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GEF

Terrestre

Foto: Joaquim Freitas


SUMÁRIO EXECUTIVO PARA POLÍTICAS PÚBLICAS:

Priorização de áreas para recuperação


da vegetação nativa na Caatinga
Apresentação
O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito do Projeto Estratégias de
Conservação, Restauração e Manejo para a Biodiversidade da Caatinga,
Pampa e Pantanal – Projeto GEF Terrestre, coordenado pelo Ministério do
Meio Ambiente (MMA), financiado com recursos do Fundo Global para o Meio
Ambiente (GEF), tendo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
como agência implementadora e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade
(FUNBIO) como agência executora. Um dos componentes do Projeto GEF
Terrestre é voltado à recuperação de áreas degradadas nas três regiões
biogeográficas selecionadas. Nesse contexto, o Instituto Internacional para a
Sustentabilidade - IIS foi contratado para elaborar o mapeamento das áreas
prioritárias para a recuperação da vegetação nativa nessas regiões.

Como parte das atividades do projeto, foram realizadas consultas a


pesquisadores e tomadores de decisão, para garantir que as especificidades
de cada região fossem representadas. Esta consulta foi realizada através
de duas oficinas virtuais para cada região - totalizando seis oficinas - onde
os especialistas puderam apontar ajustes necessários à metodologia,
compartilhar bases de dados, discutir e validar os resultados encontrados.
Assim, os resultados são robustos e podem ser utilizados para embasar
políticas públicas e incentivar ações de recuperação, de forma a promover uma
gestão integrada da paisagem.

Este sumário executivo apresenta as áreas prioritárias para a recuperação da


vegetação nativa na Caatinga, considerando as relações de sinergia e “perdas e
ganhos” entre os cenários elaborados. O relatório completo pode ser acessado
Foto: Jaime Dantas/Unsplash através do link: Projeto GEF Terrestre.

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Mensagens principais
Quatro benefícios da recuperação da A priorização espacial resultou em O cenário Compromisso equilibra todos os
vegetação nativa foram avaliados: diferentes cenários de recuperação, onde os benefícios e custos e proporciona:
a mitigação das mudanças do clima, 4 principais podem promover: i) o 2º menor custo total;
a conservação da biodiversidade e i) o estoque de até 74 milhões de ii) o 2º melhor desempenho para a
dos recursos hídricos e o potencial toneladas de carbono, equivalente a conservação da biodiversidade, para
de retorno socioeconômico. Foi 88% das emissões totais de gases de a conservação dos recursos hídricos e
considerada também a redução para o retorno socioeconômico; e
efeito estufa do estado da Bahia1;
dos custos de oportunidade e de iii) o 3º melhor desempenho para a
ii) a redução total do risco de extinção de
implementação da recuperação. mitigação das mudanças do clima,
até 79 espécies, das 660 avaliadas;
dentre os cenários aqui apresentados.
iii) o aumento do potencial de recarga de
águas subterrâneas em até 1,6 vezes*;
iv) o aumento do potencial de geração de
emprego e renda em até 5,3 vezes*; e * valores comparados ao cenário Controle.

v) a redução dos custos totais da Fonte: SEEG - Sistema de Estimativa de Emissões e Remoções
1

de Gases de Efeito Estufa, Observatório do Clima, valores referentes


recuperação em até 34%*. ao ano de 2020.

IIS 3
Introdução
Dar escala a iniciativas de recuperação é o desafio imposto ao mundo
pela “Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas 2021-
2030”. Diversos países, incluindo o Brasil, já vêm se comprometendo nas
últimas décadas com metas ambiciosas de conservação e recuperação da
vegetação nativa, cujo cumprimento representará um grande avanço frente
aos desafios nacionais e globais. Em âmbito nacional, essas metas estão
estabelecidas no Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa
(Planaveg)2 e no Plano Nacional sobre Mudanças do Clima3. Entretanto,
para garantir o seu atingimento, é necessário que haja um planejamento
territorial para que as ações sejam realizadas de forma orientada. A
indicação de áreas prioritárias a serem recuperadas, onde poderão ser
alcançados maiores benefícios com menores custos, otimiza os retornos da
recuperação e evita conflitos pelo uso da terra.

Nesse contexto, foi desenvolvida uma priorização de áreas para recuperação


da vegetação nativa na Caatinga, estabelecendo sinergias e relações
de perdas e ganhos entre diferentes benefícios e custos associados à
recuperação. Foram propostos cenários com uma combinação de diferentes
critérios de priorização, para identificar soluções custo-efetivas, que
permitam alcançar o máximo de benefícios a um menor custo.

2
Brasil/MMA 2017. 3
Brasil/MMA 2008.
Foto: Gislene Ganade

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Por que a recuperação da vegetação nativa é uma
questão estratégica na Caatinga?
A Caatinga é a terceira região biogeográfica mais degradada do Brasil, biodiversidade e cobertura vegetal, caracterizando um distúrbio
atrás apenas da Mata Atlântica e do Cerrado4, restando cerca de crônico na Caatinga6. Dessa forma, o desmatamento, a falta de manejo
63% dos seus remanescentes de vegetação nativa. Apesar da sua do solo e as condições climáticas locais intensificam os processos de
importância em termos de conservação da biodiversidade, menos desertificação, resultando na perda total do solo e seu consequente
de 10% da região biogeográfica está protegida em Unidades de abandono7.
Conservação (UCs).
Diante das ameaças existentes, estratégias de recuperação da
A Caatinga ainda apresenta um problema ambiental grave, o processo vegetação nativa são necessárias para garantir a conservação da
de desertificação, que é o empobrecimento e ressecamento dos solos biodiversidade e a provisão de benefícios da natureza para as pessoas,
em regiões áridas e semiáridas. As principais causas são as variações que dependem da Caatinga para sobreviver. Neste contexto, o
climáticas e os impactos negativos da ação humana5. A alta densidade Planaveg estabelece uma meta de recuperar 500 mil ha de vegetação
populacional, aliada às baixas condições econômicas da região, levam as nativa na Caatinga até 20302 em Áreas de Preservaçao Permanente
comunidades rurais a dependerem diretamente dos recursos naturais (APP) e Reserva Legal (RL). Contudo, estimativas mais recentes
para atender às suas necessidades. mostram que os débitos de RL desta região biogeográfica são de
aproximadamente 285 mil hectares8.
A intensa e constante exploração destes recursos, principalmente
a extração de lenha e a criação de gado, leva à contínua perda de

4
Myers et al. 2000. 5
Mouat et al. 2019. 6
Ribeiro et al. 2016. 7
Lima, et al. 2011 8
Valor estimado de acordo com metodologia estabelecida em Freitas et al. 2018.

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Planejamento espacial para
a recuperação da vegetação
nativa na Caatinga

O planejamento espacial contribui para o alcance de metas


de recuperação da vegetação nativa. Além de contribuir para
a diminuição dos conflitos pelo uso da terra, evitando áreas
com alto potencial de retorno econômico, este planejamento
é capaz de gerar soluções baseadas em diferentes cenários.
Assim, as alternativas geradas podem ser adotadas por
tomadores de decisão em diferentes contextos, a depender
dos objetivos da recuperação e das demandas locais. Para este
estudo, a metodologia utilizada gerou diferentes cenários de
áreas prioritárias para a recuperação da Caatinga, para apoiar o
planejamento da recuperação da vegetação nativa na região.

Foto: Gislene Ganade

IIS 6
Modelagem espacial para identificar áreas prioritárias para a recuperação

A identificação das áreas prioritárias para a recuperação da vegetação Os principais critérios de otimização considerados e cenários construídos
nativa foi realizada por meio de de uma modelagem espacial, estão explicitados na Figura 2. Para a construção do cenário Compromisso
considerando: (que buscou a solução mais equilibrada, considerando todos os critérios de
i) a meta de área a ser recuperada; priorização) foram usados critérios adicionais, que representam:

ii) os critérios de priorização - que representam os objetivos a serem i) o nível de degradação das ecorregiões;
atingidos com a recuperação, ou seja, os benefícios que se deseja obter ii) as áreas protegidas (UCs e Terras Indígenas); e
e os custos que se deseja reduzir; e iii) os municípios considerados prioritários para a restauração ecológica,
iii) os cenários alternativos formulados, baseados nas combinações de segundo a iniciativa Nexus Caatinga10.
diferentes critérios (Figura 1).
Para o cenário Compromisso, foi criado também um gradiente de
A meta de recuperação utilizada foi de 1,4 milhões de hectares (Mha), o prioridade considerando todas as áreas passíveis de recuperação da
que representa cinco vezes o valor do débito total de RL estimado para a Caatinga. Além disso, foi desenvolvido um cenário Controle para fins de
região (285.000 ha)9. Foram consideradas passíveis de recuperação áreas comparação, onde a recuperação se daria sem planejamento espacial. Por
de: pastagem, agricultura e silvicultura. Ao final, foram gerados mapas de fim, foram estimados os custos e benefícios esperados para cada cenário,
priorização com cinco classes de prioridade, sendo a classe mais prioritária identificando as sinergias e as relações de perdas e ganhos entre eles11. A
correspondente ao valor exato de débito RL da Caatinga. resolução final de todos os mapas é de 1km.

9
Valor estimado de acordo com metodologia estabelecida em Freitas et al. 2018 10
Nexus Caatinga 11
Para maiores detalhes sobre a construção das bases de dados de custos e benefícios, bem como sobre a modelagem espacial multicritério,
acesse o relatório completo em: Projeto GEF Terrestre.

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Definição de
01 metas, critérios
Ajustes e/ou
e cenários de
aperfeiçoamentos
metodológicos recuperação junto a
especialistas e
atores locais

Disseminação
06 Consulta com Preparação da 02
dos resultados 05
especialistas e base de dados de
para integração
atores locais benefícios
na tomada de
para validação e custos
decisão
dos resultados

Quantificação 03
04
dos custos e Implementação
benefícios para cada da modelagem
Figura 1. Passo a passo para execução cenário e comparação espacial
da modelagem espacial para priorização entre estes
da recuperação da vegetação nativa da
Caatinga.

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Critérios e cenários de recuperação

Critérios
Custos de
recuperação

Mitigação das Conservação da Conservação dos Retorno Custo de Custo de


mudanças do clima biodiversidade Recursos hídricos Socioeconômico implementação oportunidade
Representado pelo potencial Representado pelo potencial Representado pelo potencial Representado pelo potencial Representado pelo custo Representado pela perda
da recuperação da vegetação da recuperação da vegetação da recuperação da vegetação de recuperação da vegetação de implementação da potencial de geração de renda,
em aumentar o estoque de em reduzir o risco de extinção em aumentar a recarga de em aumentar o índice de recuperação da vegetação, de quando áreas produtivas são
carbono na biomassa aérea, de espécies águas subterrâneas renda de trabalho adaptado forma passiva ou ativa recuperadas
subterrânea e do solo

Cenários baseados em um único critério

Biodiversidade Clima Recursos hídricos Socioeconômico Custos

Cenário Compromisso

Figura 2. Critérios de priorização da recuperação e cenários elaborados. Ícones em amarelo, critérios que se quer maximizar e ícones em vermelho, critérios que se quer reduzir.
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Cenários para
recuperação da vegetação
nativa na Caatinga
Os mapas apresentados a seguir indicam as áreas
prioritárias para a recuperação na Caatinga. A
distribuição espacial das áreas prioritárias é distinta
em cada cenário. Isso se dá devido às características
intrínsecas a cada critério e às variáveis ambientais
e socioeconômicas utilizadas para representá-los.
No cenário Compromisso, as áreas prioritárias
se encontram distribuídas de forma homogênea,
quando comparado aos demais cenários, com alguns
núcleos de concentração nas porções sul da região
biogeográfica.

Foto: Helder Araujo

IIS 10
Clima Biodiversidade Recursos hídricos

Socioeconômico Custos
Prioridade de recuperação:

Muito Alta
Caatinga

Limite municipal
Alta
Limite estadual

Figura 3. Áreas prioritárias para recuperação da


vegetação nativa na Caatinga, considerando como
meta a recuperação de cinco vezes o valor do débito
de reserva legal da região (1,4 Mha) de acordo com os
critérios estabelecidos nos diferentes cenários. A classe
mais prioritária - vermelha - corresponde a uma área
equivalente ao débito exato de RL da Caatinga. Clique aqui
para acessar os mapas em formato .png e .tif.
IIS 11
Compromisso

Figura 4. Áreas prioritárias para recuperação da vegetação nativa na Caatinga, considerando como meta a recuperação de cinco
vezes o valor do débito de reserva legal da região (1,4 Mha) de acordo com os critérios estabelecidos no cenário Compromisso.
A classe mais prioritária - vermelha - corresponde a uma área equivalente ao débito exato de RL da Caatinga. Clique aqui para
IIS acessar os mapas em formato .png e .tif. 12
O gradiente de prioridade para todas as áreas passíveis de recuperação (representado na direita). Esses mapas podem apoiar diferentes processos de tomada de decisão exemplificados
Figura 5, à esquerda) permite a identificação da ordem de prioridade de sub-regiões da área adiante. De acordo com os critérios estabelecidos no cenário Compromisso, as áreas com maior
de estudo que não foram contempladas dentro da meta de recuperação adotada (baseada prioridade de recuperação estão concentradas na região sul da Caatinga e regiões de transição
apenas no débito de RL), como por exemplo as áreas em processo de desertificação (Figura 5, à com a Mata Atlântica.

Figura 5. Gradiente de prioridade para recuperação da vegetação nativa na Caatinga, baseado nos critérios de priorização estabelecidos no cenário
Compromisso, considerando: todas as áreas passíveis de recuperação (à esquerda); e áreas em processo de desertificação (à direita, CGEE, 2016).
Clique aqui para acessar os mapas em formato .png e .tif.
IIS 13
Benefícios e custos associados aos cenários de
recuperação da vegetação nativa na Caatinga
Os resultados da modelagem espacial indicam que
recuperando os 1,4 Mha mais prioritários, seria possível:

Reduzir os custos da
Reduzir o risco
Estocar Aumentar em Aumentar em recuperação em até

34 %**
total de extinção de

74 milhões 79 espécies 1,6 vezes 5,3 vezes


de toneladas no cenário Biodiversidade*
o potencial de recarga de
águas subterrâneas no cenário
o potencial de gerar
emprego e renda no cenário
no cenário Custos resultando em um
investimento de aproximadamente
de carbono no cenário Clima Recursos hídricos** Socioeconômico** R$48,4 bilhões

Este potencial diminuiria O cenário Recursos hídricos O potencial máximo de recarga O potencial máximo de geração O custo total aumentaria para
para 30, 27, 22 e 18 milhões reduziria o risco de extinção foi estimado no cenário de emprego e renda foi estimado R$72, R$80,2, R$80,6 e R$84,4
de toneladas de carbono, de 4 espécies em pelo que maximiza apenas os no cenário que maximiza apenas bilhões, respectivamente,
respectivamente, nos menos 50%. Os cenários Recursos hídricos. Os cenários o retorno socioeconômico. nos cenários Biodiversidade,
cenários Biodiversidade, Clima e Custos reduziram, Biodiversidade, Clima, Os cenários Clima, Recursos Clima, Recursos hídricos e
Recursos hídricos, respectivamente, o risco de Socioeconômico e Custos hídricos, Biodiversidade e Custos Socioeconômico.
Socioeconômico e Custos. extinção de 9 e 3 espécies, em manteriam, respectivamente, manteriam, respectivamente, 25, No cenário Compromisso,
O cenário Compromisso pelo menos 25%. cerca de 67, 66, 64 e 62% 22, 15 e 4%, deste potencial. o investimento seria de
estocaria aproximadamente O cenário Compromisso deste potencial. O cenário Compromisso manteria aproximadamente
37 milhões de toneladas de reduziria o risco total de O cenário Compromisso 57% do potencial máximo de R$119,6 bilhões.
carbono. extinção de 3 espécies. manteria 72% do potencial geração de emprego e renda.
máximo de recarga de águas
subterrâneas.

*Além destas, outras 112 espécies teriam o seu risco de extinção reduzido em pelo menos 50%, caso estas áreas fossem recuperadas, e todas as 660 espécies avaliadas
teriam algum grau de redução em seu risco de extinção.
IIS **valores comparados ao cenário Controle. 14
Relações de sinergias e de perdas e ganhos entre os cenários
A figura ao lado apresenta o ganho dos benefícios nos diferentes cenários 100

em comparação ao valor máximo estimado nos cenários que maximizam um 90

único critério. O cenário Compromisso tem o melhor balanço entre todos


80
os benefícios analisados, mantendo em média 54% do ganho máximo
potencial de cada benefício. Além disso, é o segundo cenário mais barato 70

dentre todos os analisados, atrás apenas do cenário Custos (ver página 14). 60

50
Existe uma relação de perdas e ganhos entre os diferentes critérios. Por
exemplo, o cenário Custos apresenta um ganho baixo em relação ao retorno 40

socioeconômico (apenas 4% de seu máximo potencial). Isso acontece 30

porque, para maximizar o retorno socioeconômico, as áreas com menor


20
potencial de regeneração natural (e consequentemente maior custo de
implementação) são priorizadas. Essas áreas, no geral, exigem técnicas mais 10

elaboradas de recuperação, garantindo maior geração de empregos. 0


Clima Biodiversidade Recursos Socioeconômico Custos Compromisso
hídricos
Cenários que não envolvem a redução de custo apresentam maiores ganhos
em benefícios, mas sua viabilidade pode estar comprometida devido Estoque de Carbono Redução no risco de extinção de espécies
aos altos investimentos necessários para as ações de implementação da Recarga de Águas Subterrâneas Retorno Socioeconômico
recuperação. Além disso, esses cenários podem reforçar ou gerar situações
de conflitos pelo uso da terra, uma vez que as áreas prioritárias podem se
sobrepor a terras produtivas, com altos valores de custo de oportunidade. Figura 6. Ganho dos benefícios nos diferentes cenários, em comparação ao potencial máximo
estimado nos cenários que priorizam um único benefício (equivalente a 100% de ganho).

IIS 15
O planejamento espacial para apoiar a tomada de decisão
O planejamento espacial da recuperação da vegetação nativa é aprovada no Brasil. Nesse caso, os resultados podem ser utilizados
fundamental na construção e aprimoramento de políticas públicas e para calibrar a faixa de pagamento de acordo com a importância de
para subsidiar a tomada de decisão no âmbito do poder público, do uma determinada propriedade rural para o estoque de carbono e a
setor privado e da sociedade civil. Na esfera nacional, suas aplicações conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos, considerando
permitem adequações à Lei de Proteção da Vegetação Nativa (LPVN)12, o seu custo de oportunidade. Essa estratégia pode gerar um ganho
à compensação ambiental, à conservação da biodiversidade e à de eficiência e adicionalidade nos recursos utilizados, maximizando o
concessão de terras públicas para recuperação da vegetação nativa. retorno do investimento. Alguns exemplos de políticas e programas de
A incorporação dos resultados no Sistema Nacional de Cadastro PSA que vêm sendo desenvolvidos em diferentes estados da Caatinga
Ambiental Rural (SICAR), especialmente os mapas que mostram o são:
gradiente de prioridade para todas as áreas passíveis de recuperação, i) a Política Estadual de Pagamento por Serviços Ambientais de
poderá auxiliar a: Pernambuco14, cujos subprogramas dividem-se em PSA Restauração,
i) identificar o quão prioritária é a área onde as propriedades rurais PSA Biodiversidade, PSA Água, PSA Carbono e PSA Beleza Cênica;
cadastradas estão inseridas; ii) o Programa de Pagamento por Serviços Ambientais – PSA Jundiaí,
ii) orientar a regularização das áreas com débitos legais, de acordo com na Paraíba15, voltado para os produtores rurais e com o intuito de
a LPVN; e preservar remanescentes florestais;

iii) detectar quais propriedades têm prioridade para receber incentivos iii) o Programa Água do Parque16, realizado pelo Centro de Pesquisas
financeiros. Ambientais do Nordeste (Cepan) em parceria com o Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco e a Universidade
A identificação das áreas prioritárias para recuperação da vegetação Federal de Pernambuco, que identificou o Parque Estadual de Dois
nativa pode impulsionar ainda a execução da Política Nacional de Irmãos, no Recife, como provedor dos serviços de manutenção da
Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA)13, recentemente qualidade da água; e

12
Brasil 2012 13
Brasil 2021 14
Pernambuco 2016 15
PSA- Jundiaí 16
Programa Água do Parque
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iv) o Programa Estadual de Pagamento por Serviços Ambientais da vi) programas de certificação de práticas sustentáveis de garantia
Bahia (PEPSA)17, direcionado a Povos e Comunidades Tradicionais, de origem e manejo sustentável de propriedade rurais; dentre
agricultores familiares e empreendedores familiares rurais que outros.
prestam serviços ambientais.
No contexto desses projetos, planos e programas, as áreas
Nas esferas municipal e estadual, os resultados aqui apresentados prioritárias aqui apontadas podem ser utilizadas como estratégicas
podem ser utilizados para subsidiar a elaboração de: para iniciar ações de implementação da recuperação da vegetação
i) planos de combate à desertificação (ex.: a Política Estadual de nativa, caracterizadas por uma melhor relação custo-benefício.
Combate e Prevenção à Desertificação do Rio Grande do Norte18 e o
Na esfera privada, da sociedade civil ou do terceiro setor, os
Programa de Ação Estadual de Combate à Desertificação e Mitigação
resultados apresentados podem auxiliar:
dos Efeitos da Seca da Paraíba - PAE-PB19);
i) nas ações dos comitês de bacias hidrográficas;
ii) planos de redução de emissões de carbono e de mitigação das
ii) na consecução de metas de recuperação baseadas nos débitos
mudanças do clima (ex.: e o Projeto No Clima da Caatinga, desenvolvido
de RL de grandes grupos (como os de empreendimentos de
pela Associação Caatinga, em parceria com a Petrobras20);
energia solar/eólica ou transmissão) ou proprietários rurais, que
iii) planos de redução de desigualdades sociais (ex.: o Projeto de Apoio
poderiam dar escala à recuperação da vegetação nativa na região,
ao Crescimento Econômico com Redução das Desigualdades e
agregando valor de mercado aos seus produtos por meio de
Sustentabilidade Ambiental do Estado do Ceará21);
certificações de qualidade; e
iv) planos de recuperação de bacias hidrográficas (ex.: o Programa RN +
iii) no processo educativo e de formação da região, com o
Verde voltado para o aumento da cobertura vegetal no Rio Grande do
22
empoderamento de pessoas e comunidades locais tradicionais,
Norte);
por meio do conhecimento dos resultados e sua utilização para
v) Zoneamento Econômico-Ecológico dos Estados; ações no território.

17
PEPSA 18
PECPD/RN 19
PAE-PB 20
Projeto No Clima da Caatinga 21
Projeto de Apoio ao Crescimento Econômico 22
Programa RN + Verde

IIS 17
Além disso, iniciativas como as do Cepan, da Associação Caatinga e II) o controle de fluxos hidrológicos, garantindo vazão mínima nas
outras organizações semelhantes podem utilizar os resultados aqui épocas secas;
obtidos como uma importante ferramenta para o aprimoramento de
III) o aumento da oferta de polinizadores e, consequentemente, da
projetos de pesquisa e de planos de ação para recuperação da vegetação
produtividade das culturas agrícolas que dependem deles;
nativa. Por exemplo, o conhecido projeto de pesquisa do Laboratório
de Ecologia da Restauração da Universidade Federal do Rio Grande do IV) a promoção do crescimento econômico inclusivo;
Norte23, liderado pela professora Gislene Ganade, poderia ser expandido
para as áreas indicadas como prioritárias. Este projeto utiliza espécies V) a promoção da segurança hídrica e alimentar;
mais resistentes e técnicas específicas para aumentar a sobrevivência das
VI) a melhoria da saúde e do bem-estar da população;
mudas e recebeu o certificado Dryland Champions (Campeões das Terras
Áridas) da Organização das Nações Unidas. VII) a redução do impacto de eventos climáticos extremos, como secas e
enchentes;
A recuperação da vegetação nativa contribui para a provisão de uma série
de outros tipos de benefícios da natureza para as pessoas, para além dos VIII) o controle de queimadas.
utilizados como critérios de priorização nesta análise. Nesse sentido,
as ações de recuperação nas áreas demarcadas como prioritárias na Dessa forma, os resultados obtidos podem ser utilizados para orientar a
Caatinga também podem contribuir, por exemplo, para: tomada de decisão relacionada à recuperação da vegetação baseada em
diferentes objetivos, garantindo a integração da natureza e sociedade.
I) a redução dos processos de erosão e, consequentemente, a redução
dos processos de assoreamento de mananciais;

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Laboratório de Ecologia da Restauração da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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Desafios e próximos passos no suporte ao planejamento
da recuperação da vegetação nativa na Caatinga
A metodologia apresentada está em constante evolução. Conforme novas bases Os especialistas consultados ao longo do desenvolvimento deste trabalho
de dados e pesquisas sejam desenvolvidas, novos cenários e critérios poderão apontaram alguns desafios relacionados à implementação de iniciativas de
ser incorporados na análise e ajustes nos critérios já utilizados poderão ser recuperação na região da Caatinga, como:
realizados, aperfeiçoando o tratamento de questões como: i) conhecimento de tecnologia para a implementação de iniciativas de
i) o potencial de regeneração natural e suas relações com as áreas de alto recuperação que considerem a realidade local;
índice de desertificação; e ii) capacitação de profissionais em todos os setores da cadeia de
ii) os valores associados a produtos e serviços da cadeia da recuperação, recuperação;
que poderiam ser utilizados na elaboração das camadas de retorno iii) linhas de financiamento contínuas para pesquisas e ações de recuperação
socioeconômico e custos de implementação da recuperação. da vegetação nativa;

Além disso, os benefícios da recuperação relacionados à água e a questões iv) engajamento e governança dos diferentes atores envolvidos na temática
socioeconômicas merecem destaque, devido às condições climáticas e aos da recuperação; e
desafios sociais e econômicos da região. O papel da recuperação da vegetação v) políticas públicas relacionadas a esta temática, voltadas tanto para
nativa na melhoria da qualidade da água, no controle dos fluxos hídricos, na pequenos quanto para grandes proprietários de terra.
retenção de sedimentos e na ciclagem das chuvas, são exemplos de critérios
que poderiam ser considerados. A variação espacial da demanda hídrica Estes resultados podem auxiliar a contornar alguns destes desafios,
também poderia ser incorporada, de modo a garantir que o benefício gerado principalmente relacionados à elaboração de políticas públicas e linhas de
esteja próximo às áreas com maior demanda. Já a inclusão de outros aspectos financiamento de incentivo à recuperação da vegetação nativa. Além disso, a
relacionados às demandas sociais locais, como a geração direta de renda elaboração de cenários, bem como a quantificação de seus potenciais custos
e a demanda por madeira (e outras espécies de uso próprio ou comercial), e benefícios, reduz a percepção dos riscos associados à implementação
embasaria políticas públicas para aumentar a qualidade de vida da população das iniciativas de recuperação, diminuindo inseguranças e aumentando a
e impulsionar a implementação de projetos de recuperação em larga escala na utilização desses resultados por tomadores de decisão, embasando suas
Caatinga. ações no território.
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Conclusão
Este exercício de priorização espacial, realizado no âmbito do integrada da paisagem. O objetivo da recuperação de paisagens
projeto GEF Terrestre, oferece, pela primeira vez, soluções envolve a implementação de paisagens multifuncionais, identificando
alternativas para a recuperação da vegetação nativa da Caatinga, áreas com maior aptidão para a adoção de práticas sustentáveis
considerando clima, biodiversidade, recursos hídricos, retorno na agropecuária e silvicultura e áreas para serem destinadas à
socioeconômico e custos associados à recuperação. Os cenários conservação, conciliando diferentes usos da terra.
elaborados oferecem uma gama de opções aos tomadores de
O planejamento espacial deve ser considerado como uma etapa de
decisão, que podem se basear em um critério específico (por
um processo amplo de implementação de projetos de recuperação.
exemplo, a conservação da biodiversidade) ou em múltiplos
Sua utilização deve ser seguida da elaboração de um plano de ação
critérios, dependendo do contexto e das demandas locais. Contudo,
para a implementação dos projetos, envolvendo atores locais que
a alocação inteligente das áreas a serem recuperadas, por si só, não
serão impactados positiva ou negativamente pelas ações previstas.
garante o alcance máximo do potencial de benefícios estimado na
Para isso, o planejamento dos projetos deve considerar o diagnóstico
modelagem.
do contexto local e as demandas socioambientais, culturais e
Uma forma de assegurar o maior retorno dos benefícios da econômicas da região, assim como as suas potencialidades,
recuperação é expandir o olhar para as paisagens, visando não só identificando oportunidades e assegurando maiores chances de
a funcionalidade ecológica, mas também as melhorias no bem- sucesso.
estar humano, por meio da adoção de uma abordagem de gestão

IIS 20
Glossário do principais conceitos adotados

Recuperação da vegetação nativa: Critérios de priorização: benefícios


restituição de um ecossistema ou custos associados à recuperação,
degradado a uma condição não que se deseja maximizar ou minimizar,
degradada, coberta por vegetação respectivamente, através do
nativa, por meio de métodos adequados planejamento espacial.
à região. A recuperação pode ser
alcançada através de diferentes níveis de Cenários de recuperação: combinações
intervenção humana, que variam desde de diferentes critérios (benefícios e/ou
a condução da regeneração natural até o custos), que representam os objetivos
plantio de sementes e mudas. da recuperação.

Planejamento espacial da recuperação: Metas de recuperação: área a ser


definição dos objetivos, metas e áreas recuperada em cada cenário.
prioritárias para a implementação das
Gestão Integrada da Paisagem: apoia
ações, visando desenvolver um sistema
de forma conjunta a produção de
dinâmico e robusto de suporte à tomada
alimentos, a conservação e recuperação
de decisão.
de ecossistemas naturais e suas
Priorização de áreas para recuperação: contribuições para as pessoas e o bem-
identificação das áreas mais importantes estar da população rural, abrangendo
a serem recuperadas, de acordo com componentes sociais, econômicos e
critérios estabelecidos de forma ambientais.
participativa.

Foto: Joaquim Freitas

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Créditos Referências
AUTORES (IIS) REVISÃO GERAL Brasil/MMA (2008). Plano Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC. Disponível em: <https://www.mma.gov.br/
Viviane Dib Ana Castro (IIS) estruturas/smcq_climaticas/_arquivos/plano_nacional_mudanca_clima.pdf>
Mariana Iguatemy (coordenadora) Fernanda Gomes (IIS)
Eric Lino Iara Sabato Romano (IIS) Brasil (2012). Lei nº. 12.651 de 25 de maio de 2012. Lei de Proteção da Vegetação Nativa. Brasília, DF. Disponível em:
Juliana Monteiro de Almeida Rocha Breno Drumond Valle (IIS) < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm>
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Para saber mais sobre as instituições envolvidas Myers, N., Mittermeier, A., Mittermeier, C.G., Fonseca, G.A.B., Kent, J. (2000) Biodiversity hotspots for conservation
nesse estudo, acesse: priorities. Nature, 403: 853-859.
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Ministério do Meio Ambiente - MMA Pernambuco (2016). Lei nº 15.809 de 17 de maio de 2016. Política Estadual de Pagamento por Serviços Ambientais.
Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=320610#:~:text=O%20Subprograma%20PSA%20
%C3%81gua%20tem,de%20vaz%C3%A3o%20dos%20cursos%20h%C3%ADdricos.
Este material foi produzido no âmbito
do Projeto Estratégias de Conservação,
Restauração e Manejo para a Biodiversidade
da Caatinga, Pampa e Pantanal (GEF Terrestre).
Para saber mais, acesse: IIS-GEF Terretre

Citação sugerida:
Dib, V., Iguatemy, M., Lino, E., Almeida-Rocha, J., Rocha, D., Lacerda, E., Oliveira, L. G., Capellão, R., Cordeiro, C. L.,
Mendes, M., de Almeida, V. P., Scaramuzza, C. A. M., & Strassburg, B. B. N. 2022. Sumário Executivo para Políticas
Públicas: Priorização de áreas para recuperação da vegetação nativa na Caatinga. In: Projeto GEF Terrestre:
Estratégias de Conservação, Restauração e Manejo para a Biodiversidade da Caatinga, Pampa e Pantanal.

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