Soube
que muitos corações foram partidos com esse inesperado compromisso.
Ben estava na área de treino de pernas. Estava suado pra caralho, o
que significava que contrariando meu argumento, ele estava mesmo treinando
há algum tempo.
— Vai se foder, Ben. — Rolei os olhos para o drama.
— Vocês não ficaram sabendo mesmo que ele estava saindo com a
garota? — George Lair encarou para meu irmão aguardando uma resposta.
— Soubemos no aviãozinho, junto com a universidade inteira —
reclamou, como se fosse um gesto grave de traição. — E não a teríamos
conhecido se não fosse um acaso do destino que fez com que a garota
estivesse no lugar certo e na hora certa. Ele é o pior irmão.
Hora errada e lugar errado, quis dizer.
Eu odiava mentir para meus irmãos. Nós tínhamos nossos segredos e
fantasmas. Eu sabia disso. Mas enganá-los deliberadamente, não. Não me
sentia bem fingindo com eles. Nós passamos por tanto. É difícil enganar as
pessoas com as quais você viveu os piores momentos da sua vida.
Benjamin não havia superado o fato de não ter mencionado que havia
começado a namorar. Assim como também não superava o fato de que eu
deixei claro que ele devia manter distância da garota logo depois que
chegamos em casa ontem. Benjamin sempre foi a pessoa em quem eu mais
confiava, e manter essa parte de minha vida distante dele devia soar como
uma espécie de traição.
Meus irmãos não estavam convencidos sobre o meu relacionamento, e
não podia culpá-los. Leighton e eu não nos dávamos bem. Não havia a menor
possibilidade de alguém acreditar naquela merda.
— Não fui eu quem furei sua bola de basquete — retruquei,
lembrando-o de uma briga que teve com Jackson, certa vez, e, para vingar-se,
nosso irmão rasgou sua bola preferida.
Ele deu de ombros.
— Jackson ficou dois meses sem mesada e eu ganhei uma bola bem
melhor com a grana dele.
— E não fui eu quem escondeu uma namorada — gritou Jackson, ao
longe. Apertei os olhos na direção de onde vinha a sua voz, já que nem o
havia visto.
Ele estava fazendo flexões, próximo à parede mais escondida da área.
— Tá, mas fala, o que essa garota tem que conseguiu fazer você olhar
para ela e pensar “é isso, quero foder só essa boceta.” — um dos caras do
time de lacrosse perguntou, enquanto escolhia que sessão faria.
— Sua resposta está implícita. Ela tem uma boceta de ouro, sem
dúvida — George gritou novamente.
Se eles soubessem que esse é um namoro de mentira sem nenhuma
diversão, estariam me levando ao manicômio.
E, embora ela não fosse absolutamente nada para mim, pareceu errado
falarem sobre a garota. Ela teria enlouquecido se soubesse que, como ela
mesma diria, as suas partes, estavam sendo citadas no meio de todos esses
imbecis.
— Não quero ouvir nenhum dos babacas falando sobre a boceta da
Afrodite. — Usei o tom mais alto que consegui para que o aviso chegasse a
todos.
— Isso só prova que o chá foi bom — Kevin, do Lacrosse, falou.
— Pra ser sincero, eu acho que esse namoro não dura nem até o final
do dia — George interrompeu. Ele estava correndo na esteira. Tirou a toalha
já meio molhada do ombro passando-a no rosto.
— Eu concordo. — Outro garoto de quem eu não lembrava o nome
concordou, enquanto usava o aparelho de pernas. — Ouvi dizer que os dois
fizeram uma ceninha agora lá no Women’s.
Meio que sorri vendo que meu objetivo estava funcionando. Com esse
boato circulando, eu tinha certeza de que ela enfim me deixaria em paz.
— Não sei de onde surgiu a ideia de que o Andrew era um bom tipo
para namorar. — Fleen, do basquete, me olhou com uma expressão divertida.
— A garota, coitada, nem imagina que na primeira oportunidade vai ganhar o
maior par de chifres já visto na história da Walker.
— Se o plano dela era entrar para a história, vai conseguir. — O cara
de quem não lembrava o nome concordou.
— Eu acho que eles nem devem mais estar juntos — Fleen ficou de
pé com os olhos fixos na tela do celular. — Lá no aviãozinho estão dizendo
que o Andrew gritou com a garota e que ela precisou sair de lá e se esconder
em algum canto. Segundo as fontes, ela estava chorando.
Senti uma coisa estranha no peito. Não era o bem feito que eu estava
esperando. Os garotos emitiram um som de descontentamento quando Fleen
contou da briga.
— Vão cuidar da porra da vida de vocês! — falei, firme, com o
maxilar trincado. Benjamin me encarava como se eu fosse um idiota por ter
magoado a Leighton, e, naquele momento, sob o olhar julgador do meu
irmão, me senti um. Balancei a cabeça em negativa, com o maxilar trincado.
— Nós dois só precisamos nos adaptar.
— Ou outro alguém vai se adaptar antes. Ouvi dizer, de fontes
seguras, que um cara que faz a aula de saúde mental com ela parece estar
marcando território só esperando o bonitão aí pisar na bola. — Jhonan Clark,
também do hóquei, apontou.
— Que cara? — O tom gélido assustou até a mim mesmo.
Será que era o mesmo do shopping?
— O garoto de Harvard. — Deu de ombros.
Soltei o ar com força dos pulmões.
Era ele.
— Tá preocupado, Andrew? Não gosta de concorrência?
Kevin brincou, fazendo com que minha raiva apenas aumentasse. Eu
precisava mesmo quebrar a cara de alguém, porque não a dele?
— Nem adianta se estressar, cara. Você é o tipo que manda bem com
uma mulher na cama, Andrew. Fora dela, fala sério. Precisa reconhecer suas
limitações. — Outro cara, um dos amigos do Benjamin, também concordou.
— Não é à toa que a Lorrana vive para fazer propaganda negativa sua por
onde quer que eu vá.
— A Lorrana queria um namorado, não uma transa — defendi-me.
— E, pelo visto, a sua garota acha que pode ter um namorado
também. — George riu, ficando com uma expressão séria em seguida. —
Espera, cara. Ela tá grávida? Vocês transaram, e a boceta dela era tão boa que
você esqueceu a regra de ouro? É por isso que está metido nessa palhaçada?
Expressões de puta que pariu, merda, aí é foda e outras variações
começaram a ser ditas. Mas a maioria dos caras apenas começou a olhar em
minha direção esperando a resposta.
Podia sentir, em especial, os olhares preocupados dos meus irmãos.
Melhor que ninguém eles sabiam que eu jamais fugiria da responsabilidade
de criar alguém. De dar o meu melhor por esse alguém.
— Ela não está grávida. — Precisei morder a língua para não contar
que ainda não transamos.
— Melhor assim. Mas, como eu disse, isso não dura até hoje à noite.
Apostei duzentos dólares nisso e agora sabendo que tem concorrência e que
você foi estúpido com a garota em público é ainda mais fácil perceber que o
gostosão aí vai ser trocado pelo bom moço misterioso. — Um dos caras
piscou para mim antes de voltar a se concentrar em sua sessão.
Abri a boca para dizer que eu não seria trocado por ninguém, mas
pisquei, prestando mais atenção em suas palavras.
— Como é? — quis saber, quando enfim compreendi o que quis
dizer. — Você apostou na porra do meu relacionamento?
— Nós todos, cara. — Fleen assentiu orgulhoso. — Tá rolando uma
aposta pela universidade inteira. Calouros, veteranos, todos os caras da
Walker University que conhecem a sua fama de malvadão destruidor de
corações.
Isso me deixou puto.
Muito puto.
Tinha certeza de que conseguiria quebrar a cara de todos eles.
De vez.
— Vocês não têm nada mais interessante para fazer, tipo transar ou
ganhar as porras das partidas de vocês? Precisam mesmo cuidar da minha
vida sexual? — perguntei, irritado.
— Cara, nós até temos coisas para fazer, mas nada tão interessante
quanto saber o tempo em que você vai levar pra foder com a cabeça dessa
garota. Especialmente depois de ter dito que ela é o tipo que quer casar. —
George parecia animado demais — Eu, particularmente, apostei que você não
aguentaria ficar sem enfiar o pau em outra garota até o sábado, na festa da
fraternidade Ukey. Por favor, apostei trezentinhos, então não me decepcione.
— Vocês todos são homens de pouca fé — Malcon falou. Finalmente
alguém em minha defesa. — Eu acho que ele vai aguentar três meses.
Estatísticas afirmam que três meses é o tempo que se leva para uma paixão
acabar. Eles vão transar feito coelhos por três meses, o Davis ali vai perceber
que não está apaixonado de verdade e que toda a novidade do sexo está
acabando, logo depois vão terminar e não vai ser traumático porque os dois
estarão muito satisfeitos para brigarem um com o outro.
— Pensei que você fosse meu amigo, filho da puta! — Encarei
Malcon com os braços cruzados.
— Se eu fosse você não ia querer saber o tempo que seus irmãos
apostaram, então. — Minha cabeça virou na direção de Benjamim que deu de
ombros.
— Três semanas — confessou, com uma expressão culpada no rosto.
Encarei Jackson pelo espelho em frente ao local onde fazia suas
flexões.
— Eu não apostei em porra nenhuma. Seu namoro, você quem sabe
— suspirei aliviado. Pelo menos alguém se salvava. — Mas se tivesse que
apostar, diria que algo em torno de duas semanas. Você devia entender isso
como um elogio. Se tivesse que apostar no Benjamin, diria que ele não
aguentaria nem mesmo um dia.
— Ei — meu irmão gritou de algum canto.
— Então, todos vocês, filhos da puta, acreditam que eu não sou capaz
de manter um namoro e estão apostando dinheiro nisso? — questionei,
irritado.
— Desculpa cara, são só negócios. Eu tenho muitas despesas
universitárias, qualquer ajuda financeira é uma alegria enorme. — Fleen deu
de ombros como se precisasse de ajuda e o outro cara, o que eu não lembrava
o nome, concordou acenando.
— Sabe de uma? Eu é que vou ganhar o caralho dessa aposta. Vou
provar a todos vocês que eu e a Afrodite temos futuro — retruquei.
— Desculpa, mas o nome da sua gata não é Leighton? — Alguém
quis saber e não consegui identificar a voz.
Os caras riram como hienas com dor de barriga.
Filhos da puta.
— Afrodite é o apelido que eu dei a ela. — Rosnei. — Mas vocês não
entendem isso porque não têm a porra de uma namorada.
— E... tem até apelido. — George implicou e os caras assobiaram, me
fazendo rolar os olhos. — Pena que vai usar por pouco tempo.
— Eu vou provar a vocês que posso namorar sério e fazer uma garota
feliz.
— Essa eu pago pra ver — Michel Drudol do tênis ergueu uma nota
de cem dólares.
— Vocês estão com inveja porque vão ter que implorar pra foder
garotas bêbadas enquanto eu tenho uma pessoa que gosta de mim. — Dei de
ombros. — Vocês ainda têm muito o que aprender, filhos da puta.
— É, gente, em uma coisa ele está certo... Ninguém aqui tem uma
namorada, e alguém precisa ser um bom exemplo, porque se tivermos que
aprender com o Davis como tratar uma mulher, estamos fodidos. — George
riu, me tentando a contar que devia perguntar à mãe dele se ela tinha algo a
reclamar, porque quando eu a fodia, eram só pedidos para que eu não parasse.
Mas seria cretino na minha parte fazer uma coisa dessas.
— Vocês são todos uns fodidos mesmo. — Mostrei o dedo do meio.
— Eu vou fazer algo mais produtivo, porque isso aqui está fedendo a suor e a
gente filha da puta. — Semicerrei os olhos para eles por um instante,
deixando a sala em seguida.
Então era isso que os caras pensavam de mim?
Eles achavam mesmo que eu não era capaz de manter uma relação
séria por algum tempo?
Pois eu ia mostrar a eles que estavam errados.
Já que eu estava preso nessa porra de relação mesmo sem querer, eu
faria com que aqueles filhos da puta engolissem cada uma de suas palavras.
Eu seria o namorado mais perfeito que a Ivy League já viu. E o primeiro
passo era procurar no Google o que um bom namorado faz para pedir
desculpas à garota que, com certeza, não quer vê-lo nunca mais.
Capítulo 20
— Não acredito! É por isso que você está com essa cara de quem
dormiu mal à noite?
Mamãe falou empolgada demais. Soltei um suspiro longo. Sentia-me
um pouco culpada por contar uma mentira ela, mas mamãe ficaria feliz por
mim, e nada melhor do que deixar minha mãe feliz.
— Na verdade, fui a uma festa ontem.
A imagem de minha mãe ficou parada por alguns segundos, os olhos
fixos na câmera frontal do aparelho celular, e eu pensei que a internet havia
caído.
— Eu devo estar sonhando! — Um enorme sorriso cortou seu rosto.
— Uma festa e um namorado na mesma semana? Isso é muita alegria para
uma mãe só!
Rolei os olhos, rindo de sua animação.
— Posso terminar com ele, já que a senhora não consegue lidar com
tanta informação nova. — Dei de ombros como se não me importasse.
O sorriso sumiu do seu rosto no mesmo instante.
— Nem pense nisso! — falou, brava. — Ai, filha, você nem é capaz
de imaginar o quanto eu pedi a Deus que você conseguisse fazer amigos e ter
um namorado legal.
Franzi o cenho na parte do legal.
Andrew estava se esforçando, eu não podia negar. Era sempre cordial
comigo, e havia debaixo de toda aquela armadura e roupas escuras um cara
que tinha um bom senso de humor e era muito inteligente. Eu gostava desse
Andrew, mesmo sabendo que tudo era uma farsa e que ele voltaria a ser um
cretino que transava com tudo que se movia em breve.
O plano estava dando certo. Desde que Andrew começou a ser mais
legal comigo, James deu uma desaparecida. Minha preocupação era a
próxima aula de saúde mental.
— Eu te disse que não precisava se preocupar comigo, mãe. Consegui
tudo que a senhora queria, viu?
A expressão de contentamento em seu rosto desapareceu
instantaneamente dando lugar à preocupação.
— Não é tudo que eu queria, querida — falou, firme, me encarando,
como se eu ainda tivesse cinco anos. — Não quero que se sinta pressionada
por mim a namorar esse garoto ou a conhecer pessoas novas, é só que você,
que sempre foi sociável, ficou mais introspectiva depois que nos mudamos, e
não quero que se sinta só agora que também está longe de nós e do Ab.
Soltei um suspiro.
Eu odiava quando mamãe se culpava pela minha falta de interesse
pelo convívio social. Ela achava que foi a nossa mudança que destruiu a
minha vontade de fazer amigos, quando na verdade, ela me salvou.
Mamãe tinha que ser grata, não se sentir culpada.
— Não foi o que eu quis dizer, mãe — respondi, sentindo-me um
pouco culpada. — Não estou fazendo isso pela senhora. O Andrew é um cara
legal. Eu gosto dele. E a Madison e Chiara, eu tenho certeza de que não
aguentaria essa loucura que é estudar aqui sem elas. A senhora estava certa,
sobre tudo. Eu realmente precisava estar disposta a novas experiências.
— É bom ouvir isso, querida — podia ouvir o alívio em sua voz. Sem
conseguir se conter, deu um sorriso daqueles que já indicava o tipo de
pergunta que viria a seguir. — Me conta, ele é atleta?
— Mãe? — falei alto, fingindo estar chateada com a pergunta.
— O quê? Só estou tentando saber mais do meu genro querido. —
Fez uma expressão de inocência.
— Nem o conhece e já está caidinha por ele. — Balancei a cabeça em
negativa. — Você é como todas as meninas dessa universidade.
— Uau, seu namorado é popular? — chegou o corpo para mais perto
do telefone, como se eu fosse compartilhar uma grande fofoca.
— Ele é uma galinha. — Mamãe arregalou os olhos e eu me arrependi
completamente de ter falado isso. — Era. Ele tem se comportado muito bem
desde que começamos a namorar, mas as garotas daqui têm um fraco por ele.
— Isso quer dizer que ele é capitão do time de futebol americano? —
apertou os olhos em minha direção.
— Não, mãe. Ele não é atleta. — Menti. Não podia simplesmente
dizer que ele ficava por aí arrumando briga. — Mas tem dois irmãos que
estudam aqui também. Um é jogador de futebol americano, outro de
basquete. A outra, Olívia, está no último ano da escola.
— Bem, ser atleta não é o que importa de verdade. — Mamãe deu de
ombros. — Ele tem que te fazer feliz. A garota mais feliz do mundo. Você
não merece menos que isso, meu amor.
Assenti, feliz por minha mãe estar feliz também.
— Eu estou feliz, juro. — Não sabia dizer se feliz expressava bem. Eu
estava aliviada. Era reconfortante saber que James estava mais afastado. Eu
precisava que as coisas continuassem assim.
— Que bom, meu amor. E quando vou conhecê-lo? Você podia fazer
uma chamada de vídeo quando estiver com ele.
Minha vontade foi de gargalhar.
Com certeza Andrew jamais aceitaria conversar com a minha mãe.
Fingir que namora comigo na frente de toda uma universidade é uma coisa,
envolver pais, especialmente mães doidas para terem um genro, não era algo
que fosse a cara dele.
— Vamos marcar isso, prometo. — Menti, para não decepcioná-la.
— E está precisando de dinheiro para alguma coisa? — mamãe quis
saber.
— Mãe, eu trabalho. — Rolei os olhos. — Não precisa se preocupar
tanto comigo.
— Eu sei, meu amor. Mas especialmente agora que você tem um
namorado, sei que vai precisar de mais dinheiro para sair com ele.
— Fica tranquila, mãe. Está tudo certo por aqui. Se eu precisar de
algo, juro que vou pedir.
— Promete? — perguntou, erguendo a sobrancelha.
— Palavra de escoteira — brinquei.
— Você nunca foi escoteira, garota. — Ela apenas rolou os olhos
rindo. — E outra coisa, Leighton. Estou muito feliz por você estar aberta a
novas experiências, mas use camisinha. Você tem uma vida inteira pela
frente, e nem sempre as pessoas são receptivas a mulheres que têm filhos
cedo. Isso sem falar que se ele tem realmente uma vida sexual muito ativa,
você vai estar protegida.
— Mãaaae — coloquei as mãos na frente do rosto com vergonha por
estarmos falando sobre fazer sexo, e a vida sexual antes ativa do meu atual
namorado de mentira.
— São apenas conselhos de quem já viveu mais que você, meu amor.
— Ela sorriu. — Agora eu tenho que ir. Vou buscar seu pai no trabalho e
depois vamos comer alguma coisa na rua.
Ela contou que os dois estão mesmo aproveitando para fazer mais
coisas juntos, como casal e que tem sido um momento importante para eles.
Que tem fortalecido muito a relação.
Nada podia me deixar mais feliz do que saber que meus pais estavam
bem.
“Cheguei”
Enviei a mensagem para Madison assim que parei na porta de sua
fraternidade. Madison havia me chamado para estudar com ela, mas eu tinha
certeza de que ela queria mesmo era saber fofocas sobre Andrew e eu.
Ela não respondeu, mas a porta foi aberta logo em seguida por uma
garota que eu só havia visto em festas. Ela era negra e usava tranças box
braids. Era linda e, segundo Andrew me contou era líder de torcida e,
namorava com o capitão do time de basquete.
— Olá! A Mad está me esperando — falei, sorrindo simpática para a
garota.
Ela me olhou de forma engraçada e sorriu.
— A famosa namorada do Andrew — não falou de uma forma ruim,
mas também não pareceu uma coisa boa.
Abriu a porta um pouco mais, dando-me espaço suficiente para entrar.
— Não diria famosa, mas sim, namorada dele.
— Famosa é pouco. Lendária. — Fechou a porta começando a
caminhar e deixando claro que eu devia segui-la. — Se você soubesse
quantas garotas já tentaram de todas as formas fazer com que o coração de
gelo assumisse um compromisso...
Se ela soubesse como eu consegui isso.
Dei de ombros como se não fosse nada demais, parando em seguida.
Ela parou também.
— Por favor, me diz que você não é uma delas e que não vai me levar
a uma sala vazia e me deixar careca.
Ela riu me olhando como se eu fosse engraçada mesmo. Voltando a
caminhar. Segui-a outra vez.
— Gosto de você, garota. Mas não, o meu namorado e eu estamos
juntos desde o jardim de infância. Ele foi a primeira pessoa por quem me
apaixonei. Nunca tive olhos para o Andrew, mas você não vai poder dizer o
mesmo da metade das garotas do campus.
Fiz uma careta.
— Elas me odeiam, né?
— Não necessariamente, mas, assim como eu, estão curiosas para
saber o que você tem de tão especial.
Um trunfo?
— Bom, essa é uma coisa que só ele pode responder. — Dei de
ombros. — Na verdade, acho que as pessoas queriam estar com ele pelo
status que ele representa. Como se estar com ele, fosse levá-las a um patamar
de conquistei o inconquistável. Eu não me importo com isso. Só gostei dele.
Da pessoa que ele mostrava ser quando ninguém estava olhando.
Um ogro, se eu fosse justa.
— E quem ele é quando ninguém está olhando?
— Diferente de quem as pessoas pensam.
— Sabe, se ele realmente gosta de você, espero que vocês deem certo.
Todo mundo merece encontrar alguém que o faça feliz.
— Obrigada! — Sorri um pouco sem jeito.
Na verdade, ele não gosta de mim, eu não gosto dele, então nós nunca
daríamos certo.
— Bem, a Mad pediu para que você esperasse aqui. — Ela apontou
para um dos cômodos da casa, abrindo a porta. O ambiente estava claro por
conta da iluminação natural, mas também das paredes brancas. Haviam
poucos móveis. Um sofá, uma pequena mesa de centro e uma televisão sobre
uma bancada de madeira.
Caminhei pelo espaço parando perto da enorme janela de vidro,
observando a paisagem do outro lado. A rua estava praticamente vazia. Eu
sempre quis saber como funcionava a vida em uma fraternidade, mas nunca
cogitei viver em uma já que o custo é muito maior.
Com certeza eu teria problemas em morar com tantas pessoas.
Algumas fraternidades chegam a abrigar cerca de cinquenta meninas.
Imagina o tanto de mulher dentro de uma casa? Deve ser um inferno quando
estão todas de no período menstrual, juntas.
— O que você está vendo de tão engraçado? — Madison perguntou
entrando na sala e quase me matando de susto no processo.
Carregava alguns livros e os jogou na mesinha correndo para o meu
lado, doida para ver a fofoca que estava perdendo.
— Não é nada. Só estava pensando em como deve ser estranho morar
com tantas garotas quando estão de TPM ao mesmo tempo.
Mad rolou os olhos.
— Um verdadeiro inferno. Talvez pensando por esse lado você deva
conseguir entender o motivo para que eu passe tanto tempo em seu quarto. —
Deu de ombros. — Isso sem contar que algumas garotas aqui me odeiam
porque minha mãe fez questão de manter a tradição da família e me manter
em um quarto enorme e sozinha enquanto a maior parte delas dividem
espaço.
Suspirei de forma audível.
— Ser odiada por ser uma menina rica. Isso é tão triste, Mad. —
Coloquei a mão no coração fingindo uma cara de dó para ela.
— Você é uma péssima amiga, Leighton. — Balançou a cabeça em
negativa. — Agora, para balancear isso, você precisa me contar como vão as
coisas com o Andrew. Eu confesso que no dia em que nos encontramos no
shopping eu cheguei a pensar que vocês fossem terminar ali mesmo. Ai,
depois teve aquela grosseria que ele fez com você e, do nada, ele se torna o
último romântico da Terra. — Mad apertou os olhos para mim.
Dei de ombros.
— Nós só precisávamos nos adaptar um pouco. O Andrew nunca teve
uma namorada, ele só dormia com todo mundo sem compromisso. Eu
também nunca tive um compromisso sério antes e, sendo justa com ele, meu
comportamento não era dos melhores — declarei, mordendo a língua para
não deixar escapar a verdade. — Acho que agora que estamos conseguindo
superar nossas diferenças e nos conhecendo melhor as coisas estão fluindo.
— E você está feliz com isso? — quis saber.
— Eu gosto da companhia dele e também das coisas que ele me faz
sentir — contei, com um pouco de vergonha.
Em parte, aquilo era verdade. Gostava das sensações quando ele me
beijava. Gostei quando ele ficou excitado por mim na festa. Gostava de
conseguir, enfim, estarmos conseguindo nos dar bem.
— E você acha que vocês estão prontos para avançar o sinal? —
Madison perguntou, me encarando com os olhos brilhando em expectativa.
— Não estou preocupada com isso agora — menti.
Sabia que nós dois nunca chegaríamos a tanto.
— Mas ele, com certeza, deve estar muito preocupado com isso. Eu vi
a forma como vocês estavam na festa e posso dizer que a maneira como
Andrew te olhava gritava sexo, por favor.
Ri.
— Você está doida.
— Quando vocês transarem, você vai me contar os detalhes, né?
Franzi o cenho para ela com uma expressão de ultraje.
— Claro que não. Essas coisas são particulares.
— Fala sério. — Madison rolou os olhos. — Você é mesmo uma
péssima amiga. A Chiara devia estar aqui, ela com certeza ia me ajudar a
colocar juízo em sua cabeça.
Balancei a cabeça em negativa.
— Mas, se você está feliz, eu também estou. Eu teria esperado que
você namorasse um cara tipo nerd, mas... — Deu de ombros. — O que
importa é se você está feliz. E eu estou torcendo muito para que vocês
continuem bem juntos.
Sorri para Mad me sentindo uma péssima amiga por fazê-la acreditar
em uma mentira.
— Vamos lá? — perguntou, me entregando uma folha e pedindo que
eu acompanhasse a apresentação, apontando seus erros até que estivesse
perfeita.
Ela era muito boa com oratória e argumentos. Durante a apresentação
a interrompi algumas vezes para fazer perguntas. O tipo de coisa que eu sabia
que alunos podiam fazer para desestabilizar o outro, assim como
questionamentos que podiam ser feitos pelo próprio professor. Ela foi
simplesmente impecável. Sabia responder tudo com graça, sem gaguejar
quando pega desprevenida.
— Ei, Mad. — A garota que havia aberto a porta para mim mais cedo
apareceu com uma cara de quem pede desculpas —, você já acabou? Vamos
precisar da sala. A tv da outra sala não está querendo ligar e não dá pra levar
todas as garotas pro quarto. Preciso ver um vídeo com elas antes de
começarmos os treinos.
— Já acabamos aqui. Só vamos organizar as coisas — Mad falou
dando um sorriso. A outra garota assentiu, animada, abrindo a porta de vez e
convidando as demais meninas a entrarem.
Um enorme grupo começou a passar pela porta enquanto nós
pegávamos os livros. Ouvi um burburinho e me assustei quando ergui a
cabeça, encontrado as garotas me encarando com curiosidade.
— Você é a namorada do Andrew? — uma delas perguntou.
Assustada, olhei para Mad que apenas sorriu dando de ombros.
— Sim. Sou eu.
— Ai, meu Deus, você precisa nos dar umas dicas, sabe? Tipo, eu
queria muito que o Malcon namorasse comigo, mas ele me disse que com ele
o lance era ir pra cama só uma vez. — Ela fez uma careta de desgosto. — E
ele cumpriu a palavra. Como você fez para conseguir namorar o Andrew?
Quer dizer, ele querer namorar você.
Abri a boca sem saber exatamente o que responder.
— Huuum, as coisas só foram acontecendo — garanti, dando de
ombros. — Não existe uma fórmula certa.
— Claro que tem! — Outra garota falou. — Meu Deus, eu queria
tanto ser você. Ter aquele cara em minha cama todos os dias deve ser... — ela
deixou a frase no ar soltando um suspiro sonhador.
É sério que ela está falando das habilidades sexuais do meu namorado
na minha frente?
Por mais que fosse a coisa mais idiota do mundo, já que nós não
namoramos, eu não gostei daquele comentário. Senti uma coisa estranha
queimando em meu peito.
De repente, uma garota entrou na sala e o clima ficou tenso. Eu me
lembrava dela. Fazia aula comigo, Madison e Andrew. Ela o odiava,
inclusive. Lorrana Nasser. Ela me olhou, não daquela forma de quem quer
medir a outra por despeito, mas com um interesse genuíno. As outras garotas
ficaram em silêncio aguardando o que ela diria.
— Você parece uma pessoa legal, então eu vou te dar um conselho
que ninguém me deu, caloura. Transe com ele o quanto quiser, mas não se
apaixone. Caras como ele não sabem nada sobre amar, mas são ótimos para
destruir corações.
— Lorrana. — A líder de torcida chamou, e ela apenas ergueu as
mãos, como se se rendesse.
— Só estou fazendo com uma garota o que eu queria que tivessem
feito comigo. Um dos lemas das nossas fraternidades é a sororidade, não é?
— Ela estava olhando para a garota. Então, virou-se para mim. — É sério,
não desejo que passe pelo mesmo que eu. E saiba que se precisar conversar
quando ele partir seu coração, estou à disposição.
Ela me pareceu sincera. Genuinamente preocupada. Eu queria dizer
que isso não seria necessário. Andrew não partiria meu coração porque nós
não éramos um casal de verdade, mas apenas assenti.
Ao menos, uma coisa legal eu podia dizer sobre as fraternidades, suas
garotas cuidam mesmo umas das outras.
Capítulo 23
Uma das melhores coisas sobre o meu quarto é que eu realmente não
conseguia ouvir nenhum tipo de barulho que vinha do lado de fora. Algumas
vezes, os vizinhos resolviam ouvir música até mais tarde e eu só ficava
sabendo na manhã seguinte quando Jackson e Benjamin reclamavam.
Foi exatamente por esse motivo que minha mente começou a
despertar estranhando os sonhos que ouvia.
Abri os olhos encarando a escuridão com a mente ainda confusa e
sem entender o motivo de estar com um frio que não é costumeiro. Pisquei
algumas vezes até me dar conta de que eu estava dormindo no chão. E estava
dormindo no chão porque Leighton estava em minha cama.
Pisquei mais algumas vezes, movimentando-me entre os lençóis.
Ergui a cabeça para ver se ela estava bem, entretanto o som da respiração
entrecortada me chamou atenção assim como a visão de sua silhueta sentada.
A mão sobre o peito como se assim pudesse controlar o desconforto dentro
do peito.
Levantei-me rapidamente.
— Ei, Leighton, você está bem? — perguntei, aproximando-me.
Acendi o abajur na mesa de cabeceira e a cena que vi fez com que
meu coração se apertasse um pouco.
O sentimento de impotência me assolando outra vez. Apertei os olhos
por um segundo. Eu precisava me concentrar e focar nela.
Leighton estava pálida e trêmula. Os olhos assustados tinham um tom
de vermelho e algumas gotas de lágrimas escorriam por suas bochechas.
Sentindo como se estivesse voltando no tempo, sentei-me na ponta da
cama de forma que estivesse em sua frente. Peguei sua mão livre entre a
minha. A mão estava gelada e molhada de suor.
Eu sabia bem o que era aquilo. Já tinha visto Benjamin naquele estado
algumas vezes.
— Respira fundo — pedi. — Estou aqui com você.
Apertei de leve sua mão como se quisesse mostrar-lhe que ela poderia
contar comigo. Ela me encarou, mas era como se não me visse. Os olhos
estavam desfocados e havia uma névoa pairando neles.
— Respira — pedi outra vez. — Vai ficar tudo bem, eu prometo. Vou
colocar sua mão em meu peito e nós vamos respirar juntos, tudo bem?
Leighton assentiu.
Fiz conforme havia dito. Pressionei a mão gelada contra meu peito
quente por conta dos cobertores.
— Fica calma. Eu estou aqui com você e não vou deixar que nada de
ruim te aconteça, eu prometo — Leighton assentiu, a forma como
movimentou o rosto fez com que eu conseguisse ver sua expressão assustada
e os olhos que estavam cheios de lágrimas. — Respira comigo. Um. —
Contei, inspirando.
Ela imitou meu gesto, inspirando também.
— Dois. — Expirei, vendo-a fazer o mesmo. — Três. — Inspirei. —
Quatro. — Expirei. Continuei nesse ritmo até chegar ao número dez.
— Você está indo muito bem, Afrodite. — Afaguei sua mão que
continuava sobre meu peito dando um sorriso encorajador para ela. — Mais
uma vez?
Ela assentiu.
Dessa vez, parecendo mais relaxada, fechou os olhos concentrando-se
em minha voz e nas nossas respirações. Continuamos assim mais algum
tempo. Sempre dividia em sessões de dez elogiando-a nos intervalos. Aos
poucos, sua respiração se normalizou e a cor foi retornando ao rosto.
— Está melhor? — perguntei, passando o indicador da mão livre por
seu rosto pondo um pouco de seus cachos atrás da orelha.
Leighton assentiu.
— Sim. — A voz estava fraca, mas aposto que ela queria testar para
saber se de fato estava bem.
— Você acha que pode ficar um pouco sozinha? Vai te fazer bem
beber um copo de água.
Ela pareceu insegura por alguns instantes, então assentiu. Não me
levantei de imediato. Nossas mãos permaneciam unidas e eu estava gostando
da sensação. Sair do quarto significava que eu teria que soltá-la. E eu tinha
certeza de que não estava disposto a isso.
Bufei, sabendo que ela precisava disso.
Eu garanti que voltaria em um minuto dando um aperto leve em sua
mão. Acostumado com o ambiente e fazendo o mesmo percurso há dois anos,
pelo menos, não tive dificuldade para chegar à cozinha no escuro, pegar a
água para ela e depois retornar ao quarto em tempo recorde. Estendi o copo
em sua direção. Seus dedos tocaram os meus ao pegá-lo e senti uma estranha
quentura se apossar do meu corpo.
Assisti quieto enquanto Leighton dava pequenos goles na água.
— Desculpa — ela falou depois de baixar o copo e pousá-lo próximo
às pernas. O polegar subia e descia pela superfície lisa mostrando o quanto
estava nervosa.
— Não precisa se desculpar — garanti, sentando-me ao seu lado outra
vez.
Leighton balançou a cabeça em negativa.
— Já tem um tempo que eu não me sinto assim. — Baixou a cabeça
como se estivesse envergonhada demais para me encarar.
— Você não precisa se explicar, Afrodite. — Usei um tom gentil,
apertando um pouco o seu braço com gentileza.
Permanecemos em silêncio por algum tempo.
Ela engoliu em seco, pousando o copo que ainda segurava sobre a
mesa de cabeceira ao lado do abajur que nos iluminava.
— Como você... Como você aprendeu a fazer isso?
— Meu irmão. Benjamin passou por uma fase muito ruim quando
perdemos nossa mãe.
— Eu sinto muito. — Mordiscou o lábio.
Assenti.
Ficamos em silêncio outra vez. Leighton bocejou.
— Quer tentar dormir?
Ela abriu a boca para responder, mas não falou nada. Movimentou a
cabeça em um gesto afirmativo.
Dei-lhe um sorriso encorajador puxando o lençol da cama para que
ela pudesse deitar antes de cobri-la. Ainda parecia desconfortável mesmo
depois que havia passado o edredom por seu corpo. Leighton mordia o lábio
inferior mexendo a mão de forma quase compulsória.
— Quer que eu deixe o abajur aceso?
Assentiu, outra vez.
Sorri para ela sem nenhuma vontade de retornar ao meu amontoado
de lençóis no chão. Não tinha certeza se ela estava se sentindo melhor o
bastante para ficar sozinha outra vez.
— Andrew — Leighton chamou quando, relutante, dei as costas
voltando para o espaço no chão onde eu havia arrumado a minha cama. Virei-
me outra vez em sua direção. Os dentes estavam pressionados nos lábios
inferiores — Acho que você pode dormir aqui. Você tem razão, sua cama é
enorme, tem espaço para nós dois — falou com um sorriso nervoso.
— Tem certeza? — ergui um pouco o lado esquerdo dos meus lábios.
— Você pode acabar não resistindo ao meu charme e me atacar durante a
noite.
Ela sorriu. De verdade dessa vez.
— Você não é tão irresistível quanto pensa. — Leighton puxou o
lençol do lado vazio da cama indicando que eu devia deitar. Não me movi por
algum tempo encarando o espaço vazio. — Prefere o chão, então? — ergueu
uma sobrancelha em minha direção jogando o lençol sobre o espaço outra
vez.
Não preferia o chão, mas seria um transtorno para meu pau dormir ao
lado dela sem poder tocá-la.
— Vou correr o risco de vê-la não resistir a mim.
Leighton sorriu ao me ver deitar ao seu lado.
Ficamos em silêncio outra vez.
— Andrew — chamou, baixinho. — Como ela morreu? — perguntou
depois de um tempo. — A sua mãe.
Senti meu corpo gelar por alguns instantes.
Não falava sobre isso. Sobre ela. Sobre aquele dia.
— Você não precisa responder se não quiser — concluiu, percebendo
que eu havia ficado em silêncio tempo demais. Sinal de que não iria falar
sobre o assunto.
Já pensei sobre isso. Milhares de vezes.
Em falar com alguém.
Mas já naquela época, eu sabia que precisava ser forte. Que tinha que
ser forte. Leighton estava deitava de frente para mim. O braço esquerdo e a
cintura prensados contra a cama. Ela me encarava com curiosidade. Não
como se esperasse que eu fosse falar alguma coisa, mas como se de alguma
forma quisesse me decifrar.
Os olhos escuros eram ao mesmo tempo intensos e inocentes. Eu
tinha feito algumas ideias erradas a seu respeito e agora já não sabia quem ela
era. Mas tinha certeza de que Leighton não era absolutamente nada
semelhante à garota que eu havia cogitado e desprezado inicialmente.
E se eu queria que ela confiasse em mim, sabia que precisava confiar
nela de igual forma. Eu tinha que saber qual segredo ela escondia.
— Foi um acidente. Um acidente de carro — falei por fim. A voz tão
baixa quanto um sussurro. Leighton pareceu paralisada por um momento,
como se o fato de que eu decidi falar tivesse sido uma enorme surpresa. —
Benjamin estava em uma fase que amava ir às aulas, mas não estava muito
bem e nossa mãe não o mandou para a escola. Jackson se envolveu em uma
briga e ela foi buscá-lo mais cedo. Ben quis ir junto e ela teve algum
problema com o carro, parou no acostamento quando um cara bêbado bateu
em seu carro.
Eu me lembrava perfeitamente daquele dia.
Foi um dia quente. Um daqueles dias que as professoras às vezes nos
levavam para uma aula ao ar livre, debaixo de alguma árvore. Nossa
professora de literatura tinha dito que nos levaria e nós estávamos animados.
Lembrava que a diretora, a senhora Core havia ido à porta da minha
sala e pedido licença para falar com a nossa professora. Lembrava que a
senhora Koubat retornou para sala com uma expressão pesarosa. Eu cheguei
a pensar que não havíamos tido aval para a aula lá fora. Depois de respirar
fundo algumas vezes, ela deu um sorriso sem graça e disse que eu deveria
acompanhar a senhora Core.
Caminhamos lado a lado até sua sala. A diretora conversava
amenidades no caminho. Queria saber sobre Olívia, sobre meus planos para o
futuro, sobre o time de hóquei ao qual eu já me dedicava muito na época.
Depois que entramos em sua sala, a porta foi fechada.
Eu senti um frio estranho. Não por causa do ar gelado, mas aquele frio
que antecede uma coisa ruim. Eu não era um mau aluno. Muito pelo
contrário. Mamãe sempre me lembrava de que eu era um exemplo para meus
irmãos. Como um espelho daquilo que eles seriam. Ela costumava dizer que
os irmãos mais velhos têm mais influência sobre os mais novos que os
próprios pais. Eu queria que meus irmãos fossem boas pessoas, então me
esforçava para ser o melhor possível. Logo, não fazia a menor ideia do
motivo pelo qual ela pediu para me ver.
A senhora Core puxou o ar com força antes de sentar-se na cadeira
vazia ao lado da minha. Notei que havia lágrimas em seus olhos quando me
encarou e ergueu a mão para que eu a segurasse. Meu coração galopou dentro
do peito. Então ela me contou sobre o acidente.
Foi o pior momento da minha vida.
O chão havia desaparecido debaixo dos meus pés.
O universo havia parado de girar.
Senti meus olhos arderem. Sabia que as lágrimas estavam ali prestes a
rolarem.
Eu queria gritar. Dizer que ela estava mentindo.
Queria saber o motivo de ela estar sendo tão má comigo. Mas as
lágrimas que escorreram dos seus olhos enquanto me encarava aguardando
que eu tivesse alguma reação me garantia que não, ela não estava mentindo.
Apertei meus dentes com força.
Eu não podia chorar. Eu tinha que manter o controle.
Eu era o irmão mais velho.
Precisava manter controle por eles. Pelo menos até que o papai
tomasse as rédeas da situação.
Perguntei pelo Jackson e ela me informou que meu irmão estava em
outra sala. Eu quis saber se já tinham contado para ele, e ela disse que
conversaria com ele logo em seguida. Pedi para vê-lo. Queria eu mesmo dar a
notícia. A senhora Core perguntou se eu estava bem mesmo. Ela esperou que
eu tivesse alguma reação normal para um garoto da minha idade.
Eu assenti.
Mesmo com o coração partido.
Ainda que com medo.
Pedindo a Deus com todas as minhas forças para que mamãe e meu
irmão ficassem bem.
Mas eu tinha que ser forte.
Ele era meu irmão. Ninguém melhor que eu para entender o que ele
precisava ouvir.
Eu tinha que aguentar.
Pelo menos até que estivéssemos seguros com o nosso pai.
Isso nunca aconteceu.
— Por isso você não bebe quando dirige — afirmou com a voz fraca.
Assenti.
— Eu... — a voz parecia embargada. — Desculpe. Não devia ter
perguntado nada.
Balancei a cabeça em negativa.
— Já tem tempo.
Sim. Já haviam se passado muitos anos. Mas o que ninguém nos conta
é que isso não faz a menor diferença. Eu ainda sinto a sua falta como se ela
tivesse estado comigo ontem. A única diferença, é que aprendemos a lidar
com a dor. Um dia após o outro. Encontramos pequenos motivos para seguir
em frente. Meus irmãos foram os meus motivos.
— Foi muito difícil para vocês? — Os olhos atentos sondavam
minhas expressões com seriedade.
— O Benjamin ele... foi péssimo para ele. O acidente foi grave e meu
irmão ficou horas no carro com a mamãe. Ele a viu se afogar em seu próprio
sangue enquanto estava sentado no banco de trás sem poder fazer nada —
suspirei, lembrando-me de como foi horrível. Benjamin era, além de meu
irmão, meu melhor amigo. O estado catatônico em que ele ficou foi um golpe
enorme para mim. — Ben ficou em estado de choque por meses. Olívia
sentava no sofá da sala, arrumada, dizendo que estava esperando a mamãe.
Que tinha certeza de que ela apareceria em casa. Jackson se trancou em um
mundo à parte.
Engoli em seco.
— Não perdi só a minha mãe naquele acidente, mas minha família
inteira. E se eu não tivesse mantido a cabeça no lugar, não sei onde nós
estaríamos hoje.
Leighton ficou em silêncio por um tempo absorvendo as informações.
Com certeza se perguntando sobre nosso genitor. Era ele quem devia estar
fazendo tudo que eu fiz, mas ele estava ocupado demais se preocupando com
ele mesmo.
Estava me preparando para a pergunta. Convencendo a minha mente
de que ela não tinha culpa do ódio que sentia por ele.
— Como ela era? — perguntou, surpreendendo-me. — Sua mãe. O
que vocês gostavam de fazer juntos?
Imediatamente senti alguma coisa no peito. Uma coisa boa.
As pessoas não costumavam perguntar sobre ela, mas sobre o que
aconteceu depois. Por mais doloroso que fosse, gostei de ter a chance e a
oportunidade de conversar a respeito da mulher que mais amei na vida.
— Ela era... intensa. Feliz. — Soltei o ar pelo nariz em um riso leve.
— Imagina viver em uma casa com quatro crianças? Ela fazia parecer a coisa
mais fácil do mundo. Ela brincava conosco. Fazia pinturas, nós todos a
ajudávamos a fazer o jantar, ela nos ensinava a respeitar uns aos outros, o
nosso espaço, nossas diferenças. Assim como a nos amarmos, independente
das brigas que pudéssemos ter.
Leighton sorriu. Os olhos brilhando ao me ouvir falar.
— Sua mãe deve ter sido incrível — falou, se mexendo um pouco e
colocando o braço debaixo do travesseiro.
— Ela era sim. — Dei um pequeno sorriso nostálgico.
Contei algumas histórias de nossa infância. Leighton ria achando
nossas aventuras incríveis. Aos poucos, começamos a bocejar. Leighton
dormiu poucos segundos antes de mim. Mas a última coisa em que pensei
naquela noite foi que era a primeira vez que eu dormia com alguém e
genuinamente me divertia.
No fim das contas, acho que Leighton e eu seriamos bons amigos
quando essa farsa acabasse.
Capítulo 26
Uma festa.
Foi isso que eu não ouvi.
Andrew havia dito que para comemorar o time estava indo para uma
boate. Era exatamente onde estávamos agora.
Numa boate. Eu mal conseguia organizar meus pensamentos. A fila
do banheiro estava enorme e eu precisava urgentemente do Ab. Se ele me
meteu nessa confusão, precisava dar um jeito de me tirar. Sei lá, dar um tapa
virtual na minha cara e me mandar deixar de ser louca, segurar a periquita e
esquecer essa ideia estapafúrdia.
Bufei, vendo que ainda havia duas pessoas em minha frente. Pelo
amor de Deus, quem cria uma enorme boate e coloca apenas duas cabines de
banheiro?
O calor fazia com que uma gota de suor escorresse da minha nuca por
dentro da roupa que vestia me causando um calafrio.
Soltei um suspiro, batendo os pés com força no chão.
Eu estava ficando louca. Era a única coisa que eu podia pensar.
Agarrei o aparelho com força em minha mão procurando o nome de
Abi e chamando. Dane-se, quem precisa de privacidade?
— Oi, querida. Pensei que você estaria comemorando com seu
namorado bonitão uma hora dessas — falou, assim que atendeu.
O som alto não me permitia ouvir tão bem. Tapei meu ouvido
esquerdo enquanto pressionava mais o aparelho em meu ouvido direito.
— Ab, estou em uma emergência e preciso de você!
— O que aconteceu, Leigh? — O tom de sua voz mudou de animado
demais para se aquele babaca mexeu com você, eu vou matá-lo.
— Eu estou surtando! Eu acho que... acho que... — engoli em seco,
sem saber como falar. — Acho que estou pronta para transar.
A garota que estava atrás de mim na fila deu uma risadinha, o que me
deixou ainda mais constrangida.
— Leigh, onde você está? O som está alto demais e não consigo te
ouvir — Ab gritou e eu bufei.
Graças a Deus uma garota saiu meio trôpega do banheiro. Quase a
empurrei na pressa de entrar.
— Oi — falei um pouco alto ainda, para garantir que me ouvisse.
— Aconteceu alguma coisa? O James fez algo com você? — podia
ouvir a aflição em sua voz.
— Não. Ele está quieto — suspirei. — O problema é com o Andrew.
— Ele te machucou? Ele foi babaca com você na frente das pessoas
outra vez?
— Não, Ab. Eu acho que quero transar com ele — falei de vez, em
parte para não ser interrompida, em parte porque não queria perder a coragem
de falar.
Abi deu um sibilo divertido.
— Isso não é motivo de piadas, Ab — respondi, arrumando minha
postura e encarando meu reflexo no espelho.
— Eu sei. Pra ser bem sincero, fico feliz com isso. Você quer dar? Vá
em frente. — Com certeza ele estava dando de ombros.
— Ab!
— Você queria um conselho de amigo, e eu dei. — Soltei um suspiro.
— Leigh, não tem absolutamente nada de errado você querer transar com seu
namorado.
— Ele é meu namorado de mentira! — falei, irritada.
— O namoro pode ser de mentira, mas as garotas por aí não vivem
dizendo que ele é maravilhoso na cama? Pelo menos sua primeira vez vai te
levar ao céu mesmo!
— Ab, pelo amor de Deus, alguns dias atrás eu queria distância dele.
— Sentimentos mudam, Leigh — abri a boca para responder, mas ele
continuou. — Não estou dizendo que você está apaixonada e querendo viver
um romance com ele. Só que vocês estão convivendo mais e é claro que se o
cara fosse uma pessoa legal, a má impressão ia passar.
Virei-me de costas para o espelho, encostando o corpo na pia de
mármore gelada.
— Leigh, se vocês têm química, é natural que isso aconteça. O cara é
lindo, até eu daria pra ele se ele quisesse.
— Ab!
— Com todo respeito, eu sei que ele é seu namorado e tal, mas
quando vocês terminarem, se ele me quiser, não me importo nem um pouco.
— Dei risada do descaramento do meu amigo. — Você não pode deixar de
viver por medo, Leigh.
— Mas e se alguma coisa der errado?
— Meu amor, se der errado a gente conserta. A vida é isso, Leigh.
Nós estamos na idade de fazer merda, de errar e aprender com os erros, de
fazer as coisas certas e sentir orgulho, de transar só porque deu vontade, de
encontrar com aquele cara no tinder. De correr riscos e aproveitar a vida. O
que importa é que você se sinta bem com as suas escolhas, com as suas
decisões. Se você não queria ontem e quer hoje, foda-se. Hoje você quer, faz.
Mordi o lábio, ponderando sobre suas palavras.
— Ele disse que cumpre a palavra dele, sempre.
— Isso é bom. Mostra que ele tem decência. Você detesta quando as
pessoas não cumprem com o que prometem.
— Sim — gemi, fazendo uma careta. — E Andrew não transa com
garotas virgens.
— Geralmente os badboys não se gabam por terem conquistado a flor
pura das mocinhas?
— Aparentemente esse badboy é diferente.
— Você é uma filha da puta sortuda mesmo. — Sorri. — Até pra
encontrar um bad boy, achou um com princípios?
— O principio dele é um empecilho pra mim. — Balancei a cabeça
em negativa. — Na verdade, acho até que isso é um bom sinal. Isso é um
sinal divino que essa coisa toda é loucura da minha cabeça. São meus
hormônios em erupção. Vontade é uma coisa que dá e passa.
Ele fez um barulho, como um riso contido.
— Sabia que você faria isso.
— Faria o quê? — perguntei, franzindo a testa.
— Arrumaria um jeito para desistir daquilo que quer.
Fiquei parada por alguns segundos.
— Eu não faço isso — retruquei.
— Faz. Em especial com os garotos. Sempre que você encontra
alguém que te agrada minimamente, você faz com que pareça uma ideia
idiota. — Mordi o lábio, não podendo negar. — Você gosta dele, não é?
— Não sei se gosto. Só, sei lá, eu sinto aquela coisa quando estou
com ele. Na verdade, me sinto atraída por ele.
— E você acha que é recíproco?
Encarei meu reflexo por mais alguns segundos.
— Ele se sente atraído por mim, com certeza.
Ab quis saber como eu tinha certeza e contei sobre a festa. Sobre
como ele não me deixou sair do seu colo para evitar uma situação
constrangedora.
— Leigh — falou depois de me ouvir. — Você sabe que eu jamais ia
te dar um conselho para o seu mal, não é? — Assenti, mesmo que ele não
pudesse ver. — Se você sente algo por ele, não deixa o medo te dominar. Faz
alguma coisa por você. Não permita que a vida passe apenas fazendo planos
para o futuro. Você pode tropeçar em uma pedra hoje à noite, bater a cabeça e
morrer. O que você terá feito da vida? Aproveite o agora, querida.
Ab estava mesmo meio certo, passei a vida inteira planejando o futuro
sem nunca ter de fato aproveitado o presente.
Balancei a cabeça em negativa.
— Ainda que eu decida sair desse banheiro e ficar pelada na frente
dele, Andrew não transa com virgens. E ele cumpre o que promete.
— Nenhum homem resistiria a uma mulher pelada, Leigh. — Ele riu.
— E, sinceramente, se existe alguém capaz de ser criativa e fazê-lo mudar de
ideia, esse alguém é você.
Assustei-me com batidas fortes na porta.
— Isso aqui não é banheiro particular não, merda. — Alguém gritou
do lado de fora.
— Merda, tenho que ir Ab — falei, dando uma última olhada no
espelho e arrumando meu cabelo.
— Ei, Leigh — ele chamou antes que eu desligasse.
— Oi.
— Você merece ser feliz.
Eu sorri.
— Obrigada.
Desliguei, respirando fundo.
Ab estava certo. Não podia viver sempre planejando o futuro. O
presente era tão importante quanto. E só havia uma coisa sobre o presente
que eu pensava em fazer nesse momento.
Capítulo 29
Eu sabia o que queria, mas não sabia como fazer para ter o que queria.
Uma pena só ter me dado conta disso depois de ter chegado ao quarto
do Andrew. Depois que ele fechou o trinco da porta. Depois que ele me olhou
com os olhos em brasas como se não pudesse ver a hora de me despir.
— Quer desistir? — perguntou com uma expressão divertida.
— NÃO! — pus a mão na boca envergonhada.
Sério? Eu tinha mesmo gritado?
Ele riu.
— Desculpa — falei, soltando o ar. — Acho que estou nervosa. Não
sei o que fazer.
Fiz uma careta, encarando o chão.
O quarto ficou silencioso, me deixando ainda mais nervosa. Eu sentia
o olhar pesado de Andrew em mim e eu tinha certeza de que ele ia desistir.
Eu era uma idiota.
Minha respiração ficou mais pesada quando ele me alcançou. Pensei
que Andrew me beijaria daquela forma única que ele fazia, mas não. Andrew
brincou com o cacho solto próximo à minha orelha enrolando-o no indicador,
e usando a ponta do dedo para resvalar delicadamente contra minha pele,
fazendo com que eu soltasse o ar pela boca e me arrepiasse.
— Você gosta disso? — perguntou, usando a mão livre para segurar
com delicadeza, meu rosto.
— Gosto. — Minha voz saiu baixa e eu engoli absolutamente nada.
Minha garganta estava completamente seca.
Andrew deu a volta por meu corpo parado atrás de mim. Não
conseguia ver o que ele estava fazendo, mas sentia sua respiração pesada
contra o topo de minha cabeça. Meu corpo estava tenso, e ele continuou
imóvel, como se quisesse que eu me acostumasse à sua presença.
Senti quando seu braço começou a se mover lentamente. Abri um
pouco os lábios deixando a respiração sair pesada em expectativa. Andrew
passou os dedos por meu pescoço, a trança lateral havia deixado uma parte
completamente à mostra.
À sua mercê.
Os lábios dele encontraram um ponto sensível deixando um beijo.
Seus dentes roçaram em minha pele me fazendo estremecer. Arfei com o
contato.
— E disso? — perguntou outra vez.
— Também. Eu gosto também. — A respiração saiu pesada outra vez.
Ele riu. Os lábios ainda colados em minha pele.
— Você pode fazer o que você quiser — sussurrou. A respiração
quente pinicando em mim. Fechei os olhos, absorta nas sensações que ele me
causava sem nem triscar direito em meu corpo. — Qualquer coisa que queira.
— colou os lábios em meu ouvido. — Estou aqui para te dar prazer, Afrodite.
Apertei minhas pernas sentindo minha carne tremer por dentro.
Andrew passou o nariz por toda a linha do meu ombro sentindo meu
cheiro como se quisesse gravá-lo em sua memória. Suas mãos se firmaram
em meus quadris e subiram aos poucos até que estivessem grudadas
firmemente em minha cintura. Ele apertou as mãos ao mesmo tempo em que
beijou minha nuca. Meu corpo tremeu.
Havia trocado de roupa no trabalho imaginando que vestir uma saia
facilitaria o acesso dele ao meu corpo, mas quando Andrew me tocava
daquela forma me sentia nua, porque o calor do seu corpo conseguia
transpassar o tecido.
Outro beijo no pescoço, e eu já não estava no comando das minhas
inúteis pernas gelatinosas. Meu corpo parecia perder o controle sobre ele
mesmo quando suas mãos firmes, grossas e gentis na medida certa me
tocavam.
— Olha pra mim, Afrodite — pediu, mordiscando minha orelha,
passando a língua e depois mordiscando outra vez o lóbulo.
Fechei os olhos, sentindo-me como uma manteiga derretendo ao
menor sinal de calor.
— Olha pra mim — pediu outra vez em um sussurro.
Andrew pôs mais força no aperto em minha cintura, não me dando
tempo para fazer o que pedia, ele mesmo virou meu corpo, aos poucos. Abri
os olhos tentando acompanhar o que fazia.
Ele encarava meus olhos.
Eu encarava seus olhos.
Meu peito subia e descia rapidamente, assim como as batidas do meu
coração. Sem dizer uma só palavra, sua mão direita subiu aos poucos por
minha cintura, ele brincou com o contorno do meu sutiã. Pela maneira como
me olhava, tinha certeza de que queria fazer muitas coisas ali, fechei os olhos
sentindo minha respiração começar a falhar, como se o pulmão não
suportasse toda a pressão que respirar estava me causando.
Ao contrário do que eu esperava, suas mãos continuaram a subir até
meus ombros, depois desceram por meus braços até encontrar a minha mão e
segurá-la sob a sua. Sem desviar dos meus olhos por um segundo sequer, ele
levou minha mão até seu peito.
Seu coração também batia forte e eu me senti aliviada por não ser a
única pessoa cujo peito parecia ter sido dominado pela batida mais intensa de
todas.
— Me toque da maneira como desejar, Afrodite.
Assenti, ainda presa e inebriada pela maneira intensa como me
encarava.
Ele olhou para minha mão sobre o tecido fino da camiseta branca que
usava. Todos os músculos do seu peitoral estavam evidentes sob a roupa.
Com cuidado, movi um pouco os dedos, sentindo a sua pele quente, sentindo
a forma como ele encavara meus dedos com expectativa, como se ele
quisesse, tanto quanto eu, descobrir o que eu queria.
Continuei, aos poucos, milímetro por milímetro, descendo a minha
mão. Meus dedos. Parei ao chegar ao seu abdômen usando um pouco mais de
força para sentir as divisões que eu sabia que tinham ali.
Andrew soltou o sibilo, como se gostasse da sensação, fechando os
olhos em seguida, ele apertou um pouco mais a mão que permanecia em
minha cintura trazendo-me para mais perto de seu corpo.
Eu podia sentir a ereção cutucando meu corpo. Engoli em seco
sentindo a carne pulsante dele contra minha barriga. Andrew mantinha os
olhos fechados, eu podia ver o pomo de Adão subindo e descendo. Continuei
movimentando a mão, até chegar à barra da sua camisa. Foi a respiração de
Andrew que ficou pesada dessa vez, como se esperasse ansioso pelo que eu
faria a seguir.
Pus a mão por baixo de sua camiseta, sentindo, dessa vez, a quentura
de sua pele. Andrew arfou, pressionando ainda mais os dedos em minha
cintura como se gostasse da sensação.
Eu nunca tinha sentido aquilo antes.
A sensação que ele queria, ansiava pelo meu toque.
Arfei, sentindo os gominhos em sua barriga diretamente. Sem nenhum
tecido entre sua pele e meu toque. Segui movimentando os dedos pouco a
pouco sentindo o subir e descer do seu corpo.
— Tira a camisa — pedi, ainda mantendo meus dedos passeando por
seu tórax.
Ele não protestou. Com uma habilidade ímpar, segurou a barra da
roupa, puxando-a e atirando a peça em algum lugar. Tudo isso em segundos.
Poucos segundos.
Fiquei na ponta dos pés, tocando a ponta do seu nariz com o meu.
Andrew abriu os lábios como se esperasse um beijo, e eu ri. Meus lábios
tocaram sua bochecha. Seu queixo. A linha do seu maxilar. A base do seu
pescoço.
Andrew moveu o rosto por alguns centímetros, encostando a sua
bochecha à minha, como se precisasse que aquela agonia acabasse. Eu sentia
o mesmo. A mesma agonia. A mesma necessidade que acabasse.
Beijei outra vez seu pescoço.
Sua mão foi parar no meio das minhas costas, subindo aos poucos.
Eu passei os dentes em seu pescoço, arranhando-o.
Andrew gemeu no mesmo momento em que sua mão foi parar em
minha nuca. Ele apertou com firmeza meu pescoço, afastando meu rosto do
seu. Seus olhos brilhavam e as pupilas estavam completamente dilatadas.
Aproximei o rosto para beijá-lo. Estávamos tão perto que podia sentir
sua respiração, nossos lábios tão perto, mas ele afastou. Riu quando
murmurei. Tentei outra vez que nossos lábios se encontrassem. Grunhi
quando ele fugiu outra vez.
— Você disse que eu posso fazer o que quiser, Andrew — falei. Meu
nariz roçou seus lábios. Sua bochecha. — Eu quero te beijar, até que acabe o
nosso ar.
Andrew sorriu antes de segurar meu lábio inferior entre os seus.
— Se é isso que você quer, não precisa pedir duas vezes — sussurrou,
capturando meus lábios em seguida.
O beijo começou lento.
Exploratório.
Como peças de um quebra-cabeça que tentavam se ajustar
perfeitamente. Os braços de Andrew me circundaram com força. Eu podia
sentir os braços musculosos me trazendo para mais perto.
Eu podia sentir, ainda que distante, o gosto de menta em seus lábios.
Andrew reivindicou minha boca pedindo passagem para sua língua e cedi
imediatamente. O beijo se tornou intenso. Firme. Grosseiro.
Porém, incrível.
Andrew sugou meu lábio inferior, passando o polegar por meu rosto
em um carinho delicioso. Apertei meus dedos em seu tórax ouvindo seu
gemido que me fez tremular.
Eu gostava disso.
Da maneira como meu sangue sempre parecia estar em brasas por
causa do Andrew. Sua mão corre até minha nuca, puxando uma faixa de
cabelo. Suspirei e ele aproveitou o momento para tornar um beijo duro, em
algo ainda mais voraz.
A ereção entre nós parecia ficar ainda mais dura, e eu queria muito
segurá-lo entre meus dedos, mas tinha medo de fazer alguma coisa errada e
parecer tão boba como quando eu cheguei.
Nós estávamos ficando sem ar quando ele desceu os lábios para meu
pescoço deixando mordidas deliciosas.
— Andrew — gemi.
— Eu sei — murmurou, deixando um beijo na curva do meu pescoço
com minha orelha.
Sua mão pousou em minha coxa.
— O que você quer agora? — perguntou com a voz repleta de tesão.
Mordi o lábio com força, colocando uma de minhas mãos sobre a sua
que tocava minha coxa. Movimentei-a, subindo aos poucos, até que sua mão
estivesse onde eu realmente a queria.
— Eu quero que você me faça gozar outra vez — falei.
Fechei os olhos ao sentir que ele movimentava os dedos chegando ao
centro da minha roupa.
Nós ainda estávamos de roupa.
— Fala onde você quer a minha mão, Afrodite. — Arfei, quando ele a
apertou. — Fala, Afrodite.
— Na minha boceta. — A voz saiu entrecortada e imediatamente
Andrew pôs a mão sobre minha boceta outra vez dando outro aperto e me
fazendo soltar um gemido forte.
— Boa garota — ele sussurrou em meu ouvido. — Se você continuar
assim, vamos nos divertir muito, Afrodite. — Ele mordiscou meu maxilar. —
Ontem você gozou em minha boca. E eu menti. Eu disse que precisava
dormir, mas sabe o que eu fiz quando cheguei em casa?
Balancei a cabeça em negativa.
— Responde. Eu quero ouvir a sua voz.
— Não — falei, sentindo seus dedos brincarem com meu clitóris
ainda com todo o tecido entre nós. — Não sei.
— Eu fiquei no meu banheiro, debaixo do chuveiro, me masturbando
— sussurrou em meu ouvido. — Fiquei pensando em você. Em comer você.
Em sua bunda empinada pra mim. Em sua boceta escorrendo com o meu
gozo.
— Andrew. — Movimentei o quadril tentando intensificar o contato
da sua mão em mim.
— Hoje eu vou foder você com os meus dedos, Afrodite. E depois,
quando você gozar, eu vou chupar tudo. Vou me embebedar de você,
Afrodite.
Pousei minha cabeça em seu ombro, sentindo a pressão e os
movimentos circulares que seus dedos faziam em meu corpo. Em minha
boceta.
Era tão gostoso.
Tão intenso.
— Você está pronta para isso? — a voz sedutora estava perto demais
do meu ouvido, mas era apenas um murmúrio.
— Estou — falei, apertando os olhos com força quando a pressão que
ele exerceu tornou-se maior.
— Mas dessa vez, Afrodite, quero vê-la sem roupa. Nua. Para mim,
em minha cama. Eu quero admirar cada parte do seu corpo, Afrodite. Quero
memorizar cada sinal que tenha, cada pedacinho de você.
Assenti, começando a soltá-lo e levando minhas mãos até a barra de
minha blusa. Andrew as segurou e imediatamente eu senti falta da atenção
que ele dava ao centro das minhas pernas.
— Eu faço isso — declarou, pousando as mãos sobre as minhas.
Soltei o ar com força ao sentir o toque dos seus dedos sobre minha pele.
Engoli em seco, afastando um pouco minha cabeça do seu corpo e
erguendo-a para que pudéssemos nos ver. Os olhos verdes estavam ainda
mais intensos.
Seus dedos passavam preguiçosamente por minha silhueta. Junto com
a mão, o tecido ia erguendo-se e revelando minha barriga, meu sutiã, meu
busto. Ergui as mãos para facilitar a remoção da blusa. Andrew não a tirou de
vez. Manteve meus olhos do lado de fora, encarando-me por alguns segundos
como se quisesse prolongar o momento.
Ele sorriu, enfim arrancando a peça e jogando-a em qualquer lugar.
Os olhos cheios de desejos foram parar em meus seios. Como se não pudesse
mais resistir, ele baixou um pouco o rosto, deixando uma mordida em meu
pescoço e apertando meu seio por cima do sutiã mesmo.
— Não vejo a hora de colocá-los em minha boca outra vez e vê-la se
contorcer toda enquanto eu chupo seus peitos, Leighton — murmurou.
Beijando meu colo e descendo ainda mais o corpo até estar de joelhos
à minha frente. Ele prendeu os dedos nas laterais de minha saia deslizando-a
por minhas pernas. Eu o ajudei, até estar apenas com a calcinha e sutiã.
Andrew ainda estava abaixado e a forma como ele olhava para a calcinha que
eu usava seria o bastante para me fazer ter um orgasmo.
Ele olhou para mim por um segundo, antes de beijar a parte interna da
coxa. Alguns fios de sua barba começavam a nascer e a forma como ele
passou o rosto por minha pele, fez com que eu me arrepiasse. Ainda sobre a
calcinha, ele deu outro beijo diretamente em minha boceta.
Eu ri, pensando que meses atrás eu jamais cogitaria usar essa palavra.
Ele usou dois dedos para afastar o elástico da peça, tocando minha
entrada e gemendo em seguida.
— Caralho, eu adoro a forma como você sempre fica molhadinha pra
mim, Afrodite — falou, pondo o dedo na boca e sentindo meu gosto outra
vez.
A expressão em seu rosto não deixava dúvidas do quanto ele desejava
aquilo. E a forma como precisei friccionar minhas pernas só deixava ainda
mais evidente o quanto eu adorava quando ele dizia que gostava do meu
gosto.
Antes que eu pudesse perceber, Andrew me carregou em seus braços
como se eu pesasse o mesmo que uma pluma. Soltei um gritinho com o
movimento inesperado. No instante seguinte, ele me colocou delicadamente
sobre a cama. Andrew se posicionou em seguida ao meu lado e, como se não
pudesse mais esperar um segundo, puxou minha calcinha.
— Ah, Afrodite — falou, inspirando fundo enquanto abria com
cuidado minhas pernas, deixando-me completamente exposta para ele. —
Tem tantas coisas que eu quero fazer com você.
— E o que você está esperando? — perguntei.
Seus olhos subiram até os meus. Tinha um olhar divertido, como se
não esperasse que eu fosse capaz de falar algo daquele tipo. Até alguns dias
atrás eu não faria, com certeza. Mas Andrew parecia fazer coisas estranhas
comigo.
Ele não respondeu, apenas baixou, pouco a pouco, o corpo. A língua
foi a primeira coisa que senti, arqueando o corpo de forma que minhas costas
não tocassem mais o colchão. Foi impossível conter o gemido que saiu alto
demais da minha garganta, que se intensificou quando ele deu um tapa em
minha bunda.
Nunca pensei que levar um tapa pudesse ser uma coisa tão prazerosa.
— Você gosta disso, não é? — perguntou, dando outro me fazendo
arfar. — Gosta quando eu te bato.
— Sim — falei, urgente, surpreendendo até a mim mesma.
— Isso é bom. — A voz estava carregada de desejo. — Você tem um
gosto bom, Afrodite. E uma bunda boa de bater.
Ele dá outro tapa, depositando um beijo em seguida.
O indicador começou a brincar com a minha entrada. Sentindo que eu
perderia o controle sobre o meu corpo, segurei seu cabelo com força.
Precisava me apoiar em algo, com urgência.
Andrew ergueu o olhar em minha direção. Os olhos brilhavam com
intensidade, excitado. Ele parecia querer me levar à loucura antes de me dar o
que meu corpo tanto queria.
Com um sorriso safado, o dos pensamentos obscenos, ele usou o
indicador para brincar com a minha entrada.
Arqueei o corpo outra vez, puxando seu cabelo com força.
— Andrew — murmurei.
— Olha pra mim — ordenou.
Quando nossos olhares se encontraram, ele começou a enfiar o dedo
em mim. Aos poucos. Observando cada reação.
Joguei a cabeça para trás incapaz de manter nossos olhares fixos. Meu
Deus, eu ia morrer. Era isso. Meu corpo começou a se mover sozinho de
encontro à sua mão.
A sensação de tê-lo. De ter uma parte dele em mim. De ser provocada
por ele. Isso era demais.
— Tá sentindo isso? Está gostando disso? — Ele acrescentou outro
dedo, fazendo com que a sensação que já era boa se ampliasse.
— Sim — murmurei.
— Eu vou te foder com os meus dedos, Leighton. Mas você vai
imaginar que é o meu pau que está em você. Que é o meu pau que essa
boceta gostosa está engolindo com vontade. — Andrew moveu um pouco os
dedos me fazendo sentir uma coisa boa demais. Gemi. — O meu pau que está
aqui, duro, por você, Afrodite. Morrendo de vontade de comer você com
força. Até suas pernas não aguentarem mais te manterem de pé. Até você
esquecer seu próprio nome. Entendeu?
Assenti.
Ele enfiou os dedos com mais força.
Uma e outra vez.
Ele parava às vezes movimentando-os, rodando-os dentro de mim.
Levando-me quase ao limite.
Falando coisas sacanas em meu ouvindo.
Andrew ainda enfiava os dedos com força em minha boceta, mas
ergueu o corpo pousando a boca exigente, contra os meus lábios que se
abriram para ele permitindo que ele tivesse total acesso à minha boca.
A língua me provocava, fazia com que eu o desejasse ainda mais. Ele
sabia disso. Sabia exatamente o que fazer para que eu não quisesse que aquilo
acabasse. Para que eu quisesse prolongar o momento.
Sentia a ereção cutucando-me.
Com certeza era enorme. E se Andrew havia me feito gozar em sua
boca, e estava me fazendo perder o total controle do meu corpo, eu sabia que
se usasse o pau eu literalmente conheceria o céu.
Meu corpo estava suado.
Completamente suado.
Ele enfiava os dedos em mim ora com a força de um furacão que leva
tudo por onde passa com uma força devastadora, como se quisesse me levar
ao limite, ora com calma, como uma brisa suave.
Com a outra mão, Andrew começou a brincar com os meus mamilos.
Passou o indicador de forma provocativa, depois beliscou com uma precisão
incrível. Fechei os olhos com força jogando a cabeça para trás.
— Geme para mim, Afrodite — ele nem precisava pedir. Os gemidos
estavam vindo, completamente fora do controle.
Andrew sabia como me tocar. Era como se eu fosse um violino, e ele
sabia exatamente em quais cordas para que os sons fizessem sentido. Quando
ele me tocava era como se soubesse exatamente o que fazer para que meu
corpo reagisse da melhor maneira possível.
Abri a boca tentando facilitar a respiração.
Meus pulmões precisavam de ar, mas meu nariz não parecia ser capaz
de levar a quantidade necessária de oxigênio para meu corpo.
Minha mão foi parar sobre a dele, como um pedido mudo para que
continuasse. Para que fosse mais forte. Andrew parecia ser completamente
capaz de ler minha mente, porque fez exatamente aquilo que eu queria.
Ele colou nossas testas. Minha respiração se confundia com a dele. Eu
soltei um grito quando ele colocou um terceiro dedo em mim. Um grito de
prazer. Ele riu, capturando minha boca outra vez e massageando meu clitóris
com o polegar.
Eu fui ao céu.
Sentia que dentro de mim, tudo se contraia. O som dos seus dedos
contra meu corpo eram a única coisa que eu podia ouvir além dos meus
gemidos. Apertei com força o lençol, sentindo que estava muito, muito perto.
Andrew beliscou meu clitóris e eu quis chorar. Era muito bom.
— Você está perto, Afrodite — afirmou. Eu balancei a cabeça
fazendo que sim. — Goza em minha mão, vai. Estou doido pra sentir o gosto
da sua boceta outra vez.
Ele estocou os dedos em mim outra vez e eu gozei.
Arqueei meu corpo com a intensidade. Minhas costas saíram da cama
e um som alto saiu da minha garganta.
Ele tirou os dedos de minha boceta, descendo a cabeça aos poucos até
encontrar o espaço entre minhas pernas e fazer exatamente o que havia
prometido. Ele chupou tudo que eu tinha para oferecer, soltando um gemido
de quem havia comido o melhor chocolate do mundo. Abri os olhos
flagrando-o ainda com a cabeça entre minhas pernas e aquela era a coisa mais
sexy que eu já tinha visto. A expressão de prazer era incrivelmente excitante.
Andrew riu, erguendo o corpo outra vez até conseguir encaixar o
rosto na curva do meu pescoço e deixando um beijo ali. Suspirei ao sentir a
ereção evidente, coberta pelo tecido de sua calça em contato direto tocando
em minha pele. Tentando parecer saber exatamente o que estava fazendo,
desci minhas mãos por seu abdômen até encontrar o elástico de sua calça.
— Não — ele falou, segurando minha mão com ímpeto, assustando-
me um pouco.
— Andrew, você precisa...
Ele balançou a cabeça ainda prendendo meu pulso com a sua mão.
— Isso é sobre você, Afrodite. É sobre te dar o que você precisa —
sussurrou em meu ouvido, dando uma mordida no lóbulo de minha orelha.
— Eu posso fazer isso — respondi, tentando mexer a mão outra vez.
Ele negou com um aceno, fazendo com que eu me sentisse mal com a
negativa. Andrew ergueu meus braços acima da minha cabeça, prendendo
meu pulso usando apenas uma das mãos.
— Não disse que não pode, mas estou mais preocupado com o que eu
posso e vou fazer com você, Afrodite. E eu vou te fazer gozar de todas as
formas existentes. — Andrew apertou o corpo contra o meu e eu gemi
sentindo sua ereção me cutucar outra vez.
Ele me beijou de leve.
— Sabe de uma coisa? — Encarou-me com intensidade. —
Decididamente, eu posso me viciar no seu gosto, Afrodite. Em todos eles —
afirmou, erguendo uma sobrancelha na minha direção e deixando outro beijo
rápido em meus lábios.
— Acho que estou à disposição para suprir seu vício.
Ele podia se viciar em meu gosto.
E eu na forma como meu corpo reagia a ele.
Andrew se levantou piscando para mim e, logo em seguida, sumindo
pela porta do banheiro. Eu sabia o que ele faria ali dentro, e saber que ele
precisaria se aliviar por minha causa me deixou um pouco excitada.
Queria aquela experiência também.
Queria aprender a dar prazer ao Andrew da mesma forma que ele
fazia comigo.
Capítulo 33
— Tem certeza de que não devemos levar ela pro hospital? — ouvi a
voz da Mad perguntando.
— Ela desmaiou, Mad. Não é necessariamente nada grave. Ela vai
acordar.
Tudo estava escuro.
Minha respiração parecia regular.
Abri os olhos aos poucos, piscando várias vezes até me ajustar à luz.
Eu conseguia ver a silhueta das meninas ao meu redor.
— Leigh — falaram em uníssono.
— O que aconteceu? — tentei me sentar. Senti as mãos delas
ajudando-me a recostar os travesseiros da cama.
— Toma, bebe isso. — Chiara pôs um copo em minhas mãos e me
ajudou a colocá-lo em minha boca.
Dei um gole, empurrando a mão dela em seguida.
— O que aconteceu? — quis saber outra vez, começando a repassar
minha chegada ao quarto.
Chiara namorando por mensagem, envelope sobre a cama, fotos.
James.
Meus olhos se encheram de lágrimas outra vez.
— Shii, vem aqui.
Chiara me abraçou forte contra seu corpo me permitindo chorar. Os
braços de Madison também nos circundaram. Eu podia sentir as lágrimas das
meninas caindo sobre a minha pele.
Não sei por quanto tempo ficamos assim. Mas foi muito.
As meninas me ajudaram a acalmar meus soluços. Eu me sentia suja.
Indigna de todo aquele carinho. Pequena. Com raiva. Frustrada.
Eu só queria poder voltar no tempo e não ter conhecido o James. Eu
queria ter o poder de mudar tudo.
— Não acredito que isso está acontecendo comigo. — As palavras
saíam entrecortadas e sofridas.
— Eu sei — Mad falou, passando as mãos pelo meu braço.
— Eu não sabia que aquilo estava acontecendo. — Tentei me
justificar. — Eu juro, eu não...
— Ei — Chiara segurou meu rosto com força entre as mãos. — você
não tem culpa de nada, Leighton.
— Vocês nem sabem o que aconteceu. — Balancei a cabeça em
negativa. — Eu fui uma criança burra. Eu dei todos os motivos para que
eles...
— Não, meu amor. Você não deu motivo algum. Não importa o que
tenha acontecido, Leighton. Você não é culpada.
Balancei a cabeça outra vez, negando.
— Meus pais trabalhavam muito naquela época e eu ficava sempre na
casa dele. Desde muito nova. Eu dizia que queria ser uma estrela e aparecer
na televisão fazendo filmes e ficando famosa. — Comecei a falar rápido com
uma intensa necessidade de explicar o que aconteceu. Eu gostava delas, não
queria que as meninas pensassem mal de mim. — E o James e o pai dele
disseram que podiam me ajudar. Eles tinham uma câmera. Eles diziam que
nós íamos produzir filmes, e que eu ficaria muito famosa com eles.
Eu me lembrava da alegria que senti.
Meus pais trabalhavam tanto, e pessoas famosas tinham tanto
dinheiro. Se eu fosse rica, meus pais não iam trabalhar tanto e iam poder
passar mais tempo comigo. E eu apareceria na televisão como uma estrela de
cinema.
— Nós encenamos muitas cenas inspiradas em livros. Romeu e
Julietta, O morro dos ventos uivantes, Orgulho e Preconceito, Anna
Karenina, O amor em tempos de cólera, O grande Gatsby, Razão e
sensibilidade... Eu achava bonito. Eram histórias que falavam de amor. —
Sequei uma lágrima que caiu dos meus olhos. — E o James era encantador.
Eu achava que um dia nós viveríamos um amor como aqueles que
encenávamos. No começo, ele quase me beijava. Depois, ele me beijava de
leve. Dizia que o público queria isso. Aos poucos, as coisas começaram a
ficar estranhas, mas eles diziam que era normal. O James descia as alças da
minha blusa. Às vezes beijava meu ombro. Algumas vezes, ele punha a mão
em meu joelho e subia aos poucos. Também direcionada a maneira como eu
mexia em seu dorso, sua barriga.
Senti meus olhos se encherem de lágrimas mais uma vez e minha
garganta travar. Era doloroso lembrar disso.
— Jason dizia que James e eu éramos como irmãos. Que não havia
nenhum mal em fazer aquilo. Que aquela experiência me ajudaria a ser uma
boa atriz. — Pisquei, baixando o olhar para as minhas mãos que estavam
unidas no meu colo. — Um tempo depois, todas as vezes que gravávamos
alguma coisa, eu acordava na cama dele. Eu não me importava. Ele me
mostrava os vídeos e até editava alguns para que eu montasse o meu acervo
pessoal e pudesse encantar os produtores um dia.
Engoli em seco lembrando-me de seu cheiro. De seu quarto. Da
maneira fácil com a qual ele mentia para mim. Da maneira fácil com a qual
eu acreditava nele.
— O pai do James, Jason, era como se fosse meu próprio tio de
sangue. Eu confiava nele. Eu sentava no colo dele e deixava que ele beijasse
a minha bochecha. Meus pais faziam churrasco nos finais de semana juntos e
éramos como uma família.
Senti meu coração afundar no peito.
Era ruim sentir-se traída pela própria família.
— Um dia meus pais me contaram que nós íamos nos mudar, e eu
fiquei arrasada. Pensei “não vou poder viver se eu nunca mais ver o James”.
Então, chorando, eu fui até a casa dele. Eu entrei pela janela de seu quarto.
Havia uma árvore que ligava nossos quartos. Às vezes nós a usávamos. — Eu
podia sentir sob as minhas mãos o casco grosso da árvore, o cheiro de grama
molhada, a cor das flores que nasciam na primavera. — A casa inteira estava
em silêncio eu ia chamá-lo, ouvi um som. Era um som de alguém respirando
forte. Pensei que James havia dormido na sala, assistindo algum filme.
Passei pelas paredes brancas e vazias sentindo uma coisa no
estômago. Eu estava triste, não queria ir embora. Queria falar com James.
Queria que ele me abraçasse. Que me dissesse que tudo ficaria bem e que ele
ainda seria o meu Romeu.
— Segui o som em silêncio, andando na ponta dos pés. Cheguei à
porta do porão, onde o pai do James estava filmando alguma coisa. Me
esgueirei pela gretinha e vi uma garota deitada em um colchão. Ela tinha os
olhos fechados, estava sem roupa. James também. E ele segurava o pau dele
contra a boca da garota desacordada. — Soltei o ar com força lembrando-me
da sensação de medo. Eu nunca havia me sentindo daquela forma antes. —
Fiquei em silêncio vendo o que mais eles iam fazer. Ele beijou a boca da
garota. Ele colocou a cabeça entre as pernas dela. Eu fiquei assustada. Muito.
Sentindo as lágrimas se acumulando em meus olhos, continuei
observando, sentindo-me completamente imóvel.
Meu coração estava acelerado e eu me sentia petrificada. Não
conseguia pensar ou piscar, ou me mover.
Aquilo não podia estar acontecendo.
— Minha mãe tinha conversado comigo há alguns dias sobre sexo.
Ela disse que sabia que eu gostava do James, e que eu precisava saber de
algumas coisas em relação ao meu corpo, e as coisas que acontecem no corpo
de um garoto quando ele gosta de uma menina. Foi uma das conversas mais
constrangedoras que eu já tive em minha vida. — Balancei a cabeça em
negativa, lembrando-me do meu embaraço com a conversa. Claro que na
escola a gente já teorizava sobre o assunto, mas eu não sabia como
funcionava com a riqueza de detalhes que minha mão contou. — Foi por
causa daquela conversa que eu tive certeza de que aquilo era errado. E eu me
assustei tanto, que não notei que havia começado a soluçar.
Os olhos de James e do seu pai vieram parar em mim.
Meu sangue parecia ter congelado no corpo. Não conseguia mais
sentir mais batimentos cardíacos ou minha respiração.
Eles pareciam assustados.
Eu estava confusa, amedrontada.
Minha mente enviava sinais de que eu devia correr, mas minhas
pernas não conseguiam compreender ou responder ao comando. Elas
pareciam travadas, como se tivessem criado raízes no chão.
“Pega essa filha da puta”
Tio Jason gritou e foi então que minhas pernas pareceram
compreender que estávamos em meio a alguma coisa muito ruim.
Eu corri.
Eles também.
Correram atrás de mim.
Subi os poucos degraus que havia descido, fechando a porta atrás de
mim. Meu coração batia tão rápido que eu só conseguia ouvi-lo. Nada mais
atrás tinha minha atenção.
Eu precisava chegar até o quarto de James, me trancar e sair pela
janela. Devia ser fácil. Minhas pernas se esforçaram e correram pela casa o
mais rápido possível. Meus dedos tocaram a maçaneta quando senti braços
me rodeando. Meus pés deixaram o chão ao mesmo tempo em que uma
enorme mão tapou minha boca antes que eu pudesse gritar.
Eu estava com medo.
Muito medo.
Nunca havia pensando sobre a minha morte até aquele momento.
Nunca tinha pensado que um dia eu morreria, especialmente tão jovem.
Pelas mãos de pessoas que eram da minha família. Que eu amava.
— Shi, querida. Não grite. Não grite ou será pior para você — ele
pedia, baixo, falando bem perto do meu ouvido.
Ele me carregou por um tempo. Eu tentei mordê-lo. Esgueirar-me.
Gritar. Retorcer meu corpo. Nada funcionava. Ele era mais forte que eu.
Meu corpo recaiu sem nenhuma delicadeza em uma cadeira que
estava perto da parede. O cheiro de cigarro me deixou enjoada e eu mal
conseguia respirar por causa do choro. Meu nariz começava a tapar.
Tio Jason apertou as pernas sobre as minhas, obrigando-me a ficar
quieta enquanto ele prendia minha boca com um tecido vermelho que estava
em seu bolso. O tecido estava úmido, gosmento e tinha um cheiro estranho.
A garota ainda estava deitada no chão, inconsciente. Ela não me
ouvia gritar. Dormia profundamente.
Foi então que eu entendi que era por isso que acordava sempre na
cama de James sem lembrar-me do que havia acontecido. Eles me faziam
dormir. As lágrimas quentes caíram ainda mais sobre meu rosto com a
constatação. Meu corpo estava mole e eu mal conseguia manter-me reta. Se
não estivesse presa à cadeira, teria caído.
Prestei uma atenção maior aos traços da garota. Os cabelos loiros e
cacheados repousavam sobre o rosto. Eu a conhecia. Já a tinha visto
algumas vezes. Nós frequentávamos a mesma igreja aos domingos.
A sua família, a família de James, a minha família.
Assustada, olhei ao redor.
Havia algumas fotos instantâneas espalhadas pelo lugar. As fotos
eram horríveis. O James mostrando as partes do seu corpo, colocando-as na
garota. Em sua vagina, sua boca, sua bunda. Fotos só dela também
completamente expostas. O senhor Jason beijando a sua boca, ele tinha
colocado a boca dele naquela menina. Ela era mais nova do que eu, com
certeza. Eu senti uma vontade muito forte de vomitar.
Pisquei sentindo mais lágrimas escorrendo por meu rosto com mais
intensidade. Aquilo tinha que ser um pesadelo.
Tinha.
— James não estava lá. Fiquei tão assustada que nem notei. Só
percebi quando ele entrou no porão com uma caixa nas mãos — falei,
piscando enquanto sentia as lágrimas caírem. — A cada passo que ele dava,
eu sentia medo. Pavor. Nunca achei que fosse sentir isso por ele. James se
ajoelhou na minha frente.
“Isso não devia acontecer, Boo. Você nunca devia ter entrado aqui!”
James passava as mãos pelo rosto, nervoso. “Por que você fez isso? Por que
você estragou tudo?”
A ânsia de vômito era intensa. Eu sentia meu corpo tão fraco que
podia desmaiar a qualquer instante. James tirou o pano que tapava a minha
boca, liberando assim o meu choro livremente.
E eu chorei.
Com todas as forças que havia em mim.
“Por favor, diz que você não fez isso comigo” pedi, desesperada. O
coração martelava minha caixa torácica. Minha cabeça doía e eu me sentia
como em um filme de terror. “Por favor. Por favor. Por favor, James.”
“Boo” ele falou. A voz estava triste.
James balançou a cabeça em negativa, como se doesse nele fazer o
que faria a seguir.
“Para com essa porra de chorinho de menina, James. Para com essa
porra e cala logo a boca dessa vadia.”
Aquilo foi como um golpe no estômago. Mais forte que um soco.
Doeu no corpo e também na alma.
Doeu.
Intensamente.
Cinco minutos atrás ele era meu tio. O cara que me carregava, que
me dava um beijo de boa noite, que dizia que eu era uma boa menina. Agora
estava me chamando de vadia. Isso não era certo.
James abriu a caixa que trazia consigo.
Tinham algumas fitas de vídeo com nossos nomes e os romances que
interpretávamos.
Eu não queria ver. Não podia.
Ver aquilo era tornar verdade os meus temores.
Eu ainda tinha um pouco de esperança que aquilo fosse um pesadelo.
Que fosse acabar.
Fechei os olhos com força, pedindo internamente para que eu
acordasse. Para que aquela dor intensa no peito cessasse. Para que tudo
fosse um engano.
Aquilo não estava acontecendo comigo.
Não podia estar acontecendo comigo.
“Se você não fizer alguma coisa, eu farei, James.”
A voz de tio Jason soava irritada. Nunca havia visto a sua voz
daquele jeito. Ele era gentil, divertido, todo mundo gostava dele. Ele ia aos
cultos, dava dinheiro aos pobres e estava sempre ajudando as pessoas
quando elas precisavam. Como ele podia ser uma pessoa boa e ao mesmo
tempo ser esse homem que fazia coisas ruins com crianças?
“Você tem que abrir os olhos, Boo”. Balancei a cabeça em negativa.
Senti um impacto em minha cabeça, começando a chorar outra vez.
“Pai!” James gritou como se quisesse me defender.
“Se não resolvermos a situação com essa vadia curiosa agora, sua
mãe vai chegar. Você quer que sua mãe chegue e nos veja aqui? Quer que
ela saiba o que fazemos?” Gritou com James.
Então ela não sabia.
Alguém era inocente naquela família.
Respirei aliviada. Ela tinha que chegar. Precisava ver o que estava
acontecendo para contar para todo mundo que o marido dela era um cara
malvado. Que não podíamos confiar nele.
James soltou o ar com força. Eu ainda tinha os olhos fechados, mas
não restavam dúvidas de que ele não queria isso. Não queria me mostrar o
que quer que tivesse dentro daquela caixa.
Tio Jason puxou meu cabelo jogando minha cabeça para trás. Eu
gritei de dor e ele soltou um palavrão me mandando ficar quieta. Em
seguida, abriu meus olhos usando os indicadores e os polegares obrigando-
me a mantê-los abertos.
Eu sentia meu corpo fraco.
Sentia medo.
Queria minha mãe, meu pai.
Meu corpo tremia. Eu estava uma mistura de suor, lágrimas e do
catarro que escorria do meu nariz.
Mas por dentro eu estava pior. Em frangalhos.
James ergueu a primeira foto. Eu era obrigada a ver por causa do tio
Jason que mantinha meus olhos abertos.
Ele foi passando foto por foto. Tinha várias. Seu rosto entre as
minhas pernas. As minhas partes expostas. Ele segurando meus peitos que
começavam a nascer. Ele colocando o seu pênis em minha boca. Seu pênis
em minha vagina. Ele abrindo minhas pernas para que as fotos focassem
bem nas partes que ele queria mostrar.
Eu vomitei.
Tio Jason soltou outro palavrão e dizendo a James que teria que
limpar aquela bagunça. Ele limpou minha boca com cuidado.
“Eu nunca fiz nada de verdade com você, Boo. Com você, não.”
James passou a mão por minha cabeça, chegando até meu rosto. Movimentei
a cabeça com força tentando afastar seu toque de mim. “Ninguém nunca viu
suas fotos, ou seus vídeos. Eu juro. Eu nunca faria isso com você.”
“Como assim ninguém nunca viu?” Pisquei confusa.
“A gente vende essas coisas, Boo. O papai consegue um bom dinheiro
com elas.”
Eu pensei que fosse desmaiar naquele momento. As palavras
demoraram para fazer sentido em minha mente, mas quando eu entendi o que
ele quis dizer, tudo começou a girar e eu via pontinhos pretos. Pisquei várias
vezes sentindo meu corpo enfraquecer.
“Você vende essas fotos? As fotos de meninas sem roupa?”
perguntei, ainda incrédula.
“Mas não as suas. As suas são só para mim.” Falou rápido como se
não quisesse que eu pensasse mal dele.
“E isso vai continuar entre nós se você mantiver o que fazemos aqui
embaixo em segredo, Leighton” tio Jason falou, dando a volta por mim e
ficando em meu campo de visão. “Tem um bocado de gente por aí que gosta
de ver meninas novinhas sem roupa. Isso deixa eles excitados. E me dá muito
dinheiro.” Ele suspirou com força. “Não vou deixar você estragar isso,
garota. Se você não contar para ninguém, podemos manter suas fotos em
segredo. Mas se falar...” ele balançou a cabeça em negativa. “imagina a
decepção de seus pais ao saberem que você e meu filho estavam fazendo
vídeos e tirando fotos um do outro.”
Ele se sentou na minha frente.
“Eles vão dizer que a culpa é sua que não se dá ao respeito” riu. “As
pessoas sempre culpam as garotas, Leighton. Depois vão ver que trabalhar
tanto está fazendo mal a você. O seu pai vai jogar a culpa na sua mãe, a sua
mãe vai dizer que ele é o culpado por não ter um trabalho bom o bastante
para que ela possa ficar em casa. Então, eles vão se separar e a culpa vai ser
sua porque não soube ficar com a língua na boca. Você vai destruir a sua
família, Leighton.”
À medida que ele falava, as situações iam se desenhando em minha
cabeça. Meus pais brigando. Minha mãe dizendo que se não tivesse que
trabalhar tanto, poderia me educar melhor, meu pai dizendo que ela tinha
obrigação de cuidar de mim. Ele saindo de casa com uma mala e nunca mais
voltando, eu crescendo sem o meu pai. Meu pai me odiando por aquelas fotos
que eu não queria fazer.
E tudo por culpa minha.
Porque eu queria ser famosa. Queria aparecer na televisão. Queria
que as pessoas me amassem.
Eu fiz aquilo tudo.
“Você quer isso, Leighton? Quer destruir a sua família?” pisquei,
sentindo as lágrimas pesarem em meus olhos até voltarem a cair de forma
torrencial. Balancei a cabeça em negativa. “Então vamos ficar em silêncio,
não é? Você não conta o que viu hoje, e sua família segue intacta.”
Meu peito doía do tanto que meu coração batia forte. Tanto que eu
mal conseguia respirar.
“Mas e as outras meninas?” perguntei com a voz baixa.
“Existem momentos na vida, querida, que nós temos que ser egoístas.
Esse é um desses momentos. Você pode destruir sua família ou pensar nas
outras pessoas. O que você quer?”
Ele cruzou os braços à minha frente.
Eu olhei para a garota deitada no chão. Ela nem fazia ideia das
coisas que aconteciam com ela.
“Leighton, ninguém vai acreditar em você. Essas provas vão
desaparecer assim que você sair daqui. Só as suas fotos vão continuar. Se
alguém vier aqui, vai ser você e o James. E ele vai dizer que você quis tirar
essas fotos. — Ele soltou um suspiro dramático. — Seu pai vai ficar tão
decepcionado com você.”
Não queria decepcionar meu pai.
“Temos um acordo?” perguntou, por fim.
Sentindo o coração diminuir até ficar do tamanho de um grão de
areia, assenti. Não contaria nada.
Nós estávamos indo embora em algumas semanas e eu nunca mais os
veria. Não queria que a minha família fosse destruída por minha causa.
O quanto um cara estava disposto a fazer por uma pessoa que havia
conhecido há pouco tempo?
Eu não sabia.
Mas uma parte de mim insistia em dizer que eu estava disposto a
tudo. A qualquer coisa, por ela. Inclusive, abrir mão de minhas convicções.
A frase de Leighton ecoava em minha mente.
O desejo de desaparecer.
Fechei os olhos fingindo não ouvir as três palavras que ecoavam em
minha mente com a voz da minha irmã: Ação de graças.
Não.
Ou sim?
Será que eu podia fazer isso por ela?
Soltei um suspiro forte.
Por que será que eu estava considerando justamente a única coisa que
eu jurei a mim mesmo não fazer? Tudo isso para vê-la sorrir outra vez? Para
afastá-la de toda essa confusão?
Desde quando eu havia passado a me importar mais com ela do que
com os meus próprios sentimentos? Com os limites que havia imposto a mim
mesmo? Desde quando Leighton estava grudada tão intensamente em meus
pensamentos fazendo com que a vontade de protegê-la do mundo fosse maior
do que qualquer outra coisa?
Soltei o ar forte pela boca, passando as mãos no rosto.
Os sons lá de baixo me deixavam ainda mais ansioso. Eu precisava
daquilo. Da adrenalina.
Precisava parar de pensar.
Duas batidas na minha porta. Era a minha hora.
Depois de um dia inteiro de merda, finalmente eu teria como revidar a
porra do destino que só fodia com a minha vida.
Segui ignorando as pessoas ao meu redor. Elas eram como borrões.
Não conseguia prestar atenção em nada. Minha mandíbula estava tensa.
Ergueram nossas mãos, nos cumprimentamos e foi quando minha mente
pareceu voltar.
Meu punho direito acertou o nariz do meu adversário.
Eu nem tinha reparado a cara do filho da puta.
Sua cara era a cara dele. James.
Ele rindo enquanto falava sobre a Leighton. Ele não tinha direito.
Nenhum direito de falar nada sobre ela.
Ele fazendo coisas terríveis contra ela. Contra garotinhas indefesas.
Podia ter sido a minha irmã.
Se tivesse sido Olívia, ele teria deixado de respirar há muito tempo.
Eu não conseguiria me controlar. E minhas mãos só não estavam no seu
pescoço nesse instante por ela.
Leighton não queria ser exposta, mas eu tinha certeza de que, com as
coisas que Malcon estava descobrindo, seria o suficiente para acabar com
aquele desgraçado.
Precisava socar alguém. Bater em alguém. Quebrar ossos.
Precisava colocar para fora a raiva que estava sentindo.
Os gritos.
Os aplausos.
Meu nome sendo aclamado.
Nada disso me fazia sentir especial. Nada disso fazia com que eu
sentisse que aquela raiva em meu peito podia ser justificada.
Eu precisava quebrar algo. Pessoas.
Precisava ver o sangue jorrando. Vê-los caídos aos meus pés.
Aquele incômodo em meu peito estava me matando.
Leighton não merecia.
Ninguém merecia aquilo.
A imagem dela, vulnerável, chorando em meu colo, era demais para
mim.
Fiquei com ela até que Chiara chegou, até que ela me garantisse que
não sairia do lado de Leighton para nada.
Mas eu precisava extravasar.
Eu tinha que fazer isso para não cometer nenhuma loucura.
O cara à minha frente não se rendeu, ainda que com o sangue jorrando
do nariz. Admirava adversários assim. Mas não hoje. Hoje eu só o achava
burro mesmo. Era minha quarta partida e a sede não diminuía. Ele não sairia
daqui muito bem.
Seu punho esquerdo acertou meu maxilar. Uma vez. Duas vezes.
Quis rir, mas porra, doeu mesmo.
O direito acertou em cheio minha boca e eu senti o gosto metálico do
sangue.
Dei um passo para trás, afastando-me.
Ele sorriu pra mim como se quisesse me desafiar. Como se aquele
soco ínfimo pudesse ter me atingido de alguma forma.
Já tinha aguentado coisas piores.
Sorri de volta.
Meu punho direito o acertou em cheio uma vez. E mais uma. E mais
uma. Ele sucumbiu. Caiu no chão.
Não consegui parar. Meu corpo estava sobre o seu e meus punhos
ainda batiam com força ora no rosto, ora nas costelas. Eu não via mais onde
batia. Só precisava bater.
Mais.
Mais.
Mais.
— Chega, porra! — A voz de Malcon que me trouxe de volta à
realidade.
Braços estavam ao meu redor. Eu já não estava mais sobre o corpo
coberto de sangue jogado no chão. Ele soltou um gemido e eu quase senti
pena do cara.
— Você tá louco? — Malcon gritou, puxando meu rosto em sua
direção.
Não respondi.
Meu rosto estava tenso.
Meu maxilar trincado.
Sentia os olhares em minha direção.
Alguns admirados.
Eu não decepcionava nunca. Apostar em mim era a forma mais fácil
de ganhar dinheiro e todo mundo ali sabia disso.
Outros olhares eram assustados, como se eu tivesse passado de alguns
limites hoje.
Vi, de soslaio, quando dois caras fortes levantaram o moribundo do
chão.
Malcon ainda me empurrava para algum lugar, falando sei lá o quê.
Eu sentia também olhares desejosos sobre meu corpo. Olhares de
mulheres que sonhavam com o momento em que eu puxaria seus cabelos
com força, as fazendo ajoelhar em minha frente e enfiar meu pau pulsante em
suas bocas. Depois, fodê-las sobre qualquer superfície.
Seria fácil ter qualquer uma delas em minha cama. Seria só um estalar
de dedos e eu teria companhia. Eu precisava de sexo. Precisava transar.
Ainda tinha muita raiva dentro de mim.
Mas eu não conseguiria.
Não podia.
Jamais faria isso com ela.
Fechei os olhos por um segundo.
Por mais que pensar nela fosse a última coisa que eu precisava, era a
única coisa que a porra da minha mente sabia fazer. A imagem de Leighton
sorrindo invadiu a minha mente. Foi como... eu não sabia expressar, mas foi
bom. Foi como colocar os pés no chão depois de um pesadelo terrível.
A imagem contrastou com a de hoje mais cedo, quando ela chorava
assustada. Quando aquele filho da puta assinou seu atestado de morte.
Aquilo não ficaria impune.
Meu corpo tombou com o de alguém por causa da forma como
Malcon me empurrava para fora do casarão. Ele olhou em minha direção.
Tinha um sorriso de canto. Os olhos desafiadores. Postura altiva. Era quase
como se estivesse dizendo que nós dois nos desafiaríamos em breve e que ele
ganharia a porra da luta.
Como se isso fosse possível.
De repente, ele sumiu. As pessoas também. A iluminação precária do
casarão e todas as mulheres me olhando enquanto imploravam para serem
escolhidas para irem pra cama comigo hoje.
— O que aconteceu lá dentro, caralho? — Malcon gritou, soltando
meu corpo com força.
— Eu... — soltei o ar com força. — Eu precisava quebrar a cara de
alguém.
— Isso eu consegui perceber — retrucou, como se meu argumento
fosse idiota demais.
— Como você sabia que estava aqui? — perguntei, passando as mãos
no rosto, inquieto.
— Porque eu sei quando você odeia alguma coisa, precisa colocar a
raiva para fora. — Apontou, com o rosto, para dentro do casarão. — A
Chiara falou com a Mad que você saiu do quarto como se fosse matar
alguém, então depois de garantir que você não tinha ido atrás do filho da
puta, eu vim pra cá.
Não respondi.
— A Leighton te contou o que aconteceu entre ela e aquele cara, não
é? — perguntou. Minhas mãos fecharam em punho imediatamente.
— Você sabe também? — Encarei-o sério.
— Não. Mas pela forma como ela ficou mais cedo, a maneira como
ele queria te desestabilizar, eu sei que é algo sério. — Malcon soltou o ar com
força. — E o meu contato me mandou mensagem mais cedo. Ele quer mancar
um encontro depois do feriado.
Assenti, apertando a ponte do nariz com os dedos.
Será que ele estava certo?
— Sabe? É bom ver você se importando com essa garota — Malcon
falou dando um sorriso de quem estava achando aquela situação uma
maravilha. — Você realmente gosta dela.
— Claro que gosto, ou não estaria namorando com ela — apontei.
— Eu duvidei muito quando soube desse namoro de vocês.
Principalmente quando os vi juntos a princípio. Você era distante demais, frio
demais, mas então — deu um tapa em meu ombro —, então você mudou. Se
diverte com ela. Vocês são bons juntos.
— Você andou vendo muito filme de mulherzinha ultimamente, não?
Ele riu.
— Você vai mesmo viajar no feriado? — perguntei, erguendo um
pouco a cabeça para encarar as luzes reluzentes das estrelas no céu.
Malcon rolou os olhos.
— Infelizmente. Minha mãe faz questão. Amanhã cedo pego meu
voo. — Fiz uma careta, decepcionado. Se o Malcon estivesse por aqui, nós
podíamos distrair a Leighton. Levá-la a algum lugar, eu não sei. — E você?
Vai ficar aqui mesmo?
Dei de ombros, sem saber exatamente o que fazer.
— Esse sempre foi o plano.
— Planos mudam, cara. Às vezes, para melhor. — Deu um tapa em
meus ombros, e eu poderia jurar que Malcon conseguia ler a minha mente em
muitos momentos. — Eu vou pegar a porra do seu dinheiro. Você fica aí fora
antes que seja expulso e não tenha mais como pagar o caralho da faculdade,
seu filho da puta — falou, parecendo divertido e voltando pra dentro.
Um vento gelado bateu um meu rosto. Ainda estava com raiva, mas
me sentia um pouco melhor.
E se o Malcon e a senhora Hughes estivessem certos?
E se eu gostasse realmente dela?
Soltei o ar percebendo que eu precisava vê-la. Era um desejo urgente.
Forte demais para ser ignorado.
Eu precisava vê-la da mesma maneira que o planeta precisava que a
Terra girasse e distribuísse o Sol para cada canto do mundo.
E eu não podia esperar um minuto a mais por isso.
Capítulo 40
— Você não pode contar isso a ela — Benjamin reclamou com Olívia
quando ela começou uma de nossas constrangedoras histórias de família.
Estávamos sentados à mesa do jantar e eu precisava confessar que
Olívia me havia surpreendido. Quase toda a comida estava pronta quando
chegamos e passamos um tempo na cozinha dando os toques finais no jantar.
— Cala a boca, Ben. — Oly rolou os olhos, ignorando-o. — E ai, o
idiota resolveu que seria inteligente aceitar o desafio e beber uma garrafa de
pimenta. Bom, ele conseguiu pelo menos por cinco segundos antes de
começar a chorar e beber toda a água que caía da torneira como se fosse um
cachorrinho com sede.
— Você é a pior irmã do mundo. — Ben apontou o garfo na direção
da Oly. — E eu bebi por muito mais tempo que você conseguiria.
— Na verdade, não — Jackson interrompeu, dando mais uma garfada
na comida e concluindo a explicação com a boca cheia. — Ela bebeu por sete
segundos e meio.
Deu de ombros.
Todos nós olhamos para Olívia que sorriu.
— Eu também tenho minha cota de idiotice. E você sabe que tudo que
vocês são capazes de fazer, eu faço ainda melhor e de salto alto.
Olívia piscou para Benjamin que mostrou o dedo do meio.
— Parem crianças, temos convidados. — Usei um tom divertido, o
que fez com que Benjamin erguesse o dedo do meio em minha direção. —
Não me envergonhem na frente da minha garota.
— Eu estou adorando — Leigh se intrometeu, fazendo com que
Olívia erguesse uma sobrancelha em minha direção. — Você é o único velho
chato dessa mesa, Andrew.
Todos riram, e eu fiquei feliz por estar ali.
Finalmente meu corpo começava a relaxar. Olívia estava certa, ele
não voltou. Com certeza dormiria em qualquer lugar onde pudesse encontrar
garrafas de qualquer coisa que pudesse beber e amanhã cedo, quando
fôssemos embora, minha vida estaria igual, mas um pouco melhor por ter
conseguido fazer minha irmã feliz.
Como se soubesse o que eu pensava a seu respeito, Olivia riu. E eu
me lembrei sobre o que havia dito mais cedo, quando cada um de nós falou
sobre o motivo de sermos gratos, antes de comer.
“Sou grata por ter todos vocês aqui. Nunca vou esquecer que fez isso
por mim, Andrew. Obrigada.”
Valia a pena.
Cada sacrifício, cada vez em que pensei que Olívia me deixaria louco,
cada momento de insegurança que eu tive no caminho para cá. Tudo tinha
valido a pena. Por meus irmãos.
Sorri, observando-os conversar ao redor da mesa. Leighton estava tão
à vontade e feliz que eu sentia que havia feito a coisa certa.
Ela estava linda.
Usava um vestido verde de alças finas, o decote em v destacava os
seios firmes e ficava mais justo na cintura, emoldurando o corpo
incrivelmente sexy. Perfeita seria pouco para descrevê-la. Eu queria, mais do
que qualquer outra coisa, tirar aquela peça absurdamente provocante e beijar
aquele corpo inteiro. Queria transar com ela.
Não.
Não era isso.
Eu queria algo mais especial.
Queria uma noite languida, dando a Leighton tudo que ela merecia.
Eu queria alguma coisa completamente diferente.
— Você não precisa comer sua namorada com os olhos assim,
Andrew. — Olívia pôs a taça com vinho em frente aos lábios tentando
reprimir o sorriso descarado que estava em seus lábios.
Abri a boca para falar alguma coisa, mas senti meu corpo retesando
quando ouvi o som de alguém tentando enfiar uma chave na porta.
Os olhos de Olívia, arregalados e assustados, foram parar em meu
rosto. Ela não disse nada, mas havia ali um pedido mudo de desculpas.
O silêncio foi a única coisa que restou na mesa.
Todos me encaravam como se esperassem a minha reação para
saberem o que fazer.
A porta foi aberta e a cantoria irritante e arrastada começou.
Ele tentava acertar a letra de uma canção antiga, mas as palavras se
embolavam tanto que era impossível entender alguma coisa que dizia.
— Ah, que alegria. — Abriu os braços como se estivesse feliz ao nos
ver, e quisesse o abraço que costumávamos dar quando ele voltava do
trabalho. Mas isso era em outra vida. — Venham, crianças. Não fiquem
tímidas, o papai chegou!
— Pai, o que você está fazendo aqui? — Olivia perguntou, com
cuidado, pondo a taça que ainda segurava na mesa.
— Aqui ainda é minha casa, Olizinha. — O uso do seu antigo apelido
infantil me deixou enjoado. Ele não tinha direito de usar aquela palavra.
Não o homem que ele havia se tornado.
— Pai — Olivia começou, mas ele fez um gesto mostrando que ela
devia ficar quieta.
— Todos os meus filhos reunidos em um único lugar. — Ele começou
a rir, como se houvesse uma coisa de muito engraçado nisso. Apertei minhas
mãos com força. — Há quanto tempo isso não acontece. Há quanto tempo.
Vamos jantar todos juntos, como antigamente?
Mais uma vez, tentou andar.
— Meus meninos. Vamos jantar, afinal, hoje é dia de graças, não é?
Deu um passo à frente, trombando em seus próprios pés. Oly quase
saiu correndo ao perceber para ajudá-lo, mas parou ao notar que conseguiu
recuperar o equilíbrio. Ele caminhou até quase estar próximo à mesa.
— Hoje é dia de graças — suspirou. — E vocês não me esperaram
para o jantar. — A expressão confusa e olhar perdido deixavam a cena ainda
mais patética.
Eu sentia que meu coração podia explodir de ódio. Olhei para
Benjamin que acompanhava a cena como se estivesse atento a nós dois, com
medo do que poderia acontecer. Jackson mantinha os olhos em Olívia. Seria
sempre ela quem ele socorreria primeiro, e eu ficava feliz por isso.
Leighton tinha uma expressão séria no rosto.
Sem olhar em minha direção, ela pôs a mão sobre a minha com
cuidado. O calor que irradiava da sua pele, de alguma maneira me acalmou
um pouco. Inspirei fundo, soltando o ar com força. Eu não podia perder a
cabeça.
— Meus meninos. Como estão enormes. Como estão enormes meus
meninos ingratos. — Ele arrastou uma cadeira, sentando-se na outra
cabeceira, bem de frente para mim.
Ele estava exatamente como eu me lembrava. Sujo e fedorento.
A camisa que antes era branca estava preta. Em lugares havia
manchas amarelas como se ele tivesse vomitado nele mesmo e a roupa
tivesse secado assim.
O rosto inchado e olhos desfocados. Não havia ganhado muito peso,
mas a barriga saltava para fora mesmo com o cinto apertado sobre a cintura.
Ódio.
Senti novamente ele correr pelas minhas veias.
Trinquei os dentes sentindo minha respiração ficar irregular.
Lembrando-me de quantas vezes nossos jantares foram regados de
momentos constrangedores. De quantas vezes fomos impedidos de trazer
amigos em casa com medo do que ele pudesse fazer.
E agora, aqui estava Leighton, a primeira garota que eu quis que
conhecesse a melhor parte de mim, os meus irmãos, e esse filho da puta
conseguia destruir isso.
Eu estava cansado dele destruir todas as coisas que importavam para
mim deixando-me com a responsabilidade de consertá-las depois.
Olhei para Olívia.
— Pai — Olívia falou, levantando-se. O olhar fixo no dele. — O que
está fazendo aqui? Eu pedi para não voltar hoje, lembra?
Ele riu outra vez.
— Eu não vou deixar de vir para a minha casa porque um desses
ingratos não me quer aqui, Olívia. Não vou me tornar motivo de risada pros
meus amigos. As pessoas vão ficar rindo de mim por ter que sair para que os
principezinhos de merda possam ficar. Esses filhos da puta só existem por
minha causa, eles têm um teto em cima da cabeça deles por minha causa.
Essa casa que eu comprei com sua mãe só existe por minha causa. Então, eu
não vou ficar me escondendo como a porra de um rato imundo. — Ele olhou
para o espaço vazio à sua frente. — Onde está o meu prato, Olívia? Traga um
prato para mim.
Oly ia sair da mesa, mas Jackson a impediu segurando seu braço.
— Ela não é sua empregada. Quer um prato, vá buscar você. Isso é, se
conseguir ficar de pé — falei.
— Andrew — Olivia chamou, tentando evitar a briga que se seguiria.
Ela sabia disso.
Desde o momento em que soubemos que ele estava ali.
— Você vai obedecer a esse sujeito, Olívia? — Apesar de falar com a
minha irmã, seus olhos estavam em mim. — Ele foi embora, ele nos
abandonou. Eu sou seu pai. Eu estou aqui com você. Eu estou aqui.
Ben me olhou com uma expressão que provava que estava pensando o
mesmo que eu. Ele, além de bêbado, não estava falando coisa com coisa.
Repetia as últimas palavras, como se estivesse em algum transe.
— Pai, por favor. — Apesar do tom firme, eu conhecia minha irmã o
suficiente.
— Todos eles foram embora, Olívia. — Repetiu, falando devagar. —
E eu não vou sair da minha casa, por causa desse filho da puta que se acha
melhor que eu. — Riu pelo nariz. — Essa é a porra da minha casa. Minha.
Minha casa.
— Pai... — Oly tentou se aproximar pondo a mão em seus ombros.
— Eu já disse, se eles não querem me ver, não venham à minha casa.
Minha casa. — Bateu a mão na mesa, gritando as últimas palavras, o que fez
com que a minha irmã se encolhesse um pouco.
Jackson levantou em um impulso e Olívia balançou a cabeça em
negativa. Ela estava determinada a fazer com que a noite não acabasse da pior
forma possível.
— Tá, eu vou te ajudar, então — falou, com a voz tranquila, voltando
a colocar as mãos em seus ombros. Vou te levar pro seu quarto e o senhor
dorme lá.
— Eu não vou sair daqui. — Bateu na mesa outra vez. Senti quando a
mão de Leighton apertou a minha um pouco mais. — Não vou sair da minha
casa. Não vou para o meu quarto como a porra de uma criança de castigo por
causa desse merdinha. Se algum dos seus irmãos não quiserem me ver, não
quiserem ver o homem dessa casa, eles podem ir. Eles podem ir.
— Você não pode se considerar o homem da casa só por ter
participação em ter nos colocado no mundo. O Andrew é o homem da casa.
Foi ele quem garantiu que todos nós estivéssemos bem.
Dei um pequeno sorriso em agradecimento a Jackson.
— O quê? — perguntou erguendo um pouco o rosto. — Você está
vendo, Olívia? Ele se acha melhor que eu, melhor que eu. Mas ele não é. Ele
nunca vai ser melhor do que eu! Só porque ele acha que estuda em uma
faculdade de gente bacana é melhor que eu? Você não é nada, Andrew. E
tudo que você é, é por minha causa.
— Tudo que eu sou, é apesar do senhor — falei, mantendo a voz
tranquila. Eu estava me controlando por Olívia. Ela não merecia ter a noite
que havia planejado destruída dessa forma. — Apesar de você ter destruído
as nossas vidas, fugido da sua responsabilidade e deixado quatro crianças
sem nenhuma perspectiva. Tudo que eu sou hoje, é apesar de você.
— Você acha mesmo que é um machão, não é? Que só porque
colocou comida nessa casa, é alguma coisa? Eu sou a porra do seu pai. Do pai
de todos vocês. — Ele olhou para cada um dos meus irmãos que ainda
estavam distante dele. Até que os olhos recaíssem em Leighton. Então, ele
sorriu para ela.
— E quem é você? — perguntou.
Os olhos brilhando em diversão.
Minha mandíbula ficou tensa com a pergunta direcionada a ela e
fechei os punhos. Leighton pôs a mão sobre a mim, em um pedido mudo que
eu me acalmasse.
— Uma amiga minha, pai — Oly mentiu. — Os pais viajaram e ela
veio ficar comigo.
Ele riu, negando com um balanço de cabeça.
— Porque você está mentindo pra mim, Olívia? A garota veio no dia
que seus irmãos vieram. Ela é de algum deles, e pela forma como aquele
merdinha está me olhando, ela é a companhia dele.
Leighton apertou outra vez minha mão em um aviso que eu não
deveria fazer nada. Eu já não sabia se podia me controlar.
Ele olhou para Leighton com atenção e minhas mãos se fecharam
mais ainda.
— Você é bonita, sabia? — As mãos de Leighton ficaram geladas ao
notar o interesse dele sobre ela. — Você merece coisa melhor que esse
merdinha. Ele vai foder com a sua vida, como faz com as pessoas que estão
redor dele. Ele vai te abandonar quando você precisar dele.
Ela abriu a boca para responder, mas Olívia interrompeu.
— Pai, para agora — Olívia gritou, frustrada. — Para. Vem comigo,
por favor. Vamos para o seu quarto.
— Eu não vou sair daqui sem comer. Tenho esse direito, Olívia! É a
minha casa! Porque você está do lado dele? O que ele faz por você? Eu sou a
única pessoa que se importa de verdade com você.
— Você é a única pessoa que não se importa com nenhum de nós —
Jackson falou, enfiando mais uma garfada na boca. — O Andrew fez
exatamente tudo que você devia ter feito por nós. Não faz sentindo todo esse
show de coitado de mim, depois de ter fodido as nossas vidas.
— Olha a porra dessa boca, seu moleque mimado. — Alterou o tom
de voz. — Vocês todos me dão desgosto. São todos uns ingratos.
— Você que é um ingrato — Benjamin falou, irritado. — Devia
agradecer pelo teto que tem, pelo Andrew ainda se importar o bastante para
não ter tirado Olívia de casa e te deixado na rua, como você merecia que ele
tivesse feito.
— Então, eu merecia estar na rua? — ele riu. — É um motim? Meus
filhos, todos os meus filhos, se unindo contra mim. Vocês estão querendo que
ela acredite que eu sou um pai ruim, não é? — Ele olhou para Leighton outra
vez. — Eu não sou um pai ruim, eu fiz tudo por eles. Tudo por eles. Mas eles
são uns ingratos. Você está vendo, eles estão dizendo que eu devia morar na
rua. Eles querem tudo para eles.
Eu podia sentir o olhar de Leighton sobre mim, mas continuava
encarando fixamente aquele homem. Olívia apertou os dentes com força e
ele me encarou outra vez sério demais.
— Você tinha obrigação de ficar aqui, de cuidar deles, de mim. — Os
olhos ardiam como chamas intensas. — Você escolheu ir embora. Você é um
filho da puta egoísta. Você tinha mesmo a obrigação de cuidar de tudo. Acha
que a sua mãe ia se orgulhar de você? — Senti meu coração bater mais
rápido.
Mais forte.
Eu podia, por Olívia, aguentar tudo calado. Mas não aquilo.
Ele estava passando de todos os limites.
— Ela não estaria orgulhosa dele, Olivia. — Encarou os olhos de
minha irmã. — Não estaria orgulhosa daquele filho da puta. Da maneira
como ele consegue dinheiro para isso. Eu tenho certeza de que ele vende
drogas. — Riu. — Você acha que ela ia ficar orgulhosa? A sua mãe ia
preferir morrer outra vez a saber que o filho dela se tornou um filho da puta
drogado. A sua mãe teria vergonha de você.
— Não fala dela — gritei, levantando-me tão rápido que a cadeira
tombou para trás, ela se virou na direção de onde eu vinha, e mantinha as
mãos abertas, como se tentasse me manter distante daquele filho da puta que
nem mesmo se aguentava de pé. — Não fala dela seu desgraçado! Ela com
certeza não estaria orgulhosa de mim, mas sabe o que mais? Você acha
mesmo que ela teria orgulho de você? Desse monte de merda que você se
tornou? Eu, pelo menos, fiz tudo o que você devia fazer. Alimentei e cuidei
dessa família enquanto você se tornava esse verme, esse parasita que você é!
Jackson e Benjamin me seguraram por trás, enquanto Olívia estava à
minha frente. As mãos espalmadas em meu peito tentando me fazer voltar
para trás.
— Olha pra você! Quem você pensa que é? Um saco de merda que
passa o dia enchendo a cara — gritei. Eu sabia que meus irmãos estavam
falando comigo, mas meu foco não era nenhum deles. O mundo sumiu e tudo
que eu conseguia ver, era ele. Aquele desgraçado. — Enquanto você estava
lá, esquecendo que tinha quatro crianças que dependiam de você, fui eu quem
estive aqui, fazendo o possível por eles. Por nós. Se não fosse por mim,
estaríamos todos mortos. E essa casa? — Apontei para o teto. — A casa que
você orgulhosamente está dizendo que é sua, sou eu quem paga a porra dessa
casa. Assim que Olívia for embora, você vai pra puta que pariu, porque você
não vai ver dinheiro algum vindo de mim.
— A minha casa — falou, como se estivesse na porra de um transe,
encarando o teto com os olhos tão inexpressivos quanto um peixe morto.
— Desculpa, Olívia. Mas eu não posso com isso — falei, mexendo os
braços para que me soltassem. Dei meia volta não conseguindo enxergar nada
à minha frente e só voltei a respirar quando passei pela porta pegando a chave
do carro que estava no porta-chaves sobre a bancada próxima à porta.
O ar frio da noite bateu em meu rosto ajudando a colocar os
pensamentos em ordem. Eu precisava de um pouco de distância. Precisava da
minha mãe.
Entrei no carro dando partida.
Pelo retrovisor vi quando Leighton chegou ao local de onde havia
acabado de sair. Mas eu não podia arriscar estar com ela agora.
Porque, caralho, a voz dele dizendo que minha mãe não estaria
orgulhosa de mim continuava ecoando em minha mente como a acusação dos
piores crimes. Eu sabia que era verdade. Eu mantinha meus irmãos, o que,
para mim, era mais importante que qualquer coisa.
E eu o odiava ainda mais por me fazer lembrar disso.
Capítulo 42
— Que filho da puta! — gritei alto o bastante para que o juiz ouvisse.
Malcon estava jogando contra o time de Harvard. O jogo era na
universidade deles, o que significava que nós tínhamos passado algumas
horas vindo até aqui só para ver aqueles filhos da puta agredirem os nossos
jogadores e o juiz apenas assistir sem marcar nada a nosso favor.
Se eu estivesse lá tudo seria diferente.
Era um pensamento mesquinho, eu sabia. O time estava dando o
melhor de si, não havia dúvidas. Mas eu tinha que estar no campo. Com
Malcon e eu jogando juntos seria impossível que aquela porra de massacre
continuasse acontecendo.
Leighton chegou mais perto e enroscou os dedos nos meus e
imediatamente senti aquela faísca entre nós. A noite passada foi uma das
melhores da minha vida.
Não. Foi a melhor.
E ouvi-la dizer que me amava. Saber que ela realmente gostava de
mim, foi... incrível.
Dormir com alguém por quem você realmente sentia algo, alguém que
você amava, tornava todas as coisas diferentes. E eu queria ter mais disso
com a Leighton. Mais e mais.
Eu não estava apenas viciado em sua boceta, em seu gosto, em seu
cheiro, em seu sorriso, em cada pequeno detalhe que a tornava cada vez mais
única. Eu estava viciado naquilo que eu sentia quando estávamos juntos,
naquilo que eu sentia quando estava dentro dela, eu estava viciado nela.
Estava viciado em amá-la.
— Fica calmo, nós vamos ganhar — Leighton falou tentando ser
positiva.
Fingi não escutar o som que Chiara havia feito ao lado da minha
garota. Ela entendia bastante de jogos para saber que ganhar, agora, seria
apenas por um milagre. E nem apenas pela diferença de oito pontos no placar,
mas o emocional deles com certeza estava abalado, e nada pior que isso para
foder com a mente de um jogador. Especialmente depois que dois dos nossos
melhores jogadores foram machucados deliberadamente pelo time rival.
Nossas táticas eram boas, mas nossos jogadores decentes demais para
jogar sujo. Queríamos ganhar por mérito. Eles estavam certos, mas se eu
estivesse jogando devolveríamos na mesma moeda.
Que se fodessem todos eles.
Estávamos no segundo tempo e o cronômetro indicava que, em
instantes começaríamos uma nova pausa. Bufei quando fomos atacados mais
uma vez e o técnico escolheu ignorar a agressão.
O fato do jogo ser em outra universidade e em dia de semana
dificultava também que o nosso lado da torcida estivesse cheio como
aconteceria se o jogo fosse em casa. Assim que foi indicado o final do tempo,
observei meu time deixar o gelo com a clara expressão de derrota no rosto.
— Ei, Afrodite. Vou ver se consigo falar com o Malcon — falei, me
aproximando, ela assentiu, erguendo um pouco o rosto para que eu colasse
nossos lábios. — Vai ficar bem com as meninas?
Franzi o rosto notando o desfalque em nosso pequeno grupo.
— Sim. A Mad saiu correndo para ir ao banheiro e o Jackson disse
que ia comprar alguma coisa para comer — respondeu, passando os braços
por minha cintura. Assenti, observando Benjamin emplacar uma conversa
animada com a Chiara sobre suas impressões a respeito da partida.
— Você vai ficar bem? — quis saber.
— Pedi um namorado e ganhei um guarda-costas? — brincou,
apertando os olhos em minha direção. — Pode ficar tranquilo. Não estou
sozinha.
Era Harvard, e eu duvidava que aquele cara aparecesse por aqui, mas
eu ainda me preocupava. Além de apoiar meu amigo, vim até aqui para
procurar informações sobre aquele filho da puta. Se ele foi expulso, alguém
devia saber o motivo. Se Harvard fosse como a Walker, nenhuma fofoca
ficaria incólume.
Não existe nada que jovens façam com tanta eficiência quanto falar da
vida dos outros. O aviãozinho era um bom exemplo disso.
Dei um beijo rápido em seus lábios indo em direção ao vestiário.
Como não era do time, claro, não me deixaram entrar. Enviei uma mensagem
para o Malcon que saiu para me encontrar. Eu podia ouvir de onde estávamos
os gritos do filho da puta do treinador exigindo que ele voltasse. Ao notar que
não aconteceria, passou a gritar com o time.
— Caralho, cara. Você devia estar nessa porra de jogo mais do que
qualquer um de nós. — Passou a mão pela cabeça, irritado.
— Vocês estão jogando bem. O problema é o juiz filho da puta. Não
entreguem o jogo, tenho certeza de que vocês são capazes, capitão. Aquela
equipe — Apontei pelo caminho de onde ele veio. — Precisa de você.
Ergui a mão com o punho fechado para cumprimentá-lo.
— Eles são rápidos, mas estão focados em atacar vocês. Evitem os
wingers[6] e aposta nos nossos centers.
— Pode deixar. Nós vamos dar o nosso melhor — falou.
Observei meu amigo andando por alguns segundos, olhando ao redor
em seguida. Harvard hoje era nosso rival, mas eu estava mais que disposto a
conseguir qualquer informação que pudesse ser útil para acabar com aquele
filho da puta.
Andrew estava sentado com Malcon e alguns dos garotos que nem me
havia dado ao trabalho de parar para reconhecer. Apesar de ainda estar
distante, eu conseguia vê-lo.
Estava lindo.
Ele era um babaca. Porque os babacas tinham que ser tão lindos?
Senti meu coração apertar a cada passo que eu dava em sua direção.
Andrew estava rindo falando alguma coisa com o Malcon e, como se
soubesse que eu estava me aproximando, olhou em minha direção.
Seu sorriso se alargou ainda mais ao me ver.
Mentiroso desgraçado.
Lindo, filho da puta.
Eu te odeio.
Mas porque meu coração ainda batia daquela forma por você?
— Ei, Afrodite — Andrew se levantou, começando a vir em minha
direção. Os garotos deram risadas e soltaram assobios. Com certeza deviam
estar rindo muito da minha cara pelas minhas costas. O sorriso começou a
desaparecer um pouco em seu rosto à medida que se aproximava e notava
minha expressão taciturna. — Aconteceu alguma coisa, Leighton? —
perguntou, ao chegar mais perto.
Andrew caminhou mais rápido, pousando as mãos em meus ombros
assim que me alcançou esquadrinhando meu rosto tentando decifrá-lo. Havia
uma urgência tanto em sua voz como em sua expressão. Ele era um bom ator.
Quem o visse, pensaria que realmente se preocupava comigo.
Trinquei os dentes. Não podia me deixar levar por aquela carinha
bonita, ou pelo corpo sexy nem pela maneira como seu rosto parecia
contorcido de preocupação.
Não podia me deixar levar por ele outra vez.
— Não se encosta em mim, Andrew — falei, firme, fazendo com que
ele apertasse os olhos em minha direção, confuso.
— O que aconteceu? Você está bem? — seus olhos pareciam
confusos.
— Você fez uma aposta sobre mim? — perguntei, erguendo a cabeça
e cruzando os braços em frente ao meu corpo.
Dei um passo para trás, mantendo uma distância segura entre nós
dois.
— Aposta? — franziu o rosto, como se não conseguisse entender
sobre o que eu estava falando.
— Não se faz de desentendido. Uma aposta, Andrew.
— Não faço ideia do que você está falando. — Ele parecia sincero.
Deu um passo em minha direção, e eu outro afastando-me dele.
— Uma aposta. Uma aposta com os seus amigos sobre como você
seria o melhor namorado do campus.
A expressão do seu rosto, antes confiante, vacilou um pouco.
— Leighton...
— Você fez — afirmei, sentindo a voz falhar. O coração parar de
bater.
O mundo parar de girar.
O Andrew que até segundos atrás estava se mostrando um incrível
porto seguro para mim, na verdade, estava fazendo isso por incentivo
financeiro e não por preocupação.
— Não! — Negou rápido. — Não desse jeito que você está pensando.
— Andrew deu mais um passo e outro em seguida quando eu recuei. —
Afrodite, me ouve, por favor, me deixa explicar, não foi assim que as coisas
aconteceram.
— Houve uma aposta? — perguntei outra vez.
— Eu não sei o que você soube, mas com certeza as coisas não foram
da maneira como você está pensando e se você puder me ouvir por um
segundo, tenho certeza de que vai...
— Achar graça? — ri pelo nariz. — Dar risadas com você porque
você estava me usando por grana todo esse tempo? — falei, dando uma
risada, fechando os olhos e passando a mão na frente do rosto.
Andrew apertou os dentes com força. Eu podia ver pelo maxilar
travado a maneira como estava tenso. Mas não era preocupação. Ele havia
sido descoberto e perderia uma grana por causa disso.
— Eu não usei você — falou, irritado, segurando meus braços com
força puxando-me para perto do seu corpo. — Você está com raiva, e está no
seu direito, mas eu não usei você. Eu jamais faria uma coisa dessas.
— Porque você tem uma irmã? — repeti a justificativa que ele me deu
quando perguntei o motivo pelo qual queria continuar com a farsa, lutando
contra suas mãos que insistiam em me manter presa a ele. — Isso não vai
convencer mais, Andrew.
Funguei, tentando evitar que as lágrimas escorressem por meu rosto,
empurrando sua mão com força o suficiente para enfim, ele me soltar.
— Seja homem para assumir que fez isso porque não queria perder.
Afinal você é um Davis, e os Davis não perdem nunca, não é? — dei uma
risada irônica. — Parabéns. Você venceu outra vez. Tudo isso, toda essa
mentira, eu espero que tenha valido a pena.
Eu conseguia ver a angústia em seu olhar, mas não podia mais confiar
em nada relacionado a ele. Dias atrás também via amor. Agora eu sabia que
era mentira. Que ele havia mentido o tempo inteiro.
— Claro que não! — quase gritou, desesperado. — Não foi uma
mentira! Caralho, Leighton, você acha que eu enganaria você dessa maneira?
Movimentei a cabeça em um gesto afirmativo me sentindo confusa.
Meus olhos ardiam das lágrimas acumuladas e que estavam prestes a cair.
Eu não queria chorar, mas meu peito doía.
Ardia, na verdade.
— Acho — falei. — Tudo isso começou por causa de uma mentira,
não foi? Você sempre diz que não gosta de perder, não é? — falei baixo
dessa vez.
Mais por não ter forças para falar do que por qualquer outro motivo.
Meu peito doía tanto que eu sentia que meu coração se partiria em um milhão
de pedacinhos.
— Leighton. — Andrew se aproximou, emoldurando meu rosto sob
suas mãos enormes. — Leighton, eu não menti para você.
— Então me diz que não houve aposta — pedi. A maneira que seus
olhos se tornaram distantes e frios só provavam a culpa. — Você não pode
dizer isso, não é?
— Olha pra mim — implorou. — Me ouve, por favor. Não foi uma
aposta de verdade, foi só uma forma idiota de dizer que eu não era o babaca
que eles pensavam. Que eu podia ser um bom namorado. Eu não menti para
você. Eu juro — falava baixo, como se quisesse que as pessoas não nos
ouvissem. Aparentemente nós gostávamos de drama, já que boa parte da
universidade parou para nos assistir. Outra vez. — Tudo que aconteceu
depois, tudo, cada pequeno detalhe, cada... Foi tudo verdade, Leighton. Tudo.
Eu juro.
— Se é assim, porque você não me contou? — quis saber. — Se tudo
que aconteceu depois não foi mentira, porque você não foi sincero e me
contou sobre a aposta?
— Eu não... Não fazia mais diferença. — O olhar estava fixo no meu,
parecia desesperado para que eu acreditasse nele —, porque pra mim todo o
resto, todo o meu tempo com você passou a importar mais e eu nem lembrava
que aquela conversa tinha acontecido, Leighton.
Balancei a cabeça negando e ele se aproximou me segurando outra
vez, olhando em meus olhos fixamente como se quisesse que visse verdade
através deles.
— Aposto que você disse que conseguia tirar a minha virgindade, não
é? Que ganharia mais dinheiro por isso. — Balancei a cabeça em negativa
rindo um pouco. — Vocês devem ter tido muitos motivos para rir de mim.
Andrew me soltou como se eu queimasse.
O rosto endureceu e ele ficou um pouco mais pálido.
— Você não pode acreditar que eu faria uma coisa dessas — falou
com a voz dura. Mas eu podia acreditar sim. E o fato de não ter respondido
foi exatamente a confirmação que ele precisava. — Você acredita mesmo
nisso? Acha que eu faria isso com você?
— Eu soube que você ganhou uma bolada com isso — contei, vendo-
o trincar os dentes.
— Os caras apostaram dinheiro, sim. Não eu. Aquela aposta idiota foi
só uma forma de falar, da boca pra fora. Eles estavam dizendo que eu seria
um namorado ruim. Até o Malcon e meus irmãos. — Apontou para o lugar
onde Malcon estava sentado com os garotos e eu desviei o olhar pela primeira
vez. Nós estávamos atraindo a atenção de boa parte das pessoas que estavam
aqui sentadas aproveitando o raro sol que havia aparecido. — Meus amigos,
meus irmãos, apostaram e eu disse que apostava que seria o melhor porque
queria provar a eles que eu conseguia. Então eu saí e fui atrás de você. Da
minha parte não tinha nenhum dinheiro envolvido. Foi só... Por favor,
Leighton você precisa acreditar no que eu estou falando. Qualquer um pode
dizer isso, exatamente isso a você.
Estava confusa.
E se ele estivesse falando a verdade?
Mas e se não estivesse?
E se no final das contas Andrew fosse exatamente o babaca que eu
havia conhecido no começo de tudo que se importava apenas com ele mesmo
e com os irmãos?
“Você é uma garota especial. Não merece que alguém brinque assim
com os seus sentimentos”.
As palavras de George invadiram a minha mente outra vez.
— Leighton, por favor, por favor, acredita em mim — pediu
apertando mais as mãos ao redor do meu rosto.
— Você conseguiu provar a eles que era o melhor. E eu acreditei
também. — Meus olhos se encheram de lágrimas outra vez. — O James fez o
que fez comigo, ele usou meu corpo. Ele me destruiu. Você não é tão
diferente dele. Me viu como um pedaço de carne, um motivo para aposta.
Você também me destruiu, Andrew. Mas, mais do que meu corpo, você
destruiu meu coração.
Ele não esperava por aquilo. Pude ver na maneira como seus olhos se
carregaram de ódio.
— Não me compara com aquele filho da puta — o tom de voz estava
assustadoramente irritado. — Eu nunca faria o que ele fez. Eu nunca faria a
garota nenhuma o que ele faz.
— Ele vende fotos, você faz apostas. Não é tão diferente assim. —
Dei de ombros.
Sua respiração ficou acelerada, as narinas inflaram e seu rosto ficou
vermelho-vivo.
— Se você pensa mesmo isso a meu respeito, você não me conhece,
Leighton.
— Não mesmo — falei, firme. — Na verdade, essa é uma coisa que
eu acabei de aprender, não importa o quanto você ache que conhece alguém,
sempre se surpreenderá. Você mentiu pra mim. Eu confiei em você, Andrew.
Achei que eu pudesse acreditar em você de verdade.
— Leighton...
— Eu não posso. — Pisquei algumas vezes sentindo as lágrimas
escorrerem por meu rosto. — Eu já fui exposta uma vez a coisas das quais
não me lembro, agora você me vendeu para seus amigos. Só para mostrar que
podia. Que era o melhor — neguei, balançando a cabeça. — Quando o
George me contou eu não quis acreditar, mas...
— O George? — perguntou, confuso. O rosto indo de choque a raiva
e depois a expressão que ele fazia quando queria matar alguém.
Eu conhecia muito essa cara, era a que ele sempre mantinha no rosto
quando via James caminhando por aqui.
— Não adiante ficar bravo com ele, pelo menos alguém foi sincero
comigo. — Ele bufou.
— Leighton, eu disse que te amava. — Andrew tentou se aproximar
outra vez. — Eu falei sério.
— Acho que você ama a ideia de que as pessoas achem que você é
capaz de fazer o que elas não acreditavam que você seria capaz — falei,
sentindo as lágrimas em meus olhos outra vez. Não sabia nomear o que se
passava em meu coração naquele momento. Decepção? Tristeza?
Incredulidade? Não sabia. Mas doía. Muito. Demais. Mais do que eu achei
que pudesse suportar. — Felizmente ninguém apostou quanto tempo você
ficaria mal para superar um término. Todo mundo saberia a resposta. Dia
nenhum.
Andrew ficou imóvel por alguns instantes antes de piscar uma, duas,
três vezes.
— Você não pode estar falando sério — ele perguntou com a
expressão mais surpresa que eu já havia visto em minha vida.
— Claro que estou. — Meu coração parou. Com certeza as três
palavras mais difíceis que eu já havia dito, seguida da primeira palavra mais
dolorosa do mundo. — Acabou. Mas pense pelo lado positivo, você não vai
mais precisar fingir que se importa comigo. E eu não vou mais precisar de
você.
Ele soltou um palavrão e puxou o ar com força para dentro dos
pulmões.
— Leighton, você está nervosa — falou, erguendo a mão e se
aproximando outra vez. — Eu vou te levar em casa e nós conversamos
melhor quando você estiver tranquila
Balancei a cabeça negando.
— Eu não estou nervosa. Triste. Decepcionada. Com o coração
destroçado. Com raiva. Mas eu sei bem o que estou fazendo, Andrew.
Terminando com o namorado em quem eu não posso confiar. — Fechei os
olhos por um segundo, sentindo quando seu corpo se aproximou. O cheiro de
tabaco e hortelã que eu conhecia tão bem inundou meu olfato.
— Leighton — ele sussurrou com o hálito fazendo cócegas em meu
rosto.
— Por favor, não vem atrás de mim — pedi, prendendo a respiração
enquanto dava as costas para ele ouvindo-o me chamar.
— Isso não acabou aqui, Leighton. Não mesmo. — Andrew garantiu
com a voz determinada. — Eu vou provar a você que não foi assim que as
coisas aconteceram.
— Não vai rolar, Andrew.
— Isso é o que nós vamos ver, Leighton. Você pode até ser
determinada e saber o que quer, mas eu sou o Imbatível. Em outras palavras,
isso quer dizer que é impossível me vencer.
A expressão obstinada no rosto e a voz segura mostravam que ele
estava falando sério.
Mas eu também estava.
Andrew havia morrido para mim.
Não seria enganada outra vez.
Capítulo 50
— Pelo amor de tudo que é mais sagrado, amiga, quando você vai
conversar com o Golden boy que está ali sentado esperando sua hora de ir
embora para te seguir como um doguinho feliz até o dormitório e sem nem ao
menos ganhar um mísero sorriso seu? — Mad soltou um suspiro audível,
olhando para a mesa onde meu ex-namorado estava me aguardando.
Era seu ritual de todos os dias.
Andrew estava pontualmente no meu horário de sair pela manhã
aguardando na frente do dormitório, me levava em todas as aulas, me
acompanhava até o trabalho e depois me levava em casa novamente.
Em silêncio.
Bem, eu ficava em silêncio. Andrew falava comigo. Ele me dava bom
dia, desejava-me boa aula. Às vezes me contava alguma coisa que havia
acontecido em seu dia.
Em algumas circunstâncias eu queria responder, ou rir das coisas que
falava. Mas me lembrava de como meu coração ainda estava doendo por
causa dele. Por sua mentira. Então, mordia minha língua e engolia qualquer
pensamento benevolente que pudesse sentir em relação a ele.
Mas eu permitia a sua presença por causa do James. Ainda tinha medo
do que ele podia fazer caso se aproximasse. Ainda tinha medo da minha
reação. Ele nunca aparecia quando o Andrew estava por perto, e isso fazia
com que eu me sentisse um pouco mais segura.
— Eu achava que já tinha conhecido muita gente sem coração, mas a
Leighton está ganhando. — Ania entregou a Mad um copo de água com
limão.
— O que é isso? — perguntei, apontando para o copo, ignorando o
comentário a meu respeito.
— Nada demais, só para me ajudar a perder um pouco das gorduras
em minha barriga. — Abri a boca para responder, mas ela me interrompeu.
— Tem certeza de que não quer falar com o Golden? Tadinho — outro
suspiro.
— Quer pra você? — ergui uma sobrancelha em sua direção.
— Tá doida? Eu jamais pegaria alguém que já ficou com alguma de
minhas amigas, menos ainda alguém que está completamente e
irremediavelmente apaixonado por uma das minhas melhores amigas.
Mad piscou para mim.
— Ouvi melhor amiga, e aviso que cheguei. — Chiara apareceu ao
lado de Mad jogando sua bolsa no balcão e olhando na direção onde Andrew
estava sentado. Ele pegou o copo de coca cola para dar um gole destacando
os malditos músculos que eu sentia falta todos os dias. — Ela ainda não foi
falar com ele? — perguntou, apoiando a mão sobre o punho fechado
encarando-o como se estivessem com pena.
— Supõem-se que vocês são minhas amigas, e amigas ficam do lado
das amigas, não do cara que mentiu para ela. — Rolei os olhos, passando a
flanela laranja gasta no balcão com força.
— Isso acontece quando a amiga em questão não é uma vaca sem
coração. — Mad retrucou, dando língua para mim.
— Muito maduro pra sua idade. — Bati nela com a flanela molhada.
— Tão madura como você, que não conversa logo com esse homem.
Por favor, Leighton.
Balancei a cabeça em negativa, olhando para o relógio. Faltavam três
minutos. Coincidentemente Andrew olhou para o relógio também. Depois
para mim. Três minutos para aguentar a caminhada que antes levávamos
quinze minutos e que agora se transformou em trinta, ao seu lado.
Sentindo seu cheiro.
Sentindo meu peito arder de saudade.
Sentindo meu corpo tremer de raiva.
Uma semana.
Uma semana ignorando-o completamente. Fingindo que ele não
existia. Mas não conseguindo nem por um minuto me esquecer de seu
sorriso, dos seus beijos, da maneira como meu coração batia feliz por causa
dele.
— Está pronta? — Andrew perguntou, de repente, próximo demais de
mim. O cheiro de hortelã e tabaco. O gosto que eu tanto sentia falta.
Dei outra conferida no relógio constatando que era exatamente o
horário de saída. Soltei um suspiro com força. Trinta minutos ao seu lado.
Trinta minutos em que eu vivia o céu e o inferno ao mesmo tempo.
Assenti, deixando o avental sob o balcão, e pegando minha bolsa que
já havia entregado a Chiara quando fiz uma pausa para o banheiro, minutos
atrás.
— Ai, droga — Mad falou, dando uma conferida no celular. — Vou
ter que voltar na sala. Deixei aquele casaco azul da Channel lá. O que você
gosta, Chi. — A carinha de quem estava desolada podia enganar quase
qualquer pessoa, menos a mim.
— Eu vou com você — Chi respondeu, feliz demais. — Quem sabe
assim você deixa eu roubá-lo, finalmente.
— Vou junto. — Sorri para as meninas deixando claro que se o plano
era me deixar sozinha com o Andrew, eu não aceitaria isso tão fácil.
— Facilitaria muito a minha vida se você fosse direto para o
dormitório hoje — Andrew falou, parecendo sem graça. — Tenho um
compromisso depois de te deixar em casa. Não posso me atrasar.
Sair? Pra onde? Você não está vestido para luta.
A pergunta chegou à ponta da minha língua, mas a engoli. Não faria
isso. Não daria uma de ex-namorada que fica perguntando sobre a vida do ex-
namorado. Nem mesmo quando ele era um babaca que estava seguindo a vida
enquanto eu ficava aqui chorando todas as noites por ele.
— Não estou aqui para facilitar a sua vida. Nem te pedi para que seja
meu guarda-costas — retruquei, chateada.
Queria saber para onde ele ia.
Reparando bem, ele estava bonito demais. Cheiroso demais.
— Leighton...
— Pode ir foder à vontade com as garotas que você engana agora.
Não preciso de você, Andrew.
As palavras saíram rasgando em minha garganta, como se uma lasca
de gelo tivesse descido rasgando por ela, cortando-a por dentro. Porém, por
mais que doesse em mim, a expressão de quem foi golpeado forte demais fez
meu coração doer um pouco. Eu o detestava, mas o amava na mesma
intensidade. Odiava que ele tivesse feito aquilo!
Porque você precisava apostar, Andrew?
Porque você não podia se tornar um bom namorado só por gostar de
mim? Eu gosto tanto de você. Meu coração ainda te ama. Mas como eu
posso acreditar nas suas palavras agora?
— Leighton, não fala assim — Madison reclamou, com os olhos
arregalados. — Não liga pra ela, só está com ciúmes.
— Não estou com ciúmes — falei, com os dentes trincados na direção
de minha amiga. Ela podia se tornar ex-amiga a qualquer momento também.
— Você, pra casa. Nós, casaco — Chiara interrompeu, ignorando
meus protestos, agarrando a mão da Mad e saindo. Sem mim.
Soltei um suspiro frustrado e comecei a andar. Andrew abriu a porta
da lanchonete para mim, como fazia todos os dias. Meu coração bateu
acelerado, como fazia todos os dias.
Caminhamos em silêncio comigo inspirando todo o ar que eu podia
para que conseguisse gravar seu cheiro em minha memória. Os passos eram
lentos, como se quiséssemos aproveitar todo o pouco tempo que tínhamos.
Olhava para ele de soslaio analisando suas roupas. Pensando se havia
vestido aquele cardigã verde-oliva e a calça jeans para encontrar alguma
garota em específico. Se a garota com quem ele estaria hoje ficaria feliz ao
vê-lo. Se ela sabia como era bom enfiar os dedos por seu cabelo e brincar
com os fios de sua nuca.
Ela devia saber.
— Não vou transar — falou.
Meu coração deu uma guinada no peito e eu pensei que ele podia
vencer qualquer corrida olímpica sem precisar da minha ajuda pela forma
rápida que batia.
— Não te perguntei. — Tentei conter o sorriso que ameaçava se abrir
em meu rosto mordendo o lábio inferior.
— Não vou transar com ninguém além de você, Afrodite.
Rolei os olhos.
— Você também não ia transar comigo. — Dei de ombros.
— E transei, porque eu me apaixonei. E justamente por estar
apaixonado é que não vou transar com nenhuma outra garota. — Andrew deu
um passo mais rápido parando na minha frente. — Me apaixonei por você,
Leighton. E eu vou esperar até que você esteja pronta para me ouvir.
Eu podia dizer que meu coração parou, mas não acreditaria nele.
Mesmo que a maneira com a qual ele falou isso tenha sido segura, olhando
bem no fundo dos meus olhos, sem piscar nenhuma vez.
Mesmo que seus olhos tivessem caído rapidamente para meus lábios,
mesmo que suas pupilas tenham se dilatado, mesmo que ele tenha passado a
ponta da língua, daquela língua que eu estava tão habituada a ter em meu
corpo, nos lábios.
Mesmo que meu coração tenha implorado para ouvi-lo.
Mesmo que eu o amasse.
Eu não podia acreditar nele.
Não por uma segunda vez.
— Andrew, isso não vai acontecer. — Soltei o ar de forma dramática.
— Como eu disse, você não está pronta. E eu sei esperar. — Andrew
apontou com a cabeça para a porta do dormitório. — Chegamos. Você está
segura agora.
Assenti com o coração doendo.
A dor era ambígua.
Eu o queria. Mais que tudo.
E justamente por isso eu não me sentia segura. Porque Andrew tinha o
meu coração. E não havia nada menos seguro no mundo que isso.
— Não pensei que você fosse deixá-lo sair de lá antes de acabar com
ele. — Meu corpo estava tenso, e Andrew parecia irritado.
Não irritado como ele costumava ficar, mas irritado de uma maneira
contida. Ele permaneceu em silêncio, ignorando-me.
Soltei um pouco do ar com força.
Estávamos chegando perto do meu dormitório. Andrew estava usando
roupas de corrida. Não sabia que ele costumava correr. Chegava a doer meu
peito a maneira como ele estava lindo. A camiseta colada ao corpo por causa
do suor, os músculos definidos que se destacavam. As mãos enormes e que
eu sentia tanta falta de tê-las percorrendo meu corpo.
Era uma droga que ele fosse tão terrivelmente bonito. Tão
inacreditavelmente bom de cama e que fizesse a porcaria do meu coração
reagir de maneira tão implacável, ainda que eu estivesse com raiva.
Andrew não queria conversar, e eu não podia julgá-lo. Mas eu sabia
que ele estava chateado comigo. Que diria que eu não devia sair sozinha
enquanto aquele cara estivesse por aí.
Mas ele não disse nada.
Parte de mim queria que ele brigasse, que gritasse comigo se fosse
necessário. Mas eu queria que ele dissesse algo. Aquele silêncio estava me
incomodando. Demais.
— A professora Hughes me chamou para dizer o que aconteceu em
Harvard — falou, do nada, querendo se justificar. — O James estava
passando fotos por lá, e o reitor estava no esquema também. Ela me
perguntou se nós dois éramos sérios. Foi isso que o George ouviu —
explicou.
Eu não respondi.
Não queria ouvir aquela explicação, mas também não queria que ele
ficasse em silêncio.
— E aquela porcaria de aposta. — Andrew balançou a cabeça em
negativa. — Eu disse sim as palavras. Eu falei que apostava que eu seria um
namorado melhor que qualquer um deles e foi por isso que eu te procurei.
Queria voltar. Você precisava de um namorado, eu precisava mostrar a eles
que podia ser bom nisso também. E no começo era só isso. Nós dois
estávamos nos favorecendo mutuamente. E depois...
Ele parou.
Andrew respirou fundo.
— Depois... — repeti, esperando que ele continuasse.
— Tudo mudou — falou. — Eu falei sério. Você mudou tudo,
Leighton. Você foi a primeira em todas as coisas que realmente importavam.
Em tudo que importa. Você é a primeira que eu amo, Leighton. A primeira
que me faz querer ser alguém diferente, alguém melhor.
Sentia meu coração bater acelerado.
Sentia que o sangue corria pelas minhas veias.
Sentia que meu coração pararia de bater e que não havia ar suficiente
em meus pulmões para me manter viva.
Ele não podia falar aquelas coisas.
Não quando eu não tinha parado de estar brava com ele.
— Eu queria ter quebrado ele inteiro. Queria ter batido nele até que
ele parasse de respirar. Mas você é mais importante, Leighton. Você sempre
será.
Meu coração deu uma cambalhota no peito.
Será que alguém pode morrer com o coração cheio de palavras
bonitas? Porque o meu doía tanto que eu nem lembrava como respirar.
— Bem, e porque minha terapeuta vai gostar de saber que eu consegui
suprimir minha raiva pelo menos uma vez. E eu consegui por sua causa.
Porque sempre haverá você antes de qualquer coisa.
— Você está fazendo terapia? — perguntei, tentando ignorar aquele
incômodo gostoso em meu peito.
— Uma garota inteligente me disse que estava dando certo para ela.
— Ele deu um sorriso fraco. — O Malcon falou uma coisa. Ele disse que se
eu não tomasse cuidado, ia acabar como o meu pai.
— Claro que não — interrompi. Se aquilo foi um golpe no estômago
para mim, deve ter sido cem vezes pior pra ele. — Você não é nada parecido
com ele. Nada. Você...
— Ele estava certo. — Andrew levou o indicador ao meu lábio para
que eu o deixasse falar. — O vício dele é o álcool. O meu a raiva. Os dois
podem levar ao mesmo destino.
Explicou.
Eu neguei balançando a cabeça para ele. Emoldurei seu rosto com
minhas mãos, forçando-o a me encarar.
— Você nunca vai ser como ele, eu sei disso. — Sorri para o cara que
ainda era capaz de me deixar com as pernas bambas apenas com um olhar.
Meu Deus, meu coração era tão idiota. — Mas eu fico feliz que você esteja
fazendo terapia. É um grande passo.
Ele concordou com um aceno, pousando uma das mãos em meu rosto
em seguida. O contato da sua mão com minha pele foi o que faltava para que
todo meu corpo entrasse em combustão.
Para que a saudade dele crepitasse em minhas veias tão vividamente.
Sentia como se eu pudesse queimar de dentro para fora. Como se tudo em
mim explodisse por causa daquele contato.
— Andrew — falei, dando um passo em sua direção.
— Eu te amo e que quero você, Leighton. Só você, comigo. — Eu te
amo — ele disse, parando à minha frente. — Eu te amo, pra caralho, e não
vou desistir de você. Eu. Te. Amo. — Dividiu as palavras como se eu fosse
uma idiota. Meu coração respondeu desmaiando por alguns segundos. Só isso
para explicar o motivo para que ele parasse de bater e para que meu corpo
amolecesse. — E eu vou continuar insistindo, Afrodite. Porque ser um Davis
não é apenas vencer, é saber o que quer, e não desistir de lutar. E eu quero
você. Mais do que qualquer outra coisa no mundo. Eu te amo.
Senti minha boca secar.
Ele fez uma aposta.
Ele apostou.
Tratou a nossa relação de uma maneira leviana. Volúvel.
Como se eu não passasse de um pedaço de carne, não alguém que
tinha mesmo sentimentos por ele. Isso fazia com que eu não conseguisse ter
certeza dos seus sentimentos. Se tudo que ele demonstrou não foi por causa
da aposta, para provar aos amigos que era capaz de ser um bom namorado, de
fazer uma garota feliz, porque sim, eu estava feliz.
Em cada momento com ele eu era feliz. Mas ele fazia isso por mim,
por gostar de mim, ou pelos amigos?
Eu não sabia se podia perdoar isso. Não sabia como podia viver sem a
certeza do que ele sentia. E se ele apostasse outra vez que conseguiria me
fazer voltar para ele?
Não existia nada pior que as dúvidas.
Mas seus olhos, a maneira como me olhava, a maneira como meu
coração reagia.
Eu o amava.
É tão difícil amar alguém com quem se sente decepcionada. Seria tão
mais fácil que o amor acabasse junto com a decepção.
Mas não, ele continuava ali, insistindo em me lembrar de que eu o
amava.
Andrew soltou o ar com força, depois deu um passo em minha
direção. E mais um. E mais outro. Até que apenas centímetros nos
separassem. Ele colou nossas testas e meu coração parou de bater. Meu
sangue esquentou com o contato. Meu corpo inteiro chamava seu nome.
— Eu vou conquistar sua confiança de novo, amor — sussurrou.
Minhas pernas amoleceram. Ele nunca havia me chamado daquela forma.
Estava com a voz trêmula. Andrew roçou a ponta dos nossos narizes e meu
corpo implorava por um beijo. Só mais um. Ergui um pouco a cabeça,
sentindo quando meus lábios tocaram de leve os seus. Andrew aproximou
ainda mais nossos lábios, eu já podia sentir o gosto dos seus lábios sob os
meus, então, ele se afastou. — Porra, eu quero mais do que tudo isso. Te
beijar. Ter você outra vez, Afrodite. Mas não assim. Você vai se odiar, vai
me odiar se fizermos isso assim, sem que você acredite em mim.
Andrew passou o polegar com calma por minha bochecha,
deslizando-o por meus lábios. Arfou, e eu tinha certeza de que, como eu,
queria que fossem os seus lábios ali.
— Eu te amo, Leighton. Eu preciso de você mais do que a porra do ar
que eu respiro. E eu nem sabia que era possível sentir isso por alguém. Eu te
amo. Mas eu vou fazer isso da maneira certa. Quando você estiver pronta
para me perdoar e quando eu estiver pronto para você. — Ele passou a mão
suavemente por meu rosto, fazendo meu coração disparar outra vez. — É
melhor você entrar — falou deixando um beijo em minha testa como se fosse
difícil demais não me tocar. — É melhor você entrar — ele disse, dando um
passo para trás, mas segurou uma mecha do meu cabelo entre os dedos como
gostava de fazer.
Nossos olhos seguiram fixos um no outro. Nenhum dos dois pareciam
dispostos a fazer com que o momento acabasse. Era como se soubéssemos
que assim que nossos olhares se desviassem, aquele momento acabaria e
voltaríamos ao mesmo de antes.
Do modo em que eu estava com saudade o tempo inteiro, fingindo ser
forte. Tentando odiá-lo. Mas não era possível.
Andrew apontou para a direção de onde vinhamos.
— É melhor eu ir — falou.
Assenti.
Ele também.
Meu coração doeu.
Não queria me despedir.
Ele sorriu, fazendo meu coração parar.
— Andrew — chamei. Ele se virou em minha direção. — Obrigada.
— Eu te disse que estaria aqui por você, sempre. E eu cumpro aquilo
que prometo.
Dei um pequeno sorriso assentindo.
Ele havia jurado não parar de lutar por mim.
Dias atrás era a única coisa que eu queria. Agora, eu só conseguia
pensar que eu estava torcendo para que ele ganhasse essa luta.
Para que ele conseguisse me fazer acreditar outra vez.
Porque ele tem o meu coração.
E eu não conseguiria pegá-lo de volta pelo visto.
Capítulo 54
Beijos,
Ray!
[1] Gíria derivada de Beautiful (lindo/linda), entretanto, geralmente utilizada
de forma mais amorosa.
[2] Universidade fictícia. Seu sobrenome, entretanto, vem de uma pessoa real,
Madame Walker.
[3] Pessoa que estuda ou conhece muitas ciências.
[4] Corredor do time.
[5] Jogador mais importante do time e responsável por, junto com o técnico,
dirigir a equipe.
[6] S ão os jogadores que jogam pelas laterais do rinque e são extremamente
ofensivos. Assim como o resto do time, ajudam o time defensivamente, mas quando
estão com a posse do disco, jogam na zona de ataque, em busca dos gols. A sua
função principal é fazer gols.